Revista Jovens Cientistas 2019

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REVISTA JOVENS CIENTISTAS Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica da Bahia

Universidade Federal da Bahia Reitor: João Carlos Salles Pires da Silva Vice-reitor: Paulo César Miguez de Oliveira Instituto de Biologia Diretor: Francisco Kelmo dos Santos Vice-Diretor: Gilberto Cafezeiro Bomfim Data da Publicação: 01 de dezembro de 2019

Revista Jovens Cientistas Esta é uma publicação do Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica da Bahia, Instituto de Biologia – UFBA. Esta é uma Edição Especial em parceria com a Rede de Educadores em Museus da Bahia – REM Bahia.

Coordenação: Rejâne Maria Lira-da-Silva Coordenação Pedagógica: Josefa Rosimere Lira-da-Silva Editora-chefe: Rejâne Maria Lira-da-Silva Direção de Redação: Mariana Rodrigues Sebastião

Conselho Editorial: Bárbara Rosemar Nascimento de Araújo, Bruno Pamponet Silva Santos, Caio Vinícius Ferreira, David Santana Lopes, Jorge Lúcio Rodrigues das Dores, Josefa Rosimere Lira-da-Silva, Rafaela Santos Chaves, Rosely Cristina Lira-da-Silva, Rosemeire Machado da Silva, Yukari Figueroa Mise Projeto Gráfico/Editoração: Mariana Pimentel de Paula

Endereço: Instituto de Biologia – Universidade Federal da Bahia – Av. Barão de Geremoabo – N. 147, Campus Universitário de Ondina – Salvador – Brasil, 40170-202 revistajovenscientistas@gmail.com Apoio: Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/ UEFS)

R348 Revista Jovens Cientistas/ Instituto de Biologia Universidade Federal da Bahia. Ano.6, n. 18, Dez. 2019. Salvador, 2019. v.: 68 p. Anual Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica da Bahia, Instituto de Biologia - UFBA. ISSN:

2318-9770 1.

1. Ciência 2 jovens 3 Jovens cientistas I. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Biologia. CDU 001(05)


Comitê Gestor da REM Bahia Gestão Educação e Participação | Biênio (2018-2020) | Igor Alexander Nascimento de Souza Leane Cristina Ferreira Gonçalves Mona Ribeiro Nascimento Salete Maso

Realização Rede de Educadores em Museus da Bahia – REM Bahia

Comissão Organizadora Dina Cezar Igor Alexander Nascimento de Souza Leane Cristina Ferreira Gonçalves Magnair Santos Barbosa Mona Ribeiro Nascimento Rejâne Maria Lira-da-Silva Simone Trindade Vicente da Silva

Comissão Avaliadora Átila Bezerra Tolentino Fernanda Santana Rabello de Castro Marielle Costa Gonçalves

Conferencistas Fernanda Santana Rabello de Castro Maria Célia Teixeira Moura Santos

Arte Gráfica Salete Maso

Monitores Andressa Lima Batista Catharina Silva Chieh Ling Ma Filipe Espírito Santo Amorim Luci Mary Candida Silva Maikel da Silva Manoela Feio Silva Paiva Mariana Brito Gomes de Souza

Apoio Institucional Fundação Gregório de Mattos Instituto Brasileiro de Museus Museu Carlos Costa Pinto Museu da Misericórdia Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia (UFBA) Tecnomuseu


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO CARAVELA DOS SONHOS Adriana Lopes dos Santos Prado

07 09

DO BEIRU PARA O MUNDO: MUSEANDO COM CONTOS AFRICANOS NA ESCOLA Larissa de Souza Reis, Alfredo Eurico Rodrigues Matta

MARIA, OLHA A COBRA! DIVULGANDO OS ANIMAIS PEÇONHENTOS EM AÇÕES EDUCATIVAS DO NÚCLEO DE OFIOLOGIA E ANIMAIS PEÇONHENTOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Rejâne Maria Lira-da-Silva, Catharina Silva Chieh Ling Ma, Leonardo Lima Alves

COLABORAÇÃO ESCOLA E MUSEU: A EXPERIÊNCIA DO CLUBE DE JOVENS CIENTISTAS DO MUSEU NACIONAL

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Andrea Fernandes Costa, Aline Miranda e Souza, Priscila Matos Resinentti

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O POTENCIAL EDUCATIVO DOS MUSEUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

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Gabriela Santos da Silva, Sidélia Santos Teixeira

A INTERATIVIDADE NA ARQUITETURA: MUDANÇAS NA FORMA DE CONSTRUIR E PENSAR EM MUSEUS Marina Cavalcanti Loureiro

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A FUNÇÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS NA PRÁTICA DE SEGURANÇAS E VIGILANTES: CAPACITAÇÃO PARA DE SEGURANÇAS EM MUSEUS NA EXPOSIÇÃO FRIDA KAHLO – CONEXÕES ENTRE MULHERES SURREALISTAS NO MÉXICO Marielle Costa Gonçalves

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O PROCEDIMENTO DE TRADUÇÃO: DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO NOS MUSEUS DE ARTE

42

Thiago Consiglio

SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DA CASA DE PATRIMÔNIO DE OLINDA

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Alexandra de Lima Cavalcante

O PROCESSO EDUCACIONAL PARA E COM OS NEGROS NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: O CASO DO MUSEU AFRO BRASIL, UMA EXPERIÊNCIA A CADA VISITA

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Lilian Soares da Silva

OS PROCESSOS DE MEDIAÇÃO NO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA ATRAVÉS DAS AÇÕES DO SETOR EDUCATIVO Milla Silva do Espírito Santo, Guilherme Vidmantas

AÇÕES EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTE SACRA: RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE AS OFICINAS COM A ONG BAHIA STREET Susan Lopes Santos, Edjane Cristina Rodrigues da Silva, Cergelina de Souza

CAPACITAÇÃO DOS GUARDAS DE ACERVO DO MUSEU DE ARTE SACRA DA UFBA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Edjane Cristina Rodrigues da Silva, Igor Santiago Costa

RECOMENDAÇÃO DE SALVADOR Encontro Baiano de Educação Museal

56 60 63 66


É

com grande satisfação que abrimos a Revista Jovens Cientistas para uma Edição Especial com artigos que representam os Anais do Encontro

Baiano de Educação Museal, ocorrido no lindo Museu Carlos Costa Pinto, de 20 a 23 de março de 2019. A Rede de Educadores em Museus da Bahia (REM Bahia) sai na vanguarda para discutir com um grupo de Educadores Museais e com estudantes em formação o tema: Museus em chamas: Verso e reverso de como chegamos até aqui. Esta Edição não é sobre parceria, é sobre amizade.

Profa. Dra. Rejâne M. Lira-da-Silva Editora-Chefe

O

Encontro Baiano de Educação Museal foi uma iniciativa da Rede de Educadores em Museus da Bahia (REM Bahia) e teve como

principal objetivo reunir os agentes culturais envolvidos com a discussão da Educação Museal, com vistas ao aprofundamento da conjuntura setorial, então marcada pelo estabelecimento da Política Nacional de Educação Museal (PNEM), mas também pelas Medidas Provisórias n. 850 e 851, que autorizavam o Poder Executivo federal a instituir a Agência Brasileira de Museus (Abram) e a administração pública a firmar instrumentos de parceria e termos de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público com organizações gestoras

de

fundos

patrimoniais,

obstaculizando

perenemente o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), autarquia responsável por coordenar a PNEM. Além disso, confrontar a Política Nacional com a realidade estadual também foi um imperativo, tendo em vista a existência de um Plano Estadual de Cultura em adormecimento, desfavorecendo o campo museológico na Bahia, outrora em ascensão. Com cerca de 40 inscrições, contou com 60 ouvintes, 29 trabalhos submetidos à banca avaliadora, 14 selecionados, 17 comunicações, duas conferências: a de abertura com a Prof.ª Dra. Fernanda Castro (Ibram) e a de encerramento com a Profª. Dra. Maria Célia Santos (UFBA). Ocorreram também o REM Debates, com a participação da Profª. Dra Rejane Lira-da-Silva (UFBA)

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e da educadora Marielle Gonçalves

Educação Museal. Organizado em

(Ibram), e o Tecendo Redes, Encontro

dois tópicos: Artigos (sete) e Relatos

de Redes de Educadores e Redes

de Experiências (seis), os Anais

de Museus. A programação cultural

contam com 12 trabalhos aceitos

incluiu uma visita mediada ao Museu

pela Comissão Avaliadora, composta

Carlos Costa Pinto, nosso anfitrião.

pelos experientes e reconhecidos Átila

A proposta de realização do Ebem se estabeleceu como uma iniciativa mais que oportuna, idealizada pelo Comitê Gestor da REM Bahia – Gestão Educação e Participação Ι Biênio (2018-2020), a partir dos diálogos frequentes realizados com demais membros da Rede. Ressaltamos que a REM Bahia, criada em 2010 durante

Tolentino, Fernanda Castro e Marielle Gonçalves, que se debruçaram sobre mais de 29 submissões, selecionandoos. Os trabalhos foram avaliados pelo método “Double Blind Review”: quando cada envio é avaliado por dois membros da comissão, sendo encaminhado a um terceiro em caso de divergência.

o II Encontro Baiano de Museus, se

Fazemos votos de que a socialização

constitui como um coletivo cultural

da RECOMENDAÇÃO DE SALVADOR,

específico

documento

de

Educação

Museal,

patrimonial

produzido

sem fins lucrativos, de caráter não

de forma participativa e colaborativa

governamental, suprapartidário e não

no Ebem com o intuito de favorecer

confessional. Trata-se de um coletivo

os processos e as políticas de

de

civil,

Educação Museal, das produções

articulado por profissionais oriundos

acadêmico-científicas e dos relatos de

de vários segmentos das áreas de

experiências educacionais, no campo

cultura, ciências e educação, atuantes

do ensino, da pesquisa e da extensão

no campo da Educação Museal, que

que foram apresentadas no Ebem e

afirmam o respeito à formação integral,

que agora compõem essa publicação

aos direitos humanos e à democracia;

possam, de alguma forma, fortalecer

à

a

iniciativa

educação

da

sociedade

para

a

autonomia,

Educação

Museal

na

Bahia,

cidadania e emancipação dos sujeitos,

subsidiando a política museal baiana

como princípios fundamentais de sua

e brasileira.

organização interna. Com esses objetivos e valores e visando estimular reflexões favorecedoras ao campo museal, sobretudo no que diz respeito à relação com a Educação;

Desejamos uma boa leitura e até o próximo EBEM!

resistir à tentativa de supressão do campo

cultural

museológico,

que

tanto avançou nas últimas décadas; e fomentar a produção acadêmica e experimental em Educação Museal, compartilhando

e

disseminando

Comitê Gestor da REM Bahia Gestão Educação e Participação Biênio (2018-2020)

conhecimentos, resultados e práticas; a REM Bahia torna público os Anais eletrônicos do Encontro Baiano de

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EXPERIMENTE!

Caravelas

dos Sonhos Adr iana Lop es dos S a ntos P ra d o

Pesquisadora, professora e estudante de doutorado em História da Arte, na Universidade de Évora (Portugal). E-mail: flordocerrado_df@yahoo.com.br R ESU MO: A presente pesquisa trabalha a conexão entre locais de confinamento, tais como museu e cárcere, a fim de desenvolver relações comunicacionais entre ambos. Logo, tal enlace ocorre a partir das suas respectivas áreas pedagógicas, proporcionando assim a validade de uma programação artística e educativa dedicada, especialmente, a jovens privados de liberdade, ou seja, em situação de cárcere. PALAVRA S-CH AV E: museu, arte-educação, jovens em conflito com a lei.

INTRODUCAO Com intenção de desenvolver a relação comunicacional de caráter educativo entre museu e cárcere, que foi concebido o Programa Artístico Educativo Dedicado a Jovens em Medida Socioeducativa de Internação. Para efetivar o Programa, em 2012, realizamos a atividade-teste na ex-Unidade de Internação do Plano Piloto, que era um centro socioeducativo, destinado aos jovens em situação de privação de liberdade pelo cometimento de atos infratores, cujo público-alvo possuia idade entre 12 a 21 anos. O centro socioeducativo sediava em Brasília, até meados de abril de 2013. No entanto, a ex-Unidade foi implodia por conta de suas degeneradas condições de salubridade e, bem como, devido à especulação imobiliária do território localizado em área nobre da Capital Federal do Brasil. Fato é que o Programa Artístico, portanto, tem como pré-condição a conexão de dois locais de confinamento. Visto que aqui reconhecemos o museu como local onde peças estão confinadas para proteção e salvaguarda do patrimônio, da memória e da identidade. Consequentemente,

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quanto ao acervo do museu, lhe está garantido a inventariação, a investigação, a conservação, a preservação e a comunicação. Conforme já expressamos, no âmbito comunicacional educativo e, logo, no da preservação do patrimônio que traçamos as relações intelectivas desta proposta. Pois temos em conta a difusão do patrimônio e história do bairro chamado Belém, em Lisboa, e do Museu Coleção Berardo, que está inscrito neste bairro, de maneira que todo este contexto entra em harmonia para se relacionar com os jovens privados de liberdade encarcerados no centro socioeducativo, especificamente, os da ex-Unidade de Internação do Plano Piloto. Para tal condição as estratégias educativas do Serviço Educativo do Museu Coleção Berardo foram investigadas in situ, assim como o acervo da Coleção Berardo fora estuda e pesquisa, simultaneamente, decorreu a absorção de informações sobre Belém. Ao passo que o conhecimento foi adquirido e organizado, a pesquisadora que vos escreve transladou para a Capital Federal do Brasil a fim de conhecer o centro socioeducativo e reconhecer os possíveis enlaces de ambos os locais de confinamento.

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EXPERIMENTE! Após a percepção da possibilidade de atuação artística patrimonial dentro do cárcere juvenil, eclodiu a idealização da atividade-teste que viremos descrever a seguir. Sendo que a atividade-teste se dá por atividades continuadas e lúdicas, e presa pela emancipação da educação, transmutação do pensamento infrator para atos benevolentes, estimulo ao autoconhecimento e autoestima, valorização da identidade, preservação da memória, ressocialização, reinserção social e entre outros aspectos positivos.

“CARAVELA OS SONHOS”: ATIVIDADE-TESTE DO PROGRAMA ARTÍSTICO EDUCATIVO A atividade-teste, que passaremos a relatar, fora desenvolvida no módulo 1 da extinta Unidade de internação do Plano Piloto, entre novembro e dezembro de 2012, janeiro de 2013, março e abril de 2013. Como pré-condição da ação esteve estabelecida a participação coletiva dos jovens privados de liberdade1, detidos naquele módulo. A atividade, por sua vez, possui caráter continuado, com disciplina e conteúdos definidos.

damentada na reflexão crítica. Dialogou sobre as grandes navegações portuguesas, indicou o objetivo do fazer artístico, consubstanciando a criação de uma obra de arte (móbile), para ser pendurada no pátio do módulo 1. Como temática da obra esteve o bairro histórico de Lisboa, Belém. Quando falavam a respeito da criação do móbile, o público-alvo interrogava como seria possível fazer arte dentro do módulo e o que era essa arte. A investigadora respondeu-lhes que é possível fazer arte em qualquer lugar, basta querer se expressar; ela dizia aos jovens que a arte que eles estavam criando não é certa nem errada, que não existem fórmulas nem formas exatas, porque aquela é Arte Contemporânea. Neste tipo de arte é possível utilizar diversos materiais, assim como as dobras de origamis tsuru ou até aqueles objetos que vemos e utilizamos no cotidiano. Nesta ocasião, para traduzir a expressão, utiliza-se o móbile como suporte e as grandes navegações como poética. No meio do diálogo com os jovens, a investigadora também os ensinou e fez origami tsuru. A ação junto do público-alvo ocorreu quando estavam trancados nos quartos, mas a investigadora tinha autorização para permanecer no pátio do módulo e assim ter contato com eles; como durante o banho de sol dos jovens, em que a investigadora permanecia atrás das grades, fora do pátio; também se realizaram atividades externas ao módulo, no salão de múltiplas atividades, em salas destinadas pela gestão pedagógica. Os jovens desejavam conservar o objeto de arte que seria produzido, e pronunciavam possibilidades de preservação. Como exemplo, suscitaram construir o móbile próximo de um dos vértices do teto do pátio do módulo, ou construí-lo na sala principal do salão multiusos.

Figura 1 – Jovens ao fundo do pátio, módulo 1, 2012. Unidade de Internação do Plano Piloto. Fotografia de Adriana Prado.

Dessa forma, a investigadora explicou a prática da atividade ao público-alvo (cerca de 100 jovens). O diálogo ocorreu, num dia, antes de se iniciar o banho de sol de cada lado (A e B), enquanto os jovens estavam sentados ao fundo do pátio, do módulo 1, da instituição socioeducativa. No passo seguinte, foi entregue em cada quarto (aposento) um vídeo referente às grandes navegações portuguesas, um vídeo tutorial de origami tsuru2 e um kit para cada jovem. Durante a entrega dos kits individuais, a investigadora realizou, com os jovens, mediação fun-

1Os jovens sentenciados a medida socioeducativa de internação - ou o mesmo que privação de liberdade - são aqueles que cometeram reincidência de infrações ou atos infratores graves. Visto que, nenhum jovem é privado de liberdade arbitrariamente e sem o parecer judicial (Regras de Beijing, Capítulo 17). 2 Ave sagrada do Japão. Segundo a lenda, a ave pode viver até mil anos e tem o poder de conceder desejos. A cada tsuru feito faz-se um desejo, depois de fazer mil tsurus, os pedidos podem ser realizados.

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Entretanto, a investigadora mediava essas proposições explicando assuntos sobre Arte Efêmera. Dizia ao público-alvo que este suporte de arte é diferente da pintura tradicional, pois na Arte Efêmera pensa-se o objeto com sentimento de liberdade, tanto no fazer como deixar que se desfaça. Aqui a relação deles (jovens criadores e participadores) junto do objeto artístico seria praticamente unívoca, porque todo o evento exige um processo de criação e um momento do acontecimento, por mais curto que seja. Em sete dias os jovens infratores deveriam entregar pelo menos 4000 tsurus prontos. Em menos tempo do que o esperado, em quatro dias, cerca de 3000 tsurus estavam prontos. Outros 1000 tsurus foram entregues três dias depois. A investigadora retirou sete exemplos de desenhos de caravelas da internet e levou-os a três jovens com habilidade de desenhar (um do lado A e dois do lado B, do módulo 1). Eles escolherem a caravela mais apropriada para a ocasião. Após a escolha, afixou papel kraft natural na parede e nele projetou, via computador e projetor, o desenho da caravela. Então, com lápis grafite foi criado o contorno da caravela projetada, obtendo assim o molde da caravela. O molde é utilizado para programar o formato da caravela tridimensional no móbile. A caravela representada no móbile é montada com os origamis tsuru, que são os pedidos e desejos realizados ao serem dobrados pelos jovens. O móbile é uma verdadeira caravela de sonhos. Que navega o oceano da vida. Logo, é intitulado

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de “Caravela de Sonhos”. Para formar a caravela tridimensional a partir do molde desenhado, era preciso coser os origamis tsuru. Pensando no material mais apropriado, a investigadora conversou com o engenheiro da UIPP que, pensando na segurança, aconselhou coser com fios de algodão. Escolheu-se o fio de algodão de cor branca. Por outro lado, no decurso da atividade, diversos obstáculos se interpuseram quanto ao acesso ao público-alvo. Na metade da segunda semana, a dificuldade de trabalhar com os jovens atingiu o limite, no que compete ao sistema de segurança da instituição, e apesar da investigadora possuir autorização oficial da direção da Unidade de Internação do Plano Piloto para realização do trabalho. Consequentemente, a investigadora, apoiada na concordância do diretor da Unidade de Internação do Plano Piloto julgou que, na circunstância, o melhor seria abrandar a atividade, por alguns dias. O tempo esvaía e a obra deveria ser montada, o mais tardar, no dia 20 de dezembro 2012. A inauguração teria lugar no dia 21 de dezembro de 2012, enquanto a obra de carácter efêmero permanecesse exposta, ou seja, no período de um dia. A investigadora armazenou todo o material no seu domicílio e decidiu dar continuidade ao trabalho. Ela aproveitou o tempo de suspensão da atividade no centro socioeducativo e: Separou por cores os origamis tsuru; Afixou na parede o molde do desenho da caravela; Pendurou no molde os fios de algodão de 3 m de comprimento; Com os fios de algodão instalados no molde, o passo seguinte foi coser os origamis tsuru às lantejoulas transparentes – para segurar os origamis no local determinado -, e modelar o formato da caravela. Porém, não houve tempo hábil para que, sozinha, cosesse a caravela tridimensional, o que ocasionou a representação da caravela em formato bidimensional; Durante o período de composição da caravela, também ocorreu a fase de encher os sacos de plástico transparente (0,10 m x 0,20 m x 0,00006 m) com água ou água contendo pigmento líquido de cor azul. Foram cheias 400 unidades. No dia 20 de dezembro, a investigadora retornou ao centro socioeducativo. Munida do material produzido, contava com auxílio dos jovens ali confinados para a montagem do móbile, no pátio do módulo 1. No turno vespertino, da mesma data, com a autorização e apoio da direção da Unidade e do chefe do módulo 1, a atividade-teste foi reiniciada. Além de coordenar a atividade, a investigadora teve a oportunidade de montar a obra com os jovens, livres/soltos, dentro do pátio do módulo 1. Primeiro, 6 jovens foram libertados para auxiliar e receber orientação da montagem. Na sequência, o banho de sol do lado B teve início. Enquanto os jovens estavam sentados ao fundo do pátio, como é procedimento diário, a investigadora orientou sobre a montagem e pôde sublinhar aspetos da efemeridade na Arte Contemporânea e na Arte Cinética. Naquele dia, a permanência dos jovens dentro do pátio do módulo 1, para participar da atividade, estava ao critério deles, pois havia a opção de jogar futebol de campo. Os jovens organizaram-se e decidiram adotar o sistema de revezamento que, por vezes, é utilizado pelo chefe do


EXPERIMENTE! módulo 1. Uma parte do público-alvo foi jogar futebol e outra parte participou na montagem e, algum tempo depois, trocavam de atividade. A participação dos jovens em conflito com a lei na montagem do móbile foi encantadora, como já se explicará adiante. Uns jovens penduravam os fios de algodão na estrutura do teto do pátio do módulo 1. Outros amarravam, na ponta do fio de algodão, os sacos de plástico contendo água ou água com pigmento líquido de cor azul. Entretanto, brincavam de “guerrinha” com os sacos de água, atirando-os uns aos outros. Das brincadeiras com os sacos de plástico surgiram baldes de 10 litros de água. Afinal de contas, a temperatura estava acima dos 30ºC, dentro do módulo 1. Era uma festa, um festival de arte, cultura e lazer... Momento de construção e descontração, emoção e subjetividade... Uma explosão de humanização ocorreu na tarde daquele dia... E o vapor que pairava no ar não era somente de brincarem de “guerrinhas”. Era um vapor diferenciado. Havia energia envolvida. Sentia-se vitalidade, alegria e harmonia. Não houve lugar para nenhuma infração durante todo o processo. O respeito manteve-se presente do início ao fim. Nem sequer uma gota de água respingou na investigadora, durante a montagem. Quanto aos jovens do lado A, que estavam trancados nos quartos, observavam pelas frestas e janela do aposento. Pediam para participar da montagem, porém tal não era possível, pois os lados A e B não podem se misturar. Ao final da tarde, soou a campainha de comando para que os jovens se encaminhassem para o fundo do pátio. Eles respeitaram. E com autorização do chefe do módulo 1, apenas um jovem se manteve no pátio para auxiliar na finalização da montagem. Enquanto o sol se punha, a investigadora foi de quarto em quarto conversar sobre a obra “Caravela de Sonhos” com os jovens, que já estavam trancados.

Nessa fase, ocorreu a leitura do objeto artístico, traduzida por jovens sentenciados à privação de liberdade. Alguns deles perguntavam o que era aquilo e qual o significado. Muitas vezes a investigadora pedia silêncio para que olhassem a obra, explicando que o silêncio auxilia a leitura.

de atividades práticas, cujo carácter é continuado. As atividades práticas evocam a transversalidade, logo, a transdisciplinaridade. Os conteúdos desenvolvidos reportam a especificidades do território histórico e patrimonial de Belém e da Coleção Berardo.

Quando os jovens entendiam a caravela, era como uma descoberta. Assim eles próprios reconheciam que era uma caravela de desejos e sonhos, afinal, o desenho no móbile foi feito com tsurus. Os jovens disseram que as cores da obra eram “iguais ao colorido dos sonhos”, ou seja, que os sonhos são coloridos, que a vida também é colorida.

Por fim, o Programa Artístico Educativo objetiva favorecer aos jovens infratores experiências inovadoras e sensibilizadoras; desenvolver o aspecto lúdico, participativo e integral de cada indivíduo sentenciado à privação de liberdade; estimular o conhecimento e envolvimento de tal forma que eles se apropriem das situações, a ponto de demonstrarem sinais de pertença. O Progrrama tem como vocação enaltecer a capacidade de o jovem infrator valorizar e reconhecer a sua própria identidade. Enquanto entende, reflete e critica o ambiente e o contexto do mundo em seu redor, o jovem pode tornar-se protagonista e detentor da herança do ser e dos direitos humanos – que aqui é a missão.

Outros jovens questionaram o motivo de colocar os sacos de água na obra. Inicialmente, a investigadora respondeu que era uma questão de estética. Então, os jovens perceberam que era para ficar bonito. Mas a investigadora questionou se a arte teria de ser bonita. Na sequência, a investigadora analisou a obra junto dos jovens, apresentando a importância da harmonia da obra com a inserção da água, bem como a relação de equilíbrio ao inserir na composição sacos de água suspensos. A partir do diálogo, os jovens concluíam que a água representava o mar. E um deles disse: “Só pode ser o mar, o oceano!” Entre outras leituras produzidas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

O encerramento da atividade selou-se com um abraço que a investigadora deu ao jovem que a auxiliou a finalizar a montagem, que foi quem a apoiou e a acompanhou, desde o primeiro dia que ela esteve no módulo 1 até o último saco de água amarrado ao fio de algodão, às 19h, de 20 de dezembro de 2012.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: nos anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991.

No dia 21 de dezembro de 2012, a abertura da exposição ocorreu no horário do banho de sol, no pátio do módulo 1. Cada lado no seu respetivo turno, em conformidade com a escala do dia: pela manhã o lado B e à tarde o lado A. Os jovens, dentro do pátio do módulo, ficaram em fila indiana em frente à grade e, um a um, receberam o lanche. A investigadora, juntamente com 3 agentes do sexo feminino, ofereceu-lhes: cachorros-quentes, condimentos (maionese e mostarda), pipocas e refrigerantes. Ao passo que recebiam o lanche, saíam da fila e sentavam-se no extenso chão do pátio. O fato é que em qualquer lado que os jovens se sentassem, direcionados para o interior daquela área, deparavam com a “Caravela de Sonhos”. Então, eles comiam, conversavam e, simultaneamente, observavam o móbile... Ingerindo a obra de arte e digerindo-a. Finalizado o banho de sol, do turno vespertino, a “Caravela de Sonhos” entrou para a memória. O chefe do módulo 1 retirou o objeto instalado na grelha central do teto do pátio do módulo 1, da UIPP, na capital do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A harmonização dos dois locais de confinamento pressupõe a conceptualização de uma área disciplinar que aqui designamos por Programa Artístico Educativo Dedicado a Jovens em Medida Socioeducativa de Internação. Figura 2 – “Caravela de Sonhos” - imagem II -, módulo 1, 2012. Unidade de Internação do Plano Piloto. Fotografia de Adriana Prado.

O projeto trabalha o entrecruzamento dos três princípios estratégicos do Serviço Educativo do Museu Coleção Berardo e articula-se com a Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa. Assim sendo, a mediação cultural decorre através

Revista Jovens Cientistas

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras. 1992.

CARVALHO, Maria João Leote. 2005. Jovens, espaços, trajectórias e delinquências. In: Sociologia, problemas e práticas, nº 49, Lisboa: Mundos Sociais, 2005. p. 71-93. CHOUGNET, Jean-François; DEMPSEY, Amy.; CORNE, Eric; ALMEIDA, Bernardo Pinto de. Museu Colecção Berardo: um roteiro. Londres: Thames & Hudson, 2007. GALLO, Sílvio. Deleuze & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. PRADO, Adriana Lopes dos Santos. Um sopro de liberdade: programa artístico educativo dedicado a jovens em medida sócio educativa de internação. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, UNL, Lisboa, 2013. ROSA, Nereide Schilaro Santa. SCALÉA, Neusa Schilaro. Arte-educação para professores: teorias e práticas na visitação escolar. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 2006. SANCHES, José Dias. Belém do passado e do presente. Lisboa: 5ª Separada do Jornal “Ecos de Belém”, 1964. SILVA, Isabel Correia; SEIXAS, Miguel Metelo. Belém. Lisboa: Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém, 2009. STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. VOLPI, Mário. (org.) O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez, 1999. WINNICOTT, Donald Woods. Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

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DO PARA BEIRU O MUND0: museando com contos africanos na escola Larissa de S ouza Reis Doutoranda e Mestra em Educação e Contemporaneidade pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), com atuação na linha de pesquisa “Processos Civilizatórios: Educação, Memória e Pluralidade Cultural”. Graduada em Pedagogia com Licenciatura Plena pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Editora do MUCAI (Museu Virtual de Contos Africanos e Itan). Líder do Candaces: Grupo de pesquisa sobre Gênero, Raça, Cultura & Sociedade. Membro dos grupos de pesquisa: “Sociedade em Rede, Pluralidade Cultural e Conteúdos Digitais Educacionais” e “Pesquisa da Memória Afro Baiana (GEPMAB)”. E-mail: larireiss@hotmail.com.

Alfredo E urico Rodrigues Matta Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEDUC e do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento – DMMDC. Coordenação do Curso de História UNEB/UAB e do Núcleo ABED-Bahia. Líder do Grupo de Pesquisa Sociedade em Rede, Pluralidade Cultural e Conteúdos Digitais Educacionais. E-mail: alfredomatta@gmail.com.

INTRODUÇÃO

Resumo Esta produção relata a experiência colaborativa da criação do MUCAI (Museu Virtual de Contos Africanos e Itan), desenvolvido juntamente com estudantes de 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública de Salvador/ Cabula/Beiru. Narramos nossas aproximações teórico-práticas por meio de discussões acerca: das bases legais que nortearam a pesquisa-aplicação utilizada; da cosmovisão imersa na ancestralidade africano-brasileira, ligada ao contexto afrodiaspórico e a tradição oral das narrativas africanas nagôs e bantos.

Palavras-chave:

Educação para as Relações Étnico-raciais, Museu virtual, Contos Africanos.

O cenário histórico dos processos civilizatórios ocorridos no Brasil ocasionou lutas e resistências que afetaram diretamente o contexto social contemporâneo. Em se tratando da área da educação escolar, demarcações propostas pela Lei nº 10.639/03 e por outras bases legais têm mobilizado alguns educadores – e demais interessados – na busca por mais ações afirmativas que deem suporte a problemática que envolve o racismo nestes espaços. Desta forma, traçamos um caminho para o planejamento de práticas pedagógicas descolonizadoras, direcionadas ao ensino de História e Cultura Afro-brasileira de modo a, ao mesmo tempo, sugerir uma proposta de uso adequado de materiais didáticos relacionados a esta temática. Isto porque reconhecemos a necessidade de se pensar em estratégias de enfrentamento dialógico e educativo frente ao racismo institucional que vem estereotipando e violentando a cultura afro-brasileira, por meio de imagens, metanarrativas e relações preconceituosas com descendentes de africanos no espaço escolar. Com este propósito, relatamos uma experiência pedagógica ocorrida com o desenvolvimento de um museu virtual relacionado a narrativas africanas, no contexto escolar de pesquisa-aplicação com a DBR – Design Based Research (MATTA; SILVA; BOAVENTURA, 2014). Nesta perspectiva, este trabalho traz quatro divisões. Inicialmente, dialogamos sobre desafios e possibilidades que envolvem o ensino-aprendizagem da Educação para as Relações Étnico-ra-

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ciais na escola, em um contexto descolonizador, sob a ótica de bases legais que podem contribuir para ações educativas de enfrentamento ao racismo nestes espaços. Seguidamente, ponderamos sobre estudos africanos, tendo como viés a ancestralidade iorubá e banto presentes nos contos africano-brasileiros. No terceiro momento, narramos a nossa experiência com a criação do MUCAI (Museu Virtual de Contos Africanos e Itan) enquanto resultado de uma experiência didático-pedagógica socioconstrutivista. Por fim, exibimos as considerações finais.

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: UM OLHAR PARA AS BASES LEGAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL I Considerando a nossa escolha de trabalhar com a temática afro-brasileira no Ensino Fundamental I, selecionamos algumas bases legais que nos auxiliaram na formação inicial do MUCAI. Buscamos referenciais para dar embasamento e fortalecimento no nosso discurso e nas práticas educativas, pelo direito dos sujeitos de conhecerem suas próprias histórias e até mesmo outras versões dos episódios civilizatórios ocorridos no país, diante da diversidade étnico-racial existente na sociedade brasileira. Desta forma, recorremos às bases: Lei nº 9.394/96 – LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) (BRASIL, 1996); PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais – Pluralidade Cultural) (BRASIL, 1997); DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cul-


tura Afro-Brasileira e Africana) (BRASIL, 2004); Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003); Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2006). Localizamos na LDB elementos importantes ao planejamento pedagógico, diante da valorização dos processos relacionados às experiências dos sujeitos frente a diversidade cultural. Buscamos auxílio dos PCN para aprofundamento do nosso olhar em torno das expressões culturais, por meio das linguagens em múltiplas possibilidades comunicacionais, de maneira que priorizamos a oralidade devido a ligação ancestral africana com o universo dos contos e itan. As DCN, por sua vez, reforçam a necessidade da promoção de ações afirmativas, considerando a ocorrência do processo histórico de violência sofrida por africanos – e seus descendentes no Brasil – que foram escravizados, além da busca por estratégias de enfrentamento ao racismo por parte do governo, considerando o viés da Educação para as Relações Étnico-Raciais (REIS, 2017). O estudo da Lei nº 10.639/03 foi a maior base da nossa pesquisa, por acreditarmos na relevância da aplicabilidade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira na educação básica, de forma transdisciplinar e justa para oportunizar mais visibilidade a esta temática, com a inclusão de um currículo mais contextualizado com o processo de construção identitária dos sujeitos. As Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais nos forneceram caminhos práticos para destacar processos criativos inseridos nas produções artísticas dos estudantes em sala de aula, a exemplo do nosso trabalho com recontos (REIS, 2017).

DA ANCESTRALIDADE AFRICANA EM UM CONTEXTO AFRODIASPÓRICO AO ENSINO-APRENDIZAGEM COM CONTOS AFRICANOS Aprofundamos o campo relacionado aos estudos africanos, com o recorte para a ancestralidade africano-brasileira. O nosso ponto de partida tem sido a tradição oral e o seu potencial educativo, proporcionado pelas leituras de contos e itan (PÓVOAS, 2004), sendo este um vocábulo iorubá que amplia diversos tipos de histórias destes povos. Estas narrativas abordam enredos que podem agregar animais, pessoas e seres sobrenaturais, como os Orixás, divindades africanas. O viés pedagógico destas histórias tem como embasamento de maior referência o Candomblé, religião de matriz afro-brasileira. Contudo, a nossa discussão pedagógica na escola não se concentrou no ensino religioso, mas foi preciso apontar a arkhé (LUZ, 1992) referida no nosso trabalho. Isto porque falar sobre povos iorubás e bantos, estando na Bahia, Terra do Axé, perpas-

sa pela discussão da história e da cultura destas civilizações. Elaboramos o contexto histórico da pesquisa enquanto suporte para nos guiarmos no processo de seleção das narrativas, do ponto de vista das civilizações priorizadas: os bantos e os iorubás. Assim, buscamos ensinamentos das contações de autores como: Júlio Braga (1980), Mestre Didi (2004), Reginaldo Prandi (2002), Ruy Póvoas (2004) e Vanda Machado (2005). Experienciamos momentos educativos com atividades de explorações sensoriais. Mergulhamos no universo de histórias que retratam ambientes como florestas, por exemplo. As temáticas foram diversificadas, com a valorização: da transformação interna dos sujeitos; da maternidade; da família; da fé; da coragem e do heroísmo; da riqueza e da sorte; da sabedoria; da paciência etc. O processo de ensino-aprendizagem com os contos foi iniciado em sala de aula, tendo a nossa mediação para a construção de objetos de aprendizagem, colaborando para a contextualização dos diálogos pelos estudantes, de maneira que estes experienciaram uma diversidade de sons do ambiente – barulho da chuva, do trovão, do vento, do fogo, da água corrente etc. –, além de tocarem em alguns materiais da natureza, como conchas do mar, areia, água, folhas. O convite para fechar os olhos estimulou alguns educandos a socializarem suas impressões por meio da oralidade, além de (re)conhecerem formas de acesso a mitologia africana com a apreciação de elementos da natureza.

MUCAI: RELATO DE EXPERIÊNCIA SOCIOCONSTRUTIVISTA COM A DBR O MUCAI (Museu Virtual de Contos Africanos e Itan) é resultado da pesquisa acadêmica que foi desenvolvida na dissertação de mestrado, intitulada “Museu Virtual de Contos Africanos e Itan: contribuições à implementação da Lei nº 10.639/03”, concluída no ano de 2017. O processo de fundação do MUCAI, do ponto de vista da efetivação do acesso, foi iniciado em outubro de 2016, juntamente com duas turmas de estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental I, de uma escola pública do Cabula/Beiru, localizada em Salvador (BA). Desenvolvemos este portal em uma perspectiva socioconstrutivista, didático-pedagógica, transdisciplinar, arte-educativa e descolonizadora. Como retorno, verificamos que a investigação foi encerrada com a defesa do mestrado, porém, o museu permanece vivo, repleto de memórias ancestrais e de encontros atuais entre descendentes de africanos no Brasil (REIS, 2017). Modelamos o MUCAI, tendo como suporte concepções que se aproximaram de características como: o reconhecimento da memória coletiva lo-

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cal (VIEIRA, 2007), atendendo ao passado histórico do Cabula/Beiru, bairro onde está localizada a instituição de escolar participante e que possui a sua memória de luta e resistência, com a predominância histórica de povos africanos bantos e iorubás oriundos da diáspora; acessibilidade e resgate de coleções (DJINDJIAN, 2007), devido a nossa proposta de inclusão com a comunicação acessível e a difusão de conhecimentos e saberes ancestrais, por meio de narrativas de tradição oral e suas aprendizagens para a vida, delineando o nosso combate ideológico aos estereótipos que tem sido abordados em diversos materiais pedagógicos e nos discursos dominantes. Além disto, ressaltamos que o MUCAI se configura em um produto de museu de base tecnológica (CARVALHO, 2008) que tem promovido uma amplitude no acesso de visitantes, inicialmente desenvolvido em uma escola e atualmente avança para diversos públicos. As etapas de estruturação do museu ocorreram na medida em que os alunos confeccionaram suas produções, resultantes das atividades em sala de aula. A sigla e o nome do museu foram decididos pelos estudantes, por meio de votação nas duas turmas. A partir das contações de histórias africano-brasileiras, os educandos participaram de dinâmicas e de quatro oficinas: Desenho; Símbolos e Armamentos dos Orixás; Indumentárias; e Jogos Teatrais com o Teatro de Varetas. A culminância das atividades envolveu a divisão de grupos por meio da escolha de histórias que foram estudadas nas aulas anteriores. Cada grupo organizou sua própria distribuição de tarefas entre os membros, com: contador(a) de histórias, relator(a) do grupo e equipe de confecção dos personagens de varetas, processos estes que deram sentido a uma proposta socioconstrutivista (REIS, 2017). Desta maneira, contextualizando com as ações do Grupo de Pesquisa “Sociedade em Rede, Pluralidade Cultural e Conteúdos Digitais Educacionais”, desenvolvemos uma solução tecnológica, pautada na temática das africanias, considerando iniciativas do grupo em tecer reflexões teórico-práticas para o desenvolvimento e a aplicabilidade de museus virtuais sob o olhar da história e da cultura baiana (SANTOS; SOUZA; REIS; MARTINS; GOMES, 2018). A nossa investigação se configurou na pesquisa aplicada nomeada como DBR (Design Based Research), sendo ainda pouco conhecida no Brasil, mas que tem demonstrado o seu potencial e relevância ao campo de pesquisas aplicadas em educação, com o viés colaborativo, comunitário e fornecendo inúmeras possibilidades de aproximação dialógica com a comunidade, como no nosso exemplo que foi em uma escola pública. A DBR (Design Based Research) se caracteriza como uma pesquisa aplicada que propõe parcerias colaborativas com a comunidade participan-

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te, de maneira a reconhecê-la como coautora das produções conjuntas, ao invés de serem meramente objetos de análise. A DBR possui quatro fases: contexto histórico da investigação; criações de soluções práticas a partir dos conceitos teóricos selecionados; ciclos de aplicação, visando melhorias com ações iterativas; e, por fim, a análise do processo (MATTA; SILVA; BOAVENTURA, 2014). Do ponto de vista da primeira modelagem computacional do MUCAI, o portal está organizado da seguinte forma: abertura do museu, com a apresentação do histórico, da missão e do público-alvo. O museu exibe também demais barras de ferramentas: coleção de narrativas (compartilha contos e itan); acessibilidade (traz algumas narrativas em áudio); sala interativa (espaço de interação entre os visitantes); portfólio (divulga algumas atividades organizadas pelo MUCAI); diário das aulas (uma espécie de diário de bordo dos estudantes acerca das aulas realizadas, com a socialização das produções deles), dentre outros.

REFERÊNCIAS BRAGA, Júlio Santana. Contos afro-brasileiros. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1980. BRASIL. Governo Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96. Brasília, MEC/SEMTEC, 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em 28 nov. 2018, às 8 h.

Fonte: www.museumucai.com

BRASIL. Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Lex: Brasília, 2003. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm#art1>. Acesso em 28 nov. 2018, às 10 h.

O MUCAI ESTÁ NA REDE, DO BEIRU PARA O MUNDO! ALÉM DO PORTAL, O MUSEU POSSUI VISIBILIDADE NAS REDES SOCIAIS FACEBOOK (@MVMUCAI) E INSTAGRAM (@MUSEUMUCAI).

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: 2004. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org. br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf>. Acesso em 28 nov. 2018, às 13 h. BRASIL. Ministério da Educação. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf >. Acesso em 28 nov. 2018, às 14 h. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.

Ilustração: divulgação do MUCAI no Facebook e no Instagram

As nossas atuações socioeducativas têm sido aprimoradas visando a formação de educadores, estudantes e/ou demais interessados pela temática, por meio de oficinas, minicursos, palestras, seminários e rodas de conversa em espaços como escolas, universidades, brinquedotecas etc. Convidamos a comunidade em geral para o aperfeiçoamento do portal, com chamadas1 públicas para contadores de histórias e músicos. Isto porque o nosso museu pode ser aprimorado pelos visitantes.

CONCLUSÃO Acreditamos na importância desta discussão ao campo socioeducativo, considerando a valorização da História e Cultura afro-brasileira, emanada pela oralidade, com a valorização de encantos vivos nos contos africanos que ressoam no Cabula e no Beiru. Os ensinamentos e os valores trazidos nas narrativas de tradição oral ligadas ao axé estão relacionados a transmissão do cotidiano de base africana e que tem resistido, mesmo diante da intolerância religiosa e do preconceito racial. Utilizamos, desta forma, um museu de base tecnológica como extensão de um corpo vivo e repleto de memórias que, para além da fala traduzida em oralidade: conta, sussurra, grita, narra, luta, ensina e resiste. O trabalho resultante foi elaborado conforme as propostas da DBR, rumo a sua ampliação e aperfeiçoamento, considerando que atualmente damos seguimento a investigação em torno de novos questionamentos surgidos ao término do mestrado. Nesta perspectiva, o doutoramento2 visa o desenvolvimento da aplicação pedagógica de contos africanos e itan, por meio do MUCAI, como via de auxílio ao enfrentamento do racismo no Ensino Fundamental I. O nosso propósito agora é traçar uma busca em torno de narrativas africanas que são transmitidas nos terreiros de Candomblé. Assim, entendemos que a existência do MUCAI ultrapassa a noção de uma pesquisa acadêmica de mestrado e de doutorado ou de uma produção extensionista porque abrange uma práxis, contemplada com uma abordagem transdisciplinar, tendo parceria com a educação, a arte-educação e a tecnologia, frente a urgência de contribuir para a discussão em torno das ações afirmativas.

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Os visitantes podem contactar a coordenação do MUCAI por meio do e-mail museuafricaqui@gmail.com

2 Pesquisa iniciada em 2018, orientada pelo Prof. Dr. Alfredo Matta, tendo apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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CARVALHO, Rosane Maria Rocha de. Comunicação e informação de museus na internet e o visitante virtual. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio. Rio de Janeiro: PPG-PMUS Unirio. Vol. l, nº1, jul./ dez. 2008. Disponível em: <http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/ article/viewFile/8/4>. Acesso em 10 nov. 2018, às 17 h. DJINDJIAN, François. The Virtual Museum: an introduction. Archeologia e Calcolatori Supplemento. Itália: Paola Moscati. V.1, 2007. Disponível em: <http://soi.cnr.it/archcalc/indice/ Suppl_1/2_Djindjian.pdf>. Acesso em 06 nov. 2018, às 19 h. LUZ, Narcimária Correia do Patrocínio. Do Monopólio da Fala sobre Educação à Poesia Mítica Africano-Brasileira. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Salvador: UNEB. v. 1, n.1, jan./jun., 1992. MACHADO, Vanda. Mitos afro-brasileiros e vivências educacionais. In: SECULT. Lei n°10.639/03: caderno de textos do professor. Salvador: Smec, 2005. Disponível em: <http:// smec.salvador.ba.gov.br/documentos/mitos.pdf >. Acesso em 15 dez. 2018, às 14h MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues; SILVA, Francisca de Paula Rodrigues da; BOAVENTURA, Edivaldo Machado. Design-Based Research ou Pesquisa de Desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI. Revista da FAEEBA: Educação e Con-


temporaneidade. Salvador: UNEB. V. 23, n.42, jul./dez. 2014. MESTRE DIDI. Contos Crioulos da Bahia. Salvador: Núcleo Cultural Níger Okàn, 2004. MUCAI. Museu Virtual de Contos Africanos e Itan. Disponível em: <https://www.museumucai. com/>. PÓVOAS, Ruy do Carmo. Itan de Boca a Ouvido. Ilhéus: UESC, 2004. PRANDI, Reginaldo. Ifá, o adivinho: histórias dos deuses africanos que vieram para o Brasil com os escravos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. REIS, Larissa de Souza. Museu Virtual de Contos Africanos e Itan: contribuições à implementação da Lei nº 10.639/03. 2017, 273f. Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade) Departamento de Educação – Campus I, Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2017. Disponível em: <http://www.saberaberto.uneb.br/handle/20.500.11896/667>. Acesso em 01 nov. 2018. SANTOS, Ednei; SOUZA, Erisvaldo; REIS, Larissa; MARTINS, Luciana; GOMES, Maria Antônia. Museus Virtuais em História e Cultura da Bahia: uma construção por meio da Design-Based Research. In: PLOMP, Tjeerd et al. (org.). Pesquisa-aplicação em Educação: uma introdução. São Paulo: Artesanato educacional, v. 1, 2018. VIEIRA, Antônio Carlos Pinto. Maré: casa e museu, lugar de memória. Revista Musas – Revista Brasileira de Museus e Museologia. Rio de Janeiro: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Departamento de Museus e Centros Culturais. N° 3, 2007. Disponível em: <https://www. museus.gov.br/wp-content/uploads/2011/01/ Musas3.pdf>. Acesso em 09 nov. 2018, às 9 h.


MARIA, OLHA A COBRA! DIVULGANDO OS ANIMAIS PEÇONHENTOS EM AÇÕES EDUCATIVAS DO NÚCLEO DE OFIOLOGIA E ANIMAIS PEÇONHENTOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Re j â n e M a r i a Li ra -da -Si l va Professora Titular e Coordenadora do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. Bolsista Produtividade em Pesquisa em Divulgação Científica CNPq. E-mail: rejane@ufba.br.

Cat h a r i n a Si l va Chi e h L i ng M a Estudante de Graduação em Ciências Biológicas, Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq (PIBIC/UFBA). E-mail: catharina.sma@gmail.com.

Le o n a rd o Li m a Al ve s Estudante de Graduação em Ciências Biológicas, Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. E-mail: leonardolima0398@gmail.com

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Resumo A ONU declarou 2018 o Ano Internacional da Mulher Rural com a finalidade de proporcionar uma compreensão de que o tempo é agora: ativistas rurais e urbanas transformam a vida das mulheres, em um movimento global sem precedentes por direitos, igualdade e justiça. O Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia (NOAP/UFBA) é um museu da Universidade Federal da Bahia, cujo setor educativo promove atividades lúdicas organizadas em exposições itinerantes, proporcionando a reflexão sobre o conhecimento científico e popular sobre serpentes, aranhas e escorpiões, através da Rede de Zoologia Interativa (REDEZOO). Esta pesquisa é um relato de experiência sobre a atividade intitulada “Maria, olha a cobra!”, um conjunto de ações educativas, com a participação de distintos públicos, voltadas para o diálogo sobre o trabalho rural e os acidentes por animais peçonhentos, considerados doenças tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde. A proposta museográfica constou da “Zoologia Viva” (animais vivos), “Zooteca” (jogos), “Zookits” (kits e experimentos), “REDEZOO em Cena” (teatro de fantoches), “REDEZOO no cinema de animação” (vídeos), mostra de fotografias e alimentação e extração de veneno públicas, com a mediação de estudantes da UFBA. Em 2018, conduziu-se 18 exposições, com público aproximado de 2.320 pessoas. Nossos resultados mostraram a importância de novas formas de comunicação dos museus universitários, com um diálogo aberto, horizontal de troca de experiências e diferentes olhares sobre os animais peçonhentos para a conservação da biodiversidade, tratamento e diminuição dos riscos de acidentes em áreas rurais.

Palavras-chave:

Museu universitário; Educação museal; Animais venenosos; Ciência cidadã.

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INTRODUÇÃO Desde 2010, os acidentes com animais peçonhentos foram considerados como doença tropical negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As doenças tropicais negligenciadas constituem um grupo de doenças fortemente associadas à pobreza e que proliferam em ambientes de precariedade. Embora prejudiquem a vida de cerca de um bilhão de pessoas ao redor do mundo, as doenças tropicais negligenciadas permanecem em grande parte ocultas, concentradas em áreas rurais ou em periferias urbanas (Brasil 2010; Warell 2010; Williams 2015). Os animais peçonhentos compõem um amplo conjunto de espécies pertencentes a todos os grupos zoológicos, de esponjas a mamíferos, dotados da capacidade de produzir e/ou inocular em suas vítimas uma secreção venenosa. Dada a larga distribuição desses animais, particularmente em regiões tropicais e subtropicais, o grande número de acidentes e a complexidade do quadro clínico decorrente, os envenenamentos por animais peçonhentos constituem um problema global e de grande relevância para a Saúde Pública (Brasil 2009; Gutiérrez 2012; Gutiérrez et al. 2013). Estimativas conservativas indicam que, anualmente, mais de 5 milhões de pessoas sofram algum tipo de acidente, envolvendo somente serpentes, com 25 mil a 125 mil óbitos e 250 mil indivíduos que carregarão sequelas por toda a vida. Vale ressaltar que pelas próprias características de ocorrência e dificuldades de diagnóstico, há reconhecida subnotificação dos acidentes por outros animais peçonhentos em todo mundo, inclusive no Brasil (Gutiérrez et al. 2013). Os acidentes por animais peçonhentos são, em sua maioria, um agravo silencioso, uma vez que as pessoas afetadas ou em risco têm pouca voz política e/ou acesso à informação (Warell 2010). No estado da Bahia (Brasil), Mise, Lira-da-Silva e Carvalho (2016) mostraram que a incidência do ofidismo foi positivamente e fortemente associada com a atividade agrícola, aumentando o risco dos trabalhadores rurais. Além disso, a demora no atendimento é a variável mais impor-

tante na gravidade dos casos no Brasil (Mise, Lira-da-Silva e Carvalho 2018) e os moradores de comunidades em áreas remotas são os que mais sofrem. As ações de saúde nestas comunidades são escassas, inclusive sendo relatada a falta de soro antiofídico e medicamentos nos postos de saúde, quando existentes (Guerrero et al. 2007). Nesse contexto, em 2018 o museu Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia, da Universidade Federal da Bahia (NOAP/UFBA), construiu a exposição Maria, olha a cobra!, um conjunto de ações educativas, visando a comemoração do Ano Internacional da Mulher Rural. A expografia buscou expressar uma discussão sobre os animais peçonhentos e a vulnerabilidade das trabalhadoras rurais. Nosso objetivo é relatar a experiência dos autores na condução desta exposição voltada para diferentes públicos.

METODOLOGIA Esta pesquisa teve abordagem qualitativa, caracterizada como um relato de experiência e foi conduzida de janeiro a novembro de 2018. Neste contexto, analisamos a divulgação do tema “animais peçonhentos”, sob uma perspectiva globalizante, mas também local, voltado para a vulnerabilidade do trabalho rural, cujos acidentes representam um importante problema de saúde pública.

O NÚCLEO DE OFIOLOGIA E ANIMAIS PEÇONHENTOS DA BAHIA (NOAP/UFBA): O NOAP/UFBA é um museu da Universidade Federal da Bahia, criado em 13 de fevereiro de 1987 como laboratório do Instituto de Biologia e cadastrado como Grupo de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 1993. O NOAP/UFBA foi cadastrado como Museu de Ciências em 25 de abril de 2008, no Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural do Ministério da Cultura (IPHAN/MINC). Em 2017, foi inscrito em como Museu Universitário no Worldwide Database of University Museums and Collections do UMAC/ICOM (University Museums and Collections do International Council of Museums)1. Conta sob sua responsabilidade de curadoria, o patrimônio das Coleções Aracnológica e Herpetológica do Museu de História Natural da Bahia (MHNBA/UFBA). Possui um rico acervo didático para atividades de extensão de cunho educacional e museológico, a REDEZOO – Rede de Zoologia Interativa, que, de maneira lúdica e itinerante, leva a população baiana à construção de conhecimentos acerca dos animais peçonhentos, cujos acidentes foram reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde como Doenças Negligenciadas. O processo de musealização do NOAP/UFBA já está consolidado, pois existe um setor educativo, onde desenvolvem-se pesquisas na área de Educação Museal e existe uma agenda permanente em Rede. Com 32 anos de história, o NOAP/UFBA é uma referência nacional no que se refere às atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre répteis e aracnídeos. É um dos locais onde os diferentes públicos têm a oportunidade de contatar com a ciência através de cientistas, falando sobre animais peçonhentos na primeira pessoa.

1 Worldwide Database of University Museums and Collections do UMAC/ICOM. Disponível em: http:// university-museums-and-collections.net/salvador-da-bahia/center-of-the-ophiology-and-poisonous-animals-of-bahia. Acesso em 14 abr. 2018.

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A EXPOSIÇÃO “MARIA, OLHA A COBRA”: Esta exposição representou um conjunto de ações educativas da Rede de Zoologia Interativa (REDEZOO), um programa de produção de conhecimento, divulgação e popularização da Zoologia, através de ações educativas por meio de exposições itinerantes, que incluem “Zoologia Viva” (animais vivos), “Zooteca” (jogos), “Zookits” (kits e experimentos), “REDEZOO em Cena” (teatro de fantoches), “REDEZOO no cinema de animação” (vídeos), mostra de fotografias e alimentação e extração de veneno públicas, com a mediação de estudantes da UFBA (Santos e Lira-da-Silva 2012). O plano museológico da Exposição buscou integrar-se às comemorações do Ano Internacional da Mulher Rural, festejado em todo o planeta no ano de 2018, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a finalidade de proporcionar uma compreensão de que o tempo é agora: ativistas rurais e urbanas transformam a vida das mulheres, em um movimento global sem precedentes por direitos, igualdade e justiça. Nesta perspectiva, as ações educativas voltaram-se para uma discussão sobre os acidentes por animais peçonhentos e o trabalho rural. A Zoologia Viva foi composta por dioramas, caracterizados por serpentes, aranhas e escorpiões vivos em terrários, representando seu ambiente natural para garantir bem-estar. As espécies expostas foram as mais comuns que ocorrem na Bahia (Bothrops leucurus – jararaca-do-rabo-branco; Boa constrictor – jiboia; Crotalus durissus – cascavel; Eunectes murinus – sucuri; Epicrates cenchria – Jiboia-arco-íris; Spilotes pullatus – cainana; Latrodectus – aranha viúva-negra; Lasiodora – aranha caranguejeira; Phoneutria bahiensis – aranha armadeira; Loxosceles chapadensis – aranha marrom; e os escorpiões Tityus serrulatus e Tityus stigmurus) e exóticos (Panterhophis gutatta – “corn snake” e Morelia spilota – píton australiana). As serpentes não peçonhentas podiam ser manipuladas pelo público, respeitando sua vontade e atentando às normas de segurança. Os Zookits caracterizaram-se por kits educativos representados por animais conservados que podem ser vistos a olho nu ou através de microscópios estereoscópios, peles, mudas de pele, chocalhos, esqueletos, crânios e animais em resina. A Zooteca foi composta de jogos de nossa autoria, de tabuleiro, tipo “dama”, quebra-cabeça ou jogo da memória: “Teia dourada”, “Vale das serpentes”, “Serpenteando a Amazônia”, “Na trilha dos escorpiões”, “Quebra cabeças dos escorpiões”, “Jogo da memória dos escorpiões” e “Vestindo a aranha e o escorpião” (fig. 1). A REDEZOO em Cena, constituiu-se da apresentação de histórias, também de nossa autoria, através do teatro de fantoches: “Carlinhos a cascavel” e “O lixo é a casa do bicho” (Lira-da-Silva 2011). As mostras de vídeos contaram com a apresentação dos vídeos “Nadja, a cobrinha” (Dias e Lira-da-Silva 2014b), “Cobras peçonhentas” (Dias e Lira-da-Silva 2014b) e o stop motion “Acidente ofídico - E agora, o que eu faço?”, construídos pela nossa equipe (fig. 1). A mediação foi realizada em média por 10 monitores, estudantes de Ciências Biológicas e Medicina Veterinária, estagiários do NOAP/UFBA, na perspectiva educativa da formação do indivíduo, de que o museu deve, como uma de suas principais funções, permitir a esse indivíduo tornar-se sujeito de sua aprendizagem (Marandino 2008).

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Figura 1 - Ações educativas da Rede

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de Zoologia Interativa em Maria, olha a cobra!. (A) Zoologia Viva. (B) Zookits. (C) Redezoo em Cena. (D) Zooteca. Fotos: Arquivo do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos (NOAP/UFBA).

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A

RESULTADOS Foram conduzidas 18 (dezoito) atividades educativas relacionadas à “Maria, olha a cobra!”, incluído exposições, cursos, palestras e visitas com público aproximado de 2.320 pessoas (Quadro I). Quadro I - Exposições “Maria, olha a cobra!” realizadas no âmbito da Rede de Zoologia Interativa (REDEZOO), de janeiro a novembro de 2016.

A

Atividades

Data

Local

Público estimado

15/01/2018

NOAP, Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, BA

9 alunos

09/06/2018

NOAP, Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, BA

30 pessoas

3. Mesa-redonda “Serpentes e ofidismo e a sua relação com os trabalhadores rurais em países megadiversos: Uma visão humanitária – Fórum Social Mundial

13/03/2018

Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, BA

50 Pessoas

4.

Rede de Zoologia Interativa

23/04/2018

Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia, Imbuí, Salvador, BA

35 trabalhadores

5.

Rede de Zoologia Interativa

23, 24 e 25/04/2018

19º Batalhão de Caçadores, Cabula, Salvador, BA

500 soldados

6.

Rede de Zoologia Interativa

04 e 05/07/2018

Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, BA

51 Guardas Municipais

7.

Rede de Zoologia Interativa

23/08/2018

XI Semana do Meio Ambiente - XI SEMEIA/UCSAL - Universidade Católica do Salvador, Pituaçu, Salvador, BA

35 estudantes do Ciências Biológicas

8.

Rede de Zoologia Interativa

22/09/2018

Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, Bahia

20 estudantes de Medicina da Liga de Infectologia/ UFBA

9.

Rede de Zoologia Interativa

27/10/2016

XVI Jornada de de Medicina Veterinária da UNIME, Lauro de Freitas, Bahia

30 estudantes de Medicina Veterinária

16/04/2018

Escola Casa do Horto, Horto Florestal, Salvador, BA

30 crianças

Visitas ao NOAP/UFBA 1.

2.

Visita dos Alunos de Biotecnologia da UFBA Crianças na UFBA

Cursos e Mesa-redonda

B

B

B

Exposições itinerantes

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18

10.

Rede de Zoologia Interativa

11.

Rede de Zoologia Interativa

12.

16ª Semana Nacional de Museus do NOAP/UFBA

13. 14.

05/05/2018

Colégio SESI, Retiro Salvador, BA

100 pessoas

14 a 20/05/2018

Hall do Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, BA

200 pessoas

Rede de Zoologia Interativa

26/05/2018

Feira do Conhecimento da Escolha Brincando e Construindo, Pituba, Salvador, BA

80 crianças

Rede de Zoologia Interativa

06/06/2018

São Sebastião do Passé, BA

500 pessoas

15/09/2018

Escola Experimental, Brotas, Salvador, BA

50 crianças

19 a 21/09/2018

Hall do Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, Bahia

300 pessoas

26/09/2018

Colégio da Polícia Militar Leonor Calmon, Cajazeiras, Salvador, BA

150 pessoas

17 e 18/10/2018

Hall do Instituto de Biologia/UFBA, Salvador, Bahia

200 pessoas

15.

Rede de Zoologia Interativa

16.

12ª Primavera de Museus do NOAP/UFBA

17.

Rede de Zoologia Interativa

18.

15ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia do NOAP/UFBA

Total

2.320

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crianças e adolescentes ocorreram seguindo uma programação que foi iniciada com o teatro de fantoches, visando receber e se aproximar do público, principalmente crianças da educação infantil e ensino fundamental, seguida da distribuição do público em um esquema de rodízio nas salas dos jogos, dos animais vivos e kits e mostra dos vídeos. A receptividade das crianças foi muito positiva e encerramos as atividades com o jogo “vestindo a aranha e o escorpião” (fig. 5). Os questionamentos das crianças estiveram voltados para a identificação e história de vida dos animais, enquanto que os adultos, questionaram mais sobre os mitos, primeiros socorros e tratamento, dialogando sobre seu contato com as serpentes no trabalho agrícola e as dificuldades de acesso ao tratamento.

DISCUSSÃO

Dentre as 18 atividades realizadas, duas foram realizadas no NOAP/UFBA: Visita dos Alunos de Biotecnologia da UFBA e Crianças na UFBA. A primeira teve a sua mediação voltada para a Zoologia Viva, com o manejo e reconhecimento dos animais de importância médica do serpentário e do aracnidário. A segunda teve sua mediação voltada para uma visita guiada com roda de conversas, apresentando os kits, jogos, os vídeos e as peças, propiciando o diálogo com os visitantes, mas priorizando a Zoologia Viva, com o contato com a serpentes, dando-lhes novos significados (fig. 2). Sete atividades foram cursos de extensão universitária, com um público bastante diverso, desde a formação de soldados do Exército Brasileiro, Estudantes de Medicina, Biologia e Medicina Veterinária, até profissionais da Guarda Municipal de Salvador, Polícia Federal, que incluía uma programação voltada para a biologia, reconhecimento das espécies de importância médica, tratamento dos acidentes e manejo para a captura. Destacamos a Mesa-redonda que ocorreu no Fórum Social Mundial que contou com a participação de diversos trabalhadores da agricultura familiar (fig. 3). Nove foram exposições itinerantes, tanto em Salvador quanto no interior do estado, atingindo um público bastante diverso. As exposições completas com a temática de Maria, olha a cobra!, foram conduzidas no Instituto de Biologia da UFBA, na 16ª Semana Nacional de Museus, 12ª Primavera de Museus e 15ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia do NOAP/UFBA, onde incluímos material visual relativos aos 30 anos das Ações Educativas do NOAP, das Coleções Aracnológica e Herpetológica do Museu de História Natural da Bahia e das Coleções Vivas (Serpentário e Aracnidário), além de uma homenagem ao Museu Nacional da UFRJ. Também foi possível realizar a atividade Mãos-na-cobra e extração pública de veneno e alimentação pública de serpentes, aranhas e escorpiões, o que chamou bastante a atenção do público. Também realizamos atividades culturais como lançamento do Livro produzido no âmbito da ACCS BIOA82 e Sala Verde da UFBA: Histórias de cada um(a) – Rejâne M. Lira-da-Silva, Nestor Oliveira Júnior e Mariana R. Sebastião (orgs) e 3 Vídeos-Documentários: Bordejo - Velas ao vento na baía do Iguape, Raiz do Boqueirão - Filhos de São Francisco e De grão em grão - A educação pela comunicação (fig. 4). As ações educativas especificamente com as

O entendimento dos museus como espaços de educação é uma percepção relativamente recente na história dessas instituições (Marandino 2008). A educação museal consiste no estudo da produção das ações educativas dos museus. Uma pesquisa explica a pedagogia museal quando estuda de que modo o setor educativo dos museus transforma o conteúdo em uma exposição. Quando tenta entender de que modo ocorre, didaticamente, a mediação das exposições e como se dá o desenvolvimento e a condução das práticas educativas de determinado museu. Portanto, toda a esfera de compreensão da atividade educativa do museu – seu setor educativo, profissionais educadores e mediadores, produção e avaliação das exposições, etc. – estão inseridos nesta pedagogia museal (Marandino 2013). Nossa experiência no NOAP/UFBA mostra que o público tem dificuldade de nos reconhecer como museu, uma vez que nossas exposições são itinerantes, apesar de vivermos a terceira etapa de consolidação do papel educativo dos museus, com o aumento e a diversificação do público, particularmente o universitário, cumprindo assim a função social da universidade. Por isso, a concepção e montagem das exposições da Redezoo têm como base o documento “Définition et role d´un Musée de L´Éducation Nationale” (Santos e Lira-da-Silva 2012). No foco da exposição está a experimentação e a comunicação ativa com os visitantes, com objetos técnicos ou de experiência. Isso envolve dois aspectos: a concepção museográfica e a relação com o público estruturadas para garantir que os visitantes sejam agentes ativos capazes de interagir com a exposição e a criação de uma relação de confiança com eles, colocando mediadores em número suficiente, preparados para o contato com o público e com o domínio sobre os temas abordado. As ações educativas da REDEZOO, integradas à Exposição Maria, olha a cobra! reforçam a nossa experiência de 32 anos de divulgação sobre os animais peçonhentos sobre a necessidade de utilizar diferentes estratégias que facilitem a comunicação com o público, o interesse e a aprendizagem de novos conceitos científicos em substituição gradual dos conhecimentos espontâneos. O processo de elaboração e realização das exposições é bastante simples, composto por um conteúdo sobre animais peçonhentos acompanhado de atividades complementares adaptadas à necessidade do público através de alternância do método de abordagem. Cada público tem uma abordagem diferente, embora o material seja o mesmo (Lira-da-Silva, 2018).

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B Figura 2 - (A) Visita dos Alunos de Biotecnologia da UFBA. (B) Crianças na UFBA. Foto: Arquivo do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos (NOAP/UFBA).

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A A

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B D

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Figura 3 -. Mesa-redonda e Cursos. (A) Fórum Social Mundial, UFBA. (B) 19º Batalhão de Caçadores. (C)

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Guarda Municipal. (D) XI Semana do

c

terinária da UNIME.Foto: Arquivo

Meio Ambiente - XI SEMEIA/UCSAL. (E) XVI Jornada de de Medicina Ve-

do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos (NOAP/UFBA).

Uma das ações educativas foi o teatro de fantoches, utilizada com bastante sucesso na REDEZOO, que exerce um papel importante nas atividades pois diversifica aspectos da aprendizagem como a socialização, criatividade, memorização e vocabulário para o público que o assiste. As pesquisas realizadas vêm mostrando resultados do impacto positivo que as peças causam no público, principalmente com as crianças, além de ser uma forma lúdica de recepcionar o grupo para uma exposição (Rabelo et al. 2006; Smania-Marques, Sousa e Lira-da-Silva 2006; Lira-da-Silva et al. 2007). Dias et al. (2015) reafirmam que o método utilizado para o uso do teatro de fantoches como instrumento educativo na divulgação científica de Lira-da-Silva et al. (2007), seja realizado antes das exposições e demais ações educativas, onde público seja recepcionado de maneira lúdica, interativa e divertida, através da apresentação de peças de curta duração. Daí, cria-se uma empatia entre os mediadores e o público e permite que a troca de conhecimentos ocorra com mais motivação, um dos fatores principais não só para o sucesso da aprendizagem, como também na aquisição de novos conhecimentos. Ricci e Monaco (2014) levantaram as impressões do público e identificaram que o uso do teatro como ferramenta despertou o interesse em saber mais sobre ciência, tecnologia e suas histórias e que os professores indicaram que a peça prende a atenção dos alunos e que podem ser associadas aos conteúdos da sala de aula. Portanto, a ação da Rede de Zoologia Interativa é um importante passo para a ressignificação social dos museus (Freitas e Siman 2015). À vista disso, as exposições levam conhecimento científico para estas comunidades, tornando-as protagonistas no processo de desmitificação dos animais peçonhentos, causando impactos não só na saúde, mas também na educação por levar esclarecimentos e novas informações acerca dos acidentes, auxiliando na queda destes ou num tratamento mais efetivo; e no conhecimento biológico destes animais pela comunidade. Lira-da-Silva (2018) estudou a mediação destas Exposições e observou que, a despeito do desenvolvimento tecnológico, acesso à internet e universalização da educação básica, a percepção do público investigado foi praticamente a mesma ao longo desses 30 anos de ações educativas “Não existe vilões da Natureza” do NOAP/UFBA, desde as primeiras exposições em setembro de 1988.

C

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Santos e Lira-da-Silva (2012) observaram mudanças de perfil conceitual sobre animais peçonhentos, de estudantes do ensino médio de uma escola pública da cidade de Salvador, Bahia, onde a maioria dos estudantes apresentou inicialmente erros conceituais sobre esses animais peçonhentos, predominando o senso comum. As intervenções da REDEZOO ampliaram os conceitos dos estudantes sobre a biologia, prevenção e tratamento envolvendo animais peçonhentos. Os resultados demonstraram que houve uma relação direta entre o conjunto de atividades educativas da exposição e o aproveitamento, pelo público escolar, dos conhecimentos científicos. Nossos dados reforçam a importância de promover ações integradas de ensino- pesquisa-extensão e de se discutir sobre as formas e as estratégias de intervenções científicas, principalmente na abordagem de um tema ainda fortemente distorcido pelos livros didáticos, mídia, escola e familiares.

Pesquisa anterior, realizada por Smania-Marques, Sousa e Lira-da-Silva (2006) que pesquisaram sobre a percepção de sessenta estudantes

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da educação básica após as ações educativas da REDEZOO, “mostrou uma relação direta entre o conteúdo trabalhado pelos monitores nas apresentações multimídias, nos jogos e no teatro de fantoches com o aproveitamento do discurso e das ideias transmitidos para o público”. As autoras perceberam que após a exposição, o público melhorou a sua percepção sobre a importância dos animais peçonhentos, inclusive pela abordagem pelo mediador de assuntos como “equilíbrio ecológico”, “animais raros”, fabricação do soro” e “cadeia alimentar”. A mediação tem papel crucial na exposição na decodificação das informações existentes, estabelecendo pontes entre os conhecimentos que os visitantes trazem e os apresentados na exposição (Marandino 2008). Estratégias que articulam processos educativos e comunicativos são estimulados na produção do conhecimento, principalmente em se tratando de um público diversificado nestas exposições. Os saberes científicos sofrem transformações ao serem apresentados nas exposições ou nas aulas dentro da escola, pelos mediadores e professores, respectivamente. Análises sobre essas transformações estão sendo realizadas nas pesquisas sobre museus de ciências, e devem ser estimuladas. O conhecimento científico no museu passa por diversas modificações, o que é chamado de transposição museográfica, para que então se torne um conhecimento exposto. Esse conhecimento exposto, que é fruto de adaptações e transformações de vários outros discursos (científico, educacional, comunicacional, museológico, etc.) é o discurso expositivo (Marandino 2008).

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CONCLUSÃO Em Maria, olha a cobra! os visitantes puderam aprender sobre as curiosidades pelo mundo sobre os animais peçonhentos (mitos e realidade), principais espécies de importância médica, prevenção e primeiro socorros em caso de acidentes. Tivemos exposição com painéis, experimentos, jogos educativos, Rede de Zoologia Interativa, Mostra de vídeos “Jovens Repórteres Científicos” e “EducomCiência: Os Professores Comunicam”, além do teatro de fantoches. Tudo isso com a participação da Sala Verde da UFBA. Nossas atividades ocorreram dentro e fora da UFBA, favorecendo assim o resgate da função social da universidade com a comunidade. O museu universitário NOAP/UFBA possui um Programa Educativo consolidado, a Redezoo, com 15 anos de atividade, mas que se encontra em processo de ressignificação, através da construção e atualização constante de seu conjunto de ações educativas, permitindo que o conhecimento sobre animais peçonhentos seja divulgado utilizando-se do contato com os animais vivos, kits, jogos, vídeos e teatro de fantoches, que inclui. A REDEZOO tem atingido a sua finalidade de divulgar o conhecimento sobre animais peçonhentos em primeira pessoa, considerando que populariza também o próprio conhecimento que produz, inclusive pelos próprios mediadores, que são também estagiários do NOAP/UFBA. Tem o desafio constante de desmistificar sobre os animais peçonhentos e construir pontes entre o público e a Universidade, em via de mão dupla, e os mediadores tem tido um papel fundamental nessa missão.

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Figura 4 - Exposições itinerantes Maria, olha a cobra! (A) 12ª Primavera de Museus do NOAP/UFBA. (B) 12ª Primavera de Museus do NOAP/ UFBA. Foto: Arquivo do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos (NOAP/UFBA).

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logical study. Annals of Agricultural and Environmental Medicine. 23(3):416–419.

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B

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B Figura 5 - Exposições itinerantes Maria, olha a cobra! (A) Escola Casa do Horto. (B) São Sebastião do Passé, Bahia.

Foto: Arquivo do Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos (NOAP/UFBA).

Gutiérrez, José María; Warrell, David A; Williams, David J; Jensen, Stephen; Brown, Nicholas. 2013. The need for full integration of snakebite envenoming within a global strategy to combat the neglected tropical diseases: the way forward. PLOS Neglected Tropical Diseases. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0002162. (consultado em 12 de fevereiro de 2017). Fonseca, Micheli Ferreira; Lira-da-Silva, Rejâne Maria. 2015. Os Escorpiões como Tema de Objetos Educacionais. Revista Jovens Cientistas. Ano.2(7):35-37. Guerrero, Ana Felisa Hurtado; Silva Denise Oliveira; Toledo, Luciano Medeiros de; Guerrero, José Camilo Hurtado; Teixeira, Pery. 2007. Mortalidade infantil em remanescentes de Quilombos do munícipio de Santarém-Pará, Brasil. Saúde e Sociedade. 16(2):103-110. Lira-da-Silva, Josefa Rosimere. 2018. Educação museal: investigando a mediação em um museu itinerante. 217 f. Dissertação mestrado, Universidade Federal da Bahia. Lira-da-Silva, Rejâne Maria; Rabelo, Daniele Silva; Silva, Luís Fernando Gonçalves; Leal, Marcos Vinícius Cunha. 2007. O ensino da zoologia através do teatro de fantoches. In: Laboratório do mundo: O jovem e a ciência, Lira-da-Silva, Rejane Maria (Org), 69-75. Salvador: EDUFBA. Marandino, Marta. (Org.). 2008. Educação em museus: A mediação em foco. São Paulo: FEUSP. Marandino, Marta. Estudando a dimensão epistemológica da pedagogia museal. 2013. In: Anais do IX Congreso Internacional sobre Investigación em Didáctica de las Ciencias, Girona, Espanha. Mise, Yukari Figueroa; Lira-da-Silva, Rejâne Maria; Carvalho, Fernando Martins. 2016. Agriculture and snakebite in Bahia, Brazil – an eco-

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Rabelo, Daniele Silva; Smania-Marques, Roberta; Santos, Jean; Lira-da-Silva, Rejâne Maria. 2006. A utilização do teatro de fantoches como alternativa metodológica para a popularização da zoologia. In: A ciência, a arte e a magia da educação científica. Lira-da-Silva, Rejâne Maria (Org.), 111-120. Salvador: EDUFBA. Santos, Maria Dulcinéia Sales dos; Lira-da-Silva, Rejâne Maria. 2012. Rede de zoologia interativa: é possível uma mudança no perfil conceitual de estudantes do ensino médio sobre animais peçonhentos? Gazeta Médica da Bahia. 82(supl. 1):40-45. Smania-Marques, Roberta; Sousa, Jacqueline Silva; Lira-da-Silva, Rejâne Maria. 2006. Rede de zoologia interativa – popularizando e desmitificando os animais peçonhentos. In: A ciência, a arte e a magia da educação científica. Lira-da-Silva, Rejâne Maria (Org.), 121-131. Salvador: EDUFBA Ricci, Fernanda Pardini; Monaco, Luciana Magalhães. 2014. Avaliação de uma experiência sobre o uso do teatro como ferramenta para despertar o interesse sobre história da ciência e da tecnologia. Cadernos de História da Ciência. 10(2):83103. Warell, David A. 2010. Guidelines for the management of snake-bites. Índia: WHO Library Cataloguing-in-Publication data. Williams, David J. 2015. Snake bite: a global failure to act costs thousands of lives each year. The British Medical Journal. 5378:1-2.


COLABORAÇÃO escola e museu: A EXPERIÊNCIA DO CLUBE DE JOVENS CIENTISTAS DO MUSEU NACIONAL

A n d re a Fe r n a n de s Cost a

Al i ne M iranda e S ouza

Priscila Matos Resinentti

Museu Nacional/UFRJ e Escola de Museologia/UNIRIO. E-mail: andrea@mn.ufrj.br

Museu Nacional/UFRJ. E-mail: aline@mn.ufrj.br.

Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ). E-mail: priscila.resinentti@gmail.com

Resumo:

Os museus são espaços de educação museal, modalidade educacional que “coloca em perspectiva a ciência, a memória e o patrimônio cultural enquanto produtos da humanidade” e que visa a “formação crítica e integral dos indivíduos, sua emancipação e atuação consciente na sociedade com o fim de transformá-la” (COSTA et. al, 2018).

tipo de instituição. Aqueles que informaram não frequentar museus citaram a falta de interesse como principal razão. O maior índice de rejeição (52%, afirmaram que não gostam ou não tem interesse em visitar museus) se encontra entre aqueles que tem entre 12 e 15 anos (PERFIL..,2015). Em relação aos museus, Bourdieu (2007) afirma que as oportunidades oferecidas pela família são particularmente determinantes. A maioria dos visitantes de museus faz a sua primeira visita antes dos 15 anos e as visitas precoces são mais frequentes na medida que se eleva a hierarquia social.

O Clube de Jovens Cientistas do Museu Nacional (UFRJ) – Ciência na Quinta é um projeto de educação museal desenvolvido com jovens de 11 a 15 anos, estudantes de escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, por meio da implementação de atividades educativas nos espaços expositivos e laboratórios do Museu Nacional – MN/ UFRJ. Em 2018, participaram 25 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. As ações aconteceram sempre nas tardes de quinta-feira, considerando o calendário escolar da Secretaria Municipal de Educação - SME. A cada encontro, os estudantes conheceram um setor/área de conhecimento do Museu Nacional, ampliando, por meio de ações teóricas e práticas, seus conhecimentos acerca de como se dá o processo de pesquisa e de produção de conhecimento. O projeto apresentado no presente trabalho foi um dos vencedores do 9º Prêmio Ibermuseus de Educação. Palavras-chave: escola, museu, educação museal, formação cultural.

O potencial educacional do museu pode se concretizar mais pelo despertar do interesse no assunto e pela motivação intrínseca do que pela assimilação de conteúdos (CAZELLI, COIMBRA, 2012). Uma das principais contribuições dos museus à educação consiste na possibilidade de se promover a educação pelo objeto (MENESES, 2000). É exatamente a realidade presente nestes o diferencial da experiência vivenciada no museu (WAGENSBERG, 2005). Os objetos são capazes de emocionar o público, promovendo nos visitantes surpresas, curiosidades, estranhamentos, questionamentos, gerando conversas entre visitantes e entre visitantes e educadores, favorecendo o desejo pela ampliação dos horizontes culturais dos públicos. Pesquisa realizada em 2015 mostrou que apenas 12,3% da população brasileira visita museus de ciência e tecnologia (CGEE, 2017). No mesmo ano, foi realizado o estudo Perfil Cultural dos Cariocas - 2015, que verificou que 31% dos moradores da cidade do Rio de Janeiro visitam museus, enquanto 25% nunca estiverem nesse

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Pesquisas de recorte mais amplo reforçam o que observamos no Parque da Quinta da Boa Vista, onde se situa o Museu Nacional. Havia grupos familiares e de adolescentes que frequentavam o parque, mas não entravam no museu. Embora a política de gratuidade recentemente implementada tenha alterado o perfil do público de visitação espontânea do MN, reduzindo a barreira econômica e estimulando a visita ao museu, acreditamos que são necessárias atividades direcionadas especificamente a este público a fim de incluí-lo. Os grupos de adolescentes que frequentam a Quinta da Boa Vista eram, por vezes, considerados ameaças à segurança individual dos funcionários, bolsistas e estudantes do Museu Nacional. Buscamos, no entanto, transformar as estratégias de exclusão e punição em ações inclusivas. Promovendo a integração de diversos

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setores do Museu Nacional nesta perspectiva e explorando as expertises de cada um, foram realizadas rodas de conversa, oficinas e atividades sobre o papel social da ciência com alunos do Museu e esses jovens. Buscamos a sensibilização da própria instituição para receber estes jovens, pois isto faz parte de nossa missão como instituição pública produtora de conhecimento e promotora de educação, inclusão social e cultural. O espaço e contexto do Museu Nacional também são ideais para abordar assuntos de conteúdo científico e discutir sobre o próprio papel da ciência no cotidiano destas pessoas. Tratar deste papel e das definições da ciência é, ao mesmo tempo, algo cheio de possibilidades, mas extremamente vago e inédito para muitas pessoas. Poucos estudantes ao longo do seu processo educacional, tem um contato realmente próximo com o planejamento, o raciocínio e os resultados de uma pesquisa científica.

a ciência tem a dizer? E afinal como se produz esse conhecimento? Quem pode “fazer” ciência e como se conduz um projeto científico? Será que a ciência está realmente sendo feita para o benefício da sociedade como um todo, ou apenas para parcelas muito específicas? Existem outros meios de se produzir conhecimento? Estas perguntas se colocam frequentemente para pesquisadores e não-pesquisadores, mas fato é que muitas pessoas sequer pensaram alguma vez sobre o assunto. Esse tipo de reflexão pode vir a ser um mecanismo de empoderamento e autonomia, mesmo sem que se tornem, necessariamente, cientistas. Saber estruturar uma linha de pensamento, um método e ter a curiosidade de saber por que os fatos históricos, os seres vivos, as estrelas e as ações humanas são como são, pode tornar as pessoas mais livres, atentas e colocá-las como agentes de mudança de sua realidade e dos outros a sua volta.

Muitas vezes se ouve dizer que a ciência está ao nosso redor, em todos os lugares, em todos os espaços. Mas até que ponto as decisões cotidianas, políticas e o planejamento da sociedade realmente estão levando em conta o que

pliação dos horizontes culturais e do interesse pelos estudos junto a jovens nos últimos anos do Ensino Fundamental, de modo a incentivá-los a dar continuidade às suas trajetórias escolares e a buscar permanentemente o aprimoramento de sua formação, inclusive nos museus. Neste sentido, a Seção de Assistência ao Ensino (SAE), setor educativo do Museu Nacional, propôs à Gerência de Fomento à Pesquisa (Escola de Formação Paulo Freire) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Projeto “Clube de Jovens Cientistas do Museu Nacional: Ciência na Quinta”, composto por um conjunto de ações continuadas voltadas especificamente para os jovens entre 11 e 15 anos matriculados regularmente em escolas municipais localizadas no território ocupado pelo Museu Nacional (UFRJ). Escolheu-se trabalhar com a rede pública municipal de educação, que recebe estudantes das classes sociais mais baixas e residentes de áreas conflagradas, com o objetivo incluir este público que não possui o hábito de visitar museus. O projeto apresentado no presente trabalho foi um dos vencedores do 9º Prêmio Ibermuseus de Educação.

DESENVOLVIMENTO Os equipamentos culturais configuram-se como espaços de educação museal que apresentam o potencial de dialogar com as ações escolares e podem ser espaços em que alunos e professores usufruam de manifestações culturais, novas ferramentas de aprendizagem e, inclusive, de lazer. Reforçando essa ideia, Cazelli (2005) afirma, com base nos resultados encontrados durantes a pesquisa desenvolvida para construção de sua tese, o quanto, para os alunos pertencentes à rede municipal, a escola é um contexto fundamental não só para promover o acesso, mas para garantir um maior número de museus visitados. Para os alunos da rede privada, a família costuma atuar de forma mais marcante, garantindo o acesso a distintas instituições culturais.

Estudo publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2017) aponta que a presença de estudantes no Ensino Médio (EM) no Brasil é baixa quando comparada com as taxas de outros países. No Brasil, apenas 53% dos jovens de 15 anos estão no EM, a presença aumenta entre os que tem 16 anos (67%), mas cai novamente entre os que tem 17 anos (55%), enquanto na maioria dos 37 países que integram a OCDE, pelo menos 90% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Pesquisas indicam que o interesse dos jovens por ciências e matemática diminui à medida que avançam em suas trajetórias escolares. Os índices de motivação entre as crianças são maiores do que aqueles verificados entre adolescentes. Sendo assim, consideramos estratégica a realização de projetos que busquem promover, por meio da educação museal, a motivação intrínseca, am-

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O Clube de Jovens Cientistas configurou-se em uma ação diferenciada por permitir a esses estudantes o contato com a dimensão estética, na tentativa de sensibilizá-los de modo crítico e, assim, fazer com que eles tenham autocompreensão, estimulando a formação cultural e também a formação acadêmica. Segundo Habermas (1992, p.119), “a experiência estética não renova apenas as interpretações das necessidades, à luz das quais percebemos o mundo; interfere, ao mesmo tempo, também nas explicações cognitivas e expectativas normativas, modificando a maneira como todos esses momentos remetem uns aos outros.”. Os encontros foram realizados às quintas-feiras, no contraturno escolar, de junho a dezembro de 2018, fizeram parte de uma programação diversificada de oficinas e atividades relacionadas às exposições e às pesquisas desenvolvidas no Museu Nacional. As ações se pautaram em pressupostos dialógicos e tiveram como foco o protagonismo juvenil, tendo os alunos como sujeitos ativos e participantes do processo. O primeiro encontro foi realizado com as famílias, na ocasião das festividades do bicentenário do Museu Nacional, quando diversos laboratórios da instituição expuseram ao público suas produções. Este primeiro encontro com os jovens cientistas e suas famílias foi importante para envolver as famílias, estabelecendo uma


relação de confiança e segurança. Ao longo do desenvolvimento do projeto, alguns responsáveis pelos participantes do clube puderam se beneficiar das ações do projeto, seja visitando as exposições e coleções do Museu Nacional, ou se inserindo em atividades e visitas a outras instituições. Ao conhecer o grupo, identificamos sua heterogeneidade e sentimos a necessidade de realizar atividades de sondagem sobre os conhecimentos prévios dos jovens cientistas acerca dos temas de ciências. Pedimos que os estudantes identificassem dentre imagens dispostas no centro de uma roda, aquelas que, em sua opinião, representavam ciência. Observamos que algumas imagens eram facilmente identificadas como representações da ciência, enquanto outras não. Assim, buscamos ampliar os conhecimentos dos estudantes a cerca das áreas da ciência desenvolvidas no Museu Nacional e as carreiras científicas.

PARA ANA ELISABETE LOPES (2003), Este exercício do olhar, de ver o diferente, de desvelar significados e critérios exige um trabalho continuado de educação do olhar que articule percepção, imaginação, conhecimento, produção artística e, ao mesmo tempo, valorize e respeite a multiplicidade e diversidade de pontos de vista, dos modos de ver e estar no mundo. Percebemos a realidade de forma distinta porque somos diferentes. Nossas emoções e conhecimentos interferem nas formas de ver e acarretam diferentes olhares sobre a realidade. (p. 53).

Assim, após conhecermos um pouco sobre os jovens cientistas, apresentamos a eles o Parque da Quinta da Boa Vista, segundo aspectos históricos e identificação de sua fauna e flora. Em seguida realizamos uma oficina de memes nas exposições do Museu Nacional, buscando utilizar uma linguagem típica da cibercultura, e próxima dos adolescentes, como uma maneira diferenciada de abordar o acervo do Museu Nacional. A intenção era de partir do que era mais familiar para os estudantes, para aprofundar os conteúdos abordados no Museu. Ressaltamos que, em um projeto construído de maneira dialógica, considerando todos os estudantes, é importante que haja uma escuta atenta de suas demandas e questões. Os jovens cientistas frequentemente propunham novos temas e atividades para o clube. Assim surgiu a idéia de nossa primeira visita a outra instituição museológica: a Fundação Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, que assim como o MN situa-se no Parque da Quinta da Boa Vista. Vistamos ainda ao longo do semestre o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e o AquaRio. Nos encontros seguintes, os Jovens Cientistas tiveram contato com pesquisadores do Museu Nacional. A participação das coordenadoras do projeto nas etapas de planejamento das atividades foi de grande importância. O perfil do público participante do projeto e os objetivos, de apresentar uma área de pesquisa e as carreiras científicas, por meio de atividades práticas, eram informações fundamentais para os pesquisadores, por vezes pouco acostumados com as características da faixa etária. O projeto envolveu docentes e discentes dos cursos de pós-graduação do Museu Nacional, servidores

técnico-administrativos, e colaboradores. Desta forma, o Clube de Jovens Cientistas pode integrar a comunidade institucional e seu público, sensibilizando para a importância das ações de divulgação e popularização da ciência e para o fortalecimento da relação com os habitantes do território. No dia 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional foi acometido por um trágico incêndio, que ocasionou a perda de suas exposições e grande parte de seu acervo e estrutura. A turma do clube foi a última a visitar a coleção entomológica do Museu Nacional, com mais de 5 milhões de exemplares, uma experiência que adquiriu outras dimensões após o incêndio. A destruição do palácio que sediava o Museu Nacional gerou apreensão quanto a permanência do projeto. A despeito disso, num movimento de continuidade e resistência, o Clube de Jovens Cientistas não interrompeu suas atividades. Os encontros seguintes tiveram lugar no Horto Botânico do Museu Nacional, e foram centrados nos temas e coleções dos departamentos menos afetados. Em um dos encontros, realizamos uma visita ao Horto Botânico na qual os jovens cientistas conheceram o novo espaço, sua história, realizaram coleta de material, observação com microscópios e experimentos. Os conteúdos abordados foram bem diversificados e oriundos de diferentes campos do conhecimento científico, como Zoologia, Paleontologia, Botânica, Geologia, Antropologia, Arqueologia e História. Foram abordadas questões relativas ao próprio fazer científico, bem como as possibilidades de atuação profissional e a relação ciência e sociedade. Ao longo dos encontros, observamos a evolução do grupo, que tornou-se mais integrado. As coordenadoras, por meio do contato semanal, acompanharam o desenvolvimento dos estudantes, se aproximaram de seus cotidianos, tomando conhecimento de questões relacionadas às famílias, ao local onde moram, à escola, e de seus dos sonhos e expectativas de futuro. Este contato mais próximo possibilitado pelo tempo costuma ser pouco frequente em museus, mas se mostrou importante para o desenvolvimento do projeto. Duarante a 9ª Semana de Integração Acadêmica da UFRJ, os Jovens Cientistas participaram de uma sessão de pôsteres. A partir de um roteiro de observação, os integrantes do clube leram os trabalhos e tiveram a oportunidade de conversar com seus autores. A partir desta atividade, foi proposto que os jovens cientistas realizassem seus próprios trabalhos a serem expostos. No último encontro deste ano, houve uma cerimônia na Escola de Formação Paulo Freire, em que os estudantes receberam medalhas e puderam apresentar seus trabalhos para suas famílias.

CONCLUSÃO Apesar de vivermos em um mundo extremamente globalizado, com uma infinidade de novas informações cotidianas e podendo desbravar o mundo sem sair do lugar a partir do advento da internet, nem todas as experiências são de qualidade. Bondía (2002) aponta alguns fatores que ajudam a entender porque vivenciamos tantas coisas, mas a experiência mesmo é cada vez mais rara e pobre: (i) o excesso de informação, pois ainda que tenhamos mais conhecimento sobre algo, isto pode não ter nos tocado e gerado modificações; (ii) o excesso de opinião, já que o sujeito muitas vezes pensa que a sua opinião é supostamente pessoal e própria, quando, na rea-

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lidade, muitas vezes tais informações e opiniões são fabricadas; (iii) a falta de tempo, uma vez que tudo passa muito depressa e os estímulos são rapidamente substituídos, reduzindo as possibilidades para o estabelecimento de conexões significativas entre os acontecimentos; (iv) o excesso de trabalho por estarmos sempre em atividade, não podemos parar e, por não podermos parar, nada nos acontece que nos toque, sensibilize. Com as atividades propostas pelo projeto apresentado, os alunos foram estimulados à fruição. Para Ana Elisabete Lopes (2003), o prazer estético é uma busca incessante: Esta dimensão estética está presente nos diferentes períodos da história e se expressa de diversas formas, seja no universo reconhecido e valorizado das produções artísticas e culturais, seja dentro das ações mais simples das experiências cotidianas. Na concretização do desejo de experienciar esteticamente o mundo, descobrimos as múltiplas possibilidades de sua realização nas diferentes formas de percepção e de linguagens. (p. 47).

No decorrer dos encontros entre os educadores da SAE e os alunos participantes do Clube Jovens Cientistas, muitos ganhos foram registrados por meio dessa parceria entre as escolas e o museu, dentre eles: fomento ao diálogo do Museu com o público jovem que estuda nas escolas públicas municipais do território também ocupado pelo MN; contribuição para a formação e motivação dos jovens, por meio de novas experiências intelectuais; colaboração para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sócio-emocionais; a inclusão sociocultural de jovens estudantes pertencentes às camadas populares residentes no bairro de São Cristóvão e localidades próximas; ampliação do alcance social do Museu Nacional (UFRJ), estimulando a aproximação de, pesquisadores (docentes do MN) e alunos de pós-graduação, da população; contribuição para a formação de uma visão mais crítica e organizada a respeito do conhecimento com o qual se tem contato no cotidiano; ampliação da percepção de que a ciência está presente em situações simples e palpáveis, e que dentro de certas limitações, qualquer pessoa pode fazer do seu modo de pensar um pensar científico; criação de situações de troca de conhecimentos de modo que, pós-graduandos, professores e mediadores possam aprender com os questionamentos, pontos de vista e as diferentes experiências e histórias de vida dos estudantes que participarem do projeto; estímulo à comunidade das escolas a acompanhar mais de perto o que os cientistas produzem e para quem produzem. O projeto está em consonância com a Política Nacional de Educação Museal (2017), que considera os museus como espaços de educação, de promoção da cidadania e que devem colaborar para o desenvolvimento regional e local. Contribuindo para a implementação da política, por meio do Clube de Jovens Cientistas, evidenciou-se a função educativa do museu ao aproximá-lo das comunidades escolares envolvidas, estabelecendo uma rede de colaboração e cooperação entre as instituições. Ao aproximar os pesquisadores do Museu Nacional dos jovens cientistas, estudantes da educação básica, fortaleceu-se a dimensão social do conhecimento produzido pelo Museu Nacional e a função educativa do mais antigo museu brasileiro.

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REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (orgs). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007.

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CONVERSA DE CIENTISTA

O POTENCIAL EDUCATIVO DOS MUSEUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA:

POSSIBILIDADES E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS G a b r i e l a S a nto s da Si l va

Aluna de mestrado do programa de Pós-Graduação em Museologia da Universidade Federal da Bahia. E-mail: gabrielasantossilva123@gmail.com

S idélia S antos Teixeira

Professora (associada) do Departamento de Museologia da Universidade Federal da Bahia. E-mail: sideliat@yahoo.com.br INTRODUÇÃO

Resumo:

O presente estudo aborda

uma reflexão acerca da importância das ações educativas nos Museus da Universidade Federal da Bahia. Seu objetivo consiste em identificar as nuances que diferenciam os museus universitários das demais tipologias, bem como fazer considerações acerca da relevância de se realizar ações educativas nestas instituições. Foi possível verificar que ações educativas efetivas em museus universitários precisam estar asseguradas por uma política universitária que dê suporte e condições de viabilização.

Palavras-chave:

Museus Universi-

tários. Ações Educativas. Universidade Federal da Bahia.

Os museus se configuram como espaços de memória, no qual é possível verificar as relações estabelecidas entre indivíduos e sociedade através dos bens culturais que compõem seus acervos, sejam eles materiais ou registros imateriais. Nas instituições museológicas estão expostas relações históricas que permitem interpretar o passado e suas continuidades, possibilitando o estudo dos elementos identitários que representam os diversos grupos formadores de determinada sociedade. Neste artigo, nos debruçaremos sobre os museus universitários, uma tipologia que possui muitos aspectos parecidos com os demais, no entanto, possui singularidades que os distinguem, conferindo-lhes uma significativa responsabilidade social, dado que neles estão expostos o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico das universidades. O tema versa sobre a problemática que envolve a importância das ações educativas nos museus da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e as dificuldades enfrentadas por estas instituições. A UFBA reconhece o Museu de Arte Sacra (MAS), o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e o Museu Afro-brasileiro (MAFRO), objetos desta pesquisa, como órgãos estruturantes. Para atingir a finalidade dessa discussão, optamos por apresentar um breve histórico das mudanças nas concepções de museu ao longo do tempo, ressaltando as caraterísticas peculiares dos museus universitários, dessa forma, tornou-se possível refletir sobre a política da universidade para estas instituições e a importância de investimentos em atividades educativas. Nossa hipótese inicial é a de que a falta de in-

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vestimento em ações educativas efetivas se dá devido à uma política universitária incipiente. A proposta deste trabalho, baseado no método qualitativo, encontra-se em andamento, faz parte da pesquisa de mestrado que envolve a análise as ações culturais e educativas destas instituições. Desejamos contribuir com as reflexões sobre museus universitários brasileiros, com vistas à valorização do campo.

MUSEU: LOCAL DE PRESERVAÇÃO E EDUCAÇÃO O entendimento contemporâneo ocidental de museu surge após a Revolução Francesa (1789), quando houve a transferência das coleções da Coroa e do Clero para nação burguesa que emergiu politicamente com a revolução. Esta nova ordem econômica e política, atrelada ao vandalismo pós-revolucionário, fizeram surgir a preocupação com a proteção e preservação dos bens patrimoniais. No entanto, ao longo do tempo observamos que as concepções de museu vão se modificando de acordo com as transformações das sociedades, transcendendo a mera salvaguarda de objetos pertencentes ao grupo social dominante. No decorrer do século XX, com o acirramento dos movimentos sociais e das demandas coletivas, as instituições museais, a partir de convenções e seminários internacionais, estabelecem diretrizes que vão responder a estas questões, e assim se adequam as realidades locais tornando-se importantes instrumentos de aprendizagem, ou seja, de ensino não formal. Segundo Choay (2006) neste momento, preservar o patrimônio significava a reafirmação do novo regime, cujas funções principais eram

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aquelas que queriam a destruição destes símbolos, visando eliminar as lembranças dos tempos áureos da nobreza e do Clero. No entanto, a burguesia, consolidando-se no poder, utilizou os patrimônios como ferramentas para sua legitimação enquanto classe dirigente. Foram instituídos museus abertos ao público (sendo o Louvre o primeiro) com o objetivo de educar e instruir a nação. Assim, observamos que desde esse período há a compreensão do museu como um local de aprendizagem. Para Babelon e Chastel (1994), até o período citado, a ideia de patrimônio estava associada à noção do sagrado ou à noção de herança, referindo-se à memória do indivíduo, de bens de família. Não havia a preocupação em preservar os bens culturais, tais as ações ocorriam de forma ocasional pelos segmentos sociais dominantes, a Igreja e a aristocracia, devido ao valor artístico ou documental dos objetos. Para Fonseca (1997), após a Revolução Francesa a questão assumiu dimensões mais complexas:

[...] em primeiro lugar, havia o problema econômico de gerir os bens confiscados aos nobres e ao clero; em segundo lugar, simbolicamente, essa proteção era, em princípio, contraditória com os ideais revolucionários de instauração de um poder popular e de uma nova era livre da opressão dos antigos dominadores (p. 57).

A burguesia, regulamentou a proteção dos bens confiscados justificando a preocupação pelo valor simbólico desses bens para a instrução pública, por seu valor cultural e político. A noção contemporânea de patrimônio começa a ser delineada visando seu valor moral e pedagógico, assim, os museus tornaram-se locais em que abrigavam os bens de valor cultural para ratificação das ideias da classe dirigente. Meirelles (2015) destaca que no Brasil os primeiros museus, ainda no período imperial, seguiram o mesmo modelo. Se configuraram enquanto espaços de ratificação do sistema político afim de instruir os indivíduos. Como exemplo, há o Museu Paulista inaugurado em 7 de setembro de 1895, que consagra os bandeirantes como os grandes desbravadores do Brasil, reforçando uma imagem heroica, servindo de arquétipo para os demais cidadãos brasileiros. Sobre essa questão Le Goff (1994) nos diz que “o que sobrevive não é conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada [...] de forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade” (p. 535). Ou seja, o que foi preservado são elementos representativos e simbólicos de determinado grupo social, o que pode ser compreendido através da análise dos bens culturais salvaguardados pelos museus. Nas primeiras décadas do século XX, começou-se a delinear uma nova concepção de museu. O Conselho Internacional de Museus – ICOM – instituição ligada a UNESCO foi criado após a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de regulamentar o funcionamento das atividades inerentes aos museus. A definição mais recente ocorreu em 2001, na 19ª Assembleia Geral em Barcelona: “Instituição permanente sem fins lucrativos, permanente a serviço da sociedade e

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de seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade” (ICOM, 2001). Segundo os critérios atuais, as atividades realizadas por estas instituições devem estar identificadas com as demandas coletivas das sociedades que as abrigam, dado que, em última instância estão a serviço do público. Desse modo, compreendemos que os museus se constituem como uma instituição cuja finalidade é a de preservar e interpretar as evidências materiais da cultura humana, refletindo-se como instrumento didático que contribui para os processos de aquisição de conhecimentos. Esse novo olhar sobre os museus, surge a partir da segunda metade do século XX devido a um maior debate envolvendo todas as camadas da sociedade que até então não participavam ativamente dos assuntos políticos, a exemplo podemos citar o fortalecimento do movimento feminista, a luta racial norte-americana, movimentos estudantis na Europa e as organizações contra os regimes ditatoriais na América Latina. Os museus não ficaram de fora desse contexto, houve uma série de encontros que objetivavam discutir sua função na sociedade, tais como o Seminário Regional da Unesco de 1958 ocorrido no Rio de Janeiro que buscava discutir a função educativa das instituições museológicas, a Mesa Redonda de Santiago do Chile em 1972, e os encontros de Quebéc em 1984 e Caracas em 1992. Em meio a esse contexto, surgem teorias de educação que vão valorizar a construção do saber através de uma horizontalidade entre educador e educandos. É essa educação que visa a liberdade, o questionamento e a reflexão que adentra os museus, principalmente a partir da Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972, cuja influência maior foram as obras do educador Paulo Freire que defendia “uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política” (FREIRE, 1999, p. 88). Ainda, de acordo com o autor, o caráter da liberdade no processo de aprendizagem acontece na medida em que o homem transforma o seu mundo e a si mesmo, despertando as possibilidades criadoras humanas. Dessa forma, os museus passaram a ser encarados como espaços de educação não formal. GADOTTI (2012), nos diz que a educação não formal, tem como característica uma maior flexibilidade em relação as metodologias de trabalho, fazendo uma abordagem interdisciplinar, favorecendo uma aprendizagem a partir das experiências pessoais dos indivíduos, além de poder trabalhar com a diversidade étnica, social e de gênero, o que privilegia o debate e a participação de um público variado. Essa perspectiva educacional está “ligada fortemente à aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos e à participação em atividades grupais, sejam adultos ou crianças” (GADOTTI, 2012, p. 4). Com a legitimação dessas novas concepções, consolida-se a chamada Nova Museologia, sendo uma das principais características, a interdisciplinaridade que designa um novo papel aos museus, o de serem instituições formadoras de indivíduos com consciência crítica em relação aos problemas sociais. Teixeira (2015) afirma que: [...] o que marca o movimento da Nova Museologia é a participa-

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ção dos profissionais, estudiosos e militantes da sociedade civil, preocupados com a preservação do patrimônio natural e cultural, em prol de uma sociedade mais humanitária e comprometida com a construção de governos e instituições mais democráticas. Isto com a expectativa da possibilidade de mudança do paradigma na história dos museus, ou seja, de espaços da memória do poder para o desenvolvimento de práticas museológicas, com o objetivo de explorar o poder da memória (p. 79)

O movimento da Nova Museologia é marcado pela questão central do papel educacional dos museus e a reafirmação do compromisso das instituições museológicas com o desenvolvimento social a partir de demandas suscitadas pela realidade local. Santos (2006), enfatiza a sua compreensão de Museologia como um processo interativo com a educação, destacando o caráter participativo das ações museológicas, baseadas no diálogo envolvendo alunos de instituições escolares e as comunidades onde as escolas estão inseridas:

Atribuo, portanto, à Museologia, as dimensões social e educativa. Desse modo, o processo museológico será sempre construído e reconstruído por meio da ação dialógica, dinâmica, complexa e criativa. Reconheço que somos atores sociais responsáveis por criar contextos educativos para a integração criativa e cooperativa permanente, entre diferentes sujeitos e contextos sociais e culturais. (p. 2-3).

Sobre o entendimento contemporâneo acerca dos museus, Waldísa Rússio (2010) declara:

O museu é um registro de aspectos da trajetória do homem, personagem e agente da história. Essa é sua tarefa principal, sua finalidade, que permanece imutável. O que variará no Museu são os seus recursos de comunicação, adaptados ao Homem de sua época; assim, o Museu será variável, quanto sua forma e aos seus meios de acordo com a sociedade. (p.75).

Assim, encaramos que hoje os museus se constituem como espaços para fomentar e construir o conhecimento, podemos, portanto, atrelá-los ao desenvolvimento das sociedades. As mudanças ocorridas ao longo do tempo, comprovam que os museus repensaram a sua missão, principalmente quanto ao entendimento de ações educativas que vêm acompanhando as demandas coletivas, configurando-se como um instrumento de construção de conhecimento, mostrando-se como um importante fator de renovação por parte das instituições museais.


OS MUSEUS UNIVERSITÁRIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Surgidos devido aos mais variados motivos, como demonstrar e legitimar o poder, espaços de reflexão e ensino, divulgação de valores ideológicos nacionalistas, entre outros motivos, os museus têm como funções principais colecionar, preservar e comunicar – e outras em consequência destas –, os museus vão sendo classificado segundo as suas tipologias: de arte, de história, ciências, etnografias e muitas outras especialidades. Nesse universo, há os que foram criados pelas universidades, em geral, sendo elaborados após o recebimento de coleções por heranças, doações e pesquisas de campo.

sente momento; além dos relatórios enviados por estas instituições a instâncias superiores da universidade, que visam acompanhar e regulamentar as atividades desenvolvidas.

seus como centro de difusão e interlocução dos conhecimentos produzidos dos departamentos colegiados e grupos de pesquisa da UFBA para as comunidades de Salvador.

Os museus da UFBA são espaços que possuem funções didáticas, salvaguarda, conservação, pesquisa e divulgação. No entanto, estes acabam por enfrentar alguns problemas, como por exemplo, falta de recursos financeiros, materiais e profissionais para a execução de suas atividades. Ao nos referirmos a estas instituições, estamos indicando que reconhecemos suas potencialidades e possibilidades, validando sua capacidade transformadora.

No atual Estatuto e Regimento Geral da Universidade Federal da Bahia, datado de 2010, os museus aparecem como órgãos estruturantes que deveriam possuir dotação orçamentária específica, cargos e lotação própria de pessoal técnico-administrativo. No entanto, na pesquisa de campo observamos que, na prática, isso não ocorre. Essas instituições dependem do valor arrecado pela bilheteria e/ou eventos que são realizados nestes espaços, como casamentos e formaturas, para a realização de suas principais atividades. Acreditamos, portanto, que não há políticas universitárias suficientes para suprir as necessidades dos museus, visto que estes possuem muitas funções e responsabilidades que lhes são próprias, não podendo, portanto, serem tratados como os demais órgãos institucionais.

É compreensível que os problemas enfrenta-

Almeida (2001) afirma que os primeiros museus universitários se formaram a partir da doação de grandes coleções para as universidades. Segundo a autora, podendo ocorrer também “pela aquisição de objetos ou coleções de particulares por doação ou compra, pela transferência de um museu já formado para responsabilidade da universidade, pela coleta e pesquisa de campo e pela combinação desses processos” (ALMEIDA, 2001,p.13).

No sentido de validar as nossas ponderações, apontamos ainda, as dificuldades para localizar as fontes de pesquisa por exemplo, inclusive pelo acúmulo de funções que acaba por sobrecarregar os profissionais dos museus, à falta de espaço para armazenamento da documentação e até mesmo do acervo.

Entre os três museus investigados, O Museu de Arte Sacra (MAS) é o mais antigo deles, datado de 1959, sendo instituído através de um convênio entre a universidade e a Arquidiocese de Salvador em 1957. O Museu Afro-brasileiro (MAFRO) é datado de 1982 e o MAE de 1983. O estudo destes espaços, através da abordagem qualitativa, permite descrever ideias e relatar os fatos pesquisados, além de promover a interação do pesquisador com os profissionais destas instituições. Os dados foram obtidos primeiramente através de entrevistas com os museólogos e bibliotecários dos museus, contudo, a análise documental vem se constituindo também como um fator importante. Segundo Godoy (1995): [...] abordagem qualitativa, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa documental representa uma forma que pode se revestir de um caráter inovador, trazendo contribuições importantes no estudo de alguns temas. Além disso, os documentos normalmente são considerados importantes fontes de dados para outros tipos de estudos qualitativos, merecendo, portanto, atenção especial. (GODOY, 1995, p.21).

Assim, a análise de projetos, livros de visitas, fotografias, folders e materiais de divulgação, são as principais fontes da pesquisa até o pre-

Por estarem vinculados à universidade, compreende-se que estes museus possuem objetivos comuns a elas. Dessa forma, entendemos a importância de olhá-los como espaço propício à aplicação de saberes em diversas áreas do conhecimento. Os museus, ao possuírem recursos para viabilizar as suas atividades, em especial as atividades educativas, contribuem para os processos de construção de conhecimentos que auxiliam no desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade em geral. Sobre essa questão, Santos (1993, p. 99) afirma que:

dos por tais museus são reflexos das políticas universitárias. Portanto, é necessário analisar o papel que estes museus vêm exercendo, sendo fundamental uma política interna que viabilize ações efetivas. Com efeito, Santos (2006): [...] chamo a atenção para a necessidade de articulação do projeto museológico com a política da universidade e com a política museológica, que devem apontar as diretrizes para o desenvolvimento dos programas de pesquisa, preservação e comunicação dos museus. É necessário deixar claro de qual projeto de universidade e de museus estamos falando (p. 4). Segundo Marques (2007), só a partir de meados da década de 1990, com o então Reitor Felipe Serpa, os museus começam a ganhar algum destaque nas políticas universitárias. Segundo a autora, o Reitor tinha uma concepção de mu-

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A relação entre museu e educação é intrínseca, uma vez que a instituição museu não tem como fim último apenas o armazenamento e a conservação, mas, sobretudo, o entendimento e uso do acervo preservado, pela sociedade, para que, através da memória preservada, seja entendida e modificada a realidade do presente. Sendo assim, é com esse propósito que analisamos as possibilidades dos museus da Universidade Federal da Bahia como importantes instrumentos pedagógicos que podem contribuir para um entendimento mais abrangente e crítico na formação de indivíduos conscientes dos problemas sociais enfrentados hodiernamente.

AS AÇÕES EDUCATIVAS EM MUSEUS UNIVERSITÁRIOS Os processos educativos que têm o patrimônio como elemento norteador, utilizam-se desse recurso para a compreensão social e histórica das manifestações culturais, cuja finalidade deve

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ser contribuir para sua valorização e preservação. Somente através do diálogo permanente entre os agentes culturais e as comunidades detentoras e produtoras das referências culturais é que se pode pensar em uma construção democrática do conhecimento por meio dos usos do patrimônio. Segundo Cabral (2012), as ações educativas que se processam no interior dos museus, denominam-se Educação Museal, destacando que para o educador de museus é fundamental “ter consciência de que a ação educativa não pode ser uma educação institucionalizada, autoritária e burocrática” (p. 41). Nesse sentido, o desenvolvimento de ações educativas nos museus surge como um importante instrumento de construção de conhecimento, possibilitando reconhecer e mudar posicionamentos, bem como transformar a visão de mundo dos indivíduos. As mudanças ocorridas ao longo do tempo demonstram que o entendimento de uma educação nos museus vai se modificando no sentido de acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade. O diálogo entre museus e educação, se mostram como importante fator de renovação por parte das instituições museais e dos profissionais da área. A mudanças de concepção comprova que os profissionais da Museologia estão preocupados em pensar nas instituições museais não somente como espaço de extensão do ensino regular, mas como locais para fomentar e construir o conhecimento. As ações educativas em museus universitários revelam-se fundamentais no processo de divulgação da produção científico-educativo-cultural das universidades, o que leva a uma aproximação com a sociedade como um todo. Ribeiro (2007) salienta que:

De sua interação mais ampla com o público, de sua inserção na sociedade, da compreensão e participação na solução de problemas da comunidade, os museus universitários vêm exercendo importante papel na inclusão social e na geração de oportunidades de acesso ao conhecimento para um número maior de pessoas e na inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais às atividades e programas que desenvolvem. Dessa forma, além de ampliar sua prática, geram novos modelos de co-construção de conhecimento, ao estabelecerem parcerias com cidadãos que apresentam alguma forma de limitação, embora não sejam menos capazes que outros (p. 24-25).

Desse modo, levando em conta que o uso do conhecimento pode e deve ser aproveitado como uma ferramenta capaz de transformar as sociedades, faz-se fundamental que o acesso às pesquisas acadêmicas se torne mais democrático, sendo os museus universitários um caminho para esta finalidade. No entanto, vale salientar que é imprescindível o diálogo dos museus universitários com as comunidades, conciliando as demandas e possibilidades das duas esferas, caso contrário, se caracterizará como uma re-

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lação vertical. Santos (2006), aponta que:

Vivemos um rico momento de reconhecimento da interdependência entre cultura e desenvolvimento, inclusive como instrumento de superação das nossas desigualdades, com ampliação dos direitos fundamentais individuais e coletivos, nos aspectos socioambientais, econômicos e culturais. [...]. Atribuo, portanto, à Museologia, as dimensões social e educativa. Desse modo, o processo museológico será sempre construído e reconstruído por meio da ação dialógica, dinâmica, complexa e criativa. Reconheço que somos atores sociais responsáveis por criar contextos educativos para a integração criativa e cooperativa permanente, entre diferentes sujeitos e contextos sociais e culturais. (p. 2-3).

Nesse contexto, ressaltamos a importância das ações culturais e educativas nos museus universitários, que se apresenta como um caminho viável para capaz de auxiliar na formação de sujeitos através seus acervos. Assim, estas atividades vão além da divulgação do conhecimento produzido no âmbito da universidade, revelam o compromisso da universidade com a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo buscou elucidar a importância de ações educativas em museus universitários, em especial, os Museus da Universidade Federal, objetos de pesquisa da dissertação de mestrado em andamento. Nas últimas décadas os museus vivenciaram transformações significativas que foram fundamentais para repensar a sua função social. Entre essas mudanças, destacamos o olhar para museu como um espaço de educação não formal, comprometido com a formação de indivíduos críticos e conscientes dos problemas enfrentados atualmente, diferindo-se das compreensões de museu iniciais que eram a de ratificar os valores das classes dirigentes. Ressaltamos uma tipologia específica de museu, os museus universitários. Estes, possuem as mesmas funções que os demais, no entanto, por estarem atrelados as universidades, apresentam uma maior responsabilidade social, pois revelam o compromisso das instituições de ensino superior com a sociedade. Isso se intensifica quando refletirmos acerca das suas funções educativas, que se configuram como um instrumento para superação das desigualdades, visto que a partir de uma educação em museus, dentro das concepções atuais, é possível o entendimento de como se processaram as relações sociais ao longo do tempo, questioná-las e posicionar-se. Não obstante, a pesquisa apresenta algumas dificuldades, principalmente quando investigamos as condições dos museus no que tange à falta de documentação, materiais, profissionais e recursos para viabilizar ações efetivas. É preciso uma maior sensibilidade da Universidade

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ao olhar estes espaços, reconhece-los e valorizá-los através de uma política específica para estas instituições que hoje se apresentam como órgãos estruturantes, mas que acumulam muitas funções, portanto, para o cumprimento das suas metas e finalidades precisam sobretudo, de investimentos permanentes.


vador: EDUFBA, 1993.

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CONVERSA DE CIENTISTA

A INTERATIVID ADE N A

ARQUITETURA:

MUDANÇAS NA FORMA DE CONSTRUIR E PENSAR EM MUSEUS Marina C avalcanti Loure i ro Faculdade Damas da Instrução Cristã. E-mail: marinaloureiroarq@gmail.com

INTRODUÇÃO

Resumo: O objetivo deste trabalho é identificar o que impulsionou a construção dos novos espaços arquitetônicos de museus e qual é a contribuição dessas mudanças para uma melhor integração entre usuários e exposição. Para isso, foram pesquisadas a história da arquitetura museológica e os conceitos de museus, além de fazer uma introdução do que é interatividade e porque passou a ser usada em exposições museológicas. Para a realização da análise comparativa entre dois museus tradicionais e dois museus contemporâneos foram utilizadas as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica. Essa análise resultou no entendimento de que a forma de construir e pensar em museus foi alterada várias vezes desde a existência do primeiro museu, por diversos motivos.

Palavras-chave:

Museu. Interatividade. Arquitetura. Projetos. Tecnologia.

O presente trabalho tem como objetivo identificar o que impulsionou a construção dos novos espaços arquitetônicos de museus e qual é a contribuição dessas mudanças para uma melhor integração entre usuários e exposição. A pesquisa busca trazer para o campo acadêmico a relação entre arquitetura e interatividade, tendo a mudança na forma de construir e pensar em Museus como objeto de estudo. Foi realizada uma análise de alguns museus, para observar quais as alterações na forma de projetar e expor em museus e de que forma isso os tornaria mais interativos. Para que essa análise não fosse realizada de maneira superficial, foi utilizado o Método comparativo por meio da técnica documental e bibliográfica. O artigo feito a partir de revisão bibliográfica de livros e documentos, sua primeira parte é dedicada ao contexto histórico dos museus e seus conceitos, além de trazer uma introdução do que é interatividade e porque passou a ser usada em exposições museológicas. Na segunda parte foi apresentado exemplos do uso de interatividade em alguns museus brasileiros. Foi feita a explanação sobre a história, as exposições fixas e ao uso de tecnologia de cada um dos museus. Após todo o embasamento teórico sobre os museus foi feito a análise separadamente entre os tradicionais e contemporâneos e depois uma análise geral.

CONTEXTO HISTÓRICO DA ARQUITETURA MUSEOLÓGICA Segundo Kiefer (2000), os museus podem ser considerados existentes desde que o ser humano começou a colecionar e guardar objetos de valor, alguns, por exemplo, eram valorados como oferendas para os deuses, necessitando, assim, a existência de ambientes construídos

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especialmente com essa finalidade. A palavra museu vem dos gregos Museion, que significa “santuário dos templos dedicados às musas, que recebiam doações, ex-votos, oferendas...” (GIRAUDY, 1990 apud KIEFER, 2000, p.12). As musas, na mitologia grega, de acordo com Suano (1986), eram filhas de Zeus com Mnemosine, a divindade da memória, portanto as musas eram as donas das memorias absolutas, tornando o Museion local de reflexão e dedicação, não tendo ainda o significado de museu que existe nos dias atuais, pois as obras de arte expostas no templo eram mais para agradar as divindades do que contemplação do ser humano. Ainda segundo Suano (1986) o termo Museu foi empregado durante muitos anos a um conjunto de informações de um mesmo tema que com o tempo ganhou o nome de coleções. Para melhor entendimento do objeto do presente artigo, pode-se considerar alguns conceitos atuais para Museus:

O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite (ICOM, 2015).

Contudo, segundo Kiefer (2000), o primeiro registro de um museu em uma residência (feito apenas para a família e convidados, com a intenção de mostrar os seus bens de valor apenas a pessoas selecionadas) foi na Itália, durante o final do Renascimento, no último quarto do século XVI, em Firenze, no palácio da família Mé-


dici, onde existiu o primeiro ambiente exclusivamente dedicado a expor coleções de objetos culturais importantes. Porém, só no início do século XVIII as alas dos palácios da alta sociedade se tornam públicas, mas ainda de restrito acesso, dado que permaneciam dentro dos castelos dos nobres e públicas apenas a pessoas credenciadas. Somente após a Revolução Francesa, no final do século XVIII, que os museus/coleções foram realmente abertos ao público, segundo Suano (1986). Mesmo assim, era difícil o acesso na maioria dos museus britânicos, uma vez que os bilhetes tinham os preços muito altos e deveriam ser comprados semanas antes da visita, às vezes era necessário solicitar autorização para poder comprar o ingresso. A percepção da influência que um museu pode trazer para uma cidade e até mesmo a uma nação no campo cultural, social e econômico, mudou, pois agora era percebido que os museus interferiam de forma positiva no desenvolvimento das cidades e dos cidadãos. De acordo com Suano (1986), essa mudança é decorrente da filosofia do Iluminismo que estava em seu apogeu no início do século XIX e defendia o primado da razão, de liberdade de pensamento, a educação e o progresso, e que combatia o auto-

ritarismo e o despotismo. Com isso, os museus, passam a ser pensados como edificação, de uso próprio para expor coleções e obras importantes para a sociedade da época e a ter uma atenção educativa, considerados como bibliotecas. Durand (1819) afirmava que os museus deveriam ser construídos dentro do mesmo espírito das bibliotecas, ou seja, um edifício que guarda um “tesouro” é, ao mesmo tempo, um templo consagrado aos estudos, onde é necessário silêncio e grandes locais de contemplação. Kiefer (2000) relata que, com esse pensamento de Durand (1819), no século XIX, existiam duas maneiras de ver os museus; como templos guardiões de tesouros sagrados ou como escola, e essas duas maneiras tinham características diferentes na forma de construir a edificação. O “museu sagrado” tem como características a forma do Panteão, circular e monumental. Já o “museu escola” segundo Neufert (1948), deve ser projetado com salas espaçosas e cada parede deve ter um único quadro – conceito modernista de exposição – não devem ter janelas, porque se transformam em um ‘fundo” neutro para ressaltar os objetos a serem expostos. Nesse período de novos tipos de museus, de acordo com Gonçalves (2009), foi fundado o primeiro museu brasileiro por Dom João VI em 1818, logo após sua chegada ao Brasil, denominado de Museu Real, abrigando, inicialmente, peças trazidas pela corte portuguesa. Ao longo do século XIX, tornou-se Museu Nacional1, definido por Dom Pedro II, e passou a investir nas áreas de antropologia e arqueologia, modernizando-se. Só na segunda metade do século XIX que foram criados outros museus no país, segundo Gonçalves (2009), a exemplo do Museu de Ciências Naturais do Ginásio Pernambucano em 1861 e o Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco em 1862. Em Minas Gerais foi criado o museu de Mineralogia e Geologia da escola Nacional de Minas e Metalurgia em 1875.

1 No dia 2 de setembro de 2018, um incêndio em grandes proporções destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro, edificação que completou duzentos anos nesse mesmo ano. De acordo com Paulo Knauss, diretor do Museu, o acervo do mesmo era importante mundialmente e 90% desse acervo foi queimado, até a finalização do presente trabalho não havia sido descoberta a causa do incêndio.

Os museus brasileiros do século XIX tiveram sua organização baseada em discursos europeus; de colaboração com projeto de construção ritual e simbólica na nação; buscam dar corpo a um sonho de civilização bem-sucedida; guardam e apresentam sobras de memória dessa matéria de sonho. Sonho das elites aristocráticas tradicionais, que sonha o sonho nacional distante da presença popular, dos negros, dos índios, dos jagunços e dos sertanejos (CHAGAS, 2006, p. 25).

Em 1895 foi concluída a obra do Museu Paulista, nome adquirido em 1909, construído às margens do riacho do Ipiranga, local onde, de acordo com Gonçalves (2009), foi proclamada a independência do Brasil por Dom Pedro I, em 1822. O museu, que foi construído para enaltecer o ato da proclamação, possui arquitetura de características ecléticas e sua estrutura é de alvenaria de tijolos cerâmicos, novidade para a época. O acervo era composto por objetos, mobiliários e obras de arte com relevância histórica e relações com a independência do Brasil. Em 1909, foram executados os jardins do edifício, que atualmente são chamados de Parque da Independência. No início do século XX, surgiu, na Europa, um conjunto de movimentos artísticos e culturais chamados de As Vanguardas que, de acordo com Calixto (2012), questionavam os padrões impostos nas artes, propondo novas formas de atuação estética, trazendo vários pensamentos novos por meio de rupturas dos pensamentos clássicos. Segundo Montaner (2003), tais movimentos tiveram reflexo nos museus como instituição e foram o ponto de partida para uma transformação na forma de pensar e construir museus, tanto que nos primeiros anos do século XX os arquitetos vanguardistas quase não projetaram museus. A exemplo das manifestações de vanguarda, o Manifesto Futurista de 1909 publicado por Filippo Marinetti, que dizia “Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vileza oportunista e utilitária” (MARINETTI, 1909, apud MARSHALL, 2012 p. 3). Suano (1986) afirma, que nessas primeiras décadas do século XX, esse estado de repúdio aos museus pela população provocou a deterioração e consequente perda de muitos objetos, até mesmo coleções inteiras, em quase todos os museus do mundo. Essa busca por uma nova concepção de espaços museológicos começa a ser superada, segundo Montaner (2003), na construção do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova Iorque, EUA, que foi fundado em 1929, mas construiu a sua nova sede em 1939 e já passou por várias transformações até os dias atuais. Uma vez que o momento em que os EUA estavam vivendo era completamente diferente do que a Europa e o Oriente estavam passando. Os museus americanos estavam completamente inseridos na produção capitalista que começava a crescer nesta época, Suano (1986). Os museus eram chamados de “museus dinâmicos”, pois abrigavam obras de arte, arquivos, espécimes raros e oferecia serviços educacionais, concertos de música, desfiles de moda, ciclos de debate, entre outros serviços.

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Kiefer (2000) afirma, que a forma de projetar museus mudou quando os arquitetos modernos começaram a fazer a estética e a estrutura dos museus se destacarem, já que antes o que ficava em maior destaque eram as obras de arte, não a estrutura em que elas estavam. Os modernistas conceituavam os museus como extensos, contínuos, bem proporcionados, existindo a preocupação com a iluminação das seções, onde ficam expostas as obras, além de uma atenção com a acessibilidade, não fazendo separação do que é circulação com salas de exposição, sendo tudo integrado. Os museus do período moderno, principalmente a partir da década de 1950, já começam a agregar novos serviços como restaurantes, lojas, parques e jardins, o que se mantém até os dias atuais, pois faz com que os visitantes se sintam mais à vontade na estrutura, aproveitando não somente as obras de artes, mas também o espaço que as abriga. Além disso, Suano (1986) afirma, que nesse período pós-guerra, o museu passou a refletir mais os interesses da sociedade pela ecologia, preservação do meio ambiente, pela vida cotidiana e não mais pelos “grandes feitos”, “grandes datas” e “grandes heróis”. O museu também passou a ter exposições itinerantes, que iam às escolas, fábricas, prisões, à zona rural, entre outros locais, deixando de ser algo preso a uma edificação. De acordo com Kiefer (2000), outro exemplo dessa mudança na forma de pensar em museus é a atualização de museus mais antigos, através de reformas modernizadoras, para um meio mais contemporâneo, como o exemplo do Museu do Louvre, o qual sofreu uma reforma em 1981, projeto de Leoh Ming Pei. Ainda segundo Kiefer (2000), a reforma foi feita com o intuito de aumentar as áreas do museu, principalmente as áreas de serviços, com a inserção de um conjunto de pirâmides de vidro que trazem também um novo apelo estético ao antigo museu, criando, assim, novas sensações no usuário. Outra crise que os museus sofreram também no século XX, segundo Suano (1986), foi com o avanço do capitalismo e das tecnologias, pois com a facilidade nos deslocamentos transcontinentais e o crescente número das viagens turísticas entre os países, os museus passaram a não fazerem mais sentido para uma parcela da população, que acabava conhecendo diretamente com a realidade, os povos e suas culturas, que antes só eram acessíveis nos museus. Suano (1986) critica que, no final do século XX, a maioria dos museus só privilegiavam o “ver” em detrimento do “incorporar, digerir e criar” e que isso era a maior carência dos museus daqueles dias. Para mudar essa forma de pensar ela sugere que eles passem a trazer artes, coleções e objetos atuais para o acervo, que o museu tenha dois acervos, o institucional, os objetos históricos, e o acervo operacional, objetos atuais, para gerar algum tipo de questionamento, discursão entre os visitantes, fazê-los refletir e gerarem opiniões. Assim como em diversas partes do mundo, o museu no Brasil também passou uma época sem glamour e as atrações tornaram-se apenas acúmulo de coleções, um campo sem significado, Gonçalves (2009). Com isso, nos anos 80 do século XX, uma nova visão de museologia foi pensada para reconquistar a credibilidade da sociedade. A partir daí, os museus brasileiros ficaram mais parecidos com os museus mundiais, pois é chegada a globalização.

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Com a atualidade nas artes,1990, os museus tiveram que se adequar a esses novos tipos de artes expostas neles e à forma de expor as coleções históricas, “uma nova geração de museus” (MONTANER, 2003, p.10). O que não foi difícil para os arquitetos pós-modernistas, uma vez que não tinham muita preocupação com o funcionalismo, ao contrário dos modernistas, conforme Kiefer (2000). Os museus, então, começam a ser mais orgânicos e muitas vezes projetados de forma escultural, “espaços destinados a abrigar trabalhos de arte contemporânea devem possuir certas qualidades cuidadosamente definidas, provavelmente incluindo flexibilidade, versatilidade e um alto nível de tecnologia” (MONTANER apud KIEFER,1990, p. 21). Com o escopo de terem espaços versáteis para caber qualquer tipo de exposição ou apresentação, todavia, também mantém suas tradicionais salas de exposição. Desta forma, acabam juntando dois pensamentos; o versátil e o tradicional, transformando em uma forma escultural e de certo modo funcional para o propósito. Cury (2006), traz o pensamento de como montar uma exposição, pois significa construir e oferecer uma experiência de qualidade para o público e tem que estar de acordo com o princípio da continuidade. A exposição é o local de encontro e relacionamento entre o que o museu quer apresentar e como deve apresentar visando sempre o comportamento ativo do público, os visitantes como agentes transformadores do que o museu quer passar.

INTERATIVIDADE E ARQUITETURA MUSEOLÓGICA

Como foi visto o Museu, enquanto instituição, passou por diversas crises e mudanças. De acordo com Silva (2010), a Museologia é a peça fundamental para a mudança atual dos museus, que seria a atualização dos mesmos e a busca por atrair mais visitantes, já que se trata de uma ciência humana responsável por organizar e conservar o museu. “A partir da museologia espera-se que o museu se torne um espaço funcional no sentido de transmitir informações de forma relevante” (SILVA, 2010, p. 03). Para a referida autora, a montagem da exposição deve ser a ponte entre o acervo e o público. Porém, Meneses (2005) tem um ponto de vista diferente e considera que toda exposição deve ter um público-alvo definido. Mas, dessa forma, ficaria difícil fazer com que o museu cumprisse o seu papel social de servir a sociedade contribuindo para o seu desenvolvimento, tendo em vista que a sociedade é composta por diferentes pessoas. “Um museu não seria, portanto, acessível a toda sociedade: uma parte dela ficaria marginalizada” (SILVA, 2010, p.03). Montar uma exposição que envolva a todos os públicos pode parecer complexo, diz Silva (2010), mas para Cozz e Macedo (2005) é necessário encontrar quais são os objetivos comuns entre as instituições e a sociedade, e descobrir meios para que os museus atinjam esses objetivos, criando novas técnicas de expor o conteúdo com maneiras de incentivar uma maior participação do público. Uma das novas técnicas de exposição encontradas para cativar a sociedade como um todo foi a interatividade, que se propagou pelo mundo

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no final do século XX, Silva (2010). Os museus que mais oferecem a interatividade são os museus de ciências, que em sua maioria tentam tornar os fenômenos naturais acessíveis para qualquer pessoa, mas já são feitos museus de história e arte interativos. A definição de interatividade, de acordo com Lemos (1997), difere da definição de interação. A primeira está relacionada ao interpessoal, e está ligada ao contato homem-máquina e a segunda seria um contato social, homem-homem. O autor considera que a interatividade tem diferentes níveis, evoluindo da relação anterior com a televisão – interação mínima considerando que só tinham dois canais, e a atuação humana era na troca destes - para uma tecnologia de padrão mais desenvolvido, onde o usuário passa a aprender com a máquina, deixa de ser um contato mecânico. “A tecnologia digital, possibilita ao usuário interagir, não mais apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, isto é, com o “conteúdo” (LEMOS, 1997, p.03). Segundo Gonçalves (2009), os museus interativos têm papel fundamental no processo de transformação da nova sociedade, já que possuem o papel de intervenção influenciando e/ou afetando o desenvolvimento, por serem construtores de conhecimento. Esses museus também são mediados por sistemas e programas tecnológicos que subsidiam a troca de informações e conhecimento. E com essas informações virtuais os museus fornecem ao público uma viagem sensorial e subjetiva. Os equipamentos que conseguem transformar essas sensações são fotos, vídeos, áudios explicativos, entre outros meios de comunicação. Além disso tudo, Martins (2011) afirma, que as técnicas interativas sensoriais são grandes aliados à experimentação da arte para pessoas com algum tipo de deficiência, pois ao fazer uso de obras que podem ser tocadas, ambientes com sons, iluminações, aromas e texturas diferenciadas, todos acabam por desenvolver algum tipo de relacionamento com a exposição. A interatividade facilita o processo de comunicação uma vez que são usados vários recursos tecnológicos como imagens, realidade virtual, luzes e sons, Silva (2010). Mas não é só a utilização dessas técnicas que fazem o museu se tornar mais atrativo. Outros fatores mais comuns como legenda em dois idiomas, restaurantes ou lanchonetes e até telefones públicos devem ser levados em consideração. Assim os museus ficam mais preparados para acolher os visitantes de todo o mundo. A interatividade também traz aos visitantes um sentimento de satisfação, e, se o visitante receber mais do que espera do museu, além de satisfeito, o usuário ficará encantado. O museu deve excitar os sentidos do seu público para que a exposição se torne uma experiência memorável, Silva (2010). Portanto, percebe-se que a forma de construir museus deve ser pensada para atender diversos questionamentos trazidos pela interatividade, exposição e pela arte contemporânea.

ANÁLISE ENTRE MUSEUS TRADICIONAIS E MUSEUS CONTEMPORÂNEOS BRASILEIROS


sidência do Dr. Augusto Frederico de Oliveira, filho do Barão de Beberibe, localizado no bairro das Graças, na mesma cidade, onde permanece até o presente ano. O Museu é gerenciado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), órgão subordinado à Secretaria de Cultura do Governo do Estado. Seu acervo é composto por variadas peças que constituem referências marcantes da história do Estado e do passado do país. As coleções remetem ao Brasil Colônia e Império, porcelanas e mobiliários dessa época; a cultura afro do Xangô em Pernambuco; coleção de ex-votos; material relacionado as civilizações pré-incaicas adquiridas na Bolívia; entre outras coleções. Sua estrutura física de acordo com o site do Museu (2018) é composta por três edificações: o Palacete, onde são expostas, além da arquitetura e detalhes arquitetônicos da época de construção, algumas exposições temporárias; o Anexo I, onde fica a exposição de longa duração, fixa, com o acervo do museu e algumas outras exposições temporárias que são trazidas para Pernambuco, também está localizado o auditório; e o Anexo II, uma casa onde funcionam os cursos e oficinas promovidos pelo museu. Todas essas construções somadas ao estacionamento e os jardins ornamentados ocupam 9.043m².

Muitos museus brasileiros, segundo Silva (2010), estão sendo mais visitados por turistas do que pelos seus conterrâneos. Para este autor, alguns dos motivos aparentes para tal situação estão associados a questões organizacionais do museu no que diz respeito à precariedade e má conservação dos acervos, a manutenção do espaço, pouca divulgação e às técnicas de exposição utilizadas – acervos modernos com técnica de apresentações tradicionais. Silva (2010), as exposições precisam primeiro encantar e seduzir para, em seguida, tocar na mente. A produção de museus interativos no Brasil, no século XXI, varia, já que foram construídos museus interativos em novas edificações para esta finalidade e museus interativos em edificações antigas, ao longo desses dezenove anos.

MUSEUS TRADICIONAIS O termo “Museus Tradicionais”, nessa pesquisa, é utilizado para definir museus que foram criados antes do século XXI.

MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO – RECIFE-PE. Criado em 1929, através do Ato 240, que autorizava o governo a criar uma Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais e um Museu Histórico e de Arte Antiga (MEPE), que era subordinado à Inspetoria, segundo o site do Museu do Estado de Pernambuco, MEPE, (2018). A primeira instalação do Museu foi na cúpula do Palácio da Justiça, na praça da República, no Recife, capital do estado de Pernambuco. Já em 1940, o museu é transferido para ter suas instalações no Palacete do século XIX, antiga re-

A tecnologia existente no museu se restringe apenas à luminotecnia tradicional, estática, com foco nas obras de arte expostas, as quais são apreciadas pelo visitante apenas visualmente. Portanto, não existe interatividade entre o público e as obras exibidas no museu.

MUSEU IMPERIAL – PETRÓPOLIS-RJ. D. Pedro II, Imperador do Brasil, herdou em 1834 a Fazenda do Córrego Seco, situada na atual região da cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, onde apenas em 1845 foi iniciada a construção de um Palácio de verão da família imperial, em estilo neoclássico, onde atualmente funciona o Museu Imperial. A obra da edificação só foi concluída dezessete anos depois, de acordo com Museu Imperial (2018). Após a morte de D. Pedro II, em 1891, o Palácio ficou dois anos sem uso até que foi alugado pelo Educandário Notre Dame de Sion, até 1909, quando o Colégio São Vicente de Paulo passou a funcionar no prédio e ficou durante trinta anos. Pois em 1940, o presidente Getúlio Vargas criou pelo Decreto-Lei nº 2.096, que instituiu o Museu Imperial. O Museu Imperial (2018) afirma que um antigo estudante do Colégio São Vicente de Paulo, o Alcindo de Azevedo Sodré, foi o primeiro diretor do Museu e foi ele, junto a uma equipe técnica e colecionadores de peças imperiais, que pesquisaram toda a história da edificação e localizaram peças pertencentes à família imperial, para ilustrar o século XIX e o dia a dia de membros da dinastia dos Bragança. Com isso o Museu Imperial foi finalmente inaugurado em 1943, com um significativo acervo de peças relativas ao período imperial brasileiro. Ao longo dos anos foram se acumulando mais e mais peças, somando um total de quase 300 mil itens, até 2018. A tecnologia existente na edificação do museu está presente apenas na luminotecnia tradicio-

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nal, estática, com foco nas obras de arte expostas, as quais são apreciadas pelo visitante apenas visualmente. Portanto, não existe interatividade entre o público e as obras exibidas no museu, porém no site do Museu é possível fazer uma visita virtual ao museu, onde o visitante pode ver todas as salas em 360 graus e ler um pouco sobre cada ambiente e todas as obras estão devidamente catalogadas em meios digitais e disponíveis ao público por meio do site.

MUSEUS CONTEMPORÂNEOS O termo “Museus Contemporâneos”, nessa pesquisa, é utilizado para definir museus que foram criados durante o século XXI, estando em edificações antigas ou não.

MUSEU DO FUTEBOL – SÃO PAULO - SP. O Museu do Futebol foi inaugurado em 2008 na cidade de São Paulo, com uma área de 6900m² e se encontra no avesso das arquibancadas do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho – o Pacaembu, edificação que foi finalizada em 1940, segundo Wenzel (2012). O arquiteto responsável pela criação do Museu optou por não esconder a estrutura de concreto do estádio, pois sua intenção era mostra-la na exposição, de acordo com Silva (2010). O Museu tem como objetivo narrar de forma lúdica e interativa como o futebol chegou ao Brasil e se tornou parte da história e cultura do país, por meio de uma exposição de longa duração, distribuída em quinze salas temáticas. Segundo Silva (2010), os curadores do museu também concebem e desenvolvem exposições temporárias e itinerantes. Em termos de acessibilidade, o Museu possui tanto acessibilidade física, como escadas rolantes, elevadores, piso tátil, cadeira de rodas, quanto acessibilidade comunicacional, áudio guias em outras línguas e para cegos, maquetes táteis, materiais sensoriais entre outros. Além de todas as obras expostas no museu, existe uma biblioteca especializada em futebol com mais de três mil títulos nacionais e estrangeiros, segundo Museu do Futebol (2018). Além de toda a tecnologia que o museu apresenta, o site e o aplicativo do museu funcionam como Museus online, que mostram parte do acervo exposto e um acervo único, não exposto no museu.

MUSEU CAIS DO SERTÃO – RECIFE – PE. Em 2014, de acordo com Maia (2017), foi inaugurado o Módulo 1 do Museu Cais do Sertão, com área total de 7500 m², localizado no antigo Armazém 10 do Porto da cidade do Recife, em Pernambuco, próximo ao Marco Zero, um dos pontos turísticos da cidade. O Museu comporta uma exposição permanente e interativa, que proporciona aos visitantes uma imersão na vida e na cultura do sertanejo, aquele que mora no sertão nordestino. A exposição, de nome “O Mundo do Sertão” também promove uma celebração da obra do cantor e compositor Luiz Gonzaga, considerado o Rei do Baião. “O Mundo do Sertão” é dividida em sete territórios, Ocupar, Viver, Trabalhar, Cantar, Criar, Crer e Migrar. No pavimento térreo do Museu foi construído um espelho d’água com peixes

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em alusão ao “Rio São Francisco”, permeando o espaço principal do museu.

Como foi dito no início do capítulo, a análise entre os museus citados tem como interesse compará-los, desde as concepções arquitetônicas distintas, de períodos variados, até avaliar o papel da arquitetura e da tecnologia na interação do público com as exposições.

MUDANÇAS NA FORMA DE CONSTRUIR E PENSAR EM MUSEUS

Essa comparação tem o objetivo de ilustrar algumas características fundamentais de como deverá ser o museu no século XXI, por meio de algumas reflexões. Quais modificações e acréscimos as instituições existentes deverão realizar, revitalizando-se frente às demandas da contemporaneidade Quando os Museus tradicionais, citados nesse artigo, são comparados entre si, é possível ver que um deles está se atualizando mais rápido que o outro para conseguir interagir com o público e assim trazerem ensinamentos a todos os visitantes.

Quando é feita a comparação entre os Museus contemporâneos, citados neste trabalho, pode ser percebido que a tecnologia não é a única maneira de o museu ser interativo e passar informações e sensações para o visitante. Se comparados os museus tradicionais com os museus contemporâneos é percebido que não importa se a arquitetura é uma construção atual ou antiga, pois se tiver relação ou se a exposição conseguir relacionar o seu tema com a arquitetura a relação de interatividade pode ser aumentada e o visitante se sentir dentro daquele tema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se propôs analisar a nova forma de construir e pensar em museus a partir de alguns exemplos selecionados, procurando observar como esses espaços conseguiram ou não se tornar interativos e atrativos para a sociedade.

Para realizar essa análise, foi escolhido o método comparativo, que consiste em, a partir de uma técnica, nesse caso a técnica de pesquisa documental e bibliográfica (documentação indireta), realizar inferências e interpretações sobre a interatividade e a arquitetura de cada museu escolhido, para, enfim, chegar a uma conclusão sobre o objeto de estudo.

Em paralelo, foram apresentados diversos entendimentos sobre o conceito de museu, e como visto anteriormente, eles variam conforme tempo, sociedade e abordagem. Além disso, também foi mostrada a história do museu, como eles surgiram, suas crises e retomadas. Esses conceitos foram apresentados para vir a compreender por que os museus estão sempre se renovando.

A INT E R A TI V I D ADE NA

ANÁLISE COMPARATIVA

“O museu já não é mais considerado apenas como mero depósito, mas também como agente cultural, provocando e representando a produção das artes contemporâneas” (GROSSMANN, 2001, pg.198). Porém, isso gera um conflito, pois o acesso livre ao museu não garante o acesso total às obras, já que nem todos do grande público estão suficientemente aptos para entender o que a exposição de um museu quer passar, como afirma Canclini (2003) ao dizer que para apreciar uma obra de arte moderna ou contemporânea requer um “capital cultural”, que significa conhecer a história do campo de produção da obra, e esse “capital cultural” o indivíduo o possui se pertencer a um dado grupo social ou classe social, logo, não é algo que se tem, mas algo que se é ou se adquire, a depender das oportunidades e circunstâncias. Contudo, para que todas as pessoas adquiram o “capital cultural”, seria necessária uma revolução social, solução bastante utópica. Portanto Anjos (s.d.) propõe uma forma mais realista de trazer o conhecimento a todos os visitantes de museus, que seria criando atividades formadoras, sendo de cunho teórico e prático. Com isso, Lara (2012) conclui que os museus devem ser interativos e atualizados com a demanda da população que os frequenta, pois não adianta permitir a presença do grande público nos museus, se esse público não consegue entender o que é passado nas exposições.

ARQUITETURA:

A exposição do Museu é composta por diversos recursos tecnológicos, recursos de automação e interatividade, tudo feito com a ajuda de vários artistas, cineastas, artesões e músicos brasileiros. Foi elaborada de forma lúdica e educativa para que todos os visitantes possam aprender e vivenciar um pouco do sertão cantado e vivido por Luz Gonzaga.

(2004), o museu do século XXI não se dirige só a especialistas, mas também ao grande público. “A inserção no mundo da mídia, assim como a abertura às manifestações artísticas contemporâneas, leva o museu a atrair multidões que não costumavam frequentá-lo” (LARA, 2012).

Além de tudo isso, deve ser levado em conta que ainda com a interatividade e tecnologia existirão pessoas que não frequentarão museus, por diversas razões. Assim, “o museu de arte – assim como a literatura, a música, o teatro ou a dança – não é e nunca será para todas as pessoas, não pelas circunstâncias atuais de países como o Brasil onde a exclusão social e cultural cria enormes barreiras para o acesso, mas por escolhas pessoais, tradições culturais, etc.” (LARA, 2012). Quando comparados os aspectos dos museus tradicionais e os museus contemporâneos é possível perceber a busca dos antigos museus em se fazerem mais interativos e reflexivos, com o intuito cada vez maior de imergir o visitante no universo do que está sendo exposto. Também é possível perceber que o uso da tecnologia em museus é feito de forma mais intensa quando o tema da exposição é mais abstrato, como por exemplo a música, o futebol, a cultura de uma sociedade, entre outros. Portanto, a interatividade dentro dos museus deve existir, com tecnologias ou não, pois para alcançar a reflexão que a exposição ou a obra querem passar o usuário deve adquirir o conhecimento, entendimento ou sensação da história, lembrando que esta tarefa não cabe apenas ao museu, mas também ao contexto sociocultural do visitante. “O Momento-arte é (re)criado quando há uma interação entre a proposta-arte da artista, a disposição/presença (estética) dos objetos e a participação efetiva (consciente/ intelectual) do usuário (não mais observador)” (GROSSMANN, 2001, pg.25).

Ao longo da pesquisa, com a aplicação da análise comparativa, foi percebido que todos os museus devem levar em conta a sua tarefa para com o público, não só se bastar por ser uma instituição científica, pois, de acordo com Lara

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REFERÊNCIAS ANJOS, Moacir. (s/d) Desafios para os museus de arte no mundo contemporâneo (notas provisórias para um texto em elaboração). Disponível em: <http://www.mamam.art.br/mam_opiniao/word/moacir_anjos_desafios.doc.>. Acesso em: fev. 2005. CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003. CALIXTO, Roberta. As vanguardas europeias do século 20 e as influências da semana de arte moderna na ilustração de livros de literatura infantil brasileiros. 2012. Disponível em: <http:// www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2012/ relatorios_pdf/ctch/ART/DAD-Roberta%20Calixto.pdf> Acesso em: 26 abril 2018. CHAGAS, Mário. Há uma gota de sangue em cada museu, a ótica museológica de Mário de Andrade, Coleção Histórica, Argos, Chapecó, 2006. COZZ, Silmara Silvia Mantelli; MACEDO, Diana Pelosi Silva de. A realidade virtual na museologia: uma análise das vantagens e desvantagens para o turismo cultural, Fortaleza, dez. 2005. Disponível em: <http://www.unifor.br/noticia/ file/1432.pdf>. Acesso em: 8 set. 2016. CURY, Marília. Exposição, concepção, montagem e avaliação. Annablume editora, São Paulo, 2006. DURAND, J. N. L.. Precísdeslençonsd’ architecture. Fac-símile. Biblioteca de Munique,1819. GIRAUDY, Danièle e BOUILHET, Henri. O museu e a vida. Porto Alegre: IEL, 1990. GONÇALVES, Eliane. Uma casa para Clarice: Proposta para criação de um Museu Interativo para a cidade do Recife, UFPE, 2009. GROSSMANN, Martin. O Hipermuseu: a arte em outras dimensões. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes, USP. (Tese de Livre Docência). 2001.

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A FUNÇÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS NA PRÁTICA DE SEGURANÇAS E VIGILANTES: CAPACITAÇÃO PARA DE SEGURANÇAS EM MUSEUS NA EXPOSIÇÃO FRIDA KAHLO – CONEXÕES ENTRE MULHERES SURREALISTAS NO MÉXICO Ma r i e l l e Co st a Gonç a l ve s Servidora do Instituto Brasileiro de Museus - Ibram, é chefe da Divisão de Educação da Coordenação de Museologia Social e Educação – COMUSE, área responsável pelas ações referentes à Política Nacional de Educação Museal e pela plataforma de difusão de conhecimento Saber Museu, além do assessoramento técnico aos setores educativos dos museus geridos pelo Ibram. E-mail: marielle.goncalves@museus.gov.br

Resumo: O texto apresenta a possibilidade de desenvolvimento da função educativa de museus e instituições culturais tendo como recurso a capacitação de seus profissionais para a integração de uma atitude educativa à sua atuação a partir da análise da capacitação de seguranças da exposição citada.

Palavras-chave:

educação museal, função educativa capacitação.

Os museus e processos museais têm como aspecto subjacente a todas as suas áreas, a função educativa do museu: quando é orientadora de planejamentos que contemplam a relação do museu com a sociedade, produz-se um museu efetivamente permeável. A função educativa do museu distingue-se do programa educativo e cultural e do setor educativo por ser um aspecto mais amplo e transversal, que os contêm. Não se manifesta apenas em situações e lugares específicos, restrita às ações conduzidas pela equipe que implementa o programa educativo e cultural do museu; é desenvolvida por todos que participam da constituição de um museu. O museu salvou a minha vida. Quando a gente trabalha, come, dorme e volta a trabalhar, às vezes não entende que a vida tem mais do que isso. Eu estou aqui há 10 anos. Fui faxineira do museu por seis meses, e nes-

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se tempo descobri a arte, a história daqui. A dor desse lugar. Descobri que posso aprender. E isso foi ouvindo as explicações dos mediadores, todo dia, querendo saber mais. Eu não quero sair daqui nunca. Quando teve concurso pra brigadista eu estudei dia e noite, porque é aqui que eu quero ficar. E consegui, com apoio de muita gente. (...) é por isso que eu falo com os visitantes. Eu sei que saber uma coisinha nova pode mudar muita coisa. Tem gente que não entende o que está por trás de cada arte, e pode sair do museu querendo saber mais sobre a história, e até querendo mudar de vida. (Adriana Marcia Rodrigues, brigadista do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, MG). O depoimento de Adriana Rodrigues reflete alguns dos aspectos possíveis do desenvolvimento da função educativa de uma instituição ou processo museal: inicialmente ela revela o impacto do museu e do seu acervo sobre si mesma, ao longo de anos em contato estreito com esse espaço. Depois afirma a incorporação dessa função à sua atitude e presença como profissional que se relaciona cotidianamente com o público do museu. É a atitude desejável por parte de todos os profissionais de instituições museológicas. Não se trata, no entanto, da situação mais comum. Seja pela necessidade de capacitação, seja pela eleição de uma gestão que fragmenta excessivamente o trabalho realizado nas instituições, a percepção integral dos museus nem sempre guia as práticas dos profissionais, a despeito da competência com que desempenham suas tarefas e atribuições. Em junho de 2016, foi possível observar de perto uma experiência de ilustra essa situação. Respondendo a uma solicitação da Gerência de Filial de Marketing Cultural Brasília da CAIXA, o do Instituto Brasileiro de Museus - Ibram colaborou para a realização de treinamento para toda a equipe de segurança que atuou durante a exposição Frida Kahlo – Conexões entre mulheres surrealistas no México, exi-

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bida na CAIXA Cultural de Brasília entre 12 de abril a 5 de junho de 2016. Na exposição foram exibidas 140 peças, entre as quais 20 com autoria de Frida Kahlo, além de obras de outras artistas surrealistas de sua época nascidas ou radicadas no México. Durante sua itinerância no Brasil, a mostra contou com 700 mil visitantes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Face à importância dos acervos e visitação estimada, a CAIXA Cultural Brasília reforçou o quantitativo de seguranças com aproveitamento de cerca de 40 profissionais do quadro de terceirizados, com experiência preponderante em unidades administrativas e agências bancárias. A maior parte desse contingente não apresentava treinamento específico ou atuação em museus e centros culturais ou na proteção de acervos de arte. Em atenção à solicitação, foram realizadas reuniões com o intuito de desenvolver um plano de curso que abordava os seguintes temas: a relação entre visitantes, monitores e seguranças; a gestão de riscos e procedimentos de emergência; a sensibilização sobre o tema museu, memória e patrimônio cultural, além diálogo sobre o tema da exposição e sua importância. Ao longo de todo o dia 18/04/2016, foi oferecida capacitação a aproximadamente cinquenta profissionais responsáveis pela segurança da exposição. A capacitação contou com a participação de oito profissionais do Ibram, técnicos que atuam nas áreas de educação museal, documentação e planejamento museológico, gestão de riscos e conservação de acervos, museologia social e expografia. Inicialmente, os conceitos de museu, memória e patrimônio cultural foram abordados numa dinâmica que demandava a expressão da percepção de cada um dos profissionais. Num processo que unia a livre associação de ideias e experiências, os conceitos foram elucidados coletivamente, com a condução dos técnicos responsáveis. A partir desse nivelamento teve início uma explanação sobre a vida e a obra de Frida Kahlo, sua associação e colaboração com as demais artistas que integram a exposição, sua atuação política e as razões de sua relevância cultural e estética. Estabeleceu-se um debate a princípio superficial, uma vez que foi várias vezes reiterada a incompreensão e a divergência sobre relevância da artista, mas à medida que a discussão avançou, houve manifestações de reconhecimento da capacidade expressiva da artista, de seu engajamento político e até de sua beleza. Após a discussão foram apresentados aos seguranças os principais instrumentos de planejamento de museus, de forma a estabelecer paralelos com a situação específica da instituição cultural. Assim, os seguranças tiveram um panorama das distintas áreas que colaboram para dar corpo ao trabalho de uma instituição museal, de uma instituição cultural. E tiveram a possibilidade de localizar onde se situa o seu próprio trabalho nessa organização. Na última etapa foram apresentadas noções

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básicas de gestão de risco a partir de suas tarefas específicas relativas aos planos de evacuação da galeria e se salvamento do acervo. Muito disseram por exemplo, sobre a incompreensão do público da sua atuação, que não deixa de ser uma atuação, entre outras coisas, de prevenção de riscos aos acervos e às pessoas. Observou-se, ao longo das oito horas de capacitação e em encontros subsequentes, uma contundente transformação da percepção dos participantes, tanto em relação ao objeto da exposição como em relação a seu papel como seguranças naquele contexto específico. Da apatia inicial à sensibilização para o impacto da sua presença, até mesmo em seu potencial aspecto pedagógico. A mudança ficou patente nos discursos e depoimentos dos trabalhadores, que demonstravam a princípio certo distanciamento em relação ao trabalho e à instituição. Ao fim do dia, eles se implicavam como parte dos processos que observam ao longo dos dias de exposição, relatavam a percepção de sua aprendizagem e de sua capacidade de compreensão sobre a temática das exposições, e o impacto positivo dessa transformação na sua relação com o público e até mesmo em suas relações pessoais. Um dos seguranças presentes à ocasião falou que a capacitação os torna mais preparados para “defender” a galeria, porque entendem o seu valor. Outro manifestou que entende que também é seu papel ajudar os visitantes a compreenderem a exposição, porque disso depende a sua possibilidade de à ela atribuir valor. Um terceiro participante narrou a mudança de perspectiva que vivenciou a partir do momento em que passou a atuar em galerias, e decidiu estender essa oportunidade a seu filho, que visitam exposições tomados os fins de semana: “quando a arte faz parte da nossa vida, parece que a gente pensa melhor, fica mais civilizado.” Essa experiência ensejou uma reflexão sobre o potencial educativo da ação dos trabalhadores de todos os setores do museu a partir da sua sensibilização acerca da missão do museu, dos objetivos subjacentes a ela e dos programas que possibilitam a sua realização. Isso leva, necessariamente, ao desenvolvimento da função educativa, que é mais consistente quanto mais integrados estejam os profissionais entre si e aos propósitos do museu. As atividades concebidas pelo setor educativo de um museu são planejadas e conduzidas para promover fruição que permita a ampliação do conhecimento e a conexão emocional com o acervo apresentado pelo museu. As equipes de educadores têm, idealmente, a formação e a prática profissional adequada para propiciar isso. Por outro lado, a função educativa do museu é um aspecto mais abrangente, que determina o grau de desenvolvimento da própria instituição: a função educativa guia a relação entre o museu e a sociedade, seja por meio da expografia, da comunicação, das ações educativas, ou da atitude dos profissionais da instituição.

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Nesse sentido, convém observar que o trabalho dos profissionais de segurança se situa exatamente nesse espaço, no encontro entre o museu e seus visitantes. Os trabalhos desempenhados pelos educadores museais e os vigilantes não são atuações concorrentes, ao contrário, podem se incrementar mutuamente. É algo possível na medida em que os seguranças estejam dispostos e aptos a assumir uma postura comprometida com o aspecto educativo do museu frente aos visitantes e que os educadores por sua vez tenham a disposição de contribuir para a ampliação de sua percepção da função educativa ou do objeto temático do museu. Obviamente, a educação museal não é uma atribuição dos profissionais de segurança; o seu trabalho diz respeito à garantia da integridade física das pessoas, do acervo do museu, de seus equipamentos e da edificação. Não há que se ter a expectativa de que os profissionais, independente da área em que atuem, extrapolem as suas funções. Acontece que, por outro lado, é desejável que se possa fomentar o senso de colaboração e integração dos setores do museu, com base na sua missão e suas funções primárias. Fazer isso de forma a não promover desvios de função requer muita sensibilidade e sabedoria, e exige muito da equipe gestora, mesmo porque sempre haverá distintos níveis de compromisso e disposição para a colaboração. E há ainda aqueles que facilmente ativam uma postura comprometida com a função educativa porque têm maior predisposição à interação social.

gido por Andréia França Martins e Ana Teresa Reynaud também foi exibido durante a capacitação e aborda essa mesma temática. Teve suas imagens captadas em 2000, nas galerias do Paço Imperial, no Rio de janeiro- RJ, e ilustra a reflexão aqui apresentada por meio do cotidiano de vigilantes que lá atuavam, em sua relação com o público, com o acervo e a transformação de suas perspectivas a partir de seu trabalho. É uma obra sensível, que revela o quanto esses profissionais podem desenvolver uma mirada simbólica que colabore para diversificar e humanizar a experiência do público que frequenta o museu. Tanto nesse caso quanto na capacitação que é o objeto desse relato, observa-se a gratidão dos profissionais pela possibilidade de desdobramento do seu trabalho em dimensões simbólicas que não estariam presentes inicialmente. Não é uma postura generalizada, uma vez que em muitos casos o desinteresse por essas novas dimensões permanece. Mas a ocorrência dos casos bem-sucedidos não só justifica os esforços para em-

O importante é compreender que a adoção de uma atitude educativa por parte dos profissionais do museu é algo desejável, especialmente tendo em conta a grande diversidade dos museus brasileiros quanto às suas dimensões, composição funcional, estrutura, apoio institucional, adesão da comunidade circundante, etc. O processo de implementação de setores educativos ocorre na medida em que as circunstâncias de cada instituição convirjam para isso, mas o desenvolvimento da função educativa de cada museu não está inviabilizado na ausência dessas circunstâncias. O setor educativo que esteja constituído, por sua vez, se fortalece quando entre as suas ações inclui o referido trabalho de sensibilização dos demais profissionais. Assim exerce a transversalidade inerente à função educativa, tão determinante para que as ações empreendidas pelo museu sejam bem-sucedidas, e muito mais quando é uma perspectiva adotada pelos profissionais que atuam em todos os setores do museu. Efetivamente, talvez a atuação dos profissionais de segurança seja um dos âmbitos onde o sucesso dessa ação pode ser aferido mais facilmente. Ao chegar ao museu, o visitante se depara sempre com o segurança ou vigilante, mas não necessariamente com outro profissional do museu. A influência sobre a percepção do o museu é muito positiva quando esse contato se dá de forma respeitosa e cordial. O curta-metragem Presente do Deuses, diri-

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preender ações de sensibilização dos profissionais dos museus para o temas e aspectos de sua missão, como inspira um aprofundamento das relações e transversalidades entre os setores e tarefas que lá são realizadas. É um trabalho que encerra em si várias das premissas e objetivos expressos na Política Nacional de Educação Museal. Lá estão caracterizados cenários que devem inspirar a construção do campo da educação museal no Brasil. É uma, entre tantas outras possibilidades de atuação que manifestam a diversidade dos museus brasileiros e de seus processos de consolidação.


REFERÊNCIAS IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus. Caderno da Política Nacional de Educação Museal – PNEM. Brasília, DF: 2018. Disponível em <https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2018/06/Caderno-da-PNEM. pdf>. Acesso em 18 dez. 2018. 132p. IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus. Subsídios para a elaboração de planos museológicos. Brasília: Ibram, 2016.

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FIQUE SABENDO!

O PROCEDIMENTO DE TRADUÇÃO: DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO NOS MUSEUS DE ARTE

T h i a g o Co n s i g l i o Mestre em Educação pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) - Campus Sorocaba com pesquisa em Educação e Museus de Arte (2019); atua desde 2017 como membro da REM-SP (Rede de Educadores de Museus de São Paulo) e desde 2019 integra o Grupo de Pesquisa “Educação Museal: Conceitos, Histórias e Políticas” do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus). E-mail: thiago.consiglio@gmail.com

Resumo: Este trabalho se insere na área da Educação Museal e busca discutir alguns de seus fundamentos através de pesquisa bibliográfica, recolhendo referências teóricas e articulando-as no sentido de uma consolidação da área. A pergunta que direciona este trabalho é: como organizar conceitualmente uma Educação Museal contemporânea preocupada com a diversidade? O caminho apontado apresentará o procedimento de tradução enquanto uma ferramenta engajada para organizar as práticas educativas nos museus de arte. Palavras-chave: Educação museal, Tradução, Museu de Arte, Epistemologia.

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INTRODUÇÃO A Educação Museal no Brasil é um campo ainda em consolidação. Muito influenciada historicamente pela educação formal, a Educação Museal abre campos de atuação que permitem expandir as noções que sustentam as práticas de ensino-aprendizagem. Com este trabalho de pesquisa, recolhi diferentes referências teóricas, com a intenção de articulá-las em uma perspectiva de pluralidade de visões que permitem sustentar a diversidade na prática educativa dos museus, considerando a seguinte pergunta-problema da pesquisa “como organizar conceitualmente uma Educação Museal contemporânea preocupada com a diversidade?”. Nesta reflexão, o educador de museus – agente final da prática educativa – atua como um tradutor de obras de arte articulando linguagem e interpretação com os visitantes.

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Para a discussão do trabalho, primeiro parto de uma breve contextualização da história da tradução a partir da pesquisa de Susana Kampff Lages (2007) no âmbito linguístico para ressignificar a palavra tradução a partir de uma prática que procura se apropriar da tradição. A tradução, historicamente, era considerada a partir de uma noção de verdade única e de uma posição de poder do especialista tradutor, que precisava ter, conhecimentos abrangentes ao mesmo tempo que tinha seu trabalho como insuficiente. Em seguida introduzo brevemente uma noção de tradução a partir da filosofia da ciência no momento contemporâneo. Discutir a construção do conhecimento em um contexto de crítica às perspectivas generalizantes da modernidade, permite resgatar os fundamentos de uma educação contemporânea no âmbito dos museus. O conceito de tradução apresen-


tado por Boaventura de Sousa Santos (2010) e indica um caminho em que é valorizado a relação intercultural entre saberes e que se nega enquanto conhecimento homogêneo e totalizante. Na última seção, considero a tradução enquanto fundamento da educação. Para Paulo Freire (2015), linguagem e realidade são dinâmicas e a educação se pauta pela visão de mundo que os indivíduos têm na relação com o mundo concreto. Da mesma forma, para Jacques Rancière (2012), todos somos espectadores na relação com as obras de arte e conhecemos o mundo através de uma tradução. Finalmente, este trabalho realiza um esforço de dialogar diferentes perspectivas para produzir uma reflexão no sentido de consolidar a área da Educação Museal e apontar para horizontes de imaginação institucional considerando a educação enquanto forma de produção de conhecimento.

DESENVOLVIMENTO Como ponto de partida, reconheço que o campo de atuação da Educação Museal está em processo de consolidação. Apesar das ações educativas nos museus brasileiros acontecerem desde, pelo menos, o início do século XX, a primeira política pública criada que dá ênfase a esta área foi aprovada em 2017 através da Portaria 422 do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM – que criou a Política Nacional de Educação Museal – PNEM – (IBRAM, 2018, p. 128). Como resultado de uma participação efetiva de diversos segmentos sociais e também das Redes de Educadores de Museus do Brasil, foi publicado o “Caderno da PNEM” (IBRAM, 2018) em que fica objetivado o processo de desenvolvimento histórico da Educação Museal em suas diversas vertentes. A portaria que criou a PNEM é considerada no Caderno (IBRAM, 2018, p. 11) como um marco decisivo e também “um importante instrumento de consolidação da área no país”. É a partir desta perspectiva que visualizo o momento contemporâneo como relevante para se discutir os fundamentos da Educação Museal, desejando contribuir para a consolidação da área através de uma perspectiva teórica que possa fundamentar as ações educativas e promover diversidade e interlocução entre saberes. Para iniciar essa discussão apresento um breve histórico da tradução enquanto procedimento linguístico indicando algumas possíveis relações que serão apresentadas ao final, entre a ação educativas nos museus, interpretação de obras de arte e a própria noção de construção de conhecimento através da epistemologia.

práticas da tradução que se consolidaram historicamente e reafirmando o sentido da palavra tradução nas condições contemporâneas. Em sua pesquisa, a autora Susana Kampff Lages (2007, p. 29) apresenta o desenvolvimento histórico da tradução e o relaciona com o tema da melancolia, por exemplo, ao citar o crítico literário George Steiner que identificou o tema com a impossibilidade do tradutor de se corresponder seu texto com o original. A atividade do tradutor é próxima da atividade do filósofo e do intelectual em geral, porque essas funções lidam essencialmente com textos de autores anteriores. Para o tradutor especificamente, essa relação com os textos anteriores, segundo Lages (2007, p. 35), é a “premissa concreta, a origem e a possibilidade mesma de seu trabalho. Mas, em todos os casos, essa apropriação tem seu preço: a autodepreciação do sujeito, sintoma distintivo da melancolia”. A autora (2007, p. 37) também cita o filósofo Jacques Derrida que apresentou a tradução enquanto tema da filosofia por excelência. A melancolia, neste caso, poderia ser considerada como seu “contratema”, como um elemento constitutivo que é tanto complementar quanto ameaçador. Desta forma, os riscos do tradutor se equiparam aos riscos do melancólico que é perder-se na multiplicidade infinita dos sentidos das línguas. Segundo a autora (2007, p. 65), após o desenvolvimento da área de estudos da psicanálise no início do século XX, o termo melancolia se relacionou com um estado de tendência patológica que alterna entre momentos de profunda tristeza e de grande entusiasmo. Relacionando com esse movimento pendular, a pesquisadora comenta que o tradutor, por um lado pode ser considerado enquanto uma história de rebaixamentos e uma constante desvalorização do ego, e por outro, se promove uma exigência exagerada das capacidades a serem dominadas em termos linguísticos e culturais. Como uma tentativa de sair desse círculo fechado da melancolia e afirmar a atividade de tradução enquanto atividade autônoma, a autora (LAGES, 2007, p. 72) cita Harold Bloom e sua teoria da influência, que promove uma leitura forte, enquanto interpretação criadora na relação com os textos da tradição . Este movimento de afirmação da atividade do tradutor está em consonância com os estudos mais contemporâneos, que pretendem valorizar o trabalho e a tarefa do tradutor para reivindicar um espaço acadêmico institucional específico, aponta Lages (2007, p. 73).

A TRADUÇÃO COMO PROCEDIMENTO LINGUÍSTICO

A autora apresenta três correntes que podem ser resumidas como três atitudes: a de reescrita, a de subversão e a de transcriação. Apesar de apontarem na mesma direção, a pesquisadora destaca que as correntes não são homogêneas. Aqui neste artigo, vou destacar a última atitude mencionada, a de transcriação.

Nesta seção, trato da tradução enquanto procedimento linguístico, investigando algumas

De início, Lages (2007, p. 89) destaca o trabalho dos fundadores do movimento da Poesia

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Concreta com Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari como expoentes dessa perspectiva. No projeto de arte concretista a tradução ocupa um lugar relevante. Na visão deste movimento, o objetivo era buscar na poesia o que ela tem de mais próprio, tanto no seu aspecto concreto e material como em sua estrutura e configuração linguística. Um elemento que a autora (LAGES, 2007, p. 90) dá ênfase do projeto concretista, é a aplicação radical do conceito de antropofagia do movimento modernista como estratégia da leitura da tradição. Não se trata de uma leitura passiva de elementos externos mas “um processo de violenta apropriação, que se constitui a partir de uma releitura conscientemente seletiva do substrato literário passado e contemporâneo”. Considerando essa relação dos poetas contemporâneos com a tradição literária, Susana Kampff Lages (2007, p. 91) aponta a maneira como a tradução concretista opera em relação com o conceito de “leitura forte” do crítico literário norte-americano Harold Bloom. Para Bloom, o poeta que realiza essa leitura faz uma apropriação tão radical a ponto de sua obra modificar a interpretação que será feita posteriormente pelos precursores. A autora (2007, p. 95) considera essa postura de superar a posição secundária e afirmar o tradutor enquanto autor de um texto novo, como uma postura heróica em vez de melancólica, e que considera o trabalho de tradução enquanto criação, tendo uma importância equivalente ao trabalho original. Esse recorte da pesquisa de Susana Kampff Lages em relação aos caminhos da tradução no momento contemporâneo, aponta essencialmente para a tendência de ressignificar a tradução como tema fundamental do pensamento teórico e crítico. Agora que o conceito de tradução enquanto prática da linguística foi apresentado, vou dialogar com outros temas que atravessam a pesquisa e como o conceito de tradução se relaciona com a filosofia da ciência e a educação.

A TRADUÇÃO ENQUANTO POSTURA EPISTEMOLÓGICA Para falar da tradução no ambiente da epistemologia que é o campo que estuda a construção do conhecimento em si, preciso primeiramente apresentar o desenvolvimento histórico da ciência. Neste sentido, olho novamente para a consolidação da área da Educação Museal para considerá-la no desenvolvimento enquanto área do conhecimento. Para o filósofo norte-americano Thomas Kuhn (2017), a ciência se desenvolve através de ciclos onde um paradigma se estabelece enquanto dominante, depois passa por uma crise através de uma série de críticas das anomalias encontradas em seu desenvolvimento. Enquanto essa ciência que era dominante e considerada enquanto “ciência normal” passa pela crise, abre espaço para que um novo pa-

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radigma comece a se desenvolver. Após um período de disputa entre essas diversas ciências, o novo paradigma se consolida e o ciclo se reinicia. Esta noção cíclica é interessante para observar que a filosofia do conhecimento está sempre se modificando. As mudanças científicas consideradas pelo autor (KUHN, 2017, p. 201), são como “revoluções” porque as mudanças não são cumulativas. Neste sentido, as mudanças de paradigma são como mudanças de um mundo inteiro. Como os pontos de referência se alteram nestas perspectivas, tanto o objeto que se observa quanto os instrumentos de avaliação se alteram também. Assim, a sugestão que proponho é considerar a tradução enquanto mais um possível paradigma. Um olhar complementar para esta situação é o do austríaco e filósofo da ciência Paul Feyerabend (2011) em sua obra “Contra o Método”. Ele que se considera anarquista epistemológico, apresenta seu estudo sobre a história da ciência como uma narrativa que defende o conceito de racionalidade, mas essa racionalidade não foi algo estabelecido e respeitado. Seu argumento considera que essa noção abstrata de racionalidade precisou ser contestada para que os avanços da ciência pudessem ser produzidos. Feyerabend (2011, p. 42) não considera que devemos substituir um conjunto de regras gerais por outro conjunto da mesma espécie, porque isso impede o desenvolvimento da ciência. Para ele, todas as metologias são limitadas e é neste sentido que sua noção de “tudo vale” implica que todo ponto de partida é válido em uma discussão epistemológica. A sugestão do autor é se construir uma metologia pluralista que considera as diversas perspectivas de conhecimento. Como Thomas Kuhn, Feyerabend (2011, p. 151) afirma que para a ciência se desenvolver, uma visão de mundo completamente nova precisa se estabelecer e com isso se constrói uma nova visão de sujeito e de suas capacidades de conhecer. A consequência desse pensamento, segundo o autor (2011, p. 297) é que para apreendermos a realidade, precisamos constituir uma cosmologia e entendê-la a partir de uma “mediação de tradições”. Aqui a noção de tradução enquanto conhecimento científico se faz a partir da ideia de que o cientista, para Feyerabend, deve poder transitar entre estas visões cosmológicas e não aceitar a racionalidade enquanto único ponto de vista possível e nem a razão como entidade inquestionável. Um exemplo dessa perspectiva plural é o conceito de “visão em paralaxe” do filósofo esloveno Slavoj Žižek (2008, p. 32). Pare ele, dois pontos de vista distintos que não podem ser relacionados no sentido tradicional, podem ser considerados a partir da noção de uma lacuna paraláctica. Destaco que a definição padrão de paralaxe, a partir da ótica, é o de um deslocamento aparente de um objeto causado pela mudança do ponto de observação. Para o filósofo esloveno (2008, p. 32), essa

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mudança do ponto de vista epistemológico é também uma mudança de um ponto de vista ontológico do próprio sujeito. Essa movimentação cosmológica de pontos de vista, é um exemplo lúdico e filosófico para ilustrar a visão pluralista de Feyerabend também e assim, realizar intencionalmente e exemplarmente uma tradução intercultural entre os pontos de vistas destes autores. Como indicativo de uma epistemologia que inclua estas noções faço um diálogo com o último autor e pesquisador português Boaventura de Sousa Santos (2010) que sugere o procedimento de tradução enquanto resposta para a superação de uma teoria geral que historicamente sustentou filosofias homogêneas e como consequência acabou produzindo invisibilidades. Para Santos, o mundo é uma inesgotável totalidade que cabem muitas totalidades. Desta forma, todas totalidades podem ser vistas como partes e todas as partes como totalidades. O procedimento de tradução que o autor promove é a possibilidade de uma inteligibilidade recíproca que não incide em uma canibalização de uma perspectiva pelas outras. Segundo o autor (SANTOS, 2010, p. 129) “o trabalho de tradução visa criar inteligibilidade, coerência e articulação num mundo enriquecido por uma tal multiplicidade e diversidade”. Diante do momento contemporâneo, o autor (SANTOS, 2010, p. 134) finaliza que “o trabalho de tradução é o procedimento que nos resta para dar sentido ao mundo depois de ele ter perdido o sentido e a direção automática que a modernidade ocidental pretendeu conferir-lhe ao planificar a história, a sociedade e a natureza”. Esse mapeamento das perspectivas da teoria do conhecimento em torno da noção de tradução, que também pode ser complementada pela visão em paralaxe (ŽIŽEK, 2008) e a metodologia pluralista (FEYERABEND, 2011), é importante para se organizar os elementos constitutivos de uma epistemologia que vai fundamentar a educação contemporânea nos museus de arte, traduzindo a perspectiva do conhecimento – enquanto narrativa geral – para o conhecimento apreendido pelos indivíduos na relação com os objetos museais – narrativa dos visitantes.

A TRADUÇÃO E A EDUCAÇÃO NOS MUSEUS DE ARTE Por fim, o último conjunto de referências pretende discutir as narrativas institucionais construídas pelos museus e a possibilidade de articulação dos conhecimentos dos visitantes com a memória dos acervos. Inicialmente, do ponto de vista institucional, a pesquisa do museólogo brasileiro Mário Chagas (2015) ajuda a entender a relação dos museus com a ideologia a partir de suas narrativas. Aqui, considero o museu na relação com a sociedade, como instituição que representa vozes que em alguns contextos, contribuem para a manutenção do pensamento he-

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gemônico e em outros, abrem-se para novas perspectivas. Chagas considera o museu como arena, espaço de conflito em um campo de tradição e contradição. Para ele (2015, p. 31) “toda instituição museal apresenta um determinado discurso sobre a realidade. Este discurso, como é natural, não é natural e compõe-se de som e de silêncio, de cheio e de vazio, de presença e de ausência, de lembrança e de esquecimento”. Assim, o museu apresentado pelo museólogo não é um espaço neutro e apolítico. Segundo o autor (2015, p. 32), apesar dos museus estarem estruturados a partir de bases positivistas que dão ênfase na celebração da memória dos vitoriosos selecionados pela tradição, eles também são espaços contraditórios e dialéticos. A possibilidade de uma instituição museal se utilizar de diversos discursos já é por si só uma possibilidade de tradução, enquanto escolha intencional narrativa. O museólogo (2015, p. 33) então destaca que há duas condições para as instituições museológicas, colocando-as a partir de serem um lugar de memória e de poder. Desta forma, eles podem ser tanto, afirmativos da memória do poder, quanto interessados em democratizar o poder da memória. A narrativa do museu é considerada a partir de uma construção de uma memória na dimensão que se relaciona entre os seres, e entre os seres e as coisas. A memória que a instituição museal está olhando neste caso, é um olhar contingente e determinado, que apresenta uma visão possível sobre um fato, acontecimento, personagem ou processo histórico. Nesse sentido, para Chagas (2015, p. 37) “o que se articula nos museus não é a verdade pronta e acabada, e sim uma leitura possível e historicamente condicionada”, portanto, é sempre possível uma nova leitura e a tradução também se faz presente neste contexto das verdades apresentadas nos espaços expositivos. Da mesma forma, o educador brasileiro Paulo Freire (2015, p. 28), considera a construção de conhecimento a partir de uma curiosidade do indivíduo no mundo e que demanda uma busca constante, implica invenção e reinvenção e “reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo que se reconhece conhecendo”. O autor apresenta uma comparação entre a apreensão do conhecimento na educação com a sistematização de um saber no âmbito científico, porque ambos passam por uma problematização motivadora. O ato de conhecer, segundo Freire (2015, p. 68) não é feito de forma isolada entre sujeito que conhece e objeto do conhecimento, porque não há ser humano isolado. Neste sentido, a filosofia de Freire indica que o mundo dos seres humanos é um mundo de comunicação. Para o autor (2015, p. 84), “todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através dos signos linguísticos”.


Assim, o pensamento pode ser entendido como dupla função que é comunicativa e cognoscitiva. A fundamentação da educação segundo Freire (2015, p. 91), a considera enquanto produção de conhecimento e de comunicação centralizada no diálogo na “relação pensamento-linguagem-contexto ou realidade”. Agora, o último objeto que precisa ser incluído nesta discussão é a obra de arte e suas especificidades. Segundo o filósofo francês Jacques Rancière (2012, p. 19), tanto no cenário das artes como no do ensino, há sempre entre os participantes, uma terceira coisa que é distante de ambos e que eles podem recorrer para comprovar juntos o que viram. Em uma relação com o objeto do conhecimento não existe abismo entre os indivíduos, as inteligências dispostas são iguais. Para Rancière (2012, p. 14), o ser humano é um animal humano que aprende diversas coisas, da mesma maneira que aprendeu a língua materna e aprendeu a se aventurar na floresta de signos para, “assumir um lugar entre os seres humanos: observando e comparando uma coisa com outra, um signo com um fato, um signo com outro signo”. Desta forma, o fundamento de toda aprendizagem se dá a partir de um trabalho poético de tradução.

prática plural da Educação Museal. Como procedimento linguístico, a tradução é transcriação e se apropria da tradição a ponto de gerar uma leitura nova, autônoma. O educador museal neste exemplo é tornado enquanto protagonista da construção de conhecimento com os visitantes dos museus. Já em relação à reflexão da teoria do conhecimento, o fundamento da tradução está na capacidade de se articular diferentes pontos de vistas epistemológicos, através da metodologia pluralista (FEYERABEND, 2011), da visão em paralaxe (ŽIŽEK, 2008) ou do procedimento de tradução (SANTOS, 2010). Estas perspectivas restauram a possibilidade da construção de um conhecimento rigoroso que não exclui a diversidade. Retomando a pergunta-problema da pesquisa “como organizar conceitualmente uma Educação Museal contemporânea preocupada com a diversidade?”, proponho através da reflexão deste trabalho que a Educação Museal fundamentada na noção de tradução possibilita a construção de conhecimentos que articulam linguagem e epistemologia e apontam para um processo emancipatório social na relação entre museus de arte e visitantes.

REFERÊNCIAS CHAGAS, Mario de Souza. Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mário de Andrade; 2a ed. rev. e atual., Chapecó, SC: Argos, 2015. 127p. FEYERABEND, Paul K. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 2a ed. 344p. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?; Tradução Rosiska Darcy de Oliveira – 17a ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2015. 127p. IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus. Caderno da Política Nacional de Educação Museal – PNEM. Brasília, DF: 2018. Disponível em <https://www.museus.gov.br/wp-content/ uploads/2018/06/Caderno-da-PNEM.pdf>. Acesso em 18 dez. 2018. 132p. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 13a ed. São Paulo: Perspectiva, 2017. 323p. LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: Tradução e Melancolia – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. 257p. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado; tradução Ivone C. Benedetti – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. 125p.

Para o autor (RANCIÈRE, 2012, p. 20), “assim como num museu, numa escola ou numa rua, sempre há indivíduos a traçaram seu próprio caminho na floresta das coisas, dos fatos e dos signos que estão diante deles ou os cercam”. Rancière (2012, p. 25) também relaciona os artistas como os pesquisadores, considerando que ambos constroem uma manifestação que quando posteriormente é exposta, torna-se incerta em um idioma novo que não pode ser antecipado. E é com este tom de incerteza que encaminho o trabalho para sua conclusão.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política; 3a edição. São Paulo: Corteza, 2010. 471p. ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe. Tradução Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2008. 502p.

CONCLUSÃO

Considerar o museu de arte enquanto espaço de produção de conhecimento passa por diversas reflexões. A primeira delas, está na consideração de que o campo de atuação da Educação Museal está em processo de consolidação (IBRAM, 2018). No momento contemporâneo, existem diversas perspectivas em jogo e isso não significa que este trabalho pretende de forma pedante, dizer qual será a perspectiva final da consolidação. O objetivo deste trabalho, dentro deste contexto, é realizar uma reflexão em torno do procedimento de tradução como possibilidade de incluir a diversidade, através de uma articulação de linguagem, educação e epistemologia. Em relação às demais perspectivas que não foram explicitadas, justamente por considerar a tradução enquanto método pluralista, reconheço a possibilidade de se manter aberta a dimensão da Educação Museal. Portanto, ressignificar o conceito de tradução é restaurá-lo como fundamento para uma

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A l exa n d ra d e L i ma Cava l c a nte Historiadora do Patrimônio Cultural. E-mail: alexandracti@gmail.com

Resumo: Este artigo trata da experiência do Escritório Técnico do Iphan em Olinda na construção de uma Rede de Parceiros com instituições públicas e privadas do município para sua consolidação enquanto Casa do Patrimônio. A busca por um processo ativo de conhecimento, de ampliação de diálogo e valorização da herança cultural olindense contou com o planejamento e a execução de ações educativas no que tange temas de interesse coletivo relacionados às memórias e identidades (individuais e da coletividade) e a interface entre o órgão e a população – fortalecendo, assim, a política de proteção e fomento do Patrimônio Cultural local. A vivência fez parte do programa do Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural, operado pelo Iphan.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Casa do Patrimônio; Iphan; Rede de Parceiros.

INTRODUÇÃO O Escritório Técnico do Iphan em Olinda vem atuando na sua consolidação enquanto Casa do Patrimônio desde 2014, quando deu início a uma série de encontros e debates com segmentos sociais das esferas públicas e privadas que atuam nas áreas de arte, cultura, memória e patrimônio na cidade – seguindo orientações da Coordenação de Educação Patrimonial do Iphan a respeito da construção de sua Rede de Parceiros1. As Casas do Patrimônio atuam no planejamento e execução de ações educativas no que tange temas de interesse coletivo relacionado às memórias e identidades (individuais e da coletividade) e na interface entre o órgão e a população – fortalecendo, assim, sua política de proteção e incentivo do Patrimônio Cultural e de busca por um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização da nossa herança cultural. Como forma de enfrentar dificuldades orçamentárias e de pessoal a implementação da Rede de Parceiros nas Casas do Patrimônio amplia diálogos, troca experiências, permeia as esferas públicas e privadas, forma multiplicadores, propõe um desenvolvimento sustentável, experimenta a transversalidade, a diversidade e a interdisciplinaridade e incorpora formas mais poderosas de comunicação. Considerando, ainda, que as ações educativas devem (i) provocar um maior envolvimento da população, (ii) estimular a continuidade e aprofundamento das ações, (iii) buscar contemplar um público cada vez mais abrangente, (iv) propor abordagens diferentes para públicos diferentes e (v) fortalecer-se através da articulação com instituições locais, a consolidação

1 Apesar de já desenvolver atividades com parceiros desde 2012, quando, por exemplo, abrigou exposição com o CEI, é em 2014 que o Escritório Técnico estabelece uma agenda formal de encontros, seguindo metodologia da Ceduc, que vão resultar na minuta do Acordo de Cooperação Técnica aqui apresentada.

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da Rede de Parceiros é hoje um dos principais objetivos da Casa e onde ela deposita importante parte de seus esforços. A partir da Oficina de Implementação da Casa do Patrimônio, da elaboração do Plano de Trabalho e, posteriormente, da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre seus parceiros, o ETO tem executado ações estruturadores para as políticas públicas patrimoniais a partir de diálogos entre gestão pública e sociedade civil e de apoio mútuos: debates, exposições, oficinas, cineclube e projetos criativos, entre outros – além de reuniões sistemáticas e ações virtuais para a divulgação das atividades desenvolvidas. A Rede de Parceiros vêm movimentando continuamente a Casa, fortalecendo sua atuação junto à comunidade olindense e garantindo a construção coletiva de um plano integrado de preservação e de valorização do patrimônio cultural local através de diretrizes de ações educativas – ações que dispõem de várias metodologias para atingir seus propósitos e públicos diversos (BIONDO, 2016). “Este instrumento celebraria então cooperação mútua entre Iphan e parceiros, ou seja, entidades da administração pública e organizações da sociedade civil com interesses e objetivos em comum, sem previsão de repasse de recursos financeiros” (BIONDO, 2016, p. 90). Por conta da sua abrangência, da grande repercussão e do envolvimento de diversos agentes e cidades do Estado, a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco vem se consolidando enquanto umas das ações mais relevantes para a Casa do Patrimônio de Olinda a partir da criação da Rede de Parceiros. Além de ser uma forte frente de desempenho de Educação Patrimonial, pilar estrutural de orientação e de atuação da Casa, enquanto espaço de “agência educativa, como veículos de participação da coletividade e como área de convergência de esforços da sociedade civil e dos governos” (CHAGAS, 2006, p.98).

Foto: Acevo -Secretária de Cultura de Pernambuco. www.cultura.pe.gov.br/

SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO A EXPERIÊNCIA DA CASA DE PATRIMÔNIO DE OLINDA


A Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco é uma ação idealizada e coordenada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE –, através da Diretoria de Preservação Cultural, desde 2008, a partir de uma demanda da Comissão Setorial de Patrimônio, que apontou, em suas diretrizes prioritárias, a importância da implementação de canais de cogestão. O evento acontece uma vez por ano, no mês de agosto, quando se celebra o Dia Nacional do Patrimônio Histórico. A data é uma homenagem ao advogado, jornalista e escritor mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898 | 1969), que comandou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan – da sua criação em 1937 até 1967. Tem como objetivo principal potencializar parcerias com outras instituições voltadas à preservação cultural, consolidando ações conjuntas com os municípios das 12 Regiões de Desenvolvimento do Estado no compartilhamento de informações técnicas, abrindo o debate sobre projetos de preservação cultural em andamento e incrementando o número de alunos da Rede Estadual a participarem de educação patrimonial (CULTURA.PE - Portal da Cultura Pernambucana). Em suas nove edições, o evento vem registrando um número crescente de participantes e palestrantes, parceiros e cidades envolvidas nas atividades. Além do aspecto comemorativo, as atividades debatem os caminhos, novas diretrizes e desafios das políticas preservacionistas ao longo de sua história e apresenta projetos bem-sucedidos em prática. Riquíssimas mesas redondas, encontros, exposições, lançamento de livros, ações educativas, celebrações e seminários, foram resultados das parcerias ampliadas através da realização do I Encontro Patrimônios em Diálogo na Academia na UFPE e de ações educativas na Casa do Patrimônio do Iphan, em Recife e Igarassu. Com foco na Educação Patrimonial e na tomada de atitudes por parte do Governo e da sociedade, a Semana cumpre um papel de mobilização em torno da temática “Participação Social na Preservação do Patrimônio”. As ações tratam “de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo” (HORTA, FARIAS, GRUNBERG, MONTEIRO, 2009, p. 04) num processo ativo e interdisciplinar de conhecimento, apropriação e valorização da herança cultural.

rizou o debate e a publicidade de ações que são desenvolvidas pelos mesmos. O Iphan vem operando nesta perspectiva de sistemas integrados de forma cada vez mais ampla. Além da Rede das Casas de Patrimônio, a Rede de Ações Educativas e a Rede do Patrimônio são outros exemplos da dinâmica adotada mais recentemente pela Instituição. Acreditamos que, desta forma, estaríamos potencializando os trabalhos em andamento, fortalecendo as relações institucionais, aproximando o IPHAN da comunidade local e avigorando os fundamentos e objetivos da Rede e da Casa:

CONCLUSÃO A Semana é a concretização de um projeto em construção progressiva e continua com parceiros. A formação da Rede resulta numa saudável quebra de hierarquia consolidada no Iphan – forma na qual vem atuando há quase 80 anos – para promover uma interação linear e horizontal entre os atores parceiros da gestão da preservação do patrimônio cultural. Essas relações horizontais podem desburocratizar as interações, permitindo um campo mais aberto e direto de troca de ideias e experiências entre os agentes e exercitando a criatividade diante da resolução de problemas e limitações (como a falta de recursos financeiros e de equipe). Isso significa aceitar que o Estado não está numa posição elevada e dominante quando se trata do campo de atuação das políticas públicas patrimoniais. Ao contrário, é aceitar que a participação social neste processo dinamiza-o e fortalece-o, tornando-o mais democrático e cidadão e compondo-o de princípios de diálogo, de diversidade, de construção coletiva e de reconhecimento do saber local.

Foto: Acevo -Secretária de Cultura de Pernambuco. www.cultura.pe.gov.br/

DESENVOLVIMENTO

Envolver a comunidade (alunos, moradores, turistas, brincantes...) é uma estratégia de preservação do patrimônio cultural e de aprendizado da nossa memória, despertando o interesse em conhecer a identidade local através das experiências que estão em andamento na cidade. Ou seja, as ações propostas em Olinda para a Semana apresentam (visibilizam) atividades e projetos que já acontecem e são desenvolvidos pelos parceiros da Casa do Patrimônio. O estabelecimento das Redes de Parceiros pretende “otimizar a atuação das Casas do Patrimônio e contribuir para o maior envolvimento da sociedade civil nas práticas institucionais” – assim como orientado estrategicamente na Carta Nova Olinda (BIONDO, 2016). Assim, o planejamento das atividades foi construído a partir de reuniões com nossos parceiros e prio-

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REFERÊNCIAS BIONDO, Fernanda. Desafios da Educação no Campo do Patrimônio Cultural: Casas do Patrimônio e Redes de Ações Educativas. Disponível em: <https://www.academia.edu/39773727/ Desafios_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_no_ Campo_do_Patrim%C3%B4nio_Cultural_Casas_do_Patrim%C3%B4nio_e_Redes_de_A%C3%A7%C3%B5es_Educativas>., acessado em 20|04|2018 CHAGAS, Mário. Há Uma Gota De Sangue Em Cada Museu: A Ótica Museológica De Mário De Andrade. Chapecó: Argos, 2006. CULTURA.PE – Portal da Cultura Pernambucana. Semana do Patrimônio. Disponível em: http:// www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/educacao-patrimonial/semana-do-patrimonio/#sthash.4gw1yZ4N.dpuf, acessado em 03|05|2018 Educação Patrimonial: Histórias, Conceitos e Processos. Disponível em: http://portal.iphan. gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Educacao_Patrimonial.pdf, acessado em 20|04|2018, acessado em 25|04|2018.

Foto: Acevo -Secretária de Cultura de Pernambuco. www.cultura.pe.gov.br/

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; FARIAS, Priscila; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico De Educação Patrimonial. Petrópolis: Museu Imperial/IPHAN/MINC, 1999. Disponível em: <http://portal.iphan.gov. br/uploads/temp/guia_educacao_patrimonial. pdf.pdf>. Acesso em: 06|05|2018

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TRABALHANDO COM A CIENCIA

O PROCESSO EDUCACIONAL PARA E COM OS NEGROS NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

O CASO DO MUSEU AFRO BRASIL, UMA EXPERIÊNCIA A CADA VISITA L i l i a n So a re s d a Si l va

Resumo: O presente trabalho tem o obje-

Hozoouane. Por fim, os dados foram materia-

tivo de evidenciar o Museu Afro Brasil por

lizados em um artigo científico, enfocando a

uma visão atualizada, curiosa e desvelar as

Historiografia da Educação Brasileira, em seu

outras faces e nuances que podem, ou deve-

processo educacional e patrimonial na Educa-

riam, ser observadas pelos diferentes públi-

ção Básica para as futuras gerações. Com isso,

cos e expectadores, como uma possibilidade

o processo metodológico basear-se-á em re-

de processo de ensino aprendizagem para

ferências bibliográficas, da pesquisa qualita-

a Educação Básica. Tal análise foi realizada

tiva e em fontes secundárias, resultando um

através do trabalho de campo, de pesquisa

panorama da educação no Brasil, ministrada

qualitativa - entrevistas semiestruturadas,

e ofertada para os povos indígenas e para a

visitações - em diferentes épocas e exposi-

população negra africana e brasileira.

ções distintas -, durante a elaboração do trabalho de conclusão do curso em Gestão em

Palavras-chave: Educação

Turismo. O suporte científico e metodológico

Educação Básica (Brasil). Educação Patrimo-

pautou-se na cultura negra em suas diversas

nial. Museu Afro Brasil.

vertentes e nos espaços de difusão do conhecimento, da cultura e religião negra na cidade de São Paulo, como o Museu Afro Brasil e o Centro de Cultura Afro-Brasileira Asé Ylê do

(Historiografia).

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Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Pós-Graduanda em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA e Turismóloga com formação em Gestão de Turismo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Especialização Técnica e/ou Profissionalizante em Guia de Turismo na Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN/SP). Graduada em Pedagogia com licenciatura plena em Gestão Escolar, Séries Iniciais do Ensino Fundamental I e Educação Infantil pela Universidade do Grande ABC (UNIABC). Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I (SME/SP). E-mail: liliansoares.sp@gmail.com


INTRODUÇÃO Inicialmente, há que se pautar no conceito primordial deste trabalho que é a Educação e toda sua história que vem arraigada de exclusões e preconceitos das populações negras ou mestiças adentrando os ambientes ditados como escolarizantes e escolarizadores. Primeiramente, tem-se a História da Educação e o seu amplo contexto praticado desde a colonização de exploração portuguesa no continente brasileiro, seguida da Educação Jesuíta ministrada para os indígenas e a elite branca. Em continuidade, os negros e as negras são incluídos na Historiografia brasileira e no ensino destinado a Educação para o Ofício e, ainda têm-se as mulheres a margem deste processo educacional. De tal modo, a metodologia de pesquisa foi pautada em referências bibliográficas, da pesquisa qualitativa, de entrevista semiestruturada e em fontes bibliográficas de pesquisas online. Contudo, diante disso têm-se criado um panorama, que ainda requer muitas pesquisas e pontos a serem debatidos e discutidos na Academia, nas instituições de Educação Básica e no Ensino Superior e, em todos os ambientes que se desenvolvem e/ou praticam o processo de ensino aprendizagem dos estudantes e da população negra.

HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO

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A História da Educação como campo historiográfico particular, muitas vezes colocado ao lado da História Política ou, de forma ainda mais problemática, da História Cultural. O que, na verdade, transparece em parte significativa dessa produção é a educação como um tema/objeto de investigação, de vital importância para a compreensão da formação cultural de uma sociedade. (FONSECA, 2008, p. 53).

A História da Educação é a ciência ou método para conceituar o processo de desenvolvimento e evolução de uma sociedade, isso significa que para se compreender como é advinda a constituição de uma nação há que se investigar e observar como se processou a sua colonização, seu povoamento, sua perpetuação, sua cultura e assim sucessivamente. Segmentos estes que paralelamente, também envolvem e estão intrinsecamente interligados a educação e ao processo formativo do indivíduo e da comunidade no qual está inserido. Haja vista que, para dominar ou colonizar uma população tem-se que traçar estratégias e estudos de como se inserir neste contexto adverso de sua realidade e impor sua língua, seus hábitos e costumes, esse é um exemplo do que ocorreu com a colonização de exploração portuguesa no continente brasileiro. Neste momento, a Historiografia da Educação pode ser inserida, por se tratar de [….] práticas docentes, processos de escolarização, práticas educativas e ideias pedagógicas não podem ser pensados em si, nem somente em sua relação com o que podemos chamar de universo escolar, como uma instância

autônoma (que na verdade não é). Estão impregnados de pluralidades de aspectos presentes nas relações estabelecidas cotidianamente entre grupos e indivíduos, o que obriga ao historiador considerar que, quando se fala em representações e em apropriações, essas noções só podem ser compreendidas neste movimento confluente. (FONSECA, 2008, p. 63). Tais ações e práticas empregadas pelos jesuítas continham representações e apropriações da cultura autóctone para aproximação e “junção” de singularidades tão distintas. Junção entre aspas, porque essa não foi uma união de culturas, mas a imposição de uma cultura e educação dita superior sobre uma entendida como inferior. Segundo Veiga (2007, p. 52), “[...] a socialização neste período se caracterizou pelo estranhamento entre grupos étnicos com costumes e hábitos diferentes e que passavam a conviver de forma interdependente. Defrontaram-se cores, linguagens, crenças, rituais, culinárias, vestimentas, técnicas de trabalho etc. – e desse embate emergiram preconceitos que determinaram por sua vez, diferentes estratégias de poder e dominação, mas também de resistências”. Além dos índios, inferior também era o modo como os escravizados africanos eram vistos pela Corte Portuguesa como pessoas sem alma e sem história, por isso serviam apenas para o trabalho braçal, as atividades domésticas, ao cuidado e a amamentação dos nascituros. Logo, os negros não careciam de educação ou estudos para execução das tarefas e ações que lhe eram cabíveis e, com isso o processo de ensino aprendizagem apresentado nos textos de História da Educação conceituam o negro como um indivíduo excluído e afastado da educação formal nas escolas jesuíticas ou outros modelos tradicionais a época da colonização de exploração portuguesa. Os negros eram interessantes para a elite portuguesa como mão de obra barata e escravocrata, mas não como indivíduos pensantes e conscientes que poderiam se rebelar facilmente. Prova disso, é encontrado no texto de Fonseca (2008, p. 68), no qual afirma: […] na segunda metade do século XVIII – é necessárias ampliar os horizontes para outras dimensões desse processo, que não incluem, necessariamente, a chamada escolarização formal. Trata-se de considerar processos educativos mais amplos que, realizados intencionalmente ou não, implicavam no estabelecimento de relações nas quais alguma forma de saber circulava e era apropriada. Este processo ocorria, em geral, mas não exclusivamente, entre pessoas de grupos sociais subalternos, no amplo espectro que incluía os brancos livres, os indígenas, os negros livres e escravos e a população mestiça. Essa população estava quase sempre afastada da escola, ou pelas restrições impostas pelas condições materiais ou pelo preconceito. Não obstante a exclusão do espaço escolar, uma parcela dessa população envolveu-se em alguma forma de pro-


cesso educativo e de muitas maneiras soube dele se beneficiar. (FONSECA, 2008, p. 68).

Os espaços escolares poderiam ser realizados em vários ambientes, onde se processava a transmissão de conhecimentos, saberes ou processos educativos, geralmente voltados para a aprendizagem de uma profissão e suas técnicas, como se cita no texto, de oficiais mecânicos, artesãos e entre outros. Destaca-se que “já são também conhecidos casos de escravos que, tendo aprendido a ler e escrever a fim de se tornarem mais rentáveis para seus senhores chegaram a trabalhar nos órgãos da administração colonial e acabaram por utilizar esses saberes como instrumento de negociação de benefícios pessoais, inclusive a sua própria liberdade”. (FONSECA, 2008, p.70). Isso significa a inserção parcial e restrita da população negra a aquisição de conhecimentos e saberes, que a priori, não seriam dados e ministrados com o intuito de beneficiar tal indivíduo, mas que no decorrer de sua prática e atuação profissional constatou a possibilidade de beneficiamento para sua vida e de sua libertação da condição de escravizado. Tal fato é evidente quando: As línguas africanas e seus dialetos, falados pelos escravos, foram excluídos de qualquer veiculação sistematizada. Entre outras razões, devido à separação dos grupos étnicos nos locais de trabalho, o que contribuiu para a dispersão das linguagens e das referências étnicas identitárias. O governo colonial também reprimiu com rigor as manifestações culturais africanas – cantos, danças, rezas e rituais. Isso não significa, no entanto, ausência de transgressões. Os escravos mantiveram e mesclaram suas diferentes referências culturais no espaço dos quilombos e de eventos ritualísticos ou festivos. Como somente alguns poucos jesuítas e traficantes de escravos aprenderam dialetos africanos, não restou aos escravos outra opção senão falar tupi-guarani ou português. (VEIGA, 2007, p. 58).

Isto posto, sem dúvida é neste ponto que surge a ideia de que também recebiam indiretamente um modelo informal de ensino – não se tem registro de tais práticas ou processos educativos –, tal fato é explicitado no texto de Veiga (2007, p.67) quando “algumas corporações se recusavam a aceitar aprendizes negros ou pardos, outras só admitiam alforriados e outras aceitavam escravos – que podiam até tornar-se oficiais, mas sem receber o grau de mestre de ofício. Muitos desses escravos se profissionalizavam como carpinteiros, alfaiates ou ferreiros, entre outros ofícios, e vieram a constituir-se em importantes fontes de rendimento para seus senhores, além de agregar valor no caso de sua venda”. Em outras palavras, a Educação para o Ofício é inserida para a população negra e escravizada, mas com a intenção de beneficiar aos seus donos ou senhores, na aquisição de mais valia em sua profissionalização e posterior ganho financeiro. Outra modalidade de educação – além da voltada para o Ofício –, pode ser citada, como é o

caso das corporações leigas, irmandades e confrarias. Neste último, “sua função prioritária era a assistência à população pobre, o que incluía a manutenção de hospitais e o acolhimento de órfãos pobres” (VEIGA,2007,p.68), posteriormente tem-se as irmandades: O objetivo da irmandade não era educar as crianças, mas acolhê-las e encaminhar as que tinham entre zero e três anos de idade para amas de leite pagas que amamentavam em domicílio ou no próprio hospital. Se ninguém se responsabilizasse por elas até os 3 anos, as crianças voltavam para a casa de assistência e lá permaneciam até os 7 anos, quando eram entregues às câmaras municipais, que se desincumbiam delas – numa sociedade que admitia o trabalho escravo era fácil achar quem aceitasse os “expostos”. O termo “exposto” ou criança exposta se relacionava com um mecanismo que permitia às mães abandonarem seus bebês: a “roda dos expostos” [….] As crianças das rodas permaneciam nos hospitais ou nas casas de expostos em condições extremamente precárias – os índices de mortalidade infantil eram altíssimos. (VEIGA, 2007, p. 69).

Todavia, a educação também não era propiciada nas casas ou hospitais e, as crianças mais fortes que sobreviviam as precariedades da situação teriam seu destino traçado a tornarem-se escravizadas na sociedade que, inicialmente a rejeitou quando nascituro e futuramente a acolhe como mão de obra escrava. Por conseguinte, em relação aos homens negros escravizados ou livres ofereciam a Educação para o Ofício, já para as mulheres “não há estudos sobre iniciativas sistemáticas de educação para africanas e mestiças escravizadas, mas é possível que tenha ocorrido. As “negras do tabuleiro” escravas vendiam comida e bebida nos núcleos urbanos – sabiam fazer contas para devolver o troco a quem comprasse seus quitutes. (VEIGA, 2007, p. 72). Como é possível realizar atividades comerciais e de venda sem um processo e/ou prática educativa que as tenha ensinado? Como sabiam contar e calcular o troco? Estes e outros questionamentos e hipóteses podem ser levantados, mas dificilmente serão esclarecidos, haja vista, a falta de documentação e registros da escolarização da população negra da época da colônia e anos posteriores.

EDUCAÇÃO BÁSICA […] Discute-se em alguns lugares da comunidade negra que uma educação na escola pública pode representar uma desvantagem para a sobrevivência de qualquer um. Nossos pequenos são vistos frequentemente com livros (sem figuras) onde são categorizados como não-humanos. […] Os africanos não navegam ou voam livres pela América. Há uma conexão horrível entre africanos e europeus que não deve ser esquecida, negada ou minimizada. O holocausto africano é mal explorado

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e explicado em nossas escolas. Este relacionamento de branco traficante de escravos com africanos escravizados têm sido a conexão entre nós por mais de um milênio. Existem mais de 100 milhões de pessoas de ascendência africana no hemisfério ocidental, e nós encaramos problemas semelhantes. (MADHUBUTI, 1990, p. 1).

A Educação Básica compreende desde ao nascimento do indivíduo até a “saída” dos bancos escolares, destaco bancos, porque na Graduação, Pós-Graduação, Doutorados e Especialização saímos do banco e nos transportamos para cadeiras de um único braço, com professores especialistas, renomados e com produções acadêmicas e produtividade CAPES que, vão além das “Nossas Tias” e da “Prô”. Isso porque, segundo o Ministério da Educação (MEC) e seus documentos regulatórios teremos a Educação Infantil, Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) e Ensino Médio (1º ao 3º ano). Assim sendo, as diferentes modalidade de ensino e do processo de ensino aprendizagem dependerá exclusivamente dos Professores, que são a única profissão que ensina as demais profissões, em todas as áreas ou grandes áreas do conhecimento é necessário o Docente ou a Docente para proporcionar a apreensão de conceitos ou preconceitos, de histórias ou da estória, de uma cultura ou das várias culturas, do conhecimento científico e acadêmico ou da sabedoria popular e, tantos outros vieses que formará esse discente para uma formação ampla, consciente e crítica de todo o processo aprendizagem, repleto de signos, significados e significantes (Pierre Bourdieu)1. As concepções de humanidade não são universais, mas sim especificadas cultural e historicamente – embora haja generalizações que se aplicam em diferentes culturas. No entanto, na medida em que tais generalizações sobre a cognição humana são úteis para o ensino eficaz, têm sido postas em questão pelos estudos recentes em psicologia transcultural. […] Atualmente, a maioria das teorias de aprendizagem e de-

1 No século XVI, acreditava-se que os signos eram colocados sobre as coisas, e os homens eram, então, quem desvendavam os segredos dos signos. A partir do século XVII, não era possível haver signos desconhecidos, pois só haveria signo a partir da possibilidade de relação e de substituição entre dois elementos, segundo Foucault, que nos mostra que o signo se desliga do divinatio para significar no interior do conhecimento. De acordo com a forma de ligação, o signo, no século XVI, “triunfava do espaço e do tempo, pois competia ao signo reduzir e reunir. Com o classicismo, ao contrário, o signo se caracteriza por sua essencial dispersão” (FOUCAULT, 1999, p. 75). Na idade clássica, na lógica de Port-Royal, o signo tem o objetivo não de tornar o mundo próximo, mas de estendê-lo, assim como de tornar as coisas distintas em sua identidade. O signo apresenta duas ideias, uma da coisa que representa, outra da coisa representada, e sua natureza consiste em excitar a primeira pela segunda. Trata-se, como vemos, de uma teoria dual. O significante não é signo antes de manifestar a relação com aquilo que significa e deve ele representar, mas essa representação deve estar representada nele mesmo; desse modo, desdobra-se a ideia de significante pelo seu poder de representação. Já se sabia que os signos podiam ser dados pela natureza ou pelo homem. No século XVI, os signos “artificiais só deviam seu poder à sua fidelidade aos signos naturais” (FOUCAULT, 1999, p. 76). A partir do século XVIII, o signo é construção do conhecimento. Um signo de convenção deveria ser escolhido de modo a ser fácil de lembrar e constituído segundo regras definidas. (ESPÍNDOLA, 2014, p. 153).

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senvolvimento produzidas pelas pesquisas em Educações ocidentais, tendem a reproduzir e reforçar os paradigmas eurocêntricos. As conclusões são desenhadas a partir das observações de amostras de grupos brancos, da classe média e postulados como norma universal para o desenvolvimento e a aprendizagem. (MADHUBUTI, 1990, p. 7).

O desenvolvimento universal do cidadão passa inicialmente pela Família, seguido da instituição de ensino ou educação escolar, da qual, atualmente é a responsável por educar desde os seis meses (ou até antes, se não ocorrer a licença maternidade) até os dezessete anos de idade. Com isso, esse indivíduo obrigatoriamente permanecerá um tempo maior ou quase integral na escola e com a família apenas a noite ou aos finais de semana, sem uma referência ou base estrutural da sua história, da sua realidade, de suas relações afetivas e sociais e, principalmente sem o vínculo. Vinculo este fundamental para entender e compreender sobre a função da educação, dos conceitos e dos saberes ministrados para sua formação de cidadania plena e integral. Cidadania essa que pode ser auxiliada pela Educação Patrimonial, pelos trabalhos interdisciplinares, pela visitas técnicas, excursões e passeios, sejam elas para o entorno escolar ou espaços construídos e destinados para difusão de conhecimento como Museus, Centros Educativos, ONG’s e entre outros. Para finalizar, essa educação Afrocentrada é base para um aprendizado significativo, educativo, construtivo e responsável. Responsável porque, pensará na criança ou no educando, na sua trajetória de vida e de seus antepassados, no seu percurso escolar e de sua família, nas dificuldades e potencialidades do processo ensino aprendizagem e, dentre outras vertentes que facilitam a inserção e a valorização da população na escola e em todos os espaços do conhecimento, abarcando as múltiplas ciências, sejam elas humanas, científicas, matemáticas, químicas ou físicas.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL A palavra Patrimônio precede a educação ou a educação precede a Patrimônio, neste caso a ordem dos fatores pode vir a alterar os produtos e os resultados obtidos ou materializados. Para tal, é essencial conceituar o que vem a ser Patrimônio, como ele se constitui na sociedade brasileira e em seguida, finalizar com a Educação Patrimonial propriamente dita. Entendia-se que o patrimônio cultural brasileiro não devia se restringir aos grandes monumentos, aos testemunhos da história “oficial”, em que sobretudo as elites se reconhecem, mas devia incluir também manifestações culturais representativas para os outros grupos que compõem a sociedade brasileira – os índios, os negros, os imigrantes, as classes populares em geral. Quando se fala em “referências culturais”, se pressupõem sujeitos para os quais essas referências façam sentido (referências para quem?). Essa perspectiva veio deslocar

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o foco dos bens – que em geral se impõem por sua monumentalidade, por sua riqueza, por seu “peso” material e simbólico – para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores. Ou seja, para o fato de que os bens culturais não valem por si mesmos, não têm um valor intrínseco. O valor lhes é sempre atribuído por sujeitos particulares e em função de determinados critérios e interesses historicamente mente condicionados. Levada às últimas consequências, essa perspectiva afirma a relatividade de qualquer processo de atribuição de valor – seja valor histórico, artístico, nacional, etc. – a bens, e põe em questão os critérios até então adotados para a constituição de “patrimônios culturais”, legitimados por disciplinas como a história, a história da arte, a arqueologia, a etnografia, etc. (INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERENCIAS CULTURAIS, 2000, p. 11).

O conceito de Patrimônio entende-se como material (físico) ou imaterial ou simbólico (não palpável). Uma maneira simples e prática seria o material como algo físico e que se pode pegar, sentir e tatear, já o imaterial é relacionado ao visual, cultural e ancestral, por meio do qual os grupos ou indivíduos perpetuam a sua cultura, seu modo de vida, sua alimentação, suas danças ou expressões corporais, suas lutas e formas de resistência. Tal que, a diferença primordial entre Patrimônio Imaterial e o Patrimônio Material seria os “bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes; já os materiais são os palpáveis, como o arqueológico e o paisagístico” (BRASIL, 23/12/2017). Assim sendo, segundo a Secretaria de Cultura de Alagoas (2018) os Bens Móveis serão as coleções arqueológicas, acervos museológicos documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos, e os Bens Imóveis são os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) têm-se como Patrimônio Cultural Imaterial: O Patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível compreende as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes. […] Finalmente, em 2003, após uma série de esforços, que incluíram estudos técnicos e discussões internacionais com especialistas, juristas e membros dos governos, a UNESCO adotou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Essa convenção regula o tema do patrimônio cultural imaterial e, assim, complementa a Convenção do Patrimônio Mundial, de 1972, que cuida dos bens tangíveis, de modo a contemplar toda a herança cultural da humanidade. (UNESCO, 2018).

Baseando-se neste conceito têm-se os “elementos inscritos nas listas do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO”, iniciados em 2008 até 2014 com O Samba de Roda do Recôncavo Baiano e as Expressões orais e gráficas dos Wajapis (2008), Museu Vivo do Fandango e Yaokwa – ritual do povo Enawene Nawe para a manutenção da ordem social e cósmica – (2011), Frevo – arte do espetáculo do carnaval de Recife (2012), Círio de Nazaré: procissão da imagem de Nossa Senhora de Nazaré na cidade de Belém – Estado do Pará (2013) e Roda de Capoeira (2014). Outro estado com bens registrados é Alagoas com o Camarão Alagoano – Bar das Ostras, Doce de Caju de Ipioca, Bico e renda de Singeleza, Filé e Sururu (CULTURA, 2018). Do ponto de vista imaterial para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) teremos: Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). (IPHAN, 2018).

Para fins legais e jurídicos, a Presidência da República em seu DECRETO – LEI nº25 de 30 de Novembro de 1937, organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, do qual estabelece em seu Capítulo I – Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no Art.: Art. 1º. Constituem o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. §1. Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupamento num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei. (BRASIL, 1937).

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Logo, […] deve fundamentar-se nas categorias de bens culturais destacadas pelo Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial (GTPI), criado pelo Ministério da Cultura, que são: 1. Saberes e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; 2. Celebrações, festas e folguedos que marcam espiritualmente a vivência do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e da vida cotidiana;


3. Linguagens musicais, iconográficas e performáticas;

valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico.

4. Espaços em que se produzem as práticas culturais. (INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS, 2000, p. 23).

Partindo da nomenclatura técnica da UNESCO (2018), que conceitua “O patrimônio cultural é de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas”, estabeleceu-se no ano de 1972, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, que “reconhece que alguns lugares na Terra são de valor universal excepcional, e devem fazer parte do patrimônio comum da humanidade” (UNESCO, 2018). Com isso, “cerca de 190 países já a ratificaram e se tornaram parte de uma comunidade internacional unida pela missão comum de identificar e salvaguardar os sítios do Patrimônio Cultural e Natural mais significativos do mundo (idem). Atualmente, existem “1007 sítios (779 culturais, 197 naturais e 31 mistos) em 161 Estados-partes” (UNESCO, 2018), sendo que, no Brasil encontram-se 14 (catorze) sítios do Patrimônio Cultural e 7 (sete) sítios do Patrimônio Natural, são eles: Patrimônio Cultural Mundial: é composto por monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham um excepcional e universal

LEGADO DO EUROCENTRISMO

O título de “Pai da Medicina” atribuído ao grego Hipócrates

MUSEU AFRO BRASIL Inaugurado em 23 de outubro de 2004, no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, dentro do Parque do Ibirapuera, por iniciativa de Emanoel Araújo (atual curador, artista plástico baiano e ex-curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo). Trata-se de um museu histórico, artístico e etnológico, voltado à pesquisa, conservação e exposição de objetos relacionados ao universo cultural do negro no Brasil. (SILVA, 2016, p. 91).

Patrimônio Natural Mundial: significa as formações físicas, biológicas e geológicas excepcionais, habitats de espécies animais e vegetais ameaçadas e áreas que tenham valor científico, de conservação ou estético excepcional e universal. (UNESCO, 2018.)

Portanto, o patrimônio brasileiro deve ser conhecido, preservado e valorizado pela população, visando a manutenção desses lugares, culturas, saberes e fazeres carregados de História (passado e o presente), de Estórias (trazidas pela oralidade e observação cotidiana), de Lutas e Resistências de um povo e de uma cultura, perante o sistema capitalista, a rapidez das informações e a agilidade dos meios de comunicação e, principalmente do tempo acelerado, que não permite ou dificulta o momento da escuta, do ouvir atento, do sentar-se na beira da porta, do caminhar tranquilamente, da contação de estórias em noite de lua cheia, das brincadeiras de criança e tantos outros eventos que estão “desaparecendo” em diversas cidades brasileiras e, que precisam ser resgatadas com a cultura dos Museus, com a preservação dos espaços culturais, na transmissão das estórias e dos conhecimentos dos mais velhos, da conservação dos documentos históricos e do registro para as futuras gerações.

O projeto museológico é instalado e construído na Marquise principal do parque, da qual era utilizada e ainda é, como espaço esportivo para skate, patins e bicicletas, cumprindo uma função de destaque para a “perspectiva africana na formação do patrimônio, identidade e cultura brasileira, celebrando a Memória, História e a Arte Brasileira e a Afro Brasileira” (MUSEU AFRO BRASIL, 2018), conforme afirma na abertura do site institucional. De acordo com o Diretor Curador do Museu – Emanoel Alves de Araújo: A criação do Museu Afro Brasil se concretizou como resultado de mais de duas décadas de pesquisas e exposições exibindo como

AÇÃO

LEGADO DA HERANÇA NEGRA

MEDICINA

Cientista e clínico egípcio Imhontep, que quase três mil anos antes de Cristo praticava quase todas as técnicas básicas da Medicina. […] Recentes descobertas mostram que os cientistas egípcios tiveram a capacidade de promover cirurgias complexas como as cerebrais, de catarata ou o engessamento de membros com ossos quebrados, conhecer substâncias cicatrizantes e anestésicos.

ASTRONOMIA

ENGENHARIA

CONSTRUÇÃO

Pitágoras e outros

MATEMÁTICA

Português

NAVEGAÇÃO

As contribuições dos antigos africanos da nação Dogon, situados na região do antigo Mali. Eles já tinham conhecimento da existência do “pequenino satélite da estrela Sirius, o Sirius B, invisível a olho nu. Denominavam-no Potolo, e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita em torno de Sírius. Reproduziam a sua trajetória em desenhos que conferem precisamente com a órbita observada pela astronomia moderna. […] a tecnologia usada pelo povo Haya (povo de fala banto, habitante de uma região da Tanzânia perto do Lago Vitória) entre 1500-2000 anos atrás, para produzirem aço em fornos que atingiam temperaturas mais altas que os fornos europeus fossem capazes (200 ºC a 400 ºC de diferença) até o século XIX. Outra obra de engenharia bastante impressionante pelos seus recursos tecnológicos são as ruínas da muralha do complexo urbano do Grande Zimbábue. Nessa monumental construção as pedras são colocadas uma em cima da outra, sem cimento, de forma semelhante às construções dos sítios históricos do Peru (Macchu Picchu e Cuzco). A construção das pirâmides do antigo Egito também é um exemplo da grande contribuição dada pelos povos africanos à engenharia e à arquitetura. A matemática envolvida nessas construções é realmente impressionante. O uso de coordenadas retangulares para desenhar curvas e a precisão de até 0,07º aplicada no traçado de ângulos demonstra o avançado estágio da matemática nesse país africano. No Egito, a tecnologia naval já era suficientemente desenvolvida a ponto de terem realizado a circunavegação da África cerca de 2000 anos antes do suposto pioneirismo dos Portugueses.

Tabela 1 - Pioneirismos africanos versus o “Pioneirismo Europeu FONTE: Cunha, 2018.

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negro quem negro foi e quem negro é no Brasil, de séculos passados aos dias atuais. Esta foi, assim, mais uma etapa em um processo em curso.

vezes em seus livros didáticos, referências e históricas reproduzidas em sala de aula retrata o negro como escravo, preso ao Pelourinho e com marcas no corpo das chibatadas recebidas, em alguns casos por outros negros, que na época era os capatazes ou capitães do mato, responsáveis por açoitar os demais que ousassem fugir ou não seguiam “as regras” estabelecidas pelos Senhores. Este processo não está distante, e de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e, outras legislações, deveriam ser passado e, não mais “ensinado” e reproduzido na Educação Básica, mas… a realidade não é o que está escrito na lei, mas o que se prática pelos Docentes, pela Família e pelos responsáveis com a educação e a transmissão do conhecimento e dos saberes para as futuras gerações.

Criar um Museu que possa registrar, preservar e argumentar a partir do olhar e da experiência do negro a formação da identidade brasileira foi o desafio de uma equipe de consultores, especialistas em museologia, história, antropologia, artes e educação, diante de uma coleção inicial de 1100 obras, entre pinturas, esculturas, gravuras, de artistas brasileiros e estrangeiros, além de fotografias, livros, vídeos e documentos, para delinear um fio condutor desse ambicioso projeto, já com algumas premissas definidas, mas ainda com muito a se trabalhar para torná-lo uma realidade consolidada. (ARAÚJO, 2018).

A formação educacional, profissional e didática dos professores e professoras brasileiras é pautada em uma visão eurocêntrica, hierarquicamente branca e europeia, por isso, as populações tradicionais como indígenas e negros são apagados e esquecidos da História, em diversos momentos, não destacando todos os conhecimentos, áreas e empreendimentos realizados e trazidos dos seus países de origem no continente africano.

Ainda ressalta que, Como um museu da diáspora, o Museu Afro Brasil, portanto, registra não só o que de africano ainda existe entre nós, mas o que foi aqui apreendido, caldeado e transformado pelas mãos e pela alma do negro, salvaguardando ainda o legado de nossos artistas – e foram muitos, anônimos e reconhecidos, os que nesse processo de miscigenação étnica e mestiçagem cultural contribuíram para a originalidade de nossa brasilidade. (ARAÚJO, 2018).

Por isso, torna-se um equipamento educativo, cultural e de divulgação da herança negra africana e afro-brasileira para a construção e a formação do nosso país. País esse que, muitas

De acordo Lazaro Cunha (2018), em seu texto a Contribuição dos povos africanos para o conhecimento científico e tecnológico universal, realiza “uma exposição em torno de algumas das principais conquistas científicas e tecnológicas dos africanos e afro-brasileiros e divulgaremos valiosíssima reconstituição científica da história do continente africano e da diáspora” e posteriormente, “disponibilizar algumas informações que ajudem na reflexão a respeito do papel dos povos africanos e da diáspora no contexto do desenvolvimento local (Brasil) e global da Humanidade” (CUNHA, 2018) seriam: Em continuidade, o autor destaca outros afro-

2013 Caderno de visita do acervo comercializado na recepção África Trabalho e Escravidão Sagrado e Profano Religiosidade afrobrasileira História e memória

ALTERAÇÕES E MUDANÇAS

Exposição temporária

Artes Plásticas

-brasileiros com a Engenharia Hidráulica de André Rebouças e o pai Antônio Rebouças (construção das Docas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão e, o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro); na Saúde e no tratamento psiquiátrico com o médico Juliano Moreira; a construção da Faculdade de Medicina e o Terreiro de Jesus em Salvador pelo Engenheiro Civil Teodoro Sampaio e entre outros. Já o pioneirismo do Museu Afro Brasil é por conta da proposta que, Pretende unir História, Memória, Cultura e Contemporaneidade, entrelaçando essas vertentes num só discurso, para narrar uma heroica saga africana, desde antes da trágica epopeia da escravidão até os nossos dias, incluindo todas as contribuições possíveis, os legados, participações, revoltas, gritos e sussurros que tiveram lugar no Brasil e no circuito das sociedades afro atlânticas. (ARAÚJO, 2018). Desse modo, articula-se com pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, documentos e peças etnológicas datadas do século XV ao atual, distribuídas nos espaços e/ou núcleos de Exposições de longa duração e temporárias.

Diante de tanto acervo, memórias e documentos o museu é uma surpresa a cada visitação, seja ela mediada ou não, seja ela orientada ou guiada pela emoção, seja ela educativa ou de lazer, seja ela para o adulto ou para aquele que não sabe ler, não importa o indivíduo e suas especificidades ou peculiaridades, este Museu é acessível a todas e todos, em diferentes momentos e atividades temporárias, permanentes ou na Biblioteca. Assim sendo, o projeto museológico atualizou com a contemporaneidade e as novas tecnologias, facilitando aos pesquisadores e estudiosos

2018 Caderno de visita do acervo do Museu Afro Brasil online: Uma viagem ao Museu Afro Brasil ----------------------Festas. O Sagrado e o Profano Arte e religiosidade afrobrasileira ---------A mão afro-brasileira nas Artes Visuais Arte Africana

Exposição Temporária

Roteiro de visitação temática online

Auditório Rute Souza 6.800 Consulta local Acessibilidade Singular Plural Formação de Professores ------------------

Acervo da Biblioteca Carolina Maria de Jesus

Programas e/ou projetos especiais

-------------------

10.000 Consulta local e online Acessibilidade Singular Plural Formação de Professores Formação e atendimento a Organizações Sociais A journey through the African diáspora (parceria com a Prince George’s African American Museum & Cultural Center (Maryland)

Tabela 2 - Permanências e mudanças no Museu Afro Brasil FONTE: Silva, 2013 e Museu Afro Brasil, 2018.

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acessar o acervo, com a disponibilização de alguns materiais, obras raras e o catálogo online. Museu Afro Brasil é um museu contemporâneo, em que o negro de hoje pode se reconhecer. Um museu que integra os anseios do negro jovem e pobre ao seu programa museológico, contribuindo para sua formação educacional e artística, mas também para a formação intelectual e moral de negros e brancos, cidadãos brasileiros, em benefício das gerações que virão. (ARAÚJO, 2018).

A afirmação reitera a entrevista realizada em 2013 com a Coordenadora do Núcleo de Educação – Neide Aparecida de Almeida, quando afirma que “os grupos que atendemos têm a oportunidade de repensar a história do Brasil a partir do que veem e ouvem por meio da mediação” (SILVA, 2016, p. 92), ocorrendo com os educadores, as atividades educativa, as visitas mediadas e temáticas, programa de acessibilidade plural, encontro e formação de professores, e contação de histórias “Aos pés do Baobá”. Conclui-se que, passados 5 anos do trabalho de pesquisa e do relato obtido no Museu Afro Brasil, a estrutura alterou com uma redução da exposição permanente e, consequentemente a expansão e o quantitativo de exposições temporárias, além das parcerias com instituição de ensino brasileiras e americanas, o catálogo online do acervo da biblioteca e, outras transformações na administração, nos processos de visitação e no acervo online.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS As considerações parciais do trabalho acadêmico têm essa nomenclatura por tratar-se de uma temática, assuntos e nuances a serem descobertas, desvendadas, estudadas pelos vários pesquisadores, professores e curiosos, haja vista que, nenhum conhecimento é estático ou concluso, que não necessite de mais informações, dados ou análises de outras áreas acadêmicas e de concentração. Isso dar-se-á pela velocidade das informações, divulgação das notícias e a amplitude de novas tecnologias que podem ser pautar os novos estudos. Dese modo, o artigo apresentou um panorama da Educação implementada e/ou ministrada para a população brasileira desde o início, do que conhecemos como História da Educação com a chegada dos portugueses, através dos Padres Jesuítas com a missão de catequizar os índios e promover a colonização de exploração do território das Américas, dito Brasil. Neste quesito, a educação tem um papel importante não só para a construção da personalidade de um infante, mas a formação de uma sociedade pensante e crítica, que com os pressupostos e valores aprendidos ou transmitidos em sua formação até os seis anos de idade serão repercutidos em sua prática como cidadão na sociedade. Tal modelo educacional, não se leciona apenas nos espaços escolares e, sim em todos os espaços informais de educação, que podem ter um peso e uma relevância muito superior na vida de um indivíduo, prova disso é quando se fala, “eu aprendi isso na vida e não na escola”,” a escola não me ensinou nada”, “para que preciso aprender isso ou aquilo, de que me servirá?” e, tantos outros questiona-

mentos e falas poderiam ser inseridos. Assim sendo, a educação e seus atores sociais têm que refletir sobre a didática, os instrumentos de ensino, as metodologias, os materiais selecionados, as falas e as atitudes para a sociedade e o modelo no qual está inserida na contemporaneidade. Conclui-se que a Educação, ainda hoje praticada, continua e perpetua a exclusão dos indivíduos negros/negras no momento em que procede com a disponibilização de cotas raciais, mas não possibilita a permanência com bolsas de estudos ou manutenção acadêmica, quando as crianças negras/negros só aparecem ou são lembradas na escola em Novembro – Dia da Consciência Negra –, ao ser inserido no mercado de trabalho com profissões subalternas ou voltado para o trabalho braçal e de força física, ao ser remunerado com salários inferiores ao branco, ao se pronunciar ditados e provérbios populares preconceituosos e estereotipados e, assim sucessivamente. Portanto, o Museu Afro Brasil e os demais espaços educativos, podem transformar e educar as novas gerações para o conhecimento da verdadeira história do Brasil, dos seus antepassados e ancestrais de origem africana e indígena.

REFERÊNCIAS BRASIL (1937). DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Getúlio Vargas e Gustavo Capanema. Rio de Janeiro, p. 1-2, nov. 1937. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025. htm>. BRASIL (23/12/2017). Conheça as diferenças entre patrimônios materiais e imateriais. Governo do Brasil. Disponível em: <http://www. brasil.gov.br/noticias/cultura/2009/10/conheca-as-diferencas-entre-patrimonios-materiais-e-imateriais>. CULTURA (2018). Lista de bens registrados. Secretaria do Estado da Cultura de Alagoas. Disponível em: <http://www.cultura.al.gov.br/politicas-e-acoes/patrimonio-cultural/principal/ textos/lista-de-bens-imateriais-registrados>. CUNHA, Lazaro. Contribuição dos povos africanos para o conhecimento científico e tecnológico universal. Disponível em: <http:// www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/ uploads/2012/11/ contribuicao-povos-africanos.pdf>. ESPÍNDOLA, Alexandra Filomena (2014). Estruturalismo: o sujeito e o signo como estrutura sem referente. Revista Científica Ciência em CursO. Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p. 149-156, jul./ dez. 2014.

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OS PROCESSOS DE MEDIAÇÃO NO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA ATRAVÉS DAS AÇÕES DO SETOR EDUCATIVO

Mi l l a Si l va d o Espí ri to S a nto

Graduanda de Museologia na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e estagiária do Setor Educativo do Museu da Inconfidência. E-mail: millasilva44@gmail.com

G u i l h e r m e V i d ma nt a s Graduando de História na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e estagiário do Setor Educativo do Museu da Inconfidência. E-mail: vidmantasguilherme@gmail.com

INTRODUÇÃO

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar um breve histórico do Museu da Inconfidência, a partir da criação de um Setor de educação dentro do museu, mostrando como suas ideias se desenvolveram e se transformaram ao longo dos anos até a atualidade. Mostra também a importância de se utilizar da mediação nos processos de valoração do museu pelos seus públicos, colocando os visitantes como agentes multiplicadores do conhecimento. E, ainda, como se utilizar dessa prática, de mediação, no ensino da arte para os mais variados públicos, como introduzir esses públicos como agentes ativos de constante interação com o

O Museu da Inconfidência está instalado na antiga Casa de Câmara e Cadeia da cidade de Ouro Preto – MG. Como apresenta o antigo diretor Rui Mourão1, em um de seus livros2, o museu em sua criação apresentava a tarefa de documentar a evolução social de Minas Gerais no ciclo do ouro, e apresentar o estilo de vida do Brasil naquele período. O museu representava o “coração da colônia” e um instrumento de disseminação da cultura regional e/ou nacional. Essa tentativa de interiorizar o país, buscando formas de procurar o Brasil fora da área litorânea, refletia na expografia do museu, concebida pelos organizadores do projeto museológico que não se atearam às formas de expressão local. Segundo Rui Mourão (2015), o museu teve seu início a partir da tentativa do ex-presidente Getúlio Vargas de se fortalecer junto à população como um possível defensor das tradições populares, promovendo o repatriamento dos restos mortais dos inconfidentes que se encontravam exilados na África. Com a chegada das urnas funerárias no Brasil, após serem expostas no Rio de Janeiro, foram

patrimônio e como tornar o ambiente do museu mais agradável e divertido através das práticas educativas. Palavras-chave: mediação – museu.

educação

1 Rui Mourão nasceu em Bambuí-MG. Romancista e ensaísta, lecionou Literatura Brasileira na Universidade de Brasília e nas Universidades de Tulane, Houston e Stanford, nos Estados Unidos. Participou dos movimentos das revistas literárias Vocação e Tendência, tendo sido diretor desta última. É membro da Academia Mineira de Letras. Foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais, chefe do Departamento Cultural da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, diretor-executivo da Fundação de Arte de Ouro Preto, coordenador do Grupo de Museus e Casas Históricas da Fundação Pró-Memória em Minas Gerais e coordenador do Programa Nacional de Museus, as duas últimas funções acumuladas com a de diretor do Museu da Inconfidência, cargo que ocupava desde 1974. (Fonte: http://www.museus. gov.br/tag/rui-mourao/) 2 MOURÃO, Rui – A Nova Realidade Do Museu – Ouro Preto MG 1994 pg. 56-70

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encaminhadas para Ouro Preto e permaneceram na sacristia da Igreja de Nossa Senhora da Conceição enquanto a Casa de Câmara e Cadeia era restaurada3. Essa tentativa de aproximação mostra uma investida na memória afetiva e simbólica que se pautava na época, que tinha como objetivo o estabelecimento de uma consciência nacional abrangente. Assim, a sua primeira expografia representou um avanço para o período, se diferenciando das demais expografias dos museus históricos

3 MOURÃO, Rui – Museu da Inconfidência Criação e Evolução – Ouro Preto MG 2015 pg. 5-6


da época, e recebeu a seguinte crítica de Luiz Jardim: “Salvo algumas exceções, os nossos museus de ordinário se apresentam com o ar desmantelado dos grandes almoxarifados, vastos armazéns de velharias indiscriminadas.” (MOURÃO, 1994 pag. 60). A expografia do museu foi feita na época por Georges Simoni e pensada de forma que se criassem conjuntos temáticos com o objetivo de criar uma linha ordenatória. Porém a sua abundância de acervos e a sua grande variedade quebravam com essa linha ordenatória. A solução inicial foi a de criação de divisórias que recortavam as salas em muitas direções, mas essa solução contrastava com a monumentalidade do edifício, e foi abandonada assim que possível. No andar térreo foi possível definir melhor as coleções. O Panteão, inaugurado então em 21 de abril de 1942, quebrava com a ideia de linearidade das salas, por causa de sua localização. O restante do acervo do museu foi constituído pouco a pouco através de doações e com o apoio do governo. Da capital da República vieram os originais dos Autos das Devassas, os quais continham as páginas da sentença condenatória de Tiradentes e também duas traves (possivelmente) de sua forca.

niu com certa linearidade. As coleções que puderam ser agrupadas tiveram o seu esquema didático mantido e os demais objetos foram inseridos nas salas. As linhas de acervos domésticos, que se pretendia manter juntos, foram se perdendo e sendo distribuídas separadamente. Ainda podemos observar na expografia atual essa linearidade e separação dos acervos, com as Salas de Mobiliário I e II e Sala dos Transportes, por exemplo: os acervos são divididos por suas tipologias e usos, porém outros objetos são inseridos nas salas, ganhando menos destaque, localizados nos cantos ou atrás das vitrines principais.

DESENVOLVIMENTO

É visível como a função de criação de uma memória nacionalista e patriótica que tinha o museu, se refletia em suas ações pedagógicas ao longo de sua concepção. Tanta imponência fazia do Museu da Inconfidência um local rígido, onde os visitantes e principalmente as crianças deveriam se portar apenas como agentes passivos, postos ali para obter o conhecimento. As ações pedagógicas do museu tinham a função de ressuscitar e reanimar o “passado acumulado” como forma de se tornar presente e valoroso.5 Segundo COSTA (1999 pag. 95), as primeiras experiências educativas do Museu da Inconfidência se deram através das caravanas escolares que vinham visitá-lo. Ouro Preto e o Museu eram vistos como uma experiência in loco de uma memória evocada e testemunho do passado. Era clara a visão dele como local de conhecimento e complemento ao que se estudavam nas salas de aula, naquele momento, o desafio era de estreitar os laços com esses grupos escolares. Para isso, se estabeleceu um uso educacional nas visitas guiadas, que estabelecia um contato dos alunos com os ditos “fatos reais”, com a sensação de ver ao vivo os elementos estudados em sala.6 Para estabelecer o estreitamento dos laços entre os grupos escolares e o museu foi criada uma circular aos professores e visitantes, que traria orientações e recomendações aos professores sobre as visitas guiadas e sobre como poderia ser proveitoso para os alunos o contato com o museu. COSTA7 cita em seu artigo o primeiro ponto colocado na circular e que até o momento (2007) se fazia presente como regra do Museu: a proibição da manipulação do acervo, como forma de preservação e conscientização de que o Museu deveria ser um local contemplativo, no qual as crianças deveriam ver e ouvir apenas.

Segundo Mourão outra grande parte do acervo veio de uma doação feita pelo arcebispo da cidade de Mariana. Dom Helvécio Gomes de Oliveira, que segundo ele, vinha recolhendo peças de paróquias do interior com a intenção da criação de um museu de arte sacra. Outra coleção de objetos e documentos relacionados com a Inconfidência e a evolução social de Minas veio do Instituto Histórico de Ouro Preto para compor a expografia do museu.4 A linha museográfica geral do museu se defi-

4 MOURÃO, Rui – Museu da Inconfidência Criação e Evolução – Ouro Preto MG 2015 pg. 7-9

Hoje em dia, percebemos que essa é com

5 OFICINA DO INCONFIDÊNCIA: revista de trabalho. – Ano 1, n 0 (dez.) 1999. Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 1999. “Para ver e aprender: o Museu da Inconfidência e sua contribuição para a construção de uma memória cidadã” COSTA, Janice Pereira da. Pag. 89. 6 OFICINA DO INCONFIDÊNCIA: revista de trabalho. – Ano 1, n 0 (dez.) 1999. Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 1999. “Para ver e aprender: o Museu da Inconfidência e sua contribuição para a construção de uma memória cidadã” COSTA, Janice Pereira da. Pag. 95. 7 OFICINA DO INCONFIDÊNCIA: revista de trabalho. – Ano 1, n 0 (dez.) 1999. Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 1999. “Para ver e aprender: o Museu da Inconfidência e sua contribuição para a construção de uma memória cidadã” COSTA, Janice Pereira da. Pag. 96.

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certeza uma grande forma de preservação eficiente e necessária ao acervo. Mas percebemos também que apenas ver e ouvir não são o suficiente para uma experiência museal completa com um grupo de crianças. É preciso algo mais para criar uma noção de pertencimento e uma proximidade maior desse público com o museu. Uma das ações do Setor educativo atual, coordenado por Christine Ferreira Azzi, é a de criar laços de proximidade maior entre esses grupos. E, uma forma de chamar a atenção das crianças é justamente com a possibilidade de poder tocar e manipular determinados acervos do museu. Para tanto o Setor Educativo dispõe de cinco objetos que representativos do cotidiano da época, que são apresentados às crianças em determinado momento da visitação. Dessa forma as crianças podem manipular esses objetos e tentar entender a sua utilidade na época. Os resultados dessa experiência são muito satisfatórios. O auge da visitação para qualquer grupo de crianças ou de jovens é neste momento, que rompe com a noção engessada que se tem de um museu histórico, além de quebrar também com a expectativa dos grupos de que o museu é um lugar estático e de pouca interação, pondo em cena que o museu é algo vivo, e seu acervo é um patrimônio que pertence a eles também. Segundo a PNEM 2018,8 a educação museal envolve uma série de aspectos que inclui suas metodologias próprias: a aprendizagem; a experimentação; a promoção de estímulos; e a motivação intrínseca a partir do contato direto com o patrimônio musealizado. A educação pelos objetos musealizados; o estímulo à apropriação da cultura produzida historicamente, ao sentimento de pertencimento e ao senso de preservação e criação da memória individual e coletiva. É, portanto, uma ação consciente dos educadores, voltada para diferentes públicos. (PNEM 2018)9

Alinhadas a esses princípios, as ações educativas são bem mais voltadas para o estímulo de que os visitantes, principalmente os grupos escolares, desse tornem agentes ativos desse patrimônio. Pois assim, entendemos que o acervo do museu, só é valorado quando tem alguma representatividade na vida das pessoas, e se tornar um agente ativo deste patrimônio significa entender os processos de construção de memórias e histórias, de representatividade dentro dos discursos do museu, de entendimento do funcionamento das ações de preservação do museu e de como contribuímos para esses processos nas nossas vivências. Trabalhar os processos com as crianças é muito importante, pois elas se tornam agentes multiplicadores desse pensamento, e o patrimônio passa a ser não só uma memória passada, mas uma memória viva e em construção constante. Esses processos são trabalhados tanto nas visitas mediadas quanto nas oficinas ministradas no Setor. E o Setor passa a ter a função de ser um espaço de mediação e diálogo entre o museu e a comunidade. Atendendo ao público adul-

8 Caderno da Politica Nacional de Educação Museal – IBRAM 2018 9 Caderno da Politica Nacional de Educação Museal – IBRAM 2018

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to, através de workshops e oficinas; ao público infantojuvenil, trazendo a importância do lúdico, da arte e do patrimônio cultural na construção crítica do conhecimento, com as oficinas “Meu Lugar na História” e “Meu museu imaginário”. Pode-se citar também as ações para além dos muros que ocorrem pontualmente nos distritos e nas escolas da região, a partir de convite para participar do calendário de festividades locais.10 A oficina “Meu Lugar na história” propõe trabalhar a criança como sujeito histórico, tendo em vista o meio no qual é inserida, bem como suas possibilidades de intervenção no espaço urbano. Tem início apresentando e questionando as crianças sobre as diferentes formas de contar e ou construir uma história, sobre quem e como se constrói uma história. Toda a dinâmica da oficina é feita através de questionamentos, tais como: “quem faz a história? Como se faz? Quem são os personagens? Nós fazemos parte de uma história? Como uma história pode ser contada?” A partir desses questionamentos pretende-se leva-los à ideia de que eles são os protagonistas de suas próprias histórias, e então utilizamos o livro - Guilherme Augusto Araújo Fernandes escrito por Mem Fox; ilustrado por Julie Vivas; tradução de Gilda Aquino. – São Paulo: BRINQUE-BOOK, 1995. - para falar sobre a memória. Após a leitura do livro, introduzimos o conceito de memória, e a discussão se volta para as relações entre eles e aos conceitos de memória coletiva. A intenção é que eles percebam que possuem suas próprias histórias, e que essas se relacionam com as histórias dos colegas. Após as discussões, as crianças são convidadas a construírem individualmente um livro em quadrinhos contanto uma história própria para que seja apresentada depois aos colegas. Essa oficina foi adaptada também para ser trabalhada com o público adulto, e aplicada ao grupo do CAPS AD da cidade. As abordagens foram semelhantes, tratando das noções de história, memória e memória coletiva. Porém substituímos a leitura do livro pelo documentário “Anderson” (2017)11. Os resultados foram igualmente satisfatórios. A oficina “Meu Museu Imaginário” com ênfase em grupos escolares, busca aproximar os participantes do universo do museu, abordando sua origem etimológica e histórica, sua concepção e seu desenvolvimento ao longo do tempo. Iniciamos a atividade conversando um pouco com as crianças sobre o que é um museu, qual a sua função na sociedade, quais museus elas conhecem e se gostam ou não. Tudo isso com a intenção de sabermos a princípio quais as noções que eles têm sobre os museus e a sua função na sociedade. Apresentamos então um vídeo de um programa infantil, no qual um personagem cria um museu a partir de sua coleção feita com seus próprios objetos pessoais e fala sobre a importância histórica que aqueles objetos têm na sua vida e de seus amigos. Após esse momento, conversamos um pouco mais com as crianças, mas dessa vez sobre coleções, bem como os objetos que estão dentro do museu e sobre suas diferentes etimologias, apresentamos várias imagens de diferentes museus no mundo, com a intenção de ampliar as ideias do que, e como, é um museu. Por fim, convidamos as crianças a se reunirem em grupos e construírem juntos o seu próprio museu.

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Além disso, o Setor conta também com as visitas mediadas, que atuam diferente do que se tinha há alguns anos. Para começar, hoje em dia temos um modelo de visitas que se difere das visitas guiadas: as visitas mediadas têm como objetivo ser uma ponte entre o acervo e o público, através de um percurso narrativo e interativo, no qual o visitante não atua como um agente passivo. Compreende-se que há uma troca de saberes e os visitantes não são recipientes vazios, eles trazem consigo suas cargas de informações e vivências, e isso se relaciona com os percursos de visita. A visita se torna interativa, além de haver sempre uma troca de informações. Um livro utilizado no Setor para essa experiência de mediação é o “Educação em museus: a mediação em foco”12, organizado por Martha Marandino, Professora doutora da Faculdade de Educação pela Universidade de São Paulo, e nele é exposto a ideia de que: O tempo, no museu, é breve. Ele é essencial para as estratégias de comunicação, já que devemos levar em conta que a visita poderá ser a única na vida do indivíduo ou grupo. Dessa forma, o tempo gasto frente a um aparato, painel ou objeto numa exposição é determinado tanto pela concepção da mesma como pelo trabalho do mediador. (MARANDINO, Martha [org.]. 2008 Pag. 20)

Esse pequeno trecho do livro nos mostra a relevância do planejamento de uma visita mediada, uma vez que a linguagem é um dos elementos mais importantes de uma exposição e, pensando ainda, que o mediador age como “decodificador” das informações. É importante colocar também que uma visita ao museu pode ser mais do que uma aula ou divertimento casual, como é exposto no livro mencionado, também estimula o aprendizado e promove a cidadania, afinal, estimula a participação dos mais diversos grupos socioeconômicos. O Museu da Inconfidência é considerado pelos especialistas e pelo público em geral um museu muito grande, são dois andares e 16 salas, e então, porque limitar a visita a um número certo de salas? Françoise Barbe-Gall13, professora de História da Arte na Universidade de Paris, em seu livro “Como falar de arte com crianças” expõe diferentes ideias sobre como fazer uma mediação mais interessante e divertida para criança, despertando o interesse delas pela arte. Um dos tópicos que a autora apresenta se chama “Não ficar tempo demais no museu” e ela explica precisamente o porquê de limitar a experiência a algumas salas: Qualquer que seja o tipo de museu a que se vai, uma visita sempre requer um esforço da parte de uma criança. [...] É mil vezes melhor observar atentamente uma única obra por cinco minutos que passar os olhos por tudo arrastando os pés durante uma hora. Sem chegar a esses extremos, nunca esqueça que, ao cabo

10 Museu da inconfidência – área educativa – disponível em <http://www.museudainconfidencia.gov.br/pt_BR/museu/descricao-geral-area-educativa> acesso em 11/12/2018

12 MARANDINO, Martha (org.). Educação em museus: a mediação em foco. 1ª Ed. São Paulo, FEUSP, 2008.

11 Dirigido por Rodrigo Meireles e produzido pelo coletivo Relógio Quebrado.

13 BARBE-GALL, Françoise. Como falar de arte com as crianças. 1ª Ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes Ltda. 2012.

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de meia hora, a criança pode estar saturada e que, quanto mais nova for, mais reduzido deve ser o tempo de visita. (BARBE-GALL, 2012. p. 10) A exposição de um museu geralmente causa certo cansaço intelectual, principalmente se o visitante é colocado como observador passivo. Imagine então uma exposição, com mediação e para crianças ainda... Pode se tornar uma prática traumatizante para o aluno. Por essa razão, os roteiros do Setor Educativo se desenvolvem em cerca de 45 minutos e englobam o máximo de interação possível para criar uma relação de afetividade entre as crianças e o museu. O livro de Barbe-Gall14 nos ensina também elementos que, em geral, prendem mais a atenção das crianças, de acordo com sua faixa etária. Segundo a autora, as sugestões não podem ser tomadas como princípios absolutos, afinal, “toda pintura é suscetível de falar ao espírito de uma criança”15. No entanto, possuem o objetivo de guiar e orientar os aspectos a serem evidenciados durante a visitação. São indicações a serem ressaltadas, conforme a maturidade de cada aluno. É importante também salientar que o tempo de visita no museu não seja entendido como horas extras de estudo, e ainda, que esses alunos se interessam mais pela “razão de ser das obras”, ou seja, descobrir uma postura, uma atitude que legitima a obra (BARBE-GALL, 2012). Tal concepção tem o objetivo de despertar, ainda que de maneira subjetiva, o interesse das crianças e adolescentes no museu e na história e arte da sociedade colonial. Para isso, as visitas mediadas atualmente são divididas em quatro percursos diferentes, que podem ser escolhidos pelos grupos a partir de seus interesses. São eles, Barroco, As mulheres no museu, Inconfidência Mineira e Formação da cidade. Como exemplo, vamos falar um pouco do roteiro sobre o Barroco: Ao apresentar e discutir elementos do barroco e da arte-sacra, incluindo a história e obra de Aleijadinho e Ataíde com os grupos escolares, os mediadores buscam debater e desconstruir o papel político e a influência da Igreja Católica na vida da sociedade colonial. E, ainda, expor aspectos gerais sobre o cotidiano do século XVIII e XIX. No momento da visita o foco é buscar nas peças elementos que se conectem com o assunto a ser abordado. Porém sempre dando espaço para os visitantes comentarem ou explanarem conhecimentos prévios sobre o tema. Na Sala Arte e Religião, o olhar dos estudantes é direcionado aos elementos arquitetônicos e estruturais da sala e do acervo. Como as luzes, mais escuras e dramáticas, a disposição dos objetos no ambiente, por exemplo. Elementos que levam a uma percepção de igreja, de barroco. O barroco é uma estética que nasceu na Europa, em Roma, no início do século XVII, no contexto da Contrarreforma da Igreja Católica, que havia perdido muita força com a Reforma Protestante. O barroco vai tentar, então, reforçar a grandiosidade da Igreja e de Deus. Por isso as igrejas são tão enormes e esplendorosas. Estamos fa-

14 BARBE-GALL, Françoise. Como falar de arte com as crianças. 1ª Ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes Ltda. 2012. 15 BARBE-GALL, Françoise. Como falar de arte com as crianças. 1ª Ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes Ltda. 2012 pag. 27.


lando de uma época na qual diversas culturas e linguagens conviviam aqui e, portanto, a comunicação não era algo fácil. Surge então a arte, como forma de comunicação não verbal.16 A mediação na Sala do Triunfo Eucarístico problematiza a ostentação da Igreja e dos fiéis. O visitante terá em vista que o museu está inserido num contexto de uma cidade rica pelo seu ouro, mas que também sofria com a fome; uma cidade na qual os vigários e as igrejas eram ornamentados com ouro, mas que tinha mendigos, “vadios” e pessoas morrendo com doenças. A Sala das Associações Leigas se comunica diretamente com a anterior no que diz respeito à ostentação e à opulência da religião católica. Nessa sala, também os olhares se voltam para a pintura barroca “A morte do santo e do pecador”. E o pensamento compartilhado na mediação é daquela ideia da época da salvação da alma que era recorrente. Era evidente a preocupação da Igreja em difundir a fé católica. E ela fez isso através do medo: o medo do inferno, o medo da morte sem salvação, etc. E podemos observar nesta obra claramente essa intenção de catequese acerca da morte. A Sala dos Oratórios também é outro exemplo das influências da fé católica, mas também pode ser utilizada como forma de representatividade por exemplo, nos oratórios afrodescendentes, enfeitados com elementos da natureza, folhas, flores e às vezes até comidas. Pode ser usado como recurso para pensar a resistência dos africanos à religião católica. Essa reflexão se faz importante devido à história popularmente conhecida de que os negros eram passivos ao processo de escravização. É interessante introduzir em meio à visita pontos que podem ser atraentes para os jovens e apontar detalhes nas obras que não são vistos facilmente. Pensando na pedagogia proposta por Françoise Barbe-Gall17 (2012) – alguns pontos que são apontados, por exemplo, na Sala Aleijadinho é o fato de que Francisco Lisboa18 na verdade não conhecia alguns dos seres e objetos que representava e, portanto, precisava confiar em sua imaginação ou em gravuras europeias do século XV. Isso fica bem claro no leão esculpido sob o Profeta Daniel, presente no canto esquerdo da sala. Outra escultura que pode cativar os alunos é a de São Jorge, no canto direito da sala. Essa obra-prima é singular, pois é toda articulada, feita para que montasse num cavalo durante as procissões e, enquanto o cavalo trotava, a escultura passava a impressão de estar cavalgando.

CONCLUSÃO É relevante que o público veja o museu como um espaço multidisciplinar e pluricultural, que promove conhecimento, cidadania, diversão e ainda valoriza a arte e a história de um, ou de vários povos. No entanto, é necessário compreender que o patrimônio só pode ser valorado se possuir significado para este povo. Por isso a mediação é muito importante, pois, é o mediador que vai atuar nesse processo abrindo o diálogo entre a população e o museu. Afinal, é nessa etapa de troca que acontece o aprendizado e a compreensão do conteúdo. Dessa forma, os processos de educação não formal proporcionados pelo Setor complementam a educação formal das escolas, além de criar laços e memórias afetivas dos jovens com relação ao museu. Esses laços são muito importantes para a valoração do patrimônio da cidade de Ouro Preto. As crianças, por exemplo, se tornam multiplicadores desse conhecimento, e passam esse conhecimento e afetividade aos seus familiares. Essas noções de pertencimento são muito importantes para que, em longo prazo, tenhamos o patrimônio da cidade muito mais integrado às suas comunidades, e deixe de ser um bem exclusivamente turístico. Fazer os jovens se entenderem como agentes do patrimônio, criadores de histórias e memórias, individuais e coletivas, que contribuem para o desenvolvimento material e imaterial de Ouro Preto são o primeiro passo para alcançar tais objetivos. Dessa forma, as atividades do Setor vêm contribuindo para o estreitamento desses laços, as mudanças na relação desses públicos com o ambiente do Museu já são visíveis e as perspectivas são para que essas relações se expandam cada vez mais. Para que isso ocorra as atividades do Setor devem se manter em pleno funcionamento, sempre agregando os novos grupos escolares que surgirem na região.

REFERÊNCIAS BARBE-GALL, Françoise. Como falar de arte com as crianças. 1ª Ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes Ltda. 2012. BARROCO Daniela Diana Professora licenciada em Letras. Disponível em <https://www. todamateria.com.br/barroco/> acesso em 12 dez. 18. MARANDINO, Martha (org.). Educação em museus: a mediação em foco. 1ª Ed. São Paulo, FEUSP, 2008. MOURÃO, Rui – A Nova Realidade Do Museu – Ouro Preto MG 1994. MOURÃO, Rui – Museu da Inconfidência Criação e Evolução – Ouro Preto MG 2015. Museu da Inconfidência – área educativa – disponível em <http://www.museudainconfidencia.gov.br/pt_BR/museu/descricao-geral-area-educativa> acesso em 11 dez. 2018. OFICINA DO INCONFIDÊNCIA: revista de trabalho. – Ano 1, n 0 (dez.) 1999. Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 1999. “Para ver e aprender: o Museu da Inconfidência e sua contribuição para a construção de uma memória cidadã” COSTA, Janice Pereira Da. O Museu da Inconfidência. – São Paulo: Banco Safra, 1995. Caderno da Politica Nacional de Educação Museal – IBRAM 2018.

16 BARROCO Daniela Diana Professora licenciada em Letras. Disponível em <https://www.todamateria.com.br/barroco/> acesso em 12 dez. 18. 17 BARBE-GALL, Françoise. Como falar de arte com as crianças. 1ª Ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes Ltda. 2012. 18 Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho nasceu em Vila Rica, atualmente Ouro Preto em Minas Gerais. Não se sabe muitas coisas sobre sua vida, porém, de acordo com a maioria das biografias ele nasceu em 1738, era filho de uma escrava com um mestre-de-obras e escultor chamado Manuel Francisco Lisboa. Foi por meio da profissão do pai que Aleijadinho, ainda na infância, iniciou sua vida artística, aprendendo a entalhar e esculpir. Seu tio Antônio Francisco Pombal, entalhador na cidade de Vila Rica, também contribuiu para seu aprendizado. Fonte: <https:// www.infoescola.com/artes/aleijadinho/> acesso: 12 dez. 18.

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AÇÕES EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTE SACRA:

RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE AS OFICINAS COM A ONG BAHIA STREET

S u s a n Lo p e s S a ntos

Edj a ne C ristina Rodrigues da S ilva

Artista Plástica especialista em projetos socioculturais e em ações culturais e educativas. E-mail: slssantos@ufba.br

Museóloga, doutoranda em artes visuais, com experiência em planejamento e Museóloga com experiência no Setor de Documentação e Pesquisa montagem de exposições, ações culturais e educativas e História da Arte.

Resumo O projeto “Oficinas de arte educação no MAS” foi criado com o objetivo de oferecer oficinas para as crianças da ONG Bahia Street. Esta ação veio para atestar a nova concepção adotada pelo museu, que entende a necessidade de uma participação mais ativa da comunidade em suas programações. Teve início a partir

INTRODUÇÃO

O MUSEU DE ARTE SACRA

Surgido a partir de um contexto histórico específico e tomando forma a partir da segunda metade do século XX, nasce a museologia social que traz um modo de pensar diferente da museologia dita “tradicional”. Segundo alguns teóricos da Museologia “é através de amplos debates e embates, de um acúmulo de tensões, críticas, enfrentamentos, vivências, reflexões e práticas” (CHAGAS, M. et al., 2018, p.73), que a Museologia Social ganha força. Nesta nova concepção, o museu deixa de ser apenas uma instituição que se destina a guardar, conservar e expor objetos de interesse duradouro ou de valor artístico ou histórico e passa a preocupar-se também com a comunidade, com questões sociais, ambientais, estando mais conectado com as demandas da contemporaneidade.

Instalado no antigo Convento de Santa Tereza, sendo um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos seiscentistas brasileiros com uma maravilhosa vista para Bahia de Todos os Santos, o Museu de Arte Sacra (MAS) conta com um raro e precioso acervo de Arte Sacra Cristã.

de uma visita monitorada, e posteriormente, o desenvolvimento das oficinas em que as crianças puderam entender um pouco mais sobre os movimentos artísticos dentro de um contexto social. Palavras-chave: Museologia social, inclusão social, arte e cultura, educação museal

Nesse sentido, o museu não tem valor em si, mas o valor que lhe é atribuído pela sociedade e pela comunidade da qual surgiu e para a qual trabalha. O seu acervo é constituído pelas demandas sociais e, por isso mesmo, está comprometido com a melhoria da qualidade de vida e com a geração de benefícios para a comunidade local. (CHAGAS, ASSUNÇÃO e GLAS, 2013, p.430

)

Pensando desta forma, o Museu de Arte Sacra da UFBA, considerado um dos mais importantes da América Latina em arte sacra católica, se enquadra nessa perspectiva museal, realizando ações que envolvem a comunidade a partir de ações educativas, a exemplo do projeto “Oficinas de arte educação no MAS”

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Cergelina de S ouza

Revista Jovens Cientistas

Inaugurado pelo Reitor Edgar Santos em 10 de agosto de 1959, é o primeiro museu universitário da Bahia e através de um convênio assinado com a Arquidiocese de São Salvador compromete-se a restaurar o conjunto arquitetônico em que está inserido. Além dos setores técnicos de Museologia, o museu tem um setor que faz a restauração de peças do próprio acervo e de outras que estão sob sua guarda pertencentes a igrejas e irmandades do estado da Bahia. Recebe estagiários da Universidade Federal da Bahia e de outras Instituições que enriquecem seus conhecimentos na área de museologia, restauração, história, artes plásticas, etc. Além da exposição de longa duração, conta com exposições temporárias de artistas renomados. Tem uma biblioteca que possui aproximadamente 4.800 títulos de livros e folhetos relativos a religião.

A ONG BAHIA STREET A iniciativa em realizar uma ação com a ONG Bahia Street surgiu a partir de uma apresentação do coral Bahia Street no MAS. A instituição filantrópica, fundada em 1996, localizada nas imediações do Museu de Arte Sacra, atende crianças de cinco a dezessete anos com vulnerabilidade socioeconômica e tem como missão “Promover e fortalecer a autoestima, a autonomia, assim como a criticidade e a cidadania,


em crianças e adolescentes do sexo feminino, oriundas de escolas públicas da cidade de Salvador.”(BAHIA STREET, [20--?])

entre o Barroco e o Rococó e demais estilos. Foram tiradas várias fotografias e foi oferecido lanche, nesta e nas próximas oficinas.

Busca proporcionar às meninas uma educação de qualidade para alcançar essa missão por entender que só através desta, elas possam alcançar ascensão socioeconômica e político-cultural. As crianças estudam no turno matutino e, à tarde, se dedicam as diversas atividades promovidas pela instituição, dentre elas visitas a museus.

Na oficina seguinte, sobre cores primárias e secundárias, cores quentes e frias, as meninas assistiram ao filme “O Show da Luna! O Amarelo que ficou Verde”, viram um slide com o Círculo Cromático e com tintas e papéis adequados para desenhos testaram, na prática, o que aprenderam.

Segundo informações no site da Bahia Street, a ONG recebeu em 2008 o prêmio “The World of Children” da UNICEF- Nações Unidas – NY, em 2009 recebeu o prêmio “Ivy Inter-American Foundation” em Washington DC e em 2014 o prêmio “Léia Gonzalez” da SEPIR. (BAHIA STREET, [20--?])

Na oficina sobre Cubismo foi apresentado o filme “Quintal da Cultura – Dorotéia Cubista” e as crianças mostraram talento ao desenhar e pintar formas neste estilo. Compreenderam bem suas características e brilharam nessa oficina.

SOBRE O PROJETO

Os filmes “Renata Celi – como usar a aquarela – para iniciantes” e “Toquinho no Mundo da Criança – Aquarela (Oficial HD)” foram passados quando as meninas aprenderam sobre aquarela. Apesar de não ter sido o papel nem a tinta adequada, o aprendizado foi satisfatório.

Para o desenvolvimento de atividades com as meninas da ONG, o Setor de Exposição do MAS elaborou esse projeto que aconteceu no período de 30 de julho a 21 de novembro de 2018. Foram planejadas atividades voltadas para a área de arte educação, destacando temas adequados a faixa etária do público envolvido. Um grupo de treze meninas com idades de cinco a onze anos participaram das referidas oficinas. Foram nove oficinas, cada uma realizada em dois dias na quinzena, com duração de duas horas cada dia.

Ao aprender sobre Arte Egípcia as garotas também conheceram um pouco da história da rainha do Egito, Cleópatra, assistindo os filmes “#3 Cleópatra – o álbum das mulheres incríveis”, “CGI 3D Animation Short Film – Nobody Nose Cleopatra by Isart Digital / CGMeetup” e “SuperHands: Colar de Faraó / Egito / Atividades Manuais para Crianças / DIY / PlayKids”. Confeccionaram colares no estilo egípcio utilizando pratos de papelão pintados, miçangas, lantejoulas e cola com glitter. Saíram todas com os colares pendurados no pescoço, cheias de orgulho.

A princípio foi pensado um projeto que ajudasse futuramente na renda familiar das crianças, por isso seriam oficinas de artesanato como, marcadores de livros, ponteiras de lápis, porta-joias, etc. No final das oficinas nós pretendíamos expor as obras feitas pelas crianças. Entretanto, por falta de material, devido às dificuldades financeiras enfrentadas pelo museu, o projeto foi adaptado. Tivemos que contar só com o que já havia de oficinas anteriores e de pequenas doações feitas pelos funcionários do setor e pela ONG.

Na oficina sobre a arte do grafite as crianças conheceram vários artistas do ramo, principalmente baianos, através de apresentação em slides e realizaram pinturas livres inspiradas no grafite. Elas ficaram bastante impressionadas ao perceber que conheciam os trabalhos desses artistas em muros espalhados por onde passam frequentemente.

A pesquisa foi registrada através de fotografias e relatórios das atividades desenvolvidas para que futuros pesquisadores tivessem acesso.

Para conhecer mais sobre o Museu de Arte Sacra da Bahia, as meninas confeccionaram jogos da memória com imagens tiradas do acervo, impressas em papel cartão e recortadas, utilizando emborrachado “eva” como suporte. Adoraram! Principalmente porque depois ficaram jogando o resto da tarde.

“Oficinas de Arte Educação no MAS”: Criação e Desenvolvimento

Recortando figuras de revistas descartadas, aprenderam sobre Arte Abstrata misturando colagem e pintura. A criatividade fluiu e apareceram verdadeiras obras de artes.

O primeiro passo foi adquirir uma lista com os nomes e idades das crianças que faziam parte da ONG, para depois pesquisar os temas mais adequados para as oficinas e os materiais necessários. Também buscamos adequar as possibilidades de horários das meninas aos da oficineira e da equipe. No primeiro dia de oficina levamos as crianças para uma visita monitorada para que conhecessem o acervo do museu, depois fomos para uma sala grande disponível no 2º piso, adequada a essas atividades e, com materiais de oficinas anteriores, pedimos que as meninas desenhassem e pintassem, com lápis de cera, o que mais impressionou a cada uma delas durante a visita. As crianças ficaram encantadas com o acervo e fizeram muitas perguntas sobre a diferença

Utilizando algumas telas da ONG, que foram reaproveitadas, as garotas pintaram lindas imagens ao aprender sobre natureza morta. Confeccionaram também marcadores de textos com emborrachados “eva” e, a pedido das crianças, fizeram um brinquedo chamado “slime” que consiste em uma massa de modelar caseira viscosa e tem sido sucesso na internet entre as crianças. Amaram! Para finalizar as oficinas, confeccionaram uma guirlanda de Natal utilizando pratos de papelão e papel crepom para enfeitar as portas em suas casas.


CONCLUSÃO O objetivo deste relato de experiência foi apresentar a iniciativa e a prática desse projeto, que teve por finalidade ser um instrumento de ação social colaborador para o aprimoramento cultural e educacional de crianças da comunidade vizinha. Percebemos que ações como a que foi relatada são fundamentais no estabelecimento de novas relações com o público e na perspectiva de construção de uma cidadania consciente. Observamos que nossas oficinas estão no caminho certo, mesmo não tendo sido o que planejamos de início, as circunstâncias nos levaram na direção que melhor se adequou ao propósito objetivado pela ONG e as crianças foram bem receptivas. A caminhada é longa, porém mediante aos resultados obtidos somos impulsionados a cada dia a continuar para expandir os horizontes e proporcionar uma troca de saberes. Percebendo a nossa responsabilidade como profissionais que atuam em museus, sobretudo em um Museu Universitário, destacamos a importância de continuidade desse tipo de ação envolvendo a comunidade do nosso entorno. Entendemos que museus são espaços de diálogos e de conhecimento, de liberdade e criatividade, para que se desenvolvam sujeitos sociais críticos e preocupados com seu lugar no mundo.

REFERÊNCIAS BAHIA STREET (Brasil). Missão, Visão, Valores. Salvador, [20--?]. Disponível em: <http://bahiastreet.org.br/> Acesso em: 14 de dez. 2018. CELI, Renata. Como asar aquarela – para iniciantes. 2016. (09m38s). Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=xPyhUK1MSKE> Acesso em: 25 out. 2018. CHAGAS, M. et al. A museologia e a construção de uma dimensão social: olhares e caminhos. Cadernos de Sociomuseologia, [S.I.], 2018. N.11. V.55. p.73. CHAGAS, M.; ASSUNÇÃO, P.; GLAS, T. Museologia Social em Movimento. Cadernos do CEOM, Rio de Janeiro, 10 ago. 2013. Ano 27, N.41, p.430. Disponível em: <https://bell.unochapeco.edu. br/revistas/index.php/rcc/article/view/2618> Acesso em: 14 dez. 2018 CHITOU, Chams et al. In: CGMEETUP. CGI 3D Animation Short Film – Nobody Nose Cleopatra by Isart Digital / CGMeetup. 2016. (06m26s). Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=8Tc7PMuHTJQ&t=41s> Acesso em: 12 set. 2018. DISCOVERY Kids. In: TV PINGUIM. O Show da Luna! O Amarelo que ficou verde – Episódio completo / Primeira temporada. 2015. (12m03s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sj9tFz5RxQE> Acesso em: 09 ago. 2018. MILANO, Natalia. In: O ÁLBUM DAS MULHERES INCRÍVEIS. #3 Cleópatra – O Álbum das Mulheres Incríveis. 2018 (05m27s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=A59XYpEEL1c&t=2s> Acesso em: 12 set. 2018. MUSEU DE ARTE SACRA: Universidade Federal da Bahia. História da Instituição. Salvador, [19-?]. Disponível em: < https://mas.ufba.br/> Acesso em: 13 dez. 2018. Museu de Arte Sacra: Universidade Federal da Bahia. Coordenação de Francisco de Assis Portugal Guimarães; tradução de Robério Rubens de Matos; fotografia de Sérgio Benutti. Salvador: Impressão Bigraf, 2008. PLAYKIDS Brasil. SuperHands: Colar de Faraó / Egito / Atividades manuais para crianças / DIY / PlayKids. 2017. (05m06s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vPxf_ pFaQ20> Acesso em: 12 set. 2018. QUINTAL DA CULTURA. Quintal da Cultura – Dorotéia Cubista. 2011. (07m04s). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=bJeooRIiaZA> Acesso em: 15 ago. 2018. TOQUINHO. Toquinho no Mundo da Criança – Aquarela. 2016. (05m11s) Álbum: Seu Violão e Suas Canções. V.1. Categoria: música. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FH-8ydKbc08> Acesso em: 25 de out. 2018.

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CAPACITAÇÃO DOS GUARDAS DE ACERVO DO MUSEU DE ARTE SACRA DA UFBA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Edjane Cristina Rodrigues da Silva Coordenadora do Setor de Exposição do Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia. Doutoranda em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFBA, mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFBA (2010), graduada em Museologia pela UFBA (2005). Tem experiência na área de Museologia, com ênfase em planejamento e montagem de exposições, ação cultural e educativa e História da Arte.

I g o r S a nt i a g o Cost a Estagiário do Setor de Exposição do Museu de Arte Sacra da UFBA e graduando em História pela Universidade Federal da Bahia.

Resumo

O Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia, situado na Rua do Sodré, no bairro 2 de Julho, em Salvador, está instalado em uma edificação histórica seiscentista. Considerado um dos mais importantes museus de arte sacra da América Latina, o MAS abriga em suas dependências obras de grande louvor artístico que representam os primeiros indícios de uma arte religiosa brasileira, referente ao século XVI até o início do século XX. Além disso, diversas coleções particulares e das mais variadas Ordens e Conventos baianos, mineiros e hispanoamericanos estão sob sua guarda.

O presente trabalho busca apresentar as ações realizadas no processo de formação dos guardas de acervo do Museu de Arte Sacra da UFBA, destacando a importância da educação museal, da interdisciplinaridade e da capacitação de profissionais que atuam em instituições museológicas. O projeto envolveu os eixos educacionais que se referem ao processo sócio-histórico da Instituição, aos estudos concernentes ao seu acervo e a necessidade de introduzir nos espaços culturais um saber que provoca modificação na constituição do conhecimento dos atingidos. Palavras-chave: Museu, Educação Museal, Formação, Capacitação.

Sendo uma das construções mais importantes do mundo colonial atlântico, o Convento e a Igreja1 hoje que hoje são o Museu, pertenceram a Ordem dos Carmelitas Descalços, reformados no século XVI por Santa Teresa D’Ávila. Todo o conjunto arquitetônico traduz as experiências místicas que permeiam a origem da Ordem, passando por passagens bíblicas até a reforma teresiana, como explora a historiadora Adalgisa Campos em um de seus estudo sobre os carmelitanos2.

um Museu de Arte Sacra. A proposta de criação do MAS surge em um momento de desenvolvimento político-cultural do país e de valorização do seu patrimônio que já vinha acontecendo desde o início do século. Naquele momento, “começava a surgir, entre setores da intelectualidade, uma consciência da importância em se preservarem objetos e edifícios públicos capazes de referenciar a história do país”3. Começa então a se solidificar no país uma mentalidade patrimonialista que vai influenciar nas diversas ações de preservação, desde estudos sobre patrimônio, restauração de monumentos e conjuntos arquitetônicos e de bens móveis, até a busca por instrumentos que auxiliassem essas ações.

o professor e reitor Universidade Federal Rêgo Santos, decide convento em sede de

No Convênio, a Universidade ficava responsável em restaura o prédio e dependências do Convento. O Seminário Menor, construído no ano de 1858 e outras dependências não tombadas, deveriam ser demolidas de acordo com as orientações da diretoria do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além de uma quantia dada à Arquidiocese, a Universidade se comprometeu também a pagar, durante sessenta anos, um valor mensal4. O Museu de Arte Sacra nasce como o primeiro Museu Universitário da Bahia. Sua proposta desde a criação esteve voltada não apenas à

1 Sobre a história da Ordem do Carmelo Descalço na Bahia e a construção do monumento ver: CALDERÓN, Valentin. Biografia de um Monumento: O Antigo Convento de Santa Teresa da Bahia. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1970; MATTOS, Waldemar. Os Carmelitas Descalços na Bahia. Salvador: Tipografia Manú Editora Ltda., 1964.

3 ABREU, Regina. Patrimônio Cultural: Tensões e Disputas no Contexto de uma nova ordem discursiva. In: LIMA, M. F.; ECKERT, C.; BELTRÃO, J. (Org.). Antropologia e Patrimônio Cultural: Diálogos e Desafios Contemporâneos. Blumenau: ABA/ Nova Letra, 2007.

2 CAMPOS, Adalgisa Arantes. A Ordem Carmelita. Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011

4 SILVA-NIGRA, D. Clemente Maria da. Museu de Arte Sacra da Bahia. Rio de Janeiro: Agir, 1972, p.120

No ano de 1958, da recém-criada da Bahia, Edgar converter o secular

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valorização patrimonial, mas a disseminação do conhecimento à sociedade, através de cursos e pesquisas, servindo como instrumento de estudos.

através de ações museológicas envolvendo seu acervo.

AS POLÍTICAS EDUCATIVAS NO MAS-UFBA

O PROCESSO FORMATIVO E SUA INTERFACES: EDUCAÇÃO E MUSEU

Na condição de Museu Universitário o MAS foi gestado tendo como missão primordial a aquisição, o estudo, conservação e divulgação da arte sacra cristã luso-brasileira. Segundo Dom Clemente Maria da Silva-Nigra, monge beneditino, historiador da arte e primeiro diretor da Instituição5:

Com a instalação do Museu de Arte Sacra no Convento de Santa Teresa, a Universidade Federal da Bahia não quis apenas conservar e expor o que a Bahia e o Brasil tem de mais apreciável e mais rico em arte colonial, mas sobretudo pretende estudar e difundir as lições dessa mesma História da Arte por meio de cursos e conferências, pesquisas e publicações6.

Entretanto, é apenas em 1970, com a criação do curso de Museologia pela Universidade Federal da Bahia, segundo no país, que o Museu de Arte Sacra da UFBA passa a desenvolver um trabalho efetivamente acadêmico, com disciplinas técnicas sendo ministradas em suas dependências. Ainda no início desta década, o MAS desenvolve ações educativas com escolas de ensino fundamental e médio, destacando-se pelo pioneirismo nessa área. Na década de 1980 a professora e museóloga Maria Célia Moura Santos desenvolve, junto com alunos do curso de Museologia, programas experimentais na disciplina “Ação Cultural e Educativa nos Museus”, baseadas em experiências práticas com professores e alunos da rede pública do Estado, transformando o MAS em um “museu-escola”. Percebemos que o MAS já buscava inserirse no contexto das novas diretrizes museológicas, que vinham se consolidando a partir da “Mesa Redonda de Santiago do Chile” (1972), bem como da “Declaração de Quebec” (1984), ambas destacando o papel social dos Museus e sinalizando mudanças e novos caminhos na trajetória das instituições museais. Baseado na proposta da Universidade, o Museu de Arte Sacra buscou, ao longo dos anos, definir-se como espaço de reflexão sobre o saber e espaço de diálogo entre diversos profissionais e comunidade acadêmica, promovendo atividades de ensino, pesquisa e extensão,

5  Dom Clemente foi diretor o Museu de Arte Sacra da UFBA entre os anos de 1959 e 1972. 6  SILVA-NIGRA, Op. cit., p. 9.

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José Sérgio Carvalho, em Por uma Pedagogia da Dignidade7, aborda a importância da transformação ocorrida através do processo de formação de um indivíduo, no que tange a educação formal. Ao diferenciar e explanar os conceitos de aprendizagem e de formação, o autor nos mostra o quanto o campo educacional é complexo e nos aponta caminhos que elucidam nossas formas de interlocução nos momentos destinados a aquisição de conhecimentos. Apesar de ele destinar-se aos estudos desses processos em sala de aula, podemos nos apropriar de suas formulações para discutirmos o processo formativo dentro dos Museus e assim conseguirmos entender as vias que nos são mais propícias a adotar. Entendemos que todo processo formativo produz algum tipo de aprendizagem, mas não podemos considerar que toda aprendizagem necessariamente é um processo formativo. A aprendizagem implica no ato de “saber algo que não sabia: uma informação, um conceito e uma capacidade”8, enquanto o processo formativo distingue-se por transformar o indivíduo que obteve esse aprendizado. Com esse escopo, podemos perceber que a educação introduzida nos Museus produzem, de certa forma, um caminho a um processo formativo dos indivíduos, pois é visível a apropriação de certos significados e incorporação dos mesmos em seu dia a dia, sendo realizadas conexões que permitem uma experiência educativa ainda mais completa. Os processos educativos que compreendem os Museus se dão tanto no campo externo, como no interno. Em ambos processos podemos identificar uma metodologia parecida, considerando etapas como a observação do espaço, o registro através de diversos recursos didáticos desse espaço, a exploração de informações referentes a esse espaço e as apropriações que fazemos sobre o mesmo. Evelina Gruberg9, ao identificar atividades educativas que podem ser realizadas em Museus, pontua que através desses espaços podemos construir um cenário de aquisição e expansão do conhecimento, bem como a ressignificação do que viria a ser a educação. Com isso, o patamar no qual se insere um

processo formativo museal é compreendido na chave das trocas simbólicas e até mesmo materiais, onde locutor e interlocutor dialogam horizontalmente e juntos promovem uma ascensão do conhecimento adquirido e transmitido. Ao analisarmos a prática educativa inserida nos Museus, percebemos que as relações nunca são unilaterais, pois, ao mesmo tempo que algo é exposto, ele é processado, ressignificado e recolocado e uma outra ótica que, na maioria das vezes, remodifica o sentido e a significação do que havia sido exposto. A partir dessa ideia, é notória a transversalidade que Sônia Florêncio10 explicita em suas exposições acerca do processor de mediação dentro da Educação Patrimonial. Segundo a autora, “é preciso considerar o patrimônio cultural como tema transversal, interdisciplinar e/ou transdisciplinar, ato essencial ao processo educativo para potencializar o uso dos espaços públicos e comunitários como espaços formativos11”, evocando mais uma vez o caminho atravessado pelo processo que a aprendizagem percorre até tornar-se um produto formativo.

UMA EXPERIÊNCIA VIVIDA: CAPACITAÇÃO DOS GUARDAS DE ACERVO DO MAS-UFBA Atendendo as recomendações da Declaração de Caracas, cuja proposta destaca “que os Museus priorizem e sistematizem a realização de programas de capacitação de recursos humanos12”, o MAS tem buscado estratégias de capacitação de seus profissionais. Consciente da sua responsabilidade sócio educacional, sobretudo por ser um Museu Universitário, vem atuando dentro de uma perspectiva de ação museal que contemple aprimoramento dos recursos humanos que atuam na área de exposição, com o propósito de melhorar a comunicação Museu/público. O projeto “Capacitação dos Guardas de Acervo” tem seu desenvolvimento prático baseado em estudos teóricos e metodológicos que envolvem várias áreas de conhecimento, sendo dividido em duas fases: - Elaboração de apostilas com temas específicos e com uma linguagem de fácil compreensão, visto que os mesmos não possuem formação na área de Museologia ou Artes Visuais. Os temas abordados vão desde arte, patrimônio, arquitetura, iconografia, dentre outros. Alguns

7  CARVALHO, José Sérgio. Por uma Pedagogia da Dignidade: memórias e Reflexões sobre a Experiência Escolar. São Paulo: Summus, 2016.

10  FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação Patrimonial: um Processo de Mediação. In: IPHAN, Caderno Temático 2. Educação Patrimonial: Reflexões e Práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012.

8  CARVALHO, José Sérgio. Por uma Pedagogia da Dignidade..., p. 101.

11  FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação Patrimonial..., p.26.

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9  GRUBERG, Evelina. Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007

Revista Jovens Cientistas

12  Declaração de Caracas, ICOM, 1992. In: Cadernos de Sociomuseologia, n°15, 1999.


temas são sugeridos pelos próprios profissionais, a partir de sua vivência prática na área de Exposição; - Em um segundo momento são realizadas as palestras com apresentação em power point e debates entre os técnicos do Museu e os guardas de acervo, além da realização de visitas monitoradas às salas de exposição da Instituição.

Em todo processo educativo existe uma preocupação em construir um conhecimento conjunto, sendo adotada uma pedagogia horizontal, na qual os responsáveis pelas aulas e os ouvintes, no caso os guardas de acervo, realizam suas atividades buscando sempre o compartilhamento de suas experiências, formulando um espaço de liberdade discursiva e de possibilidades na exposição das ideias. Ao elaborarmos o calendário programático das discussões e exposições para o Curso, pensamos em abarcar desde os estudos sobre o que viria a ser patrimônio13, a conceituação de alguns termos importantes para a compreensão dos aspectos religiosos, tais como Religião14 e Religiosidade15, apoiando-nos em trabalhos de historiadores que debruçaram-se no estudo dessas distinções16. Além dessas temáticas introdutórias, já foram realizadas aulas e discussões que se referem ao histórico do antigo Convento e Igreja de Santa Teresa de Jesus17, arquitetura carmelitana18, reforma teresiana em Espanha e seus reflexos no mundo, bem como a história da instalação de conventos dos Carmelitas Descalços ao redor do globo19. Como trata-se de um projeto que busca uma formação contínua dos guardas de acervo, ele ainda encontra-se em atividade. Elaboramos um questionário para que os guardas pudessem opinar sobre as discussões que eles consideram mais relevantes para serem introduzidos nas aulas do curso. Com as respostas desses questionários,

13  Observando sempre as distinções do patrimônio material, imaterial, dos usos políticos desse patrimônio e como ele veio a se constituir enquanto elemento social.

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14  Termo que se refere ao aspecto institucional religioso

15  Termo que diz respeito ao aspecto da vivência, da crença particular, da devoção. Não é necessário comungar de uma Religião Institucionalizada para praticar uma Religiosidade. 16  Entre outros, podemos destacar Eduardo Bastos de Albuquerque, Solange Ramos de Andrade e Mircea Eliade. 17  Nessas aulas foram utilizados os escritos dos remotos diretores Dom Clemente Maria da Silva-Nigra e Valentin Calderón, que, em suas gestões, preocuparam-se em estudar o antigo convento e sistematizar esses estudos. 18  Os estudos do arquiteto e professor Eugênio de Ávila Lins basearam e nortearam as discussões. Além disso, em um dos encontros que discutimos os aspectos arquitetônicos da Igreja de Santa Teresa e seu Convento, o atual diretor Dr. Francisco de Assis Portugal coordenou a exposição e explicitou aspectos técnicos da antiga construção

elaboramos um guia prático para nortear quais discussões seriam mais necessárias e proveitosas para o ofício dos mesmos. Dessa forma eles poderão acompanhar de maneira mais concreta os assuntos que julgam mais pertinentes sobre o Museu, seu acervo, sua história e algumas curiosidades, bem como lenda místicas que permeiam o imaginários dos visitantes. Ademais, podemos perceber o desenvolvimento positivo do curso e a interação entre os guardas de acervo e todo corpo institucional do Museu. Sendo assim, as trocas de conhecimentos tornamse efetivas e o estímulo a busca de novos conhecimentos é intencionado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo não se desenvolve de forma simples como podemos pensar num primeiro momento, pois é necessária uma adequação ao contexto de cada envolvido no programa. Isso demanda tempo, disponibilidade de profissionais e capacitação dos mesmos, investimento e preocupação com a qualidade do que será exposto. Entretanto, tais “empecilhos” não desanimam os envolvidos nas atividades pois, tem-se uma ajuda mútua que é perceptível, levando, dessa forma, a um desenrolar de aulas e discussões proveitosas para ambas as partes. Se a missão é propagar conhecimentos e utilizar o espaço museológico e patrimonial para difusão do mesmo, arriscamos dizer que essa está sendo concretizada e intensamente aproveitada. Sendo assim, é necessário entender que o Curso de Capacitação dos Guardas de Acervo do Museu de Arte Sacra da UFBA tem sido uma ponte entre a Museologia preocupada com a educação e os interessados e envolvidos na Instituição, firmando laços que são baseados na preocupação com a preservação do conhecimento adquirido através do Museu. É importante destacar alguns resultados observados na prática: melhoria na qualidade de atendimento ao visitante; maior interesse profissional, a partir da compreensão de sua importância dentro da Instituição museológica; maior interação entre os técnicos – museólogos, restauradores e conservadores – e os guardas de acervo. O processo de capacitação, atualmente, vem acontecendo de forma contínua. A dinâmica do projeto nos fez perceber a necessidade de um acompanhamento desses profissionais de forma mais próxima, auxiliando-os no espaço expositivo diariamente. Sendo assim, ao desenvolvermos as atividades de capacitação, temos como objetivo maior atingir não apenas os funcionários mas através deles os visitantes interessados no conhecimento acerca do patrimônio brasileiro.

REFERÊNCIAS ABREU, Regina. Patrimônio Cultural: Tensões e Disputas no Contexto de uma Nova Ordem Discursiva. In: LIMA, M. F., ECKERT, C. & BELTRÃO, J. (org) Antropologia e Patrimônio Cultural: diálogos e desafios contemporâneos. ABA/Nova Letra, 2007 ANDRADE, Solange Ramos de. História das Religiões e das Religiosidades: Uma Breve Introdução. In: MARANHÃO, Eduardo de Albuquerque Filho (org.). (Re)conhecendo o Sagrado: Reflexões Teórico-Metodológicas dos Estudos de Religiões e Religiosidades. 1° Ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. CALDERÓN, Valentin. Biografia de um Monumento: O Antigo Convento de Santa Teresa da Bahia. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1970. CAMPOS, Adalgisa Arantes. A Ordem Carmelita. Per Musi, Belo Horizonte, n. 24, 2011. CAMPOS, Adalgisa Arantes. Arte Sacra no Brasil Colonial. Belo Horizonte: C/Arte, 2011. CARVALHO, José Sérgio. Por Uma Pedagogia da Dignidade: Memórias e Reflexões sobre a Experiência Escolar. 1° Ed. São Paulo: Summus, 2016. CATÁLOGO, Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia. Salvador: Impressão Bigraf, 2008. FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação Patrimonial: Um Processo de Mediação. In: IPHAN, Caderno Temático 2: Educação Patrimonial: Reflexões e Práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012. GRUNBERG, Evelina. Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007. GUERRIERO, Silas (org.). O Estudo das Religiões: Desafios Contemporâneos. São Paulo: Paulinas, 2003. ICOM. Declaração de Caracas. 1992, In: Cadernos de Sociomuseologia, nº15, 1999. MATTOS, Waldemar. Os Carmelitas Descalços na Bahia. Salvador: Tipografia Manú Editora Ltda., 1964. SALA, Dalton. Ensaios Sobre Arte Colonial Luso-Brasileira. 1° Ed. São Paulo: Landy, 2002. SILVA-NIGRA, D. Clemente Maria da. Museu de Arte Sacra da Bahia. Rio de Janeiro: Agir, 1972.

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19  Nessa aula pudemos explorar como a arquitetura dos conventos Carmelitanos assemelham-se e os guardas de acervo puderam realizar análises comparativas entre eles.

Revista Jovens Cientistas

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ESPECIAL RECOMENDAÇÃO DE SALVADOR Encontro Baiano de Educação Museal Salvador, 20 a 22 de março de 2019 Aos 22 de março de 2019, o comitê gestor

n. 71, de 29 de novembro de 2012,

7. Considerando a Portaria Ibram n. 422, de

da Rede de Educadores em Museus da Bahia

que acrescentou à Constituição Federal

30 de novembro de 2017, que dispôs sobre a

(REM-BA), em sessão plenária, com apoio

o Artigo 216-A, instituindo o Sistema

Política Nacional de Educação Museal (PNEM);

do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram),

Nacional de Cultura; 8. Considerando o papel protagonista das

do Museu Carlos Costa Pinto, da Fundação Gregório de Matos (FGM), do Museu da

3. Considerando a Lei n. 12.343, de 2 de

Redes de Educadores em Museus, organizações

Misericórdia, do Núcleo de Ofiologia e Animais

dezembro de 2010, que instituiu o Plano

voluntárias e informais, surgidas da vontade

Peçonhentos da Universidade Federal da

Nacional de Cultura (PNC) e criou o Sistema

e

Bahia (Noap/UFBA), da Tecnomuseu e das

Nacional

articularem-se e realizarem atividades de

Redes de Educadores em Museus de Goiás,

Culturais (SNIIC);

de

Informações

e

Indicadores

de

educadores

museais

formação, troca de experiências e debates sobre práticas e teorias, bem como sobre

do Maranhão, da Paraíba, do Rio de Janeiro e de São Paulo, bem como da REMUS - Rede

4. Considerando a Política Nacional de Museus

assuntos pertinentes ao campo, conforme

de Museus da Universidade Estadual de Feira

(PNM, 2003), a Lei 11.904 de 14 de janeiro

explicitado no Caderno da PNEM publicado

de Santana e Rede de Museus e Pontos de

de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus

pelo Ibram no ano de 2018;

Memória do Sul da Bahia; em conjunto com o

e considerando o Plano Nacional Setorial de

coletivo advindo das diversas macrorregiões

Museus (PNSM, 2010);

brasileiras,

resolve

publicizar

essas

recomendações com o intuito de favorecer os processos e as políticas de Educação Museal, acordados em assembleias pretéritas, garantidas em marcos legais e documentos do campo, fazendo as seguintes considerações e recomendações: 1. Considerando o art. 215 da Constituição Federal de 1988, que garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional;

9. Considerando as finalidades das REM’s, de elaborar, implementar, avaliar e reivindicar

5. Considerando a Lei n. 13.193, de 13 de

ações e políticas específicas para o campo,

novembro de 2014, que aprovou o Plano

atuando como espaço de debate político e de

Estadual de Cultura da Bahia, cuja Diretoria

formação para os educadores;

de

Museus

do

Instituto

do

Patrimônio

Artístico e Cultural da Bahia (Dimus/Ipac)

10. Considerando que as REMs representam

foi apontada como responsável pela Política

a capacidade de organização, de formação,

Setorial Estadual de Museus;

de demanda e de trabalho coletivo em colaboração, apontando lacunas nas políticas

6. Considerando a recomendação da UNESCO

públicas no setor da Educação Museal e

de 2015 referente a proteção e promoção

propondo soluções para elas, com a missão

dos museus e coleções, sua diversidade e seu

de ter a responsabilidade e o compromisso

papel na sociedade;

com a luta por uma Educação Museal consolidada, emancipadora e para todos.

2. Considerando a Emenda Constitucional

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necessidade

Revista Jovens Cientistas


Fotos: Acevo -Secretária de Turismo do Estado da Bahia

Recomendamos:

6. Reativar o Plano Estadual de Cultura da

1. Consolidar uma articulação nacional das REMs organizando a estrutura e composição da REM Brasil;

colaborativa, por meio das conferências de cultura e demais tecnologias sociais,

Assinam:

que se encontra em estado de letargia,

2. Realizar Encontros locais de Educação Museal organizados pelas REMs, no sentido de colaborar com os debates de construção do I Encontro Nacional de Educação Museal que vai ocorrer no âmbito do 8° Fórum Nacional de Museus;

Brasil, carta de intenções a ser entregue ao IBRAM com objetivo de colaborar com a construção e realização do I Encontro Nacional de Educação Museal;

por conseguinte, a de Educação Museal;

de criação de uma Associação Nacional de Educadores Museais, com vistas ao profissionalização

da

educação museal e do campo;

7. Promover a criação de um sistema de monitoramento e avaliação constante das políticas culturais no âmbito da Dimus/Ipac,

museal baiano, possibilitando diagnósticos precisos e tomada de decisões que favoreçam suas implementações;

5. Conclamar as REMs para elaborar uma proposta de conformação para o Conselho

graduações e programas de pós-graduação em Museologia, Pedagogia, licenciaturas e áreas afins, formando profissionais sensíveis à temática; Contemplar

a

Educação

Andressa Lima Batista Camila Françoso Rosso Carina Cazé Diretório Acadêmico de Museologia Musas da Resistência Edenberg Lima Neres Fernanda Castro

8. Promover a inserção de componentes

9.

Alexandra de Lima Cavalcanti Aline Miranda e Souza

curriculares acerca da Educação Museal nas

4. Debater entre as REMs a possibilidade

da

prejudicando a política setorial de museus e,

mormente as que dizem respeito ao campo

3. Elaborar coletivamente, a partir da REM

fortalecimento

Bahia, elaborado de forma participativa e

Museal

na

Igor Alexander Nascimento de Souza Leane Cristina Ferreira Gonçalves Lucas Mahacri dos Santos de Oliveira Maria de Lourdes Nery Mendonça Souza Maria Helena Guimarães Carvalho Tavares

elaboração do Plano Municipal de Cultura de

Marielle Gonçalves

Salvador.

Milla Silva

Consultivo da PNEM, pensando em sua

Mona Nascimento

estrutura, objetivos, garantindo a participação

Mônica Musa Afonso

das REMs em sua constituição;

Rafael Vinícius Almeida Vilas Boas Rafaela Almeida Rejâne Maria Lira-da-Silva Taís Valente Thanity Silva de Andrade Thiago Consiglio

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