vigas-mestras: outras narrativas concretas

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vigasmestras

outras narrativas concretas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vigas mestras : outras narrativas concretas [livro eletrônico] / Academia de Curadoria. São Paulo , 2022. PDF.

Vário s colaboradores. ISB N 978-65-00-50785-0

1 . Art e concret a - Exposiçõe s - Brasi l 2 . Arte concreta - Historiografia 3. Curadoria I. Academia de Curadoria. II. Título.

22-123749 CDD-700.74

Índices para catálogo sistemático:

1.Arte : Exposições : Catálogos 700.74

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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conteúdos

Arquivos de arte e a historiografia - Marilúcia Bottallo (IAC)

vigas-mestras: outras narrativas concretas - Ana Avelar (AdC)

Educomunicação para exposições do presente (Educativo AdC)

Vigas-mestras: práticas curatoriais em arquivos (Memorial Webinário)

Lothar Charoux

Hermelindo Fiaminghi

Luiz Sacilotto

Sérvulo Esmeraldo

Willys de Castro

Transcrições dos documentos - Lothar Charoux

Transcrições dos documentos - Hermelindo Fiaming

Transcrições dos documentos - Sérvulo Esmeraldo

Transcrições dos documentos - Luiz Sacilotto

Transcrições dos documentos - Willys de Castro

Ficha técnica

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Arquivos de arte e a historiografia

Qual a real necessidade dos arquivos históricos para a arte contemporânea? Como ressignificar rastros e indícios de memória e permitir que se tornem algo in teligível e que, além disso, tragam nova luz aos estudos sobre a arte e os artistas?

Fiaminghi, Charoux, Sacilotto, Esmeraldo e Willys foram escolhidos pelos mem bros da Academia de Curadoria para buscar relações e cruzamentos possíveis entre os documentos do arquivo, a historiografia da arte e seu próprio olhar sobre aquilo que nos chega como narrativas sobre a importância de tais artistas para nossa compreensão de parcela fundante da arte contemporânea no país.

A partir de um tema central e cinco curadorias feitas por esse grupo hetero gêneo e multidisciplinar liderado por Ana Cândida Avelar, buscou-se responder a essas questões por meio de um olhar renovado para estes artistas presentes no acervo do Instituto de Arte Contemporânea.

Aos cânones estabelecidos pela historiografia tradicional, aos poucos, vão se inserindo ruídos advindos da pesquisa feita com documentação primária que conduzem a novas possibilidades de olhares e interpretações do fenômeno da arte e de seus protagonistas.

Consideramos que as curadorias executadas pela Academia de Curadoria junto aos arquivos do IAC, ao mesmo tempo em que ampliam as possibilidades narrativas sobre tais artistas, os reiteram como as ‘vigas-mestras’ de um período profundamente fértil, original e vigoroso da arte brasileira.

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vigas-mestras: outras narrativas concretas

É inegável a centralidade da arte concreta na historiografia da arte no Brasil. Certa vez pejorativamente denominada Bauhaus exercises pelo olhar estrangeiro presente nas Bienais de São Paulo em fins da década de 1950, a crítica brasilei ra respondeu defendendo o desenvolvimento independente da arte local. Suas personagens, obras e eventos foram examinados com escrutínio por pensadores comprometidos em construir uma narrativa que garantisse a relevância dessa produção. O lugar dos concretismos foi assim conquistado a duras penas e re sultou de um esforço conjunto de artistas e crítica, mais tarde somando-se aí a academia, para que se consolidasse como movimento incontornável para a com preensão da arte contemporânea por estas bandas.

Como é característico da natureza das narrativas, frisaram-se nesse recor te apenas alguns protagonistas. Uma voz razoavelmente uníssona foi incorpora da também pela pesquisa, que se apoiava largamente em textos assinados por porta-vozes de grupos, artistas ou críticos alinhados a estes. Devido ao acesso limitado às fontes primárias e contando com algumas poucas iniciativas de sis tematização desses materiais, a narrativa das artes concretas seguiu seu curso. Ocasionalmente, pesquisadores atentos aos hiatos incômodos dessa história pro moveram fissuras que, aos poucos, iam sendo incorporadas à compreensão geral desses episódios. Hoje, lançando-se luz sobre personagens esquecidas, eventos menosprezados, obras ausentes, surgem abordagens revisionistas, novos câno nes e concepções de uma história polifônica.

Atualmente abrigando onze extensos Fundos de artistas, o Instituto de Arte Contemporânea - IAC traz inúmeras possibilidades de se compreender as artes concretas no país. Diante desse acervo gratuito e largamente sistematizado, a Academia de Curadoria apresenta esta exposição digital que explora histórias contadas por esses Fundos, relatando aspectos pouco abordados. Nessa direção, apropriamo-nos e ampliamos o epíteto conferido por Waldemar Cordeiro apenas a Luiz Sacilotto: a “viga-mestra” das artes concretas não se referiria a apenas um artista, dado que tantos e tantas compuseram essa multiforme ambiente que ain da guarda muitas outras narrativas a serem desvendadas.

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Educomunicação para exposições do presente

O desafio de mediar uma exposição de arte virtual foi parte da rotina de gran de parte das instituições, na persistente realidade do distanciamento social. Dian te desse quadro, de uma ocupação virtual subitamente imposta, cada equipe na vegou pelos espaços das redes da maneira que foi possível.

No entanto, a equipe do núcleo de educação e comunicação do Academia de Curadoria observou rapidamente o aprimoramento de educadores e mediadores que passaram a empreender pesquisas na área de comunicação digital, utilizan do ferramentas e linguagens diversas e adquirindo uma familiaridade decisiva com as especificidades das redes sociais.

Para o Academia de Curadoria, grupo de pesquisa que se consolida em meio à pandemia e se apropria das possibilidades múltiplas que os encontros virtuais oferecem, o caminho se apresentou de maneira bastante intuitiva: ao aproximar definitivamente as ações de comunicação e mediação, formamos a equipe de educomunicação1

Este núcleo surge de uma compreensão de que as duas áreas se entrelaçam em exposições de arte em ambientes digitais. Fatores comuns a ambas, como al cance, linguagem e retorno do público foram amplamente discutidos e conside rados nas estratégias de mediação e comunicação adotadas para a exposição Vigas-mestras: outras narrativas concretas.

Em retrospectiva, a experiência nos mostrou que o público heterogêneo e va cilante das redes pode ser atraído a conhecer uma exposição de documentos, através de linguagem apropriada e de uma narrativa atraente. Além de ser pos sível alcançar um público-alvo específico e até atrair pesquisadores para explo rarem por si mesmos o vasto acervo do Instituto de Arte Contemporânea - IAC, a

O conceito de educomunicação, que circula no Brasil desde 1999, designa a aproximação entre as áreas de pedagogia (educação popular) e teoria da comunicação (mídias e tecnologia). Aqui empregamos em sentido ampliado, específico em nossa ação de aproximar pesquisadores e estudantes das diversas áreas em uma prática comum, pautada ainda pelo pensamento curatorial coletivo do Academia.

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Educomunicação para exposições do presente

Carrosséis criados para o Instagram, trazendo tópicos relevantes para a exposição, aproximando o público da temática de Arte Concreta e Curadoria.

ocupação desses espaços digitais revelou a possibilidade de transformá-los em espaços de discussão. Ampliando o alcance desse conteúdo, aumentou também as perspectivas de debate e a divulgação de pesquisas em outros meios que não só o acadêmico.

Por outro lado, foi possível compreender também que a própria escolha de fun dir a mediação cultural e a comunicação criou impasses em relação aos objetivos e às expectativas traçadas em cada processo. Afinal, somos parte do sistema que experimenta os desafios mencionados na primeira linha deste texto. Propomos aqui o convite para discutir, examinar e compartilhar publicamente cada um deles.

Mesmo que a aproximação dessas áreas aconteça para além das exposições em ambiente digital, o trabalho desenvolvido para o projeto em parceria com o IAC se estabelece como uma experiência frutífera no caminho para novas práti cas nas áreas em questão e nas necessidades urgentes geradas pela pandemia.

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Educomunicação para exposições do presente

Nesses vídeos, os curadores escolhiam um dos documentos selecionados para a exposição para comentá-lo.

Neste sentido, assumimos a urgência em nos inserirmos nesse novo modelo de comunicação e interação, estendendo a dinâmica para outras iniciativas - inclu sive em exposições físicas.

Parte fundamental de Vigas-Mestras: outras narrativas concretas foi a utiliza ção das ferramentas e possibilidades dadas pelo digital para estabelecer a refle xão, seja para pensar na curadoria, seja para realizar a pesquisa em arquivo. Esta beleceu-se, desta forma, a mediação de exposições para os públicos de além-tela como uma componente do projeto por inteiro.

A respeito das questões sobre avaliação e acesso de públicos a partir da lógi ca quantitativa -- retomando aqui o debate sobre a catracalização das institui ções --, transportam-se para este novo universo, por meio das análises de métri cas e dados de acesso, as batalhas com algoritmos.

Diante deste cenário, investigamos como é possível nos beneficiar das discus sões já desenvolvidas pela teoria da comunicação e da educação para elaborar novas estratégias de mediação cultural. Organizamos conversas com seguidores dos perfis de Instagram do Academia de Curadoria e do IAC a fim de aproximar estes públicos às ações que o próprio IAC promove, apresentando seus Fundos e acervo de importância indiscutível à crítica e à História da Arte no Brasil. Parale lamente, utilizamos essas mesmas plataformas para realizar rodas de conversas com temas transversais à exposição, num exemplo de como faríamos em situa ções cotidianas de espaços de mediação cultural no modelo presencial.

Concluímos que o encontro entre um grupo de pesquisa em curadoria e uma instituição parceira levantou discussões pertinentes a uma prática curatorial atual e progressista e possibilitou experienciar novas abordagens e estudos das estratégias vigentes. Partimos dessa vivência, como a recém-concebida equipe de educomunicação, determinados ao hábito da ação-reflexão permanente e atentos ao presente e aos futuros desdobramentos das relações humanas, que encontram na arte, na educação e na comunicação o seu foco, num mundo que, assim como nós, está em constante transformação.

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Vigas-mestras: práticas curatoriais em arquivos

O trabalho de curadoria não se encerra quando a exposição é aberta ao pú blico. Já se fala hoje em termos de uma “virada educacional” dessa prática, afinal articular debates, encontros, ações educativas e performances ao longo da expo sição, de modo coeso, com equipes, instituições e artistas são ações que denotam o exercício contínuo da curadoria e da pesquisa. Sob essa perspectiva, o Instituto de Arte Contemporânea - IAC e o Academia de Curadoria realizaram o webinário “Vigas-mestras: práticas curatoriais em arquivos” com o propósito de debater so bre as potencialidades da utilização de arquivos no campo das artes e de am pliar as discussões acerca da exposição virtual Vigas-mestras: outras narrativas concretas, inaugurada em agosto de 2022.

O evento gratuito, com três encontros em formato virtual transmitidos pelo ca nal do Youtube do Academia de Curado ria, refletiu sobre a importância dos acer vos utilizados tanto como fonte primária de pesquisas curatoriais, quanto como material para criação artística.

No primeiro dia, 20/10, a doutora em Ciências da Informação e diretora técnica do Instituto de Arte Contemporânea, Ma rilucia Bottallo, abriu o evento e conversou com toda a equipe do Academia de Cura doria, responsáveis pela exposição virtual elaborada a partir dos fundos dos artistas Lothar Charoux, Sérvulo Esmeraldo, Willys de Castro, Luiz Sacilotto e Hermelindo Fia minghi, depositados no IAC.

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Vigas-mestras: práticas curatoriais em arquivos

Materiais prozidos para a divulgação do Webinário vigas-mestras, ocorrido entre os dias 20 e 22 de outubro, de forma online no canal da Academia de Curadoria no YouTube.

No dia 21/10, o artista e pesquisador Orlando Maneschy – curador da Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará - UFPA –, o artista visual Wisrah Villefort – ganhador da Swiss Arts Council Pro Helvetia Residency Grant – e a pesquisadora Carla Cruz – diretora de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) – discutiram conceitualmente suas experiências com acervos na mesa “Arquivos contemporâneos em debate”.

Já no dia 22/10, a artista visual, professora e pesquisadora Mabe Bethônico apresentou uma fala inédita sobre seu trabalho com base em arquivos de institui ções, como museus e escolas. Trabalhando com camadas de material histórico e de ficção, a artista questiona a organização do conhecimento ao narrar proces sos de pesquisa.

Assim, buscou-se examinar o arquivo além de seu contexto institucional e his tórico para uma análise mais abrangente e crítica das condições de sua (in)visi bilidade, abordando as ações de difusão desses materiais em ambientes digitais e acessíveis e a elaboração de novas narrativas. Nesse sentido, o webinário tor na-se uma referência fundamental para a pesquisa e articulação de trabalhos com acervos de artistas ao abordar tais acervos como centros operativos para a investigação experimental no campo das artes, na produção artística e nas prá ticas pedagógico-curatoriais.

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lothar

charoux

Lothar Charoux (Viena, 1912 – São Paulo, 1987) iniciou os estudos em arte com seu tio, o escultor austríaco Siegfried Charoux. Chegou ao Brasil em 1928 e logo se fixou em São Paulo, onde frequentou o Liceu de Artes e Ofícios. Em 1947, realizou sua primeira exposição indivi dual na Galeria Itapetininga. A partir de 1948, volta-se às questões construtivas e é signatário do Manifesto Ruptura em 1952. Foi home nageado com retrospectiva no MAM-SP e no MAM-RJ em 1974. Em 2005, foi publicado o livro Lothar Charoux: A Poética da Linha, orga nizado por Maria Alice Milliet.

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Cronologia: Charoux

Imigra para o Brasil ao encontro de sua mãe, que aqui trabalhava em espetáculos teatrais no sul do país. Vive no Mato Grosso, no interior e depois na capital de São Paulo.

Participa da exposição 19 Pintores, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo. Realiza sua primeira exposição individual na Galeria Itapetininga, em São Paulo, onde apresenta a obra Calvário.

Lothar Charoux juntamente com Anatol Wladyslaw, Geraldo de Barros, Kazmer Féjer, Leopoldo Haar, Luiz Sacilotto e Waldemar Cordeiro, funda o Grupo Ruptura.

Charoux participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Integra a Coletiva Inaugural 1, na Galeria Novas Tendências, em São Paulo, e juntamente com Fiaminghi e Sacilotto, Charoux funda a Associação de Artes Visuais NT.

Participa da exposição Arte Brasileira no Exterior a qual, viajou ao longo de dois anos por várias cidades dos Estados Unidos da América.

Recebe retrospectiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Recebe uma exposição individual intitulada Lothar Charoux: Razão e Sensibilidade, de curadoria de Maria Alice Milliet, promovida pelo Instituto de Arte Contemporânea – IAC

Fonte de pesquisa: Banco de dados do Instituto de Arte Contemporânea – IAC.

12 1928 1947 1948 1950 1956 1963 1971 1974 2014

o rigor e a sensibilidade de lothar charoux

Mário Pedrosa, em 1962, definiu Lothar Charoux (1912-1987) como “um artista cons ciencioso e coerente”. As palavras de Pedrosa permeiam e ressoam muitos dos tex tos críticos encontrados no Fundo Lothar Charoux depositados no Instituto de Arte Contemporânea - IAC: a trajetória do artista austríaco radicado no Brasil é percebi da, em geral, como consistente e guiada por uma obstinada investigação sobre a linha e o plano.

Ao rigor, somam-se – ou contrapõem-se – a sensibilidade e o humor, traços mar cantes de sua personalidade e que são constantemente evocados na descrição de seus trabalhos e que, à primeira vista, parecem contradizer os princípios mecanicis ta e anti-impressionista da arte concreta. Charoux, ainda em uma observação de Pedrosa, possuiria “um rigor que se disfarça”, usando de forma lírica a refração da luz e a relação entre ponto e linha, evocando, constantemente, a participação da imaginação do espectador para composição de suas obras.

Ao mergulharmos nos documentos textuais do Fundo, nos deparamos também com uma narrativa comum sobre a vida do artista: relatos sobre o seu processo mi gratório, seus estudos no Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo – onde teve como professor Waldemar da Costa e se aproximou, entre outros, de Maria Leontina e Mar celo Grassmann – e a vida laboral que manteve em paralelo a sua carreira artística por toda sua vida.

Diante disso, os textos iniciais que selecionamos para compor este recorte expo sitivo dizem respeito ao início da sua trajetória: ainda no figurativismo, gerava des confiança na crítica quanto à escolha dos júris por suas obras, pois seus trabalhos já apontavam para a forma simplificada e para a abstração.

Em 1952, um ano depois da primeira edição da Bienal de São Paulo, Charoux é um dos signatários do Manifesto do Grupo Ruptura e, a partir deste momento, inicia uma pesquisa abstrata sistemática. Críticos como Geraldo Ferraz, Walter Zanini, Má rio Pedrosa, Ferreira Gullar e José Geraldo Ferreira dedicaram textos ao seu trabalho, que passa a circular em mostras, sobretudo vinculadas à vanguarda construtiva, no Brasil e internacionalmente.

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Não gostaríamos, portanto, que a pintura fosse envolvida in teiramente pelo abstracionismo - angústia, inquietude vã, evasão metafísica - embora sejamos os primeiros a nos entusiasmar com a nobre composição e colorido de certos trabalhos de Charoux. Todavia, este é ainda um “abstracionista”: caminha para lá cada vez mais.

Suas variantes sobre temas lineares, suas soluções aos pro blemas de espaço e estrutura, suas espirais em posição áurea, suas trajetórias em ritmos dentro de espaços noturnos, Negros, onde o seu tira-linhas descreve constelações e percorre segredos de galáxias - tudo isso prova o seguinte: possibilidades ilimitadas de criar em planos chapados elementos gráficos com função plástica de efeito belíssimo.”

Diferente de outros membros do grupo concreto paulista, Charoux não traba lhava em um setor criativo da indústria (AMARAL,1998). Sua atividade principal era de comprador de matéria prima para uma fábrica de linhas localizada na Zona Oeste de São Paulo, onde também morava e tinha ateliê. Alguns críticos relacio nam a permanência da linha em sua poética com esta atividade, que exerceu por mais de 36 anos. O reconhecimento tardio de seu trabalho pelo mercado de arte fez com que somente nos anos 1970, aos 61 anos, pudesse se dedicar somente à atividade artística. Em 1974, ano de destaque na sua carreira, Charoux ganha uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que itinera, no mesmo ano, para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Tal exposição é um marco fundamental para a sua afirmação no circuito artís tico e para a divulgação do seu trabalho ao grande público. Estabelece-se uma narrativa sobre a trajetória de Charoux: seus anos de estudo, marcados pelo Ex pressionismo e pela crescente influência de Van Gogh em suas paisagens e re tratos, e por uma inflexão poética rumo à abstração e ao cinetismo. Celebrada pela crítica paulista, a exposição destaca a consistente trajetória de Charoux e a autenticidade de sua pesquisa: Jacob Klintowitz, crítico e curador, o compara a um operário, que cumpre o seu dever sem esperar reconhecimento social, e sub linha o papel da mostra como um momento celebratório de tão prolífica carreira; Ernestina Karman (1915-2004) destaca o quão equivocado é associá-lo a um discí

Charoux e Toledo Lara, de Ibiapaba Martins, Texto publicado no Correio Paulistano, São Paulo, 1948 Lothar Charoux, de José Geraldo Vieira. Texto publicado no Correio Paulistano, São Paulo, 1958.
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Nos últimos dez anos, essa seriedade se traduz sobretudo pela coerência e pela economia de meios. Charoux optou por uma obra predominantemente gráfica, muito mais desenho que pintura, onde apenas o traço reina soberano. Como tendência geral, poderia ser enquadrada na op art - muito antes que a op tivesse virado uma moda européia de exportação.”

O traço soberano, de Olívio Tavares de Araujo. Texto publicado na Revista Veja, São Pau lo, 1974.

pulo do cinetismo de Vasarely e aponta para a unicidade de sua pesquisa geo métrica sensível. Já a matéria da revista Veja, de 1975, assinada por Otávio Tavares de Araujo, é também celebratória e salienta o aspecto humano das proposições geométricas e, muitas vezes, monocromáticas de Charoux.

Entretanto, a itinerância da mostra para o Rio de Janeiro não é aclamada pela crítica local. A documentação disponível sobre a recepção da mostra presente no Fundo é escassa, e uma nota no jornal O Globo, nos ajuda a entender o tom geral de tal recepção: “Retrospectiva serve para dar a dimensão completa deste artista sóbrio e racional que, apesar de ter exposto no Rio de Janeiro, é compreensivel mente pouco conhecido entre os cariocas”. Charoux, em uma carta pessoal, tam bém destaca o quão ansioso está para saber qual a recepção do público carioca para sua consistente trajetória acerca da abstração.

Os prováveis motivos para essa recepção pouco calorosa poderiam ser espe culados: seria uma continuidade na relação conflituosa entre os grupos de artis tas concretos de São Paulo e Rio de Janeiro que se inicia em 1957 com a Exposição de Arte Concreta realizada no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro? Esta re lação de causalidade é possivelmente verificável. Independentemente de tal po lêmica, a crítica carioca do período também estima a trajetória e consistência de Charoux, e ressalta sua inventividade, como se lê no texto de Roberto Pontual para o folder da mostra: “(...) sua atuação como pintor e desenhista vem-se estenden do continuadamente entre nós há mais de trinta anos, numa contribuição que se evidencia sobretudo pela coerência evolutiva (...)”. O crítico destaca ainda as pro posições visuais e ópticas levadas à cabo pelo artista e o convite feito ao público para integrá-las.

A retrospectiva de Lothar Charoux nos Museus de Arte Moderna de São Paulo e Rio de Janeiro é um marco para a recepção crítica do artista. Reafirma-se uma narrativa quase evolutiva sobre seu trabalho: do Expressionismo, passando pelo cubismo e rumo a uma abstração geométrica sensível e humana.

A crítica do período e que vem a posteriori, como o importante catálogo da mostra Lothar Charoux: A Poética da Linha, curada por Maria Alice Milliet, compar tilham o discurso sistematizado a partir de tal mostra – um marco para o artista, uma vez que tem sua primeira individual em vida.

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Superada a fase inicial figurativa, sob a influência básica de seu professor Waldemar da Costa, a fidelidade a uma mesma lin guagem vale por definição do trabalho de Lothar Charoux nos últimos quinze ou dezesseis anos. Das fórmulas estilísticas funda mentais no expressionismo e no cubismo veio chegando, pouco a pouco, aos limites externos da abstração.”

Lothar Charoux: retrospectiva, de Roberto Pontual. Texto publicado na ocasião da mos tra individual do artista no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1974.

Estudo do artista Lothar Charoux. Desenho abstrato na cor cinza sobre fundo preto.

Título: sem título

Data: s/d

Nº de ordem IAC: 20584

Tipo: Serigrafia Autoria: Lothar Charoux

Desenho abstrato geométrico, frente e verso, com fundo preto à nanquim amarelo.

Título: sem título

Data: s/d

Nº de ordem IAC: 20644

Tipo: Nanquim sobre papel Autoria: Lothar Charoux

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fiaminghi hermelindo

Hermelindo Fiaminghi nasceu em São Paulo em 1920. Pintor e de senhista, publicitário, litógrafo e artista gráfico. Aderiu ao Grupo Ruptura e atuou junto aos poetas concretos, desenvolvendo o projeto gráfico de vários poemas. A partir dos anos 1960, passa a nomear sua produção como corluz. Nos anos 1980, permite-se uma maior liberdade em relação à estrutura da tela e do papel e realiza suas séries de desretratos e despaisagens, contudo, sua busca continua a mesma: a luz e a cor como recurso.

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Cronologia: Fiaminghi

Estuda até 1941 no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo com Waldemar da Costa.

Participa da III Bienal Internacional de São Paulo. É identificado pela crítica como um pintor concreto.

Adere ao Grupo Ruptura. Participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta, MAM SP.

Participa da exposição 6 Artistas Concretos, na Galeria de Arte das Folhas.

Rompe com Waldemar Cordeiro, líder do grupo Ruptura, sem contudo se afastar dos demais colegas.

Exposição individual na Galeria Novas Tendências. Grande Retrospectiva organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Exposição individual no MAC Niterói, RJ. Falece no ano seguinte.

O IAC promove uma exposição individual intitulada Fiaminghi. Pensamentos Compostos, na intenção de apresentar e divulgar ao público a sua rica e importante documentação.

Fonte de pesquisa: Banco de dados do Instituto de Arte Contemporânea – IAC.

1936 1955 1956 1958 1959 1964 1980 2003 2017 18

fiaminghi: o vento continua.

Diante dos papéis conferidos pela historiografia, Waldemar Cordeiro (19251973) é visto como líder teórico do Grupo Ruptura, uma figura que dominava os holofotes, relegando seus companheiros aos bastidores e oferecendo diretrizes à narrativa do concretismo paulista. Neste sentido, Luiz Sacilotto (1924-2003) apare ce muitas vezes como o artista mais proeminente; a paixão pela linha permeava tanto a obra como a vida profissional de Lothar Charoux (1912-1987); Judith Lauand (1922) a única mulher do grupo. A Hermelindo Fiaminghi (1920-2004) foi conferido um papel que o circunscrevia no ambiente publicitário. Ao analisar os documen tos do Fundo deste artista no IAC, vemos essa história se repetir nos recortes de jornais da época, porém não sem incômodo, quando confrontados com outros depoimentos ali preservados.

Na pesquisa, uma data em especial chama a atenção: o falecimento preco ce de Cordeiro, em 1973, evidencia a abertura de espaço para vozes dos demais integrantes.

Uma data anterior, porém muito significativa, é estabelecida por meio de car ta de Fiaminghi em 1959 aos seus colegas, na qual declara seu rompimento com o Grupo Ruptura por se sentir um “intruso”. Segundo ele, os dogmatismos impostos por Cordeiro levaram-no a se distanciar do grupo para poder rever sua arte.

Essa baliza temporal nos permite observar a produção de Fiaminghi em três momentos: descoberta e adesão ao concretismo; distanciamento que não pode ser considerado uma separação efetiva, pois Fiaminghi continua a conviver e ex por com o grupo, mas que lhe permite mais independência; e após o falecimento de Cordeiro, que, sem ambicionar um papel como novo líder, acaba por elaborar com maior profundidade as questões de sua obra e do movimento como um todo.

Partindo dessas questões, a seleção de documentos apresentada oferece um panorama de como Fiaminghi foi visto pela imprensa e como ele próprio viu sua participação no concretismo ao longo dos anos.

Em 1965, encontramos Fiaminghi entre os colegas concretos na criação da ga leria Novas Tendências, NT como gostavam de chamar, um espaço cooperativo mas sem filiações a “ismos”. Sediada em um edifício na rua General Jardim, em

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Arte não se ensina. Propõe-se a percepção das coisas en quanto uma elaboração mediante um trabalho criativo-didáti co que possibilita a descoberta dos talentos, ou encaminhados a descobrirem-se por si próprios. Cada indivíduo é um “artista” em potencial, bastará que se lhes mostre de maneira concreta a percepção das coisas que estão ao seu redor, no cotidiano, de suas vidas, daí para frente é uma questão de cultura e informa ção para que se faça melhor arte ou não.”

Diário do Grande ABC. Santo André, São Paulo, 9 de setembro de 1969, Fiaminghi/ entre vista a Enock Sacramento

Enfim, em resumo o debate interno não é feito francamente, não é livre, não é construtivo, é autodestrutivo e complexo, tão complexo em seus objetivos práticos que chega a confundir-se dentro do grupo, como confunde-se toda iniciativa dentro das organizações oficiais ou particulares, contra um programa mais amplo”

Lothar Charoux, de José Geraldo Vieira. Texto publicado no Correio Paulistano, São Paulo, 1958.

São Paulo, servia de ateliê, espaço expositivo e de ponto de encontro para troca de ideias ao fim do dia, como o espírito boêmio da época pregava. Se em 1959 Fiaminghi pedia “demissão” do grupo Ruptura devido ao excesso de controle em torno da produção, a filiação à galeria NT se torna um espaço de reativação da produção coletiva, sendo, aliás, um dos fundadores do empreendimento. Nas pri meiras linhas do programa expositivo lemos:

NT não pertence a um grupo e nem pretende uniformizar opiniões. É uma condição aberta ao artista que, no âmbito de uma natureza comunicati va direta, autônoma e substantiva, contribui para a delineação das novas poéticas. Não subscreverá eventuais tentativas de englobar anonimamente os seus expositores em mais um “ismo”. Diversamente, é partindo da simul taneidade de pesquisas, sensibilidade individual e opiniões de cada artis ta, que se poderá ter uma visão real das contradições — dialeticamente falando — que caracterizam a situação presente e a arte de vanguarda. Pretende, outrossim, oferecer ao público a informação adequada e qualifi cada, nacional e internacional de ideias que tenham relação com as novas tendências da arte de “vanguarda”.

Fica clara a importância da liberdade criativa de cada integrante como pilar fundamental da organização da NT, para que o público também pudesse encon trar ali um espaço de aproximação com a produção de vanguarda.

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Eu preciso criar uma impressão para criar uma expressão

Eu preciso dialogar com uma impressão para criar uma expressão

Criou minhas próprias impressões para criar outras expressões.

Van Gogh escreve numa carta à Theo ‘O moinho não mais existe, mas o vento continua’.

Pretendo

É uma pintura que se realiza no espaço, em vários planos de movimentos em profundidade, que sai do olho e volta para o olho.”

Diário de bordo e bordoadas. Registro de ideias coisas poécos e poetextos poexistentes de H. Fiaminghi. c. 1984, Hermelindo Fiaminghi

Uma década depois, localizamos Fiaminghi dando um importante depoimen to para o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo - IEB USP. Talvez a primeira de muitas declarações que daria ao longo da vida sobre o con cretismo. Esse depoimento prestado durante a realização do IV Curso de Cultura Brasileira, em 1975, traz grande riqueza de detalhes e percepções do artista sobre o desenvolvimento daquela manifestação. Aqui não podemos deixar de pontuar que diante do falecimento precoce de Waldemar Cordeiro, a voz de outros inte grantes do movimento, como no caso de Fiaminghi, ganham espaço e visibilidade sobre a narrativa concreta. Na exposição trazemos ainda mais duas entrevistas de Fiaminghi, uma em 1992 e outra em 1998, que localizamos no Fundo do artista no IAC, que complementam sua visão deste período tão seminal.

Um belo depoimento, dessa vez de cunho jornalístico, foi publicado na colu na Itinerários no Diário de São Paulo em 1979, à convite de Jorge Vasconcellos e Philadelpho Menezes. Sob o título de “Conscientizei-me que a pintura era a prin cipal coisa ou profissão que eu poderia almejar”, vemos Fiaminghi declarar sua devoção pela pintura e como sua trajetória profissional foi sempre pautada pela necessidade de se dedicar a pintura.

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Ocorreu de me tornar pintor repentinamente, por volta de 1948.

Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou profis são que eu poderia almejar. Começou, então, uma luta de cons ciência comigo mesmo, que durou alguns [anos], para assumir a profissão de pintor. É muito difícil dizer hoje: “profissão de pintor”.

Acho que a profissão de pintor é mais a profissão de um cara tei moso e persistente. Não há nenhuma condição de o cara se dizer pintor profissional, viver da pintura. Ela acontece.”

Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou profissão que eu poderia alme jar. Diário de S. Paulo, São Paulo, 9 de junho de 1979, Hermelindo Fiaminghi

Gravura de Fiaminghi preservada no acervo IAC

Título: sem título

Data: s/d

Nº de ordem IAC: 28931

Tipo: Serigrafia a cores

Autoria: Hermelindo Fiaminghi

Gravura de Fiaminghi preservada no acervo IAC

Título: sem título

Data: s/d

Nº de ordem IAC: 28993

Tipo: Serigrafia a cores

Autoria: Hermelindo Fiaminghi

Apresentamos também dois documentos manuscritos do artista: lista de pig mentos importados datada de 1978 - ano da única viagem ao exterior feita pelo artista - e “Diário de bordo e bordoadas”, de cerca de 1984, em que Fiaminghi re gistra “ideias de coisas poécos, poetextos e poexites”. Nesse pequeno caderno, notamos diferentes facetas do artista que se aventura pela escrita e experimenta novas formas poéticas com reflexões e anotações, como a citação de Van Gogh, que dá nome a esta exposição: “O moinho não mais existe, mas o vento continua”.

Reverberando a referência quixotesca: se não luta mais contra o moinho, a ne cessidade de criar continua. Do mesmo modo, o desejo e a vida seguem. O que dá sentido à existência do pintor é a busca permanente, e sua pintura é a forma de se expressar no mundo.

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luiz

sacilotto

Natural de Santo André, São Paulo, Luiz Sacilotto (1924 - 2003) come çou seus estudos na Escola Profissional Masculina do Brás em 1938, no curso de pintura industrial. Apresenta em seus primeiros traba lhos composições figurativas de tendência expressionista e, já em fins da década de 1940, começa suas pesquisas iniciais acerca da abstração geométrica. Participa da formação do Grupo Ruptura ao lado de Waldemar Cordeiro e Lothar Charoux, sendo um dos sig natários do manifesto de 1952, e é tido como um dos principais ex poentes da arte concreta no país.

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Cronologia: Sacilotto

É diplomado pelo Instituto Profissionalizante Masculino do Brás com habilitação em Pintura e Decoração

Integra a equipe do escritório de arquitetura de Jacob Rutchi como desenhista-projetista.

Dá início às suas participações em exposições na exposição intitulada Quatro Novíssimos, realizada no Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, no RJ.

Participa da importante exposição intitulada 19 Pintores, realizada na Galeria Prestes Maia, em São Paulo.

Atua até 1950 na Rodolfo Weigand Engenharia como desenhista de arquitetura

Sacilotto participa da I Bienal Internacional de São Paulo, realizada no Pavilhão do Trianon e do I Salão Paulista de Arte Moderna, realizada na Galeria Prestes Maia, em São Paulo.

Em 1980 Luiz Sacilotto realiza sua primeira exposição individual intitulada Sacilotto: expressões e concreções, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Em 1997 participa da I Bienal de Artes Visuais do Mercosul, realizada em Porto Alegre.

Em 2003, ano de seu falecimento, Sacilotto participou das exposições Arte & Artistas: exposição dos dezenove pintores, bem como da mostra Construtivismo e a Forma como Roupa.

Fonte de pesquisa: Banco de dados do Instituto de Arte Contemporânea – IAC.

1941 1946 1946 1947 1948 1951 1980 1997 2003 24

sacilotto expressionista

Textos e Curadoria Renata Reis

Para além dos estudos de cores, rascunhos e esquemas das composições geo métricas mais conhecidas do pintor paulistano Luiz Sacilotto (1924 - 2003), o acervo do Instituto de Arte Contemporânea - IAC também guarda impressionantes exem plares da produção figurativa do artista, em sua maioria, datadas da década de 1940. Reunindo desde pinturas e desenhos feitos para projetos acadêmicos en quanto Sacilotto ainda era estudante de pintura industrial na Escola Profissional Masculina do Brás, entre 1938 e 1943, até desenhos exibidos nas primeiras mostras coletivas de que participou no Rio de Janeiro e em São Paulo no fim dos anos 1940, parte da coleção do IAC revela trabalhos de Luiz Sacilotto ainda desconhecidos do grande público e carentes de pesquisas mais aprofundadas.

Natural de Santo André, São Paulo, Sacilotto começa seu caminho na pintura por meio de cursos práticos e trabalhos voltados para o design industrial, atuan do também como desenhista técnico de arquitetura. Sua formação no contexto fabril do ABC paulista, onde viveu praticamente a vida toda, o estudo das chama das “artes aplicadas” e suas primeiras experiências profissionais vão de encontro à ideia de sistematização dos processos de criação vinculados ao movimento concretista, e são por vezes mencionados como facilitadores de sua aproximação com a abstração geométrica.

Porém, as exposições aludidas neste recorte curatorial salientam suas pro duções figurativas anteriores ao Concretismo e a atuação ao lado do chamado Grupo Expressionista no Brasil, revelando outras influências presentes em seu pe ríodo de formação como pintor. Os primeiros documentos tratam da exposição “Os Quatro Novíssimos de São Paulo”, a primeira coletiva do artista, que teve lu gar no Instituto de Arquitetos no Rio de Janeiro em 1946 e contava também com a participação de Marcelo Grassmann (1925 - 2013), Luiz Andreatini (1921 -) e Octávio Araújo (1926 - 2015). As composições apresentadas na mostra, organizada pelo ar tista gaúcho Carlos Scliar (1920 - 2001), são entendidas como inspirações diretas do Expressionismo centro-europeu, ao ponto de alguns dos textos críticos que te ceram comentários sobre a exposição dedicarem também um espaço para ex plicar de forma sucinta o que foi o movimento.

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E quando o crítico Germain Bazin fala de “expressionismo” a propósito de Portinari, nem de longe lhe ocorre comprometê-lo com a Europa Central. Portanto, podemos dizer que é praticamen te pela primeira vez que aparece um grupo de artistas realizando uma arte conscientemente filiada ao espírito centro-europeu.”

São Paulo das Surpresas, de Ruben Navarra. Texto publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1946.

Não há porque descobrir nisso uma personalidade artística, ainda, neles. O caso de Andreatini merecerá atenção, mas, pala vra, a bola vem alta demais. O tempo do expressionismo já pas sou.”

Quatro Novíssimos de São Paulo, de Geraldo Ferraz. Texto publicado no O Jornal, Rio de Janeiro, 1946.

Já a “19 Pintores” acontece no ano seguinte, em 1947, na Galeria Prestes Maia, patrocinada pela União Cultural Brasil – Estados Unidos e é vista como um impor tante marco do Expressionismo no Brasil. Sendo uma exposição de grande reper cussão na época e com grande número de visitantes, seu principal objetivo era divulgar o trabalho de jovens artistas ainda em início de carreira. Deles exigiu-se apenas uma condição para que participassem da coletiva: que o trabalho fosse “novo” e moderno. Tendo como membros da comissão julgadora Anita Malfatti (1889 - 1964), Lasar Segall (1889 - 1957) e Di Cavalcanti (1887 - 1976), “19 pintores” serviu principalmente para mostrar as novas tendências da pintura no país em fins da década de 1940.

De modo geral, nota-se que as críticas sobre as primeiras exposições coletivas de que Sacilotto participou são heterogêneas. Por vezes acusados de “falta de personalidade” ou por serem “derivados” demasiadamente do movimento euro peu, não trazendo inovações plásticas, o elogio à qualidade técnica dos traba lhos dos artistas integrantes das mostras se mantém constante. Já no texto mais recente destacado neste recorte curatorial, datado de 1953, o crítico Walter Zanini (1925-2013) traz uma síntese da trajetória artística de Sacilotto até o momento e ressalta que, com o abandono do figurativismo, a ciência de movimentos como De Stijl e de todas as inovações trazidas por Kandinsky, Mondrian e Max Bill trou xeram novos rumos à pintura de Sacilotto.

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Como se viu, parece que os 19 pintores constituem um conjun to de jovens que desejam construir a nova pintura no Brasil, mas não sabem como. Constituindo a arte também um coordenador do pensamento social, resta aos jovens artistas discernir qual é a mais poderosa entre as diversas tendências que se expressam em nossa superestrutura.”

Notas de Arte - 19 Pintores, de Ibiapaba Martins. Texto publicado no jornal Correio Pau listano, São Paulo, 1947.

A mocidade não copia, porque a cópia é um cansaço do espí rito. Por essa razão, qualquer julgamento da mocidade a que nos referimos, seria, convém repetir, um juízo apressado. Infelizmente não vemos nesses 19 pintores os predicados inerentes a esta mo cidade. Sabem tudo e tudo ignoram.”

“19 pintores” e o ofício, de Quirino da Silva. Texto publicado no jornal Diário da Noite, São Paulo, 1947.

Linhas pretas verticais e horizontais se encontram no centro da imagem formando ângulos de 90º sobre o fundo branco.

Título: sem título Data:1974

Nº de ordem IAC: 22228

Sendo conhecido principalmente como um dos grandes responsáveis pelas pesquisas iniciais acerca da abstração geométrica no país, Luiz Sacilotto par ticipa ainda da formação do Grupo Ruptura, no início dos anos 1950, ao lado de Hermelindo Fiaminghi e Lothar Charoux – também contemplados neste conjunto de exposições –, entre outros. Nesse sentido, os documentos aqui selecionados abrem caminho para pesquisas futuras sobre o processo de transformação des sas composições figurativas entendidas como “expressionistas”, para outras, que viriam a se tornar referências do concretismo brasileiro. Para além disso, eviden cia-se que a produção daquele que era tido pelo porta-voz do Ruptura, Walde mar Cordeiro, como a “viga-mestra da arte concreta” é bastante mais complexa no sentido de um estudo constante da pintura.

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Traços desordenados formam a figura de um rosto com olhos grandes e expressivos.

Título: sem título Data: 1947

Nº de ordem IAC: 22673

Gravura de Fiaminghi preservada no acervo IAC

Título: sem título Data: s/d

Nº de ordem IAC: 28993

Tipo: Serigrafia a cores Autoria: Hermelindo Fiaminghi

Recorte do jornal O Estado de Paulo que traz a reprodução de um dos desenhos de Luiz Sacilotto expostos na mostra “19 Pintores”. Os traços acentuados mostram uma mulher sentada e apoiando o rosto sério sobre a mão. O canto inferior traz a assinatura do artista e a data de 1945.

Título: sem título Data: 17/05/1947

Nº de ordem IAC: 28475

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sérvulo

esmeraldo

Sérvulo Esmeraldo (Crato, 1929 - Fortaleza, 2017) foi um artista plu ral que explorou ao longo de sua carreira diversas linguagens plásticas, sendo considerado escultor, gravador, ilustrador e pin tor. Em 1957, realizou exposição individual no Museu de Arte Mo derna de São Paulo. No mesmo ano ganhou bolsa de estudos do governo francês, residindo no país até 1979. Em Paris, frequenta o ateliê de litogravura da École Nationale des Beaux-Arts e estuda com Johnny Friedlaender. Sérvulo realizou diversas exposições na Europa e no Brasil.

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Cronologia: Sérvulo

Começa a frequentar, em Fortaleza, a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e mantém contato com Inimá de Paula, Antonio Bandeira e Aldemir Martins.

Trabalha na montagem da 1ª Bienal Internacional de São Paulo e passa a residir na capital, onde trabalha como gravador e ilustrador no Correio Paulistano.

Realiza individual no MAM/SP e viaja para Paris, com bolsa do governo francês, onde estuda litografia na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e passa a estudar gravura em metal com Friedlaender.

Em 1962, produziu os primeiros trabalhos cinéticos, criando dois anos mais tarde os Excitáveis - objetos cinéticos feitos de acrílico, que reagem ao toque do espectador.

Durante esta década, Esmeraldo participou de diversas exposições na Europa e nos Estados Unidos da América.

Retorna ao Brasil e passa a dedicar-se também à arte pública, como o Monumento ao saneamento básico de Fortaleza (1977/1978), na praia do Náutico.

Ao longo das duas primeiras décadas do século XXI, Sérvulo Esmeraldo participou de diversas exposições individuais no Brasil e na Europa.

Exposição individual no Instituto de Arte Contemporânea – IAC, em 2014, intitulada O arquivo vivo de Sérvulo Esmeraldo.

Sérvulo Esmeraldo deu continuidade à sua produção artística e no dia 02 de fevereiro de 2017, o artista faleceu aos 87 anos na cidade de Fortaleza, Ceará.

Fonte de pesquisa: Banco de dados do Instituto de Arte Contemporânea – IAC.

1947 1951 1957 1962 1970 1978 2000 2014 2017 30

um concreto entre eixos

Textos e Curadoria

Samara Correia

Fugindo às narrativas tradicionais, Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) foi um dos ar tistas representantes do Concretismo que esteve em São Paulo apenas de passa gem, antes de seguir, em 1957, para sua longa estadia em Paris, que perdura até 1978. O Concretismo brasileiro encontrou em Sérvulo, artista nascido no Crato, Ceará, um agente para ocupar outros espaços do Brasil e do mundo.

A errância a partir da qual construiu uma carreira influencia diretamente na forma como Esmeraldo foi recepcionado pela crítica de seu tempo. Durante a pes quisa nos fundos de artistas do IAC, o que nos saltou aos olhos foi a quantidade de cartas, referências, fotografias e recortes jornalísticos sobre Sérvulo Esmeraldo. As fontes pesquisadas apresentam uma história, escrita em português e francês, so bre um artista que foi cedo para o exterior, e que, apesar disso, sempre manteve seu caráter nacional – como destacou Aracy Amaral em seu texto Sérvulo Esmeraldo: da gravura ao tato, de 1975, “artista brasileiro residente ainda em Paris, saído daqui gravador e que nos retorna multiplicado em desenhista e escultor”.

É justamente no estudo da recepção do trabalho de Sérvulo, produzido pela crítica especializada em seu retorno ao Brasil, em 1975, sobre o qual o recorte cura torial desta exposição se debruça. Na época, o artista já contava com uma carreira consolidada na Europa, e, no Brasil, seu trabalho era ainda pouco conhecido. Em São Paulo, Sérvulo foi recebido com frieza pela crítica e, em alguns casos, até mes mo com certa hostilidade.

O crítico e curador Jacob Klintowitz, no texto Esmeraldo, um geométrico fora do contexto, publicado no Jornal da Tarde no ano de 1975, questiona a “insistência” do artista no abstracionismo. Fato curioso é que Klintowitz elogiava o artista Lothar Charoux (1912-1987) justamente pelo trabalho insistente com linhas e pontos. Quais poderiam ser as especificidades do trabalho de Sérvulo que o diferenciavam da quele artista austríaco radicado em São Paulo?

Entendemos que Sérvulo foi um artista que soube se construir em diversos eixos. Em Brasília, Minas Gerais e no Rio de Janeiro, seu trabalho foi objeto de publicações que se dedicavam a entender quem era aquele artista de tanto sucesso longe de casa. Alguns destes textos, buscavam ainda conectar o artista a outros expoentes da arte brasileira, como Rubem Valentim, outro concreto considerado fora do eixo.

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Eu não me situo como abstracionista. Sou mais um construti vista ou melhor, sinto-me mais como um concretista. De qualquer maneira, devo confessar não estar muito de acordo com esse pensamento que, para mim, é muito limitativo. Por princípio, sou contra esse tipo de lógica. Acho que a arte é sobretudo uma coi sa instintiva.”

“A arte consciente e programada de Sérvulo Esmeraldo”, de Hugo Auler, Texto publicado no Correio Braziliense, Brasília, 1975.

Sérvulo Esmeraldo é um artista que pertence à enorme legião dos que, de alguma maneira, tentam continuar o caminho que o abstracionismo geométrico abriu para a arte contemporânea. Ausentes do contexto histórico e das necessidades culturais que criaram a arte geométrica, eles repetem as fórmulas já agora va zias de conteúdo.”

“Esmeraldo, um geométrico fora do contexto”, de Jacob Klintowitz, Texto publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, 1975

Mas o que nos parece mais observável neste artista brasileiro residente ainda em Paris, saído daqui gravador e que nos retorna multiplicando em desenhista e escultor, o que mais nos interessa nele é sem dúvida esse seu debruçar-se sobre a energia (o corpo em consequência direta), a despeito de aparentemente se poder rotular de geométricos os seus trabalhos.”

“Sérvulo Esmeraldo: da gravura ao tato”, de Aracy Amaral. Texto publicado na Revista Vida das Artes, São Paulo, 1975

Entre críticas negativas e positivas, Sérvulo afirmou, em entrevista ao Correio Braziliense, em 1975, aquilo que talvez tenha sido essencial para seu sucesso entre diferentes espaços geográficos: a clareza do artista que era. “Se quiserem cata logar-me como abstrato, para mim isso não tem a mínima importância. A meu ver, seria um erro. É como se alguém quisesse classificar uma formiga na categoria da aranha: nem por isso ela deixaria de ser formiga”.

Nos documentos selecionados para essa exposição, temos a oportunidade de conhecer recortes da trajetória de um artista que soube caminhar dentro e fora do eixo da arte concreta e somos convidados a refletir sobre como o nome de Sérvulo ficou registrado na historiografia da arte brasileira.

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Mais recentemente, de uns oito anos para cá, e sem abando nar a obra gravada, Sérvulo passou a incorporar ao seu trabalho novas saídas. Atraído pelas pesquisas cinéticas, como diversos outros artistas latino americanos vivendo em Paris, ele saltou do plano para o espaço.”

“Esmeraldo do Crato a Paris”, de Roberto Pontual. Texto publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1976

Fotografia de escultura em pexiglas.

Título: sem título Data: s/d Nº de ordem IAC: 13137

Fotografia de escultura em pexiglas transparente.

Título: sem título Data: s/d Nº de ordem IAC: 13828

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willys

de castro

Willys de Castro (1926 - 1988) nasceu em Uberlândia - MG e se mudou para São Paulo em 1941. Artista plástico, expoente dos movimentos Con creto e Neoconcreto, teve atuação múltipla na música, teatro, poesia e programação visual. Com o pintor Hércules Barsotti (1914 - 2010), fundou o Estúdio de Projetos Gráficos (1954-1964) e estabeleceu uma relação de parceria que durou até o fim de sua vida. Seus Objetos Ativos ques tionam a utilização da tela enquanto suporte da linguagem pictórica ao unir a cor da pintura ao relevo da escultura, propondo a movimen tação do espectador para a apreciação de toda a extensão da obra.

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Cronologia: Wllys

Fez estágios em estúdios de design e iniciou os seus trabalhos de desenho abstrato-geométricos.

Junto com Hércules Barsotti funda o Estúdio de Projetos Gráficos, ativo até 1964.

Participa da IV Bienal de Artes de São Paulo.

Teve a sua primeira exposição individual na Galeria das Folhas, em São Paulo, e inicia a série Objetos Ativos, considerada a maior contribuição do artista para a arte construtiva do Brasil.

Integrou a exposição “Brasil Export’73”, concebida pelo Ministério da Indústria e Comércio do Brasil e, nesse mesmo ano, também participou da XII Bienal de São Paulo.

Integra a exposição “Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 19501962” na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Participa da mostra “Modernidade: arte brasileira do século XX” no Centre Georges Pompidou, em Paris.

No ano de seu falecimento, Willys de Castro expôs junto com Hércules Barsotti na mostra “Aventuras da Ordem”, organizada pelo Gabinete de Arte Raquel Arnauld.

A partir de 1988 ocorreram exposições póstumas de Willys de Castro nas quais foram apresentados seus Objetos ativos, os Pluriobjetos, bem como seus projetos, desenhos e estudos

Fonte de pesquisa: Banco de dados do Instituto de Arte Contemporânea – IAC.

1950 1954 1957 1959 1973 1977 1987 1988 1988 35

willys e barsotti: indícios de uma parceria.

A pesquisa com fontes primárias permite tanto um escrutinar de detalhes e in formações perdidas entre as anotações manuscritas na margem dos documentos, quanto um olhar mais amplo que possibilita perceber ausências e repetições. No caso do Fundo Willys de Castro (1926-1988), o que se pode verificar nessa mirada mais panorâmica é a grande ocorrência de documentos que citam nominalmente o pintor Hércules Barsotti (1914-2010). Não apenas em recortes de jornais, primeiro in teresse desta investigação, mas em manuscritos e correspondências.

Juntos fundaram, em 1954, o Estúdio de Projetos Gráficos, que mantiveram ativa mente durante 10 anos, e compartilharam das poéticas concretas, vivendo intensa mente os movimentos, conflitos e acomodações no campo das artes em São Paulo e Rio de Janeiro nas décadas de 1950 e 1960. Esses dois fatos justificariam a recorrência do nome de Barsotti nos documentos do Fundo. No entanto, a seleção que propuse mos para esta exposição apresenta evidências mais contundentes de que a criação do Estúdio é apenas a oficialização de uma parceria que se iniciou antes de 1954 e que não findaria com o fechamento do escritório. Um compromisso de vida.

Atualmente, a História da Arte volta seu olhar para essas parcerias no intuito de perceber não apenas citações, mas um sentido da produção poética que se dá pela e na relação criativa e afetiva. O conjunto de documentos reunidos revelam fatos, dados, acontecimentos e reconhecimentos, muitas vezes institucionais, dessa relação, que foram cuidadosamente recolhidos e arquivados por Willys de Castro.

O próprio Willys registra o reconhecimento, de sua parte, da importância de Bar sotti em sua produção, incluindo o nome do parceiro em uma lista manuscrita com a dedicatória “Ao encorajamento e à inspiração que muito estimularam o meu traba lho, agradeço a”. Na sequência o artista relaciona 26 nomes de profissionais ligados às artes e indica o ano em que os conheceu. Barsotti é um dos que encabeça a lista, constituindo a referência mais antiga: 1952.

É do ano seguinte, 1953, o primeiro registro de uma parceria artística entre os dois. A reportagem da coluna “Bastidores”, do jornal Última Hora, narra o envolvimento de ambos na montagem da peça O Escriturário, de Herman Melville, pela Escola de Arte Dramática. Enquanto Barsotti desenhou os figurinos das personagens, Willys

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Dois artistas de alta consciência estética. Não consideram a pintura rotina vocacional em apuro virtuosístico, mas uma ener gia imanente cujas expressões múltiplas dependem menos do estado de graça bremondiano do que da responsabilidade da pesquisa onímoda, visto estar a arte integrada na cultura e não no milagre”.

Willys de Castro e Hercules Barsotti, de José Geraldo Vieira. Texto publicado na Folha de S. Paulo. São Paulo, 1962.

Willys & Barsotti não deixam notar nada de estranho no atelier [...], tudo é obediência a um estilo de artistas-artistas: algum fato tão singular de repensar nos estetas, mais uma vez ingleses, que compunham e ajeitavam a obra e a vida numa síntese de beleza controlada: [Jane] Morris e [Dante Gabriel] Rosseti”.

Willys de Castro e Barsotti, de Pietro Maria Bardi. Texto publicado no jornal Diário de São Paulo, São Paulo, 1967

compôs, regeu e gravou os trechos de música dodecafônica que aparecem na tri lha do espetáculo. No ano seguinte, a dupla abriria o Estúdio de Projetos Gráficos, fato mais comumente citado pela historiografia como o início dos seus trabalhos em conjunto.

O Fundo registra a presença da dupla, durante a década de 1950, em aberturas de exposições, concertos e apresentações de dança na Sociedade de Cultura Artística. Nessa mesma época, voltam seus olhares para as novas tendências concretas vão à Europa, em 1958, para entrar em contato com artistas e críticos que são suas referên cias. Alguns deles mencionados na lista de agradecimentos que acabamos de citar.

Em 1959, Willys escreve o primeiro texto crítico sobre a obra de Barsotti para a expo sição na Galeria de Arte das Folhas. Juntos também se aproximam dos neoconcretos do Rio de Janeiro e se afastam, em suas propostas estéticas, dos artistas concretos paulistas, ampliando as possibilidades de sua produção artística. A conquista da tri dimensionalidade, no caso de Willys, e a liberdade cromática, no caso de Barsotti.

É Pietro Maria Bardi, no entanto, que nos oferece um olhar mais sensível para a intimidade desses estetas. Foi a leitura de seu texto que nos motivou a dar limites mais precisos para a nossa curadoria. Se em um primeiro momento, nossa seleção procurava desenhar o contorno do artista Willys de Castro, com amostras variadas de sua atuação no campo das artes visuais paulistanas, Bardi nos motivou a apro fundar a investigação na busca pelos indícios da parceria entre os artistas.

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Apresentando os trabalhos de Hercules Barsotti, diz Willys de Castro: “seu desenho não se torna algo aplicado em cima de, mas sim uma estrutura expressiva que se situa independentemente sobre o plano e que ao mesmo tempo o qualifica e o molda den tro do rigor e da inventiva.”

Inauguradas cinco exposições na Galeria de Arte das Folhas, autoria não identificada. Texto publicado no jornal Folha da Manhã, São Paulo, 1959.

[Willys] Souza Castro, compôs, regeu e gravou os trechos da música dodecafônica que aparecem no desenvolver de ‘O escri turário’, e Hercules Barsotti desenhou os figurinos das persona gens”

Willys de Castro e Barsotti, de Pietro Maria Bardi. Texto publicado no jornal Diário de São Paulo, São Paulo, 1967

Em um ensaio para a revista no Mirantes das artes n. 4, de 1967, Bardi revela que “os dois amigos concebem a feitura de um objeto como um ato religioso”. E vai além. Se gundo o autor, “o atelier dos mesmos é de uma ordem logaritimicada; a primeira vez que lá adentramos, olhamos para o chão para ver se não devíamos calçar chinelos para não perturbar o encerado”. Admirado com espaço de trabalho de Willys & Barsot ti, em que tudo “é em obediência a um estilo de artistas-artistas” ele compara a dupla a Jean Morris e Dante Gabriel Rossetti, “que compunham e ajeitavam a obra e a vida numa síntese de beleza controlada”.

Um fato, registrado na correspondência oficial do Museu de Arte Contemporâ nea da USP, nos dá uma dimensão institucional da cumplicidade. Por ocasião da montagem da exposição “Tendências Construtivas no acervo do MAC-USP” (1986), Aracy Amaral, diretora do museu na época, solicita, por correspondência, tanto a Willys quanto a Barsotti, a doação de trabalhos dos artistas produzidos nas dé cadas de 1950 e 1960, para “preencher importante lacuna de nosso acervo”. Curio samente, na documentação que se segue, registra-se que Barsotti doa ao museu uma obra de Willys e Willys, por sua vez, doa ao museu uma obra de Barsotti.

Estes indícios esparsos, que compõem a mostra, nos provocam a refletir sobre a produção de Willys de Castro e Hércules Barsotti a partir de gestos de recíproco reco nhecimento e compromisso, promovidos por artistas que compartilhavam arte e vida.

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Registro fotográfico da obra Ascenção, do artista Willys de Cas tro. Pintura, em óleo sobre tela, que apresenta triângulos brancos e azuis, dispostos na parte central da composição sobre fundo vermelho. Um dos triângulos se desprende do conjunto.

Título: sem título Data: 1959

Nº de ordem IAC: 22884

Registro fotográfico de obra da série Objetos Ativos, volume tri dimensional e geométrico, com a forma de um cubo perfeito. Apresenta suas faces pintadas de azul, preto e branco. A sé rie começou a ser produzida a partir de 1959, e é considerada a maior contribuição do artista para a arte construtiva brasileira, propondo a movimentação do espectador para a apreciação de toda a extensão da superfície de cor.

Título: sem título Data: 1962

Nº de ordem IAC: 22930

Registro fotográfico da obra Pluriobjeto A6, do artista Willys de Castro. Objeto escultórico composto por vários retângulos de madeira empilhados verticalmente. No centro da peça há um de salinhamento do eixo, que não interfere em seu equilíbrio. Willys produziu a série Pluriobjetos na década de 1980. São esculturas verticais de metal ou madeira, que também trabalham com a ló gica do deslocamento do público em torno da obra.

Título: sem título Data: 1988

Nº de ordem IAC: 22840

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Transcrições dos documentos selecionados para a curadoria do artista Lothar Charoux

Curadoria e comentários críticos dos documentos: Ana Roman Isaac Guimarães Fonte de Pesquisa: Fundo Lothar Charoux Instituto de Arte Contemporânea

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Nº de ordem: 20771

Tipo de texto: Artigo em jornal

Veículo: Correio Paulistano

Local: São Paulo

Data: 1948

Autor: Ibiapaba Martins

Título: Charroux e Toledo Lara

Os primeiros sinais da poética abstrata de Charoux são apontados pelo crítico Ibiapaba Martins em 1948, que também comenta sobre um certo desagrado em relação a essa estética por parte do público. O texto é publicado na ocasião da primeira mostra de Charoux e Orlando Toledo na Galeria de Arte Itapetininga.

À primeira vista, o conjunto de trabalhos expostos por Lothar Charoux não agradam ou, pelo menos, não agradaram a todos aqueles com quem tenho con versado e que manifestaram francamente sobre o caso. Com mais vagar, po rém, examinando melhor as pesquisas técnicas de Charoux, suas invenções na composição, o equilíbrio conseguido na distribuição das cores, chega-se a uma reconciliação com o “abstracionism” cada vez mais envolvente do companhei ro de Toledo Lara (exposição conjunta). Achamos que o artista não deve fugir a sua condição humana e, portanto, não deve abdicar do papel que a sociedade lhe reserva, - exigindo dele cada vez maior consciência. Por isso, sempre olhamos com simpatia para aqueles artistas que participam dos sofrimentos e lutas da so ciedade e, mais ainda, se é ele um elemento consciente, dotado de uma filosofia prática da liberdade. Não gostaríamos, portanto, que a pintura fosse envolvida inteiramente pelo abstracionismo - angústia, inquietude vã, evasão metafísicaembora sejamos os primeiros a nos entusiasmar com a nobre composição e co lorido de certos trabalhos de Charoux. Todavia, este é ainda um “abstracionista”: caminha para lá cada vez mais. Em sua atual exposição, aliás, o que menos há é “abstracionismo” e ninguém chamaria “quadro abstracionista” o “Cristo ao lado dos três ladrões”. Mais algum tempo, porém, e teremos um abstracionista puro, se é que possa haver um “abstracionismo puro”.

Como referenciar este documento:

MARTINS, Ibiapaba. Charoux e Toledo Lara. Notas de Arte, Correio Paulistano, São Paulo, 1948. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em:<http://www. iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20771.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Nº de ordem: 21187

Tipo de texto: Artigo em jornal

Veículo: Folha da Manhã

Local: São Paulo

Data: 1958

Autor: José Geraldo Vieira

Título: Lothar Charoux

José Geraldo Vieira, importante crítico de arte do período, relembra a trajetória inicial de Charoux com técnicas e formulações figurativistas, mas salienta a im portância do artista ter buscado outros caminhos menos saturados e encontrado no concretismo seu espaço de composições e pesquisa. O artigo traz um discurso sobre a transição da carreira e das pesquisas do artista que será incorporado por toda a crítica.

Lothar Charoux é um exemplo desse drama consciente do artista que não se deixou emparedar em sistemas já saturados. Iniciando sua carreira, pintou retra tos expressionistas. Na pauta de Soutine, digamos assim. Atento às inovações, percorreu por algum tempo os caminhos comuns por onde passaram muitos dos atuais pintores modernos: o impressionismo, o cubismo, o expressionismo, o puris mo, o abstracionismo.

Suas telas A janela e O Aquário, por exemplo, são típicas dessa passagem através de técnicas e formulações do figurativismo das últimas décadas do sé culo passado e da primeira década deste ano. Lógico que no Brasil a iteração de sistemas expressionistas e cubistas se processou já no começo da terceira déca da. Da mesma forma que o abstracionismo, sob o influxo da Escola de Paris, do purismo e futurismo.

Lothar passou, portanto, com empenho, escrúpulo e critério por diversas ten dências e fases artesanais e artísticas, de evidente estética já algo superada. E chegou ao abstracionismo, não por ânsia de criar algo diferente, mas ainda como solfejo de desteridade, de fatura, composição, partindo do ponto zero. Isto é, lar gando de vez o retrato, a pintura de paisagem, de interior, e recomeçando a pin tura de criação estruturada.

O antigo desenhista geométrico encontrou, finalmente, o seu aeródromo para alçar voo ortodoxo de piloto não mais de provas, mas de trajetórias, no concretis mo. O júri que lhe deu uma láurea no Prêmio de Arte Contemporânea como resul tado de sua participação no I Salão Nacional de Arte Concreta, não premiou por tanto um ousado pioneiro que inventasse uma técnica nova de desenho. Premiou um desenhista que se livrou de todos os seus passaportes já peremptos.

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Aquela base manual do desenho geométrico onde Lothar Charoux se soube consolidar desde cedo, valeu-lhe como capacitação para, após tantas experiên cias, recomeçar seu caminho. Mercê disso, pode o artista iniciar suas variações sobre triângulos, losangos, obtendo desenvolvimentos, posições estáticas e lan ces dinâmicos que são outros tantos módulos de criação. Suas variantes sobre temas lineares, suas soluções aos problemas de espaço e estrutura, suas espirais em posição áurea, suas trajetórias em ritmos dentro de espaços noturnos, negros, onde o seu tira-linhas descreve constelações e percorre segredos de galáxiastudo isso prova o seguinte: possibilidades ilimitadas de criar em planos chapados elementos gráficos com função plástica de efeito belíssimo. Em meio ao mundo caótico, ao que Victor Chab chama tão bem o descrédito da harmonia, e do ver dadeiramente estético, os desenhos geométricos de Lothar Charoux provam que o artista deve permanecer dentro das leis de ritmo, impor seu critério no plano es pacial. Parece-nos que sua arte, ora no mundo industrial, ora no mundo cósmico, aparentemente objetiva e prosaica como síntese de leis equilibradas, também se nutre de mistérios ideológicos e sentimentais, não é mera realização mecânica coexistindo com a técnica, mas possui mensagem poética, por sua serenidade e por seu contato com a magia.

Sua obra consciente e lúcida não é nunca uma série de variantes dum dia grama mecânico de intelectualismo árido. Contém em si o prestígio do sacrifício ascético das pesquisas, aquele mistério místico das comunidades que atingem o sobrenatural através de constantes despojamentos de potenciais nocivos, até que alcançam o prodígio da levitação. Libertando-se da superfície, dos supor tes, criando em termos formais e espaciais, Lothar Charoux concilia em sua arte aquele dilema gráfico-plástico da sua juventude. É um escultor que desenha no espaço.

Como referenciar este documento:

VIEIRA, José Geraldo. Lothar Charoux. Artes Plásticas, Folha da Manhã, São Paulo, 28 set. 1958, p. 4 - Assuntos Culturais. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Dis ponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arqui vos/21187.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 21144

Tipo de texto: Nota em jornal

Veículo: Jornal do Brasil

Local: Rio de Janeiro

Data: 20/06/1962

Autor: Ferreira Gullar

Título: Desenhos de Lothar Charoux

Em nota sobre a mostra de Charoux na Galeria de Aremar, em Campinas, o crítico e teórico Ferreira Gullar remete-se a um texto de Mário Pedrosa, no qual o crítico contrasta o rigor da obra de Charoux com sua sensibilidade e humor, criando por sua vez um lirismo para as linhas e formas geométricas que dispõe em seus traba lhos. A identificação de Charoux com uma abstração sensível é apontada como seu diferencial pela crítica em geral.

A Galeria Aremar, de Campinas, estado de São Paulo expõe atualmente uma série de desenhos de Lothar Charoux, artista que integrou o movimento de arte concreta, participando das mostras coletivas do movimento e realizando algumas exposições individuais em S. Paulo e no Rio. A atual mostra dos desenhos recentes de Charoux é apresentada pelo crítico Mario Pedrosa - redator licenciado desta coluna e seu fundador. Aproveitamos a oportunidade para trazer aos leitores do JB a voz autorizada de Mário Pedrosa, transcrevendo aqui o que escreveu para a mostra de Lothar Charoux na Aremar. O texto é o seguinte:

“Lothar Charoux é, antes de tudo, um artista consciencioso e coerente. Nada do que faz é indiferente. Suas mostras valem pelo testemunho, que sempre nos dão, dessa coerência. Sua arte é feita de rigor, mas de um rigor que se disfarça. Não por timidez ou indecisão, mas por pejo ou pudor, talvez. Pudor que indica na per sonalidade do artista um certo quê de irônico e dogmático embora não o mova a dúvida do rumo artístico que tomou. Isso faz uma personalidade simples, límpida e complexa, apesar das aparências. Seu desenho é, por tudo isso, uma pesquisa, diríamos, ardente de precisão e de contraprecisão. Quer dizer, a precisão tende a ser controlada pela imprecisão como o positivo é controlado pelo negativo. Na pequena mostra de hoje esse traço agora específico de sua arte se apresenta claramente. Apreciem-se os desenhos de figuras geométricas com linhas parale las; estas dividem o espaço, e, na sucessão, são interrompidas pelos quadrados, nascente de uma refração que o quebrado das linhas ritmiza e os traços duplos em cor acentuam. O rigor aqui é procuradamente, quase diríamos, liricamente violentado por esse elemento contraditório que dá a refração. Os desenhos em círculos são de direções diferentes ou se voltam sobre si mesmos, como um passo

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em dança. Charoux já imaginou também uma espécie de quadro ou desenho gi ratório. Em que de um lado o espaço é rigorosamente dividido por ponto ou linha, enquanto que no outro a marcação é proposta, mas sem atender aos rigores da proporção. Cabe ao espectador , ao girar da plancha, verificar se a proporção pelo sensível ou pelo rigor coincidem ou não, ou qual a que encanta mais.

A última invenção do artista é a dos quadros compostos de que há um exem plo na mostra atual. Trata-se de suporte e mais nove quadrados. Esses são des montáveis, podendo ser organizados como se queiram: arrumá-lo em frizo, hori zontalmente ou sem sentido vertical. Também podem ser repartidos num canto da sala, pelas paredes que convergem. Tudo dependendo do gosto pessoal ou do espaço a expor, de que se disponha.

Esse artista concreto guarda da escola o rigor e a invenção; do artista em geral, sem qualquer escola, a sensibilidade; da pessoa humana autêntica, a des pretensão, o humor.”

Como referenciar este documento:

GULLAR, Ferreira. Desenhos de Lothar Charoux. Artes Visuais, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 jun. 1962, p. 4 - Cad. B. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Dis ponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arqui vos/21144.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 21591

Tipo de texto: Entrevista

Veículo: A Tribuna

Local: Santos-SP Data: 19/05/1971

Autor: -

Título: A simplicidade de L. Charoux nos seus desenhos geométricos

Em entrevista, Charoux fala sobre seu processo, a fascinação pela simplicidade e a inaptidão para participar de grupos. Ele também comenta como foi importante se libertar da influência do Liceu de Artes e Ofícios para sua trajetória. O artista incorpora ainda, em seus enunciados, elementos do discurso crítico da época.

Traços formando figuras geométricas que dão ideia de vibração, em guache ou polimere, sobre fundo preto. Triângulos, quadros e círculos, sobrepondo-se uns so bre os outros, às vezes com o recurso de duas cores, de preferência o verde e o ver melho. “Num trabalho, um traço pode bastar. E é necessário mais que isso?” Quem faz a afirmação e a pergunta é o próprio artista.

Lothar Charoux, austríaco de Viena, há 43 anos no Brasil, com quase 20 prêmios ganhos em importantes salões do país e participação em nove Bienais de São Pau lo, Charoux um desenhista com jeito de grande músico - “as pessoas acham que minha figura lembra mais a de um mestre ou de um maestro importante” - mas que sempre desejou ser escultor. Charoux, com seus desenhos geométricos que refletem a simplicidade de sua personalidade e a filosofia de sua vida, estão na galeria de arte Centro Cultural Brasil-Estados Unidos. A inauguração da exposição foi ontem, às 19 horas, e ficará aberta até meados de junho, diariamente das 17 às 22 horas, na rua Jorge Tibiriçá, 5.

“É interessante. As pessoas gostam de complicar tudo. E no fundo, o que mais as impressiona é a própria simplicidade. Tudo gira em torno de retas e de três figu ras fundamentais - o quadrado, o triângulo e o círculo. A perfeição da linha é que causa o efeito. As pessoas se espantam ao verem as pirâmides do Egito. Mas não é por sua grandiosidade. O que surpreende é a perfeição da linha. Acontece a mes ma coisa quando alguém vê o mar pela primeira vez. Na realidade, só existem duas cores: o verde e o azul separados por uma linha, a do horizonte. É isso que marca. É tudo tão simples de ser analisado. Mas há quem queira sempre complicar” - explica ele.

Charoux, 59 anos de idade, aparentando ter bem mais, acha que na vida acon tece a mesma coisa: “As pessoas se importam muito com tudo. Querem explicações demais. E acabam se esquecendo que a vida é para ser vivida. Para viver basta se

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desligar. Eu tenho essa capacidade. Desligo-me totalmente de tudo. Só assim posso sentir as coisas”.

Mas, embora confessando esse desligamento, ele não vive alheio ao que acon tece à sua volta: “Desprender-se das futilidades que às vezes nos tornam infelizes não significa ignorar o que passa no mundo. Eu, por exemplo, tenho esse modo de pensar, mas no meu rosto tenho marcas de muitos sofrimentos. O que Hitler fez ao meu povo não poderia ser ignorado. As tragédias, as guerras que existem todos os dias são sempre sentidas. Mas é possível e necessário alhear-se dos problemas”. “Às vezes - continua - começo a complicar os meus desenhos, mas logo refor mulo tudo e volto à síntese. Em certas ocasiões faço quadros que têm apenas um traço. Para mim, aquele traço diz tudo”. Geraldo Ferraz, crítico de arte, é da mesma opinião. Diz ele na apresentação do artista: “Charoux partiu decisivamente para uma redução do último sinal do espaço, no desenho não simplificado mas tomado em sua definitiva configuração linear. Não se lhe dá que exista o ponto - o que importa para ele é colocar no espaço a lembrança da estrutura, Então poderemos nós, len tamente, evocar mediante tais indicações rígidas, esqueletos de esquemas, aquilo que foi outrora a forma a que ele não mais se subordina”... “Inclino-me ainda sobre essa área de mistério infundível, que tão economicamente se manifesta, se revela, faz sua confissão ardente embora silenciosa, de um silêncio poético - aquele silên cio de Lorca, “em que resvalam montes e ecos e faz curvar os frontes para o chão”.

Lothar Charoux, que já pertenceu ao grupo dos concretistas da capital, diz que não sabe e não se preocupa com classificações e escolas, “um pouco porque sou preguiçoso e geralmente não compareço às reuniões que os artistas de um mesmo grupo gostam de fazer”.

Mariana Rell, artista que estava presente à inauguração da mostra, afirma que Charoux, na verdade, é muito personalista e não se subordina aos modismos. “Nun ca o vi fazendo algo de que não gostasse. Ele é muito autêntico. Tem muita perso nalidade”.

Charoux estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, seguindo um curso acadêmico que, na sua opinião, “forma ótimos artesãos, mas poucos artistas’’. Por isso procurou se libertar das influências da escola e aponta Waldemar da Costa, um dos mestres de pintura que conheceu no Liceu, como uma boa influência em sua vida artística. Atualmente, Lothar Charoux vem-se dedicando também à pintu ra e pretende igualmente fazer escultura, “coisa que eu sempre quis fazer mas por falta de espaço e dinheiro fui sempre adiando”.

Como referenciar este documento:

A simplicidade de L. Charoux nos seus desenhos geométricos. A Tribuna, Santos, 19 mai. 1971, p. 6. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www. iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/21144.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 20605

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Folha da Tarde

Local: São Paulo

Data: 17/05/1974

Autor: Ernestina Karman

Título: Lothar Charoux

Ernestina Karmann, na Folha da Tarde, destaca o quão equivocada é a associa ção de Charoux a Victor Vasarely, entendendo o primeiro como um discípulo do artista húngaro. Karman aponta para a unicidade de sua pesquisa geométrica de caráter sensível. Para ela, a excepcionalidade da mostra é permitir ao espectador conhecer a persistente trajetória de Charoux.

O museu de Arte Moderna de São Paulo, no Ibirapuera, está apresentando uma retrospectiva da obra de Lothar Charoux, artista nascido em Viena que con sideramos brasileiro e nosso desde que veio para este país em 1928.

Lothar Charoux dispensa apresentações, referências e indicações de prê mios e exposições.

Tivemos conhecimento de que alguém - certamente algum esnobe ignorante dos valores artísticos de sua própria terra - perguntou a Charoux quando apre sentaria seus novos “Vasarely”.

Não podíamos omitir esse fato e agora perguntamos: quando o governo bra sileiro pensará em divulgar no Exterior a obra dos artistas nacionais do gabarito de Lothar Charoux.

Temos a certeza de que então Vasarely faria o que o esnobe não fez, ou seja, ser o primeiro a proclamar a personalíssima arte de nosso grande pintor e dese nhista.

A oportunidade que o MAM nos dá de tomar contato com a evolução de Charoux não pode deixar de ser aproveitada por quantos desejam conhecer o que temos de melhor em artes plásticas.

Partindo do quadro “A cadeira” de 1941, constatamos que Charoux, a princípio um expressionista sensível, soube dar ao banal tema a mesma força de expres são que Van Gogh deu a modelo semelhante.

Acompanhando seu desenvolvimento passamos pelas naturezas mortas, paisagens e retratos de 1945 - cujas pinceladas fortes e cores sóbrias são o pon to alto -, para chegar aos trabalhos de 1948, nos quais os mesmos temas passam a ser tratados de maneira totalmente diferente.

A pintura movimenta-se; as pinceladas onduladas, como que torturadas, le

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vam-nos novamente a pensar em Van Gogh. Não que Charoux se assemelhe a ele pela maneira de pintar, mas por possuir, como ele, a mesma vibração na pincelada.

Com o passar dos anos, as formas simplificam-se, entrosam-se em composi ções afins ao cubismo até atingirem, em 1948, uma abstração com forte influên cia do precursor Kandinsky, ao qual não permaneceram incólumes muitos outros grandes artistas.

Eis que em 1951, Charoux busca construções abstratas geométricas, simplifi cadas formal e coloristicamente.

Passa então por uma delicada fase em que, com apenas “risquinhos”, procu ra equilíbrios entre linhas e cores. Descobre que traçando o desenho enviesado e apresentando-o horizontalmente, consegue o que denominou “Equilíbrio Res tabelecido”.

Depois, o artista ligou-se ao grupo concretista de São Paulo, com trabalhos geométricos, por algum tempo. Eis que, repentinamente, “estoura” Lothar Cha roux, diferente, livre para alçar voo, com formas e ideias unicamente suas, tal como a borboleta liberta do casulo.

E esse artista não parou mais de criar e recriar linhas e formas. Estas formas resultam do agrupamento das linhas enfileiradas, em círculos que se interpene tram, em ziguezagues, em quadrados, em retângulos ou em triângulos.

As linhas, ora finas, ora mais largas, negras ou coloridas, tremulam num “op -art” brasileiríssimo, que de internacional só tem a filiação. E foi esse Charoux que mereceu o prêmio de melhor desenhista de 1972, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte.

Não podemos deixar de fazer referência também ao trabalho de divulgação das obras de arte em que está empenhado Lothar Charoux. Ele é o primeiro ar tista que dá ao “Múltiplo” a sua verdadeira finalidade, qual seja, a de poder ser adquirido pelo grande público.

Num gesto magnânimo, próprio dos que são realmente grandes, realizou pre ciosíssimas serigrafias que estão sendo vendidas no MAM pelo incrível preço de 20 cruzeiros!. Tornou assim possível a muitos possuírem um “Charoux”.

Que esse gesto seja apreciado em seu alto valor e imitado por outros artis tas. É o que realmente desejaríamos, porque um “Múltiplo” acessível até hoje não passou de simples ficção.

Como referenciar este documento:

KARMAN, Ernestina. Lothar Charoux. Folha da Tarde, São Paulo, 17 mai. 1974. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acer voiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20605.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 20764

Tipo de texto: Artigo em revista

Veículo: Revista Veja

Local: São Paulo

Data: 22/05/1974

Autor: Olívio Tavares de Araújo

Título: O traço soberano

Otávio Tavares de Araújo, na revista Veja, também celebra a mostra no MAM e salienta o aspecto humano das proposições geométricas e, muitas vezes, mono cromáticas de Charoux. Mais uma vez, a trajetória do artista é apresentada: sua formação no Liceu de Artes e Ofícios e sua virada rumo à abstração. O crítico recorre à descrição física do artista para aproximar o leitor, identificando-a com uma sensibilidade presente nos trabalhos abstratos-geométricos.

LOTHAR CHAROUX, retrospectiva; trezentas obras de 1942 a 1974; Museu de Arte Modema, São Paulo.

Nada mais difícil de conciliar, à primeira vista, que a obra exposta e a pessoa do autor. Os quadros, em sua maior parte, são superfícies negras, riscadas com cores vivas, que, numa precisa trama geométrica, criam efeitos ópticos sutis. O pintor é um homem de cabelos soltos e brancos, trajes displicentes, pequena es tatura e um ar invariavelmente bonachão, que lembra os simpáticos vovôs das histórias infantis. Nada tem do introspectivo cerebral que se suporia ter criado um desenho tão exato.

O convívio com ambos, entretanto, reduz essa distância. Descobre-se em pou co tempo que Charoux não é apenas bem-humorado - sabendo refletir, com pa ciência e rigor, sobre os porquês de sua obra. E que esta, por seu lado, não é um frio exercício, nascido da cabeça, nem a ela exclusivamente dirigido.

Certeza interior - Lothar Charoux nasceu em Viena, em 1912, e aos 16 anos veio com a família para o Brasil. Depois de várias peripécias, que incluiu a compra, em Mato Grosso de um falido hotel de fronteira (“O vendedor nos dissera que era só re mexer na terra e o ouro aparecia”), os Charoux se fixaram em São Paulo. “Não sabia fazer especificamente nada’”. conta o artista. “Fui garçom, vendedor, empregado temporário e finalmente auxiliar de escritório, por muitos anos.’’

Desde Viena, porém, o garoto se interessava por artes visuais . Morava em casa da avó e convivia com um tio escultor, Siegfried Charoux, que depois teria muitas de suas obras destruídas por ordem de Hitler. No Brasil, aos vinte e poucos anos, retomou o fio da infância. Entrou para o Liceu de Artes e Ofício paulista: “Nem pior

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nem melhor que qualquer escola de belas-artes”, lembra. “Mas um aprendizado sem dúvida utilíssimo.” Dele herdou Charoux a disciplina e a capacidade de traba lho que o caracterizam até hoje.

Da mesma época viria também, sua inequívoca tendência para a liberdade de pensamento e ação. Ligou-se logo a Waldemar da Costa, um mestre avançado, contra o reacionarismo do liceu. E foi mais longe. “Nas discussões, defendia ardo rosamente a arte abstrata, porque acho que todos têm o direito de experimentar. Em arte, qualquer manifestação é válida.’’ Quase sem querer, essa atitude progres sista o foi transformando em pintor abstrato. Em fins da década de 40, sua obra misturava ainda a figura (de uma clara inclinação expressionista, ligada à pintura de um Chaim Soutine, por exemplo) e a abstração. Nos anos 50, só esta última so breviveu. Amparado por uma sólida certeza interior, Charoux resistia ao descrédito: “Diziam: ‘coitado, ele faz alguma coisa. Só que o recado dele é modesto…’ E eu dei xava por isso mesmo”.

Economia de meios - Em meados da década de 50, com a primeira forte voga do concretismo, a pintura absolutamente geométrica de Charoux foi logo respal dada (e até encampada) pelo movimento. Ao mesmo tempo, surgiram os primeiros sinais de reconhecimento da crítica e do público, que perceberam com nitidez sua inegável seriedade de trabalho.

Nos últimos dez anos, essa seriedade se traduz sobretudo pela coerência e pela economia de meios. Charoux optou por uma obra predominantemente grá fica, muito mais desenho que pintura, onde apenas o traço reina soberano. Como tendência geral, poderia ser enquadrada na op art - muito antes que a op tivesse virado uma moda européia de exportação.

Mas isso parece não ter grande importância para o artista: “Essa história de quem foi o primeiro não interessa. Em sentido nenhum. No ano atrasado ganhei um prêmio de melhor desenhista. Imagine a injustiça praticada para com todos os bons desenhistas por aí”.

Tem grande importância, entretanto, a própria criação da obra - e o prazer que ela traz: ‘’Dizem que geometria é um negócio frio”. Charoux protesta: “Pois eu fervo quando traço uma linha. Quando consegui fazer uma obra com um traço só, fiquei literalmente alucinado”.

Como referenciar este documento:

ARAÚJO, Olívio Tavares de. O traço soberano. Revista Veja, São Paulo, 22 mai. 1974, p. 106. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil. org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20764.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 20604

Tipo de texto: Artigo em jornal

Veículo: Tribuna

Local: Santos Data: 24/05/1974

Autor: Geraldo Ferraz

Título: Retrospectiva de Charoux no Museu de Arte Moderna

Geraldo Ferraz, outro importante crítico do período, descreve a trajetória de Cha roux apresentada na mostra do MAM-SP. O texto do crítico, no qual se elogia a persistência e pesquisa de Charoux, nos revela a maneira pela qual tal exposição contribuiu para a consolidação dos discursos sobre a trajetória do artista. Na críti ca - e também na mostra - reafirma-se uma narrativa quase evolutiva sobre Cha roux: do expressionismo, passando pelo cubismo e rumo a uma abstração geomé trica sensível e humana.

Dentre os pintores que em 1947, apresentávamos na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, sob os auspícios da União Cultural Brasil-Estados Unidos, estava Lothar Charoux - era um dos “19 pintores”, os jovens que surgiam, depois da segunda guer ra mundial, para trabalhar e, sua arte. Na inscrição final do prefácio, escrevíamos, contrariando o verso de Dante: “Juntai vossas esperanças oh vós que entrais”. Então agora, na grande retrospectiva Charoux, é a verificação mais uma vez, que nos oferece o Museu de Arte Moderna de São Paulo, de que algumas esperan ças convocadas realizaram a expectativa aberta. Doutra vez, foi no MAM, a retros pectiva de Marcelo Grassman, aliás, presente nestas paredes o gravador notável no retrato que dele fez Charoux… E os que conhecem Charoux, sem terem visto esta retrospectiva, podem se assustar: um retrato assinado por Charoux? Porém, preci samente, tem a retrospectiva essa qualidade demonstrativa. Evoca-nos os tempos em que o artista era figurativo. Precisamente, na esquina do tempo de 1947, já cita da, entre o quadro “Janela”, daquele ano, e a “Abstração”, óleo sobre papelão de 1948, vai a modificação que faz surgir Charoux, sem dúvida alguma, “tout court”.

Donde então, termos de referir-nos à pré-história desde artista, antes de 194748 e depois, quando começou sua pesquisa sem fim, sua perquirição obsessiva, no rumo aberto pelo ensinamento de Kandinsky, em sua abordagem do “método analítico levando em conta os valores sintéticos”, quais foram colocadas as solu ções no volume do Bauhaus “O ponto e a linha diante do plano”, Lothar Charoux, a certa altura de seu desenho ilustra, precisamente, o tema “A Linha e o Ponto”, pois no espaço do desenho 88 resume-se, desnudamente, a isto. Linha e ponto diante do plano. Esse espaço em que se desenvolve, pela continuação do desdo

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bramento, uma seriação ativa de “alternâncias musicais”, referências com que o artista denominará alguns trabalhos.

Então, dos que correram o risco, mais do que nunca encontramos na longa aventura vivida por Charoux, esse pertinente busca para fazer das formas geomé tricas uma linguagem, em que os prismas, na formulação do círculo e do quadra do e suas distensões, chegam à sintaxe cinética, sem abandonar a evanescência musical das alternâncias, já assinalada, mas enriquecida por variações, que é o meio de que lança mão para enganar os que julgam seu esforço invalidado na repetição. Efetivamente, é uma multiplicação de temas a que surge dos traços que chegam a vibrar, a ressoar, quando se contém dentro da rígida formulação e incorporam a sonoridade nas modificações, ou ganhando densidade ou se afas tando no desfazer-se da perdição no fundo negro.

Correu o risco até chegar ao desequilíbrio aparente, que ele tenta recompor depois em seriação, nos seus “equilíbrios restabelecidos”, que pluralizamos para que se tenha uma ideia inteira da posição assumida.

O ponto de ruptura jamais chega para Charoux - e tanto não chega que ironi camente ele o demonstra, nos quadros de suporte colocado tortamente na pare de, porquanto elaborara no conteúdo a formulação exata do horizontal indiscutí vel, tornando então evidente que a angulação não importa para a linha.

Entre os desenhos a branco e preto, esta pintura feita quase sempre sobre fundo negro, mas em que a linha marca a força imprescritível do jogo, Charoux adotou algumas cores que servem de reforço vibrante à musicalidade combinada com a cinética. Este reforço vibrante é que nega o concretismo e dá uma resso nância sensual às pensadas esferas, às circunvoluções da linha imaginada, nem posta no plano, mas evidentemente manejada, abstratamente, como a perquiri ção insistente o ensejou.

Então estamos em que vale a retrospectiva, e vale tanto que os projetos de ladrilhos aí estão em sua pureza de sugestibilidade, quase dando notícias gregas na poesia do arabesco. O panorama aberto por Charoux nos indica as possibili dades realizadas dessa busca ardente, e complexa, em sua economia de meios, para atingir estes retângulos, firmemente, em uma linguagem de silêncio, muitas vezes deixando entretanto filtrar-se a surdina do anteamanhã.

Como referenciar este documento:

FERRAZ, Geraldo. Retrospectiva de Charoux no Museu de Arte Moderna. Tribuna, San tos, 24 mai. 1974. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20604.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 20610

Tipo de texto: Artigo em jornal

Veículo: Jornal da Tarde

Local: São Paulo

Data: 17/05/1974

Autor: Jacob Klintowitz

Título: Lothar Charoux e a rejeição da anedota visual

Celebrada pela crítica paulista, a exposição de Charoux no MAM-SP destaca a consistente trajetória do artista e a autenticidade de sua pesquisa: Jacob Klinto witz o compara a um operário, que cumpre o seu dever sem esperar reconheci mento social, e sublinha o papel da mostra como um momento comemorado de tão prolífica carreira.

É preciso respeito quando um artista trabalha a vida inteira procurando rela ções espaciais entre linhas e pontos. E quando esse homem continua conhecido, principalmente por seus colegas, e mantém a mesma atitude moderada de um operário que cumpre o seu dever, é necessário examinar essa convicção com olhos de apreender. Nós estamos falando de Lothar Charoux, atual expositor do Museu de Arte Moderna (Parque Ibirapuera) com uma retrospectiva de 300 trabalhos.

Charoux não é o primeiro nem o único artista brasileiro a dedicar todos os anos úteis de sua vida à atividade artística com poucas recompensas sociais. Cada um deles merece uma atenção especial. São os homens que, sem títulos, cargos e badalações, constroem a cultura nacional. No caso de Lothar Charoux temos um artista entregue a mais rigorosa abstração geométrica, tão pouco ao gosto do mercado brasileiro de arte.

Como muitos artistas contemporâneos, Lothar começou figurativo e modifi cou-se até o abstracionismo. Mas ao contrário de muitos artistas que no abstra cionismo descobriram a liberdade do informalismo e os jogos sedutores do im pulso, Charoux inclinou-se, cada vez mais, pelo rigorismo absoluto da forma. Ele procurou descobrir as leis básicas que regem a composição e a vida da arte e expressar essa síntese.

O seu desejo não é incomum na arte contemporânea. O abandono da figura deve muito a esse sonho. A descoberta dos verdadeiros temas da arte e a rejeição de qualquer anedota visual. Lothar Charoux conseguiu ultrapassar os perigos de uma arte pobre, restringida somente aos andaimes, para criar sensíveis compo sições espaciais onde os valores estabeleceram-se na apropriação e incorpora ção dos elementos visuais.

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Lothar Charoux pela sensibilidade de sua linha, cria volumes nos espaços apropriados, enriquecendo as suas sóbrias composições. Raramente a cor tem importância fundamental no seu trabalho, restringindo-se, na maioria das vezes, a um elemento diferenciador das formas. Essa importância maior da linha e do espaço é que permitem a Charoux os seus desenhos, um dos pontos altos dessa retrospectiva. As últimas experiências do artista, na linha da utilização de mate riais industriais, servem apenas para mostrar um aspecto do artista em seu atelier, uma vez que são trabalhos ainda em elaboração e estudo.

Os 300 trabalhos expostos permitem observar a evolução e a seriedade desse artista, inteiramente dedicado à experiência visual. Nessa exposição podem ser identificados os problemas visuais propostos em nosso tempo e algumas das so luções encontradas e pesquisadas.

Como referenciar este documento:

KLINTOWITZ, Jacob. Lothar Charoux e a rejeição da anedota visual. Jornal da Tarde, São Paulo, 17 mai. 1974. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20610. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Nº de ordem: 20607

Tipo de texto: Artigo em jornal Veículo: O Globo Local: Rio de Janeiro Data: 18/07/1974

Autor: José Roberto Teixeira Leite

Título: Retrospectiva Charoux no MAM

A itinerância da mostra individual de Charoux para o Rio de Janeiro não é aclama da pela crítica local. A nota de José Roberto Teixeira Leite para o Jornal O Globo traz isso à tona e dá o tom geral para a recepção da crítica. Destaca-se a racio nalidade e sobriedade de Charoux, mas aponta-se pelo fato do artista ser “com preensivelmente pouco conhecido entre os cariocas”. Os prováveis motivos para essa recepção pouco calorosa poderiam ser especulados: seria uma continuidade na relação conflituosa entre os grupos de artistas concretos de São Paulo e Rio de Janeiro que se inicia em 1957 com a Exposição de Arte Concreta realizada no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro?

Às 18h30 de hoje, no Museu de Arte Moderna, abre-se ao público do Rio de Ja neiro uma Retrospectiva Lothar Charoux, a mesma há tempos efetuada em São Paulo. Charoux, nascido em Viena em 1912, chegou em 1928 ao Brasil, radicando-se em São Paulo, dando início à sua carreira sob a orientação de Waldemar da Costa, em 1940. Artista de grande coerência, tem evoluído dentro de uma linha não-figura tiva concreta, podendo ser considerado um dos mais típicos e importantes repre sentantes do Concretismo Brasileiro. A retrospectiva de logo mais no MAM servirá para dar a dimensão completa desse artista sóbrio e racional que, apesar de já ter exposto individualmente no Rio, há muitos anos, é compreensivelmente pouco co nhecido entre os cariocas.

Como referenciar este documento:

LEITE, José Roberto Teixeira. Retrospectiva Charoux no MAM. O Globo, Rio de Janeiro, 18 jul. 1974. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.ia cbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20607.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Nº de ordem: 20789

Tipo de texto: Carta pessoal Local: Rio de Janeiro

Data: 16/07/1974

Autor: Lothar Charoux

Em carta pessoal, com um tom inicialmente pessimista pelas condições vividas no Brasil nos anos 1970, Charoux narra o processo de realização de sua mostra indi vidual no MAM-SP, destacando, por exemplo, a grande festividade com a qual foi recepcionada pela crítica e público. O artista também destaca a produção e ven da de múltiplos como um grande diferencial da proposta da exposição. Nas linhas seguintes, Charoux conta para seus amigos que a mostra também se realizaria no Rio de Janeiro, e que tem dúvidas sobre sua repercussão na cidade. Em paralelo à retrospectiva, Charoux explica ainda, para seus colegas, o esforço para organiza ção de outras exposições.

Rio de Janeiro, 16 de Julho de 1974.

Queridos Maria e Carlos, É o fim, é simplesmente vergonhoso este meu caso de responder cartas, mas como continuo achando que nunca é tarde para as coisas acontecerem, acredito que um dia crio vergonha e respondo as cartas que recebo dentro de um prazo ra zoavelmente decente. Esperem e verão.

Recebi o catálogo daí e mais as diversas cartas, sempre com a firme intenção de responder imediatamente. A única desculpa, imagine que falo em desculpa, é que faço o mesmo com todas as outras respostas. Agora mesmo estou para escrever há mais de dois meses uma carta à vice-prefeita de Viena, solicitando uma sala para uma exposição minha.

Vocês o que tem feito? Lá as coisas são devem ser moles, vendo o que acontece aqui em São Paulo e no Rio. A única vantagem que vocês tem é que aí deve haver um pouco mais de sossego, o que é bom para poder trabalhar. Você, Maria, tem experi mentado algo de novo? E o Carlos, escrevendo? Lá acontece o mesmo que aqui com relação à Televisão? Ninguém recebe ninguém, principalmente na hora das novelas. O papo acabou a não ser com os poucos sobreviventes dos botecos. Mas os botecos estão acabando, tudo está virando um supermercado e superloja e super bar onde não sobra lugar para gente sem afazeres específicos. O decantado progresso está arrasando cada vez mais as poucas coisas boas que havia na vida. Mas não há de ser nada, é o começo que as coisas vão piorar e muito, muito mesmo.

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Estou no Rio e vou ver o que há com o famoso Salão Nacional, que desta vez pare ce estar encalhado de vez. Do meu lado houve uma porção de coisas que aconteceram e ainda vão acontecer. Fiz uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna em São Paulo, que foi sem exagero um sucesso total. Montei, juntamente com Fiaminghi que deu os melhores palpites possíveis quanto à distribuição dos quadros. Ocupei o Museu inteiro com 300 e tantos trabalhos. O catálogo, que foi patrocinado na última hora (ora, sou eu que trato como sempre em cima da hora), a Diná, diretora do Museu ficou desespe rada, achando que a exposição não sairia com a minha velha calma tudo ficou resol vido. Os catálogos (vou te mandar já um pelo correio) chegaram às 7 da noite, na hora de começar a exposição, e só 63. Eram vendidos a Cr$ 10,00 mais uma serigrafia a 20,00. Bem, a cobertura pelos jornais, rádio e Televisão foi ampla. Agora, depois de amanhã, vou abrir a mesma no Rio, no Museu de Arte Moderna daqui. Estou curioso para saber como vai ser. Aqui sou pouco conhecido, o que influe um tanto quanto, mas ao mesmo tempo tem uma exposição do Bauhaus, que tem sido um sucesso e vai ficar atrás da minha. É possível que muita gente vai tomar a minha como sendo do Bauhaus, mas o que interessa é que seja vista. Dia 11 de setembro vou fazer uma individual no Cosme Velho e logo depois, lá pelo dia 15 por aí, sigo para Viena para fazer justamente a expo sição com o auxílio da vice-prefeita. Aliás, estou conseguindo uma ajuda do Itamaraty, com referência aos convites, transporte e possivelmente até uma ajuda de custo. E isso também para Munich e Milão. Seriam uns 10 a 12 dias em cada lugar. Não sei ainda se isso não é um tremendo erro meu em vez de gozar a Europa de me chatear, que exposi ção é aquele atropelo que a gente sabe, enfim veremos. Ontem mesmo combinei uma exposição minha em Washington, para março de 1975, para onde naturalmente quero também seguir. O Ianelli fez agora mesmo uma exposição nessa mesma Galeria, onde vendeu tudo, mas aí a conversa já era outra, porque o Ianelli tem aquilo que se chama mui pitorescamente de “cu para a lua”, coisa que me falta. A minha lua é sempre nova. Como de costume, estou falando só de mim. E continuando assim dei, faz uns 15 dias uma tremenda trombada, aliás o caminhão é que me pegou quando ia a uma missa de ano, dum compadre meu, conversando com a minha mulher sossegada mente. Ela teve um corte na cabeça e levou uns três pontos, mas por uma sorte louca não quebraram os óculos dela, mas ela ficou com os olhos roxos.

Vocês devem ter lido do Caso do Collectio, cujo dono deu um tombo de 40 milhões novos na praça, em financeiras principalmente. Aí soube-se que falsificava quadros, vendia duas ou três vezes os mesmos quadros, ficando sempre ainda por cima com os quadros. Olha, o homem foi um craneo, pois [o restante da carta está em outro documento].

Como referenciar este documento:

SÃO PAULO. Instituto de Arte Contemporânea. Arquivos de Lothar Charoux — Carta de Lothar Charoux a Maria e Carlos. Rio de Janeiro, 16 jul. 1974. (carta) Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/sta tic/iac/uploads/acervo/arquivos/20789.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

Nº de ordem: 20750

Tipo de texto: Apresentação Catálogo

Local: Rio de Janeiro

Data: 18/07/1974

Autor: Roberto Pontual

Independentemente da pouca celebração e repercussão da mostra, a crítica ca rioca do período também estima a trajetória e consistência de Charoux, e ressalta sua inventividade, como se lê no texto de Roberto Pontual para o folder da mostra: “(...) sua atuação como pintor e desenhista vem-se estendendo continuadamente entre nós há mais de trinta anos, numa contribuição que se evidencia sobretudo pela coerência evolutiva (...)”. O crítico destaca ainda as proposições visuais e óti cas levadas à cabo pelo artista e o convite feito ao público para integrá-las. O lirismo da geometria de Lothar é, novamente, elogiado.

A retrospectiva Lothar Charoux, que agora se apresenta no Museu de Arte Mo derna do Rio de Janeiro, foi inicialmente exibida, em maio último, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Vivendo no Brasil desde 1928, sua atuação como pintor e desenhista vem-se estendendo continuadamente entre nós há mais de trinta anos, numa contribuição que se evidencia sobretudo pelo coerência evolutiva. Superada a fase inicial figurativa, sob a influência básica de seu professor Waldemar da Costa, a fidelidade a uma mesma linguagem vale por definição do trabalho de Lothar Charoux nos últimos quinze ou dezesseis anos. Das fórmulas estilísticas fundamentais no expressionismo e no cubismo veio chegando, pouco a pouco, aos limites externos da abstração. Assim, por volta de 1955 - quando já se havia estabelecido, especialmente através do impacto das representações suíça e alemã na I Bienal de São Paulo, em 1951, o clima propício para o ingresso da arte concreta entre nós - ele assume, inteira e definitivamente, o rumo da pura cons trução rigorosa de um novo espaço pictórico, abandonando de vez qualquer indí cio alusivo e se tornando, como disse Walter Zanini, um “morfólogo da linha pura, de características precocemente op”.

Desde então, ligado ao nosso movimento de arte concreta e a grupos poste riores de pesquisa óptica, concentrou seus desenho e pintura no desdobramento de uma série de problemas de ritmos visuais rigorosamente projetados, segundo processo de contraste entre o fundo chapado, claro ou escuro, e o “aconteci mento” visual surgido da interpenetração de estreitas faixas lineares brancas ou

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FUNDO LOTHAR CHAROUX - IAC

vivamente coloridas. Esses jogos de pura visualidade, recolocando de outro modo o diálogo do claro e do escuro, da luz e da sombra, da forma e do fundo, sem abandonar em momento algum o âmbito do não-figurativo, estão encaminhan do o trabalho de Charoux, de maneira coerente e inevitável, para a superação do plano e o ingresso no espaço tridimensional, que nessas pinturas e desenhos de antes e de agora já se encontra implícito na virtualidade de um movimento que não cessa de acumular-se. As linhas, embora fixadas no papel ou na tela, não es tão paradas, porque o nosso olhar as percorre e move.

Como referenciar este documento:

PONTUAL, Roberto. [Apresentação de Lothar Charoux em catálogo], Rio de Janeiro, 18 jul. 1974. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.ia cbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/20750.pdf >. Acesso em: (data de hoje)

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Transcrições dos documentos selecionados para a curadoria do artista Hermelindo Fiaminghi

Curadoria e comentários críticos dos documentos: Rachel Vallego

Fonte de Pesquisa: Fundo Hermelindo Fiaminghi Instituto de Arte Contemporânea

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26266

Tipo de texto: Depoimento

Veículo: MAM-SP

Local: São Paulo

Data: 15 de dezembro de 1998

Autor: Hermelindo Fiaminghi

Imagem: A matéria não apresenta imagens. Título: Depoimentos de Hermelindo Fiaminghi.

Depoimento de Fiaminghi concedido por ocasião da exposição Arte Construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nesse depoimento o artista relata sua trajetória e responde a questões técnicas de sua pintura, influências e ligações com o concretismo.

Pode?

Desculpe o atraso.

Eu devo começar a dizer que essa exposição do Adolpho Leirner, da coleção Adolpho Leirner, é a melhor coisa que eu vi nesses dez últimos anos. Completa e não só em números, mas também na qualidade. Mas ocorreu muita história junto a essa exposição e a essa coleção.

Eh! Eu comecei com meus trabalhos em 1953 já definidos como arte concreta, mas eu não sabia o que era arte concreta naquele tempo. Foi na Bienal de 1955, quando eu mandei esses trabalhos de 53, que eu fui pego de surpresa pela crítica, e a crítica denominou de arte concreta o que eu estava fazendo. Mas eu não sa bia o que era, não sabia nem da existência de uma tendência concreta, eu sabia da tendência abstrata, mas o concretismo não tinha notícia, embora Max Bill já tinha estado aqui em 51, mas não me tocou assim a … Em 52 o Grupo Ruptura fez uma exposição, que não chamava “Grupo Ruptura” na época. Foi a exposição Ruptura. Vi essa exposição também, mas não falaram de arte concreta na época em 1952. Só em 55, 54 que a coisa ficou mais definida. E, mais direcionada para a arte concreta. Foi na Bienal de 55 que se firmou a coisa. E, na exposição, na Bienal de 1955, encontrei Sacilotto, nós estávamos na mesma parede e ele, Sacilotto, me convidou para ir ao Clubinho dos Artistas, onde eles faziam reuniões. A partir daí acabou o sossego, sabe. Era galeria, clubinho, boteco e etc. …E assim a gente ia dormir muito tarde. Foram dez anos de muita atividade também.

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E me uni ao grupo concreto de São Paulo. Em 1956 já tivemos a Exposição Na cional de Arte Concreta inaugurada no Museu de Arte Moderna, em 1956, e depois no Rio de Janeiro em 1957, onde eu conheci a Lygia Clark, o Oiticica, o Ivan Serpa, que era professor de todos eles. E a exposição no Rio foi montada por Lothar Cha roux, por mim e Maurício Nogueira Lima, e tivemos um contato mais intenso com o pessoal do Rio que ainda não era neoconcreto, não se dizia, não se auto denomi nava de neoconcreto ainda, eram ainda artistas concretos da melhor qualidade. Só depois então é que alguns teóricos, como Gullar, resolveu criar o grupo neo concreto no Rio, aqui nós continuamos modestamente no grupo concreto, porque o neo, nós, alguns de nós, não aprovávamos, achávamos que era uma pretensão. Um pouco a revista do pessoal do Rio em relação ao grupo de SP. Mas deixa pra lá. Foi um momento. E aí sucederam todas as Bienais e Salões Paulistas onde tí nhamos muito debate e muita polêmica, principalmente com o Grupo Abstracio nista que era o maior número de pintores do atelier abstração.

Em 1960, nós fizemos uma reaproximação com o grupo abstracionista e essa reaproximação através de uma associação que nós fizemos. Criamos a associa ção, associação de belas, não, associação Nacional, não chamava arte concre ta, um grupo, vou lembrar. E convidamos o Leopoldo …, o Leopoldo Haar fazia parte desse grupo, ele era programador do Museu de Arte Moderna.

Nós convidamos o representante do [Museu?...] abstração, cujo nome me es capa agora. O Leopoldo Haimon… Convidamos o Leopoldo para dirigir a associa ção que havíamos criado. Ele se tornou o presidente da associação. E, como tudo – durará muito pouco, a coisa durou pouco, porque a discussão era forte. Não era propriamente uma briga, mas era uma discussão ferrada, acirrada. E, o Ha ---- se aborreceu e saiu da associação. E nós não pusemos outro, a associação acabou. Acabou com o Ha … nessa discussão.

Depois, aí foi o Sacilotto, e eu o Sacilotto achamos que o Cordeiro estava mui to isolado e quisemos trazer o Cordeiro para a vivência da coisa e aí fizemos, fun damos a associação e a galeria NT, Novas Tendências, isso foi por volta de 1959 que nós criamos a Novas Tendências, a galeria começou a funcionar em 1960 na rua General Jardim. Só que não pusemos o Cordeiro como presidente, senão a associação não durava. Nós tínhamos certeza da polêmica, do espírito polêmico do Cordeiro. Pusemos, o quase iniciante nas artes, nas artes abstratas, tendências abstratas, era o Alberto Olivetti ---- e fizemos do Alberto o presidente da associa ção. E a associação, por incrível que pareça, durou bastante, durou 5 anos, com galeria e tudo. Despeça a beça, né. O Volpi também era sócio da galeria, porque a galeria reunia todos os pintores, inclusive os fundadores como os sócios da gale ria e da associação. E, tínhamos a pretensão dessa associação ser uma, uma, de ter atividade, também, internacional. Mas não deu certo. Nós incluímos Willys de Castro e o Barsotti para esse caminho, mas não deu certo. Não tivemos nenhum resultado. Estou dando assim uma rápida pincelada do que das coisas que acon teceram naquela época, uns dez anos, quinze anos de atividade.

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FIAMINGHI - IAC

Teve também, uma galeria em São Paulo, que pretendia especializar-se em Arte Concreta, durante um tempo ela realmente conseguiu ter um certo padrão de exposição neste sentido. Era a Galeria do Ralph Camargo onde o Leirner com prou alguns trabalhos lá, que estão aqui expostos. Também foi uma atividade im portante para as artes concretas da época. Não havia muita galeria, praticamen te não existia. Poucas galerias, em termos de especialização na arte abstrata e na concreta.

Mas, o impulso maior que tivemos em nosso meio foi pela Galeria das Folhas, a qual, a Folha mantinha além da atividade de reportagens sobre a arte, uma gale ria na sede do centro da rua onde ela manteve a oficina até hoje. Até essa gale ria era presidida, presidida por um jeito de pessoas, um grupo harmonioso durou bastante tempo, e lá foram feitas várias exposições neste sentido tanto com o grupo do Rio quanto com o de São Paulo. Com exposições de 50, de 1958 para fren te, várias exposições. E, lá nós fizemos o lançamento das Novas Tendências que depois gerou essa galeria que nós fizemos na Rua General Jardim.

Mas a nossa atividade não foi só de galerias, só exposição de galeria, nós tí nhamos reuniões para discutir e propor, fazer propostas de designer, onde alguns dos componentes do grupo concreto, tinha como atividade. Da minha parte era publicitário, eu tinha agência, e da parte do Sacilotto, na parte do Maurício, que era arquiteto, o designer era a importância que eles tinham.

E tinham como sede para a reunião a casa do escultor, Féjer, Kazmer Féjer. Ali nós discutíamos propostas novas de designer e também de programação de ex posições das quais nós fazíamos, participávamos e fizemos alguma participação dessas exposições.

A essa altura por parte da Galeria da Folha que durou por volta de até 64, 65, nós tivemos uma atividade grande, tivemos bastante participação nessa galeria, mas como tudo não é eterno né, houve uma separação dos componentes, um arrefecimento de comportamento e também de atividades por parte dos compo nentes do grupo concreto. As reuniões do clubinho tornaram-se mais espaçadas, menos interessantes para alguns do grupo e também a idade que já não é a mes ma depois de 10/15/20 anos também pesou para que nós não fizéssemos/tivésse mos acertulhas que tínhamos até de madrugada, até alta madrugada os deba tes que fazíamos, eramos bastante atuantes e o grupo praticamente quase que se desfez. Cada um foi fazer o seu trabalho, produzir o seu trabalho em seu próprio atelier, haviam grandes ateliês coletivos, tivemos o do Brás durou bastante tem po (?) e cada um partiu para sua atividade, uma atividade mais individualizada, mas não menos crítica e não menos importante do que fazíamos antes. Atuantes sempre. E novas, novas adesões para o grupo concreto, que não, a essa altura, não era mais grupo, mas uma tendência de vários participantes, novas adesões tivemos de certa importância também.

E, como a Bienal deu toda a chance à arte construtiva na década de 50, na década de 60 a Bienal trazia o Informalismo que ocorria nos Estados Unidos prin cipalmente em Nova York com o Pollock. Pollock liderando a arte, o abstracionis

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mo informal. E o Abstracionismo Informal, praticamente durante a década de 60, empalhou a atividade concreta no sentido de, não digo de marginalizar a arte concreta, mas digo de arrefecer a atividade de arte concreta. O informalismo veio forte, chegou com adeptos e conquistou adeptos aqui imediatamente, um gran de número de adeptos da arte informal, do Abstracionismo Informal. E nós ali, concretos destoando de alguma atividade…

Eu gostaria de um pouco de ajuda de vocês que eu estou um pouco duro de lembrança, não estou com a memória clara.

Gostaria de alguma pergunta?

– Vocês na época tinham alguma ligação com a Universidade, com a USP? Os grupos faziam intercâmbio com a universidade, tinham alguma atividade com a universidade, com a USP.

Algumas palestras, na USP algumas palestras, e participação com alguns tra balhos no próprio Museu da USP tem lá alguns trabalhos nossos, mas foi uma par ticipação pequena. Eu acho que no nosso grupo havia um professor, o ---??. Não eram professores, não pretendiam professor nada, não pretendiam. O professor que nós tínhamos no grupo era o Maurício Nogueira Lima, que é, foi professor da USP. Não é? Conferência sim, conferência a gente fazia, debate, com maior ativi dade que hoje. O bom da conferência para artista plástico, principalmente, é que obriga que ele estude, em épocas de (nessas?) conferências obrigava a determi nado estudo, e eu mesmo estudei várias coisas, vários momentos para poder falar nas conferências, o improviso dá sim, da branco, mas …

– Como é que foi a sua ligação com os poetas concretos?

Dos pintores concretos que mais teve ligação com os poetas fui eu devido à programação gráfica que eu desenvolvi e fazia. Eu estive com os poetas concre tos e principalmente com o Décio Pignatari, que depois se tornou meu sócio na agência, bastante contato, inclusive de preparação, até de impressos, de poe mas, de livros e etc.

Foi uma atividade que começou em 1958, não em 1957, quando da exposição do Rio. Eles se uniram aos pintores nessa exposição e os poemas cartazes amplia dos, eu executei todos, para a exposição. Porque dificilmente para uma exposi ção, difícil de folhear livros, então havia painéis nessa exposição que produzi com tipografia ampliada e os poemas, vários, dos 4, é o Haroldo de Campos, o Augus to de Campos, os dois irmãos né, o Décio Pignatari e o Ronaldo Azevedo que era mais jovem deles, carioca, que morava no Rio na época, e esse foi o contato inicial com o grupo de poetas, amizade que existe até hoje e dura até agora. Muita briga também. Hum, hum …

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– Você começou o seu depoimento dizendo que chegou na Bienal em 53 e que ao seu lado Sacilotto e o conheceu, em 55 na Bienal. Não disse nada anterior, então o sr. chegou na Bienal e já pintava. Como começou a pintar? Influenciado ou estimulado por quem? Alguma coisa anterior a essa Bienal, que o sr. poderia contar para nós?

As Bienais, elas sempre trouxeram alguma novidade em termos de artes plás ticas, e na época mais do que agora, ela agora está voltada, esta última bienal, muito voltada para a arte conceitual, ainda não muito bem aceita e não muito bem entendida, mas na época nós tivemos, nas bienais anteriores, artistas de re nome da história da arte, das artes plásticas, era possível fazer e estudar a histó ria da arte através da história das bienais? Porque além da história, além da teo ria, nós tínhamos a presença das obras desses artistas, os quais tínhamos algum interesse na época. Eu conheci Albers pintor americano na Bienal, em 51 veio Max Bill e se for enumerar é uma história da arte completa, anterior a 55. Depois até, eu acho que até 60 as Bienais foram mais históricas e hoje se pretende fazer uma bienal mais atuante, uma mais da descoberta das tendências, né.

Naquela época era histórica mesmo. Tá respondido?

– Em parte.

– Em parte.

– … disse que as bienais foram sua grande influência e motivação para pintar …

– elas confirmavam …

– mas como começou a pintar realmente, como entrou no mercado?

– Através da história que eu citei, que é as bienais históricas, elas confirma vam as nossas dúvidas, quer dizer confirmava o que, as nossas certezas e muitas vezes dúvidas que havia também, mas através das bienais não era só a influên cia, porque a influência não dirigida para a escola é difícil de captar. Cada um sente o que acha que é, e se você está percebendo bem a coisa, muito bem, mas se perceber mal, muito mal. Então, eu acho que essa influência é mais através da história que a Bienal nos trazia e da qual havia uma confirmação do que nós que ríamos, do que nos pretendíamos, há uma confirmação daquilo que você ---- ini cial depois não, ---? confirma ---- ?? a coisa, a coisa é mais interessante. Eu acho que até 60-65 (75?) as bienais foram mais interessantes, ao meu ver, para mim, não desmerecendo o que aí está …

– Quando o Sr. visitou a primeira bienal o sr. já pintava?

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– Eu repito, desde os 14 anos, eu pintei 15 anos sem mostrar nada para ninguém, sem fazer uma exposição, a primeira exposição que eu participei foi na bienal de 55, já comecei com a bienal. Hum…

O que o sr. pintava antes?

Pintava, mas não tinha uma tendência definida, eu estava procurando uma confirmação para mim mesmo. Eu pintei durante 15 anos sem escopo??? e prati camente em 1953 é que eu comecei a afirmar o que eu queria através de informa ções históricas de ler e também o convívio e no debate que eu tinha com o meu professor de arte e história da arte, que era o Waldemar da Costa, eu tive o curso de levar para as Bienais o meu trabalho, para os Salões, e eu não queria porque eu achava que não era aquilo que eu queria, não era daquela maneira que eu queria que eu fosse/me tornasse conhecido. Já em 55, não, eu já tinha uma obra, um trabalho concreto, que eu não sabia que era concreto, foi a crítica que carim bou, eu não sabia e depois com o Sacilotto, com o contato com Sacilotto é que passamos a ter maior contato com o Clubinho e que o caminho se esclareceu.

– E, hoje o sr. mostra ---- os seus trabalhos anteriores ao concretismo? ---- ???

– Não, hoje eu tenho certeza do que estou fazendo, ja sou, ja tenho auto-sufi ciência.

– E o que o sr. fez com os trabalhos que o sr. fez antes da arte concreta ---- ????

– Não, nós tinhamos atelier e no ateliê nós discutíamos a coisa, tínhamos ateliê coletivo, no Brás, então era cantina e ateliê, cantina e ateliê, ali a gente discutia tudo, materiais, relacao/inovação ?? de materiais, tendência, história da arte con creta e que passamos a ter e etc., eram discussões que iam até a alta hora da noi te, da madrugada. Durante dez anos não parei, não se parava, não fique parado de uma maneira ou de outra estávamos discutindo no boteco ou no ateliê.

– E dava tempo para pintar bastante?

– ???? Tempo a gente sempre arruma quando quer, sabe.

– Oh Fiaminghi hoje você tem uma obra que é bastante apoiada na cor, nas pinceladas que se sobrepõe então você tem um trabalho hoje em dia quase im pressionista. Como você acha que saiu do concreto ortodoxo que você tinha nos anos 50 e chegou agora numa obra cromática desse jeito?

– Esse é um problema que muita gente tá perguntando porque? Eu não sinto a diferença do que eu fazia no concretismo ortodoxo, aquela rigidez, com o que faço

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hoje. O que eu faço hoje tem mais ligação com o que eu fazia antes da arte concre ta, que era litografia, eu era litógrafo de formação. E a cor nunca foi uma surpresa para mim, porque o litógrafo produz o trabalho em preto e branco, o que vai dar ?? cor, voce tem a cor na cabeça, talvez imaginariamente nos olhos, mas e a má quina que vai imprimir o que você fez em preto e branco e você precisa imaginar a combinação da cor, o que a transparência lhe dá, a sobreposição que ela vai dar, e que tonalidade daquela cor que ela vai dar. Vou citar apenas um exemplo: o verde se faz também com o azul e amarelo, mas há centenas e milhares de ver como é que você sabe o que vai dar através da tonalidade. Então isso nos dias de hoje era mais ligado a esse comportamento e com maior facilidade porque eu já faço a cor. Faço em preto e branco para depois imprimir. Então essa coisa da cor ela para mim é tão concreta quanto os triângulos e os quadrados que eu fazia na arte concreta ortodoxa. Eu acho que o que eu faço hoje, embora não tenha a rigidez de constru ção que tinha a arte concreta ela tem a rigidez da cor. Ela projeta imagem para o teu olho, com a cor. A cor tem ora no trabalho que eu faço hoje, tem hora que a cor é a forma, e tem hora que a forma é cor. Então essa coisa explicada assim, talvez um adolescente poderia explicar melhor. Mas, não tem diferença para mim. Não há surpresa no sentido de não há essa coisa de dizer eu estou mudando. Para mim não estou mudando, pode ser que eu esteja evoluindo, mudando não. É isso.

– A gente sabe que o teu mestre foi o Waldemar da Costa, mas o Volpi pesou bastante para você a partir de 59, quando você dividiu atelier com ele/foi para o ateliê dele ... / pesou bastante nessa sua talvez redescoberta da cor./

Sim, quando eu tive ateliê na casa do Volpi, cedido pela Judith, eu olhava mui to o Volpi, e o Volpi dizia é … “quem quer faz”. Você fazia uma pergunta e ele dizia que não era professor, mas ele explicava com alguma paciência alguma coisa. Mas eu não acho que eu tive influência do Volpi no sentido da pintura que faço hoje, pode ser em termos de afirmação da cor. Mas eu já tinha a cor comigo, nas artes gráficas e na litografia. Era uma espécie de fisiologia da cor para executar a arte litográfica. Eu tinha uma escala na cabeça e para essas pinturas que eu faço hoje eu também tenho uma escala na cabeça é muito mais fácil, que aquela escala, a escala de litografia era imaginária e hoje ela é visual porque eu tenho a cor. Então não há segredo para mim em termos de cor. Eu domino a cor e ela não me domina. Eu domino a cor. Eu, talvez eu, esteja sendo um pouquinho auto-sufi ciente em falar (nisso), mas eu não sou dominado pela cor, eu domino a cor. Não quer dizer que todos os quadros meus deram certo nessa nova fase, nesta última fase. Eu tenho quadros que eu abandono depois de pronto, porque olhar, pintar e olhar com olho crítico na sua própria obra precisa ter muita disposição crítica para poder abandonar um trabalho e alguns meses de trabalho, e eu abandono, não me dá desprazer nenhum, ---- ??? de largar a coisa, porque não é aquilo que eu quero. Essa, eu acho que o pintor deve ter um pouco de determinação do que ele realmente quer. Ele tem que ser, fazer, independente se vai dar certo ou não.

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Tem que ter programa mental que seja, não faço estudo nenhum hoje, nenhum, não tenho paciência para copiar o meu próprio estudo, não faço, ja vou direto na tela, e isso me dá uma liberdade, ao mesmo tempo que me dá qualidade também me dá uma inqualidade, uma coisa desperdiçada. Tenho vários trabalhos encos tados, para refazer, pintar de branco e começar tudo de novo. Para aproveitar a tela, né.

– ?????

– Senhora?

– a técnica de pintura ainda é a óleo?

Eu misturo, eu só não uso acrílico, estranho (eu nao entrei no ???) o acrílico, porque eu acho a cor do acrílico uma cor fácil. Existe uma … meu olho não dá para o acrílico, não dá, não tem mistério, o acrílico não tem mistério. Não sou contra quem pinta com o acrílico, absolutamente. Mas eu não uso o acrílico. A pigmen tação do pigmento, não estou acostumado. E, faço uma têmpera, essa que eu aprendi com o Volpi, isso sim eu aprendi com o Volpi. Eu aprendi com o Volpi como se estica uma tela e faço questão de esticar todas as minhas telas, como se pre para uma tela, aprendi com o Volpi, olhando, sempre olhando como ele dizia ??? “---- faz”e eu olhava e a têmpera também. Então esboçar o trabalho atual com a têmpera é muito bom, porque a têmpera nao da carga de crosta, eu nao gosto muito de crosta aqui na pintura, ela dá uma leveza em que você pode ir com óleo por cima sem prejudicar o que está por baixo, eu misturo tanto a têmpera quanto o óleo. E a têmpera que eu faço, que eu chamo de têmpera gorda, não tem tanta água como aquela que o Volpi fazia de aquarela. A têmpera gorda é mais em pastada tem alguma consistência do óleo com a vantagem da luminosidade do pigmento puro, que o óleo não tem tanto, tanta luminosidade, eu gosto daquela luminosidade da têmpera. E começo, sempre que eu começo um quadro, começo com a base da têmpera. Isso me dá uma certa segurança, um certo conforto de ver o esboço, saber que ele tem um caminho, né?

Bom! Acho que … – ????

Passei, passei, eu passei, tive na, no ateliê de São José dos Campos, eu tive um ateliê dado pela prefeitura, e eu tive uma escola lá no ---- (rural??) tinha 60/80 alu nos, que não chamavam aluno porque não havia constância e nem havia livro de chamada, mas alguém aprendeu né, desses 60, 15 se salvaram. Uns 15 compreen dam, inclusive a têmpera. Não se esconde nada ----? Heim? Você dava, dava até a receita, dava até a receita, porque ver e fazer e aprender a fazer na cor é muito

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sutil, muito sutil, de repente aprende errado, mas a receita faz parte da têmpera, você não pode diluir a resina damar numa, no querosene, nao pode diluir num, numa aguarrás que não seja vegetal, não pode ser mineral, não dá, não dá têm pera, ovo de granja dá mofo, da mofo, você não faz uma tempera com ovo de granja, tem que criar galinha no fundo do quintal. Ah!!!! É tem que ter ovos purinhos. Toda têmpera que eu preparei com ovo de granja deu mofo, tive que repintar.

– ????

É, ele foi, ele foi um, ele não teve aula da nossa parte de arte concreta. Ele tam bém aprendeu vendo, ele frequentava o nosso ateliê também, nós frequentáva mos o dele e ele frequentava o nosso. E, o Volpi não era um primitivo como muita gente pensou na época, ele era um cara inteligentíssimo. Ah, ele tinha um olho informado (??), e ele aprendeu muita coisa com a gente vendo, a construção con creta que ele tinha muito de nós não tínhamos. Ele era novo (lobo??) nisso, e muita gente não aceitou o Volpi como concreto. E ele não mudou o material dele para fazer arte concreta como nós fazíamos, fazíamos com esmalte sobre eucatex, so bre compensado, nós inovamos a base, não ele sempre continuou na mesma, na telinha esticada dele, numa entretela (??), preparo com gelatina e têmpera. Fez arte concreta com têmpera. É o nosso Giotto. O Giotto do Cambuci.

--?

– Como? --?

– Ele saia com a gente para as cantinas, depois das reuniões que a gente fazia e o máximo que ele fazia assim durante uma noite eram duas perguntas: era sim e não, duas perguntas, mas enxergava muito.

– E a relação com o Mario Schemberg --?

– É, o Mario Schemberg e o Spanudis que frequentavam muito o ateliê do Vol pi, pode ser que teoricamente tenham dado ou pretendem/pretendiam ter dado ao Volpi alguma informação, mas acho que ele um pouco avesso a alguma coi sa que dirigisse a obra dele para aquilo que ele não era, não sei se ele aceitava não a teoria do Mario Schemberg e do Spanudis. Que era, o Spanudis era um bom colecionador da obra dele que além de poeta, ele pretendia também dar as suas dicas de pintura, mas o Volpi não aceitava não, não era muito teórico, afeito a teoria. Mas que obra, tá aí, tá na Bienal até hoje para ver, uma beleza. Eu vi a execução, acompanhei a execução de 195?? ---- na bienal, me deu uma surpresa, me surpreendeu depois de saber como foi feito, e também me surpreendeu, uma

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beleza. Como me surpreendeu a tua exposição, tua coleção, sem exibicionismo nenhum. Mas, ----

----- situação ----- ?????

Mas o grupo em que eu participava era o mesmo dele, o do Cordeiro, era o mesmo, é ---??? Vocês também se envolveram politicamente nesse momento?

… nem todos, o Schemberg, ele era político, o Spanudis não era, o Volpi não era, o Cordeiro era, Cordeiro era, mas nem todos se envolveram na política, porque a política na época se envolvesse (???) era de esquerda, de direita não tinha, tinha mas não era a nossa. E a esquerda era muito perseguida, Schemberg, por exem plo, teve (perde?) até a cadeira dele, recuperou depois, o Cordeiro morreu muito cedo, 48 anos, ele já tinha o (um) fogo no coração. Não … morreu de ----????, ele era muito agressivo, assim, era de briga mesmo.

Bom, tá bom ou mais, querem mais? Perguntem?

Obrigada heim!!! Foi um prazer. Obrigado

Não acho que dei tudo o que vocês merecem, não…

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. Depoimentos de Hermelindo Fiaminghi [depoimento]. MAM -SP, São Paulo, 15 dez. 1998. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/26266. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 27968

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Tipo de texto: Entrevista

Veículo: Artes: Local: São Paulo

Data: Julho/Agosto de 1995

Imagem: A matéria apresenta um desenho do artista Fiaminghi. Título: Hermelindo Fiaminghi: Quarenta anos de cor-luz.

Nessa entrevista à revista Artes, Fiaminghi comenta sua exposição na Galeria São Paulo, de Regina Boni, em 1995, e faz um panorama de suas percepções a respeito da arte no período. Relata ainda exposições do MAM SP, algumas Bienais recentes, a novidade das instalações e sua produção recente.

O que Hermelindo Fiaminghi está fazendo em São Paulo, em 1995, é um mistério. Fiaminghi está mais para a Renascença do que para o Pós-Modernismo. Vê a pin tura, o ofício de pintor com olhos e mente de renascentista. Ouvindo-o falar sobre a luz, as cores, as telas, a resistência e a durabilidade dos pigmentos, as tintas, não é difícil imaginá-lo em Florença, Roma discutindo com papas e mestres das botthege, botegas. Para Fiaminghi, a prática da arte é coisa séria. Tão séria que às vezes para de fazê-la para refleti-la. Dá um tempo. Recarrega as bactérias. Vol ta com novas ideias. Conserva e retoma as antigas. Na entrevista a Karla Krepsky, Fiaminghi com a espontaneidade costumeira fala de sua arte, de exposições, de sua postura frente a arte e a vida. Uma lição. CvS.

“O quadro começa quando você chega”.

Assim o pintor Fiamenghi respondeu a um jornalista há trinta anos atrás, dian te da pergunta: “o que o seu quadro representa?”. A pergunta se repetiu para o próprio pintor no início da década de oitenta quando Fiaminghi olhou e pensou sua obra na retrospectiva “Fiaminghi: décadas 50/60/70” no Museu de Arte Mo derna de São Paulo. Numa atitude rara nos dias de hoje, o artista parou dois anos para a reflexão e observação de cores e transparências presentes na Natureza.

Num mundo em que bilhões de dólares regulam e determinam a vida de mi lhões de pessoas e cujo destino é decidido em questão de minutos depois de um dia de rotina estressante, sua atitude só pode nos trazer o exemplo de uma teimo sia que faz bem. Em direção a um cotidiano mais saudável onde sua obra e cria

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dor interajam e reflitam juntos. Em direção a uma vibração e uma perenidade que não se cria e nem se destrói. Apenas se transforma. E se repete sempre diferente e criativamente.

Ao sair de seu ateliê, num sábado, ensolarado e fresco, Fiaminghi explica-me as luzes e cores do céu nos meses melhores para este tipo de observação: abril, maio, junho. Parodiando o pintor, eu diria: “o quadro começa quando a reflexão não cessa”. E não termina nunca. E isto é bom.

artes: — o senhor participou do concretismo do início?

Hermelindo Fiaminghi — No começo era concretismo, arte concreta. Eu come cei como pintor concreto embora eu tenha tido uma escola acadêmica, uma es cola impressionista antes, mas nunca tinha exposto. Não era daquela forma que eu queria ser pintor. Ou faria de uma forma que me agradasse como escolha ou nada. Eu tinha necessidade de pintar. Mostrar e ser reconhecido, nem sonhar. Mas de 53 para cá a coisa começou a se definir, a ganhar forma e conversando com pessoas amigas que conheciam o ambiente da arte concreta e que viam meu tra balho, essas pessoas acharam que eu podia mandar o trabalho para a Bienal. E eu mandei e entrei e aí começaram a falar que minha obra era concreta. Eu nunca tinha ouvido falar de concretismo, isso já em 1955, não sabia da existência de uma tendência concreta, sabia de uma existência abstrata. Em 1955 eu mando para a terceira Bienal e entra tudo e a crítica começou a falar que eu era concreto, co meçou a falar que eu era concreto, começou a carimbar, a rotular, aí eu disse: va mos ver o que é isso, não sei se sou desse vinho, que vinho eu sou, o que eu estou fazendo é abstracionismo. E eu comecei a conversar com as pessoas e encontrei muito concreto no clubinho. Uma pessoa amiga me levou para o clubinho e lá eu entrei em contato com os concretistas incluindo dois poetas, naquela época, o Ronaldo Azevedo e o Augusto de Campos, que de vez em quando frequentavam a reunião dos pintores. O Augusto de Campos tinha contatos no Rio de Janeiro e a esposa dele era do Rio de Janeiro, naquele tempo, noiva dele e falava lá com a Lygia Clark. E eu comecei a ver o que era isso, comecei a me interessar, fazer leitu ras sobre a coisa, me entusiasmei com a arte concreta e caminhei nela até pouco tempo. Ainda respeito e faço.

artes: — como foi a exposição na Galeria São Paulo?

HF: — Essa exposição: primeiro, eu precisei mudar de galeria, eu estava com Montesanti e a São Paulo tem um público diferente e então essa foi a razão da troca de galeria. E segundo, porque eu vinha trabalhando há aproximadamente quatro anos, três anos, numa obra que eu reputava mais avançada, mais desen volvida, mais livre, mais como eu gostava que ela fosse. Para mim não existe muito este negócio de arte nova, existe o que é bom e o que é ruim, não é? Eu achava

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que este caminho que eu havia abraçado era bom. E realmente surgiu uma série de obras, nestes três anos, umas vinte, vinte e cinco obras, que me entusiasmaram para fazer uma exposição. Eu fiz esta exposição com uma certa convicção de que eu estava expondo uma obra mais liberta, mais livre do que eu vinha fazendo. E em terceiro lugar, esta obra vai fazer parte de uma tese de doutorado de uma pessoa que frequenta o meu ateliê, a Isabela Cabral, e ela escreveu e documentou bas tante esta obra e então achei que era hora de fazer mais uma exposição. De ante mão já sabia que não havia correspondência de mercado. E também eu estou me ralando para o mercado. Não que eu não precise dele. Preciso. Quem é que não precisa? No meu ateliê, eu tenho para pintar o resto da vida. Telas, também eu te nho. Cabeça, também eu tenho. O resto, a gente arranja, não é? Então, não estou precisando de manutenção para a pintura. Mercado, eu sabia, não teve mesmo, aliás, eu nunca fui sucesso de vendas em lugar nenhum, em exposição nenhuma, embora tenha havido exposições em que eu vendi tudo. Mas quanto à correspon dência, à volta, do que eu esperava da análise desses quadros que eu mandei, foi estimulante, foi bom. O público aceitou. Quem eu não esperava, os jovens, fi caram entusiasmados com a obra. Quer dizer, em termos de análise por parte de público é uma volta à pintura, não é? O que eu faço é uma pintura. É uma volta à pintura de quem analisa. Para mim, não tem a volta à pintura, tem a pintura. Ouvi vários comentários deste: de volta à pintura. E parece que isto, por coincidência está voltando na Bienal de Veneza, agora isto é normal, em todos os tempos, nos meus cinquenta anos que eu me conheço como pintor, tem ido e voltado, parece que há coisas que arrastam a coisa para o nada, pinturas que querem embrulhar a Capela Sistina e depois, não desembrulha nada. E essa coisa do conceitual e da vanguarda em geral, não toda, ela acaba esvaziando em nada. De repente, ela se esvaziou. Porque são obras perecíveis, em primeiro lugar, e depois parece que a própria pessoa que executa não tem o prazer de rever e refazer, não sei o que acontece, é uma anti-pintura, é uma anti-arte. Então eu acho que quando há uma saturação da coisa, há uma volta, parece que é uma consciência de volta. Para mim, isto é tão normal que não há novidade.

artes: — na sua opinião, o que está acontecendo com o mercado de arte?

HF: — O que está acontecendo é que o governo tirou o apoio, não há mais des conto para o imposto de renda e não está dando apoio algum. Também retirou do artista e do colecionador o incentivo, havia o incentivo e acabou. Eu mesmo em 1986, na exposição que eu fiz com a Regina tive bastante aquisições, suficien te para me manter até agora com o que foi adquirido. Até 1988, ainda havia a Lei Sarney e não só a Lei Sarney, havia uma outra lei que eu não sabia que nome tinha. Para as pessoas que investiam em arte havia o incentivo de desconto, o próprio artista não era sujeito à declaração de determinado X, era descontado todo o gasto que ele tinha, quando se importava material. Havia incentivo, ago ra não. Agora tem nada. E nada é nada. Só o artista que continua acreditando e

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trabalhando. A arte aqui existe a duras penas. A hora que acabar o meu material eu não vou comprar mais. Eu tenho bastante porque quando vou à Europa, eu sou apaixonado por material, e compro. Então, a paixão sustenta. Não existe incentivo para quem leciona, ajuda ou investe na arte. Eu não sei se houve abuso destes investimentos em termos de imposto de renda, mas o que eu sei é que do gover no, nada. Diferente do governo dos Estados Unidos, que apoia. E não só isso. As embaixadas na Europa levam o artista americano lá em cima e não lá embaixo. Conosco é ao contrário. Vamos ao porão. Artista brasileiro não conta com nada. Tem gente aqui que diz que expôs no Centro Pompidou. Expôs na praça em frente ao Centro Pompidou, Dentro do Pompidou, não entrou. Marginal, eu não sou. Não me interessa. Adido cultural vai para a Europa como provador de vinho. Vinhos e champanhe. O cara não tem a mínima. Já houve uma época um pouquinho mais séria. Fiz várias exposições na Europa apoiado, intermediado pelo Itamaraty. Ago ra, Deus me livre, o que o cara conhece é vinho. Vão lá para boa-vida. Não tem a mínima, ao contrário de exposições na Europa de americanos. O adido cultural, aqui, é ao contrário, ele é pintor.

artes: — como o senhor vê as artes plásticas aqui em São Paulo?

HF: — Eu acho que ainda é o artista que mantém a coisa porque eu vejo os jovens. Ainda ontem esteve aqui uma jovem que morou em Nova York, em New Jersey, trabalhou lá e ela também fez a mesma pergunta como é que está São Paulo? E vejo que ela se dedica e quer se dedicar, depois de dois anos que passou lá, saindo da riqueza para a pobreza. E pergunta como está a pintura aqui. Mas questão de movimento tem, há movimento, há movimento musical, da música po pular, movimento de teatro, de design. Movimento existe, em pintura, exposições, em São Paulo e Rio, o resto, mais ou menos. No Rio menos agora, porque atravessa uma fase muito difícil, de repente as coisas ficam deste jeito, se São Paulo está difícil, imagine o Rio. Outros centros estão surgindo, por exemplo, Curitiba, com aquele Teatro do Arame, mas são pingos d’água no oceano. Esta última Bienal me animou bastante. Eu acho que foi um trabalho bastante sério, tanto no nível do tradicional quanto no nível de vanguarda, da novidade, teve seus pontos altos e foi uma das Bienais, depois de vários fracassos, de várias tentativas de estourar a boca do balão, essa foi uma Bienal que eu gostei, não só gostei, porque essa coi sa gostei, não gostei não diz nada, ela teve seriedade e teve uma documentação, teve um livro, a única que teve um livro. Nenhuma das outras bienais teve um livro. Catálogo, algumas tiveram. Quantos livros poderiam dar as Bienais todas, todas as Bienais que nós tivemos, e que livros hem… Eu confesso que a maior parte das obras de arte que eu conheço das obras internacionais, eu conheci nas Bienais. Só depois de duas viagens para lá é que eu comecei a ver, rever tudo que eu vi aqui nas bienais, que não fizeram livro nenhum.

artes: — o que o senhor acha das instalações?

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HF: — Das instalações e das iniciativas, que não se pode chamar totalmente de instalação, a “Polaridade e Perspectiva” foi uma coisa muito boa que reuniu artis tas jovens e isto foi uma coisa bonita, bem feita, eu gostei daquela coisa. Não era bem uma instalação mas a proposta de “Polaridade e Perspectiva” de juntar um jovem é uma espécie de instalação num outro sentido porque o jovem sabe fa zer uma instalação, o artista conceituado não, está na pintura. Alguns dos jovens fizeram instalações. Isto eu acho que é um incentivo bom, favorável. Uma outra grande surpresa foi o Panorama, o último Panorama, não porque eu fui premiado que eu achei bom, não. A própria exposição era diferente. Porque o Panorama estava desatualizado e voltou forte. Tinha enfraquecido demais, voltou forte e de pois houve uma exposição de uma instalação, recentemente no Museu muito boa.

artes: — em termos de exposições nos museus, o que o senhor acha que está acontecendo?

HF: — No Museu de Arte Moderna tem atualmente uma atividade bastante agressiva em termos de exposições de periodicidade etc. E também o Museu de Arte Contemporânea tem uma certa periodicidade. E lá no Museu da Arte Con temporânea da USP, também. E agora, a Pinacoteca com o Rodin. Embora eu ache que Rodin não acrescenta nada em termos de escultura. Não em termos de tra balho que é espetacular, mas em termos de escultura não acrescenta nada ao novo, é uma volta às coisas. Estamos falando da volta e está tudo aí. Acrescenta muito à história da arte. E tudo isto que está aí eu vi em Paris, no próprio Museu Rodin, perto da Bastilha, tem dois museus Rodin mas este da Bastilha é maior, é mais completo, tem a casa dele e eu vi tudo isto lá. Fiquei babão. Isto aí é um re começo bom. Tivemos uma rentrée nas artes bastante forte este ano. Engraçado que está havendo uma coincidência de tradições, no sentido da história da arte. Exposições com este pessoal do grupo Santa Helena, com o Rodin. Espero que o jovem não dance, não é? O que houve é o seguinte: tudo tem as suas respostas, eu não sei se vingativas ou corretivas. Nós tivemos uma Bienal que revelou jovens às cumbucadas, o corredor polônes, aquela coisa toda, não é? E eu pergunto, e daí? Onde estão? Mas é sempre assim: surgem dez e permanecem três ou quatro.

artes: — o senhor ficou dois anos sem pintar. Como foi isso?

HF: — Isso aconteceu depois de uma exposição, uma retrospectiva sobre o meu trabalho que aconteceu no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1980. Eu, nesta exposição, observei o meu trabalho destas três décadas e pensei: ou faço algo diferente, novo ou paro de pintar. Eu tenho uma casa no interior de São Paulo, fui para lá, passei um tempo reformando a casa e todos os dias, no mesmo horário eu observava a luz, de onde vinha, quais eram os efeitos de transparência de cor e luz e fiquei dois anos lá. Todas estas impressões ficaram guardadas na

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memória, foram “fotografadas”. Nós temos um verdadeiro computador acima do pescoço. E daí eu comecei a pintar novamente. Agora eu pinto estes efeitos. O pri meiro resultado veio através da exposição que eu fiz em 1986 (Fiaminghi me mostra uma pintura sua pendurada na parede de seu ateliê e me diz que aquela é a tela mãe: diz que desde outubro do ano passado vem observando este quadro e que na verdade é ele que aponta as soluções para as outras pinturas).

Como referenciar este documento:

Hermelindo Fiaminghi: Quarenta anos de cor-luz [entrevista]. Artes:, São Paulo, jul/ago. 1996. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbra sil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/27968.pdf>. Acesso em: (data de hoje) Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 26201

Tipo de texto: Entrevista

Veículo: -

Local: São Paulo

Data: 10 de março de 1992

Autor: Regina Telles Rudge e Otávio G. Oliveira Neto

Imagem: A matéria não apresenta imagens.

Título: Entrevista: Hermelindo Fiaminghi

Nesse depoimento a respeito da Galeria e Associação Novas Tendências, fundada em 1965, o artista comenta abertamente alguns problemas com Waldemar Cordei ro, especialmente sobre não ceder espaço para outras lideranças, mesmo quan do não estava no comando. Segundo Fiaminghi, esse seria o caso da NT, da qual Cordeiro rapidamente se desvincula.

ICI – Gostaria que você falasse sobre a Associação de Artes Visuais Novas Ten dências.

HF – A Associação Novas Tendências foi fundada em 1961 e era originária de uma dissidência … O Waldemar Cordeiro, que era líder do Grupo Concreto, durante um tempo ficou um pouco isolado, devido às suas características de liderança … Mas, ao mesmo tempo, ele estava um pouco isolado do meio artístico … Nos mantínha mos contato com ele e tivemos a ideia, que partiu do Luiz Sacilotto, de fazer uma associação. Nela, um grupo mantinha contato com artistas e colecionadores e essa era uma maneira também de dar uma abertura ao processo artístico na época. Isso vinha em contraposição ao Grupo Concreto de São Paulo, que era muito fechado. Nós achávamos que deveríamos abrir e aceitar pelo menos aque las tendências válidas, na época, para a associação. Fizemos várias reuniões na Biblioteca Municipal com artistas das várias tendências, e surgiu assim a NT. E até foi imposta, na ocasião, uma condição: os demais participaram desde que o Cor deiro não fosse o presidente. E ele aceitou a condição. O primeiro presidente elei to pela maioria dos artistas participantes foi Alberto Aliberti. Era uma pessoa que estava se iniciando em arte, na época. E também era preciso junto à Galeria, à Associação, alguém que tivesse uma credibilidade maior até em termos materiais, e nesse caso foi o Aliberti, que era industrial, o primeiro presidente. A proposta da NT era a seguinte: estimular as tendências novas e os artistas inventivos dessas tendências.

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ICI – Você falou de tendências válidas … Esta abertura para as novas tendências incluía as Novas Figurações …

HF – Desde que fossem vanguardas. Era um projeto de vanguarda. Isso não quer dizer que alguém ia aceitar pintores acadêmicos ou clássicos, etc. Era sobre pin tores de vanguarda.

ICI – As Novas Figurações, vocês aceitavam...

HF – Na época não havia ainda a Nova Figuração, não havia ainda essa corrente. A corrente da Nova Figuração foi fundada em 1965, no fim da NT. Mas muita coisa surgiu de novo, não só aqui em São Paulo, como em Campinas e no Rio de Janeiro. A nossa intenção na época era tornar a NT um movimento internacional de artes visuais. Mas houve uma interrupção… Como de costume o Cordeiro não se deu bem fora da presidência e iniciou um movimento contra a própria associação que ele havia criado. E, nessa disputa, nessa polêmica, o Sacilotto, o Mauricio No gueira Lima e o Cordeiro saíram da NT. E pensavam que saindo da associação ela acabaria. Mas não acabou. A associação foi em frente. Restou o Willys de Castro, o Barsotti, eu, o Charoux, o Heinz Kuhn e o presidente.

ICI – Que argumentação Cordeiro utilizava para discordar da associação? Por que ele rompeu?

HF – Porque ele achou que estava ocorrendo nessa abertura um pouco de opor tunismo… O Willys de Castro sempre foi um arregimentador de tendências, e o Cor deiro não compactuava com suas ideias. O Willys queria trazer artistas estran geiros e tinha outras ideias válidas também. Mas o Cordeiro não concordou com essa escolha nem com a gerência do presidente Aliberti, que apoiava o regimento interno como ele foi feito. O Cordeiro queria mudar o regimento interno, e não con seguiu. Não conseguiu e saiu. Saiu e levou junto o Sacilotto e o Nogueira Lima.

ICI – Temos informações de que ele saiu quando ainda estava acontecendo a exposição inaugural…

HF – Ele chegou a tirar os quadros desta exposição. Naquela coletiva em que ele fez o catálogo, a apresentação, já naquela coletiva que foi a primeira exposição, ele se retirou. Quer dizer, não esperou nem a coisa nascer, praticamente. Bom, era o estilo dele. Por isso que eles estavam sempre marginalizados de um certo grupo, de uma certa atividade.

O objetivo da NT era ter uma associação, sócios colecionadores e sócios pintores, e essa associação mantinha uma galeria com o mesmo nome, que era a Galeria NT. E os colecionadores da galeria, da associação, os associados, tinham direito

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aos quadros expostos. Ele escolhia o quadro, como colecionador, e era estipula do o valor do quadro. E a mensalidade que ele pagava para a associação ficava valendo como pagamento do quadro. Era descontada no valor do quadro. Ele era sócio ativo e ao mesmo tempo tinha algum rendimento posterior na escolha de um quadro. E nós tivemos somente dois colecionadores que compraram os quadros, do Volpi… Ah! E os artistas doaram quadros, cada artista associado à NT doou um quadro para a galeria. O Volpi doou… O Volpi também foi associado… To dos doaram, menos os que saíram, que foram o Cordeiro, o Sacilotto e o Maurício. Em princípio a NT foi isso, mas ela se manteve aos trancos e barrancos por causa da parte monetária, financeira. Nós tínhamos um aluguel muito alto da galeria, na época.

ICI – A galeria ficava na rua General Jardim?

HF – Sim. Era na General Jardim. E nós não tínhamos outras fontes de rendimentos a não ser a da associação e a venda dos próprios quadros aos associados.

ICI – Só dois associados compraram ou só teve dois associados colecionadores?

HF – Só dois compraram.

ICI – E quantos eram os associados colecionadores?

HF – Eram uns 20, mais ou menos, no começo. Não foi muito bem trabalhada essa angariação de sócios. Poderia ter sido melhor. Deveria ser feita por pessoas que fizessem contato. Nós os artistas não fazíamos contato. Mas um relações públicas poderia procurar os colecionadores. Mas já o rompimento do Cordeiro, do Sacilot to e do Maurício Nogueira Lima com a galeria, com a associação, transmitiu uma insegurança no meio… As pessoas pensavam: “Não vai durar esse negócio. Não vou ser sócio de uma coisa que não vai durar”. E, ao contrário, durou seis anos, apesar dos trancos e barrancos. Em 1966, ela foi fechada. Em 1966, a sede foi ven dida para a Xerox do Brasil e com a venda do ponto da sede nós pagamos todas as dívidas.

ICI – Aqui está o catálogo da mostra inaugural, mas ela foi em 1963…

HF – Quando? 1963. Durou quatro anos, até 1967. Mas isso aqui começou a ser dis cutido em 1961 (olha a catálogo): o Aliberti, o Alfredo Volpi…

ICI – Essa associação nunca pretendeu ter um caráter como o do Grupo Ruptura, de agrupar membros que tivessem uma linguagem comum. Mesmo porque me parece que as exposições que foram realizadas, à exceção desta primeira coleti va inaugural, foram exposições individuais que não pretendiam lançar a ideia de

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um trabalho coletivo. Não é isso?

HF – Não, não teve objetivo de agrupar os artistas todos numa certa linguagem, não. Justamente era para abrir. Era o que depois o Cordeiro veio a fazer. Deixa eu dar uma visita no catálogo da primeira exposição…

Praticamente, com exceção do Fracarolli, os expositores da Coletiva inaugural da NT são os mesmos elementos que expuseram na Exposição Nacional de Arte Con creta em 1956. São praticamente os mesmos, só Fracarolli é que não.

ICI – E a Mona Gorovitz?

HF – É, ela não expôs em 1956. O Aliberti também não expôs (na Exposição Nacio nal de Arte Concreta). Essa coletiva inaugural da NT, com seis membros do Grupo Concreto, foi uma coisa apolítica. É, eu acho que não deveria ser feita uma ex posição assim. Deveria ser feita uma exposição coletiva com outros membros de outras tendências, entende? Mas a base dela era concreta. Se nós analisarmos os associados, que agora não me lembro os nomes. Tinha o Thomas Perina, o Raul Porto e a Maria Helena Motta Paes, de Campinas.

ICI – É o pessoal do Grupo Vanguarda…

HF – Era o grupo concreto de Campinas… Chama Grupo Vanguarda, né? Pratica mente eram todos concretos, todos… Só o Heinz Kuhn que não expôs (na coletiva inaugural da NT), mas o Heinz Kuhn era construtivo. Quem não era concreto era construtivista. Não havia nada com a nova figuração.

ICI – O que ficamos em dúvida é que a proposta era de abertura para elementos de vanguarda, mas em geral se apresentavam os concretos e os construtivistas. Qual era essa abertura...

HF – Acabou se fechando de novo. Ampliou a prisão, a prisão foi ampliada.

ICI – A proposta era de abertura, mas de fato acabou não acontecendo.

HF – Os adeptos dessas tendências atenderam ao chamado mais rapidamente, e não de outras (tendências). Enfim, não abriu muito não. Porque o Barsotti e o Willys de Castro, que participavam do neoconcretismo do Rio de Janeiro, eram concretos, passaram a participar. Porque Fracarolli era construtivista, o Volpi era construtivista. (pausa)

ICI – Ainda existe a galeria?

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HF – Não sei. Eu passei várias vezes lá, depois. Ela estava com era. A Xerox ocupou como loja. Atualmente eu não sei como é que está. É um espaço bom, é um espa ço interessante, é um espaço razoável para ser uma galeria e uma associação.

ICI – As atividades da associação acabaram se centrando na galeria?

HF – É, o objetivo era a galeria. Eram as exposições e era a Galeria. A associação congregava esse pessoal, futuros expositores, etc., etc.

ICI – Você falou de outros dois objetivos. Um seria essa ligação com movimentos internacionais…

HF – Era a ideia de se manter, mas não se chegou a manter isso. O único contato que foi feito, que eu saiba, foi feito pelo Willys de Castro ao Morellet, na França, que era um pintor de tendência concreta. Quando eu estive lá, mantive contato com ele, também, mas isso depois; a NT já não existia mais. E também se pretendia manter contato com o pessoal da Argentina, os concretos argentinos.

ICI – Maldonado…

HF – Maldonado, aquele pessoal todo lá… mas não deu…

ICI – Você já falou de Campinas. E o pessoal do Rio?

HF – Campinas participou. Do Rio, só o Willys e o Barsotti, quer dizer, que eram do Grupo Neoconcreto, mas moravam em São Paulo. Chegamos a convidar o Aluísio Carvão, que eu me lembro, assim, na época, e o Serpa, mas não chegamos a fazer exposição dele. Depois nós encerramos as exposições, porque não havia condi ções de manter. No fim da história, nós acabamos em meia dúzia de gatos. No último ano, era eu, o Féjer, o Charoux, o Barsotti e o Willys. Cinco ou seis pessoas. Aí nós fechamos. Nós a mantivemos ativa, bastante ativa, até essas exposições em 1965, dois anos depois, em 1967, fechamos. Foi quando nós vendemos a sede.

ICI – E essas exposições tiveram repercussão no meio artístico?

HF – Na época, razoável. Havia sim a repercussão normal de uma galeria. Porque também as galerias não existiam assim a três por quatro. Existia o que de galerias naquela época, na época de 60?

ICI – A Domus…

HF – A Domus já era antiga, mas ela vivia fechada. E ela era uma espécie de escri tório de arte. Existia na Paulista uma, que era mantida por um secretário da Bienal.

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Eu não me lembro o nome dessa galeria, ela era bastante especial. Não havia, não era como hoje… Hoje as galerias movimentam as artes plásticas. Hoje é muito mais avançado, muito mais ativo. Naquele tempo não havia frequentadores de galeria.

ICI – E parece que um dos objetivos da associação foi estabelecer um contato com esse público colecionador.

HF – Mais com o público… Havia um público restrito, bastante restrito, não era am plo não. Não era tão conhecido assim, tão catalogado como é hoje. Hoje esse pessoal está todo catalogado nas galerias.

ICI – Na verdade, o mercado de arte mesmo começou a surgir só em meados da década de 60 para início de 70.

HF – Em 70. É, com aquele movimento que houve daquela galeria. Como é que se chamava? Não me lembro… Foi uma galeria bastante ativa ali no Jardim Paulista. Ela tinha ligações como um banco, deu um tombo na praça… O proprietário dela disse que insinuou um suicidio, mas que não fez um suicidiu: quem estava no cai xão era um outro cara, uma figura de cena, uma coisa assim. Diz que o cara está vivo aí, fugiu-se com o dinheiro, nunca se sabe. Histórias do arco da velha, não é?

ICI – Você acredita que Waldemar Cordeiro, quando entrou na Associação de Ar tes Visuais Novas Tendências, teria por objetivo tentar retomar o espírito concreto? Ou seja, reorganizar o grupo construtivo em torno dele?

HF – Não, não me pareceu.

ICI – Eu digo isso por tudo o que você colocou. Na verdade, quase todos os inte grantes eram concretos ou construtivos, então eu acho que, indiretamente, o que houve foi mesmo um agrupamento, mesmo que não com objetivos de alojar…

HF – Esse agrupamento já existia antes, não era necessário fazer uma associa ção para isso. A coincidência de estarem todos os concretos numa exposição é apenas um lado técnico da coisa, porque não havia ainda tantos associados, na época. Havia dez, vinte, por aí, e esperávamos a chegada de mais artistas de ou tras tendências, que não ocorreu como se esperava. Mas não era ideia do Cordei ro reagrupar ou retomar as rédeas do Grupo Concreto. Não, pelo contrário, o que ele queria – pelo menos manifestou isso na fundação da Novas Tendências – era abrir, se ele não quis abrir eu não sei [ilegível] ele não sabia viver em abertura.

ICI – Ele era meio autoritário?

HF – As posições dele eram outras, ele precisava liderar. Se ele não estivesse li

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derando, se ele não estivesse à frente, na liderança de uma iniciativa, ele não se sentia bem, essa é a coisa. Foi mais por isso que ele se afastou. São estilos de pessoas, gêneros de pessoas. Há pessoas que, ao contrário, só sabem conviver coletivamente. São estilos… Eu, por exemplo, gosto muito de conviver coletivamen te. Gosto de ter gente em volta para conversar, para trocar ideias, eu gosto. Tem pessoas que não, são fechadas, mais arrivistas.

ICI – Como você veria hoje, com toda essa experiência de ter participação e fun dado a Associação, pensando-se em termos de inserção da associação dentro da história das artes plásticas no país, o resultado disso? O que significou a sua criação numa perspectiva histórica?

HF – Não significou muita coisa. Ela não chegou a criar uma participação maior das artes plásticas, ela não chegou a representar. Acho que ela acabou não sen do nada, essa é a impressão que eu tive. Ela deu muito trabalho, muita polêmica, me lembro que os remanescentes trabalharam em excesso para sustentar essa galeria, e às vezes à própria custa, desembolsando numerário, etc. para mantê -la. Porque os meses venciam, então se cotizavam. E normalmente recaia sobre duas ou três pessoas. Mais eu e o Alberto Aliberti. Eu tinha uma agência de publi cidade e o Alberto tinha uma indústria, então tínhamos um numerário maior pra poder investir e depois recuperar. Nós não perdemos isso, nós recuperamos. Isso no aspecto financeiro. Mas, culturalmente falando, ela não representou nada. Ela tinha um propósito muito bom, um objetivo muito bom. Eu até chego à seguinte conclusão hoje: é impossível reunir artistas sob uma ideia. Reunir um grupo, mui tos artistas sob uma ideia. O artista é muito individualista. É uma característica do artista ser individual. Por isso ele tem o seu estilo na arte, tem a sua marca, o seu individual. É difícil se reunir. Há várias propostas para reorganizar grupos, etc. E eu não participo mais, não acredito mais nisso. Também sou individualista nesse sen tido. Admiro muito quando ocorrem coisas assim, mas não acredito mais.

Como referenciar este documento:

RUDGE, Regina Telles; OLIVEIRA NETO, Otávio G. Entrevista: Hermelindo Fiaminghi [entre vista]. São Paulo, 10 mar. 1992. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/26201. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26238

Tipo de texto: Ensaio

Veículo:Local:Data: c.1984

Autor: Hermelindo Fiaminghi

Imagem: Não apresenta imagens.

Título: Diário de bordo e bordoadas. Registro de ideias coisas poécos e poetextos poexistentes de H. Fiaminghi.

Poemas e pensamentos redigidos à mão. Esse diário revela o lado criativo de Fia minghi, seus pensamentos e poesias inspirados pela sua obra.

Capa Diário de bordo e bordoadas Registro de ideias coisas poécos poetextos poexistes de H. Fiaminghi

Folha 1. Eu preciso criar uma impressão para criar uma expressão

Eu preciso dialogar com uma impressão para criar uma expressão

Criou minhas próprias impressões para criar outras expressões

Van Gogh escreve numa carta à Theo “O moinho não mais existe, mas o

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vento continua Pretendo

É uma pintura que se realiza no espaço, em vários planos de movimentos em profundidade, que sai do olho e volta para o olho.

Folha 2.

A forma cavoca a superfície, a cor à espalha pelo espaço

A pincelada cavoca a superfície, a cor à espalha pelo espaço

6/6/87 Folha 3. POÉCOS

Composições 1

Concerto para chupeta e flauta doce.

A flauta para ficar doce deve ser untada de mel no seu bocal

Juntam-se 20 crianças chupando a chupeta com força até dar câimbra nas man díbulas.

Pausa de 1 segundo.

Um “alegro vivace” de 5 crianças solfejando a letra Ó e outras 5 solfejando a ex clamação AH! AH! em contraponto.

A “soto vôce” a flauta faz a melodia – uma melodia qualquer como fundo. H. Fiaminghi 1984.

Composição 2

Suite para duas colheres e uma cuíca de gamba

Duas colheres entre os dedos batendo na palma da mão – som de castanholas. Uma cuíca entre pernas “gamba” ao som do ui... ui... ui... ui... H.F. 17 – 3 – 1984

Receita Recita

Faça você mesmo o seu conjunto bocal e dirija em sua casa o coral. Convide os vizinhos. P.S. O maestro deve usar capacete de motoqueiro Nunca se sabe de vem a porrada H. F

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Folha 4. Composição 3

Conserto para seringa e orquestra. Fundo orquestral musical descompromissado novelish (novelístico?) de leve, muito leve – pianíssimo molto pianíssimo!

50 seringas grandes espremem água com sabão fazendo psssim... psssim... prss sim... e as bolhas de sabão invadem a plateia que deslumbrada aplaudem a en saboada cultural.

H.F 1984

Pequena peça para CORAL PLOC

20 componentes Boca chiusa mascando chicletes.

5 soprando de 5 a 10 anos 5 soprando de 10 a 20 anos

5 soprando de 21 a 30 anos 5 soprando 31

Todos soprando chiclete bola até fazer ploc. ploc. H.F. 1984

Suite Do it yourself

Receita – POLCK YOURSELF

Colocar os dois dedos indicadores em forma de gancho nos cantos da boca, en cher os pulmões, esticar a boca para os lados e pronunciar: POLCK YOURSELF, em alto volume.

H.F 1984

Lógica eco

Eles: Danúbio azul Nos: Tietê azul de mitilesso Tamandantei azul H. Fiaminghi

Folha 5. 1986 27 59

Corluz para roxo e verde Corluz à caminho do vermelho Corluz pintura desmunhecada Corluz verde pasto de vaca Corluz abajour lilás

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Corluz sem sombra de dúvida Corluz no arco-íris

Corluz antes do meio dia e depois das 4h. Corluz para um pincel só Corluz ceu de Paris

O acaso ocorre por acaso Tive toda as certezas Por isso a incerteza ainda é um mistério.

Parece que tudo está por cima deste grande universo. Na verdade, está por baixo. Por baixo? No meio?

Por cima e por baixo ao mesmo tempo? – Ou nada?

O erro é o lugar comum do acerto

Folha 6.

“Eu trabalho quando durmo; porque é quando me movo no mistério”

“Eu me exponho melhor pelo silêncio”

“O que saberás de mim é a sombra da flecha que fincou no alvo”

“Um dia uma folha me bateu nos cílios.

Achei Deus de uma grande delicadeza”. “Ninguém é eu, e ninguém é você. Está é a solidão”

“Nascer me fez mal à saúde”

Frases de Clarice Lispector

Cultura de Massa

A cultura de massa é uma degradação das formas artísticas, porque a arte não tem nada a ver com a produção em série – R. Piglia escrit. argentino.

A arte não pode servir de bode expiatório, para aquilo eu não se ensina nas esco las. (Fiamin?)

Folha 7.

Pintura no parque ou

O natural por escrito ou

A graça que é de graça Poesia?

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A luz do sol Pinta a paisagem que eu Repinto Passagens abstraídas pela cor que eu Retinto A corluz, segundo a segundo Repinta minutos intermitentes que eu Sinto Dia a dia Revisto ao infinito Repete-se Repinta-se H.F.

Folha 8. Para quem não aceita uma arte de régua e esquadro, existe uma arte de pincel e Tinta.

Folha 9. O maior crítico pode retardar a história mas não fazê-la

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A história da arte não se fez por uma questão de gosto O medido com o comedido não se confundem

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo [ensaio]. c.1984. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/ar quivos/26238.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26184

Tipo de texto: -

Veículo: Diário de S. Paulo Local: São Paulo

Data: 9 de junho de 1979

Autor: Hermelindo Fiaminghi

Imagem: Não apresenta imagens.

Título: Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou profis são que eu poderia almejar

Coluna Itinerários, idealizada por Jorge Vasconcellos e Philadelpho Menezes, rece be depoimento de Fiaminghi sobre sua trajetória como artista. Comenta principal mente as diferentes formas de conciliação da pintura com outros trabalhos, como a publicidade, enfatizando especialmente a divisão do tempo. Demonstra encarar a pintura como profissão.

FIAMINGHI, Hermelindo. “Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou profissão que eu poderia almejar”. [Hermelindo Fiaminghi]. Diário de S. Paulo, 9 jun. 1979. Itinerários

Esta página começa inovando, procurando dar a palavra do artista no sentido não da crítica de arte, mas sim da sua vivência. Eu me lembro que em 1957, 58, quando fazíamos parte do Conselho da Galeria da Folha, sugerimos que se fizesse, naquela ocasião, reportagens sobre artistas plásticos. Era uma página inovadora no sentido da entrevista/reportagem com o artista, pois naquela época só se fazia crítica de arte. Não havia uma sessão que abordasse os problemas e a vida do cotidiano do artista. Quem começou, se não me falha a memória, a fazer isso foi o Audálio Dantas. Hoje eu acho que o público conhece muito pouco do artista. Você vê que em cinema se faz isso: praticamente a curiosidade do público é voltada para a atividade do artista, o que ele pensa fora do cinema, na sua casa, com seus semelhantes. Não se faz isso na poesia, nas artes plásticas, na arquitetura. Então acho que “Itinerários” virá cobrir uma lacuna do jornalismo.

Comecei a pintar muito cedo. Sempre estive voltado para ser pintor, mas não acre ditava que podia sê-lo. Fazia a coisa sem objetivos, fazia algumas paisagens ao mes mo tempo em que desenvolvia o trabalho de gráfico. Trabalhei nas principais compa nhias gráficas. O meu começo nas artes foi nas artes litográficas. Ao mesmo tempo desenvolvia um trabalho de pintura em fins de semana. Freqüentei ateliês, cursos, mas sem que pudesse imaginar que me tornaria pintor. Havia uma coisa separada do meu comportamento: o pintor era uma coisa, o litógrafo outra. Não havia uma conjunção

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de ideias, de propósitos. Hoje eu entendo que a litografia, mesmo no sentido comer cial em que fazia, pode-se interferir nela, fazer dela uma obra. Depois fui para a publi cidade, também mantendo o mesmo comportamento: pintura uma coisa, publicida de outra.

Ocorreu de me tornar pintor repentinamente, por volta de 48. Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou profissão que eu poderia almejar. Começou, então, uma luta de consciência comigo mesmo, que durou alguns, para assumir a profissão de pintor. É muito difícil dizer hoje: “profissão de pintor”. Acho que a profissão de pintor é mais a profissão deu um cara teimoso e persistente. Não há nenhuma condição de o cara se dizer pintor profissional, viver da pintura. Ela acontece. A pintura não lhe dá essa condição desde que você queira inovar na pintura, lançar objetivos novos de comportamento. Não é essa pintura que vai lhe profissionalizar, mas sim a pintura da Praça da República. O pintor de propostas novas não vive de sua arte, porque ela não é aceita, não é entendida de imediato. Para provar o que estou dizendo, cito aqui um grupo concreto de pintores. Com o boom comercial, os pintores concretos não entra ram neste boom do mercado de arte. São pintores que tiveram outro objetivo.

Ao mesmo tempo em que havia um conflito, primeiro como profissional de litogra fia, depois como profissional de publicidade, foi nelas que encontrei o caminho para inovar a minha arte. Se por um lado estas profissões roubavam o tempo do pintor, ao mesmo tempo proporcionavam as condições de inovação da pintura. Hoje, a comu nicação, as propostas mais recentes mostraram que as coisas não estão desligadas, umas das outras. No meu caso o comportamento de ver no publicitário um mal para a pintura, era um comportamento burguês. Só mais tarde eu vim a entender que não conflitava, desde que eu somasse. Conflitava em tempo, sim. Toda arte exige um tem po integral de dedicação. Neste aspecto eu acho que não há condições profissionais, aqui no Brasil, para o artista, no sentido de que o artista tem que se dedicar a outra coisa para sobreviver. Eu entendo que na criatividade isso não prejudica, pelo contrá rio, ajuda, porque essa diversidade envolve o artista num contexto real de vida. O con flito todo, depois dessa compreensão, no meu caso, ficou caracterizado no sentido da conquista do tempo. Isto durou bem uns quinze anos, mas já era objetivo, já sabia onde estava e como estava. Passou daí por diante a ser é uma conquista do tempo.

Para mim o movimento concreto ainda não passou. Ele se estruturou na década de 50, quando ainda não havia condição de compreendê-lo. Ele está sendo assimila do hoje. 20, 25 anos se insere na cultura brasileira, mesmo que consumido antes de ser entendido. Hoje não está à margem como naquela época. Se eu buscasse estímulo e sucessos pessoais na minha pintura, eu teria fracassado. Era preciso acreditar no que se estava fazendo, e eu acreditava no que eu estava fazendo. Na época do con cretismo eu estava no começo da conquista do tempo, começando a entender que precisava conquistar o tempo para o meu trabalho.

No decorrer deste período, eu abri uma agência de publicidade para sustentar o pintor. Tive uma empresa com o Décio Pignatari. O OBJETIVO DESTA EMPRESA ERA A IDEIA DE SE CONQUISTAR O TEMPO. Uma utopia! Mas, tentou-se. Não fracassou. Ela foi tão bem sucedida, que de repente ela estava transformando o poeta e o pintor

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em empresários. E foi aí que nós mais uma vez tomamos consciência. O Décio Pigna tari saiu, foi fazer seus trabalhos em outros campos e eu vendi a empresa. Eu vi que estava me tornando um empresário e não estava me proporcionando o tempo que precisava. Em 68, quando vendi a empresa, retomei a consciência na conquista do tempo. Então eu tive dois anos de tempo para pintar. Aí eu pude comprovar que só a conquista do tempo, não basta. Não foi a época mais produtiva que tive. As tentativas todas de trabalho não foram tão satisfatórias quanto aquelas produzidas enquanto se conquistava o tempo. A criatividade não conflita com a vida. Ela é um todo, não é uma questão só de tempo, e não é uma questão de tranquilidade econômica. É uma questão de espírito, e espírito você conquista na dureza, com todas as suas contradi ções. Hoje eu me sinto mais realizado nessa conquista do trabalho. Procuro canalizar toda minha atividade no sentido de que ela seja mais ligada àquilo que quero fazer. A publicidade deixou, há uns 15 anos, de ser a coisa mais importante no sentido de poder proporcionar ao pintor a condição de ser pintor. Esse caminho eu encontrei no IDART (Centro de Pesquisa da Secretaria Municipal de Cultura) e lá estou fazendo um trabalho de pesquisa sobre arte concreta, e faço pesquisa sobre artes gráficas. Não conflita com o que pinto. Pela primeira vez há uma conciliação, um estímulo.

Tenho colecionadores que me compram quadros, mas não me entrego a isso como coisa sistemática. Se vender, vendeu; se não vendeu, não tem importância. Não que não haja interesse, mas não estou trabalhando nesse sentido. Hoje estou mais realizado nisto, as coisas estão começando a trilhar.

Nunca tive grilo por causa da criatividade. Posso estar num alto, ou num baixo, mas nunca me sinto em crise por causa da criatividade. Se eu tivesse tempo pra pin tar, mas me sentisse incapaz, no sentido da criatividade para aquilo que quero pin tar, esse grilo não teria conserto, eu não saberia como resolver isto. Se houvesse uma baixa de comportamento, no meu caso, acho que não saberia resolvê-lo, pararia de pintar, porque não gostaria de voltar a fazer pintura como hobby, sem compromisso, sem proposição de ser alguma coisa. Confesso que nunca tive essa crise. Tenho cri se de falta de tempo. O desgaste deste conflito é muito grande. Em 1958, 60, eu sabia dividir o meu tempo. Sabendo que com a definição de ser pintor, de querer fazer a minha obra, de saber o que pintar, eu podia começar um quadro e terminá-lo no de correr do tempo. Pintava, voltava para a atividade publicitária, voltava para pintar, com trânsito fácil entre as duas coisas. Hoje não posso mais fazê-lo. Se eu tenho uma ideia para um trabalho, eu tenho que ir do começo ao fim. Não posso mais esperar o tempo para executá-lo. A falta de continuidade, esta sim, me prejudica hoje. Hoje não consigo maneirar o tempo. No IDART o meu ganho é menor do que se eu estivesse na publicidade, mas sensivelmente não me abala, não me tira a continuidade da sensi bilidade. Eu hoje sei se começo um trabalho posso vê-lo realizado. Começo e vou até o fim, porque sei também que se eu começar e não for até o fim, eu não termino mais, começo outro. Meu comportamento mudou. Ao mesmo tempo em que o conflito do tempo foi ajustado, eu me modifiquei, no sentido de que eu não posso começar um trabalho e não terminá-lo. Se o cara não tiver cuidado e não estiver bastante ciente do que quer fazer, ele se perde. Se eu não tivesse a consciência do que quero para

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mim, teria acabado como pintor, ou largado à família, numa ruptura aparentemente conveniente, mas no fundo inconsequente.

Eu me encontrei como pintor, e dentro da tendência concreta, repentinamente. Isso foi em 50. Tanto que estava fazendo um trabalho que era concreto, e eu não sa bia, porque não tinha conhecimento da tendência concreta. Sabia que existia o abs tracionismo. Em 51, fiz um cartaz para o MASP, que lançava a Escola de Propaganda. Buscando uma limpeza de cor e de forma para este cartaz, fiz um trabalho concreto. Basta dizer que o tema abordado neste cartaz no desenvolvimento de sua forma, foi tema de um dos primeiros quadros concretos que fiz. Esse quadro está no MAC, e to dos os trabalhos a partir daí, em 53, que mandei para a BIENAL de 55, ainda sem co nhecimento da corrente concreta. Pensava que esses trabalhos eram abstratos. Mas o que eu não gostava, no abstracionismo, era aquele comportamento que o abs tracionismo era música. Não gostava também do esmaecimento da cor, das cores pastel. Gostava da forma, da estrutura, do construtivismo existente no abstracionismo da época. Para mim, a cor tinha que ser limpa, ela mesma, sem enganos. Devia ter uma linguagem própria. O abstracionismo entonava as cores, e eu não gostava disso. Achava que a entonação era para a pintura acadêmica, para pintar paisagens, que eu tinha feito na década de 40 como aprendizado, sem nenhum interesse que aquilo viesse a ser minha pintura. Encontrei o caminho através daquele cartaz. E a partir daí fiz meia dúzia de trabalhos, sendo que três mandei para a BIENAL de 55, sem saber que eram trabalhos concretos. A crítica na época é que formalizou o meu trabalho como sendo concreto. Lendo a crítica eu me dei conta de que precisava (sic) me informar sobre o que estava ocorrendo com a pintura. E em contato com os pintores concretos da BIENAL, Sacilotto, Maurício Nogueira Lima, comecei a ver que havia outros pintores com a ideia de concretismo. Para eles, o concretismo já existia, tanto que eles já ti nham feito um movimento, que era o movimento “Ruptura”. Em contato com eles, pas sei a me informar e ler tudo que me caia nas mãos sobre o concretismo. Me dei conta que já existia um movimento que me interessava. Aí passei a me dedicar inteiramente, me conscientizei da coisa e dediquei todo o meu trabalho a isso.

Eu não me sentia inventor de tendência. Para mim eu estava inserido no abstra cionismo. Foi a crítica que deu o lampejo da coisa. Foi aí que eu me dei conta de que o cara pode estar fazendo uma coisa completamente nova e não estar sabendo. Me dei conta de que o pintor não pode ser só pintor. Todo o mundo é que dá informação à ele. Eu estava fechado quando fiz meus primeiros trabalhos concretos sem saber que eram concretos. A informação que eu passei a buscar daí, que era o meu contato com pintores concretos, através da leitura e de saber que alguma coisa de diferente, foi aí que eu me encontrei na coisa. Posteriormente, meus trabalhos para a Exposição de Arte Concreta em 56, dei minha contribuição. Quatro pioneiros como Cordeiro, Saci lotto, Maurício, Charoux, Judith Lauand, que deram a sua contribuição. Nós passamos a atuar como grupo de trabalho, o Grupo Concreto de São Paulo, cada um com sua característica, de objetivo comum, que era o comportamento concreto a ser implan tado. Cada um tinha sua autenticidade de trabalho.

O choque que houve com os artistas plásticos do Rio não foi um choque entre os

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artistas plásticos. Foi uma questão de liderança. Em todo movimento há os que são líderes e os que se insurgem como líderes de um movimento. O “conflito” dos artistas do Rio e de São Paulo não foi no campo da pintura, embora houvesse divergências de pontos-de-vista. Nós fizemos um concretismo ortodoxo. O Rio não fez, com exceção de alguns pintores, mas como movimento não foi ortodoxo. Isto que estou dizendo não invalida a obra do pessoal do Rio. É a diferença que existe entre o pessoal do Rio, que vive à beira-mar, e nós, que estamos numa cidade industrial. É uma diferença de habitat. Fomos nós, os pintores paulistas, que começamos a usar tinta e materiais in dustriais para as obras. A briga foi de poetas, foi de lideranças da poesia. Inicialmente fizemos a nossa exposição nacional de arte concreta em todo mundo. Partiu de São Paulo a iniciativa, foi incorporado o pessoal do Rio, e estivemos juntos até 58, 59. Se você analisar as obras dos pintores do Rio, o que eles faziam antes o movimento neo concretista, eram as mesmas obras. O neoconcretismo não inovou nada no sentido da pintura, absolutamente nada. Não deu, sua contribuição nova. Continuaram a fa zer o que faziam antes. Não tem nada de “neo”. Havia divergências de pontos de vista. Divergências teóricas, mas estas eram normais. Como também havia divergências dentro do nosso grupo de pintura, mas não eram divergências públicas, no sentido de ruptura como houve entre o concretismo e o neoconcretismo. Estes quiseram se tornar independentes, não se conformando com o pioneirismo dos paulistas.

A poesia concreta realmente nasceu no Brasil. Não havia nenhuma manifestação lá fora. A pintura já existia no Exterior, mas assim como difere do Rio para São Paulo, a nossa pintura foi bastante diferente característica do que havia lá fora. E isso ficou comprovado quando Max Bill nos convidou para uma exposição lá fora. Nós estáva mos fechados, no sentido objetivo, do comportamento. Éramos mais ortodoxos, mais que os próprios europeus. Os únicos caras mais fechados na Europa eram o Max Bill, Lhose, mais alguns. O movimento concreto brasileiro não está inserido lá fora. Ele era considerado pelos concretos de lá. Nós não existimos lá fora. Isto não só ocorre com a pintura concreta, mas ocorre com a maioria dos pintores nacionais. Não tivemos ain da o comportamento de uma canalização internacional. Volpi, por exemplo, é super conhecido no Brasil, não saiu das fronteiras ainda, é um dos maiores pintores brasilei ros. Volpi tem uma importância muito grande na pintura brasileira. A contribuição foi muito mais ao Volpi dos pintores concretos, do que de Volpi para os pintores concre tos. No momento em que existiu o movimento concreto, Volpi evoluiu a sua pintura, no sentido do que ela é hoje. Construiu essa pintura com o seu valor individual, próprio. Não estou falando de influência recíproca. Estou falando de comportamento de pin tor de garra que é o Volpi.

Reforço mais uma vez a importância da gráfica como contribuição à minha pin tura. Eu aproveitei a retícula das artes gráficas e usei na pintura concreta. Esta é uma atitude pioneira na arte concreta e ainda não esgotada. Ela vem se desdobrando e ainda não foi recolocada. Eu ainda não recoloquei todos os seus problemas, no sen tido da cor-luz, por exemplo. Através da retícula eu recoloquei o problema da cor. Há uma observação confusa, que deve ser revista, no sentido da cor-luz, como eu a vejo como problema. A própria forma, e não para efeito tonal. Então, aproveitei da forma e

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da retícula mais o problema da cor-luz, que ela existe no sentido de relação, de trans parência, de sobreposição, de vibração de cor. É totalmente diferente do problema da cor-luz em relação ao impressionismo, que era só no sentido de efeito. Na retícula, como eu coloquei no sentido concreto, ela é cor-forma. Os trabalhos que estou pre parando para a exposição de setembro de 1980, MAMSP, são trabalhos inspirados na retícula cor-luz, e aproveito a pincelada que estou fazendo agora, construída sobre uma forma. Quer dizer há uma estrutura no quadro e construo a pincelada dentro desta estrutura, e depois, por transparência, eu reforço esta estrutura. É um proble ma de retícula. A pincelada pode, a princípio, ser informal, mas não é. É uma forma, uma estrutura. A própria pincelada ampliada é uma estrutura dentro de uma estrutu ra completa. É uma informação que trago da retícula. A retícula está superampliada, a pincelada superampliada. O formato delas já está fora do formato natural. É todo ele um problema estruturado na cor-luz. Existe uma novidade, porque nos trabalhos anteriores a cor e a forma reproduziam uma vibração de cor pela proximidade da forma e o contraste da cor. Eram os campos da superfície pintada que reproduziam, na inter-relação da cor, a vibração desta. Eram problemas ótimos de uma superfície. Nestes trabalhos de agora, a cor e a forma estão somadas. Fujo do sentido tonal da cor-luz exatamente pela proposição do reticulado pela pincelada. Ela em si, é uma própria ridícula. A própria pincelada com suas formas com claridades no entremeio é cor-luz. Em conclusão, eu não coloco a retícula como um problema do pontilhismo, assim como eu não coloco a pincelada neste trabalho no sentido informal. A pincela da para mim, neste caso, é forma. É a cor-luz como forma, como cor-forma. Eu vejo isto como uma ruptura, pictoricamente falando.

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. Conscientizei-me que a pintura era a principal coisa ou pro fissão que eu poderia almejar. Diário de S. Paulo, São Paulo, 9 jun. 1979. Acervo do Ins tituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/ static/iac/uploads/acervo/arquivos/26184.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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“Itinerários” foi idealizado e realizado por Jorge Vasconcellos e Philadelpho Mene zes.

Nº de ordem: 25479

Tipo de texto:Veículo:Local:Data: 1978

Autor: - (Hermelindo Fiaminghi?)

Imagem: Apresenta a imagem de um cartão.

Nesse pequeno cartão redigido à mão, encontramos uma lista de pigmentos im portados, que permite entrever os bastidores da pintura e as cores escolhidas na formação da paleta do pintor.

Título: lista de pigmentos importados

Pigmentos - importados Holanda – A33 – Ferric - FERRO CYANIDE – BLEU DE PARIS “ “ – Cobalt Alluminiun – BLAUW COBALT “ “ – SULF DE SOD ET SILIC D’DAL – BLEU D’OUTREMER ZURICH SCHMINCKE – ULTRAMARINROT – NATRIUM ALUMINIUM – SIUKATE

NOMES POTES VIDROS QUÍMICA -MATÉRIA

Marca Schmincke – (Zurich)

ULTRAMAR ULTRAMARINROT

NATRIUM-ALUMIN. SILIKATE

ULTRAMAR-VIOLETA ULTRAMARINVIOLETT “ “ “

AZUL PARIS PARISERBLAU EISENCYA NBLAU

AZUL PRUSIA PREUBISCHNLAU “ “

AZUL COBALTO PHTHALOCYANINBLAU

ECHTBLAU

AMARELO ECHTGEELB DUNKEL PERM.AZO FARBSTOFF

VERMELHO MOLYBDATROT

BLEIMOYB DAT-CROMAT

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FUNDO HERMELINDO FIAMINGHI - IAC
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FUNDO HERMELINDO FIAMINGHI - IAC

AMARELO OCRE

VERMELHO PERMAN.

EISENOXIDGELB

EISENOXYHI DROXID

PERMANENTROT 1 PERM. AZOFARBSTOFF

LARANJA ECHTORANGE “ “ “ VERMELHO PERMAN. PERMANENTROT 2 “ “ “

OXIDO FERRO PRETO

EISENOXIDSCHWARZ

EISENOXID ULTRAMAR - HOLAND OUTREMER GUIMET SULF. DE SO DIO ET SILIC DALL

AZUL COBALTO-HOLAND-COBALTO BLAUW COBALT. ALUMIN. AZUL PARIS - HOLAD BLEU DE PARIS

FERRIC-FERRO CYANIDE

PIGMENTOS WINDSOR & NEWTON ULTRAMAR – FRENCH – AMARELO CADMIUM “ – DEEP – VERMELHO “ AZUL CERULEUN – VERMELION “ COBALTO – LARANJA CROMO VIOLETA “ DARK – “ WINSOR

TINTAS À OLEO W&N 37 cc.

AZUL DE COBALTO DEEP – SL204

VIOLETA DE COBALTO DARK – 225SL

AZUL TURQUESA DE COBALTO – 228

AZUL CERULEUN – 202

AZUL MANGANESE – 208 SL

ALIZARIN GRIMSON – 142 SL

VERDE CROMO – 107 SL

VERDE “ DEEP – 108 SL

MAUVE PERMANENTE

BLUE SHADE

“ RED SHADE

CADMIUN - AMARELO 222 SL

“ VERMELHO SCARLET 221 SL

LARANJA 218 SL

“ VERMELHO DEEP 220 SL

“ VERMELION 219 SL

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. Lista de pigmentos importados [imagem de lista em cartão]. 1978. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbra sil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/25479.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26269

Tipo de texto: Depoimento Veículo:Local: São Paulo

Data: 30 de junho de 1975

Autor: Hermelindo Fiaminghi

Imagem: Não apresenta imagens.

Título: Depoimento sobre o movimento concreto brasileiro na dé cada de 502.

Depoimento de Fiaminghi ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB USP), no qual o ar tista detalha sua aproximação com o concretismo, o desenvolvimento dos grupos paulista e carioca e seu processo de trabalho. Este depoimento permite observar como o artista esteve engajado com o movimento concreto e sua visão sobre os desdobramentos dos fatos históricos à época.

APRESENTADOR

…Na década de 50, com ação destacada na década de 50. Quero lembrar que à tarde, às duas horas haverá a terceira palestra do dia, a cargo de José Geraldo Vieira. E às 4 horas haverá sessão cinema. Com a palavra o Doutor Hermelindo e, desde já, os nossos agradecimentos.

FIAMINGHI

Eu vou fazer um depoimento sobre a década de 50 e vou falar sobre o movimento concreto brasileiro, artes plásticas.

E, principalmente, a atuação dos pintores concretos paulistas que deram uma colaboração muito grande na década.

Eu considero que a década de 50 foi uma década privilegiada.

Se por um lado a Semana de 22, rompeu com as barreiras do preconceito sobre a arte moderna e abriu caminhos para as artes, para as futuras gerações, década de 50 foi o reflorestamento. Se considero que a Semana de 22, foi o desmatamento cultural por assim dizer. Eu considero que a década de 50 foi o reflorestamento, foi o reflorescimento. A arte moderna foi institucionalizada nessa década. E quando digo do privilégio da década de 50 é porque coube a ela preencher o vazio cultu ral da guerra.

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Parece-me que o homem aproveitou-se da trégua para pensar, a ciência, as ar tes, o cinema, a música, a poesia tiveram a sua grande evolução e passou por grandes transformações e tivemos nessa década ainda a acrescentar aqui, uma liberdade criativa. Aqui no Brasil, vários acontecimentos importantes contribuí ram. Tivemos a criação das Bienais, as mais importantes aconteceram no início da década. O auge dos museus, o Museu de Arte Moderna do Rio, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo. Tivemos o congresso dos críticos de arte em Brasília, tivemos a criação de Brasília. Tivemos a poesia con creta, o ressurgimento na nova poesia.

Em nível de massa tivemos a implantação da televisão. A bossa nova, que revo lucionou a música popular brasileira. E nas Artes Plásticas tivemos o movimento concreto, que será o tema do nosso depoimento. Tudo isso somado, acredito que posso dizer que a década de 50 teve o seu privilégio.

Essas contribuições propiciaram uma série de acontecimentos que mantiveram acesa a polêmica cultural nas artes, nos dois centros Rio e São Paulo, para onde convergiria o maior número de informações, do que de mais novo vinha aconte cendo em outros centros culturais, em outros países.

Foi nesse ambiente brevemente aqui esboçado, que surgia e que se encontrava o movimento concreto brasileiro nas artes plásticas e na poesia.

A arte concreta teve início por volta de 1950/51, concomitantemente com a criação da primeira Bienal de São Paulo.

Nessa Bienal Luiz Sacilotto, apresentava as suas primeiras obras em esmalte, pin tadas sobre eucatex. E as denominava concreção, essas obras ainda eram in fluenciadas por Malevitch, pintor do suprematismo.

Interessante que os comentários que se ouvia sobre as obras de Sacilotto, nessa primeira Bienal é de que elas estariam mais condizentes, mais próprias de uma cozinha, ao invés de estarem na primeira Bienal. Porque se hoje é comum de se ver uma obra pintada em esmalte, mas naquela época era raro, e não era aceito, porque tinha aquele preconceito de matéria, da tinta usada.

Ainda na primeira Bienal, o pintor carioca Ivan Serpa, apresentava obras despo jadas, fugindo do hábito convencional.

Essas obras hoje se encontram no Museu de Arte Contemporânea, no acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP. Veja a contradição, se por um lado a obra de Sacilotto não merecia uma Bienal, ela hoje se encontra no acervo de um Museu. Em 1952, na exposição chamada “Ruptura do Museu de Arte Moderna de São Pau lo”, a posição do grupo concreto de pintores começou a definir-se através do ma nifesto Ruptura, redigido por Waldemar Cordeiro e com o apoio e a participação dos demais artistas que viriam mais tarde compor o grupo concreto.

Essa exposição definiu caminhos, posições e também dissidências por parte de alguns artistas. Geraldo de Barros, Alexandre Wollner e Antonio Maluf, artistas con cretos com obras pioneiras na época, seguiam outros caminhos.

Alexandre Wollner viajou e ficou morando na Europa por 5 anos, frequentando a Esco la Superior da Forma e, hoje, ele é um designer aqui no Brasil bastante conceituado.

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Geraldo de Barros é um designer de móveis e derivou para a indústria. Se encami nhou para a indústria de móveis e hoje é um abastado de móveis e objetos. E Antonio Maluf, hoje é marchand, dono de uma galeria. Então essa contradição, essa situação eu cito, porque o artista, a vida está sem pre querendo tomar o artista pela perna. Eu acho que o artista precisa ter uma certa coragem, precisa ter ideias e defendê -las, e aconteceu com os demais componentes do grupo concreto. Foi um grupo de fibra, não porque eu tenha pertencido a ele, mas sinto que há sempre alguma coisa em torno da gente que está a levar-nos por outros caminhos aparentemen te mais convenientes.

Depois da ruptura e desse manifesto Ruptura, Waldemar Cordeiro passou a lide rar o grupo, apoiado pelos demais artistas, que vieram a compor o grupo concre to paulista.

Esses pintores eram Waldemar Cordeiro, que liderava o grupo, Luiz Sacilotto, Mau ricio Nogueira Lima, Judith Lauand, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, que era escultor, e eu. Com essa formação e esses elementos, o grupo foi polêmico, atuante, fez política artística, reivindicava ideias, foi contestador e participante até 1961. E tam bém briguento, um grupo que brigava ideias.

O que é pintura concreta? Postulados e princípios, alguns princípios que defen díamos.

A nossa proposta de objetivos e princípios com relação às nossas obras era: o despojamento total da forma, pretendíamos uma forma racional e própria das artes plásticas, descongestionadas dos conteúdos literários desnecessários. Os conteúdos literários extra pictóricos, que invadiam as demais tendências. Para nós um quadro concreto não deveria contar uma história e sim propor problemas de pinturas antes de tudo. Em si próprio conter e transmitir uma visualidade per manente, constante de sua própria linguagem cromática. Um quadro concreto para nós é aquilo que se vê e não aquilo que se pensa que se está vendo. Ou ainda pensar que o que se está vendo no quadro serve ape nas de suporte para imaginações gratuitas fora do próprio quadro. O imaginário do inexistente da obra. A nossa obra é geométrica na medida em que a arte não deve ser geometria. Eu vou citar aqui o que o Platão considerava e me parece, que isso vem bem a calhar neste momento. Platão considerava que copiar os objetos da realidade imediata, significava lidar com modelos inferiores. Considerava isso uma imperfeição do mundo das ideias e definia que o uso das formas geométri cas seriam o absoluto em arte, por serem as únicas a permitir uma visualização do mundo das ideias.

Os pintores concretos tiveram a coragem de pôr isso na prática em suas obras, contra tudo, todos e contra si próprios, porque são pintores malditos, amaldiçoa dos até hoje, acredito, que vivem para a obra e não vivem dela.

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A obra concreta definitivamente não tem sucesso, está marginalizada dizendo o dízimo comercial da arte. Compreende tudo numa frase de Guimarães Rosa nesse momento, “viver é perigoso”.

As obras tinham em comum a cor e a forma como funções principais e não os es tímulos delas decorrentes. A vibração óptica da cor e da forma, os efeitos produ zidos pelo inter-relacionamento da simultaneidade era o que propúnhamos, era o que executávamos³.

Cordeiro dizia no artigo apresentado numa revista em que defendendo a posi ção em 1957, num texto nessa revista, Cordeiro afirmava que a arte não é um gol pe mortal no idealismo, emancipa a arte da condição secundária e dependente a que foi relegada. Nessa mesma revista, como apresentação desta exposição, Décio Pignatari escrevia, o concretismo não pretende alijar da circulação aque las tendências que por sua existência provam sua necessidade na dialética da formação da cultura. Todas as dialéticas, todas as manifestações interessam ao concretismo. Desde as inconscientes descobertas nas fachadas de uma tintura ria, o anúncio luminoso, até a extraordinária sabedoria pictórica de um Volpi, ou as maçanetas desenhadas por Max Bill, tínhamos esse interesse, e interesse por essas coisas.

Quais as diferenças entre grupos de pintores e poetas. Se afirmava muito na época que os pintores concretos eram debilóides, sectários. Entretanto, entre nós havia algumas diferenças consideráveis. As diferenças eram características do meio ambiente em que atuávamos. E não implicava numa di ferenciação qualitativa e objetiva das obras. A atuação dos pintores do Rio, não era grupal, a de São Paulo, nós atuávamos em grupo.

Os pintores cariocas, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Ivan Serpa, Lygia Pape, João José Costa, Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Aloísio Carvão, compareciam em ex posições individuais e coletivas. Aqui cabe um parênteses, que enquanto os pin tores do Rio participavam e transavam com as demais tendências, em São Pau lo o ambiente era diferente. Nenhum dos pintores concretos na década fez uma exposição individual. Nós só expúnhamos em grupo e coletivamente. No Rio era diferente, os pintores do Rio eram mais abertos, tinham uma posição crítica, mas não polemizavam no meio ambiente, no meio artístico. E havia uma outra grande diferença, o Museu de Arte Moderna do Rio os apoiava. Combater o que e a quem, se lá eles eram a situação.

O Concretismo do Rio de Janeiro era a situação, em São Paulo não. Em termos de experimentação de novos materiais, somente Lygia Clark trouxe uma contribuição nova, pintando com tinta de automóvel, sobre uma superfície industrializada, os demais usavam tintas de bisnaga a exemplo da Escola de Paris.

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Ferreira Gullar, em longo artigo publicado em 1957 no Jornal do Brasil, por ocasião da 1a Exposição de Arte Concreta do Rio, reconhecia essa diferença e dizia: os ca riocas têm em comum uma preocupação pictórica da cor e matéria. Os Paulistas, a diferença começa pelo uso do material, o esmalte cuja expressão pictórica eli mina o subjetivo e convoca os elementos do quadro para uma função puramente ótica. Isso era bem verdade.

A diferença assinalada vem provar que a arte concreta nada tem de dogmática. Há lugar para as mais variadas afirmações e temperamentos individuais ou de grupos, como realmente havia.

O grupo paulista em comparação ao grupo do Rio, ao contrário dos pintores ca riocas, tinha interlocutores de todas as sortes.

Os abstracionistas, os neo-realistas, os figurativistas, e porque não dizer os titilis tas. [Ciccilistas - ref Ciccillo Matarazzo)

As posições eram conquistadas a duros debates, brigávamos ideias, contestáva mos as bienais no que elas tinham de errado, interpelávamos os júris nos salões. Naquele tempo ainda não estávamos, digo, ainda lutávamos por um pedaço de parede, onde pudéssemos pendurar as nossas obras e mostrá-las ao público.

As bienais, a meu ver, devem continuar existindo, mas corrigi-las será uma tarefa muito difícil.

Voltando ao grupo paulista, não tínhamos nenhuma afinidade com a chamada Escola Francesa. Porque para nós a Escola de Paris representava o estabelecido em pintura. Não encontrávamos nada de novo a acrescentar. Claro que respeitá vamos e respeitamos os pintores da Escola de Paris. Mas para uma proposta nova achávamos que não haveria um grande campo a explorar. E a Escola de Paris não era o nosso objetivo. Ao contrário, o nosso reconhecimento e a nossa afinidade era para com Mondrian, Malevitch e Max Bill. Malevitch era pintor do suprematis mo.

Esses pintores contam com uma obra cultural e não com uma obra de sucesso. Quanto à experimentação de novos materiais, os pintores paulistas transavam as mais diversas e sem preconceito.

O plexiglás, o cimento amianto, o alumínio, o poliéster, o isopor, tintas industriais. E porque não dizer, pintávamos também com pincel e … um dos materiais mais tradicionais, uma técnica milenar utilizada pelos florentinos, nos afrescos sobre madeira. Ao mesmo tempo em que utilizávamos e experimentávamos materiais novos, também utilizávamos dos materiais tradicionais.

Dessa técnica em têmpera, Volpi era um dos expoentes máximos em pintura. E a têmpera como veículo emulsão da cor para a pintura é, a meu ver, o único material que pode transmitir o problema da luz e da cor. As cores são imensamente lumi nosas, os pigmentos se tornam como uma superfície virgem de cor. Não acontece isso com a tinta a óleo, com a tinta esmalte; com o tempo esses materiais são pe recíveis e a cor esmaece e não tem aquela vibração de luz, a exemplo da têmpera. Volpi, para os concretos, sempre foi um caso à parte. Nos amparou, nos presti

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giou, com a sua presença em todas as exposições que participamos. É o reconhe cimento que temos por ele. Volpi hoje nos devolve através dos seus quadros, os quadros que pinta. Quadros com uma personalidade impressionante, da essência concreta que sempre defendemos.

Volpi é um pintor que desenvolve, soube assimilar, soube influenciar, aqueles pos tulados e princípios que os concretos defendiam. E soube colocar isso na sua pin tura, soube transformar, digerir o que visualizou em nosso trabalho e isto é uma autenticidade impressionante. Acredito que nenhum de nós pintores concretos, embora defendendo essa ideia, tivemos essa emancipação, por assim dizer, em torno de uma obra dessa feitura como Volpi.

Outro ponto importante é com relação aos movimentos de poesia e de pintura e as diferenças que haviam e que há entre essas tendências.

A poesia concreta, gostaria que isso ficasse bem registrado aqui, é um movimento genuinamente brasileiro, quer dizer, é um produto genuinamente brasileiro. Não havia nada na Europa e em outros países semelhantes. Basta dizer que usando um termo muito comum, é um produto de exportação hoje.

E os poetas concretos adotaram o nome concreto, não existia. Poesia concreta foi adotada aqui como nome, como tendência, como movimento.

E os poetas concretos tiveram que encontrar os seus próprios caminhos e criar as suas próprias condições para novas estruturas da linguagem poética, aqui se propunham partindo de pesquisas sobre Mallarmé, Joyce … Mas o mérito desses poetas é de que nada existia.Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Aze redo, Haroldo de Campos e José Lino Grunewald, criaram uma poesia nova, com batida aqui mas reconhecida lá fora e adotada, inclusive. A título de informação, algumas universidades americanas, a poesia concreta é cátedra de literatura em algumas universidades, principalmente a de Indiana. E professores dessas uni versidades aqui vieram para pesquisar o movimento e incluí-las em suas teses de trabalhos.

Eu mesmo tive contato, há questão de uns 6 meses com um deles. Hoje eles estão interessados não apenas na poesia, mas também na pintura e fazem essa pes quisa profundamente.

Esse professor Krauss⁴, ficou aqui três meses fotografando, filmando, xerocando tudo para incluir em suas teses na universidade. É motivo de orgulho para mim e creio para os senhores também, esse fato da poesia concreta ser um movimento genuinamente brasileiro.

Essa é a diferença que há entre a pintura concreta, ela já existia lá fora, já tinha os seus seguidores, principalmente na Suíça e na Alemanha.

A escola superior da forma formava e informava sobre o concreto. Malevich, Max Bill, Mondrian, Albers, Guildevard, Lhose, etc., eram pintores por nós conhecidos que admirávamos e estudávamos suas obras, quer dizer, deve ficar registrado também que os pintores concretos não tiveram o mesmo caminho percorrido a exemplo dos pintores e dos poetas concretos.

Nós tivemos uma referência, e o termo concreto já existia. Van Doesburg já usava

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esse termo concreto num manifesto com Mondrian – se não me engano o pintor que usou o termo concreto foi Van Doesburg, pintor holandês. Entretanto, a des peito disso, da pintura concreta existir lá fora, nós conseguimos criar as nossas próprias obras, ao ponto de diferenciá-las mesmo entre os componentes do gru po.

Nós tínhamos as nossas influências, conseguimos digeri-las e conseguimos criar uma obra condicionada ao nosso ambiente, e uma obra diferenciada, ao ponto de sermos diferentes dos pintores concretos do Rio. E entre os componentes do próprio grupo tínhamos as nossas diferenças e intuições.

Por exemplo, há um tempo eu não sentia a necessidade de pintar um quadro com cor. Há uma série de quadros em que eu pinto com preto e cinza, com dois tons de cinza, que interessava a simultaneidade de formas e de elementos e, com isso, criar uma relação, uma vibração por esses elementos de branco e preto e isso para mim satisfazia como por … no colorido por assim dizer.

Diferente do Sacilotto que usava muito a cor, hoje, por exemplo, eu uso muito a cor. Charoux, por exemplo, é um pintor que sempre usou a cor, mas durante muito tem po também usou preto e branco e a sua própria textura no trabalho era obtida através de hachuras permutadas com a cor.

Em 1956, em São Paulo, no Museu de Arte Moderna, em 1957, no Rio de Janeiro, no Ministério da Educação, juntaram-se os grupos e foi o auge do movimento con cretista, em 56, 57 até 58.

Nós nos juntamos ao grupo do Rio, pintores daqui, poetas daqui com os poetas de lá e organizamos a primeira exposição nacional de arte concreta. Essa expo sição teve repercussão nacional e foi motivo de muitas críticas prós e contras. Os jornais e as revistas deram ampla divulgação ao movimento, especialmente o Jornal do Brasil, em seu suplemento dominical. A partir dessa exposição, vejam a contradição, enquanto nós aqui, os pintores paulistas lutávamos por um lugar ao sol, os pintores cariocas tinham toda uma situação endossada pelo Museu de Arte Moderna do Rio.

… que fizemos essa exposição e a partir dela o Museu de Arte Moderna do Rio, pas sou a nos apoiar e, toda a divulgação que temos e tivemos na época, no exterior, devemos a essa instituição. Muitas exposições foram programadas pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, patrocinadas pelo Itamaraty, e tivemos assim exposições circulantes pela Europa, durante 3 anos. Só aí realmente o grupo con creto paulista conseguiu sair de uma situação provinciana.

Estávamos muito fechados, era a diferença que existia entre os pintores concre tos paulistas e o pessoal do Rio, mais aberto.

Fomos convidados para várias exposições e, se temos hoje uma obra mais divul gada, foi devido a esses fatores que tivemos de ter essas obras divulgadas em vários países, inclusive algumas obras nossas constam de museus na Alemanha, na Suíça e em Zurique, principalmente, onde fizemos a exposição internacional de arte concreta, que foi realizada por Max Bill, isso foi em 1958.Essa exposição reu niu pintores concretos de todo o mundo e algumas obras lá ficaram por ocasião

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desta exposição. Mais tarde houve a separação dos grupos, nos desligamos do pessoal do Rio, não havia mais propósito, a situação era outra, os objetivos cum pridos. E mais uma vez os pintores do Rio se organizaram, desta vez em grupo, a exemplo dos pintores paulistas, e criaram o movimento neoconcreto.

Característica desse movimento, embora de curta duração, era de uma abertura total, isso especialmente na pintura. Vários outros pintores incorporaram o mo vimento neoconcreto. E alguns pintores de São Paulo, por ser o grupo concreto paulista um grupo fechado, uma característica de sua liderança, alguns pintores que apareceram depois da existência do grupo se transferiram para o Rio e en grossaram as fileiras do neoconcretismo. Esses pintores são: Barsotti e Willys de Castro, Theon Spanudis na poesia.

Essa característica do grupo concreto do Rio, essa abertura, veio influenciar tam bém o grupo concreto paulista. O grupo se desfez em 61. Em 1961 para 62, o grupo concreto de São Paulo, também fez a sua abertura e criou a Galeria Novas Ten dências. E esta galeria se propunha ao que? Ainda havia dificuldade de se expor obra nova então, essa galeria propôs-se a apoiar artistas novos e mostrar essas obras. Essa foi a Galeria Novas Tendências, que também teve curta duração. Pra ticamente a partir de 62, o grupo não existia mais e cada pintor passou a evoluir, fazer a sua vida e, defender também dentro do concretismo, outros princípios e obras.

Um outro particular e, falando particularmente da minha obra, depois dessa fase fechada do concretismo, eu passei para pesquisas, aproveitando-me da tecno logia da litografia, o off-set. Senti que havia alguma coisa de novo a mostrar e executei algumas obras nesse sentido. Obras que se propunham a multiplicação como verdadeiro múltiplo e não como uma simples reprodução em série de uma obra.

Então vamos aos slides.

Comentários feitos longe do microfone

Essa é a obra que deveria estar numa cozinha. É a obra de Sacilotto exposta na pri meira Bienal. Ela era pintada como eu disse, a superfície toda em esmalte branco.

Essas são as obras como eu disse no início de Sacilotto, que eram influenciadas por Malevich, o pintor do suprematismo.

O Museu de Arte Contemporânea da USP, no acervo tem obras de Malevich, onde podemos comparar, constatar a similaridade, a influência dessas obras.

Aqui Sacilotto fazia uma vibração da cor, pelos elementos e a proximidade da cor.

Essa obra é de 54 e Sacilotto faz uma mutação na forma e ao mesmo tempo uma vibração pela cor.

Esse quadro era em preto e branco. Ele faz uma extrapolação do espaço do qua

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dro, quer dizer, ele rompe com a superfície do quadro.

Esse quadro também em preto e branco é executado em alumínio.

Essa obra está no acervo do Museu de Arte Contemporânea.

Também aqui Sacilotto é um estocástico de elementos e pretende o fenômeno da vibração óptica através desses elementos.

Sacilotto, além de pintor, era também escultor e esta é a fase da escultura dele. Através de uma única chapa, um único elemento ele faz essa forma extrapolada. Essa escultura era de Kazmer Féjer, que no grupo era só escultor.

Era em madeira pintada de preto, era uma escultura horizontal de superfície.

O importante notar na diferenciação de materiais, não era uma proposta gratuita dos pintores concretos, dos escultores, era a de se aproveitar do material comum à própria linguagem e com as suas próprias características, para a realização e efeito dessas obras.

Essa obra é de Lothar Charoux, quando eu disse que ele mudava a superfície atra vés de hachuras.

Essa obra é de Judith Lauand, ainda tem a influência do suprematismo de Male vich.

Essa obra é de Waldemar Cordeiro rompendo com o espaço, realizada em verme lho e amarelo.

Daqui para diante vem uma série de obras minhas realizadas também na época. Nessa obra me preocupava com o movimento da forma.

Esse quadro Décio Pignatari intitulou “long play”.

Havia uma preocupação minha com o movimento pela forma. Aproveitamos o efeito produzido pela forma e utilizávamos esse efeito pictórico.

O movimento em minhas obras era uma característica própria que me interessa va muito.

Vocês poderão observar que, não que essa obra tenha influído, mas, a propósito, a marca das empresas, os logotipos, se utilizam muito do processo da visualidade da arte concreta. E hoje eu ouço as pessoas falando, mas esse quadro parece uma marca que eu vi, mas acontece que ele foi feito muito antes. A arte concreta veio a influir na programação visual e muito bem utilizada pelos designers que fa zem hoje marcas, diagramações e outras coisas.

Aqui não me interessava o movimento e sim a bidimensão do espaço através úni ca e exclusivamente da cor. Nós tínhamos uma economia de cor para poder favo recer essa visualidade total.

Aqui já comecei a me interessar pela têmpera. Até os quadros anteriores, pintava com esmalte, óleo.

Em 1959 eu já começava a pesquisar aquilo que venho fazendo hoje sobre a retí cula. Essa retícula eu executei ainda artesanalmente e depois utilizei tecnicamen te os elementos tecnológicos da off-set.

Aparentemente esses trabalhos representam bandeirinhas de São João, mas na sua representação é um quadro de forma concreta, porque se observarmos como Volpi transformou o elemento bandeira numa forma geométrica, acabando como

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triângulo, eu acho que ele tem valor nesse sentido.

E aí está a “máfia”, pintores concretos. Nesta foto não está o Charoux, porque era a inauguração de uma exposição.

Essa escultura é de Franz Weissmann, em alumínio. É interessante observar que esta exposição mostrava quadros e poemas. Os poe mas pôsteres que foram criados para os poetas concretos intercalavam os qua dros.

Aqui uma página da revista O Cruzeiro, que comparava a poesia ao rock and roll, que na época era a coisa mais nova que estava surgindo. E realmente foi um mo vimento muito bacana porque tinha toda a música dos Beatles. E um repórter bem informado comparou a poesia concreta ao rock and roll.

Agora vem uma série de trabalhos recentes, de 60 para cá, criados. Aqui já é um trabalho de retícula. E um quadro não pintado é impresso pelo processo de off -set, utilizando a transparência da cor e da técnica off-set, que proporciona essas transparências.

Esse trabalho é um trabalho que eu estou fazendo hoje, ele não foi pintado. É um trabalho em que eu dou uma programação, programar a forma só através de linhas e as cores são computadas porque há um aparelho na gráfica moderna, que é … e ele faz a leitura, tem um computador acoplado ao scanner e ele faz a leitura da forma de uma cor programada e resulta nisso. Intencionalmente isso não é obtido ao acaso, há uma programação e a priori eu já sei que vai acontecer pela forma que eu tracei. Esse é o trabalho que eu desenvolvo hoje, um trabalho de multiplicação.

Claro que eu estou me propondo atualmente formas rígidas nesse sentido, mas isso não quer dizer que esse processo não permita outras iniciativas e outras intui ções. É um processo que eu aconselharia a vocês jovens se interessarem por ele, porque eu acredito que há um grande futuro para as artes nesse tipo de técnica. E este é o melhor quadro.

Pergunta (feita longe do microfone)

Resposta: qualquer cor, porque esse processo é executado com as três cores pri márias. E com essas três cores você pode compor ad infinitum do que você quiser como cor, inclusive gamas dessas próprias cores.

Pergunta (feita longe do microfone)

Resposta: A Gestalt, nós estudamos … É claro que isso não sai assim da cabeça. A Gestalt para nós era ferramenta e, não o elemento de criação, assim como a geo metria. É preciso digerir a Gestalt.

Havia uma proposta, havia um estudo dessas formas e havia um processo de di gestão disso.

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Pergunta (feita longe do microfone)Resposta: Infelizmente vocês seguiram os de mais da Escola de Paris. E fecharam todas as possibilidades próprias. Muito obrigado.

BOUSSO, Vitoria Daniela. Fiaminghi ou a concreção sensória. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 144-163. Dissertação de mestrado.

notas:

2 Depoimento prestado durante a realização do IV Curso de Cultura Brasileira: Brasil Década de 50. Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, 30 de junho de 1975. Coordenador Prof. Dr. José Aderaldo Castello, Cecília Lara, José Eduardo Marques e Yone Soares de Lima. Observa-se que não foi possível ouvir a fita original (Fita Rolo FR6), pois a mesma não foi reproduzida em fita cassete, assim sendo, utiliza mos a transcrição que se encontra no arquivo do IEB/USP, a qual foi corrigida em sua ortografia, a destacar o nome dos artistas citados, e a versão que se encon tra na dissertação de mestrado de Vitoria Daniela Bousso. Fiaminghi ou a concep ção sensória. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 144-163.

3 Este trecho foi publicado em Aracy A. Amaral. Projeto construtivo brasileiro na arte: 1959-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro/Se cretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, Pinacoteca do Estado, 1977, p.218, obedecendo à seguinte transcrição: … “ As obras têm em comum a cor e a forma como funções principais e não os estímulos delas decorrentes. A vibração óptica da cor e da forma, efeitos produzidos pelo inter-relacionamento da simultaneidade. As vibrações das cores constantes, limpas e despojadas. O movimento pela cor e pela forma, a composição de elementos múltiplos e seria dos, a linha delimitando espaços virtuais, o campo visual do quadro predetermi nado, a intermitência pela cor-luz: são algumas temáticas da linguagem concreta abordadas pelos pintores e escultores concretistas em suas obras. “ (Depoimento/ palestra sobre a década de 50 no Instituto de Estudos Brasileiros da USP).

4 Trata-se, muito provavelmente, de Claus Cluver.

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. [depoimento]. Depoimento sobre o movimento concreto bra sileiro na década de 50. São Paulo, 30 jun. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contem porânea. Disponível em: < http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/ acervo/arquivos/26269.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO HERMELINDO FIAMINGHI - IAC

institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 28377

Tipo de texto: -

Veículo: O Estado de São Paulo

Local: São Paulo

Data: 30 de outubro de 1972

Autor: -

Imagem: A matéria apresenta uma fotografia do artista Jackson Pollock ao lado de sua esposa Lee Krasner.

Título: A Arte está morta.

Anúncio de abertura da Galeria Ralph Camargo em São Paulo, dedicada exclusi vamente à arte contemporânea, especialmente jovens artistas, que tinham maior dificuldade de inserção no circuito comercial da época.

Jackson Pollock e Lee Krasner, sua mulher em 1950, numa foto de Hans Namuth. Ao morrer/matar-se, provavelmente bêbado, num desastre de automóvel na ma drugada de 11 de Dezembro de 1956, aos 44 anos de idade, Pollock ingressou no rol dos artistas trágicos, como Van Gogh. Aos 30 anos, mal conseguia vender um qua dro por 1.500 dólares. Peggy Guggenheim veio e lhe deu forte mão mercenária. Po deria ter feito brilhante carreira no mercado de arte: seus quadros já começavam a alcançar a cota dos 15.000 dólares. Mas preferiu retirar-se para East Hampton, em Long Island, a ilha dos artistas de vanguarda dos anos 40 e 50. Ali, durante dez anos, trabalhando numa fúria suicida, sob a influência decisiva das “pinturas de areia”, rituais e precárias dos Índios Navajos, criou a action painting que revolu cionou a sua própria pintura — até então fortemente marcada por Picasso, Miro e os surrealistas — e a pintura mundial. Realizara, no campo do informal, aquilo que Mondrian havia realizado no campo do racionalismo geométrico. Hoje, uma obra sua está na base dos 80.000 dólares.

Por coincidência, quando morria Jackson Pollock, inaugurava-se no Museu de Arte Moderna de São Paulo, a Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta. À parte o fato de essa mostra haver lançado a poesia concreta, nacional e inter nacionalmente, revelou também, no pobre âmbito artístico brasileiro e latino-a mericano, um punhado de artistas notáveis. Transferida para o Ministério de Edu cação, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1957, alcançaria enorme repercussão, só comparável à da Semana de Arte Moderna, de 1922. Sob as denominações de arte concreta e neo-concreta, instaurava-se assim no Brasil um dos mais promis sores movimentos de arte contemporânea que acabaria por congregar mais de 30 artistas de primeira ordem. Suas pesquisas se elevaram ao nível do que ha via de mais avançado na arte internacional, superando mesmo o recém-criado

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Groupe des Recherches Visualles, de Paris, e nada ficando a dever, em importân cia cultural, aos artistas de uma forma ou de outra vinculados à Houchschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), de Ulm, Alemanha, cujo reitor-fundador era Max Bill. Mas o establishment tudo fez para liquidar com o movimento. E quase o conseguiu em cinco ou seis anos de uma poda tão sistemática que mais parecia um complô nacional e internacional. Desencantados, dispersaram-se, isolaram -se aqueles artistas. Por ironia, nos inícios dos anos 60, o Groupe des Recherches Visualles começou a ganhar projeção e a op art americana na (arte construtiva com outro nome), seguindo a esteira da pop art, estendeu sua influência ao mun do todo. Os artistas construtivos brasileiros, porém, não só não morreram, como ampliaram e diversificaram seu campo de pesquisas. E viram surgir, com renova das esperanças, outros autênticos valores — ameaçados, como eles, de margina lização — representantes de todas as tendências válidas da arte contemporânea: nova figuração, nova objetividade, minimal art, arte sensorial, arte conceitual, arte povera etc. Morta, sim, — mas ainda não enterrada — está essa arte temáti ca, moeda de câmbio das especulações que ora inflacionam o mercado de arte e cujas cotações cairão inexoravelmente quando chegar a hora da verdade — quando o público comprador começar a exigir criação e invenção, distinguindo claramente a diferença entre qualidade artística e “assuntos” hidro-açucarados, domésticos fervorosos, pseudo-folclórico-sociais, erótico-titilantes etc. etc. No Rio, em Belo Horizonte, em Nova York, em São Paulo, no Recife, em Milão ou em Porto Alegre, os artistas contemporâneos brasileiros — veteranos, novos e novíssimos — estão trabalhando de alma nova, porque a hora e a vez deles está aí. E a Ralph Camargo — a única galeria brasileira que trabalha programaticamente com arte contemporânea — está com eles.

Como referenciar este documento:

A Arte está morta. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 out. 1972. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/sta tic/iac/uploads/acervo/arquivos/28377.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26280

Tipo de texto: Entrevista

Veículo: Diário do Grande ABC

Local: Santo André, São Paulo

Data: 9 de setembro de 1969

Autor: -

Imagem: Não apresenta imagens. Título: Sem título.

Entrevista concedida a Enok Sacramento por escrito, na qual comenta sua percep ção de que a arte não pode ser ensinada. Cabe ao artista somente encaminhar o indivíduo a descobrir por si próprio, ajudando-o a aflorar sua criatividade. Co menta como o concretismo tem influenciado novas tendências artísticas e como a arte e a tecnologia estão intimamente imbricadas no cotidiano, especialmente por meio da publicidade.

Caro Fiaminghi.

Gostaria de publicar no DIÁRIO DO GRANDE ABC uma entrevista concedida por você, a propósito de questões artísticas. Para tanto estou enviando-lhe, em anexo, algumas perguntas. Depois de respon didas, peço enviar-me tudo com a possível urgência para o endereço abaixo. Poderia contar com isso? Apreciaria que você enviasse ainda uma foto sua.

Um abraço amigo do [assinatura do autor]

Enock Sacramento Caixa Postal, 234 Santo André — SP.

HERMELINDO FIAMINGHI

1. Dados Pessoais (artísticos): ([ilegível] anexo)

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2. Arte pode ser ensinada?

Arte não se ensina. Propõe-se a percepção das coisas enquanto uma elaboração mediante um trabalho criativo-didático que possibilita a descoberta dos talentos, ou encaminhados a descobrirem-se por si próprios. Cada indivíduo é um “artista” em potencial, bastará que se lhes mostre de maneira concreta a percepção das coisas que estão ao seu redor, no cotidiano, de suas vidas, daí para frente é uma questão de cultura e informação para que se faça melhor arte ou não.

3. Como vai o concretismo?

O concretismo cumpriu e vem cumprindo o seu papel como tendência, entretanto não se deve entendê-lo hoje apenas como uma tendência de arte geométrica, esta fase de propostas cedeu lugar a uma participação mais ampla na cultura. A influência do concretismo está presente nas mais várias manifestações de arte; Op art, Nova Objetividade, Arte e Tecnologia e no “Design” — melhor exemplifican do, a influência da poesia concreta nas composições de Caetano Veloso e Gilber to Gil.

4. Como vê as relações entre tecnologia e arte?

O indivíduo, hoje está cercado de arte por todos os lados, sem que se aperceba disto. O mundo moderno é o mundo do consumo em massa. As relações entre Arte e Tecnologia são intensamente solicitados e inseridos nos produtos de consumo em massa, transformando em arte para muitos o estampado do vestido da co merciária, da balconista. A moda, a arquitetura, os eletrodomésticos, os plásticos, os automóveis, as embalagens dos produtos e suas marcas, os jornais e as revis tas, a publicidade, o rádio e a TV, são o testemunho dessa relação.

Os chamados artistas da chamada arte que se cuidem. A torre de marfim está abalada.

A comunicação de massa já é não-comunicação — comunicando-se!

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. [Entrevista concedida a] Enock Sacramento. Diário do Gran de ABC, Santo André, SP, 9 set. 1969. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Dis ponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arqui vos/26280.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 28408

Tipo de texto:

Veículo: Shopping News São Paulo

Local: São Paulo

Data: 18 de julho de 1965

Autor: Heloísa Soares

Título: Proibido sonhar para muitos artistas.

Artigo comenta a abertura da galeria Novas Tendências, idealizada por doze ar tistas, em moldes cooperativistas, como espaço de trabalho e de exposições, sem filiações a grupos ou “ismos”, apesar de seus associados serem majoritariamente de tendência construtiva.

Era uma vez doze homens. Entre um cigarro e outro, entremeando um “caso” mais e outro dedo de prosa sobre os seus problemas comuns — pois todos eles vivem às voltas com assuntos profissionais e suas frustrações artísticas — tiveram um “estalo”: fundar uma galeria. Inédita, revolucionária. Não para fazer concorrência às demais existentes, é óbvio. Tampouco porque tivessem dificuldades para expor seus trabalhos, mas para acolher pesquisas ou estudos que, por motivos comer ciais, não podem ser exibidos ao público, o que redunda em ignorância do que se faz nesse setor. Não se filiariam a grupos; não “dariam bola” a críticos, não teriam escola. Todos aqueles que fizessem algo de vanguarda, todos aqueles que crias sem alguma coisa dentro do mundo da arte, ali encontrariam guarida.

O nome da nova casa de arte foi também motivo de debates: chamar-se-ia as sim ou assim… As sugestões não agradavam. Vários nomes foram apontados, mas nenhum conseguiu aprovação total. Até que enfim alguém limpou o suor da testa e surgiu uma denominação que a todos satisfez: “Novas Tendências”, NT, em últi ma instância.

Um local na rua General Jardim foi alugado e readaptado e, em pouco tempo, São Paulo ganhava uma nova casa de arte, desta feita em moldes cooperativis tas. Pertencia exclusivamente a artistas. Era a única no gênero. No fim de cada mês os associados desembolsam uma quantia “X”, pagam as despesas e… pronto. Nenhum lucro. Por vezes, prejuízos. Mas, como não têm interesse sequer em com pradores e não visam a obter dinheiro, o negócio vai indo. Aliás, muito bem…

ELES

Existe, ainda, uma diferença entre a NT e as demais: só se abre à noite, das 16 às 21 horas. Registra-se, nesse período, desusado movimento na casa. Artistas circulam

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por ali, formam-se grupinhos para discutir problemas comuns. Mas há também os que trabalham. Motivo: é que, à tarde deixam os seus empregos e, ao invés de se dirigirem a casa para um reclamado descanso, encaminham-se para o “ponto de encontro” na General Jardim em busca de um prazer espiritual, da realização de um anseio: a arte pura e simples.

CHAROUX

Charoux é um deles: É artista muitas vezes premiado, mas tem um emprego que lhe garante o “pão de cada dia”, numa indústria. Gordo, calmo, cabelos grisalhos, nasceu na Áustria, mas tem 37 anos de permanência no Brasil. Não gosta, por isso, de revelar a sua origem: É brasileiro, e daí? Não quis falar nos prêmios que ganhou mas o programa da exposição que realizou para inaugurar a NT, reza o seguinte: exposições individuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, nas Bienais de São Paulo e Tóquio; exposição nas principais mostras itinerantes brasileiras; primeira mostra individual na Petite Galerie — Rio de Janeiro; 1º prêmio regulamentar e me dalha de ouro no 1º Salão Baiano e grande medalha de ouro no 13º Salão Paulis ta de Arte Moderna; em 1957 viagem à Europa, onde expôs desenhos, em Lisboa. Charoux foi, também, professor do Liceu de Artes e Ofícios e do Senai.

Qual é o tipo de pintura do artista?

Diz ele que é concretista. Começou como figurativista quase acadêmico, abstrain do-se numa evolução natural até encontrar a arte pura e simples, numa pesquisa de alto nível, com figuras geométricas.

Agora anda “aperreado” com um problema: quer realizar uma tentativa dentro do campo da escultura. Para tanto, espera apenas uma oportunidade.

FIAMINGHI

Hermelindo Fiaminghi também faz parte do grupo de fundadores da NT e, como não poderia fugir à regra faz horas “batidas” numa empresa publicitária, o que não o impede de “marcar o ponto” diariamente, na galeria a que se filiou por afi nidade artística, a mais 11 companheiros de ideal.

É concretista como aliás a maioria dos associados da NT e já expôs em quase todas as mostras de maior destaque. Atualmente trabalha numa pesquisa para obter fusão e difusão da cor por incidência de luz através da retícula (retícula, cor e luz). Trata-se de autêntica novidade em matéria de pintura ou seja, o uso de pe lículas transparentes, sensíveis à cor. Depois de selecionar tonalidades por trans parência também, finaliza a obra por processo industrial (meios gráficos). Será um dos próximos expositores da “Novas Tendências”, sem data marcada porque a NT, diferenciando-se também de outras casas do gênero, não faz calendários de mostras.

OUTROS

Os outros dos 12 são: Caetano Fracaroli, Judith Lauand, Alfredo Volpi, Willys de

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Castro, Hércules Barsotti, Casemiro Feyer, Alberto Aliberti, Waldemar Cordeiro, Fer nando Lemos e Luiz Sacilotto. Alguns deles já deixaram a galeria por motivos di versos, enquanto outros se tornam, com o decorrer do tempo, associados. Alguns deles dispensam qualquer comentário: Volpi, por exemplo, e Waldemar Cordeiro, que anda metido no chamado “pop eretismo”; Willys de Castro e Hércules Barsoti são proprietários de uma agência de publicidade: Sacilotto é escultor, Casemiro é também (nas horas vagas) químico profissionalmente, enquanto Alberto Aliberti, além de industrial, realiza uma pesquisa muito séria, dentro da pintura, com ma teriais plásticos.

EXPOSITOR

Atualmente, quem expõe na NT é Cypriano Guariglia, jovem autodidata, já com 10 anos de constantes pesquisas artísticas. É professor de desenho por obrigação: anda felicíssimo, já que a Bienal lhe abriu as portas de maneira auspiciosa: apre sentará 3 desenhos. Na “Novas Tendências” expõe 26 trabalhos — 11 pinturas e 4 sequências — tudo em branco. Uma das pinturas é pesquisa com quadriláteros: as demais (óleo sobre “Duratex”), são plantas e polidas, com formatos variáveis do triângulo equilátero ao dodecágono regular, num aproveitamento de tintas dife rentes, buscando efeitos de mutações e relevos, além de absorções de tonalidades. Guariglia afirma que sua arte sobrevive graças às quatro aulas que dá, diaria mente, em colégios da Capital, isto é, ajusta-se à dura realidade do “primum vive re, deinde philosophari” da sabedoria dos antigos.

Nas sequências que apresenta na NT retrata movimentos de formas: desenhos conseguidos por recortes de papel superpostos e que surgem pela luz e sombra. As sequências consistem, em conjunto, em um estudo de formas simplificadas e harmoniosas. Uma inovação é introduzida na apresentação dos trabalhos: os desenhos são fixados entre vidros e, aparentemente, não possuem sustentáculos.

NT

Eis, em linhas gerais, os aspectos da NT, galeria de arte nova e inédita e em cujo programa de exposição se lê obrigatoriamente: “NT não pertence a um grupo e nem pretende uniformizar opiniões. É uma condição aberta ao artista que, no âmbito de uma natureza comunicativa direta, autônoma e substantiva, contribui para a delineação das novas poéticas. Não subscreverá eventuais tentativas de englobar anonimamente os seus expositores em mais um “ismo”. Diversamente, é partindo da simultaneidade de pesquisas, sensibilidade individual e opiniões de cada artista, que se poderá ter uma visão real das contradições — dialeticamente falando — que caracterizam a situação presente e a arte de vanguarda. Pretende, outrossim, oferecer ao público a informação adequada e qualificada, nacional e internacional de ideias que tenham relação com as novas tendências da arte de “vanguarda”.

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FUTURO

O que a NT fará no futuro: primeiramente, pretende ampliar suas instalações, para que cada associado possa trabalhar em suas dependências. Programou uma “co letiva” e três novas “individuais”: de Willys de Castro, Fiaminghi e Judith Lauand.

Como referenciar este documento:

SOARES, Heloísa. Proibido sonhar para muitos artistas. Shopping News São Paulo, São Paulo, 18 jul. 1965. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/28408.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 26278

Tipo de texto: Carta datilografada Veículo:

Local: São Paulo

Data: 30 de junho de 1959

Autor: Hermelindo Fiaminghi

Imagem:

Título: Sem título.

Carta de Fiaminghi desligando-se do grupo Ruptura devido a discordâncias, es pecialmente, o “dogmatismo” de Waldemar Cordeiro. Fiaminghi diz sentir-se um in truso no grupo, pois não vê um debate franco e aberto a questões que não partam do líder. Para ele, isso tem afetado sua produção negativamente, de forma que precisa se afastar para poder se reestruturar.

Caros amigos

Sacilotto, Fejer, Cordeiro, Maurício

Este é meu depoimento, confidencial a vocês.

O faço em plena responsabilidade e não pretendo, ferir, acusar ou desmerecer ne nhum dos amigos, embora deponha aqui, as causas que levaram-me a fazê-lo e o faço por escrito para que não haja más interpretações ou deturpações, no decor rer do tempo.

O meio ambiente artístico em que vivemos, é dúbio, é falso, e é até desonesto.

Estas características não podem deixar de calcar nos espíritos, mesmo nos mais fortes, a desconfiança, a dúvida, o desabono.

Estes fatos podem atrapalhar todo um trabalho bem intencionado, toda uma luta encetada há anos por elementos ou grupos de melhores princípios.

O elemento ou líder de um grupo ou tendência, mais frontalmente ligados aos pro blemas artísticos e suas organizações, ressentem-se destes reflexos que os man tém em permanentes e vigilantes suspeitas. Eis que quando surge um novo ele mento, um novo “pupilo” o mesmo é visto com as devidas reservas, e este passa a ser no sentido da palavra um intruso. Mas o novo intruso serve para fazer número, “quorum” em ocasiões oportunas.

De nada valem as provas, as participações, as adesões e mesmo o “curriculum vi tae”, pois o “sabe quem está falando?” já não é exclusivo das repartições públicas.

Se isto não bastar, vem as alusões às “medalhinhas” para abafar qualquer iniciativa de protesto justo ou construtivo que o intruso possa dar.

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Pois todos estes fatores levaram-me a fazer um rigoroso exame de consciência, e um balanço geral dos fatos.

Uni-me ao grupo e aos amigos pelos meios e pelo endereço que só a arte propor ciona e torna possível.

Decorridos já, cinco anos desde então.

Neste lapso de tempo aprendi a abdicar dos requisitos individuais que a própria vida impõem, procurando encontrar a forma certa, a forma útil às causas do grupo, e foi para mim um processo natural, faz parte de minha formação — E por que não dizer que aprendi também a acatar a autoridade do nosso amigo Cordeiro, empe nhando-me em apoios e coerências.

Assim procedi por que não me foi imposto. Aceitei, — endossei. Compreendo tam bém que todas as ideias precisam de um articulador e toda iniciativa de princípios deve ser liderada.

E o Cordeiro nisto está no seu âmbito.

De todas as concessões feitas, posso afirmar que ainda não abdiquei do meu sen so e caráter permitindo-me ainda uma visão ampla e geral das coisas.

Os mandos e desmandos muitas vezes improvisados do nosso amigo Cordeiro, fluem de sua individualidade ainda mais revelada quando esta assume caracterís ticas ditatoriais.

Em contra-posição, sua personalidade dialética de onde flui toda uma corrente de iniciativas e ideias.

Partindo de sua personalidade toda iniciativa e ideias e somando aos recursos da dialética, o arraigado individualismo fica despistado mas nunca abolido.

Estes fatores não impediram e nunca impedirão o derradeiro ostracismo em que se encontra o grupo, cada vez mais fechado e restrito aos seus próprios recursos cin gindo-se apenas a poucos elementos, por características “sine qua non”. Fazendo-se um paralelo entre as organizações e o grupo, chega-se às seguintes conclusões.

Fecham-se as organizações aos debates, aos programas amplos de cultura, não lhes interessam as discussões de princípios, é o processo de eliminação, cristali zado tão somente na exibição de alguns metros de paredes que também servem para pendurar quadros.

Dentro do grupo o panorama não é menos diferente.

Fecha-se o grupo à um movimento mais amplo de tendência.

O sistema “tapa-bocas” através de uma dialética engendrada que sempre con vence, funciona definitivamente e a aprovação do que está certo ou errado, é feito com um simples abanar de cabeças que leva à curvatura de obediências à toda sorte de ordens.

Esta situação é cômoda a todos nós, estamos sempre aguardando a nova ordem cristalizada na pessoa experiente do amigo Cordeiro.

Nosso amigo Sacilotto, circunscrito em seu rincão, nem sempre recebe aquelas no tícias mínimas que possam gerar uma iniciativa, iniciativas que em outras ocasiões participou com mais afinco pois os afazeres permitiram-lhe.

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O Maurício, com não menos bons princípios, fala pouco, não sei se pelo seu gênio ou se pela experiência de que falar é “perigoso”.

O Fejer, fala (e fala em português) opõe-se sempre num debate justo buscando to dos os recursos de sua cultura ou faculdades, mas também não é poupado no seu entusiasmo, com acusações de fascista, anarquista e outros fantasmas.

O Charoux, é a “borboleta” que vai … vem ... , encosta e desencosta suavemente, pestaneja, boceja meia palavra e não a completa dependendo de que lado vem a “ripada”, não está definido e não foi levado a definir-se.

Eu — Fiaminghi, sou o intruso, já a esta altura o “ingênuo útil” que tendo aceito al gumas posições em defesa do grupo, sem consultar o “chefe” venho recebendo um desencadear de ordens categóricas e sem comentários.

— Aceite, — demita-se, — não aceite, — demita-se, faça isto ou aquilo. Assim como um menino de recados de pequena firma que não tem relógio de ponto, para pro var seu trabalho, e é destituído conforme se encontra o fígado do patrão.

Enfim, em resumo o debate interno não é feito francamente, não é livre, não é cons trutivo é autodestrutivo e complexo, tão complexo em seus objetivos práticos que chega a confundir-se dentro do grupo, como confunde-se toda iniciativa dentro das organizações oficiais ou particulares, contra um programa mais amplo.

Qual é o resultado prático deste depoimento? — Não sei e não posso prever. Sei que os critérios podem ser invocados.

Voltando a afirmar que não abdiquei do senso e do caráter, faço um recuo premido pelas circunstâncias dos fatos que não condizem com o meu modo de ver as coisas e não cabe só a mim transformá-las, num sentido mais amplo numa participação mais ampla e desinteressada de quaisquer imediatismos.

Posso afirmar convictamente que as ideias e as lutas do grupo são mais do que justas, honestas em suas reivindicações.

Acredito no processo de arregimentação ampla de valores, de ideias e de princí pios que permitam o debate aberto e claro. Enfim amigos, creio que é chegada a hora de dar ao movimento um sentido amplo.

Compreendi que o círculo está vicioso e girando sempre dentro do mesmo âmbito, cada vez mais fechado e restrito, acuado em seus próprios limites impossibilitado de lutar igual para igual, premido não só ao que se convencionou chamar de “cic cilismo” mas aos adeptos surgidos à última hora, dentro da própria tendência e colocados à nossa frente.

Retiro-me na tentativa de recompor meu trabalho, a obra ainda está por ser feita — não há mais tempo a perder.

Como referenciar este documento:

FIAMINGHI, Hermelindo. [carta datilografada]. São Paulo, 30 jun. 1959. Acervo do Insti tuto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/ static/iac/uploads/acervo/arquivos/26278.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 28411

Tipo de texto: Crítica

Veículo: O Estado de São Paulo

Local: São Paulo

Data: 24 de janeiro de 1959

Autor: -

Imagem: A matéria não apresenta imagens.

Título: A que serve o desenho.

Artigo comenta a participação de Fiaminghi e Judith Lauand em exposição na Galeria de Arte das Folhas, enfatizando a atuação de ambos no mercado publici tário como merecedor de respeito por propor uma aproximação e utilização prática das criações artísticas aplicadas ao design industrial. O texto também deixa evidente a contraposição a Waldemar Cordeiro, “todo empenhado em filosofias”.

Ao lado de Judite Lauand, outro publicitário, como Fiaminghi, e não estamos, com isto, colocando uma pedra no caminho dos publicitários, pois como profis são nos merece respeito, o equívoco prossegue em sua marcha impávida — mas Fiaminghi desborda do publicitário, e logo diremos para que.

Encontramos, aliás, como assinalamos na nota anterior, na insistente varieda de da aplicação, uma qualidade que poderia muito bem vir a ser explorada no plano da técnica. O “industrial design”, de que tanto se fala, ainda continua a ser palpite de indisciplinados, o que se compreende num meio em que o intuicionismo continua dando cartas. O grupo aqui reunido, não obstante as suas diferenciadas manifestações em pormenor, representa uma útil nucleação, capaz de contribuir, como já o está fazendo, para o desenho industrial, o que foi o caminho certo se guido pelo mais interessante dos nossos concretistas da primeira hora, o Sr. Ge raldo de Barros.

Assim, um projeto para ladrilhos, muito original, do concretista Fiaminghi, apro xima-o do plano da indústria, e a cerâmica, em que temos um inteligente avaliador de possibilidades como é o Sr. Aristides Pileggi, autor do livro recente “A cerâmica no Brasil e no mundo”, deveria verificar o trabalho de Fiaminghi e de outros publi citários, igualmente dotados, no caso do concretismo, para o desenho industrial.

Dos concretistas, porém, fora do quadro dos leiautes, há uma profunda diver gência, com um artista metafísico, como é o Sr. Waldemar Cordeiro, todo empe nhado em filosofias, nas estruturas determinadas e determinantes, na contradição espacial, nos elementos análogos engendrados, no desenvolvimento harmônico, no “sim e não”, designações estas que tiramos aos títulos de seus trabalhos. todos

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com a ideia fixa da figura desgarrada de sua figuração física, mas simbolizada numa esquematização significante. O “Sinal” de Waldemar Cordeiro é um vaso a que falta apenas a flama. Até na construção vetorial, em que pese a designação, não escapa a desenhada persiana, poeticamente conduzida para a ausência da moça, que não está ali. Donde, pois, encontrarmos um dissidente nestas rigorosas demonstrações de fé do concretismo, já agora opostas aos abstratos… quando em qualquer lugar do mundo a ramificação foi produzida pelo afastamento da imprecisão abstrata, refugiando-se no recanto que Léon Degand chamava de “geometrismo abstracionista”.

As coisas do Sr. Waldemar Cordeiro escapam, portanto, do ritmo publicitário de Lauand e de Fiaminghi, do desenho industrial, para colocar-se sob o signo de um abstracionismo figurativo intencional, o que fica muito bem para o inconfor mismo do sensibilíssimo artista que ele é, nas suas transcendências do espaço virtual, o que é ainda título do seu trabalho nº 10.

A inconformação do Sr. Cordeiro, porém, levada a sério nas linhas acima, es barronda-se toda na tentativa que ele também tem, de procurar o desenho in dustrial, com a sua chamada “transposição de dois amarelos, dois vermelhos e dois azuis”, que dá num projeto catita para uma grade de madeira ou de ferro, colorida, ao gosto do ecletismo decorativo que se apresenta como conciliação entre a clara ideia da escola de Bill e a desordem dos arquitetos imbuídos de for malismo plástico.

Como referenciar este documento:

A que serve o desenho. O Estado de São Paulo, São Paulo, 24 jan. 1959. Acervo do Ins tituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/ static/iac/uploads/acervo/arquivos/28411.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Transcrições dos documentos selecionados para a curadoria do artista Luiz Sacilotto

Curadoria e comentários críticos dos documentos: Renata Reis

Fonte de Pesquisa: Fundo Luiz Sacilotto Instituto de Arte Contemporânea

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FUNDO LUIZ SACILOTTO - IAC

institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 28462

Tipo de texto: Documento

Veículo: Boletim Mensal da União Cultural Brasil-Estados Unidos Local: São Paulo Data: Abril de 1947

Autor: Sem autoria

Imagem: A matéria não apresenta imagens.

Título: Exposição dos “19 Pintores”, sob o patrocínio da União Cul tural Brasil-Estados Unidos.

O boletim mensal da União Cultural Brasil – Estados Unidos, patrocinadora da “19 Pintores”, traz informações gerais sobre a exposição. Constando o nome de todos os jovens artistas participantes, são apresentados também os membros do comis são julgadora, formada por Anita Malfatti, Lasar Segall e Di Cavalcanti, além dos valores dos prêmios e os respectivos vencedores. O boletim tem ainda a exposição como um grande acontecimento no circuito artístico da cidade de São Paulo.

[Ilegível] Departamento de Ingles, professores e funcionários [ilegível] [ilegível], em suas declarações à imprensa paulistana, S. E [ilegível] [ilegível] de declarar o se guinte, a propósito de sua visita [ilegível] a m[ilegível] das impressões. Que orga nização admirável! Obedecendo métodos racionais, inteligentes, os custos ali em funcionamento [ilegível] realizando obra deveras notável. Têm cerca de 4.000 alu nos, [ilegível] diz bem do interesse que despertam”.

DIA PAN - AMERICANO

A União Cultural Brasil-Estados Unidos, juntamente com o Departamento Muni cipal de Cultura, comemorou o Dia Pan-Americano, transcorrido em 14 de abril, com uma sessão solene ealizada no Teatro Municipal. Presidiu à sessão o Sr. Cris tiano Stockler das Neves, DD. Prefeito Municipal de São Paulo, o qual pronunciou expressivo discurso. Em seguida, o Sr. Henry Hare Carter, Adido Cultural junto ao Consulado Geral Americano, proferiu uma conferência sobre o “Pan-Americanis mo”. Foi depois feita pelo prefeito da Capital a entrega dos prêmios aos alunos do Departamento de Inglês, classificados no concurso promovido por esta entidade, com o fim de dar mais realce às comemorações do Dia Pan-Americano. Finalizan do a sessão, a Orquestra Brasileira de Câmera, sob a regência do maestro Leon Kaniefsky, executou um programa de músicas Pan-Americanas.

SUMÁRIO DAS ATIVIDADES SOCIAIS E CULTURAIS DE 16 DE [ilegível] MARÇO A 15 DE ABRIL

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No dia 17 de março o Prof. Fernando Tude de Souza, Chefe do [ilegível] do Ministério da Educação, pronunciou uma conferência subordinada ao tema: “Reportagem sobre os Estados Unidos”. O ilustre conferencista esteve recentemente nos Esta dos Unidos, em missão de intercâmbio educacional, como delegado do Governo Brasileiro.

***

No dia 27 de março, o Dr. Atílio Zelante Flosi, assistente na Faculdade de Medicina, discorreu sobre “Condições de vida nos grandes hospitais norte-americanos”. O Dr. Atílio Zelante Flosi esteve nos Estados Unidos, aperfeiçoando-se em Endocrino logia, com Bolsa de Estudos oferecida pela União Cultural Brasil-Estados Unidos, por intermédio do “Institute of International Education” e Departamento do Estado de Washington.

***

No dia 10 de abril, o Sr. Hermínio Lunardelli, que esteve na América do Norte como bolsista do “Institute of International Education”, especializando-se em Nutrição, pronunciou uma conferência sobre “Uma experiência na Universidade de Arkan sas — A Nutrologia [ilegível] [ilegível] novo aspecto”.

Os críticos de São Paulo demoraram-se em apreciações sobre os 19 pintores, ten do mesmo surgido vivas controvérsias, o que levou os Srs. Sérgio Milliet e Lourival Gomes Machado a promoverem, sob o patrocínio desta entidade, debates no re cinto da exposição. A esses debates compareceram cerca de mil pessoas, e se gundo opinião dos próprios promotores dos debates, foram estes os mais vivos e animados verificados até o presente momento em São Paulo.

Os Sr. Geremia Lunardelli, compreendendo a importância dessa iniciativa, ofere ceu um prêmio de Cr.$ 15.000,00 para os melhores trabalhos expostos na Galeria Prestes Maia. Fizeram parte da comissão julgadora, a convite da União Cultural, os pintores Lasar Segall, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, os quais, após acurado exame das obras expostas, classificaram os seguintes expositores: 1o Prêmio (Cr.$ 5.000,00): Mario Gruber Correia; 2o Prêmio (Cr.$3.000,00): Maria Leontina Franco; 3o Prêmio (Cr.$2.500,00): Aldemir Martins; 4º Prêmio (Cr.$2.000,00): Flavio Ciro Tanaka. Prêmio único de desenho (Cr.$2.500,00): Cláudio Abramo.

Na noite de encerramento, realizou-se, no recinto de exposição, uma festa em ho menagem aos “19 pintores”. O programa constou de uma representação de dois quadros da peça “A Rainha Morta”, pelos “V Comediantes”, sob a direção do Sr. Micael Silveira. Em seguida, o pintor Di Cavalcanti anunciou os nomes dos ven cedores do Prêmio “Geremia Lunardelli”, explicando o critério que os membros da comissão julgadora adotaram na seleção e enaltecendo o gesto do Sr. Geremia Lunardelli.

Da exposição foram, ainda, selecionados dois trabalhos de cada pintor, os quais deverão percorrer vários centros de arte dos Estados Unidos da América do Norte. Segundo dados apresentados pelos funcionários encarregados da portaria da

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Galeria Prestes Maia, visitaram essa mostra de arte, durante os 17 dias em que es teve franqueada ao público, cerca de 50.000 pessoas.

Ao encerrar-se a exposição dos “19 Pintores”, sente-se a União Cultural Brasil-Es tados Unidos plenamente recompensada do esforço desenvolvido, no sentido de realizar um dos pontos básicos de seu programa cultural, que é o de facilitar e proporcionar aos novos valores que se revelam nas letras e nas artes os meios necessários ao seu primeiro contato com a crítica e com o público em geral, tanto no Brasil como nos Estados Unidos da América do Norte.

MÚSICA

As audições de discos de “Hora Musical”, programada semanalmente, está pros seguindo este ano com ótimos resultados. Realizadas às terças-feiras, às 20 horas e meia, sob a direção da Prof. Inge Meyerson, o programa deste mês foi o seguinte: 1a audição: Peças do Rimsky-Korssakoff e Rachmanioff; 2a audição: Festival Brah ms; 3a audição: Peças de Beethoven e Schubert; 4a audição: Dedicada a Geshwin e 5a audição: Música de Câmara.

PINTURA

Despertou invulgar curiosidade e interesse nos meios artísticos de São Paulo a exposição dos “19 pintores”, inaugurada a 19 de abril na Galeria Prestes Maia, sob os auspícios desta entidade. A essa exposição considerada pelo público e pelos críticos um acontecimento de grande relevância como contribuição para a his tória das artes plásticas em São Paulo — pois se compunha de trabalhos de um grupo de pintores novos que pela primeira vez expunham em mostra coletiva — concorreram Aldemir Martins, Antonio Augusto Marx, Cláudio Abramo, Enrico Ca merini, Eva Lieblich, Flavio Ciro Tanaka, Huguette Israel, Jorge Mori, Lothar Charoux, Luiz Andreatini, Luiz Sacilotto, Marcelo Grassmann, Maria Helena Milliet Fonseca Rodrigues, Mario Gruber Correia, Maria Leontina Franco, Odetto Guersoni, Otávio Araujo, Raul Muller Pereira da Costa e Wanda Godoy Moreira.

Desses pintores exigiu-se apenas a condição de ser “novo” e de ser moderno, sem entrar no julgamento do valor individual de cada um, pois que esse julgamento ficaria posteriormente a cargo da crítica especializada.

Foi confeccionado um catálogo com uma breve biografia dos expositores e res pectivo auto-retrato, e uma introdução de Geraldo Ferraz, conhecido crítico de arte.

O “Diário da Noite” promoveu um inquérito entre artistas de renome no cenário das artes plásticas de São Paulo sobre essa iniciativa. Entre outros, depuseram os Srs. Flávio de Carvalho, Aldo Bonadei, Clovis Graciano e Vitor Cordeiro, todos enaltecendo o sentido da mostra dos “novos” e encarecendo os esforços desen volvidos pela União Cultural Brasil-Estados Unidos.

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BIBLIOTECA

A biblioteca “Thomas Jefferson”, em virtude do grande aumento de inscrições de leitores, verificado nestes últimos meses, passou a funcionar, ininterruptamente, das 9 às 21 horas e meia. Dentro desse horário os leitores poderão retirar livros ou fazer consultas nas salas de leitura.

DEPARTAMENTO DE INGLÊS

Especialmente contratado pelo Departamento de Estado de Washington, D. C., para lecionar inglês nos cursos mantidos por esta entidade, chegou a S. Paulo, no dia 16 de abril, o Sr. Don Cummings Robinson. O Prof. Don Cummings Robinson cursou a Universidade de Wisconsin, graduando -se em Ciências, em 1943, pela Escola de Educação. No último ano do curso obteve duas bolsas de estudos, uma da própria Universidade e outra da Fundação “Wes ley”. Em 1942 alistou-se na marinha, tendo sido chamado em 1943. Em 1944 foi esca lado para o Pacífico. Ali participou das invasões das Ilhas Marshalls, Guam, Peleliu e Leyte. Em novembro regressou ao Hawaii para auxiliar nos planos de invasão de Iwo Jima. Por essa ocasião, já era Oficial de Operação na; “Waianae Amphibious Training Base”. Pela sua atuação na invasão de Guam recebera “Navy Unit Com mendation”. Após 18 meses de serviços no mar, voltou aos Estados Unidos, onde foi designado para a “Navy Oriental Language School”, em Stillwater, Oklahoma. Alguns meses depois, ao ser desligado da escola foi enviado ao Rio de Janeiro, onde serviu junto ao Adido Naval. Regressando aos Estados Unidos em setembro de 1946, foi, nesse mesmo mês, desligado com honra, como Tenente. Em Wisconsin, cidade de cerca de 40 mil habitantes foi professor de Latim e Inglês, bem como dirigente de um grupo dramático, tendo representado na peça “Angel Street”. Em fevereiro o Departamento de Estado ofereceu-lhe o lugar que ora pas sa a exercer na União Cultural Brasil-Estados Unidos.

VISITANTES ILUSTRES

Visitou a série da União Cultural Brasil-Estados Unidos, em meados de abril, o Sr. Cristiano Stockler das Neves, DD. Prefeito Municipal de São Paulo. S. Excia foi rece bido pelos membros da diretoria, pelo Sr. Cecil M. P. Cross, Consul Geral America no, Dr. Joseph Privitera.

Como referenciar este documento:

Exposição dos “19 Pintores”. Boletim Mensal da União Cultural Brasil-Estados Uni dos, São Paulo, abr. 1947. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/28462. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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contemporânea

Nº de ordem: 28488

Tipo de texto: Reportagem

Veículo: Tribuna da Imprensa

Local: Rio de Janeiro

Data: 5 de março de 1953

Autor: Walter Zanini

Título: Das plantas de arquitetura ao neoconcretismo.

A reportagem de Walter Zanini, publicada em 1953, traz uma síntese da trajetória artística de Sacilotto até o momento. Destacando sua formação em pintura indus trial e primeiras experiências com as plantas e projetos de arquitetura como in fluências cruciais para as futuras composições abstrato geométricas, Zanini tam bém trata da colaboração do artista junto ao grupo expressionista brasileiro em sua primeira exposição, a “Quatro novíssimos”, de 1947.

Retrato do jovem artista Luiz Sacilotto — Para os concretistas o abstracionismo tra dicional está superado — Experiências do Grupo Ruptura com pintura a duco, nor dex, esmalte.

— Reportagem de Walter Zanini —

São Paulo (Sucursal, Luiz Sacilotto) — (Prêmio Governo do Estado, no II Salão de Arte Moderna) está entre os artistas paulistas da novíssima geração que, a exemplo do que hoje acontece em várias partes do mundo, lutam tenazmente pela criação de um estilo pictórico que marque a nossa época no futuro.

Pertencente à corte, cada vez mais numerosa, dos pintores concretistas, traçou-se rigoroso esquema de pesquisas, dentro dessa orientação, que, para uns, não passa de mero e inútil esoterismo, enquanto para outros é sintoma claro de nova fase na história das artes plásticas.

Dentro desse esquema, vem procurando uma criação individual e livre, embora não se tenha ainda emancipado dos mestres que exercem influência sobre o organismo jovem de sua pintura. Mondrian, Van Doesburg e outros valores do neoplasticismo estão entre aqueles cuja obra incitaram em si esse apego à pintura bidimensional, ou seja, a pintura que volta a ser uma composição na superfície.

PASSATEMPO

A curta história de Sacilotto (nascido em Santo André, de família proletária) é a mes ma de todas as vocações que desabrocham por si. O meio lhe foi sempre adverso, desde menino, e a seta, que lhe indicou o caminho, muito vaga. Alguém enxergou um

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pouco mais e arriscou-se a dizer que o adolescente tinha certa sensibilidade para o desenho. Na verdade, tinha bastante. E isso se via em muitas coisas. Por exemplo: na reprodução dos heróis dos suplementos juvenis, seu passatempo predileto.

NA ESCOLA

Matriculado na Escola Profissional do Brás, ali fez o curso de pintura industrial, du rante 5 anos(1938-1943). Suas pretensões eram muito modestas. Tratava-se de apren der um ofício. Mas, quando tomou mais consciência das coisas e atingiu seu quarto ano de estudos, tudo começou a se aclarar. Por fora do programa, entrou em contato com a pintura de caráter artístico. Ensi naram-lhe como fazer uma tela acadêmica, e por isso para o artista nascente, foi um verdadeiro “abre-te-sesamo”. Ao mesmo tempo, pela primeira vez em sua vida, ouvia falar de impressionismo, cubismo, futurismo, etc. Entusiasmou-se Sacilotto e passou a frequentar a seção de Artes da Biblioteca Municipal. Suas noções ain da vagas de história da arte acabaram ganhando a consistência necessária para reajustar muita coisa errada que aprendera, em classe, da boca de seus professo res cheios de limitações.

EMPREGOS

Deixando a escola. Iniciou-se no desenho industrial. Suas ideias já se revelavam à frente do rigor do “industrial design”. As combinações funcionais dos serviços de Hollerith, com as quais se familiarizou, foram importantes também para que, mais tarde, chegasse à arte abstrata. Faltava-lhe, todavia, uma cultura suficiente para simplificar o rumo.

PRIMEIRA EXPOSIÇÃO

Em companhia de Marcelo Grassmann, que conhecera na Escola Profissional, de Otávio Araújo, hoje auxiliar de Portinari e de Andreatini, que abandonou a pintura por motivo de saúde, realizou sua primeira exposição. Todos revelavam nítidas ten dências expressionistas, que nele iriam perdurar alguns anos.

Em 1945, com 21 anos, empregou-se num escritório de arquitetura. Descobriu aí um novo sugestivo mundo: o mundo das plantas e projetos de grande arte. Empolgou -se com o estudo geométrico da superfície, com o vigor e a limpeza da composição com a distribuição dos elementos representativos no espaço.

O sentido bidimensional na planta de um edificio é uma representação abstrata. Em contato diário com esses projetos gráficos e sabedor, a essa altura, da existên cia de movimentos como o “Grupo De Stijl” e de todas as inovações trazidas por Kandinsky, Mondrian e Max Bill, inclinou-se para a pintura não-figurativa.

— “A minha tendência para a arte concreta brotou naturalmente, foi uma necessi dade de expressão” — diz Sacilotto.

Já em 1948, ele abandonava a figura humana, e o seu expressionismo era fase li quidada. Veio então a amizade com Charoux, Wlandislaw, Cordeiro e Geraldo de Barros. Era a gênese do “Grupo Ruptura”, que tanta celeuma levantou quando da recente exposição do Museu de Arte Moderna.

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SUPERADO

— “Para os que se alistam na grei dos concretistas — afirma o pintor — o próprio abstracionismo tradicional está superado. Ele não consegue fugir da surrada ter ceira dimensão, embora isso não seja feito conscientemente. É verdade que utiliza formas modernas. Sua cromática, porém, é antiga. E nós, os concretistas, queremos fazer pintura nova, utilizando as cores puras, sejam as primárias (vermelho, amare lo, azul), sejam as complementares (laranja, violeta e verde). Assim, nunca teremos a sensação da terceira dimensão ou de quaisquer velhos truques”.

DUAS OBSERVAÇÕES

Deixa claras duas coisas:

— “Eu e meus colegas do Grupo Ruptura temos sido injustamente acusados de não possuirmos o artesanato suficiente para produzir trabalhos artísticos dignos desse nome. É uma inverdade. De minha parte, nunca esqueci a importância do “metier”. E isso, desde meus tempos de Escola Profissional, até hoje, no Grupo Ruptura, onde, ao lado do estudo teórico, nos damos a toda sorte de experimentos técnicos, inclusive com matérias novas, como a pintura a duco, o nordex, o esmalte, etc.

“A outra insinuação, está então de indisfarçável má fé, e que atinge a todos os pin tores que se batem pela renovação autêntica da linguagem artística, é a de que estamos tentando dar um ar de novidade a uma escola de pintura que já existe há cerca de 40 anos. E aqui pergunto: que dizer dos que persistem em criar formas novas de princípios velhos, isto é, daqueles que, no seu otimismo acolchoado, continuam a fazer o mesmo que a história da arte registra desde o homem das cavernas?

É necessário frisar, entretanto, que a divergência existente no plano estético não pode ser estendida ao terreno humano. Neste, continuamos amigos de todos abs tracionistas ou figurativistas, e nem haveria razões para acontecer o contrário...”

PREPARE-SE

No momento, embora a luta pelo pão de cada dia não o deixe de trabalho (faz desenhos para arquitetura), vai para casa iniciar nova jornada. Pinta quase todas as noite, até horas vançadas. Persiste, assim, no esforço que sempre foi uma cons tante na sua carreira intranquila e cheia de ideias muito à vontade para estudar e produzir, Sacilotto, prepara-se com afinco para a próxima Bienal. Após suas 9 horas diárias.

Como referenciar este documento:

ZANINI, Walter. Das plantas de arquitetura ao neoconcretismo. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 5 mar. 1953. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/28488. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 28474

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Correio Paulistano

Local: São Paulo

Data: 6 de maio 1947

Autor: Ibiapaba Martins

Título: Notas de Arte - 19 pintores

Nesta crítica publicada após o encerramento da exposição “19 Pintores”, Ibiapaba Martins faz um breve comentário acerca de cada um dos artistas presentes na mostra. Sobre Sacilotto, destaca que ele, Marcelo Grassmann e Otávio Araújo são os melhores desenhistas dentre os presentes.De uma forma geral, Ibiapaba co menta a grande expectativa em torno de uma exposição que prometia revelar as novidades da pintura brasileira, indicando ainda a decepção em constatar que tais trabalhos não traziam contribuições inéditas.

Esta nota deveria ser publicada em nossa edição de domingo. Por falta abso luta de espaço, não o foi e, portanto, sai após o encerramento, ontem, daquela mostra de arte.

*Encerra-se amanhã, a exposição dos 19 pintores. Diante da importância que sempre contém uma exposição de novos, que pretende ou poderá pretender a apresentação de algo novo, seria justo que a atual mostra da Galeria “Prestes Maia”, continuasse aberta por mais alguns dias.

Compromissos já tomados, entretanto, impedem que tal aconteça e temos que nos resignar com os fatos. Nunca uma exposição foi tão esperada em certos círculos como esta patrocinada pela União Cultural Brasil-Estados Unidos e pa rece que poucas deram em tão grande decepção como a dos jovens 19 Pintores. Esperava-se talvez uma floração de jovens muito disciplinados na esteira que os mestres lhes traçaram. Houve por isso quem exclamasse que os 19 jovens pintores da Galeria “Prestes Maia” constituem o que há de mais velho e mais passado.

— “São velhíssimos!” — exclamou alguém. Tais considerações todavia não obs taram que outras pessoas — e parece que com muito mais razão — lamentassem por sua vez: — “Que infância desamparada...”. Depois de ler a opinião da crítica, um dos jovens — parece que Mario Gruber Correia — e falou entre desalentado e convicto: — “mas vocês não acham que chega de destruição?”. Queria referir-se provavelmente ao período da pintura que alguém chamou “período de crise de lealdade”. A exclamação do jovem Mario Gruber Correia revela bem o que passa

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no íntimo desses jovens: querem “construir” (não confundir-se com a apresenta ção de “algo novo” dos que consideram que a “única realidade” é seu próprio “eu”). Estes são justamente os que mais se apegam aos ensinamentos de alguns tantos mestres, seguindo suas “descobertas” puramente técnicas. Convertem-se em verdadeiros mendigos no que respeita a ideias, ao passo que os que desejam “construir” apenas não sabem como.Dito isto, passemos a falar de Flavio Ciro Ta naka e outros jovens pintores da Galeria “Prestes Maia”. Tanaka é um enamorado da cor, embora algumas de suas telas se mostrem um tanto sujas. Preocupado com o anedotário da vida cotidiana, revela-se mais minucioso no estudo de cer tas naturezas mortas (Peixes), embora a paleta e cores sejam as mesmas.Huguet te Israel consegue belos efeitos com algumas de suas flores, principalmente na quelas mais frias e claras. Já participou de diversas exposições coletivas e muito pouco tem progredido. Jorge Mori apresenta alguns trabalhos já expostos (entre os quais o ótimo “Largo de Pinheiros”) e algumas experiências. Nestas não é feliz, e pode-se dizer que a única tela que se salva é a que representa uma massa de arranha-céus.Lothar Charoux não é propriamente um dos jovens, nem pela idade nem pelo que nos dá de pintura. Comparável a Maria Leontina Franco, é um dos que expõe maior número de telas, onde repassa cubismo e post-impressionismo. Maria Leontina Franco enveredou definitivamente por um rumo. Tem bons retra tos, compõe bem e sua pintura não foge a um certo decorativismo. Luiz Andrea tini é um dos jovens que irá longe se “abandonar as más companhias”. Algumas de suas telas revelam audácia e noção de equilíbrio, embora também mostrem premeditação. Tem um trabalho de frutas em que joga muito bem com os com plementares. Seu companheiro Luiz Sacilotto só nos apresentou alguns de seus desenhos e gravuras. Uma de suas gravuras, representando uma mulher sentada, é muito boa. Pode-se dizer que ele, Araujo e Grassmann são os três melhores de senhistas da exposição. Sacilotto e Araujo mostram muitos pontos de semelhan ça. O mesmo já não acontece com Marcelo Grassmann, jovem muito brilhante como tivemos ocasião de dizer, mas que não se aprofunda na realidade das coi sas. Seus desenhos, traçados numa desenvoltura agradabilíssima, com o máximo de composição, poderiam apanhar mais o espírito dos personagens. Conseguido isso e Marcelo Grassmann será um grande artista. Parece que vai longe este jo vem. Quem consegue no entanto penetrar a profundidade dos personagens é seu companheiro Otávio Araujo, menos brilhante e no entanto mais seguro. Alguns au to-retratos, aquelas figuras modestas e simples estão a revelar o que poderá ser esse jovem patrício. Tem uma paisagem muito boa.Maria Helena, a menos jovem do grupo, é a única surrealista. Dois quadros relativamente bons (“Solidão” e “De sespero”) e o resto para fazer número.Mario Gruber começou na escultura e até hoje pinta como quem esculpe ou modela. Tem uma natureza morta muito boa.

Odetto Guersoni pinta mais ou menos parecido com Cesar Lacana. Consegue belos efeitos em alguns trabalhos e parece não querer sair da cópia da natureza, no que tem de mais simples.Vanda Godoi Moreira: aluna de Valdemar da Costa, simplesmente.Raul Muller Pereira é um jovem que parece já estar encontrando

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“seu caminho”. Embora nem todos os seus trabalhos agradem e muitos deles se jam apenas repetição de coisas feitas, é um dos de mais forte personalidade. Consegue apanhar o que há de proletário em certas paisagens urbanas em que aparecem muros de fábrica e chaminés cortando o céu ensanguentado.

Como se viu, parece que os 19 pintores constituem um conjunto de jovens que desejam construir a nova pintura no Brasil, mas não sabem como. Constituindo a arte também um coordenador do pensamento social, resta aos jovens artistas discernir qual é a mais poderosa entre as diversas tendências que se expressam em nossa superestrutura. Encontrando-a, terão encontrado seu caminho.

Como referenciar este documento:

MARTINS, Ibiapaba. A matéria não apresenta imagens. Correio Paulistano, São Paulo, 6 mai. 1947. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www. iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/474.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 28454

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Diário de Notícias

Local: Rio de Janeiro

Data: 21 de abril de 1976

Autor: Ruben Navarra

Imagem: A matéria apresenta um desenho de Marcelo Grass mann intitulado “Desenho” de 1945.

Título: São Paulo das Surpresas.

Crítica positiva de Rubem Navarra sobre a exposição “Os Quatro Novíssimos de São Paulo” (1946). O autor admite sua desconfiança inicial com a mostra organiza da por Carlos Scliar, mas logo reconhece a qualidade dos trabalhos apresentados pelos artistas Marcelo Grassmann, Luiz Andreatini, Luiz Sacilotto e Octávio Araújo. Além de entender esses novos trabalhos como as primeiras composições brasilei ras totalmente inspiradas no Expressionismo centro-europeu.

Eis um dos fenômenos mais estranhos nos anais da plástica brasileira contem porânea. Aconteceu em São Paulo, berço oficial da nossa arte não acadêmica. Confesso que me acho um pouco atordoado para bem olhar o caso. E a história de quatro rapazes paulistas, completamente desconhecidos, que o nosso amigo Carlos Scliar teve a ideia de lançar no Rio, embora todos eles tenham nascido de pois de 1920.

Quando fui informado desse projeto, fiquei bastante intrigado. Achei demais que Scliar, um artista ainda não maduro, andasse feito empresário de “novíssi mos”. Era melhor que fosse cuidar da vida dele, trabalhar mais e aparecer menos, pois aquilo me cheirava a mecenato e pedagogia. Scliar me falava do plano e eu resmungava. Primeiro, não acreditava que ele tivesse mesmo “descoberto” quatro preciosos talentos plásticos em princípio de floração. Enjoada mania de ser em presário, pensei eu. Depois, isso não era função para um artista de 25 anos, que ainda não dominava os seus meios e nem se decidia a entrar a sério na pintura de cavalete...

Agora tenho que mudar de opinião, quando nada em relação ao primeiro pon to. Mas a importância da “descoberta” por ele feita é tão evidente a meus olhos, que me sinto, desta vez, quase inclinado a perdoá-lo. Não só perdoar, como ainda agradecer. Ficamos-lhe devendo a revelação de uma experiência artística abso lutamente inesperada, e que jamais suspeitaríamos que estivesse tomando sua forma, silenciosamente.

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Será um fenômeno realmente tão inédito assim? A primeira abordagem, a im pressão é de completa surpresa. Ficamos meio irritados, e com alguma razão, à ideia levantada por aquele crítico inglês germanófobo, de que a pintura brasileira estava sofrendo demais a influência do expressionismo da Europa Central. Sim, senhor! O amável crítico tomara muito ao pé da letra a presença de alguns pin tores europeus refugiados na exposição brasileira de Londres. Uma circunstância de ocasião transformou-se para ele em episódio da história da arte.

Seria razoável falar na existência de um “expressionismo” brasileiro até então? Nossa memória não esquece que Segal é hoje cidadão brasileiro e vive em São Paulo há muitos anos. Sua arte, de origem expressionista, não pode deixar de ter influído no espírito dos pintores paulistas, tão afeiçoados aos temas sociais e ao sentido do drama interior. Mas em São Paulo mesmo, havia outros pioneiros au tóctones cultivando o mesmo espírito, sem nenhuma ligação direta ou indireta com a Europa Central. Pelo contrário, historicamente, as ligações internacionais (que palavra perigosa!...) do “modernismo”, como movimento organizado era com Paris e não com Berlim. As orgias modernistas tinham como modelo a gente de Cocteau e dos surrealistas. E quando, ainda hoje, o crítico Germain Bazin fala de “expressionismo” a propósito de Portinari, nem de longe lhe ocorre comprometê-lo com a Europa Central.

Portanto, podemos dizer que é praticamente pela primeira vez que aparece um grupo de artistas realizando uma arte conscientemente filiada ao espírito centro-europeu. Pensava que os quatro desenhistas de São Paulo tivessem visto a exposição dos alemães anti-nazistas na Askanazi. Mas o meu amigo diz que não, e ao mesmo tempo me dá informações seguras. Esses rapazes, com todo o fervor ortodoxo da primeira juventude, “descobriram” os expressionistas como outrora nossos poetas tuberculosos descobriram os românticos. E a eles se entregam sem nenhum medo. A esse entusiasmo, que transborda da pintura para as outras artes, inclusive a literatura, devemos opor apenas um pensamento de indulgência? Os nossos jovens amigos não merecem isso. Por mais juvenil que seja essa profissão de fé em seu entusiasmo, é impossível não levar a sério a tremenda força artística dessas dezenas de trabalhos gráficos. O talento desses rapazes autodidatas é quase escandaloso. Se o ímpeto não arrefece, a tradição parisiense das nossas influências está ameaçada de um chisma... Bom, não convém exagerar. O trópico ainda é poderoso. Mais centro-europeu de formação do que esses rapazes de so brenomes estrangeiros era o já citado Lasar Segall, e ficou manso como um cor deiro. Não faz mal que nessas floradas de primavera estejamos a ver, dançando entre as folhas, os espectros de Kokoschka. Ainda bem que não estamos assistin do a um plágio vulgar. A técnica do mestre foi admiravelmente assimilada. E não tenho nenhuma vergonha de me entusiasmar com a variedade e riqueza plástica de Grassmann (Marcelo), Audreattini (Luiz), Otávio e Sacilotto, e a sua compreen são dos recursos gráficos do expressionismo. Empregam esses recursos com uma habilidade feroz. E não se diga que é só o truque da técnica — aqueles traços analíticos serpenteando, vibrando, se desintegrando, se enroscando, se despren

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dendo como fagulhas — mas é também o admirável sentido de composição, que se mostram principalmente em Grassmann e Andreattini, sendo que o primeiro me parece o mais rico de temperamento e de técnica, pois é o único a fazer tentativa de desenho à maneira de gravura, e saí-se tão bem como no desenho puro. Enfim, não quero esquecer de observar a posição desse brasileiríssimo Otávio, racial mente falando, metido na voragem dessa fuga até os manes de Kokoshka. Esses paulistas...

Como referenciar este documento:

NAVARRA, Ruben. São Paulo das Surpresas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 21 abr. 1976. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbra sil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/28454.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 28464

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Diário da Noite

Local: São Paulo

Data: 23, 25 e 28 de abril de 1947

Autor: Quirino da Silva

Imagem: A matéria não apresenta imagens.

Título: “19 Pintores”, “19 Pintores” e o Ofício, II — “19 Pintores e Ofício”, III — “19 Pintores” e o Ofício.

Neste conjunto de quatro pequenos textos, o crítico Quirino da Silva deixa claro o seu descontentamento com os jovens artistas da exposição “19 pintores”, acusan do-os de apenas repetir o que lhes foi ensinado. Entendendo o ofício da pintura como a habilidade de traduzir plasticamente reflexões de nossa própria realida de, Quirino afirma que os trabalhos expostos não demonstram um entendimento sobre o problema pictórico, faltando nos novos artistas a liberdade e ousadia típi cos da mocidade.

“19 Pintores”

Deixemos por um instante as nossas considerações acerca do ofício na pintura para atender esta manifestação plástica dos dezenove pintores moços, que ora se exibem na “Galeria Prestes Maia”. Antes, porém, louvaremos o gesto — que é um exemplo — da União Cultural Brasil-Estados Unidos, dispensando todo o apoio possível a essa realização. Depois, só muito depois, falaremos detalhadamente sobre o valor pictórico de cada um desses moços. Agora, no entanto, nos limitare mos apenas a fazer uma rápida apreciação sobre a referida mostra, sem dela dar um preciso juízo crítico.

De um modo geral, os trabalhos desses moços ali expostos, se equivalem em valor de concepção e de técnica. E é também, de um modo geral, que constatamos que eles souberam muito bem repetir, com desassombrado desembarco, o que ouvi ram e o que viveram. Já é alguma coisa. Mas, infelizmente, não podemos assegu rar com a mesma certeza, se há nas suas manifestações plásticas ora expostas, uma compreensão mesmo vaga do problema pictórico. Por isso diz muito bem Geraldo Ferraz prefaciando o catálogo dessa mesma mostra; “Não há um esgo tamento na pesquisa plástica, nem os meios de expressão artística do Homem contemporâneo sofreram uma queda desvalorizadora, um empobrecimento, nos abismos pelos quais rodaram as nossas gerações. Não obstante todos os horro res, conservamos as mãos limpas para traçar no papel, na folha branca que nos sobra, os recados sentimentais, a comunicação poética, o desenho da esperança

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sonhada em nossa solidão”.

Moços, ouvi bem Geraldo Ferraz! Depois, lavai as vossas mãos e procurai uma folha branca, bem branca, de papel, e nela traçai “os recados sentimentais” de vossas almas moças e puras. Ou então desenhai ou pintai os vossos tormentos, os vossos sonhos, as vossas alegrias, sem vos lembrardes das pesquisas alheias. Sede moços e não queiras nunca jogar pela janela clara da esperança, a chave dourada da vossa liberdade. Sede moços.

“19 Pintores” e o Ofício

É ainda no âmbito das nossas ponderações acerca do ofício na pintura que va mos procurar analisar esses moços pintores que ora se exibem na Galeria “Prestes Maia”, sob o alto e simpático patrocínio da “União Cultural Brasil-Estados Unidos”. Seria clamorosa injustiça, negar talento a esses corajosos sonhadores, como tam bém, deixar passar um silêncio a sua exibição.

Como já acentuamos, não há em nenhum deles, aquele obstinado desejo de ter a segurança profissional que nos legaram os mestres pintores da gloriosa Renas cença Italiana. Falta, em suas obras, o afago, a ternura, a familiaridade. Enfim, aquela excelsa humildade impregnada pelo ofício, que as elevaria bem alto, mui to alto...Por isso, o desamor ou mesmo o propositado descaso que constatamos nos seus trabalhos, sublinha-lhes de maneira alarmante a falta de personalidade. Nas telas, por exemplo, deste moço que é Aldemir Martins, embora se lhe adivinhe o talento e mais a ânsia de nos contar as dolorosas cenas da vida do seu muito amado Nordeste, é flagrante a ausência do aprendizado. Essa ausência é frisante na monotonia do seu superficial colorido, nos gestos declamatórios das figuras, cujo desapaixonado desenho fácil, lembra, infelizmente, o de alguns dos nossos festejados pintores. Neste moço pintor, a literatice o exacerba; a deficiência técnica o enfraquece; mas, o talento o encoraja. É possível, pois, que Aldemir Martins vença os defeitos apontados e alcance o lugar destacado que merece na pintura nacional.

II — “19 Pintores e Ofício”

É incrível que sejam tão velhos esses dezenove pintores e como, pelo que expõem, fazem questão de aparecer. Quem os olhas de relance imagina, pela idade que apresentam, que devem saber tudo, e isto é, aliás, o que desejam sinceramente manifestar. Mas, na realidade, nada, absolutamente nada sabem. Ignoram tudo quanto do ofício deveriam saber; ignoram, também, que certas coisas da pintura não deveriam repetir. São uns velhos moços, estes dezenove pintores. A tal ponto envelheceram que já se não lhes pode dizer nada. E isso porque começaram por onde quase se deveriam terminar. São uma espécie de mata-borrão: absorvem sem refletir, sem saber porque. Nasceram velhos. Velhos da pior velhice, a velhi ce superficial, epidérmica, sem a necessária maceração da vida. Não atingem a essência. Por isso, as suas manifestações plásticas não têm substâncias. Estes

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moços pintores — convém repetir — são velhos, muito velhos, velhissímos. Essa se nectude pictórica está mais acentuada nos trabalhos de Vicente Marx.

III — “19 Pintores” e o Ofício

Quando se trata de analisar os atos e realizações da mocidade, qualquer afirma tiva é quase sempre apressada. Disso estamos certos.

Dentro de uma alma moça canta sempre, em ritmo apressado, o hino da liber dade. Por isso, o moço, geralmente, não olha para trás. O seu largo horizonte lhe exacerba o pensamento e ofusca-lhe a visão. Mas, a despeito de tudo isso, ele aprende; aprende muito na sua desenfreada marcha.

A mocidade não copia, porque a cópia é um cansaço do espírito. Por essa razão, qualquer julgamento da mocidade a que nos referimos, seria, convém repetir, um juízo apressado.

Infelizmente não vemos nesses “19 Pintores” os predicados inerentes a esta moci dade. Sabem tudo e tudo ignoram.

Este moço que é Cláudio Abramo, cujo inegável talento conhecemos de sobra, não quer perder tempo com o aprendizado; despreza-o, como o provam os seus desenhos. Na obra deste jovem ora exposta, há uma imperdoável malícia que lhe empana o talento e evidencia a sua dissimulação. É Claudio Abramo, enfim, digno companheiro de Antonio Marx. Donos que são de inacreditável habilidade, lá vão pela vida afora saltando por cima das indispensáveis etapas do aprendizado. E, como paraquedistas, caem ora sobre um mestre de pintura clássica, ora sobre outro da pintura moderna, sem ao menos se preocuparem com esconder a incon tida ânsia que têm do sucesso imediato. Que moços apressados!

O primeiro dorme candidamente sobre superfícies esbeltas que consegue tirar de desenhos a lápis ou a nanquim, que nada dizem. O segundo, entusiasma-se e se satisfaz a si próprio, com as largas e fáceis pinceladas que caracterizam os pintores afoitos. E assim, podemos dizer que os acompanham Erico Camerini, Eva Lieblich, Flavio, Ciro, Tanaka, Huguette Israel e os demais. Com talento, é claro, mas despersonalizados. Um deles apenas se destaca entre todos, mas para pior. Cha ma-se Jorge Mori, esse menino pintor que muito prometia e cuja última exposição individual, na “Galeria Itá”, chegou a nos entusiasmar. Infelizmente, os trabalhos que ele agora apresenta entre os “19” deixam muito a desejar.

Como referenciar este documento:

SILVA, Quirino da. “19 Pintores”; “19 Pintores” e o Ofício; II — “19 Pintores e Ofício”; III — “19 Pintores” e o Ofício. Diário da Noite, São Paulo, 23, 25, 28 abr. 1947. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/ iac/uploads/acervo/arquivos/28464.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 28455

Tipo de texto: Crítica

Veículo: A Manhã

Local: Rio de Janeiro

Data: 26 de abril de 1976

Autor: Sem autoria

Imagem: A matéria apresenta um desenho.

Título: Quatro “Novíssimos”, de São Paulo

A matéria, anônima, traz um comentário crítico sobre a exposição “Os Quatro No víssimos de São Paulo” realizada no Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro. Mesmo destacando os desenhos expostos, a crítica ainda assim conside ra que os trabalhos nada acrescentam ao movimento em que se inspiram. Elen ca Grassmann como o “mais expressionista” entre os quatro artistas e Andreatini como o “mais artista”, aquele que teria mais senso plástico. Ao lado há um peque no anexo explicando de forma sucinta o que foi o movimento Expressionista.

Com a exposição presente dos Quatro “Novíssimos”, de São Paulo, inicia o Ins tituto de Arquitetos do Brasil, em sua sala, uma série de certames, desde que está anunciada uma outra exposição, também de novos de São Paulo, para junho. Estes quatro que começam um intercâmbio cuja utilidade será supérfluo ressaltar têm assim o mérito de “batedores”, na via do maior conhecimento entre artistas plás ticos de São Paulo e do Rio, os dois centros onde a pintura e a escultura são mais intensamente cultivados no país.

Qual o valor desta exposição?

Tratando-se de estreantes, a resposta deve forçosamente, cingir-se às hipóte ses de arte apresentadas, desde que se trata de pessoas de curso normal no enca minhamento técnico e profissional da pintura. De fato, não se trata aqui de crian ças prodígio. Andreatini, Grassmann, Sacilotto, Octavio, nos mostram, com os seus quadros e principalmente com seus desenhos, algo de muito estudado, tanto que nem parecem mais ser alunos de pintura... A constatação não invalida certamente as esperanças que se levantam em torno destes quatro expositores, desconheci dos até agora, mesmo em São Paulo.

Entretanto, para gáudio dos que admiram a arte moderna 100%, os quatro jo vens expositores apresentam-se na primeira fila de sua geração. Inovadores? Cer tamente, não. Pertencem à vanguarda porque adotaram uma feição expressiva que não se pode definir como extremada, desde que o movimento de onde deriva já tenha encerrado o seu ciclo.

Andreatini, Octavio, Sacilotto e Grassmann são artistas “expressionistas”... pelo menos na classificação imediata que se lhes possa dar. Não se vê em nossa verifi

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cação qualquer censura. Os artistas podem e devem seguir os caminhos que melhor lhes seja indicado à sensibilidade. Neste pequeno time de jovens artistas, a grande escola derivada de Munch encontra por certo mais do que admiração. Entretan to, para cultivar as formas da escola é mais adequado o desenho de Grassmann, que até chega a fazer “pastiches” convincentes em que o seu expressionismo nada acrescenta à glória e à sabedoria dos mestres dessa corrente. Queremos frisar que é Grassmann o que mais brilha como expressionista, mas nem por isso, nos parece o mais artista dos jovens expositores. Este “mais artista” talvez seja Andreatini. Po der-se-ia mesmo determinar os graus de colocação, pelo exame e avaliação dos desenhos destes moços. Assim, Andreatini será o primeiro, Sacilotto o segundo, Oc tavio o terceiro, e Grassmann o quarto. A hierarquia que aqui fica é determinada apenas pela escala de sensível comunicação com que cada um dos jovens se nos apresentou... Não queremos nem de longe ferir a suscetibilidade destes. E o interes sante é constatar que o mais capaz para apresentar um aproveitamento “expres sionista”, Grassmann, tenha ficado por último, em nossa classificação. Repetimos que não somos contra o expressionismo, nem a favor. Mas nos parece, e é preciso usar de franqueza e de sinceridade, que Andreatini, mais distante, nos desenhos, do expressionismo, é o que possui mais senso plástico, principalmente revelado em certas naturezas-mortas (e repetimos que nos referimos ao desenho).

As experiências de óleo e têmpera dos quatro artistas são muito fracas para que se possa inferir algum valor próprio digno de menção.

Em todo o caso, a mostra interessa e a singularidade deste começo dos quatro “novíssimos” dá para que se pense em esperar, mais adiante, deles todos, alguma coisa de mais perdurável e importante, capaz de lhes revelar a personalidade.

Referindo-se na crônica muitas vezes à definição “expressionista” julgávamos necessário, para os que não se acham suficientemente informados acerca da es cola, uma referência mais definidora do que foi o expressionismo, na pintura. A es cola expressionista nasceu na Alemanha e é na Alemanha que ela mais se produ ziu, embora a Europa Central toda tenha concorrido para sua explosão...Por que se trata na verdade de uma explosão artística. Os “expressionistas”, dizem os seus críticos, “exclamam” sua comoção diante do mundo e da vida. Através de seu colo rido, de suas linhas, retorcidas ou em ângulos muito vivos, apresentam os assuntos e os objetos “em crise”. O expressionismo respondeu, logo depois da guerra, e mes mo durante o conflito mundial de 14-18, ao movimento francês dos “fauves”, ou seja, o “fauvismo”. São os principais representantes do expressionismo alemão: Hofer, Grosz, Nolde, Heckel, Pechstein, etc. Hitler considerou os “expressionistas” o marco mais avançado da “arte degenerada”.

Como referenciar este documento:

Quatro “Novíssimos”, de São Paulo. A Manhã, Rio de Janeiro, 26 abr. 1976. Acervo do Ins tituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/ static/iac/uploads/acervo/arquivos/28455.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 28467

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Correio Paulistano

Local: São Paulo

Data: 27 de abril de 1947

Autor: Ibiapaba Martins

Título: Dezenove jovens pintores em exposição na Galeria Pres tes Maia.

Texto de apresentação de Ibiapaba Martins sobre a exposição “19 Pintores”, de 1947. O crítico elogia os trabalhos dos jovens artistas mas ressalta que ainda lhes falta uma poética própria, acusando-os de imitar em demasia seus mestres. O recorte da matéria finaliza ressaltando a importância de uma reflexão própria diante da realidade. Tal reflexão ou “atitude emocional” deveria ser traduzida plasticamente nas telas, uma atitude que, segundo o autor, os jovens pintores ainda não exerce ram totalmente.

A União Cultural Brasil-Estados Unidos está patrocinando uma exposição de pinturas e desenhos de dezenove jovens artistas desta capital. O mais moço con ta quatorze anos; o mais velho não tem trinta; a maioria está com vinte e dois, vinte e cinco anos.

A mostra de arte é homogênea, bastante homogênea. Tirando-se uma ou duas exceções, todos os jovens pintores contam alguns trabalhos que merecem ser chamados muito bons. Já foi dito deles que têm talento de sobra, embora lhes falte personalidade. Isto parece ser devido um tanto à pequena experiência de quase todos e o mais à tendência de seguir as pegadas de “mestres” que já estão passando, já estão merecendo um lugar nos museus.

Causa pena ver alguns daqueles quase meninos procurando imitar o “mes tre” quando é mais do que certo terem muito mais personalidade (personalidade que não revelam porque está sendo contida pelo êxtase demonstrado diante dos mestres), mais sensibilidade e digamos mais vigor, mais explosão. O mal de muitos daqueles jovens parece ser um só: não querer pensar com a própria cabeça...

A arte é até certo ponto o coordenador do pensamento social; é um instru mento especial para captar a realidade. A ciência que trata de ser precisa e ob jetiva nos ajuda a prender a realidade por outros caminhos, mas o conhecimento científico é abstrato e nada diz à emoção humana.

Quando se trata de compreender algum aspecto da realidade, não basta sim plesmente ter um conceito intelectual dessa realidade: — é preciso mostrar uma atitude emocional. Esta atitude encontra sua expressão na estética. É possível

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saber algo dos flagelados nordestinos, através de informações obtidas na Secre taria da Agricultura mas convenhamos que se pode “sentir” o que sentem os fla gelados nordestinos, emocionar-se diante da grandeza de sua tragédia, olhan do-se para um quadro (o quadro no 6 do jovem Aldemir Martins) em que no centro de uma paisagem desolada aparecem duas crianças e um cão esquálidos, sujos, esfaimados, tristes.

Um conceito que sempre me agradou a respeito da arte é expresso por Lunat charski: “Quando as classes sociais criam seus sistemas legais, suas religiões, sua filosofia, sua moral e sua arte não dilapidam energia. Todas estas manifestações não são unicamente um mero reflexo da realidade em diferentes espelhos. Es tes mesmos reflexos convertem-se em forças sociais, em estandartes e gritos de guerra ao redor dos quais se agrupa uma classe social, com a ajuda dos quais combate seus inimigos e recruta seus agentes e vassalos”.

Tendo em conta isso, passemos a examinar rapidamente cada pintor, saben do de antemão que não iremos ter espaço e tempo (... é pena que a Exposição dos 19 Pintores fique aberta somente até o dia 5).

Aldemir Martins nasceu no dia 22 de novembro em Ingazeiro. Está há pouco tempo em São Paulo e portanto quase todos os seus trabalhos (exceto a experiên cia no 11 que parece não ter pretensões de sair do decorativismo).

Como referenciar este documento:

MARTINS, Ibiapaba. Dezenove jovens pintores em exposição na Galeria Prestes Maia. Correio Paulistano, São Paulo, 27 abr. 1947. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/ar quivos/28467.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 28456

Tipo de texto: Crítica

Veículo: O Jornal

Local: Rio de Janeiro

Data: 30 de abril de 1976

Autor: Geraldo Ferraz

Imagem: A matéria não apresenta imagens. Título: Os quatro novíssimos de São Paulo.

A maior parte do texto de Geraldo Ferraz aqui destacado traz uma série de refle xões sobre o movimento Expressionista alemão e o que significaria ter no Brasil artistas que dialogam com essa estética. Após algumas explicações sobre o mo vimento e seus desdobramentos, Ferraz conclui que Andreatini é o que mais se destaca dentre os quatro artistas. Mas finaliza afirmando que não interessa à arte brasileira associar-se diretamente com um movimento intrinsecamente alemão, dado que os contextos são evidentemente distintos.

O expressionismo teve uma época. Os nomes de Munch, Marc, Hofer, Grosz, Pe chstein, Otto Dix, Nolde, Kokoschka, e tantos outros, até o brasileiro de hoje, Lasar Segall, concorreram naquela notável jornada, só comparável em sua intensidade e profundidade aos “tempos heróicos” de começo do cubismo francês. Pode-se estabelecer uma escala entre a emulação alemã e francesa de renovação plás tica. “Der Expressionismus” é uma reação do espírito através das artes plásticas que se diluiam no post-impressionismo de Vuillard, ou, se quiser um exemplo que permanece até hoje no fragmentarismo luminoso de Bennard, o “fauvismo”. Como sempre, o marginalismo artístico é o sismógrafo que antecipava a catástrofe, 1914. No dizer recente de Jorge Romero Brest, André Lhote, escrevendo suas recorda ções de 1913, menciona os “tempos heroicos” que se seguiram ao aparecimento das ferocidades plásticas de 1905 a 1908. O expressionismo, porém, é a crise dolori da da derrota; é a divergência entre a sensibilidade alemã e o militarismo prussia no, os bigodes do Kaiser. Já se definiu o movimento como um consubstanciador de uma crise de emoção e de espírito. É o trauma na arte, do drama do homem alemão. Os poetas expressionistas cantariam em “revanche” a fraternidade hu mana, tendo à frente o tcheco Franz Werfel, de 1918, cujo canto se dirige ao mun do, ao negro, ao chinês, ao proletário. A pintura, porém, retorce a linha, esmiúça a sujeira do mundo, põe em relevo as podridões do homem. Olhai — é quase sempre a cena humana, a miséria, a doença, a degradação, tipicamente germânico, se é alemão teria tanto romantismo para alimentá-lo: e expressionismo é um enorme grito de exclamação no panorama das artes plásticas.

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Deixou todavia qualidades a se fundirem no conjunto — a fidelidade ao trágico da obra de Rouault é produto do expressionismo alemão até hoje. Porém Rouault...

No Instituto de Arquitetos do Brasil expõe agora “Quatro Novíssimos” de São Paulo, que são Octavio, Sacilotto, Grassmann, Andreatini e há grandes olhos ad mirativos, diante da identidade que eles têm com o expressionismo. Na verdade, começam daí.

Não há porque descobrir nisso uma personalidade artística, ainda, neles. O caso de Andreatini merecerá menção, mas, palavra, a bola vem alta demais. O tempo do expressionismo já passou.

Como referenciar este documento:

FERRAZ, Geraldo. Os quatro novíssimos de São Paulo. O Jornal, Rio de Janeiro, 30 abr. 1976. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbra sil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/28456.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Transcrições dos documentos selecionados para a curadoria do artista Sérvulo Esmeraldo

Curadoria e comentários críticos dos documentos: Samara Correia

Fonte de Pesquisa: Fundo Sérvulo Esmeraldo Instituto de Arte Contemporânea

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Nº de ordem: 12302

Tipo de texto: Notícia

Veículo: Jornal da Semana

Local: São Paulo

Data: 7 de setembro de 1975

Autor: Sem autoria. Assina no final do texto como LCA.

Título: Um exemplo da boa técnica, tão desprestigiada.

Em texto anônimo, são destacados os valores das obras de Sérvulo em exposição realizada em São Paulo. O elogio ao artista segue com foco em suas qualidades técnicas, em especial como gravador, não abordando as novas produções de Sér vulo que já atuava de forma consistente com esculturas.

O que fazer com o branco e o preto? Quem não aprendeu ainda esses ingre dientes tão corriqueiros, deve visitar imediatamente a individual de Sérvulo Esme raldo, em cartaz até o dia 13 no Gabinete de Artes Gráficas (Rua Haddock Lobo, 1568). Há duas séries de desenhos a primeira (Cr$ 3.500,00 cada) marcando o papel com apenas três recursos: relevos ondulantes, cuidadíssimos traços de nanquim, ou delicados sombreados a lápis. A associação com o perfil dos telhados tra dicionais da arquitetura brasileira é imediata. Mas, infelizmente, nem um pouco gratuita. A característica dominante é o despojamento - e aí vai outra lição para quem insiste em colocar o máximo de recursos num mínimo de espaço, pecado frequente de todas as artes desde final de século.

A segunda série (Cr$ 2.500,00 cada) é mais barata mas não de menor qualida de. O despojamento e o rigor no branco e preto continuam. Apenas as ondulan tes curvas são substituídas por um geometrismo de quadrados e diagonais, em experiências espaciais que destroem o bi-dimensionalismo do plano do desenho. E, mais notável, transformam em brincadeiras de crianças tudo aquilo que os se guidores de modismos tentaram aproveitar das ruínas da “op-art”. >

Como referenciar este documento:

Um exemplo da boa técnica, tão desprestigiada. Jornal da Semana, São Paulo, 7 set. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www. iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12302.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Sérvulo Esmeraldo, enfim, não contente com essa reavaliação (e re-valoriza ção) dos efeitos “op-art” apenas com desenhos, se preocupou também com os objetos tri-dimensionais. E, em esculturas e múltiplos (preços variáveis, a partir de Cr$ 600,00) esta provando que seu rigor gráfico não serve apenas para ser pen durado em paredes. Nas esculturas e múltiplos, o mesmo domínio da técnica, seja qual for o material, do plástico ao metal. A falta de domínio técnico, é sempre bom repetir, é uma das principais causas das frequentes “quedas do cavalo” de muita gente que se acha artista plástico. (LCA)

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Nº de ordem: 12305

Tipo de texto: Crítica/histórico

Veículo: Estado de São Paulo

Local: São Paulo

Data: 14 de setembro de 1975

Autor: João de Almada

Imagem: A matéria não apresenta imagens. Título: Sérvulo Esmeraldo, um grafista singular

O crítico João de Almada elogia as qualidades técnicas de Sérvulo Esmeraldo como gravador, contudo não traz grandes informações sobre as novas produções do artista, apontando o pouco interesse dos críticos de São Paulo no Sérvulo atua lizado, que retorna de Paris não apenas como gravador, mas também escultor.

Com todo o respeito pela advertência de L.Wittgenstein — “do que não se pode fazer, o melhor é calar-se” — seria imperdoável passar em silência a exposição de Sérvulo Esmeraldo no Gabinete de Artes Gráficas.

Sérvulo nasceu em 1929 no Engenho Bebida Nova, no Vale do Carity, cidade do Crato e fez seus primeiros estudos de desenho na Sociedade Cearense de Artes Plásticas. Algumas exposições no âmbito provincial, as primeiras menções honro sas e, em 1951, o salto para o desconhecido que era São Paulo, onde teve por mes tres Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi.

Logo se destacou pela nobreza de suas qualidades artesanais como gravador, enquanto garantia a subsistência fazendo ilustrações para a imprensa. Em 1957, de pois de ter exposto no Clube dos Artistas e no Museu de Arte Moderna, parte em di reção a Paris como bolsista do governo francês. Lá trabalha no atelier de Friedlaen der e cursa ao mesmo tempo a Escola de Belas Artes. Já era um nome consagrado, graças a suas experiências em xilogravura e metal, em litografia e monotipia. Mas o vazio que deixou também era de natureza afetiva: descendente de uma estirpe que deu nome a uma artéria do Funchal, na Ilha da Madeira, e nela tinha solar brasona do — a Rua dos Esmeraldos — o artista soube conquistar São Paulo com seu talento e também com aquela cordialidade natural do gentil-homem.

Neste intervalo de 18 anos, o homem não mudou — mas o artista transfigurou -se. Sua adesão aos valores simbólicos, já ensaiada nos últimos desenhos dele na fase paulista, é agora o encontro definitivo com uma sensibilidade voltada para a síntese sistemática das tensões que opõem o real à sua tradução geométrica e aritmética.

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Não há, contudo, que falar no caso de Sérvulo Esmeraldo em experiências ou intuições essenciais. É certo que toda obra de arte responde a uma experiência ou intuição de seu criador, mas a estética atual desistiu de procurar a coisa em si, sub jacente nos fenômenos artísticos. Era precisamente por isso que Wittgenstein fazia aquela saudável advertência, saudável ao menos a partir do momento em que Sartre disse que a obra de arte abstrata é análoga ao desconhecido.

Sérvulo é hoje um expoente internacional no campo das artes plásticas, um grafista quase único do nosso tempo. Tanto basta para que a exposição de seus 30 desenhos e 10 gravuras se torne obrigatória, mesmo porque seu regresso a Paris é uma penosa inevitabilidade.

Como referenciar este documento:

ALMADA, João de. Sérvulo Esmeraldo, um grafista singular. Estado de São Paulo, São Paulo. 14 set. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12305.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 12303

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Jornal da Tarde

Local: São Paulo

Data: 10 de setembro de 1975

Autor: Jacob Klintowitz

Imagem: A matéria apresenta uma obra tridimensional de Sérvu lo Esmeraldo.

Título: Esmeraldo, um geométrico fora do contexto.

O crítico Jacob Klintowitz faz a mais dura crítica, entre as selecionadas, à exposi ção de Sérvulo realizada em São Paulo. Klintowitz afirma que Sérvulo está fora de contexto e que as obras do artista podem ser consideradas apenas decorativas. A atitude de Klintowitz contrasta com a ideia de crítica propositiva que temos na atualidade.

Sérvulo Esmeraldo é um artista que pertence à enorme legião dos que, de al guma maneira, tentam continuar o caminho que o abstracionismo geométrico abriu para a arte contemporânea. Ausentes do contexto histórico e das necessi dades culturais que criaram a arte geométrica, eles repetem as fórmulas já agora vazias de conteúdo. São novos artistas acadêmicos.

Nessa atitude artística há muitos profissionais entre nós e muitos outros inter nacionalmente conhecidos. Sérvulo Esmeraldo (Gabinete de Artes Gráficas, Ha ddock Lobo, 568) é um brasileiro com experiência de trabalho na Europa que, ao invés de aprimorar suas tendências ou potencialidades, terminou por se deixar seduzir pelo que de mais brilhante (aparentemente) têm as civilizações antigas: as técnicas.

Não é o primeiro caso. Há alguns anos, chegou ao Brasil um jovem artista, João Carlos Galvão, que trabalhara, entre outros, ateliers, no de Vassarely. Até hoje, João Carlos Galvão repete velhas formas esvaziadas de conteúdo cultural,

Como referenciar este documento:

KLINTOWITZ, Jacob. Esmeraldo, um geométrico fora do contexto. Jornal da Tarde, São Paulo. 10 set. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12303.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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numa pobre academia que decepcionou aos que esperavam muito de seu talen to. Sérvulo Esmeraldo trabalha com relevo seco, geometria e um decorativo jogo de linhas. É uma mostra desprovida de vitalidade, perdida numa pretensa sen sibilidade refinada. Inteiramente envolvida nessa pequena sensibilidade, nessa ausência de vitalidade, as gravuras, desenhos e múltiplos do artista, limitam-se à uma possível função decorativa em algum recinto de convencional e asséptico bom gosto.

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Nº de ordem: 12304

Tipo de texto: Notícia/Perfil

Veículo: Revista Veja

Local: São Paulo

Data: 17 de setembro de 1975

Autor: Sem autoria.

Título: Auto-exílio. Um desenho de Sérvulo Esmeraldo: como um serrote muito usado.

Publicado na Revista Veja, o perfil escrito sobre Sérvulo Esmeraldo tenta atrair a atenção dos leitores para exposição por meio de curiosidades sobre o artista. Ga nham destaque fatos sobre como Esmeraldo criou os excitáveis, objetos cinéticos, e a longa estadia do artista em Paris. O texto tem foco em apresentar o artista para o grande público.

Há nove anos, quando passava em frente a uma loja de ferragens na rua Oberkampf, em Paris (cidade que desde 1957 adotou como sua), o cearense Sérvu lo Esmeraldo teve sua atenção despertada por um pequeno objeto. Feito de aço inoxidável, compunha-se de duas metades simétricas e encaixáveis, com 8 centí metros de altura cada uma, e era empregado na indústria como calha para fre sagem mecânica. O que lhe interessou, contudo, foi o contorno sinuoso de um dos lados da pecinha, semelhante a um serrote muito usado e intimamente ligado às formas que Esmeraldo - um artista plástico de carreira já assentada, pertencente à área da abstração geométrica - vinha então pesquisando. Imediatamente ele adquiriu cinco exemplares, levou-os para casa, poliu-os, retrabalhou e transfor mou numa espécie de múltiplo, editado em 1967 em Paris.

Curiosamente, o ciclo iniciado naquele encontro casual só nos últimos dias se fechou. Expondo em São Paulo, no Gabinete de Artes Gráficas, Esmeraldo, 46 anos, apresenta trinta desenhos nascidos diretamente da forma de seu último múltiplo, integrantes de uma série unitária e completa.

Varetas métalicas - Ausente do Brasil desde 1957, excetuando eventuais visitas esporádicas (a última há oito anos), Esmeraldo talvez seja hoje um artista mais conhecido na Europa que em sua pátria. Integra o restrito rol dos brasileiros que conseguiram efetivamente um sucesso comercial internacional, como o escultor Sérgio Camargo e o gravador Artur Luís Piza. Também como eles, foi obrigado a um espécie de auto-exílio que lhe assegura permanente contato com os centros que consomem sua produção. “Teria vontade de voltar”, confessa o artista. “Mas por enquanto não dá. Estou implantado no mercado lá fora e, se eu sair, o pessoal me esquece.”

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De qualquer forma, para Esmeraldo, “o exílio tem sempre um lado estéril. Você não é francês e vai deixando de ficar brasileiro. No fim, não é coisa nenhuma”. Mas há também seus aspectos compensadores. Casado com uma francesa, pai de duas filhas, Esmeraldo desfruta, em Paris, de condições de produção pouco frequentes no Brasil. Mora em uma mansão estilo Napoleão III nos arredores da cidade (“Cujo aquecimento me custa os olhos da cara”), trabalha em dois imen sos ateliers, dispõe de editores para suas gravuras e múltiplos, e recebe muitas encomendas e solicitações de diversos países. Após este intervalo brasileiro, por exemplo (com duração prevista até outubro), realizará em Gotemburgo, na Sué cia, a maior de suas exposições até o momento: cinquenta desenhos e cinquenta esculturas.

Além do desenho e do múltiplo (do qual há exemplos na atual exposição), Es meraldo tem-se dedicado igualmente a quadros-objetos, que ele denomina “ex citáveis” e nos quais a participação do público é essencial. Ao tocar superfícies de plexiglas e varetas metálicas, o espectador provoca o surgimento de eletricidade estática capaz de colocar o quadro em movimento. “Os excitáveis são, no mo mento, o que mais me interessa como criador. Nesse sentido sou ainda absoluta mente brasileiro. Faço em arte aquilo que me dá mais prazer e diversão.”

Como referenciar este documento:

Auto-exílio. Um desenho de Sérvulo Esmeraldo: como um serrote muito usado. Revis ta Veja, São Paulo, 17 set. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12304. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 12628

Tipo de texto: Entrevista

Veículo: Correio Braziliense

Local: Brasília

Data: 11 de outubro de 1975

Autor: Hugo Auler

Título: A arte consciente e programada de Sérvulo Esmeraldo

Com exposição individual em Brasília, Sérvulo Esmeraldo teve finalmente a opor tunidade de participar de uma grande entrevista. O crítico Hugo Auler, do jornal Correio Braziliense, deu ao artista a oportunidade de apresentar o próprio ponto de vista sobre o mercado de arte brasileiro, sua produção e temas relativos à arte, apontando as contradições com o que foi apresentado pela crítica de São Paulo.

Sérvulo Esmeraldo está em Brasília. E apresenta, pela primeira vez nesta ci dade, uma exposição individual de esculturas e desenhos de pura composição, aberta ao público no mezanino do Hotel Nacional. Na hora presente, radicado em Paris, Sérvulo Esmeraldo, além de ser um dos altos valores da arte brasileira contemporânea, é um dos raríssimos artistas pátrios que alcançaram projeção internacional. Essa posição talvez resulte de seu sério comportamento de artista criador que, através de sucessivas pesquisas, procura encontrar os meios mais adequados para a comunicação de suas formas de expressão, quando, então, atinge certeiras soluções para a concretização de criações existentes na imagé tica de seu universo interior.

Com efeito, na gravura em madeira e, posteriormente, na gravura em metal, a sua arte e a sua técnica assumiram um nível técnico tão alto que lhe conferiram uma posição de relevo no panorama de arte gráfica internacional. Mas, domina do pela inquietação dirigida no sentido de encontrar outras formas de expres são, assumiu o risco de abandonar a gravura, pelo menos episodicamente, para consagrar-se à escultura modelada e fundida em poliéster, criando múltiplos, ao desenho programado de pura composição e aos quadros-objetos com aplica ção de princípios da eletricidade estática, realizando uma arte de participação, eis que o seu possuidor, impondo descargas eletrostáticas a todos os elementos, lhes dá uma dinâmica física, protraindo no tempo-espaço a obra de arte de sua criação.

Tomada em sua mais ampla e genérica acepção a corrente estética do abs tracionismo, poder-se-ia dizer que, não tendo quaisquer conotações com a ima gética real do mundo natural, a sua arte deveria estar incluída na abstração geo

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metral. Mas Sérvulo Esmeraldo, posto confesse estar filiado ao construtivismo e, mais precisamente, ao concretismo, nega, e bem, que a sua arte esteja compreen dida no abstracionismo. Aliás, a seu favor, tem a tese sustentada por Marcel Brion, que já se revoltara contra as etiquetas tradicionais, afirmando que o vocabulário estético não se deu conta de quanto há de inflexível, de equívoco e de limitativo no elenco de suas classificações, bem como Theo van Doesburg, que, ao recusar o título “abstração”, afirmou peremptoriamente: “Pintura concreta, e não abstrata, porque não há mais concreto que uma linha, uma superfície, uma cor. E a concre tização do espírito criador”.

E aí está a arte concreta de Sérvulo Esmeraldo. Uma arte consciente, pen sada, refletida, programada, dominada pelo princípio da idéia-ordem, tal como quer Max Bill: A arte é paragonável à invenção: invenção de meios de expressão: é neste sentido que a arte pressupõe a originalidade do pensamento, do tema e da forma: e para acesso a esse tipo de originalidade, há somente duas vias: a via individual, que encontra sua fonte no estado da alma do criador, e a via geral, que se apoia sobre a experiência, sobre as possibilidades objetivas da criação.

Por todos esses motivos é que está a impor-se uma visita à exposição de Sér vulo Esmeraldo, com quem mantive este diálogo a título de introdução à sua obra gráfica, escultural e objetual:

— Não ignoramos nenhum de nós que as revoluções estéticas, em todos os tempos, jamais extrapolaram as categorias artísticas tradicionais, como sejam a escultura, a pintura, o desenho e a gravura. Todavia, nas últimas décadas do Século XX, surgiram novas manifestações que escapam àquelas etiquetas, o que levou Marcel Brion a afirmar que a noção de obra de arte e de criação artística está posta em questão, exigindo novas categorias, acentuando tratar-se mais de um problema filosófico do que propriamente de uma problemática de vocabulá rio estético. Nessas condições, como você definiria, hoje em dia, a obra de arte e a criação artística?

— Eu penso que a evolução da arte em geral, e da arte plástica em particular, acompanhou o ritmo evolutivo natural, tanto do pensamento como da tecnolo gia. Se a arte se desenvolveu tão rapidamente, aliás, não tão rapidamente para meu gosto pessoal, foi devido ao grande progresso ocorrido em todos os setores de atividade da vida humana. Todavia, há uma coisa que deverá ser assinalada: em geral, o que evoluiu maisceleremente na arte foi o pensamento da arte, a sua parte conceitual, ou seja, o conceito da arte, evolução que não foi acompanhada pela execução da obra de arte dentro dos parâmetros daquele conceito. Assim, a dificuldade no encontro de uma perfeita definição de obra de arte vem um pouco da ausência daquele paralelismo. E que os parâmetros do conceito de arte estão na frente de sua realização e na da maioria dos artistas e muito mais na frente do

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público. Entretanto, tenho a impressão de que, na hora presente, a definição de obra de arte é a mesma de três décadas passadas. O que mudou foi, talvez, a pe netração da obra de arte no grande público, com a invenção de novos acessórios pela moderna sociedade tecnológica e industrial: a

implantação da televisão e do audiovisual, os jornais e revistas com ilustra ções em preto e branco e em cor, tudo isso despertou no público um maior inte resse pela imagem, o que não ocorria há trinta anos atrás. A imagem passou a ser mais usada como meio de comunicação. E houve, também, um acesso mais fácil do público médio para o que se denomina na França de civilização de loisir, con tribuindo para que a obra de arte passasse a ter mais profunda penetração. Por estas razões considero válidas todas as manifestações de avant-garde: da arte objetual, da arte conceitual, da videoarte e até mesmo da body-art. Toda expres são de arte é obra de arte. Tudo aquilo que o artista faz com a intenção de fazer obra de arte, mesmo que o público não aceite imediatamente, é obra de arte.

— Em consequência, onde situa a sua arte, tomando em seu sentido genérico, a corrente estética do abstracionismo?

— Eu não me situo como abstracionista. Sou mais um construtivista ou melhor, sinto-me mais como um concretista. De qualquer maneira, devo confessar não estar muito de acordo com esse pensamento que, para mim, é muito limitativo. Por princípio, sou contra esse tipo de lógica. Acho que a arte é sobretudo uma coisa instintiva: assim, nós, artistas, sempre nos interrogamos a posteriori. A nossa arte poderá sofrer classificações: mas a classificação não será mais do que uma ca talogação. Quando digo que me sinto mais concretista é porque a minha maneira de pensar se enquadra mais nessa linha. Porém, se quiserem catalogar-me como abstrato, paramim isso não tem a mínima importância. A meu ver, seria um erro. E como se alguém quisesse classificar uma formiga na categoria de aranha: nem por isso ela deixaria de ser formiga.

— Tenho para mim que, em arte, todo e qualquer artista é sempre filho de al guém. E, consequentemente, não poderá haver artista que seja fruto de geração espontânea. Partindo desse princípio, poderia dizer quais os artistas que mais in fluenciaram na formação de seu estilo, de sua linguagem plástica?

— Exatamente. E, desde logo, eu me reclamo de maneira mais incisiva da obra de Paul Klee, que teve sobre mim uma importância muito grande, não na forma de fazer, mas na forma de pensar, que aliás, influi até hoje em meu trabalho. E deverei citar, também, Piet Mondrian, que me emocionou profundamente.

— Haja vista ao rigor geométrico de todas as suas composições, tanto na gra vura e no desenho, como no quadro-objeto e na escultura.

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— Sim. Mas um rigor revestido de liberdade e, portanto, com uma certa fanta sia.

— Considera, então, que em sua obra não há qualquer intenção de represen tação objetual, qualquer sugestão de imagens existentes no mundo natural?

— Realmente. A minha obra poderá ser classificada através da seguinte evolu ção: eu fui gravador, quase que essencialmente gravador, durante muitos anos: há uma década, aproximadamente, abandonei esse gênero de arte gráfica, passan do a fazer desenhos programados, esculturas e quadros-objetos, aos quais dei a denominação de excitáveis, visto como são baseados na eletricidade estática. Quadros para os quais a presença do observador é fundamental. Porque as car gas eletrostáticas geradas pelas fricção das mãos do contemplador participam da estrutura dinâmica dessas obras. Opera-se, então; um movimento físico e não puramenteespiritual. Pois bem. Em qualquer uma dessas manifestações, jamais tive a intenção de fazer com que as formas, em seu equilíbrio, em sua justaposi ção, em sua organização, pudessem sugerir qualquer imagem física do mundo exterior.

— Nessa altura, somos obrigados a voltar aos seus quadros-objetos a fim de que você revele as pesquisas que o levaram a recorrer à eletricidade estática. Como ocorreu esta solução?— Essa pergunta é muito boa e a resposta vale a pena ser contada neste diálogo, dado que se trata de um fato mais ou menos histórico de meu trabalho. Eu estava fazendo um livro que se chama Trois poè mes aimés.Um livro com três poemas-objetos. Um deles era um poema musical de Rimbaud: o outro era L’Adieu, de Apollinaire, e o último, Anunciação, de Vinicius de Moraes. Eu já havia obtido soluções para os dois primeiros poemas. E procurava uma solução para o de Vinicius de Moraes. Em dado momento, fiquei preso à ima gem poética, na qual a moça conta que foi para o jardim e, quando estava dor mindo, um anjo esparzia sobre o seu corpo pétalas de rosa. E comecei a imaginar uma solução que permitisse dar a impressão de pétalas de rosa tombando sobre o poema. Pensei longamente e cheguei à conclusão da possibilidade do empre go da eletricidade estática. O poema estava escrito no fundo de uma caixa com tampa de acrílico transparente. Em seu interior, foram depositados pequenos pe daços de papel vermelho. Friccionando com a mão a superfície de plexiglass, os pedaços de folha de papel subiam e ficavam colados na parte interna da tampa e, depois, iam caindo pouco a pouco à medida em que desapareciam os efeitos das descargas eletrostáticas, produzidas pela fricção de minhas mãos. Foi o meu primeiro excitable, o qual teve o mérito de demonstrar como o poeta pode ser catalisador para uma fase da obra de um artista criador. Um dia, mostrando esse poema-objeto a um editor francês, perguntou-me se eu não tinha a intenção de criar e executar quadros-objetos desse gênero, aplicando os mesmos princípios

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eletrostáticos, adiantando desde logo que teria interesse em fazer o lançamento. E foi assim que iniciei a criação e a execução dos excitáveis, os quais, inicialmen te, foram de difícil elaboração, visto que, por vezes, não funcionavam por razões estranhas. A eletricidade estática é uma coisa muito misteriosa. Mas quis desven dar seus mistérios. Procurei amigos do Instituto de Pesquisa Atômica nas Universi dades. E nessa pesquisa, descobri que ninguém conhecia a fundo a eletricidade estática, o que se justifica pois há dez anos era coisa pouco usada, tanto assim que somente agora está tendo empregos práticos. Então, tive que descobrir expe rimentalmente, lendo, também, livros antigos pois soubera que, no Século XIX, no começo da eletricidade, havia um certo fascínio pela eletricidade estática, então chamada la physique amusant (a física recreativa). Frequentei a Biblioteca Na cional de Paris, debrucei-me sobre velhos livros especializados, copiei uma série de observações dos cientistas daquela época, utilizando-as e desenvolvendo-as para aplicar os princípios da eletricidade estática na construção dos meus qua dros-objetos. Hoje em dia, já cataloguei determinados princípios, o que não me obriga mais, como fazia antigamente, a pesar e a testar cada um dos elementos pois o emprego errôneo de um simples pigmento pode alterar todo o funciona mento da obra, como, também, a distância em que eles se encontram no fundo, a posição do quadro-objeto na parede ou fora dela podem modificar o comporta mento. E a evidenciação de um fenômeno quase sem intenção estética.

— E como é desenvolvido o processo de criação e de execução de suas escul turas?

— Eu utilizo formas muito simples, nas quais crio acidentes e ponho linhas que servem tanto a mim como ao observador, para evidenciar, também, esses aciden tes nas superfícies dos volumes que eu concebo ao estruturar as minhas obras. Tal como ocorre com os quadros-objetos, as esculturas são colocadas, também, quase sem aquela intenção estética. Representam uma evidência.

— Quer dizer, então que sua arte não é de forma alguma o resultado de uma explosão do inconsciente, reservado ao consciente o papel de comandar a exe cução. O consciente gera a ideia e programa a execução?

— Certo. É uma arte consciente, pensada, refletida, programada. Inclusive, por exemplo, os meus desenhos que estão sendo apresentados Brasília. A série está desfalcada em virtude das mostras realizadas anteriormente em Fortaleza e em São Paulo. Trata-se de uma coleção de 32 desenhos de pura composição, obedecendo rigorosamente a um programa: 2 formas geométricas que são aco pladas de duas maneiras diferentes. Esse programa não foi desenvolvido com o computador, o que ocorreu com outra programação, que executei anos atrás, na qual fiz 180 variações com um conjunto de 4 formas. Na presente exposição temos sempre 2 formas justapostas e realçadas com um pouco de lápis. Essas foram

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as obras que trouxe para o Brasil. Duas séries de desenhos de pura composição: uma baseada em 2 formas, acopladas de maneiras diferentes, e outra formada por 3 pequenos quadrados reunidos por 1 vértice: dentro e fora desses quadrados, determino, movimento e crio espaços, tanto no interior como no exterior das três formas.

— Você abandonou completamente a gravura em metal?

— Completamente, não. Creio que provisoriamente. Com meu temperamento, não posso ser exclusivamente gravador. Além da gravura, sinto necessidade de ter nos desenhos programados, nos quadros-objetos, que são os excitáveis, e nas esculturas, outras tantas formas de expressão. Considero a gravuramuito interes sante mas muito limitada para mim. Ademais, ela absorvia todo meu tempo, não me permitindo dedicar-me a outras coisas no campo das artes visuais. Estava li gado a casas de edições, o que me obrigava a fazer trinta gravuras anualmente. Um dia, decidi abandonar a gravura. Evidentemente, foi muito difícil porque esse gênero de arte gráfica me assegurava uma renda fixa muito importante. A gravu ra é muito bem paga pelos editores e muito bem vendida na Europa. E assim, dei xava uma coisa certa por uma coisa aleatória. Era conhecido e aceito largamente como gravador, e entrava no mundo das artes plásticas, percorrendo novos ca minhos, fazendo quadros-objetos, esculturas e desenhos de pura composição.

— Mas, tendo vencido essa mudança de comportamento como artista criador, você se encontra igualmente em qualquer uma daquelas formas de expressão?

— Encontro-me muito bem. No momento, estou muito satisfeito comigo mesmo visto como tudo quanto faço me interessa, me diverte, me inquieta e me tranqui liza. Dá-me paz. Tenho a impressão de que este é o problema de todo e qualquer artista criador: enquanto a coisa diverte, inquieta e tranquiliza, ele procura man ter-se em determinada forma de expressão. E somente irá abandoná-la quando ela deixar de se divertir, de interessar, de inquietar e de tranquilizar.

— Radicado há longo tempo em Paris, realizando exposições na França, na Suiça, e na Itália, poderia dizer quais os artistas brasileiros que têm projeção in ternacional?

— Eu, Toledo Piza, Sergio Camargo, Frans Krajcberg e Flavio Shiro, porque todos nós vivemos na Europa.

— Como explica o fato de, não obstante o Brasil ter grandes artistas que dificil mente obteriam posição no mercado de obras de arte do exterior, somente vocês têm essa projeção internacional?

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— Não é a opinião de um especialista. É tão somente a minha opinião pessoal. Tenho a impressão de que o fenômeno poderá ter a seguinte explicação: Para que um país, enquanto nação, possa ter um lugar determinado e determinante no con ceito da arte em sentido universal, é necessário que contribua com uma “escola”, como é o caso dos Estados Unidos da América do Norte, que contribuíram com a pop - art, o hiper realismo e a arte conceitual. Então, eles exportaram alguma coisa de novo, de inédito, de consistente. E nós, sob esse ângulo, não demos ainda qualquer contribuição desse tipo. A nossa contribuição é a título individual. Nós temos artistas seríssimos, consideráveis, mas todos eles agem individualmente. Até hoje, o Brasil não contribui com uma “escola”, um fenômeno artístico daquele tipo, destinado a influenciar de maneira marcante a arte atual. No dia em que o nosso país exportar um movimento dessa natureza, como exportou sua música popular, então haverá para nossos artistas aquela projeção internacional. E vou dar um exemplo. Quando cheguei à França, ninguém conhecia a música popular brasileira. O europeu era incapaz de dizer o nome de um cantor ou de um compo sitor brasileiro. De repente, o Brasil exporta a “bossa nova”, que foi um movimento importante no âmbito musical. Hoje em dia, o mundo europeu conhece Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda e outros mais. O público europeu já se familiarizou com suas criações e não mais os associa à nacionalidade. Isto é muito importante. A partir do momento em que a pessoa não é mais associada à respectiva nacionalidade, ela é associada ao movimento. E o artista está implan tado internacionalmente.

— Qual a sua opinião acerca da arte brasileira contemporânea a partir dessas últimas décadas?

— Para mim, que estou vindo da Europa, há duas constatações principais: 1º.) O mecanismo de distribuição de obras de arte no Brasil, que antigamente era inexis tente, está atualmente recebendo uma perfeita estrutura, pois já temos galerias e marchands de categorias. 2º.) A criação artística em nosso país estáapresen tando artistas de alta envergadura, de grande valor. Em São Paulo, por exemplo, onde acabo de passar alguns dias, vi três ou quatro exposições de primeiríssima qualidade, as quais fariam figura em qualquer galeria do mundo de nossos dias. Alias, nao estive no Rio de Janeiro, mas sei que, nessa cidade, há, também, artistas de raro valor, que obteriam êxito em qualquer lugar da Europa, o que, muitas ve zes, não implica em sucesso comercial, pois esse último fica a depender da forma pela qual são feitos os lançamentos, permitindo maior ou menor penetração.

— Finalmente, onde vem realizando exposições na Europa?

— Eu exponho pouco na França, não obstante estar plenamente integrado em seus círculos artísticos, por isso que em Paris são raras as galerias que trabalham com obras da corrente a que estou filiado. O maior número das minhas exposi

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ções está na Itália e na Suíça. Agora, vou realizar a primeira mostra individual de meus trabalhos na Suécia. Apresentando poucas esculturas, pois trouxe quase todas para o Brasil, duas séries de desenhos programados e quadrados-objetos. Trata-se de um convite que me foi formulado pela direção artística da Galeria Elizabeth Haeger, de Gotemburgo, uma exposição que, possivelmente, será apre sentada no Museu deMalmo, no norte da Suécia.

Como referenciar este documento:

AULER, Hugo. A arte consciente e programada de Sérvulo Esmeraldo. Correio Bra ziliense, Brasília. 11 out. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12628. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 12670

Tipo de texto: Coluna social

Veículo: Correio Braziliense

Local: Brasília

Data: 12 de outubro de 1975

Autor: Gilberto Amaral

Imagem: Não contém imagens

Título: Queijos e Vinhos

A coluna social traz outro aspecto da passagem de Sérvulo por Brasília, destacan do o artista como personalidade e apontando a importância social que foi dada a sua passagem pela capital federal.

O meu amigo jornalista ARI CUNHA e dona LOURDES reuniram um grupo de amigos em seu apartamento para uma noite de queijos e vinhos das melhores qualidades e apresentar o famoso pintor cearense, há 18 anos radicado em Pa ris. SÉRVULO ESMERALDO. Sobre a mesa, uma grande quantidade de “fromages” e num cantinho, o legítimo provolone, fabricado em São Sebastião do Paraíso e quem tem no ARI um grande admirador. Bisnagas com mais de metro foram di geridas com os deliciosos queijos e vinhos e num pratinho botões de palmas que eram colocados nos pratos, num toque delicado daqueles que sabem receber bem. Nesta noite “internacional” cearense estavam presentes o senador JOÃO CALMON; o jornalista EDILSON CID VARELA (mostrando o seu “hobby” que é tocar piano) e dona NITA; o chefe do Gabinete Civil do Governador, JORGE DA MOTA E SILVA (entusiasmado com o turismo e recém chegado dos Estados Unidos) e dona SHYRLEI; deputado FLÁVIO MARCÍLIO e senhora; ministro JORGE RIBEIRO e dona LUCIANA; os jornalistas HUGO AULER e senhora e JOSÉ HELDER DE SOUZA; o profes sor CANUTO MENDES DE ALMEIDA, da sociedade paulistana e ex-Procurador Geral

Como referenciar este documento:

AMARAL, Gilberto. Queijos e Vinhos. Correio Braziliense, Brasília. 12 out. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acer voiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12670.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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da República num dos Governos desta República; e os advogados LUIS CARLOS BETIOL e PEDRO HENRIQUE TEIXEIRA. Quem também deu um show de piano foi o professor CANUTO que contou a este cronista que sua bonita mulher IDALI, está cursando o segundo ano de direito na universidade Mackenzie de São Paulo, SÉR VULO ESMERALDO, que podemos denominar “um pintor do mundo”, pois expõe nas maiores capitais da Europa, está mostrando seus trabalhos no “mezanino” do Ho tel Nacional.

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Nº de ordem: 12423

Tipo de texto: Perfil

Veículo: Estado de Minas Local: Belo Horizonte

Data: 1º de agosto de 1976

Autor: Celma Alvim

Imagem: A matéria apresenta duas fotografias contendo obras de Sérvulo Esmeraldo no espaço expositivo.

Título: Sérvulo Esmeraldo: itinerário de um artista

A crítica Celma Alvim traz um perfil detalhado da vida e carreira de Sérvulo Esme raldo, citando artistas de referência, escolas frequentadas e o percurso que levou Esmeraldo do Crato à Paris.

Não há, por certo, uma data-limite para o começo do envolvimento de Sérvu lo Esmeraldo com as artes plásticas. O começo foi o próprio brinquedo, naquele engenho do Ceará. Mas, foi por volta de 1945 que o artista começou realmente a definir-se, impondo-se uma certa disciplina e ordem de trabalho. Sozinho, no Crato, carecia totalmente de informações. Poucos livros, descobertos na bibliote ca pública local, forneceram-lhe os primeiros subsídios. Depois, um incidente de percurso, fez com que deixasse o colégio onde estudava, em sua terra natal e se fixasse em Fortaleza.

Nesse tempo, introduziu-se na Associação Cearense de Artes Plásticas, grupo formado por Inimá de Paula, Antônio Bandeira, Aldemir Martins e outros. Traba lhou ativamente com o grupo, participando então de várias exposições, ilustra ções de livros e revistas, e fazendo xilogravuras, expressão a qual se dedicou com verdadeira paixão.

Em 1951, terminado o curso científico, decidiu fixar-se em São Paulo. O objetivo era, então, tornar-se arquiteto. O elo com as artes plásticas, num grande centro cultural, foi cada vez mais se fortalecendo, principalmente pelos contatos com o Museu de Arte Moderna, e amizades feitas com Lívio Abramo, Marcelo Grassmann, Bruno Giorgi e outros. A ideia de se tornar arquiteto foi se diluindo, culminando, fi nalmente, com o abandono dos estudos. Neste tempo foi desenhista técnico, ven dedor de livros, profissões que lhe permitiam trabalhar parcialmente, dedicando o seu tempo livre à gravura. Diversos prêmios em salões — o primeiro, o Salão de Abril — foram estimulando o jovem artista.

Em 1956 fez a sua primeira individual em São Paulo, Clube dos Artistas e Amigos das Artes. Neste mesmo ano, ganhou bolsa de estudo do governo francês. Depois

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de uma exposição de xilogravura, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, agos to de 1957, seguiu rumo a Paris. >

Em Paris, a adaptação foi rápida. Frequentou a Escola de Belas Artes (litogra fia) e o atelier de Henri Friedlaender. Fazia então muita gravura em cobre, desco brindo a técnica de água-tinta, água-forte e buril. Começou a vender suas gravu ras e a participar de pequenas exposições.

Em setembro de 1959, casou-se com Anne Houelaque. Em 1961, trabalhou para o recém criado Museu da Universidade do Ceará. Organizou a primeira exposição de gravura popular brasileira no exterior, Bibliothèque Nationale de Paris. Em 1962, veio ao Brasil a convite da Universidade do Ceará, expondo então no Rio (galeria Relevo), Recife e Ceará. Pouco antes, expunha em Paris na Galeria Fanal e La Hune com oargentino Krasno e o sueco Uif Trotxis.

O seu retorno à França marca o início de suas primeiras experiências com arte cinética. Surgiram seus objetos e caixas. Sua gravura mudou muito e a sua pro dução foi bastante escassa neste período. Apesar disto, expõe relevos e gravuras em Veneza.

Do reconhecimento com Serge Poliakoff surgiu oportunidade para a expansão de seu trabalho. Fez então uma série de gravuras e uma imensa tela (9cm x 2m) a óleo, para o Hotel Carlton de Cannes. A seguir, vem o início de suas pesquisas com eletricidade estática. No ano de 1967, surgem os primeiros múltiplos e os “Excitá veis”, expostos na Galeria Claude Givandam. Desenvolve os seus “Excitáveis” e es culturas fazendo a sua grande exposição na Galerie La Pochade de Paris e White Gallery de Lausanne.

Quinta-feira última, Sérvulo Esmeraldo inaugurou a sua exposição no Palácio das Artes. O conjunto apresentando é uma pequena amostragem da excelente produção deste brasileiro que tão bem se impôs na Europa.

Como referenciar este documento:

ALVIM, Celma. Sérvulo Esmeraldo: itinerário de um artista. Estado de Minas, Belo Hori zonte. 1º ago. 1976. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12423.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 12650

Tipo de texto: Notícia

Veículo: ARS Media

Local: Belo Horizonte

Data: 1º de agosto de 1976

Autor: Márcio Sampaio

Título: Rubem Valentim e Sérvulo Esmeraldo em exposição na Grande Galeria

Márcio Sampaio traça importante paralelo entre a produção de Sérvulo Esmeral do e Rubem Valentim, ambos artistas do concretismo brasileiro que atuaram fora do eixo Rio-São Paulo.

Dispostos à rigorosa construção no plano e no espaço, cada um, entretanto, trilhando caminhos próprios e com intenções diversas, Rubem Valentim e Sérvulo Esmeraldo se acham representados em duas exposições que o Palácio das Artes está apresentando desde quinta-feira, na Grande Galeria, trazendo ao público mi neiro a oportunidade de conhecer — e também confrontar — a obra de dois dos mais significativos artistas brasileiros de hoje.

Nascido em Salvador, Bahia, em 1922, Rubem Valentim é formado em odonto logia, tendo abandonado a clínica por volta de 1948, quando decidiu dedicar-se unicamente à arte, que há muito vinha desenvolvendo autodidaticamente. Sérvulo Esmeraldo é natural da cidade cearense de Crato, onde nasceu em 1929, radican do-se mais tarde em São Paulo, aí trabalhou exclusivamente como gravador; em 1957 foi para a França, residindo desde então em Paris.

ORIGENS E FINS

Nascidos e vivendo a infância em locais onde a força-da-terra atua poderosamen te no inconsciente e no desenvolvimento da sensibilidade, envolvendo irresistivel mente o homem com a imposição de uma vivência dos mitos e de uma realidade social bem caracterizada, estes dois artistas carregam em sua obra a marca des sas injunções. Através desses dados, podemos compreender melhor o desenvolvi mento de suas respectivas obras, que se dirigiram para uma síntese de formas, ao despojamento e ao rigor, sem contudo esvasiar a possibilidadede uma comunica ção poética, através de signos habilmente articulados e perfeitamente construídos.

Se em Rubem Valentim, é perfeitamente visível — e isso representa o fim espe cífico de sua obra — o approach às constelações sígnicas da cultura afro-baiana, em Esmeraldo é igualmente clara a manipulação de símbolos não atávicos, mas da cultura contemporânea, como se pode perfeitamente observar pela própria es colha de materiais sintéticos, sua aproximação do design, a modulação de formas

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simples obedecendo a um programa estabelecido por computador, etc. Poderíamos então afirmar que os dois artistas se encontram no presente, no agora: Rubem Valentim com o seu apelo “à simbologia mágica, a recordação in consciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas oci dentais”, como disse Giulio Carlo Argan, chegando a uma síntese que carrega o alto teor de contemporaneidade; Sérvulo Esmeraldo afirma a possibilidade de futuro, em sua caminhada construtiva mas também epidermicamente sensível, onde há o jogo, o brinquedo, a possibilidade de interminável recriação da parte do próprio artista e também do público, circunstancialmente comprometido com o programa estabelecido pelo artista. Enfim, em ambos os artistas, o incontrolável poder mági co de suas obras, reconduz-nos a um espaço que nos permite ao jogo da leitura e recriação mental e do sensorial. Fatalidade da arte brasileira, que conjuga a festa e a construção.

RUBEM VALENTIM

Nascido em Salvador, Bahia, em 1922, em 1948 passa a dedicar-se à pintura, que de senvolvera, desde cedo autodidaticamente, abandonando a clínica odontológica, que fora sua profissão principal. Em 1957, fixa-se no Rio, e em 1962 obtém medalha de ouro do Salão Paulista de Arte Moderna, iniciando uma série imensa de impor tantes premiações, entre as quais o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, do Salão Na cional de Arte Moderna, em consequência do qual permanece em Roma durante três anos; prêmio especial da Bienal da Bahia, por sua contribuição à Arte Brasileira, prêmio da IX Bienal de São Paulo, Prêmio de Viagem à França do I Salão Globalde Brasília e I Prêmio de Objeto no Panorama Nacional de Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Realizou numerosas exposições individuais no Brasil e no exterior, sendo sempre recebidas com entusiasmo pela crítica e público. Participou de vários salões, da Bienal de São Paulo, da I Bienal de Arte Construtivista de Nuremberg, Alemanha, e em 1975 foi um dos dez artistas convidados para participarem da manifestação “Arte Brasileira” relativa ao X Salão de Arte Contemporânea de Campinas, apresen tadainicialmente nessa cidade paulista e posteriormente no Rio (MAM), São Paulo e Brasília. Em 1975 apresentou na sala de exposições da Fundação Cultural de Brasília um grande panorama de sua obra (200 trabalhos), que depois foi apresentado na Bolsa de Arte do Rio.

Para o crítico Frederico Morais — autor de um belíssimo audiovisual sobre a obra do artista — “Valentim, partindo de uma vivência pessoal, direta dos símbolos reli giosos e afro-baianos, num aprofundamento constante em busca de sua validez universal, chegou a uma situação que ultrapassa o tempo, a própria história. Eles se referem aos símbolos e termos, permanentes no homem — daí que sua límpida geometria sígnica fala também de outras e muitas civilizações perdidas, como a pré-colombiana, por exemploque permanecem no inconsciente coletivo. No fundo, seus signos e sinais, distribuídos com rigor simétrico e com amor à ordem, sugerem máquinas, estruturas mecânicas e de nossos hábitos visuais. Valentim rompe assim

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com as suas convenções geográficas e históricas e, como poucos, consegue a sín tese aparentemente absurda e inatingível do velho e do novo, do arcaico e do atual”.

SÉRVULO ESMERALDO

Nascido em Crato, Ceará, em 1929, transferiu-se para São Paulo. Inicialmente xilo gravador, e em seguida também desenhista, hoje firmando-se com a linguagem do desenho e da escultura, vive desde 1957 em Paris. Realizou até hoje 24 exposi ções individuais nas principais galerias do Rio e de São Paulo, bem como em Belo Horizonte, Brasília e Fortaleza. Na Europa, expõe frequentemente na White Gallery de Lausanne, Suíça,exposto individualmente na França, Itália, Portugal, Alemanha, Luxemburgo e em outros países. Participou da Bienal de São Paulo, Trienal de Mi lão, Exposição Internacional de Gravura de Ljubliana, Bienal de Cracóvia, Trienal de Grenchem, Suíça, Salon Comparaison de Paris, coletiva de artistas latino-ame ricanos em Paris, na Dinamarca, Suécia e Noruega. No ano passado, participou da mostra “L’ldée et la Matière”, na Galerie Denise Renée (Paris), ao lado de Albers, Hon neger, Le Parc, Morelet, Soto Tomaselo, Vasarely e Ivaral.

Muitos críticos brasileiros e estrangeiros têm escrito sobre sua obra. Aracy Ama ral, em longo texto publicado no nº. 5 da “Vida das Artes” diz “... o que nos parece mais observável neste artista brasileiro residente ainda em Paris, saído daqui gravador e que nos retorna multiplicado em desenhista e escultor, o que mais nos interessa nele é sem dúvida esse seu debruçar-se sobre a energia (o corpo em consequência direta) a despeito de, aparentemente se poder rotular de geométricos seus traba lhos. O táctil, a superfície, o toque. E nisto não me parece ele distante dos proble mas vivenciados por uma Lygia Clark, um Hélio Oiticica, que também chegaram ao térmico-epidérmico depois de terem cumprido prolongado estágio de intimidade com o abstrato-geométrico”.

Jean Clarence Lambert, em seu livro “Deppassement dans L’Art”, assim se refe re ao trabalho de Esmeraldo: “... Certamente, os objetos de Esmeraldo exigem uma afinação — um refinamento — da sensibilidade, o que está cada vez mais raro na época dos boeings, e dos vídeos gigantes. Porém, é necessárioesforço: no passa do, a copa de uma árvore vibrando sob a asa do vento, hoje, o jogo cintilante de minúsculos espelhos dentro de seus volumes transparentes, a mágica visível dos vi veiros de hastes, de fios e de arruelas que, ao menor desejo manifestam por alguns instantes a coreografia invisível da matéria”.

Como referenciar este documento:

SAMPAIO, Márcio. Rubem Valentim e Sérvulo Esmeraldo em exposição na Grande Ga leria. ARS Media, Belo Horizonte. 1º ago. 1976. Acervo do Instituto de Arte Contemporâ nea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acer vo/arquivos/12650.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 12636

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Revista Vida das Artes

Local: Rio de Janeiro

Data: Setembro de 1975

Autor: Aracy Amaral

Imagem: A matéria apresenta uma imagem de uma obra de Sér vulo Esmeraldo.

Título: Sérvulo Esmeraldo: Da Gravura ao Tato

Em texto crítico publicado em revista especializada, Aracy Amaral traça breve, po rém completo, perfil artístico de Sérvulo, falando das técnicas utilizadas pelo ar tista e como cada uma delas impactou a forma artística desenvolvida por ele. Amaral destaca que o artista saiu do Brasil como gravador e retornou desenhista e escultor, sendo assim uma crítica que soube diferenciar o Sérvulo que deixou o país, na década de 1950, daquele que retornava na década de 1970.

Sérvulo Esmeraldo expôs recentemente desenhos e esculturas em São Paulo, no Gabinete de Artes Gráficas. Este artista cearense, de Crato, que não expunha há mais de cinco anos em São Paulo, de onde saiu em 1957, quando com uma bolsa do governo francês foi trabalhar em Paris, lá fez carreira e reside até hoje, a ponto de não conhecer mais as gentes do meio artístico de São Paulo ou Rio, e de também ser quase — ou totalmente — desconhecido de uma geração mais jovem de artistas nativos.

Quando saiu de São Paulo, Sérvulo fazia gravuras em madeira, com formas ve getais ou outras, como caracóis, por exemplo, nas quais a estilização já era bem desenvolvida, denunciando uma certa busca de ritmos. Em Paris, no primeiro golpe seu trabalho acusaria uma alteração, e ele mergulharia na gravura em metal (ex periência que, segundo diz, foi negativa, pois a técnica o impulsionou a uma ten dência com a qual não se identificava, o informal), que cultivaria até por volta de 1963. Foi exatamente a partir dos “excitáveis”, que ele começa a desenvolver em 1964 (pequenos bastões de madeira-balsa, colocados equidistantemente sobre umasu perfície quadrada), e que apelam não apenas para o visual do espectador, como para sua participação, posto que é a eletricidade estática que desloca os bastões a uma aproximação física, que Sérvulo começa a retornar ao geométrico, a uma redução de elementos que se tornaria a partir de 1964 uma característica de seus trabalhos. Aliás, esses “excitáveis” seriam realizados não apenas com bastões, mas também com diversos outros materiais, como fios, papel e vários pós (de enxofre, grafite e outros). Em 1966 aparece o “encaixe” (ou cunha), pequena peça que seria

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multiplicada (peça cúbica retangular fendida ao meio diagonalmente, e cujas duas partes se encaixam através de um escalonamento angular), e tornar-se-ia o ponto de partida para o surgimento da curva escalonada, tema que Sérvulo utilizará em infinitas variações no desenho e aos poucos no objeto — ou escultura —, pois sua atividade como gravador cede lugar à do escultor. Isso, embora observemos que a gravação permaneça nesses desenhos que vimos expostos no Gabinete de Artes Gráficas através da folha prensada a seco e depois trabalhada manualmente, de senhos que decorrem da ondulação básica, provocatória, em suave relevo. E neste ponto vemos como também nos trabalhos de Sérvulo (como curiosamente nos de outros brasileiros em Paris, Piza e Camargo), o relevo, a sombra, assumem papel de destaque, sendo que em Sérvulo tanto nas peças como nos desenhos.

E o mesmo escalonamento inicial da peça que desencadeou toda esta série de variações ondulantes em sua poética espacial se faz presente na linearidade elegante de suas esculturas em plexiglass, importa o caráter esteticista da forma. Mas surgem inesperadamente sobre as superfícies das peças branco-negras sú bitos “intervalos” desconectados com o aparente rigor da obra quando observada à primeira vista. E, contrastando com a esperada simetria da forma, percebemos reentrâncias assimétricas, porém ricas, essas irregularidades, na apreensão da luz.

Luz: é este um elemento físico com que joga Sérvulo, assim como também re corre, como vimos, à eletricidade estática para a alteração de suas composições “excitáveis” à aproximação do espectador. E essa movimentação que obtém, assim como em seu esguio “Parafuso” sonoro, não é decorrente de artifícios elétricos ou de processos de maior complexidade, porém fruto de observação direta de fenô menos físicos, apreendidos e projetados intuitivamente. Sérvulo aqui tem uma po sição definida: não é um pseudo-cientista, é um artista, que lida com valores plás tico-sensoriais.

Assim também a sua “Coluna” em madeira, estruturada com módulos — cuja justaposição poderia resultar em três variações desta peça —, e cuja leveza é com parável aos jogos lúdicos dos papéis dobrados de um origami.Portanto, em relação ao que faz atualmente, Sérvulo especula ao máximo as variações conseguíveis a partir de um número reduzido de módulos básicos. Exemplo desse trabalho serial é o seu belíssimo álbum com 14 serigrafias — Variações sobre uma curva — editado em 1973 sob o título “Perpignan”, com uma introdução poética de Jean-Clarence Lambert. Nessas serigrafias (em tiragem de 50 exemplares), toda a inventividade oriunda de um mesmo elemento — a curva escalonada — decorre de sua variabili dade cromática, do enriquecimento que flui através da cor, agindo como transfor madora do tema inicial.

E porque, de repente, este turista brasileiro já profissionalmente “dépaysé” ex põe entre nós? É inútil procurar razões outras que não as afetivas, o desejo de rever a família, talvez, ou o desejo de refazer contatos, uma vez que do ponto de vista econômico Sérvulo Esmeraldo, como aliás Piza e Flávio Shirò, por exemplo, prescin de, em princípio, do mercado de arte do Brasil para a sobrevivência através de seu trabalho. Ele nos conta realmente como, depois das exposições que já fez e fará

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aqui no Brasil (em Fortaleza, São Paulo, Rio e possivelmente Brasília), deverá expor em diversos locais na Suécia, nos fala mansamente de seus compromissos para o próximo ano, e das suas exposições já programadas para 1977, concluindo, apenas como constatação, que até 1980 já tem a vida profissional marcada pelas mostras já assumidas, além de ter um contrato com a White Gallery de Lausanne, na Suíça. Mas o que nos parece mais observável neste artista brasileiro residente ainda em Paris, saído daqui gravador e que nos retorna multiplicando em desenhista e escultor, o que mais nos interessa nele é sem dúvida esse seu debruçar-se sobre a energia (o corpo em consequência direta), a despeito de aparentemente se poder rotular de geométricos os seus trabalhos. O táctil, a superfície, o toque. E nisto não me parece ele distante dos problemas vivenciados por uma Lygia Clark e um Hélio Oiticica, que também, chegaram ao término-epidérmico depois de terem cumprido prolongado estágio de intimidade com o abstrato-geométrico.

Como referenciar este documento:

AMARAL, Aracy. Sérvulo Esmeraldo: Da Gravura ao Tato. Revista Vida das Artes, Rio de Janeiro. set. 1975. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12636.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 12632

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Jornal do Brasil

Local: Rio de Janeiro

Data: 13 de fevereiro de 1976

Autor: Roberto Pontual

Imagem: A matéria apresenta duas fotografias de obras de Sérvulo

Esmeraldo: “Reflexos” gravura a buril sobre cobre de 1965 e “Ondas” pintura em acrílico de 1974.

Título: Esmeraldo do Crato à Paris

A ida para o exterior não é uma exclusividade de Esmeraldo, Roberto Pontual nos lembra em seu texto de uma série de artistas que deixaram o Brasil após o fim da Segunda Guerra Mundial, sendo essa uma sugestão de pesquisa do crítico para o público. Ao voltar-se para a produção de Sérvulo, Pontual faz uma caminhada pela mesma, evidenciando a passagem de gravador à escultor e lamenta que a exposição realizada pelo artista em São Paulo não tenha ganhado ecos no Rio de Janeiro.

Seria seguramente proveitoso proceder ao estudo de como, do fim da II Guer ra Mundial para cá, alguns artistas brasileiros, vivendo na Europa ou nos EUA, ti veram pouco a pouco sua obra ali reconhecida. Tal estudo permitiria conhecer e comparar, em bloco, não só as razões que os levaram a afastar-se da terra de origem, voltando ou não a ela periodicamente, como também os modos pelos quais essa emergência no plano internacional foi-se caracterizando. A verdade é que no período de 30 anos, desde 1945, após o restabelecimento do diálogo entre as nações, um número razoável de artistas plásticos nascidos no Brasil alcançou ou está alcançando lá fora a importância de um posto confirmado para o seu trabalho, de igual a igual com os artistas das diversas cidades que escolheram por nova residência.

Caso típico e pioneiro no período em causa foi o do pintor cearense Antônio Bandeira, que já em 1949 se ligava a Wols e Camille Bryen, no entusiasmo pela abs tração informal, e cuja morte na capital francesa, em 1967, o encontrou com obra em boa acolhida local. Depois dele, receando omitir nomes nessa lista sumária de artistas brasileiros que optaram por uma realização fora dos nossos limites geo gráficos, e que certamente a obtiveram no respeito com que vêem sua obra sen do ali encarada, poderia citar Almir Mavignier, Mary Vieira, Sérgio Camargo, Arthur Luiz Piza, Lygia Clark, Roberto Lamonica, Hélio Oiticica, Antonio Dias e Edival Ramo sa. Ou mesmo Frans Krajcberg, que embora não nascido entre nós sempre afir

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mou ser brasileiro a raiz (ironicamente, em duplo sentido, se pensarmos nas suas esculturas com formas vegetais de Minas ou do litoral baiano) de seu trabalho. A esses nomes quero agora acrescentar e comentar o de Sérvulo Esmeraldo, cuja presença no ambiente artístico europeu está ganhando sensível importância.

Cearense como Bandeira, Esmeraldo nasceu no Crato, em 1929. Teve também, tanto quanto o referido pintor, um começo de carreira no seu Estado, inclusive combatendo ali em favor da renovação dos esquemas de produção e consumo de arte, e a sequência natural de atração pelo Sul, fixando-se no final da década de 50 em São Paulo. Mas, desde logo, não foi a pintura o meio que mais o inte ressou, e sim a gravura, inicialmente em madeira, com influência básica, naquele momento, de Goeldi. E apesar de sua vivência nordestina e da atenção que de monstrou conceder à gravura popular — é autor, por exemplo, do texto introdu tório de uma edição francesa da Via Sacra de Mestre Noza, o velho gravador e escultor de Juazeiro do Norte — não demoraria muito tempo para que a gravura de Esmeraldo abandonasse toda intenção figurativa e se deslocasse no sentido de uma abstração simultaneamente vibrátil e contida. Isto se processaria lado a lado com a sua ida para Paris, o aprendizado ali com Johnny Friedlaender e a tro ca da madeira pelo metal.

Assim, sempre em Paris, por toda a década de 60 ele estaria realizando uma gravura na qual, como disse José Roberto Teixeira Leite, em 1965, a cor era utilizada “com liberdade e fantasia, apelando para recursos de textura que se destinam a excitar o olho táctil, tudo sob uma trama de linhas e de massas sensíveis e expres sivas”. Foi com essa gravura, em exposições individuais e coletivas, que se deu o seu primeiro estágio de conquista do respeito internacional. Mais recentemente, de uns oito anos para cá, e sem abandonar a obra gravada, Sérvulo passou a in corporar ao seu trabalho novas saídas. Atraído pelas pesquisas cinéticas, como diversos outros artistas latino americanos vivendo em Paris, ele saltou do plano para o espaço, tanto em seus Excitáveis — superfícies ainda destinadas à pare de, porém acrescidas de filamentos móveis aproveitando o fenômeno físico de excitação da matéria — quanto com as suas refinadas e tranquilas esculturas em acrílico. A própria gravura refletiria essa nova vontade de conciliar rigor de cons trução com liberação lúdica,simplificando-se ao máximo para estimular o olho com a mais intensa das vibrações.

Com os trabalhos da última fase, em exposição lado a lado de artistas como Albers, Le Parc, Vasarely, Soto Honegger, Munari, Morellet e Del Pezzo, cresceu o reconhecimento de Sérvulo Esmeraldo no circuito internacional. Os ecos da expo sição que realizou ano passado em uma galeria paulista pouco chegaram ao Rio. Pensando em como seria oportuno ver sua obra bem exposta entre nós, transcre vo por enquanto o texto de sua autoria, que acompanha o catálogo da mostra. A Ideia e a Matéria, vista em fins de 1974 na Galeria Denise René, de Paris. “As forças escondidas no seio da matéria aparentemente inerte, um pedaço de ebonite que se fricciona e que nos revela seu poder de atração, o prisma a desviar a luz, a len te que aumenta as imagens - eis coisas que sempre me impressionaram. Quando

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criança, fabricava com seus irmãos possantes lentes com velhas lâmpadas elé tricas de seus filamentos e cheias de álcool. Com essas lupas improvisadas e a luz do Sol podíamos acender um fogo. Explicavam-nos, então: raios, fornalhas, etc. Ou me explicaram muito ou nada, pois esses fenômenos continuaram para mim com seus perfumes de mistério. Hoje ainda, quando uso ou transformo um peda ço de metal ou de qualquer outra matéria, não consigo deixar de sonhar com as forças invisíveis que, por minha intervenção, foram de alguma maneira certamen te perturbadas. Isso talvez explique minha pesquisa atual, pois os Excitáveis lidam com a energia latente, evidenciação desses dois fluidos imponderáveis, que tanto me interessam”.

Como referenciar este documento:

PONTUAL, Roberto. Esmeraldo do Crato à Paris. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 13 fev. 1976. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil. org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/12632.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Transcrições dos documentos selecionados para a curadoria do artista Wyllis de Castro

Curadoria e comentários críticos dos documentos: Lucas Alameda Vitor Borysow

Fonte de Pesquisa: Fundo Wyllis de Castro Instituto de Arte Contemporânea

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Nº de ordem: 11109

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Folha de São Paulo

Local: São Paulo

Data: 25 de novembro de 1962

Autor: José Geraldo Vieira

Imagem: Sem imagem

Título: Willys de Castro e Hércules Barsotti

O crítico faz referência às exposições simultâneas que Willys de Castro e Hércules Barsotti realizam na Petite Galerie, tanto na sede do Rio de Janeiro como de São Paulo. No final da década de 1950 e começo da década de 1960, ambos compar tilham a presença de obras nas Bienais Internacionais de São Paulo e nas exposi ções Neoconcretas.

Bom é que as obras de Willys de Castro e Hércules Barsotti estejam expostas pela terceira vez. Pois quem as estranhou na VI Bienal e as foi reestudar em Ipane ma, na matriz da Petite Galerie, tem mais um ensejo de familiarizar-se com elas ago ra, aqui em São Paulo, outra vez, na sucursal da mesma galeria, à avenida Paulista. Willys de Castro e Hércules Barsotti: dois artistas plásticos de vanguarda, no mais alto sentido de realização, e a cujo respeito a nossa crítica precisa ajustar a alça de mira e os ângulos de análise, antes que um périto estrangeiro internaciona lize a fama por enquanto em potencial desses dois valores excepcionais.

Dois artistas de alta consciência estética. Não consideram a pintura rotina vo cacional em apuro virtuosístico, mas uma energia imanente cujas expressões múl tiplas dependem menos do estado de graça bremondiano do que da responsabili dade da pesquisa onímoda, visto estar a arte integrada na cultura e não no milagre.

Para compreendermos Hércules Barsotti e Willys de Castro, cada qual em sua tarefa específica, não precisamos subordina-los a equipes de laboratório, bastan do agregá-los cronologicamente a pioneiros ainda recentes. Hércules Barsotti, a Delaunay, Sophie Taeuber-Arp e, sobremodo, a Mondrian. Willys de Castro, a Josef Albers, Thomás, Maldonado e Kenneth Martin.

Há em Hércules Barsotti a sedimentação estatística das heranças clássicas investidas em tarefas de renovação; aplicou-se à pintura inserida em losangos é uma entidade cromático-geométrico no plano e no espaço, que ele a ambos divi de segundo o princípio da menor ação e do equilíbrio cristalino, obtendo simetrias homotéticas. Sua arma individual para a decomposição harmônica dos retângulos é a diagonal. Para o leigo, porém, talvez sobressaia apenas o efeito da pintura de superfície, como que a afundar ou a soerguer-se do suporte, quase se destacando, ora querendo aconcavar-se, ora dando ilusão convexa; mero efeito, enfim, de trom

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pe-l’oeil. A verdade é que Hércules Barsotti liberta a pintura do quadro, purifica-lhe os elementos, exclui os acasos, organiza o espaço anteroposterior e latero-lateral, bem como os interstícios e as abas, pondo-a em estado lento de levitação, sal vando-a da enchente cromática dos plasmas e desobstruindo-a dos aterros dos magmas materiais.

Diante das unidades de Willys de Castro, que ele chama de objetos ativos, te mos que orientar o observador citando-lhe como analogias de assedio trabalhos de arte não semelhantes aos do artista de São Paulo, porém que precederam os seus nessa de repleção e esvaziamento do espaço. Por exemplo: os elementos em relevo de Bern Luginbuhl, o quadro reduzido a uma síntese vertical deiscente ou no máximo ainda em estado cúbico ou em biombo diédrico de Eugen Haefelfinger; as aparas cinéticas de Kenneth Martin; as placas murais metálicas de Harald Kirchner.

Como continente e conteúdo, cada trabalho de Willys de Castro é um ensaio plástico de madeira que, aderida ao plano, contudo se extroverte para o espaço; não tem expressão precária de esquema geométrico, é mesmo objeto essencial de arte, jóia de celulose com élitros de cores e cambiantes tonais.

Os dois repertórios acham-se dispostos na Petite Galerie não em molduras ou em peanhas, e sim, como que em retábulos da mais alta categoria de <cimaise> pênsil, ou em almofadas estereoscópicas. Tal dispositivo de inércia e de expansibili dade infunde aos dois conjuntos tão divergentes - um de superfície volátil, outro de anaglifo centrípeto, - um sentido homogêneo de apoteose ascética.

Como referenciar este documento:

VIEIRA, José Geraldo. Willys de Castro e Hércules Barsotti. O Folha de São Paulo, São Paulo. 25 nov. 1962. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/11109.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 11149

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Última Hora

Local: São Paulo

Data: 04 de novembro de 1953

Autor: não identificado

Título: Bastidores

O texto informa que Willys ficou encarregado da composição musical e que Bar sotti esteve envolvido com os figurinos da peça “O escriturário”, com atores da Escola de Arte Dramática e direção de Luís de Lima. A notícia é o registro de uma parceria artística anterior à abertura do Estúdio de Projetos Gráficos, momento mais comumente citado pela historiografia como o início dos seus trabalhos em conjunto.

Hoje, no grande auditório do TCA, pela primeira vez no teatro nacional, vere mos a representação de um mimodrama, por um elenco nosso, constituído por alunos da Escola de Arte Dramática, dirigidos por Luís de Lima.

“Bastidores” pretendeu antecipar alguma coisa sobre o espetáculo. E foi pro curar seus informes, com o Geraldo Maseos, um dos intérpretes do mimodrama, secretário da EAD.

São dele as seguintes palavras: “Há alguns meses atrás as colunas de teatro da nossa Capital noticiaram a chegada de um novo professor para a EAD. Trata va-se de Luís de Lima, jovem português que Alfredo Mesquita, após incessantes procuras em Paris, encontrou no elenco de Marcel Marceau”.

“Desde sua chegada a São Paulo começaram os rumores a respeito de um espetáculo mimico que Luís de Lima pretendia preparar. Alguma coisa no gênero de Marceau e Barrault. Inúmeras foram as pessoas que não acreditavam que tal realização pudesse ser concretizada pela EAD. No entanto, hoje, no Grande Au ditório da Cultura Artística poderão elas se cientificar de que a Escola de Alfredo Mesquita apesar de trabalhar de portas fechadas, é capaz de boas realizações.”

“Durante alguns meses os alunos de 3º e 4º ano da Escola dedicaram-se quase que exclusivamente aos ensaios desse espetáculo, interrompidos, no entanto, por ocasião da temporada da EAD pelo interior do Estado, e pelos inúmeros espetá culos realizados pela Escola nos diversos teatros distritais da Prefeitura.”

“Inicialmente Luís de Lima procurou extrair do conto de Herman Melville, o es sencial para uma adaptação mímica. Com o correr do tempo forma encontradas novas expressões e movimentos que pudessem retratar o mais claro possível o

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conteúdo da obra do autor de “Moby Dick”. Podem os leitores imaginar o trabalho que Luís de Lima desenvolveu, pois os alunos da Escola, não tinham ainda tomado contato com esse novo gênero o que dificultava sobremaneira, não só a plastici dade dos movimentos como também a “decoração” da sequência cênica por não haver um texto.”

“Algum tempo depois Luís de Lima conheceu Willys Sousa de Castro e Hércules Barsotti, dois grandes amigos da EAD, que logo de início se entusiasmaram pelo trabalho que vinha sendo realizado e resolveram emprestar sua colaboração. O primeiro encarregou-se da composição musical de cujo conhecimento já havia dado prova por ocasião de “Seu Bob’le”. Hércules Barsotti procurou os figurinos e depois de terem assistido inúmeros ensaios apresentaram os seus trabalhos. Sou sa Castro, compôs, regeu e gravou os trechos de música dodecafônica que apa recem no desenvolver de “O Escritura” , e Hércules Barsotti desenhou os figurinos das personagens, figurinos esses que não traduzem quaisquer costume de época ou lugar, mas apenas sugestões de vestimentas.”

“Já em fase final da preparação Luís de Lima convidou Badia Villato, conhe cido cartazista espanhol, para um ensaio, Villato, como Sousa Castro e Hércules Barsotti, entusiasmou-se também e despido de qualquer interesse, senão o artís tico, em apenas dois dias apresentou uma solução cênica para o espetáculo. Dis cutidos os pormenores, traçados os esboços Villato confeccionou uma maquete de rara sensibilidade e bom gosto.”

“Inúmeras foram, no entanto, as dificuldades para a construção de tal plano. Não se trata propriamente de um cenário mas sim, como o denominou o seu autor de “uma arquitetura cênica.”

“Surgiu então e como sempre o grave problema financeiro. Como é do conhe cimento geral a Escola apesar do cancelamento do Convênio Cultural e de Ensino, continua funcionando. Na esperança de que o novo prefeito resolvesse o proble ma dos Convênios e EAD prosseguiu o seu trabalho, não tendo recebido desde janeiro (e como ela outras instituições) qualquer auxílio da Prefeitura. O convênio foi denunciado mas os atrasados não foram pagos. Dessa forma a Escola já havia resolvido suprimir qualquer novo empreendimento quando encontrou o apoio das firmas comerciais. Assim é que a Fiação e Tecelagem Piratininga forneceu gratui tamente os tecidos para a “arquitetura cênica” e a Serraria Barsotti, as madeiras necessárias.” >

Como referenciar este documento:

Bastidores. Última Hora, São Paulo, 4 nov. 1953. Acervo do Instituto de Arte Contem porânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/ acervo/arquivos/11149.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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“O espetáculo além de dirigido por Luís de Lima é também interpretado por ele e por alunos do 3º e 4º anos da Escola, sendo que foi necessária também a cola boração de alguns elementos do 1º ano.”

“Finalizando deve-se ainda acrescentar que a parte técnica do espetáculo será inteiramente realizada por alunos e por alguns profissionais que trabalharão sobre a orientação deles e sobre a supervisão musical de Sousa Castro e cênica de Villato.”

São Paulo, Quarta-feira, 4 de Novembro de 1953.

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Nº de ordem: 8092

Tipo de texto: Folder

Veículo:Local: São Paulo

Data: 09 de dezembro de 1963

Autor: Willys de Castro e Hércules Barsotti

Título: Coletiva Inaugural 1

Catálogo da exposição Coletiva Inaugural 1 na Galeria Novas Tendências. Tanto Willys de Castro como Hércules Barsotti participam da fundação da Associação de Artes Novas Tendências, mas não expõem na mostra inaugural. Participam com o projeto gráfico do catálogo. Os créditos estão registrados no rodapé de uma das abas do folder: projeto willys e barsotti.

NT não pertence a um grupo, nem visa uniformizar opiniões. NT é uma condi ção aberta aos artistas que, no âmbito de uma natureza comunicativa direta, au tônoma e substantiva, contribuem para a delineação das novas poéticas.

NT, portanto, não subscreverá eventuais tentativas de englobar anonimamen te os seus expositores em mais um “ismo”. Diversamente, é partindo da simulta neidade da pesquisa, sensibilidade individual e opiniões de cada artista, que se poderá ter uma visão real das contradições - dialeticamente falando - que carac terizam a situação presente da arte de vanguarda.

NT pretende, outrossim, oferecer ao público a informação adequada e quali ficada, nacional e internacional de ideias que tenham relação com as novas ten dências da arte de vanguarda.

a obra de arte é destinada a produzir uma experiência efetiva e duradoura no meio em que ela se instaura, cumprindo a finalidade precípua para a qual foi criada.

Toda teorização se enfraquece diante da obra e de sua experiência.

Alberto Aliberti

Expressão concreta: forma, cor e movimento: denominador entre passado e pre sente.

Caetano Fraccaroli

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O ritmo da vida de hoje é vertiginoso. Atualmente, um conhecimento global da cultura, da sociedade, da ciência, da técnica, vai gradativamente se tornando mais difícil para o indivíduo acompanhar. O conhecimento diversifica-se; consi derando o volume com que ele surge dia a dia para atender a uma maior sede de descobertas, o homem especializa-se. Os vários especialistas, trabalhando em conjunto, vão acelerando o desenvolvimento dos diferentes setores do conheci mento. Os produtos dessa evolução passam a ser consumidos quase com a mes ma rapidez. Os intelectuais produzem também, em estágios cada vez mais ace lerados, para satisfazer uma crescente demanda do novo. Junto a esse processo existe um indivíduo criador isolado: o artista solitário. Haverá necessidade de uma participação ativa do criador paralela ao mecanismo evolutivo? Sempre que a sociedade muda é preciso criar novas formas de comunicação, po rém isso não será o fim da expressão do indivíduo, o homem criador, que não modi fica a sociedade, que não compõe fórmulas ou fabrica bombas, é superior em sua capacidade de raciocinar e de perceber. Ele não inventa mas compreende. Kazmer Fejer

A situação para mim é clara: ou passamos a considerar a arte concreta do ponto de vista do desenvolvimento histórico da sua natureza comunicativa autônoma e direta, em contínuas transformações quantitativas e qualitativas, identificando -a com os aspectos substantivamente novos e criativos da arte contemporânea, ou, diversamente, a arte concreta na acepção histórica pertence ao passado e terminou a sua existência. A experiência concreta começou para mim como de corrência de uma atitude em face da situação criada pela mostra inaugural do museu de arte moderna de São Paulo e pelas polêmicas que se seguiram. Tra tava-se de ser radical a fim de contribuir para uma longa sobrevivência da arte não-figurativa. Os adversários, defensores de modalidades várias de realização de ingênua espontaneidade, não satisfaziam as necessidades de uma adequa ção histórica de caráter internacional, exacerbando, como reação, a minha bus ca de uma objetividade que se identificara com um racionalismo de esquemas e apriorismos. Embora a nossa arte [refiro-me aos tempos de grupo ruptura - 1952 - lembrando principalmente Sacilotto, Charoux e Barros] fosse motivada por uma conduta contingente, produto de um atuar agressivo no ambiente, refletiu, do ou tro lado, de modo peculiar, a onda de racionalismo que vigorou na arte europeia no último pós-guerra.

É sem dúvida esse ser fundamentalmente relação que vem alterando as prefe rências. Antes vivi a série das estruturas geométricas determinadas e determinan tes, depois uma versão substantiva da poética informal. E é a partir dessa última experiência que as impostações causais se tornaram para mim absolutas, assim como a arte concreta histórica criadora de esquemas. O informal deixou marcas profundas e hoje desaparece levando consigo todos os purismos acadêmicos.

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Fica no entanto o seu apelo para um “retorno às coisas”, eu, se preferirem, à maté ria, e a mancha que significa ambiguidade, indefinido, possibilidades de escolha e de direções de leitura, movimento, instabilidade e aleatório. Depois do informal, a tendência é construir, mas, como escreve [ilegível] ponente , não reconstruir. A forma como processo construtivo e o papel ativo do espectador na arte atual de vanguarda dão o tiro de misericórdia na poética do objeto em si. É, como escreve Umberto Eco, a “opera aperta”, i.e., um objeto não-unívoco, que usa signos não -unívocos ligados por relações não-unívocas. É cada vez mais evidente para mim a necessidade de diminuir o provável [signifi cado] em favor do improvável [informação]. Não o controle aleatório, mas a sur presa, a desordem e a imprevisibilidade do aleatório. Do aumento de significado, de acordo com a teoria da comunicação, decorre uma estrutura mais provável, ao passo que o aumento de informação é diretamente proporcional à sua não -probabilidade. Parece-me que na arte o significado poderia ser identificado com o que geralmente é chamado de “conteúdo”, e a informação poderia correspon der à invenção de estruturas formais novas. Exemplificando, a expressão mais radical da arte de significado seria a pintura russa contemporânea cuja comu nicação está baseada num máximo de redundância, e o aproveitamento de es truturas formais consumidas e previsíveis garantem um tipo de informação inten cional que não evade nem contradiz o sistema. O oposto, no entanto, se dá com certos artistas norte-americanos, como Weinrib e Sugarman, por exemplo, cujas obras eram de fato improváveis. Na discussão em torno da arte concreta o termo “racional”aparece constante mente, de um lado, em termos de uma redução de caráter técnico [projeto]: de outro, enquanto ilustração de noções científicas - atitude que esconde na maio ria das vezes o desejo inconfesso de subtraí-la de responsabilidades históricas e ideológicas diretas. E a arte é “explicada” nesses casos pelos mais abusivos heteronismos. Em ambos os casos citados, no entanto, parece-me evidente que se trata de uma racionalidade ligada ao que acima chamamos de significado, enquanto previsibilidade. Mas, me pergunto, no caso oposto, em se tratando de uma arte de informação, produto [fiedler], não expressão de uma problemática mas ser realidade somente no instante em que aparece e não por força de an tecedentes e heteronomismos e nessa medida não-provável, como poderíamos representar em palavras essa racionalidade? É possível que a racionalidade da arte de informação tenha algo em comum com a racionalidade individual de que nos falou Gottlieb. As “metáforas epistemológicas” [Umberto Eco] dos artistas são ainda a melhor teoria.

Demolir o significado é demolir o sistema. É a desordem ou, como escreve Umberto Eco, um tipo de não ordem habitual e previsível. Uma racionalidade da desordem, se não for um paradoxo, que no plano social, quiçá, devolva ao indivíduo algo do muito que lhe usurparam. E no plano social, falar entre nós de imprevisibilidade e desordem não há originalidade. Mas é também uma redundância lembrar que toda desordem é ordem por outro parâmetro e é nesse terreno, sem escamotear o

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problema histórico e ideológico, que as novas tendências da arte concreta deve rão enfrentar o mais recente fenômeno da arte de significado: a “nova figuração”. Waldemar Cordeiro NT

Associação de Artes Visuais Novas Tendências

Rua General Jardim 676

São Paulo 2 SP Brasil

Inauguração da Galeria NT

9 Dezembro 1963 21:00

Coletiva Inaugural 1

Alberto Aliberti

Alfredo Volpi

Caetano Fraccaroli

Hermelindo Fiaminghi Judith Lauand Kazmer Fejer Lothar Charoux Luiz Sacilotto Maurício Nogueira Lima Mona Gorovitz Waldemar Cordeiro

Como referenciar este documento:

Coletiva Inaugural 1 [folder de exposição]. Willys de Castro e Hércules Barsotti, São Paulo, 9 dez. 1963. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/8092.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 8113

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Diário de S.Paulo

Local: São Paulo

Data: 09 de julho de 1967

Autor: Pietro Maria Bardi

Imagem: Sem imagem

Título: WILLYS DE CASTRO E BARSOTTI

Artigo informando a publicação do ensaio de Pietro Maria Bardi no Mirantes das artes n. 4, sobre Willys de Castro e Hércules Barsotti. O autor compara a dupla com o Lord Brummel, dandy londrino considerado um árbitro da moda do seu tempo, e à dupla Morris e Dante Gabriel Rossetti, “que compunham e ajeitavam a obra e a vida numa síntese de beleza controlada”.

O “Mirante das Artes” n.º 4, que já se encontra nas bancas, publica um ensaio dedicado à Willys de Castro e Barsotti. Do curioso perfil dedicado aos dois artis tas, o diretor da revista destaca os seguintes pontos: “Eles representam na arte brasileira contemporânea a posição que, no momento certo, teve Lord Brummell em Londres como árbitro da moda, distinguindo-se pela refinada elegância no vestir e ao mesmo tempo pela frieza quase [ilegível]. O Lord era um dandy edu cado em Oxford e em Eton. Willys & Barsotti são pintores, nem pensam em trajes, mas sempre me fizeram pensar no inglês por uma série de analogias curiosas: o acreditar numa atitude, num estilo, a coragem em defendê-los [ilegível] (George desprezava), a fidelidade, à precisão milimétrica, chegando até ao pernóstico de um total de consideração de cada sutiliza.

O Beau Brummell concebia um terno e acessórios como uma obra de arte, o vesti-lo como um ato religioso. Os dois amigos concebem a feitura de um objeto como um ato religioso. O atelier dos mesmos é de uma ordem logaritimicada; a primeira vez que lá adentramos, olhamos para o chão para ver se não devíamos calçar chinelos para não perturbar o encerado.

Se Lord Brummell podia atravessar Londres sem ser notado, tão sóbrio era seu trajar e seu andar, Willys & Barsotti não deixam notar nada de estranho no atelier: a colocação, os espaços, as coisas, formas, cores, tudo é em obediência a um es tilo de artistas-artistas: algum fato tão singular de repensar nos estetas, mais uma vez ingleses, que compunham e ajeitavam a obra e a vida numa síntese de beleza controlada: Morris e Rossetti.

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Quando Livio Rangan, chefe do departamento de publicidade da Rhodia, mostrou os desenhos da dupla, pois de moda se tratava e destas aventuras do efêmero que duram uma estação, a presença brummelliana não se destacou da mesa. Livio abria os envelopes com cuidado e dali saíam as pranchas uma depois da outra esplêndidas, maravilhosas de cores, de rabiscos, de soluções. Os temas escolhidos eram ideias de namoro para com o art-nouveau, o colóquio com um mundo ainda velado de mistério, o acertar um achado do passado em termos de celebração do gosto;

George Bryan sabia que a cor ou o desenho de um colete podia variar ao infi nito; Willys & Barsotti na proposta de cada prancha indicam as variações de co res, as possibilidades de combinar com um contraste que interessaria ao dandy. Moda é arte complicada a realizar; não é para todo artista desenhar um tecido; é necessária uma disciplina, o acreditar na espiritualização arte-indústria, justa mente como no tempo do art-nouveau, dos pré-rafaelinos, das bodegas de Flo rença, das oficinas de Creta.

Parece-nos que Willys & Barsotti constituem um caso importante, neste campo, determinante também aqui entre matutos, mas de segura e vitoriosa exportação. À Rhodia não faltam as possibilidades para mandar para fora a nossa moda”.

Como referenciar este documento:

BARDI, Pietro Maria. Willys de Castro e Barsotti. Diário de S.Paulo, São Paulo. 9 jul. 1967. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org. br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/8113.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 11277

Tipo de texto: Notícia

Veículo: Jornal do Brasil

Local: Rio de Janeiro

Data: 3 de dezembro de 1960

Autor: Ferreira Gullar

Título: Diversificação da experiência neoconcreta

Crítica de Ferreira Gullar à II Exposição Neoconcreta, realizada no Rio de Janeiro, da qual Willys de Castro e Hércules Barsotti participaram com obras.

Ferreira Gullar

A II Exposição Neoconcreta está há duas semanas aberta ao público, que tem afluído com interesse ao salão de exposições do antigo Ministério da Educação. A mim mesmo, intimamente ligado ao movimento, participante dele, essa exposi ção trouxe surpresas e revelações: pela primeira vez, tive uma visão de conjunto das obras dos vários artistas, podendo assim confrontá-las, formular identidades e diferenças. Nesta altura do movimento neoconcreto, quando os artistas indi vidualmente definem o seu rumo, é oportuno deixar-se de lado toda e qualquer conceituação anterior e tentar uma nova abordagem do fenômeno, partindo das obras mesmas.

Dentro da problemática geral da arte neoconcreta, pode-se distinguir, atual mente, não direi duas tendências, mas dois tipos de expressão diferentes embo ra afins: um que tende à diluição das formas no movimento e outro que busca apreender o movimento pela forma.

A primeira expressão alimenta-se do devir, da metamorfose, e quer se manter nele; a segunda quer incorporá-lo à obra, ultrapassando-o – criando uma imobi lidade aberta. Os bichos não-objetos de Lygia Clark exemplificam o primeiro caso, enquanto as obras de Amilcar de Castro exemplificam o segundo.

A apreciação das obras desses dois artistas nos revela, de início, uma dife rença básica: as de Amilcar, embora susceptíveis de serem colocadas em várias posições, nos dão, em cada uma dessas posições, uma visão instantânea de sua totalidade. É certo que somos obrigados a girar em torno da obra para apreen der todos os ângulos de determinada posição, mas nesse girar, somos orientados pelo primeiro golpe de vista que já inclui a necessidade dos demais. E depois de girarmos à sua volta, já podemos, de qualquer ângulo, apreendê-la integralmen

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te: ela está ali, totalmente ali, explicitamente aberta no espaço. A soma dos ângu los de visão se deposita toda na forma presente.

Outra coisa se passa com as obras de Lygia Clark, pelo menos com a maioria dos seus bichos. A primeira visão é perturbadora, e o nosso movimento em torno da obra não é suficiente para apreendê-la: planos de diferentes formas se in terpenetram, mergulham uns nos outros em direções contraditórias, perdem-se e reaparecem noutro ponto, numa aglutinação de pétalas que solicita a nossa intervenção. Intervimos: nosso trabalho é de análise, é de separar para apreen der, mas o movimento que fazemos com intuito de desentranhar determinada for ma, se de fato a explicita, esconde outras, e daí essa sensação de fuga que José Guilherme Merquior observou nos bichos (1). O movimento do espectador sobre o bicho transforma-o (na medida em que ele quer ser transformado), cria novos aspectos, mas destrói outros e, em alguns casos, é tão complexo cada aspecto criado e destruído que só o seguinte completa a apreensão do anterior e lucra dele, de modo que todos os aspectos se diluem uns nos outros incessantemente e a experiência do espectador, por sua vez, não se fecha numa forma explícita, mas resulta precisamente nessa sucessão de miragens que se prometem e se furtam: as formas se diluem no movimento e o que resta em nós é a experiência da me tamorfose. Lionello Venturi, ao ver algumas dessas obras, disse que sentia nelas qualquer coisa de diabólico. Talvez quisesse ele se referir a essa estranha capaci dade dos bichos de se darem a um só tempo como realidade e como miragem – o objeto que não é: um modo do não-objeto.

Aproveito essa diferenciação fundamental – constatável por qualquer pessoa que faça a experiência dessas obras – para reforçar minha tese de que esses não -objetos de Lygia Clark não são escultura. Eles nasceram, de fato, da pintura, e se ocupam o espaço tridimensional – que é sua afinidade com a escultura – conti nuam a participar também da expressão pictórica já que se negam a tomar uma existência espacial definida, de corpo. Por outro lado, limitam o seu parentesco com a pintura quando rejeitam a condição de imagem para serem miragem.

Muito mais perto da escultura estão as obras de Amilcar, que também são não-objetos, porque já não possuem algumas das características essenciais da escultura. A compreensão dessa afirmativa se torna mais clara se se admite que a denominação de escultura para as obras de Gabo, Pevsner, Vantongerloo e Bill já não tinha mais que uma função de comodidade. Essas obras são, de fato, an tiesculturas, porque na sua criação está o propósito de libertar-se das qualidades essenciais da escultura: a figuração, a massa, o volume, o peso.

Enfim, de libertar-se também da condição espacial, para integrar em si o tem po. Não mais o tempo exterior, nascido do movimento do espectador à volta da obra, mas o tempo como elemento interior à obra, constitutivo dela. Em Amilcar de Castro, a diferença com a escultura tradicional se amplia: ele não apenas eli mina a posição privilegiada (suas obras podem ficar em qualquer posição), como parte do plano para a criação do espaço profundo, o que é inverter totalmente o procedimento escultórico. Além do mais, essa inversão não se limita ao procedi

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mento do escultor, porque ela está na expressão mesma da obra, que reside exa tamente na tensão entre volume criado pelo corte e torção da superfície original e a própria superfície que quer se reintegrar no plano. Esse conflito - que é tempo – entre a superfície e a profundidade espacial – a perspectiva, a verticalização do espaço cézanniano, a afirmação do plano no plano de Mondrian etc. – é um velho problema da pintura. Assim temos aqui, inversamente, num escultor, a mes ma convergência de problemas pictóricos e escultóricos que encontramos em Lygia Clark.

O fato de tais obras não se enquadrarem nem no conceito de pintura nem no de escultura não significa que elas sejam meras experiências ou expressões hí bridas, a menos que se pretenda admitir que pintura e escultura são categorias eternas.

Já os não-objetos de Hélio Oiticica estão mais perto do segundo dos tipos de expressão a que nos referimos acima: neles, o movimento é usado para criar a forma. O espectador, que gira em torno da obra, tem no fim, num dos aspectos, a imagem sintética da estrutura total. É certo que, nele, a escultura não se dá com a mesma explicitude, com a mesma clareza que em Amilcar. E isso precisamen te porque Hélio Oiticica vem da pintura e, se chega ao espaço orgânico, é para afirmar nele a cor; a estrutura não vale como veículo cromático – o meio através do qual a cor invade o espaço, situa-se nele e o modula. Não se trata mais da cor alusiva nem da cor local nem da cor-símbolo: é a cor-estrutura cuja significação emotiva [ilegível] da forma em que se dá. Também aqui estamos entre a pintura e a escultura, fora das duas e mais próximo da primeira pela persistência da ima gem cromática.

Willys de Castro apresenta objetos-ativos com que procura eliminar a superfí cie básica da pintura, reduzindo o plano frontal da obra ao fio da superfície, sua espessura. A cor que ocupa de alto abaixo esse exíguo plano rompe-se de repente em determinado ponto e o fragmento de cor que falta desliza para o plano lateral, indicando uma continuidade da superfície fora do plano. O problema colocado nessas obras é interessante e novo, porque repõe noutros termos o conflito entre a superfície bidimensional e o espaço de profundidade real: o tempo – o movi mento do espectador – recupera a bidimensionalidade do espaço tridimensional.

Aloísio Carvão, Décio Vieira e Hércules Barsotti mantêm-se menos afastados dos procedimentos usuais, o que não impede naturalmente de alcançar uma ex pressão pessoal: pelo contrário, é justamente essa possibilidade que os situa ali. Carvão, que já vem demonstrando em seus últimos quadros expostos um extraor dinário domínio da cor – que nele atinge uma densidade perceptiva nova – apura cada vez mais a sutileza de seus tons, deixando agora que a sua pintura se enri queça de uma luminosidade imanente, que surge da própria pigmentação sem nenhum recurso fácil. Como um símbolo de sua concepção cromática, de sua vivência da cor, expôs ele também um bloco de cimento pintado de vermelho que é, ao mesmo tempo, um gesto de audácia e humor. Décio Vieira continua a apu rar seus acordes baixos de brancos e cinzas, em que as vezes introduz a nota fina

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e vibrante de uma linha de cor. Barsotti aspira a dinamizar amplas zonas vazias, pela introdução de uns poucos elementos de intensa vibração óptica. Seus traba lhos atuais são, ao que tudo indica, caminho para experiências mais complexas em que esses grandes planos vazios ganhem maior expressão interior.

Por essa visão panorâmica do trabalho dos artistas plásticos pode-se avaliar a força do movimento neoconcreto que cada vez mais amplia suas perspectivas colocando novos problemas e diversificando-se em expressões individuais e au tônomas. No próximo artigo falaremos dos poemas, livros-poemas e não objetos verbais.

Como referenciar este documento:

GULLAR, Ferreira. Diversificação da experiência neoconcreta. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 3 dez. 1960. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/11277.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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institutodearte

contemporânea

Nº de ordem: 8246

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Folha da Manhã

Local: São Paulo

Data: 14 de novembro de 1959

Autor: não identificado

Imagem: Imagem panorâmica da vernissage

Título: Inauguradas cinco exposições na Galeria de Arte das Folhas

Notícia sobre as primeiras exposições individuais de Willys de Castro e Hércules Barsotti, realizadas simultaneamente na Galeria de Arte das Folhas. O catálogo, diagramado por Willys, inclui textos de apresentação de cada um dos cinco artis tas da mostra conjunta. O artista assina ainda o texto sobre Hércules Barsotti.

Inauguraram-se ontem, às 18h30, na Galeria de Arte das Folhas (al. Barão de Limeira, 425) cinco exposições simultâneas de pinturas dos artistas Giselda Leirner, Maria Leontina, Tomie Ohtake, Hércules Barsotti e Willys de Castro. O ato inaugural contou com a presença de grande número de artistas e pessoas interessadas nos setores das artes visuais, que lotaram o recinto da galeria. As cinco novas exposi ções ontem inauguradas permanecerão abertas à visitação do público até o dia 27 deste mês, diariamente, das 7 às 22 horas, com exceção dos domingos, dias em que a galeria se abre às 16 horas.

APRESENTAÇÕES E EXPOSITORES

Segundo já firmou o costume, no catálogo das mostras conjuntas incluem-se apresentações de cada artista que, desta vez, são assinadas por Pietro Maria Bardi, Ferreira Gullar, Wolfgang Pfeiffer, Willys de Castro e Theon Spanudis.

Escreve Pietro Maria Bardi sobre Giselda Leirner afirmando que seu trabalho é “uma pintura composta com os ingredientes do espírito, os jeitos apropriados, querendo dizer coisas simples, fixar cândidos motivos achados sem ter sido pro curados” e que a artista “põe na sua pintura o genuíno, a viveza, a independência do seu temperamento”.

Quanto a Maria Leontina, Ferreira Gullar declara que “ela pretende menos pin tar um quadro do que criar ali o lugar propício ao funcionamento de certos enig mas” e que “parece voltar ao problema inicial da atmosfera” na criação de am bientes onde ressurgem dois novos problemas: “o da luz e o da profundidade”.

“As pinturas de Tomie Ohtake – assevera, por sua vez Wolfgang Pfeiffer – têm

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a base firme de uma composição que segura os elementos formais, com acentos necessários, e numa maneira artística, que nunca se perde num jogo de formas apenas”.

Apresentando os trabalhos de Hércules Barsotti, diz Willys de Castro: “seu de senho não se torna algo aplicado em cima de, mas sim uma estrutura expressiva que se situa independentemente sobre o plano e que, ao mesmo tempo, o quali fica e o molda dentro do rigor e da inventiva”.

Já Theon Spanudis, falando da obra de Willys de Castro, assegura que ele “consegue em sua obra captar e/ou realizar o tempo. Não mecânico, que se tra duz em pintura como o sentido de movimento e velocidade, mas o tempo orgâni co, aquele que cria, destrói e recria permanentemente e que se manifesta na arte nas formações tempóricas”.

Como referenciar este documento:

Inauguradas cinco exposições na Galeria de Arte das Folhas. Folha da Manhã, São Paulo, 14 nov. 1959. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http:// www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/8246.pdf>. Aces so em: (data de hoje)

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Institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 8527

Tipo de texto: Crítica

Veículo: Jornal do Brasil

Local: Rio de Janeiro

Data: 22 de março de 1962

Autor: Ferreira Gullar

Imagem: Sem imagem

Título: Uma exposição positiva

Artigo de Ferreira Gullar para o Jornal do Brasil. Nele, o autor elogia a passagem de Willys de Castro e Hércules Barsotti pela Petite Galerie. Entre seus argumentos, aponta que um dos aspectos positivos da exposição diz respeito ao “fato de que os dois artistas se mantêm fiéis a uma linguagem rigorosa, limpa e construtiva”.

A exposição de Willys de Castro e Hércules Barsotti, que ora se realiza na Petite Galerie, tem vários aspectos positivos – e o primeiro deles, o mais evidente, é que se trata de uma exposição bonita. Sim, é agradável ver aqueles quadros e objetos, realizados com precisão e finura, arrumados de maneira harmônica e simples.

Outro aspecto positivo: o fato de que os dois artistas se mantêm fiéis a uma linguagem rigorosa, limpa, construtiva, muito embora não sejam esses os valores em voga. É positivo para os expositores, para a Galeria e como indício de que pa recemos entrar numa etapa nova em que as personalidades se afirmam na fide lidade a si mesmas e aos valores que elegeram.

De fato, a experiência nascida com a arte concreta não se esgotou. A reformu lação feita pelo grupo neoconcreto (de que fazem parte Willys e Barsotti) demons trou isso e – mais que a reformulação teórica – as obras mesmas. Por outro lado, cumpre assinalar que o movimento neoconcreto atingiu o seu objetivo: não se manter como uma ortodoxia, mas abrir portas à invenção e devolver aos artistas ligados à tendência construtiva a liberdade que uma teoria restritiva ameaçava tirar-lhes.

Não sei se se encontram obras-primas nessa exposição da PG. Talvez não. Mas que importa isso? Ou melhor: que significa isso? Willys e Barsotti mantêm vivo –cada qual a seu modo – o espírito de pesquisa honesto, de trabalho pensado, que é fundamental para a concepção de arte que abraçaram. E ninguém pode dizer que suas obras não são belas, que não possuem elas qualidades expressivas e técnicas de raro nível.

Como, em geral, todas as obras neoconcretas, esses trabalhos de Willys e Bar sotti nos propõem um comportamento novo diante da arte: não nos procuram co

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mover com apelos à confusa realidade dos símbolos inconscientes, mas buscam antes, uma redução das vivências a formas claras e tangíveis. Nesse sentido – e isso está evidente nos objetos ativos de Willys – buscam ampliar o vocabulário geométrico apelando para novas relações entre o espectador e a obra, por impri mir aos elementos destas relações inesperadas.

É impossível dizer qual o conteúdo expressivo desses trabalhos. Mas é certo que rejeitam o conteúdo tradicional e que nos propõem ou o fim de uma arte in dividualista ou o nascimento de uma nova arte para um mundo novo.

Como referenciar este documento:

GULLAR, Ferreira. Uma exposição positiva. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 22 mar. 1962. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil. org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/8527.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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Nº de ordem: 21873

Tipo de texto: Crítica

Veículo: O Estado de S.Paulo

Local: São Paulo

Data: 24 de outubro de 1994

Autor: Angélica de Moraes

Imagem: 3 obras do artista

Título: Mercado disputa o raro Willys de Castro

Nesta reportagem, Angélica de Moraes fala sobre a exposição individual de Willys de Castro no Escritório de Arte Sylvio Nery Fonseca e também tece algumas im pressões sobre as suas obras a partir do texto crítico de Frederico Morais. O ar tista era “perfeccionista e autocentrado, não alterava seu ritmo de criação para atender as demandas do mercado”. Outro ponto interessante é que, ao destacar a procedência dos trabalhos, Angélica de Moraes explica que as obras pertencem ao acervo particular do pintor Hércules Barsotti e o cita como “o companheiro de Willys”.

Obras neoconcretas, que deveriam estar nos museus, são colocadas à venda amanhã

Um dos nomes mais importantes da pintura abstrata geométrica brasileira, o mineiro Willys de Castro (1926-1988) teve uma produção de altíssima qualidade e número reduzido de peças, que mostrava raramente. Perfeccionista e autocen trado, não alterava seu ritmo de criação para atender a demanda do mercado. Estas são algumas das razões que conferem importância à exposição individual que o Escritório de Arte Sylvio Nery da Fonseca inaugura amanhã, com 17 obras antológicas de Willys. Todas são raridades dignas de museu.

As obras datam de 1954 e 1961, período mais fértil da carreira do artista, então mergulhado na batalha pela implantação dessa linguagem plástica no país. As telas são feitas com apenas três formas geométricas básicas: triângulo, círculo e quadrado. Várias delas participaram de mostras importantes como a IV Bienal de São Paulo (1957) e a Bienal de Paris de 1961. Pertencem ao acervo particular do pintor Hércules Barsotti, companheiro de Willys e outro nome essencial da arte construtiva. Juntos, eles fundaram em São Paulo, em 1954, o Estúdio de Projetos Gráficos e, em 1959, ingressaram no Neoconcretismo, movimento carioca que se contrapôs aos excessos racionalistas da arte concreta paulista.

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No brilhante texto do catálogo (que não sofre do vaidoso hermetismo que cos tuma assolar a análise desse tipo de produção), o crítico e historiador de arte Fre derico Morais observa que o conjunto de trabalhos da mostra, “ao mesmo tempo que expõe o impecável pensamento plástico de Willys de Castro e sua individua lidade criadora, permite ao visitante reexaminar algumas das questões que mo nopolizaram o debate artístico da década de 50”.

Mais adiante, Frederico nota que “o Concretismo (1956) e o Neoconcretismo (1959), independente de suas divergências doutrinárias, significaram, juntos, uma bem articulada reação a uma figuração ideologicamente comprometida com um Brasil arcaico”. O crítico lembra que “essa simplificação dos meios plásticos, refor çando a ideia de estrutura, coincidiu e em alguns casos antecipou o esforço de modernização da sociedade brasileira”.

A exposição inclui 15 pinturas e dois objetos ativos, nome que o artista deu às obras em que rompe o espaço plano da tela e investiga sua tridimensionalidade. Os objetos ativos requisitam a participação do público que, ao deslocar-se diante deles, descobre ângulos e cores que pertencem à composição.

A galerista Raquel Arnaud não esconde sua surpresa com a mostra, que en volve dois artistas identificados habitualmente com sua galeria: Willys e Barsotti. “Fui amiga de Willys a vida inteira, tínhamos um convívio muito grande”, conta ela. “O velório de Willys foi na minha galeria e foi com telas dele que inaugurei a sede nova na Avenida Brigadeiro Luís Antônio”. Rachel diz “estar magoada” por Barsotti não tê-la informado da intenção de realizar a exposição. “Barsotti não consultou nem a família de Willys antes de ceder essa coleção para seu vizinho expor”.

Raquel acredita que, diante da importância histórica do conjunto, Barsotti de veria primeiramente tê-las cedido para uma exposição institucional, em um mu seu que as contextualizasse adequadamente. “Não vou culpar o dono da galeria, mas os amigos de Willys queriam algo melhor do que essa exposição”, insiste. Entre esses amigos estaria o crítico Ronaldo Brito, contratado por Raquel para escrever o catálogo de uma exposição retrospectiva, proposta por ela ao Museu de Arte de São Paulo.

Barsotti sustenta: “Não tenho nada contra Raquel, apenas acho que tenho o direito de querer um espaço intimista para melhor expor a obra de Willys”. Para ele, a exposição “é um belo tributo e mostra uma trajetória que vai de trabalhos mais construídos até o despojamento total dos objetos ativos”. Na fase posterior, lembra, o artista passaria às esculturas. Barsotti acha que “seria bom” que adqui rissem esses trabalhos para doá-los a museus. “Apesar de minhas doações, Willys ainda não tem um bom conjunto em museu”.

O jovem marchand Sylvio Nery da Fonseca – há três anos no mercado – sus tenta que organizou sua exposição “de modo respeitoso, com a edição de um bom catálogo e muitos cuidados na montagem”. Informações facilmente confir madas através de uma visita à pequena, mas bem organizada e iluminada galeria. Quanto à iniciativa, Sylvio acredita que “ninguém pode cobrar falta de atenção de Barsotti para com a memória de Willys, que já fez várias doações a museus”.

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FUNDO WILLYS DE CASTRO - IAC

Serviço

Willys de Castro - pinturas

Abre amanhã, às 20 horas, no Escritório de Arte Sylvio Nery da Fonseca (r. Oscar Freire, 164, tel: 853.7346). Até 25 de novembro.

Masp organiza retrospectiva do artista

O conservador-chefe do Museu de Arte de São Paulo, Fábio Magalhães, con firma as negociações para a retrospectiva de Willys de Castro em 1995 e informa que Hércules Barsotti doou três obras do amigo para a coleção do Masp. “Em 1991, procurei-o para obter doações ao museu tanto de telas dele como de Willys”, con ta. “Fomos atendidos com grande generosidade”. Fábio lembra ainda que Barsotti doou obras de Willys para o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).

Fábio Magalhães acredita que “o fato da obra circular no mercado não pre judica, e sim favorece sua visibilidade e ajuda à sua permanência, evitando que fique concentrada na mão de poucos”. Como a obra de Willys está catalogada, lembra ele, “não será difícil localizar seus donos, com auxílio das galerias, quando será realizada uma exposição museológica”.

Um dos mais importantes colecionadores de arte construtiva do País, o in dustrial Adolfo Leirner acredita que Barsotti “tem todo o direito de dispor de sua coleção sem consultar ninguém, assim como de escolher a galeria e o crítico para escrever o texto do catálogo”. Leirner sustenta que “ninguém pode se considerar dono de um artista, embora eu não tenha dúvidas de que um pequeno grupo acha que é dono de Willys”.

Para o colecionador, “quem deve se preocupar com a história da arte são os museus e se a retrospectiva ainda não saiu não é culpa dos galeristas nem dos colecionadores, mas dos museus”.

Willys de Castro fez seus primeiros desenhos abstrato-geométricos em 1950. Data de 1953 o início da fase concreta. Em 1959, uniu-se ao grupo neoconcreto na mostra Livro Poema. Sua obra é tributária e seguidora das invenções visuais do pintor holandês Piet Mondrian e do escultor suíço Max Bill. Está na linguagem vi sual, também, dos construtivistas russos liderados por Malévitch. (A.M).

Como referenciar este documento:

MORAES, Angélica de. Mercado disputa o raro Willys de Castro. O Estado de S.Paulo, São Paulo. 24 out. 1994. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/uploads/acervo/arquivos/21873. pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO WILLYS DE CASTRO - IAC

Institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 8120

Tipo de texto: Carta Local: São Paulo

Data: 5 de setembro de 1986

Autor: Aracy A. Amaral

Carta de Aracy A. Amaral, diretora do MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), agradecendo Willys de Castro pela doação de uma obra de Hércules Barsotti. A pintura “Branco/Preto”, de 1961, passa a compor o acervo de arte nacional do museu, principalmente vinculado às tendências construtivas.

São Paulo, 05 de setembro de 1986.

Sr. Willys de Castro

Rua Oscar Freire, 416, ap. 122

Cerqueira César São Paulo - SP

CEP 01426

Prezado Willys, É com enorme satisfação que acolhemos sua doação da pintura “Branco/Preto”, datada de junho de 1961, de Hércules Barsotti, com a qual pudemos, finalmente, preencher importante lacuna de nosso acervo em arte nacional, no que tange às tendências construtivas.

Reiteramos-lhes que, como é de praxe nesses casos, a integração da obra à co leção já fora formalmente aprovada em reunião do Conselho Administrativo do Museu, ocorrida a 7 de maio passado.

Aproveitamos a ocasião para enviar-lhe uma cópia do formulário relativo ao Ins trumento Particular de Doação, para seu arquivo pessoal.

Sem mais pelo momento, subscrevemo-nos Cordialmente, Aracy A. Amaral Diretora

Como referenciar este documento:

AMARAL, Aracy A. Carta a Willys de Castro [carta]. 1986. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/ uploads/acervo/arquivos/8120.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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FUNDO WILLYS DE CASTRO - IAC

Institutodearte contemporânea

Nº de ordem: 8114

Tipo de texto: Lista Veículo:Local: São Paulo Data: 1971

Autor: Willys de Castro

Lista manuscrita com a dedicatória “Ao encorajamento e à inspiração que muito estimularam o meu trabalho, agradeço a”. O artista relaciona 26 nomes de profis sionais ligados às artes e indica o ano em que os conheceu. Entre os nomes estão: Sérgio Camargo, Mário Pedrosa, Max Bill e Ferreira Gullar. Ele registra que conhe ceu Hércules Barsotti em 1952.

Ao encorajamento e à inspiração que muitos estimularam o meu trabalho, agra deço a:

J.Albers - Zurich, 1958

R.A. Babenco - São Paulo, 1971

H. Barsotti - São Paulo, 1952

C. Belloli de [ilegível] – [ilegível], 1958 M. Bill - Zurich, 1958

S. Bollag - Zurich, 1958

P. Boulez - São Paulo, 195?

R.Brito - São Paulo, 197?

W. Caldas Jr. - São Paulo, 197?

A. Celder - São Paulo, 19??

S. de Camargo - Rio, 1962

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FUNDO WILLYS DE CASTRO - IAC

P. S. Duarte - São Paulo, 197?

L. Fontana - Milano, 1958

K. Gerstner - São Paulo, 196? 5

F. Gullar - Rio, 1957

Y. Klein - Milano, 1958

H. Koellreuter - São Paulo, 1953

M. Merleau - Ponty - Paris, 1958

A.Muller. Widmann - Basel, 1958________________Oteiza, São Paulo, 1957? M. Pedrosa - Rio, 1952 ou 59

J. Resende - São Paulo, 196? J. R. Soto - São Paulo, 1963

M. Staber - Zurich, 1958

Vantonrgerloo - Paris, 1958 L. Venturi - São Paulo, 196?

Como referenciar este documento:

CASTRO, Willys de. Lista manuscrita [imagem de lista]. 1971. Acervo do Instituto de Arte Contemporânea. Disponível em: <http://www.iacbrasil.org.br/acervoiac/static/iac/ uploads/acervo/arquivos/8114.pdf>. Acesso em: (data de hoje)

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ficha técnica

Ebook vigas-mestras

Coordenação Geral AdC

Ana Avelar

Coordenação Editorial

Aline Ambrósio

Assistência Editorial Matheus Miranda

Coordenação de conteúdo Ana Roman

Projeto Gráfico e Diagramação Isaac Guimarães

Ilustrações

Isaac Guimarães Aline Ambrósio

Textos Ana Avelar Ana Roman Isaac Guimarães Lucas Alameda Marina Romano Rachel Vallego Renata Reis Samara Correia Thiara Grizilli Suellen Barbosa Vitor Borysow

Transcrição dos documentos Aline Ambrósio Emily Mayumi Isaac Guimarães Suellen Barbosa Vitor Borysow

Preparação e Revisão

Ana Avelar Ana Roman Emily Mayumi Laura Rago Suellen Barbosa

Agradecimentos IAC

Marilucia Bottallo Rita Wirtti Jefferson Figueiredo Markus Vinícius

Agradecimentos

Mabe Bethônico Orlando Maneschy Wisrah Villefort

Coordenação Geral

Ana Avelar

Ana Roman

Curadoria e Pesquisa

Aline Ambrósio

Ana Avelar Ana Roman Emily Mayumi Isaac Guimarães Lucas A. Oliviera Matheus Miranda Marina Romano Rachel Vallego Renata Reis Samara Correia Thiara Grizilli Vitor Borysow

Legendas Críticas dos Documentos

Ana Avelar Ana Roman Isaac Guimarães Lucas A. Oliviera Rachel Vallego Renata Reis Samara Correia Vitor Borysow

Transcrição dos documentos

Aline Ambrósio

Emily Mayumi Isaac Guimarães Suellen Barbosa Vitor Borysow

Comunicação

Samara Correia Vitor Borysow

Projeto Educativo Marina Romano Renata Reis Samara Correia Thiara Grizilli Vitor Borysow

Expografia Digital

Aline Ambrósio Matheus Miranda Marina Romano Isaac Guimarães

Modelagem 3D Aline Ambrósio Isaac Guimarães

Design gráfico e animações Isaac Guimarães

Diretora presidente Raquel Arnaud

Diretora vice-presidente Patrícia Schindler Verderesi

Diretores Ana Serra Cristiana Rebelo Wiener Patricia Wagner Pedro Barbosa Rosa Moreira Têra Queiroz

Equipe Técnica

Diretora técnica Marilucia Bottallo

Núcleo de documentação e pesquisa David Forell (pesquisador) Isabella Barretto (assistente de acervo) Miguel Rosa (estagiário)

Coordenadora administrativa-financeira Cristiane Bloise

Gerente de desenvolvimento institucional Rita Wirtti

Assistente de comunicação Jefferson Figueiredo

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