Governança e Bem Viver Indígena: PGTAs das Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro - Volume 4

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FOIRN, FUNAI e ISA • JULHO DE 2018

Governança e Bem Viver Indígena Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro

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Sumário

Editorial

Do passado, presente e futuro: Gestão indígena ........................... 4

Organizado em parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Instituto Socioambiental (ISA) e Fundação Nacional do Índio (Funai) este é o quarto Boletim Governança e Bem Viver nas Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro e traz os resultados das Consultas PGTAs realizadas em 34 comunidades das terras indígenas: Alto Rio Negro, Rio Apapóris, Balaio, Cué-Cué Marabitanas, Médio Rio Negro I e II e Rio Téa. Nas oficinas de consultas, as lideranças e coordenadores PGTA discutiram com os moradores das diversas sub-regiões do alto e médio Rio Negro os resultados do levantamento socioambiental e prioridades para a gestão de seus territórios. Vale ressaltar os textos de colaboradores acerca de algumas das consultas: André Fernando Baniwa sobre as consultas na região do Içana e Ayari; Ivo Fontoura com o relato de Iauaretê e Nelson Ortiz sobre a região do Traíra e Apapóris e, em especial, a oficina em Cachoeira do Machado. Ademais, o quarto boletim traz um resumo do que ocorreu na II Oficina do Grupo de Trabalho (GT) PGTA, realizada em novembro de 2017 na comunidade Duraka, próxima à sede de São Gabriel da Cachoeira; e textos de colaboradores convidados. Na primeira seção, Do passado, presente e futuro: Gestão indígena, temos a honra de contar com um texto de Braz França, Baré, importante liderança da região, ex-presidente da Foirn por dois mandatos seguidos, de 1990 a 1996. Depois de sua contribuição na diretoria da Foirn, Braz foi nomeado administrador adjunto da Funai em São Gabriel da Cachoeira, foi coordenador geral do DSEI/

Na Colômbia é um pouco diferente:........................... 6 Gestão indígena nas comunidades do Yaigojé Apapóris, Colômbia .....................6

Consultas e II Oficina do Grupo de Trabalho PGTA ..............10 Como foram as consultas e quais são as prioridades levantadas ............. 10

Relato de algumas Consultas PGTA ..........................15 Diálogos e Consultas na Bacia do Içana ....... 15 Iauaretê: consolidação das regras e acordos internos ............................20 Construindo uma visão de futuro na região do Traíra e Apapóris ..........23

As mulheres indígenas rionegrinas e o Bem Viver.............27 Diálogo com gestores públicos e articuladores da PNGATI ...........29 Turismo Indígena: protagonismo, sustentabilidade e gestão do território ...................31 2

Denivaldo Souza Cruz

Próximos passos ........................ 34


Rio Negro, e também supervisor regional da Secretaria de Produção do Estado do Amazonas (Sepror/ AM). Ao completar 65 anos aposentou-se. Atualmente, diz ele: “estou morando no meu sitio, voltei às minhas raízes e estou muito feliz”. Em seguida, Nelson Ortiz, colombiano e pesquisador associado ao ISA apresenta a experiência de elaborar e implementar o Plano de Vida em um resguardo (território) indígena da região do Apapóris colombiano. Na página 27, Elisângela da Silva, Baré, coordenadora do Departamento de Mulheres da Foirn, traz a força das mulheres rionegrinas e conta como elas imaginam participar na gestão dos territórios e o que almejam para o bem viver. E, por fim, Camila Barra e Ana Paula Souto Maior, ambas do Instituto Socioambiental, apresentam as experiências de turismo de base comunitária que estão sendo estruturadas nas terras indígenas do médio rio Negro: TIs Mé-

dio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Rio Téa, Jurubaxi-Téa e Uneuixi. Essas iniciativas estão fundadas na governança das associações indígenas e pretendem contribuir para a gestão, proteção e monitoramento territorial, promovendo geração de renda e melhoria da qualidade de vida nas comunidades. A próxima edição do Governança e Bem Viver nas Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro apresentará os destaques das etapas de validação dos PGTAs nas assembleias sub-regionais e geral da Foirn e a estratégia de implementação de ações dos PGTAs. E assim como esta edição, será publicada e distribuída para as comunidades indígenas, parceiros e setores governamentais.

COLÔMBIA

Alto Rio Negro

VENEZUELA Cué/Cué Marabitanas Balaio São Gabriel da Cachoeira

Médio Rio Negro II

Médio Rio Negro I Rio Apapóris

Rio Téa

Santa Isabel do Rio Negro

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Do passado, presente e futuro: Gestão Indígena Texto de Braz França

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Nesses últimos anos muito tem se falado sobre as questões ambientais nas terras indígenas, principalmente sobre sua gestão. A Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial nas Terras Indígenas (PNGATI), instituída pela portaria 7747/6/12, chega com sua ferramenta principal, os PGTAs, para especificar formas e estratégias de governança nas comunidades indígenas demarcadas. Embora os processos de construção tanto da PNGATI quanto dos planos tenham discutido bastante sobre os problemas das políticas públicas que tratam diretamente da saúde, educação e meio ambiente, ainda não há consenso de como deve ser aplicada essa política ou plano de gestão nas terras indígenas. A gestão ambiental de que tratam as cartilhas ainda está muito distante e de difícil sintonia com os entendimentos dos mais velhos, porque essa velha geração entende que a natureza é completa, e é onde nós seres humanos temos a obrigação de cuidar, zelar e defender. Os nossos ancestrais sempre nos ensinaram como devemos viver bem, em plena harmonia com outros seres viventes dessa “terra mãe”. É preciso aliar isso às ferramentas atuais sem deixar que estas desconsiderem esses ensinamentos. Até 60 anos atrás a gente não tinha preocupação com a sobrevivência. O futuro estava garantido na natureza, agora mudou. Temos que pensar em economia, produzir para ganhar dinheiro, há despesas de escola, roupa, sabão, sal. O tempo passa e o mundo se transforma, a sociedade se moderniza. Temos que acompanhar esses ciclos da evolução. Por conta dessas situações é que existem essas políticas, esses PGTAs. Não é que ele vai nos ensinar a ser índio. É para que possamos entender o que o governo pensa. Os

Braz França, Baré, ex presidente da Foirn e importante liderança indígena do Rio Negro nos debates sobre o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) rionegrino. Juliana Radler/ ISA

cursos de capacitação, treinamentos e oficinas promovidos pela construção dos PGTAs poderão sim fazer surgir algum efeito prático a médio e longo prazo, desde que os jovens participem desses cursos. Teoricamente o governo oferece esses cursos para essa geração, para que seja usado como instrumento legal na reivindicação dos seus direitos e no aprimoramento das políticas públicas nas terras indígenas. Será que os PGTAs ferem a natureza e vão contra os conhecimentos tradicionais? Não, é uma forma de não esquecer os conhecimentos tradicionais. Nós queremos viver bem e viver em paz. Se não trabalharmos direito, se não acompanharmos a evolução, não sobrará para as próximas gerações. Vamos pensar no futuro. Como diz a narrativa, Mira-boia e Tipa, os ancestrais baré, viram que sua família havia crescido bastante, por isso resolveram dividir seu povo, para que a terra fosse ocupada, cuidada e respeitada por todos os grupos e clãs de sua geração. Isso já era uma tática de gestão, uma que seguia o fato de que nós, povos indígenas, amamos a natureza e cuidamos de todo e tudo no “ambiente”. Seguíamos o calendário indígena, sabíamos plantar vários tipos de planta. Quem conhece esse calendário? Por exemplo, de 15 de outubro a 15 de novembro, surge o buiuawaçu traíra e o buiuawaçu pai já entrou em vigor. O que se faz nesse período? Chove muito, os igarapés dão repiquete e os peixes querem sair. E assim segue o ano. São ensinamentos de pai para filho.


Arquivo Foirn - 2017

Jaime Fontes/ Foirn - 2017

Consulta PGTA em Tucuma Rupitá, rio Içana, TI Alto Rio Negro.

Emmanuel Richard - 2017

Participantes da oficina de consulta PGTA na comunidade Loiro, médio rio Uaupés, TI Alto Rio Negro.

Oficina de consulta PGTA na Comunidade São Gabriel do rio Papuri, TI Alto Rio Negro.

Arquivo Foirn - 2017

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Participantes da oficina de consulta PGTA na comunidade Querari, rio Uaupés, TI Alto Rio Negro.

Minhas palavras não são só sobre o passado, quem vive de passado é museu. Minha fala é para os jovens, para aqueles que com menos de 30 anos não sabem da origem da Foirn, porque surgiu, o que provocou, qual era a situação na época? Havia ataques à instituição por parte do governo e da sociedade e isso trazia desunião entre

nós indígenas, os apoios eram muito pequenos e não havia estrutura. Mas nós continuamos e fizemos a instituição se fortalecer, as terras indígenas foram demarcadas. Que a gestão dessas terras também cresça e traga cuidados novos a ensinamentos que são antigos.


Na Colômbia é um pouco diferente Gestão indígena nas comunidades do Yaigojé Apapóris, Colômbia Texto de Nelson Ortiz

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Em 1988 mais de um milhão de hectares (aproximadamente 10.000 km2) de terras ancestrais indígenas pertencentes aos grupos étnicos Tanimuka, Letuama, Cabiyari, Yauna, Gente Dia, Yujup-Maku, Makuna e Barasana, foram legalmente reconhecidas como Resguardo Indígena. Essa terra está localizada na bacia do baixo rio Apapóris, que percorre os departamentos [estados] colombianos do Amazonas e Vaupés, fazendo fronteira com o noroeste da Amazônia brasileira. De acordo com a legislação colombiana, os resguardos indígenas são territórios de propriedade coletiva, que não podem ser vendidos, embargados ou perder seu estatuto de resguardo. Em 1993 as autoridades tradicionais da área constituíram uma Associação de Autoridades Tradicionais Indígenas (AATI), em concordância com normas relativas ao funcionamento dos territórios indígenas e no marco dos direitos garantidos na Constituição da Colômbia de 1991. A missão que a AATI ACIYA (Associação de Capitães Indígenas do Yaigojé Apapóris) definiu para sua organização foi a de proteger as terras ancestrais da bacia inferior do rio Apapóris e promover o bem-estar das comunidades. Com o acompanhamento da Fundação Gaia Amazonas no ano 2000, as comunidades do Apapóris finalizaram a formulação do seu Plano de Ordenamento Territorial e Ambiental (POTA), também concebido como um Plano de Vida. Esse Plano foi realizado tendo como orientação três perguntas fundamentais:

Como se vivia no passado? Como estão vivendo agora? Como desejam viver no futuro? Dessa forma participativa se construiu uma visão de futuro que integrou aspectos culturais, ambientais, sociais e econômicos e definiu um novo caminho baseado na unidade do pensamento de todas as etnias. Esse Plano tinha como objetivo a proteção do território e o melhoramento da qualidade de vida social, baseado no conhecimento tradicional e no fortalecimento organizativo. ACIYA compara seu Plano de Vida com uma Maloca, que por sua vez representa o território e sua forma de administrá-lo. As quatro colunas simbolizam cada um dos setores de trabalho – saúde, educação, meio ambiente e governança indígena. Em 2003 a associação indígena Yaigojé Apapóris, junto com outras dez AATIs do departamento de Amazonas, participaram da criação de uma instância permanente de comunicação e coordenação com o governo departamental (Mesa Perma- nente de Coordinación Interadministra- tiva /MPCI). A Mesa tem como objetivo principal incidir na formulação de políticas e programas de governabilidade adequados para a região. Nesse espaço importantes acordos para o desenvolvimento das AATIs em diversos setores foram firmados. Veja no mapa da página 26 a abrangência de atuação de algumas das AATIs em território colombiano, de fronteira com o Brasil. As comunidades do Yaigojé continuaram avançando com seu processo organizacional por meio da implementação de programas de educação, saúde e governo próprio com enfoque regional. Porém, em 2007 a companhia canadense Cosigo Resources Inc. declarou intenção de abrir processos de exploração e mi-


Federico Bellone/ 2001

Maloca ou casa do saber, no Apapóris colombiano.

neração de ouro no lugar culturalmente mais importante do território da ACIYA, a Cachoeira Yuisi, conhecida como La Libertad, e solicitou ao governo colombiano permissão de extração de ouro. As autoridades e sabedores tradicionais da região toda se opuseram e decidiram solicitar assessoria e ajuda da Fundação Gaia. Considerando que segundo a legislação colombiana a figura do Resguardo garante à população indígena somente o direito de propriedade à terra, mas não ao subsolo, que permanece em mãos do Estado, a única figura legal que pode blindar o subsolo contra uma ameaça de mineração é a de Parque Nacional Natural. Então as autoridades de ACIYA solicitaram ao Estado a criação e constituição legal de Área Protegida no seu território. Dessa forma, em 2009 o Ministério de Meio Ambiente e as autoridades de Parques da Colômbia legalizaram o Parque Nacional Natural Yaigojé Apapóris em sobreposição ao Resguardo Indígena, respeitando a autonomia e os direitos da população local como donos ancestrais do território sem detrimento de sua condição de resguardo. O Parque Nacional Natural Yaigojé Apapóris é a

terceira maior área protegida da Colômbia, alcançando mais de um milhão de hectares de floresta e atuando como eixo de um mosaico de resguardos indígenas e áreas protegidas da parte superior da bacia do Amazonas. Contudo, dois dias depois da declaração do Parque Yaigojé, o Ministério de Minas e Energia da Colômbia concedeu à Cosigo Resources permissão de extração aurífera para a área de La Libertad. A situação causou uma grande divisão entre as comunidades da região, que levou à criação de uma nova AATI, com apoio da Cosigo Resources (A Associação de Comunidades Indígenas do Traira-Vaupés, ACITAVA). ACITAVA (hoje ACIYAVA) apresentou uma demanda legal contra o estabelecimento do Parque sem levar em consideração que o Parque havia sido solicitado pelas mesmas autoridades indígenas e com elas haviam sido acordados os mecanismos de consulta. O destino do Parque ficou sem decisão jurídica por seis anos, até que em 2014 a Corte Constitucional da Colômbia, máxima instância jurídica do país, sentenciou confirmando a legalidade do Parque Nacional e ordenando que

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Juan Gabriel Soler/ Fundação Gaia

Cachoeira do Jirijirimo, no Parque Nacional Yaigojé, Colômbia. Lugar sagrado, onde os deuses Ayawaroa cortaram a grande árvore de água que ao cair formou o rio.

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o Executivo Nacional avaliasse a atuação da empresa Cosigo Frontier Mining Corporation. Caso a mineração tivesse sido permitida, 21 comunidades indígenas que baseiam suas culturas nos sítios sagrados de Yuisi e que dependem do rio para beber água, tomar banho, pescar e se locomover estariam em risco. Solucionado esse problema, ACIYA e a agência governamental Parques Nacionales Naturales (PNN) continuaram o estabelecimento do Regime Especial de Gestão – REM em espanhol (Régimen Especial de Manejo). Como parte desse processo, em 2013 iniciou-se um programa de pesquisa intercultural em temas de ordenamento e gestão socioambiental do território, articulando os conhecimentos tradicionais com métodos de investigação não indígenas. Desde aquele momento, homens e mulheres jovens representantes das comunidades e etnias do território, sob orientação dos sabedores tradicionais e a assessoria técnica de Gaia Amazonas documentam as práticas de gestão de seus territórios ancestrais, os saberes sobre seus sítios sagrados, as pautas que determinam seus calendários ecológicos, e os conhecimentos para a gestão da floresta e da fauna silvestre,

bem como dos modelos de agricultura tradicional. Toda essa informação é essencial para entender o território, suas dinâmicas e as práticas de uso e cuidado como aporte fundamental do REM. A documentação do conhecimento indígena sobre o território e sobre as práticas de uso e gestão da terra, como fundamentos do acordo interinstitucional de gestão, validam o conhecimento tradicional indígena e firmam as bases de um novo modelo de governança para a gestão territorial em coordenação com o Estado. Esse resultado, que está atrelado ao compromisso e entrega dos sabedores tradicionais e dos jovens pesquisadores, teve como efeito o fortalecimento do programa de investigação local e a divulgação nacional e internacional da importância de apoiar a conservação do Yaigojé e de seu modelo cultural de gestão ambiental. Nesse sentido, em 2014 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) concedeu às autoridades tradicionais e grupos de investigação dos povos indígenas de ACIYA o Prêmio Equatorial 2014, reconhecendo sua excelente e inspiradora gestão para a proteção e conservação da floresta.


Recentemente o governo nacional deu mais um passo no caminho de reconhecimento das Entidades Territoriais Indígenas ao assinar o Decreto 632, de 2018, pelo qual define os procedimentos para colocar em funcionamento de forma gradual os territórios indígenas, localizados em áreas não municipalizadas. Para avançar no cumprimento dos requisitos que esse novo cenário implica, as associações locais, tendo como referência os

modelos tradicionais de governança territorial e ambiental, começam a discutir ajustes aos sistemas de tomada de decisões e atualizações dos seus Planos de Vida, cuja primeira versão foi elaborada em 2000. A formação e a educação de jovens homens e mulheres que participam dos programas de investigação está proporcionando uma base firme para a formação de lideranças das associações indígenas do Yaigojé.

Presidente colombiano reconhece Territórios Indígenas como unidades equivalentes a municípios Em abril de 2018, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, publicou decisão histórica que reconhece as autoridades indígenas como governos locais em três departamentos (Estados) da Amazônia colombiana: Guania, Vaupés e Amazonas. Nas terras indígenas, essas autoridades terão posição equivalente ao de prefeituras, com status de divisão político administrativa. Na Colômbia, as Terras Indígenas (Resguardos), já eram reconhecidas como propriedade coletiva dos povos indígenas desde antes da Constituição de 1991. Mesmo com a mudança constitucional, porém, continuavam administrativamente dependentes dos governos para a definição e execução de políticas públicas e do acesso a serviços públicos essenciais como educação, saúde e saneamento básico. A partir da Assembleia Constituinte de 1991, o Estado colombiano avançou na conquista de direitos indígenas. Isso incluiu desde a manutenção da propriedade coletiva das terras indígenas até o reconhecimento da governança indígena sobre suas terras na categoria de autoridades públicas de nível local. Situação totalmente diferente com a do Brasil, onde os povos indígenas têm usufruto das terras, que pertencem à União Federal, ao Governo Brasileiro. O ato presidencial recentemente publicado, promove o funcionamento dos territórios

indígenas como divisões administrativas e políticas da Colômbia, trata-se de um resultado de mais de 27 anos de luta do movimento indígena. Seu avanço concreto acontece no contexto de pós-conflito armado, em que o Estado colombiano precisa se fazer presente em extensas regiões do país onde instituições governamentais tiveram pouca ou nenhuma atuação durante os últimos 60 anos. No caso concreto da região da Amazônia colombiana, a possibilidade de criar territórios indígenas é, sem sombra de dúvidas, o reconhecimento formal da governança indígena que de fato vinham exercendo as Associações de Autoridades Territoriais Indígenas, as ATTIs. O decreto publicado, 632, não cria territórios indígenas, ele prevê as regras para sua formação, sempre a partir da iniciativa exclusiva dos povos interessados. Assim, o funcionamento fundamenta-se na criação de: Conselhos Indígenas, instâncias de governo e representação legal dos TIs; Acordos Interculturais, instrumentos de coordenação entre os TIs e os demais níveis de governo regional e nacional, e por último, os Planos de Vida, instrumentos de ordenamento territorial e planejamento administrativo. O novo decreto, ao dispor sobre o funcionamento dos territórios indígenas, permite não só a garantia da propriedade coletiva mas o exercício de direitos políticos do auto-governo.

Texto extraído da Notícia Socioambiental (NSA) divulgada nas redes sociais do ISA em 18 de abril de 2018. (https://isa.to/2ljd6tg)

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Consultas e II Oficina do Grupo de Trabalho PGTA Como foram as consultas e quais são as prioridades levantadas Em junho de 2017, na maloca da Foirn, aconteceu a primeira oficina após a realização do levantamento socioambiental para elaboração dos PGTAs do rio Negro. Nesta oficina os participantes trabalharam com as informações levantadas, ou dados, para analisar e rever itens para eventuais ajustes. Um roteiro de questões para facilitar a análise dos dados foi seguido e nesta oficina se planejou a etapa de consultas que veio a somar na construção participativa dos PGTAs. Cada coordenadoria regional da Foirn estabeleceu então uma agenda para apresentar e rever os dados levantados em comunidades estratégicas. Assim, as consultas ocorreram entre junho de 2017 até o início de 2018. Os objetivos prin-

cipais dessas consultas eram retomar as discussões sobre PGTA, apresentar os dados levantados e apontar prioridades para as propostas dos planos de gestão. Já em novembro de 2017 outra oficina foi realizada, desta vez na comunidade de Ilha de Duraka e o resultado das consultas foi apresentado pelas coordenadorias regionais. Em um primeiro momento essa apresentação foi entre as coordenadorias e membros da Foirn, Funai e ISA. Após a organização do material, a apresentação foi para as instituições convidadas. Ao todo foram 35 consultas nas cinco regiões da Foirn, sendo que cinco delas foram direcionadas ao povo Hupd’äh, além de 2 etapas que foram realizadas em 2018: a segunda consulta em Iauaretê e uma no Traíra. Veja no mapa das páginas 18 e 19 onde ocorreram as consultas. A maioria das consultas foi realizada sob uma lógica de apresentação, socialização e debate sobre os PGTAs

Dança do Cariçu no encerramento da segunda oficina do grupo de trabalho do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das terras indígenas do Rio Negro.

Juliana Radler/ ISA - 2017

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Saúde As consultas apuraram que é necessária uma melhoria do sistema como um todo. Quanto a estrutura foram mencionadas construção e reforma dos polos base, construção de postos médicos comunitários e de um “laboratório” para produção de remédios tradicionais, também referido como farmácia viva. A questão do abastecimento de água por meio de tecnologias alternativas como carneiro hidráulico, captação da água de chuva e poços também foi destacada. Outra questão crucial é sobre a melhoria na eficiência do transporte de pacientes. Quanto à rotina do atendimento de saúde foi expressada a necessidade da presença permanente da equipe nos polos, aumentando a frequência de atendimento nas comunidades, e o abastecimento regular das farmácias comunitárias com remédios tradicionais e alopáticos. No assunto de controle social, as coordenadorias trouxeram a questão de que é preciso aumentar a governança indígena do DSEI/RN. No quesito de formação, há demanda por maior capacitação dos agentes de saúde e a elaboração de programas de prevenção e de discussão e manejo do lixo. Ademais, uma série de propostas sobre cuidados com o lixo foram apresentadas: o reco-

Aline Scolfaro/ ISA - 2017

seguida por trabalhos em grupos que se dividiram ou por temas ou por coletivos de idade, gênero ou ocupação. Os principais responsáveis por essa rodada foram moradores das comunidades integrantes do grupo de trabalho para elaboração dos PGTAs e as coordenadorias regionais da Foirn. Aqui apresentamos, por tema, as prioridades e recomendações resultantes das consultas.

Grupo de mulheres durante a consulta PGTA, comunidade Matapi, baixo rio Uaupés, TI Alto Rio Negro.

nhecimento e a ampliação da rede de agentes indígenas de manejo ambiental; o fortalecimento e expansão dos agentes indígenas de saneamento; a organização da coleta e destinação do lixo nas comunidades; a coleta e destinação de pilhas e baterias e; a implantação de programas de saneamento principalmente em comunidades maiores como Iauaretê. Sobre os povos de recente contato foi levantada a questão sobre a criação de um DSEI específico Hupd’äh e Yuhupdeh, além da presença de tradutores para as equipes tanto em campo como no atendimento na cidade. Finalmente, uma questão central foi a necessidade de benzedores, conhecedores e parteiras serem incluídos no sistema de atendimento à saúde tendo o devido reconhecimento e condições para continuarem e aprofundarem a atuação em tratamentos e prevenções em uma ação de valorização da medicina tradicional indígena.

Educação Neste outro tema estrutural a presença dos conhecedores tradicionais, reconhecidos pela comunidade, foi requisitada de uma forma que estes devem ser contratados em regime específico para o ensino de matérias relacionados à cultura, à vida indígena como um todo e para aprofundar os diálogos interculturais. Foi notada a importância de exercer a memória acerca das discussões sobre educação observando documentos das conferências e encontros especí-

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Olhando resultados dos dados do levantamento socioambiental durante oficina consulta PGTA na comunidade Amium, alto Rio Negro, TI Cué-cué Marabitanas.

Humberto Pereira Neto - 2017

espaço para venda e beneficiamento de produtos da roça e do extrativismo precisa ser estruturado. Oficinas de precificação, formação para estratégias de comercialização com criação de tabela de preço dos produtos também foram requisitadas. Outro ponto destacado foi a realização de pesquisas sobre o potencial de produtos como castanhas, frutas e óleos da região para alimentação e cosméticos (piaçava, bacaba, patauá, e umari). Outro item a ser estimulado são as iniciativas familiares para criação de animais de pequeno porte (aves, piscicultura, suínos). Sendo o produto central derivado das roças, foi colocado que é importante realizar estudos de mercado e mobilização para o comércio de farinha. Uma iniciativa menos centrada nos produtos mencionada foi a estruturação de um circuito de turismo. Mostrou-se necessário também discutir as consequências da monetarização da economia para que haja solução para dívidas acumuladas, boas práticas de uso do cartão e sejam feitos acordos com uma pequena rede de comerciantes. Este item foi uma das prioridades no grupo Hupd’äh e Yuhupdeh. Por fim, foi discutido que é preciso estimular a relação de troca de produtos entre os indígenas, não só a venda, criando programas de incentivo para retorno das famílias para suas comunidades de origem.

Geração de renda Projetos de comercialização de artesanatos e produtos da roça foram propostos para geração de renda, bem como a realização de oficinas sobre as cadeias de artesanato: da extração à venda e distribuição. É preciso uma mobilização para que artesãos aumentem as vendas na Wariró – loja da Foirn – e que essa forneça explicações sobre a formação de preço e as contas. Um

Grupo de mulheres durante consulta PGTA na comunidade São Pedro, alto Tiquié, TI Alto Rio Negro.

Lucas Bastos - 2017

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ficos. Uma ferramenta central apontada foram os Projetos Políticos Pedagógicos Indígenas (PPPIs); de acordo com as consultas é uma prioridade elaborar, reconhecer e implementar esses como meio para as comunidades conhecerem a discussão e a prática da educação escolar indígena. Aponta-se para a necessidade do apoio técnico para formulação dos projetos, além da capacitação dos professores para elaborar e monitorar essa ferramenta. Foi apontada como necessária uma melhor infraestrutura das escolas, o que significa em muitos casos criar escolas que hoje funcionam em casas ou centros comunitários. Outra demanda recorrente foi a de um programa de merenda regionalizada constante, desburocratizada e com regras claras de compra e venda. Finalmente, o acesso à qualificação continuada dos professores e ao ensino técnico e superior precisa ser ampliado e aprofundado.


Monitoramento, fiscalização e vigilância

Valorização Cultural e dos Conhecimentos Indígenas

Tema que foi apontado como urgente e permanente, foi sugerido que seja garantida a permanência das Coordenações Técnicas Locais (CTLs)/ Funai, equipadas, com equipe mínima e insumos. Recomendou-se também que haja uma política de contratação de Agentes Socioambientais pelo Município, Estado e Governo Federal. Nesse tema foi incluída a necessidade de se estabelecer e implementar acordos e regras internas para o uso do território e recursos. Dentre esses se colocam necessários acordos de pesca e caça; acordos para manejo de recursos do extrativismo; acordos sobre áreas de roçado; o diálogo com comunidades do lado colombiano e venezuelano para se traçar acordos binacionais na área da saúde, educação, manejo e gestão territorial e; o monitoramento e conscientização destes acordos internos e entre comunidades.

Este tema foi apontado como central e transversal para a gestão do território. A maior questão e preocupação apontada foi em relação à transmissão dos conhecimentos entre as gerações, que estaria se enfraquecendo com todas as transformações no ritmo de vida das comunidades e com o processo de escolarização. Assim dentre as prioridades apontadas está o incentivo ao diálogo intergeracional e à transmissão dos conhecimentos tradicionais aos jovens (benzimentos, danças, cantos, narrativas de origem, lugares sagrados, artesanato, técnicas de manejo, etc), por meio das famílias, das escolas, projetos específicos e centros de revitalização das culturas indígenas. Outra prioridade levantada foi a valorização dos benzedores, por meio de políticas e projetos culturais e da inserção desses profissionais no sistema de saúde e na educação escolar indígena. Valorização e respeito aos lugares sagrados também foi um tema de destaque, e dentre as propostas estão: a continuidade dos mapeamentos, registros e patrimonialização dos lugares sagrados dos diversos grupos étnicos; iniciativas de sensibilização e divulgação sobre a importância desses lugares através de cartilhas, vídeos, trocas intergeracionais e mesmo do turismo de base comunitária nas terras indígenas do rio Negro. E outra prioridade apontada em quase todas as regiões foi a criação, reativação e/ou fortalecimento de centros da cultura e línguas indígenas.

Infraestrutura Nessa região onde há muitos obstáculos para a navegação, as consultas apontaram para a viabilização de passagens terrestres nos trechos de cachoeiras. Por ser remota mostram-se importantes também as tecnologias de informação e comunicação comunitárias e das escolas. O fornecimento de energia elétrica constante, em formas sustentáveis e eficientes, é outro item apontado pela maioria das consultas.

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Marivelton Rodrigues Barroso/ Foirn - 2017

Oficina consulta PGTA na comunidade Tapuruquara Mirim, rio Negro, TI Médio Rio Negro I.

Fortalecimento institucional e governança

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Um posicionamento central nesse tema foi o de que as terras indígenas têm que continuar demarcadas. Para que sua gestão seja efetiva, é necessário manter e fortalecer a governança indígena do território e o controle social do movimento indígena (participação em fóruns e monitoramento de políticas públicas). Este por sua vez deve fortalecer a comunicação com as comunidades sobre os direitos indígenas em ações que envolvem elaborar material que explica os direitos indígenas e levar para comunidades e escolas. É preciso também capacitar as associações indígenas para acessar diretamente recursos de projetos de desenvolvimento local e dentre essa capacitação a formação política dos jovens e inclusão das mulheres é essencial. Há ainda a questão de regularização das associações, base para acessar recursos em forma de editais, convênios e parcerias. Na questão da cidadania indígena foi apurada que os mutirões de emissão de documentos são necessários, principalmente para os povos de recente contato. Por fim, a representação indígena no poder legislativo deve ser ampliada além da esfera municipal para a garantia dos direitos indígenas.

Em algumas consultas, grupo de mulheres discutiram as prioridades para o PGTA, bem como no Grupo de Trabalho (GT). É prioridade para as Mulheres: o melhor atendimento à saúde das mulheres e crianças, com profissionais respeitosos e que a política de saúde valorize os conhecimentos das mulheres sobre plantas e protocolos de cura e integre ao sistema público de atendimento às gestantes, as parteiras indígenas, assim como os benzedores. As mulheres consideram essencial que nas estruturas de governança e tomada de decisões para a gestão do bem viver haja condição e valorização para a participação delas e dos jovens. Elas priorizaram também a segurança alimentar e geração de renda, propondo projetos de feiras locais com participação direta das agricultoras e apoio para transporte, oficinas e intercâmbio e desburocratização da merenda regionalizada. Outras importantes preocupações e desafios pontuadas pelas mulheres foram: suicídio de jovens, violência contra mulheres e abuso de álcool. Estas propostas e prioridades estão aqui exibidas de forma resumida sem especificar localidades e atores. No entanto, vale notar que as consultas produziram o registro das questões centrais a cada localidade. Como nessa etapa as reuniões juntaram mais de uma comunidade, diferentemente do levantamento, a participação foi principalmente por meio de representantes apontados pelas comunidades. No entanto, são comunidades vizinhas e que formam conjuntos sub-regionais dentro das terras indígenas. Tanto pelo material gerado como pela presença de grande parte das comunidades, essa etapa se mostrou fundamental na construção dos PGTAs das TIs do alto e médio rio Negro.


Relato de algumas Consultas PGTA Diálogos e Consultas na Bacia do Içana Texto de André Baniwa apoiado pelos relatórios das Consultas escritos por Plinio Guilherme Nos 3 milhões de hectares da bacia do Içana vivem os povos Baniwa e Koripako desde o tempo da criação e origem da humanidade. Suas histórias milenares orientam a ocupação desses povos baseando-se por conhecimentos detalhados. Estes povos são Aruak, uma das famílias linguísticas que junto com Tukano Oriental e Nadehup, ocupam a Terra Indígena Alto Rio Negro demarcada em 1997 e homologada em 1998 pelo governo federal. As consultas PGTAs foram coordenadas e executadas pela Coordenadoria de Associações Baniwa e Koripako – CABC, Foirn, Associação Indígena da Bacia do Içana – OIBI e ISA. Os períodos, em 2017, e localidades onde aconteceram as consultas foram: • 19 a 21 de junho na comunidade Boa Vista Foz do Içana com 100 pessoas • 28 a 30 de setembro na comunidade São Joaquim com 200 pessoas • 3 a 5 de outubro na comunidade Canadá do Rio Ayari com 100 pessoas e • 17 e 18 de outubro na comunidade Tucumã Rupitá com 132 pessoas. Ao todo participaram 432 pessoas. A novidade para o povo Baniwa é que somos a etnia com o maior contingente populacional da região. São 4.144 pessoas representando cerca de 17% da população contabilizada no levantamento. O povo Koripako teve 1.265 pessoas contabilizadas, o que corresponde a 5% aproximadamente. Considerando o território do Içana e afluentes somam-se 5.091 pessoas que

representam 22,7% no contexto do levantamento. Este ainda possibilitou ter dados populacionais por microrregiões. Alto Içana 1.121 pessoas; médio Içana 1.457 pessoas; baixo Içana 1.399 pessoas e no rio Ayari 1.091 pessoas. Existe a preocupação em relação à saída de pessoas de suas comunidades para outras regiões ou cidades, o que é um movimento comum, motivado em grande parte pela educação. Chama atenção a insuficiente qualidade e espaço da formação escolar. Estes dados são importantes para nossa reflexão, para pensar o futuro. A melhor formação escolar é uma demanda prioritária do povo Baniwa e Koripako nos últimos tempos. Até bem recente não tínhamos gente formada nem no ensino fundamental completo, quanto menos no ensino médio e superior. Mas tem sido crescente a formação e escolaridade. Os dados dizem que há 87 pessoas cursando nível superior e 66 pessoas já formadas. Além disso há Baniwas espalhados em universidades no país afora estudando: agronomia, administração, ciência contábil, engenharia mecânica, enfermagem, odontologia, psicologia, química, direito, antropologia e linguística. Assalariados também eram quase inexistentes na bacia do Içana dez anos atrás e o levantamento mostra que hoje em dia há 290 profissionais através dos quais entram recursos financeiros. Baseado nestes dados e outros não mencionados aqui, acumulados pelo nosso movimento indígena, houve reflexões no sentido de como isso vem crescendo e influenciando as vidas nas comunidades. Como queremos que seja daqui para frente? Como podemos gerir o que nós temos hoje?

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Gestão territorial e ambiental: povos Baniwa e Koripako da bacia do Içana

Como e o que queremos

O que não queremos

1. Morar na nossa terra segundo nossa cultura, tradição, e costumes contemporâneos promovendo conferências, convenções e santa ceia. Também queremos formação escolar para que nossos filhos possam continuar seus estudos tanto em conhecimentos tradicionais como nos conhecimentos ocidentais.

1. Pesca com mergulho; careta, malhadeira e uso de timbó a noite. É preciso colocar em prática acordo de pesca publicada no livro “o que a gente precisa fazer para viver e estar bem”.

2. Respeito dos governantes e da sociedade sobre nossa forma de vida em nosso território; nós queremos que nós mesmos cuidemos da nossa terra, pois somos donos. 3. Lei específica para exploração de minério para que nós mesmos possamos cuidar da gestão. 4. Que nossos filhos aprendam todas as leis, conhecimentos florestais, agricultura, criação de animais, e medicina envolvendo as tracionais milenares e da sociedade envolvente.

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5. Valorização dos sábios e que repassem saberes para novas gerações (técnicas de produção; danças e instrumentos musicais; medicina e plantas de cura). Exigimos respeito à nossa forma própria de ensinar. 6. Que o governo nos ajude na estruturação da comunicação, educação, energia limpa, acesso a recursos (banco postal), saúde e transporte. Políticas de aposentadoria própria. 7. Suporte do governo para nossas festas religiosas e que ajeitem as estradas de passagem em Tunuí Cachoeira e Apuí Cachoeira com casas de apoio e caminhonete. 8. Casa de apoio onde possamos vender nossos produtos em São Gabriel da Cachoeira.

2. Derrubada de patauazal, caranazal, buritizal e iraitizal. 3. Outras denominações de igrejas além da Igreja Bíblica Unida e Católica. 4. Não queremos invasão em nossas terras.

Importância de gestão e monitoramento 1. Gestão indígena de TIs é execução, é prática dos direitos indígenas. 2. Valorizar o uso das práticas ancestrais em manejos de recursos naturais que garantam soberania alimentar. 3. O PGTA é uma oportunidade de criar um novo modelo de governança entre povos indígenas, seus parceiros, e o Estado Brasileiro por meio de acordos, parcerias formais e implementação adequada de políticas públicas. 4. É importante a revisão dos dados do levantamento nas comunidades antes da aprovação final do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Alto Rio Negro. 5. Avaliação do PGTA deve ser feita anualmente acompanhando o ciclo do PPA do município e a revisão a cada 10 anos. 6. Localmente PGTA deve ser monitorado pelo Conselho KAALY e também: OIBI, CABC, Foirn, ISA e Funai com a participação de representantes das comunidades, incluindo estudantes e mulheres.


Condições para Gestão: Cabe ao Estado Brasileiro garantir 1. Reconhecer, respeitar, garantir recursos financeiros e ajudar implementar o PGTA das terras indígenas de acordo com os termos aprovados pelos povos indígenas.

Carol Quintanilha/ ISA - 2018

Comunidade Canadá, rio Ayari, TI Alto Rio Negro.

2. Transparência na gestão de recursos financeiros.

Principais projetos de promoção do Bem Viver

3. Promover meios para mobilização interna dos povos indígenas e sua participação nos espaços de formulação e gestão dos poderes Executivo e Legislativo.

1. Desenvolver pesquisas e novos produtos para produção e comercialização dos produtos do Sistema Agrícola Baniwa e Koripako Kaaly, incluindo cestarias, cerâmicas e criação de pequenos animais.

4. Fomentar discussões com os demais povos indígenas do rio Negro sobre organização, proteção e fiscalização das terras indígenas. Ninguém pode entrar em terras indígenas sem autorização da Funai de Brasília e sem concordância das comunidades, do povo e de suas organizações representativas. A CPRM e Lacombe devem ser denunciados, retirados e impedidos de entrar em nosso território do Içana e afluentes. 5. Nós queremos polícia federal, militar e guarda municipal comunitária permanente junto à Funai nas comunidades Boa Vista, Tunuí e São Joaquim. 6. Reconhecimento pelo Estado dos agentes de monitoramento ambiental para monitoramento do PGTA nas comunidades indígenas. 7. Criação urgentíssima, pelo Estado do Amazonas das Escolas de Ensino Médio profissionalizante Baniwa formalmente requeridas em 2013. 8. Bolsa de estudo e bolsa permanência nas Universidades federais, estadual, e particulares aos estudantes indígenas. Implantação da Universidade Indígena Baniwa.

2. Implementação de transporte comunitário no rio Ayari, médio Içana I e II que possa servir de mobilidade e escoamento da produção. 3. Instalar radiofonias, telefones públicos em todas as comunidades que ainda não tem, a fim de garantir igualdade de acesso e oportunidade; internet em comunidades estratégicas. 4. OIBI/ CABC/ Foirn/ ISA/ Funai devem priorizar implantação de central de abastecimento por meio de cooperativa com tecnologia de compra e pagamento de mercadorias para facilitar recebimento de benefícios e salários. 5. As terras indígenas do rio Negro devem ser um projeto onde o governo federal as considere como unidades administrativas para garantia de direitos em políticas sociais e serviços públicos, com autonomia de planejamento e orçamento anual.

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Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro: oficinas de consultas, junho 2017 a abril de 2018

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Oficinas de Consultas do PGTA Áreas Protegidas Unidades de Conservação Terras Indígenas onde foram realizados o levantamento socioambiental em 2016 e 17 e as consultas PGTA Outras

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em fase inicial de discussão sobre PGTA

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Iauaretê: consolidação das regras e acordos internos Texto de Ivo Fontoura

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Nos dias 15, 16 e 17 de março de 2018 aconteceu a segunda oficina de consulta de elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental – PGTA em Iauaretê na região de abrangência da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê – COIDI. O principal objetivo, além de contextualizar o processo de construção dos PGTAs e apresentar seus dados, foi o de discutir, complementar e consolidar as regras e os acordos internos das 10 comunidades do centro de Iauaretê. Participaram dessa oficina lideranças das 10 comunidades, professores, estudantes, Organização das Comunidades Indígenas de Iauaretê (OCII), COIDI, Foirn e Funai/ CRRN. O incentivo para realização dessa oficina surgiu durante a II Oficina do GT para elaboração dos PGTAs realizada na Ilha de Duraka. Foi colocada a necessidade de discutir e complementar informações mais detalhadas de como os acordos internos iriam funcionar em Iauaretê e quais as responsabilidades das comunidades, lideranças e moradores. Com essa finalidade, em janeiro de 2018 foram realizadas reuniões de articulação pela equipe da COIDI nas comunidades para que as lideranças pudessem reunir, discutir, elaborar e complementar os acordos internos juntamente com os moradores.

Concentração populacional, fragilização das regras e acordos internos, geração de conflitos. Vale ressaltar que o crescimento da população de Iauaretê proporcionado pelo fechamento do internato e o surgimento de novas comunidades a partir da década de 80, demandou que as famílias recém chegadas procurassem terrenos para construção de casas, abertura de roçados e adquirissem alimentos no entorno das comunidades tradicionais de Dom Bosco, São Miguel, Domingos Sávio, Santa Maria e São Pedro. Isso se deu principalmente nas três primeiras, que ficam na margem esquerda do rio Uaupés. Por isso, essas famílias começaram a dialogar com os moradores tradicionais, em sua maior parte Tariano, para poderem conseguir terrenos e se fixar provisoriamente em Iauaretê, até que os filhos concluíssem seus estudos. Nessa época a cessão dos terrenos pelos Tariano foram facilitados pela razão de que estes se casavam com mulheres de outras etnias, aquelas provenientes da calha do rio Papuri e da região do médio e alto rio Uaupés. Isto é, as famílias recém chegadas eram encabeçadas pelos cunhados e sogros dos Tariano. Isso facilitou para que conseguissem terrenos que aos poucos foram sendo ocupados conforme a orientação que recebiam destes. Da mesma forma acontecia com o usufruto dos lugares de caça, pesca e retirada dos produtos da natureza. Por outro lado, esse diálogo que vinha sendo estabelecido entre moradores tradicionais aos poucos foi sendo fragilizado com a chegada de novas famílias e com pessoas novas assumindo o papel de lideranças das comunidades. Em consequência disso, o modo como as


lideranças tradicionais de Iauaretê mantinham a governança das suas comunidades, dos seus territórios, dos lugares de usufruto, também se fragilizou. Esse novo cenário fez com que conflitos começassem a surgir entre as famílias das dez comunidades. Conforme o livro “Povoado Indígena de Iauaretê: perfil socioeconômico e atividade pesqueira” publicado em 2017, em 1982 a população de Iauaretê era de 542 pessoas. Em 1988 esse número dobrou para 1.011 pessoas com a formação de novas comunidades. Já em 2015 essa população girava em torno de 3.028 pessoas.

Por que realizar a oficina de consolidação das regras e acordos internos em Iauaretê? Consolidar regras e acordos internos em Iauaretê é importante porque há conflitos em relação a ocupação do território, manejo e uso de recursos naturais.

Que conflitos são esses? • Conflitos relacionados à prática e utilização dos lugares de pesca: pesca predatória, careta, invasão das áreas de pesca e pesca sem permissão. • Conflitos relacionados à ocupação dos terrenos para abertura de roças: invasão do limite de outra família sem pedir autorização; casos de furtos e roubo de produtos da roça de outras famílias. • Desrespeito em relação à coleta de produtos da mata: muitas pessoas causam danos irreversíveis ao coletar produtos da mata, chegam e derrubam, sem respeitar, sem pensar no outro, nem querem saber a quem pertence. • Desrespeito com os lugares sagrados: como o caso de pedras que não podem

ser tocadas, pois trazem consequências para o corpo como doenças, e que as pessoas deixaram de respeitar.

O que fazer para que as regras e acordos internos sejam reconhecidos? Além da sistematização das regras e acordos internos que são essenciais para o seu reconhecimento foi notado que: • É necessário que haja respeito, permissão e autorização das famílias tradicionais para ter acesso à determinada área para poder construir casa e abrir os roçados. • É preciso mapear os limites das áreas de cada povo e comunidade e seus territórios para que as novas gerações tenham acesso a essas informações. • É preciso fazer documentos claros com essas regras e acordos e manter essas informações nas instituições que atuam em Iauaretê, como COIDI, OCII e a comunidade eclesiástica. • É preciso distribuir informativos com as regras e acordos de Iauaretê para todas as famílias de Iauaretê e comunidades das calhas do Distrito. Os moradores de Iauaretê também devem respeitar as áreas das comunidades do entorno (no Alto Uaupés, Médio Uaupés e Papuri). Por isso as regras criadas pelas comunidades das calhas desses rios precisam ser claras e circular em Iauaretê para que todos estejam cientes. Discutir para reorganizar as regras e acordos internos foi importante porque Iauaretê passou a ser um povoado multiétnico com a maior concentração populacional dentro da Terra Indígena Alto Rio Negro. Durante a oficina pudemos perceber o quanto foi importante essa discussão para os participantes.

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Almerinda Ramos/ Foirn - 2017

Grupo de jovens durante oficina de consulta PGTA em Iauaretê.

No grupo de trabalho da comunidade Santa Maria um dos moradores falando da falta de terrenos e da possível resolução desse problema afirmou que as famílias que saem das suas comunidades precisam de espaço para poderem construir moradias e abrir os roçados. Por isso, “nós que moramos em Iauaretê

antes da chegada dos missionários precisamos trabalhar, nos lugares onde já viemos trabalhando. Precisamos abrir uma vicinal para ocuparmos e trabalharmos nessa terra. Vamos marcar um dia para fazer o levantamento das famílias que não possuem terreno para depois disponibilizá-los no sentido que possam trabalhar conforme a nossa orientação, sem que haja conflitos para o desenvolvimento das atividades para o sustento das nossas famílias.”

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Vejamos outras afirmações que surgiram no momento das apresentações dos grupos de trabalho:

“Trabalhamos no lado colombiano, porem é necessário pedirmos autorização. As pessoas que gostam de furtar precisam ser conscientizadas para não mais praticarem esses atos. A cratera aberta pela COMARA precisa ser fechada. As pessoas de fora quando entrarem nas nossas comunidades precisam consultar para o aval ou não da comunidade. É preciso definir os limites das nossas comunidades.” (liderança da comunidade Aparecida)

“Trabalhamos no terreno dos militares. Não temos certeza se vamos continuar trabalhando, vai depender da decisão dos militares. Isso porque pedimos licença. Tem alguns militares que compreendem a nossa situação. Precisamos de documentos que ajudem nas cobranças. Queremos que seja realizado um acordo de convivência com o Exército.” (liderança da comunidade Domingos Savio)

“Estamos aqui elaborando um acordo para reorganizar as nossas ações e comunidades. Não temos de pensar naquilo que não dê resultado para o bem-estar de todos. Se pensarmos nisso, coisas ruins acontecem. Para não acontecer isso é que estamos conversando aqui...Não vamos ensinar coisas como furto aos nossos filhos, precisamos orientar para que não cometam isso.” (liderança Hupd'äh da comunidade Fátima)

“Temos de respeitar os lugares sagrados, verificamos que hoje a maioria não respeita. As pedras que têm significado e precisam ser respeitadas. Não temos de vender terrenos. O tinguijamento durante a época de seca precisa ser controlado.” (liderança da comunidade São José)

“Temos que protocolar e documentar acordos perante a COIDI e OCII. Ali estará descrito como a pessoa deverá proceder quando utilizar o terreno cedido por outras pessoas.” (liderança

da comunidade Sagrado Coração)


“É necessário preservar a natureza. O timbó utilizado precisa ser destinado no lugar adequado. Para construção de moradia a pessoa deve primeiro saber se aquele território pertence a alguma família. Precisamos orientar as novas gerações sobre a importância dessas discussões.” (liderança de São Miguel)

“Durante a retirada do cipó temos de orientar para sempre deixar pelo menos dois cipós novos para continuarmos tendo reserva para outras ocasiões.” (liderança de Domingos Savio)

“É bom fazermos o manejo durante a época da seca. É bom acabar com a prática de mergulho. Conscientizar as pessoas para tinguijarem nos lugares determinados. Sobre a retirada de madeira é bom avisar ou comunicar previamente aos moradores da comunidade.” (liderança da comunidade Aparecida)

Estas regras e acordos internos abrangem assim o manejo da pesca, dos roçados, do extrativismo, da caça, do lixo e incentiva termos de convivência com atores como o Exército. Estes acordos devem entrar no PGTA e ser reconhecidos pelos órgãos governamentais, da sociedade civil, pelas associações indígenas e população em geral. Foi proposta também uma instância de governança na forma de um conselho indígena de gestão territorial da região da COIDI. Além de ser um meio para que as novas gerações conheçam o histórico de ocupação da área, os acordos apontam para perspectivas de uso de recursos.

Construindo uma visão de futuro na região do Traíra e Apapóris Texto de Nelson Ortiz A região sudoeste da Terra Indígena Alto Rio Negro e a Terra Indígena do Rio Apapóris são habitadas por famílias indígenas Desana, Tukano e Yuhupdeh, principalmente. A sede do município colombiano de Traíra, conhecido pela maioria das pessoas da região como “La Pista”, tem uma população aproximada de 700 pessoas, das quais 60% é indígena. “La Pista” está localizada à margem do rio Traíra, na fronteira da Colômbia com o Brasil, e está conectada por via aérea com o resto da Colômbia por um voo de carga que parte da cidade de Leticia (no rio Amazonas/Solimões, cidade gêmea com Tabatinga-AM) e faz escala no histórico povoado de La Pedrera, sobre o rio Caquetá/Japurá. A comunidade de São José do Rio Apapóris, tem uma população aproximada de 500 pessoas, em sua maioria pertencentes à etnia Yuhupdeh. De tradição nômade no passado, os diferentes clãs Yuhupdeh percorriam durante o ano inteiro amplas extensões do território seguindo por rotas definidas pelas safras de frutos silvestres e fazendo rituais. Em São José as famílias habitam pequenas moradias de casca de árvores, madeira e zinco e várias contam com geradores de energia, televisor e outros bens. Apesar dessa mudança estrutural no seu modo de vida, conservam sua língua e práticas rituais como o Yurupari, por meio do qual fazem curas e transmitem saberes às novas gerações. Anteriormente caçadores coletores, e agora agricultores e

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Nelson Ortiz - 2018

Mapeamento participativo durante oficina PGTA em Cachoeira do Machado, rio Traíra, fronteira com a Colômbia, TI Alto Rio Negro.

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pescadores, sua alimentação se complementa em boa medida com alimentos industrializados que adquirem com o dinheiro fornecido pelo Estado na forma de subsídios. Subindo pelo Traíra, sobre a Cachoeira Andorinhas (Mujipupoea em língua Tukano), encontra-se um pequeno povoado, Santo Baltazar de Cachoeira Andorinhas. Esse lugar tranquilo, cujo nome em português provem da grande multidão de andorinhas que aninham nas paredes rochosas do estreito canyon, foi algumas décadas atrás um lugar denso e caótico, passagem obrigatória dos muitos colonos brasileiros e colombianos que usufruíam da região e transportavam desde La Pedrera insumos para suas atividades de comércio e mineração nas serras próximas. Hoje, as poucas famílias tukano que ali residem, habitam de forma tradicional e, baseados em seus princípios culturais e em propostas de organização local, tentam gerar algum impacto no ordenamento das atividades de garimpo ilegal que ainda persistem na zona. Assim, com esse objetivo em mente e buscando gerar oportunidades de desenvolvimento sustentável para a população local, os habitantes de Andorinhas propõem a

elaboração de um “Plano de Proteção, Fiscalização, Desenvolvimento Etno-Familiar Sustentável” e também de uma Associação de Organizações de Comunidades Indígenas do Traíra. Subindo o rio Traíra, sobre a cachoeira ˜Kobe Ka (Machado) está localizada a comunidade de Machado, na qual habitam de forma tradicional várias famílias pertencentes principalmente à etnia Desana que mantém uma estreita relação de cooperação para práticas rituais e econômicas com a comunidade de Puerto López, na Colômbia. As expectativas de futuro do povo de Machado e de Puerto López estão centradas na gestão conjunta de oportunidades voltadas para o fortalecimento dos espaços locais de formação tradicional, na garantia da segurança alimentar por meio do apoio às práticas agrícolas lideradas por mulheres, no ordenamento da gestão ambiental através de acordos intra e intercomunitários, e no ordenamento do garimpo artesanal. Por um longo caminho de subida pelas serras localizadas na parte alta do igarapé Castanho (Ide Bikiya), estão as localidades Vila José Mormes e Desana, cuja população indígena é predominantemente Desana. Ambas comunidades se estabeleceram em zonas de antigos garimpos, que provêm da década de 1980 mas que permanecem ativos, razão pela qual uma parte importante da população que reside em José Mormes não é indígena. Trata-se de “brancos” de nacionalidades colombiana e brasileira que se dedicam à extração do ouro, sem compromissos nem vínculos estreitos com a comunidade. Não obstante, essa população flutuante tem se reduzido, na medida em que a oferta de ouro superficial nos garimpos também diminuiu.


Da mesma forma, a população indígena, que também decresce, tem dificuldades para o desenvolvimento de atividades agrícolas tradicionais, de pesca e caça, devido às caraterísticas geográficas e naturais dessa região. Assim, para se alimentarem dependem principalmente dos produtos industrializados que adquirem com os comerciantes do lugar ou do município de Taraira, a preços muito altos em ouro. Dessa forma, os moradores da Vila José Mormes e de Desana destacam como principais problemáticas: a falta de alternativas ao garimpo para a geração de renda, a qualidade ruim da água que consomem, já que no verão precisam utilizar a água canalizada de riachos localizados perto de garimpos, e, principalmente, a carência total de serviços de saúde e educação por parte do Estado, assim como de meios de comunicação e transporte. Essa situação é comum a todas as localidades do Traíra. A situação complexa e delicada das famílias dessa região foi melhor conhecida em decorrência do levantamento socioambiental realizado no marco do PGTA pelo ISA em parceria com a Foirn e Funai entre fevereiro e março de 2017. Posteriormente, de 6 a 12 de abril de 2018, na Comunidade Cachoeira do Machado, realizou-se uma oficina sobre gestão territorial e ambiental nas Terras Indígenas Alto Rio Negro e Rio Apapóris, na qual participaram aproximadamente 30 líderes indígenas dessas comunidades. Essa oficina foi uma oportunidade extraordinária para que as comunidades do rio Traíra se reunissem pela primeira vez entre elas, assim como com representantes da organização indígena regional e da Funai. Foi também um importante momento para refletir sobre a situação ambiental destes terri-

Nelson Ortiz - 2018

Mapa realizado pelos representantes da Comunidade Santo Baltazar da Cachoeira das Andorinhas durante oficina em Cachoeira do Machado, TI Alto Rio Negro.

tórios, dialogar sobre as dificuldades e necessidades de seus habitantes e desenhar, por meio da elaboração de mapas sociais, propostas iniciais para o PGTA das comunidades indígenas do Traíra-Apapóris. Na página 26 veja o mapa de localização dessas comunidades e parte dos resultados da oficina em Cachoeira do Machado. Durante a oficina, os exercícios participativos de elaboração de mapas, as apresentações dos líderes locais e os diálogos com as instituições acompanhantes geraram muito entusiasmo e uma sinergia surpreendente entre todos os participantes, o que facilitou a construção de uma visão dos territórios desde diversas perspectivas. Apesar de ser a primeira vez que se reuniam entre si, e que participavam de uma oficina desse tipo, se estabeleceram acordos muito importantes entre as comunidades, se compartilhou informação valiosa e detalhada relacionada com a história, os sítios sagrados e recursos naturais, bem como sobre as pressões e problemáticas que existem. Os mapas construídos de forma participativa geraram uma imagem ou espelho da realidade complexa do território, que permitiu uma reflexão profunda sobre os desafios que enfrentam e o futuro que desejam.

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Terras Indígenas Alto Rio Negro e Rio Apapóris, Noroeste Amazônico, fronteira entre Brasil e Colômbia Pirarara Poço ra

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Áreas de uso e manejo desenhadas em grupos formados pelos moradores locais: Vila José Mormes e Desana Comunidade Puerto Lopez

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Primeiro mapeamento participativo realizado em oficina PGTA. Base para acordos de gestão compartilhada e monitoramento do território

Santo Baltazar da Cachoeira Andorinhas (Polo Tukano)

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Terras e Resguardos Indígenas

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Localidades importantes para a gestão do território. Lugar Sagrado

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Serra

Caranazal

Cachoeira do Machado Fontes: Base Cartográfica e Territórios Indígenas (RAISG, 2018); AATIs, Fundacion GAIA (2012), Lugares e áreas de jurisdição (oficina em Cachoeira do Machado para elaboração de PGTA, 2018).

Seringal


As mulheres indígenas rionegrinas e o Bem Viver Texto de Elisângela da Silva em colaboração com Juliana Radler Para nós mulheres indígenas do rio Negro, o bem viver inclui sair da invisibilidade e entrar de vez no imaginário e na agenda do Brasil contemporâneo. Sabemos que conseguimos direitos indígenas na Constituição Federal, assim como outras leis que nos amparam. Mas, para que essas leis saiam do papel e sejam efetivamente cumpridas, precisamos ser vistas e reconhecidas pela sociedade brasileira, tanto como mulher indígena, assim como cidadã brasileira. Atualmente as mulheres indígenas rionegrinas lutam para que o direito assegurado aos nossos povos seja obedecido nas áreas prioritárias como educação, saúde, comunicação, cultura e benefícios sociais. Acreditamos que nossos PGTAs irão possibilitar a construção de uma relação mais respeitosa e promotora da justiça social para nós indígenas do rio Negro e que venha a ser instrumento de valorização do conhecimento e participação indígena e de diálogo para alcançarmos o bem viver em nossas terras demarcadas.

• Seja criado um espaço para aprender e valorizar os conhecimentos tradicionais nas escolas, tendo a presença dos anciões. • Tenham cursos de formação sobre os direitos das mulheres indígenas para envolver a juventude na gestão. • Haja de fato a valorização das nossas línguas nas escolas indígenas e que os professores trabalhem de modo bilíngue, com português e a língua indígena. • Seja implementada a merenda regionalizada dentro das escolas situadas nas terras indígenas. • Os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas indígenas possam ser efetivados e construídos pelas comunidades e educadores indígenas. • As escolas possam ter mais atividades culturais, fortalecendo o intercâmbio de culturas entre as comunidades. • Experiências bem sucedidas em educação escolar indígena possam servir de modelo para a aplicação de políticas públicas.

Nossas propostas para uma educação indígena de verdade

Saúde, área prioritária e essencial ao nosso bem viver

Temos muito o que avançar na área de educação e nós mulheres indígenas estamos sempre lutando pelos estudos dos nossos filhos. Precisamos retomar o caminho da valorização da educação, pois só com uma educação de qualidade conseguiremos superar nossas dificuldades e alcançar o desenvolvimento sustentável. Nossas propostas para educação passam por uma ampla inclusão da cultura indígena na escola, pois ao contrário a educação só serve para afastar nossos povos de sua própria cultura e território. Assim, queremos que:

Sem saúde não temos nada. Precisamos ter saúde para estudar, trabalhar e ser feliz. O movimento indígena sempre lutou por uma saúde de qualidade, mas ainda restam muitos desafios para avançarmos e assim desejamos que: • As plantas medicinais e a medicina tradicional indígena sejam incorporadas nos espaços que promovem a saúde, levando em consideração os aspectos culturais de cada etnia. • As parteiras, pajés e os conhecedores tradicionais sejam valorizados pelo sistema de saúde nos pólos base do DSEI-ARN, UBS, Hospitais e Casai.

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Carol Quintanilha/ ISA - 2018

Elisângela da Silva, da TI Cué-Cué Marabitanas, coordenadora do Departamento de Mulheres da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira no alto rio Negro.

• Que haja um esforço em contratar profissionais que falem na língua indígena para melhor diálogo e entendimento. • A equipe de saúde, professores, agentes de saúdes, coordenadores regionais e AIMAs (Agentes Indígenas de Manejo Ambiental) possam trabalhar conjuntamente para resolver o problema do lixo nas terras indígenas. • Exista mobilização efetiva de combate à violência e conscientização sobre o consumo de bebidas alcóolicas industrializadas nas terras indígenas. • Haja intercâmbio de benzedores e parteiras de diferentes regiões do rio Negro. • Seja garantido o envolvimento de crianças, jovens e mulheres nas mobilizações da saúde indígena.

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O desafio do trabalho e renda para nós mulheres indígenas A sustentabilidade é um aspecto que nos preocupa muito. Como mulheres indígenas nos preocupamos duplamente porque precisamos garantir nosso sustento como indígena e como mulher, cuidando dos filhos e da família. Não queremos depender apenas da renda dos nossos maridos ou familiares e desejamos ter nosso dinheiro para comprar roupas, alimentos, remédios, etc. Portanto, desejamos avançar nos seguintes pontos:

• Participar da merenda regionalizada nas escolas. • Investir na criação de um centro de referência do patrimônio cultural do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro capaz de valorizar nossos produtos, saberes e conhecimento. • Precisamos incentivar o empreendedorismo sustentável das mulheres indígenas e suas associações de base. • Que possamos ter um mercado indígena onde possamos expor os produtos das roças, comidas regionais, artesanatos, danças e músicas, gerando renda a partir do que sabemos fazer. • Que os projetos pilotos realizados por organizações da sociedade civil possam ser continuados pelas comunidades ou mesmo possam ser incorporados pelas instituições ou políticas públicas.

Comunicação para o protagonismo indígena No mundo atual sabemos a importância da informação e da comunicação para o nosso desenvolvimento e defesa de nossos direitos e territórios. Lutamos pela demarcação de nossas terras e com ela vieram as estações de radiofonia para nos possibilitar a comunicação em benefício de nossa governança. Hoje, os desafios são muito grandes porque a velocidade da informação está cada dia maior. Assim, desejamos que: • Através do audiovisual nós possamos registrar os conhecimentos dos velhos, possamos produzir livros, vídeos, documentários e outros meios de comunicar e guardar nossos saberes e assim também incentivar os eventos culturais.


Diálogo com gestores públicos e articuladores da PNGATI • As mulheres indígenas mais velhas possam ser convidadas a relatar sobre os seus conhecimentos e repassar para as mais jovens. Desejamos motivar e fortalecer os laços das mais velhas com as jovens. • Os jovens possam ser mais capacitados para atuarem como comunicadores no movimento indígena. • Haja mais instrumentos de comunicação realizados em nossas línguas indígenas. • Notícias de acontecimentos e do movimento indígena possam ser repassados diariamente para as terras indígenas através de programas de rádio, informes na radiofonia, cartas, ofícios, bilhetes, comunicados e outras formas de comunicação para que nunca as comunidades fiquem isoladas. • A comunicação possa melhorar e fortalecer o diálogo entre as mulheres indígenas rionegrinas. Todos os pontos listados acima foram conclusões de rodas de conversa e consultas que fizemos às mulheres indígenas rionegrinas. No momento que essas prioridades forem incluídas no sistema de governo e que haja apoio e capacidade para desenvolvermos nossas atividades, poderemos construir o bem viver indígena, tendo uma cidadania plena e articulada tanto ao direito à diferença, quando ao direito à igualdade. Nós, mulheres indígenas, estamos engajadas na implementação dos nossos PGTAs e que a PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas) seja de verdade uma política viva entre nós.

De olho na implementação dos PGTAs e entendendo que os Planos são importantes ferramentas de diálogo com parceiros e gestores públicos, convidamos instituições das esferas municipal, estadual e federal para participarem da oficina do Grupo de Trabalho (GT) PGTA em Duraka. A ideia foi abrir um diálogo, desde já, a partir do diagnóstico realizado, por meio do levantamento socioambiental, e das demandas e propostas temáticas que foram apresentadas nas consultas e priorizadas durante a oficina do GT. Representantes da Coordenadoria Geral de Gestão Ambiental CGGAM/ Funai e da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (SEDR/ MMA), entre outras instituições, participaram ativamente da oficina. Vale lembrar que Funai e MMA são órgãos que promoveram, com participação da sociedade civil, a elaboração da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas, a PNGATI, que completou cinco anos em 2017. Funai e MMA, de maneira inovadora, articulando ministérios distintos e o movimento indígena juntamente com outros setores e ministérios, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), por exemplo, formam o Comitê Gestor (CG) da PNGATI. O comitê é responsável por coordenar, executar e monitorar a Política. A coordenação do CG é exercida alternadamente entre representações do Ministério da Justiça (MJ), do MMA e dos povos indígenas. Depois da coordenação da Funai e da coordenação dos povos indígenas, em 2018 a SEDR/ MMA assumiu e deve liderar o Comitê até final de 2019. Durante a oficina em Duraka surgiu a ideia da Foirn participar, como convidada, das reuniões do Co-

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“A elaboração de PGTA... tem a ver com a realidade local, com políticas públicas, orçamento e etc. Abarcar os desafios da sustentabilidade das terras, as potencialidades, as ameaças, a situação socioambiental e cultural; manter e melhorar o que está dando certo e tentar resolver os problemas existentes para que o instrumento seja um apoio eficiente para os indígenas com seus direitos plenos. Com isso vemos que o PGTA apoia a implementação da PNGATI porque dialoga com todos os eixos da Política.” Ademais, Funai e MMA estão em cooperação com Foirn, ISA e demais atores em uma agenda inovadora para gestão e conservação da bacia do rio Negro. Recentemente boa parte da região foi reconhecida como sítio Ramsar, o maior do mundo em área geográfica (tamanho), e o primeiro a integrar territórios indígenas. Sítio Ramsar Rio Negro

Parque Nacional de Anavilhanas no baixo rio Negro, reconhecido como Sítio Ramsar em 2017.

Acervo da Estação Ecológica de Anavilhanas

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mitê Gestor da PNGATI, na intenção de fomentar comitês locais e fortalecer a Federação tendo em vistas a articulação de políticas públicas e a participação nas tomadas de decisões e controle social. Em entrevista, Rodrigo Augusto Lima de Medeiros, servidor público do Departamento de Extrativismo (DEX/ SEDR/ MMA) afirmou que “A estratégia do Ministério do Meio Ambiente para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) estabelece-se em duas linhas de atuação: (1) costura de arranjos institucionais capazes de disponibilizar recursos para elaboração e implementação de PGTAs; e (2) apoio à governança e ao controle social.” Vera Olinda Sena de Paiva da COPLAM/ CGGAM/ Funai também reforçou a importância dos arranjos interinstitucionais, que no caso do rio Negro, está formalizado e atuante com o Acordo Técnico de Cooperação entre Foirn, ISA e Funai. Olhando para os passos seguintes, e compromissos com a PNGATI, Vera Olinda considerou:

Cerca de 11,2 milhões de hectares da Bacia do Rio Negro, 8 Terras Indígenas e 16 Unidades de Conservação, localizadas na porção do médio e baixo rio Negro foram reconhecidas como o maior sítio Ramsar do mundo. O título de sítio Ramsar foi criado pela Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, na cidade de Ramsar, no Irã, em 1971, para conferir reconhecimento a áreas de grandes rios, mares, lagos ou pântanos especiais para a conservação. O título não traz nova proteção legal, em termos nacionais ou internacionais. Portanto, não acrescenta restrições a atividades econômicas, além das que já existem por conta das áreas protegidas criadas na região. A diferença é que elas ganham uma espécie de selo internacional, que comprova a importância ambiental e pode viabilizar investimentos em pesquisa, cooperação e conservação. O grande desafio é integrar o conhecimento indígena à gestão desse território e às pesquisas socioambientais feitas nessa área. Talvez esse reconhecimento crie uma oportunidade de gerir esse conjunto de áreas de forma compartilhada, com ferramentas inovadoras.


Turismo Indígena: sustentabilidade e gestão do território Texto de Camila Barra e Ana Paula Souto Maior

Juliana Radler/ ISA - 2017

Serra de Curicuriari, ou Bela Adormecida, em São Gabriel da Cachoeira, no alto Rio Negro, AM.

Desde a década de 90 há interesse turístico nas terras indígenas do rio Negro, principalmente nas serras do Curicuriari, Cabari e Pico da Neblina, e na exploração intensa e desordenada da pesca esportiva na região do médio rio Negro. A criação de políticas públicas como a PNGATI, a Instrução Normativa Nº 3 da Funai e as parcerias estabelecidas, criaram um cenário favorável para desenvolver este potencial turístico, a partir de iniciativas das comunidades de realizar a gestão de seu território. A entrada ilegal de empresas de turismo de pesca esportiva no rio Marié, Terra Indígena Médio Rio Negro I provocou conflitos locais, mas tornou-se também uma oportunidade para discutir o manejo pesqueiro. Em 2013, em parceria com IBAMA e com apoio do Exército Brasileiro, ISA, Foirn e Funai coordenaram um longo processo de estudos e consulta com as comunidades da Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (ACIBRN). Foi desenvolvido um modelo de turismo de pesca que responde às demandas das comunidades de promover uma atividade econômica sob sua governança, acordos internos e medidas de manejo junto à ações de vigilância para proteção do território.

Essa experiência também contribuiu para a Funai formular a regulamentação sobre turismo em terras indígenas, em 2015. A IN Nº 3 parte do entendimento jurídico de que cabe aos indígenas decidir sobre o uso dos recursos naturais existentes em seu território – a atividade deve ser desenvolvida sob controle das comunidades interessadas e de maneira coletiva, com informação e consulta. Não pode ser realizada por um grupo restrito, contra a decisão da maioria ou apenas por interesse de empresas, mas sim organizada no modelo de base comunitária. O turismo de pesca esportiva exige estudos de impacto ambiental para garantir a preservação dos peixes e a formação dos indígenas com vistas a implementar o plano de manejo acordado entre todos que compartilham as áreas de pesca. As iniciativas de turismo apoiadas pela Foirn cuidam para que a entrada de recursos financeiros estejam sob governança das associações envolvidas, com acompanhamento das comunidades, contribuindo para o controle da atividade, gerando benefícios coletivos e implementando a fiscalização e proteção territorial.

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Projeto Serras Guerreiras

No Rio Marié vivem os maiores tucunarés, o que atrai turistas pescadores do mundo todo. O Projeto Marié é uma operação expressiva, com um limite máximo de 144 turistas distribuídos em 12 semanas de pesca por ano e gerou nos três primeiros anos (2014-2016) mais de R$ 1 milhão em benefícios diretos para as famílias e comunidades da ACIBRN. A governança do projeto ocorre por meio de um conselho gestor que envolve as 15 comunidades associadas, a diretoria da ACIBRN, a Foirn e a empresa parceira Untamed Angling do Brasil – UAB. O Conselho é responsável pela tomada de todas as decisões, desde a seleção de pessoas para atuar na operação de turismo e na vigilância do território até a prestação de contas de todos os gastos e investimentos do projeto - inclusive as benfeitorias a serem realizadas nas comunidades.

A partir de 2013, a Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas – ACIR iniciou a discussão do turismo em sua área de abrangência, que envolve 13 comunidades das Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II. Cinco comunidades, Boa Vista, Cartucho, Uabada II, São João II e Aruti, levaram a ideia adiante, organizaram assembleias e oficinas, ampliaram parcerias e nasceu o projeto com a participação de 110 famílias e quase 500 pessoas das etnias Baré, Baniwa, Piratapuya, Desana, Tukano, Tariana, Dow e Kuyawí. Em 2017 foram realizadas quatro expedições experimentais com dois roteiros que contemplam práticas culturais e experiências amazônicas para conectar o visitante com os modos de vida dos povos indígenas. As expedições demonstraram uma grande procura por este novo modelo de turismo indígena, o qual possibilita também o engajamento de apoiadores à defesa de direitos.

Guias e turistas em Expedição Serras Guerreiras, no topo da última serra. Ao fundo vemos a serra do trovão.

Marcelo Monzillo/ ISA - 2017

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Projeto Marié


Os números das expedições nas Serras Guerreiras • 180 pessoas de 17 estados brasileiros e 3 países inscritas e interessadas • 45 viajantes de 8 estados brasileiros • R$ 37.800 de renda gerada para as comunidades • R$ 12 mil foi a renda extra obtida com a venda de artesanato • 50% da renda foi investida coletivamente, em melhorias de infraestrutura nas comunidades • Das pessoas que trabalham diretamente com o turismo nas comunidades, 41% são mulheres

“Ba’sebó”, Serra do Cabari e outras iniciativas em estruturação A Associação Indígena AHKÓIWÍ e a Associação Indígena Potyro Kapuamo – ACIPK também avançaram na elaboração e aprovação dos planos de visitação para estruturar o ecoturismo no complexo de Serras do Curicuriarí, conhecida como “Ba’ sebó” e na Serra do Cabari. Seguem agora em uma agenda de trabalho para consolidar o plano de negócios. As comunidades da TI Jurubaxi-Tea e da TI Uneuixi iniciaram em 2017 uma experiência para regulamentar o Turismo de Pesca Esportiva. Com apoio da ACIMRN, Foirn, Funai, ISA e IBAMA foram realizados mapeamentos e estudos ambientais participativos para elaboração dos planos de manejo da pesca. A iniciativa promoveu o ordenamento da pesca esportiva em parceria com a Prefeitura Municipal de Santa Isabel do Rio Negro. Em 2018 foram publicados os termos de referência para a seleção de empresas a fim de regularizar a pesca esportiva nas terras indígenas de Santa Isabel.

Circuito de Turismo Indígena no rio Negro: desafios e potenciais O turismo implica no acesso de estranhos a áreas compartilhadas e no impacto da monetarização. A sustentabilidade social depende da criação de acordos e protocolos sobre o uso do território, com calendários, regras de convívio e distribuição equitativa dos benefícios econômicos discutidos de forma coletiva. Outro desafio é planejar a estrutura de cada projeto antes de estabelecer parcerias com empresas especializadas, evitando que as comunidades tornem-se dependentes de um modelo indesejável. A estruturação do turismo indígena pode reafirmar e atualizar práticas de manejo, apoiar o fortalecimento das associações e a gestão territorial, além de aproximar mulheres e jovens da atuação política, uma vez que possuem espaços valorizados nessas iniciativas. As tratativas com órgãos públicos e parceiros privados locais, no âmbito da Cooperação Técnica entre Foirn, ISA e Funai seguem na perspectiva de criar o Circuito de Turismo indígena no rio Negro, com um calendário integrado e para promover o desenvolvimento regional. Em 2017 a TI Jurubaxi-Téa foi finalmente declarada O Diário Oficial da União (DOU), em 11/09 de 2017 publicou a portaria que declara a posse permanente da Terra Indígena (TI) Jurubaxi-Téa para os povos Arapaso, Baniwa, Baré, Desana, Nadöb, Kuripaco, Pira-Tapuya, Tariana, Tikuna e Tukano. A TI fica nos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no médio rio Negro (AM). A declaração representa uma grande vitória para os povos indígenas do rio Negro, que vêm lutando pela demarcação da área há mais de uma década. Veja nas páginas 18 e 19 a localização da TI Jurubaxi-Téa.

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Próximos passos

• Prioridade no processo de elaboração dos PGTAs para os próximos meses. • Reuniões regulares da Comissão de Governança dos PGTAs que envolve a Foirn, a Funai, o ISA e o ICMBio para organização de agendas em comum e socialização de novas informações entre as instituições.

• Reunião do Grupo de Trabalho (GT) em julho na Casa de Saberes da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira para: apresentação e discussão das primeiras versões dos PGTAs das terras indígenas do alto e médio Rio Negro e organização do processo de validação dos PGTAs durante as sub-regionais e na Assembleia Geral da Foirn.

Agenda das assembleias sub-regionais e geral da Foirn em 2018, fase de validação dos PGTAs:

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1 a 4 de agosto em Castelo Branco

NADZOERI (substituindo a Coordenadoria das Associações Baniwa e Koripaco / CABC)

7 a 10 de agosto em Santa Isabel do Rio Negro

Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro / CAIMBRN

15 a 18 de agosto em Pari Cachoeira

Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié e Uaupés / COITUA

17 a 20 de setembro em Iauaretê

Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê / COIDI

26 a 29 de setembro em Juruti

Coordenadoria das Associações Indígena do Alto Rio Negro e Xié / CAIARNX

Meados de novembro em São Gabriel da Cachoeira

Assembleia Geral da Foirn

NADZOERI COIDI COITUA

CAIARNX São Gabriel da Cachoeira Santa Isabel do Rio Negro

Barcelos

CAIMBRN Japurá

CAIMBRN:Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo RioNegro CAIARNX: Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié COITUA: Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié e Uaupés COIDI:Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê NADZOERI: (substituindo a Coordenadoria das Associações Baniwa e Koripaco / CABC)


Seca de 2018 em São Gabriel da Cachoeira. Juliana Radler/ ISA - 2018

Passo a Passo em 3 anos

1. Levantamento e organização de dados e

2. Identificação e mobilização de uma equipe de 3. Levantamento de dados populacionais e

sobre economia, saúde e educação nas comunidades.

4. Organização e análises de dados levantados. 5. I Encontro do Grupo de Trabalho para discussão dos dados

do Levantamento Socioambiental, organização das Consultas nas Comunidades e Discussão do Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável (PRDIS).

Ano 2

6. Consultas PGTA em comunidades estratégicas a partir

dos documentos e discussões resultantes do I encontro GT PGTA.

7. II Encontro do Grupo de Trabalho (GT) propostas em

temas prioritários a partir das discussões realizadas nas consultas e promover mesas de diálogo com instituições públicas.

8. Produção das versões preliminares dos PGTAs por Coordenadoria da Foirn.

9. III Encontro do Grupo de Trabalho (GT) para apresentação

dos conteúdos preliminares e preparação para a etapa de validação.

10. Validação dos PGTAs nas assembleias sub-regionais e geral da Foirn. 11. Consolidação dos textos, edições finais e produção de resumos. 12. Publicação e ampla divulgação dos PGTAs

para as comunidades, parceiros e instituições públicas.

Fórum Consultivo: com reuniões e informes aos parceiros institucionais

Ano 1

pesquisadores indígenas: coordenadores e animadores responsáveis pelas etapas em suas respectivas regiões de origem.

Ano 3

Reuniões da Comissão de Gestão, Publicações da Série Governança e Bem Viver Indígena: Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro

iniciativas relacionadas à gestão ambiental e territorial.

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Organização: Carla Dias e Renato Martelli Soares

Textos: Ana Paula Souto Maior, André Fernando Baniwa, Braz França, Camila Sobral Barra, Carla Dias, Elisângela da Silva, Ivo Fernandes Fontoura, Nelson Ortiz e Renato Martelli Soares Tradução do português para o espanhol: José36Miguel Nieto Olivar, Faculdade de Saúde Pública/ USP e pesquisador colaborador do ISA Mapas: Renata A. Alves

Pesquisa e tratamento de imagens: Claudio Tavares Revisão: Aline Scolfaro e Juliana Radler Design Grá�ico: Roberto Strauss

Desenho da capa: Denivaldo Souza Cruz

Jornalista Responsável: Juliana Radler - MTB 41080/SP

Realização:

Apoiadores:


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