Revista Lupa #2

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GRAFITE, ARTE DE RUA FALA, LUIS AUGUSTO! CEGOS Vテグ AO CINEMA?

REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO I, N. 2. SALVADOR, VERテグ 2006/2007


CIRCO URBANO

03 Lupa sob a lupa Expediente

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De óculos escuros no cinema: cegos preferem filmes brasileiros, apesar das dificuldades. Pode sentar, a história vai começar! Entrevista com Maria Betty Coelho Silva. Mapele: um paraíso em extinção. Beleza natural e vida difícil dos moradores do bairro. Dize-me o que comes, e te direi em quem acreditas. Como as religiões mexem com os hábitos alimentares. 08 E na praia é que se vê... Porto da Barra, pouco espaço para muita diversidade. 09 Se vira nos 350! Malabarismo é pouco para sobreviver com o salário mínimo. 10 Fala, Luis! Entrevista com Luis Augusto, autor da HQ “Fala, Menino”.

IMPRESSÕES

PROVA DOS NOVE

18 Entre o céu e o abismo, um ensaio visual.

12 Universitários africanos buscam formação profissional em Salvador. 14 Um benefício ao alcance de todos. O Serviço Médico da UFBA ainda é desconhecido por seus alunos. 15 UFBA quer acabar com vestibular? Mudanças no processo seletivo. 16 Você sabe o que é uma ouvidoria? A UFBA tem, a FACOM também. 17 “Não sabemos escrever direito...” Programa de Educação de Jovens e Adultos não garante alfabetização. 20 Fazenda Coutos. Jovens do Subúrbio Ferroviário se mobilizam em busca de transformação social. 21 Sem pressa para arrumar as malas. Intercâmbio estudantil. 23 Colégio Aplicação x Instituto Anísio Texeira. Um projeto e duas realidades diferentes.

34 O que Jesus fez dos 12 aos 30 anos? Breno Fernandes nos conta.

CUBO MÁGICO

24 Sala de Estar. O projeto Sala de Arte promete mais cine de qualidade. 26 Cinema no vestibular: equívocos e paradoxos Coluna de André Setaro.

PASSEPARTOUT

MEIO E MENSAGEM

SUMÁRIO

EDITORIAL

27 Música eletrônica em Salvador. O que é esta sub-cultura e como ela invadiu a cidade. 28 Galeria Urbana. O grafite é arte e meio de expressão de caráter transformador. 30 Dança arte na Bahia. Ateliê de Coreógrafos Brasileiros parte para a quinta edição. 32 Porque não vamos ao teatro? Soteropolitanos preferem ir ao cinema ou a um show musical. 33 Os teatros de Salvador e seus públicos Localização das salas dificulta acesso da maioria.

DIGITAL http://www.facom.ufba.br/lupa Outras matérias, blog...


Lupa sob a lupa Graciela Natansohn

_Impresso em: Gráfica Villimpress _Tiragem: 4000 exemplares.

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EXPEDIENTE

legria, alegria! Mais um novo número da Lupa, desta vez, de cara nova. Produzida por estudantes de jornalismo, esta segunda edição da primeira revista experimental da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia pretende ocupar um espaço órfão no âmbito do jornalismo impresso em Salvador: o das revistas. Empreendimento difícil e precioso, revistas impressas costumam sobreviver muito pouco tempo no mercado editorial soteropolitano e, por isso, a prática de fazer jornalismo de revista é uma oportunidade rara para os acadêmicos. Caminhando contra o vento, misturando informação, entretenimento, serviço e sensibilidade estética, queremos fazer da Lupa uma experiência didática e, ao mesmo tempo, um empreendimento editorial sólido. Ainda não chegamos às bancas para inspirar Caetano, pois o caminho até lá é sinuoso, íngreme como a ladeira dos Aflitos. Mas, vamos lá! Assumimos o desafio e botamos a mão na massa, aprendendo com os erros e com as dificuldades e enfrentando novos ventos. Daí, a cara nova. _ Como criança recém nascida, a Lupa cresce e vai se transformando rapidamente. Mas, como gente grande que somos, decidimos o que queremos ser, sempre dentro das nossas possibilidades... Nada ficou impune ao nosso afã de transformação! Mudamos o projeto gráfico e a marca. Mudamos as seções. Ficamos mais leves e mais bonitos. Os textos reunidos nesta segunda edição trazem enfoques, opiniões, talentos e dificuldades de quem está no cotidiano da aprendizagem do ofício: a segunda turma de Oficina de Jornalismo Impresso que, agora, mostra a cara (foto). _ Todavia, nos duplicamos no ciberespaço e, a partir de 2007, estaremos na Web. Uma dica: se está fora da cidade ou não conseguiu um exemplar da Lupa para dar de presente a algum amigo ou amiga, entre no site www.facom.ufba.br/lupa, confira o que há de novo e recomende. Uma surpresa: publicamos o ensaio vencedor do Primeiro Concurso de Fotografia, organizado pela Lupa e o Laboratório de Fotografia da Facom. Veja o resultado nas páginas centrais. Muitos desejos: queremos ver a Lupa debaixo do seu braço, dentro da sua pasta, na sua prateleira dentro do quarto. Queremos ouvir suas opiniões, seus palpites e críticas. Por isso, escreva para rev.lupa@ufba. br. O outro desejo é rotina, mas nem por isso deixa de ser verdadeiro: Feliz Natal e um belo Ano Novo para todos! Até a próxima, ladeira acima e pernas fortes.

As opiniões expressas neste veículo são de inteira responsabilidade dos seus autores.

_Reitor da UFBA: Prof. Naomar de Almeida Filho. _Diretor da Facom: Prof. Giovandro Ferreira. _Coordenação Editorial: Profa. Graciela Natansohn. _Coordenação da Lupa Digital: Profa. Beatriz Ribas. _Edição de Fotojornalismo: Prof. Odemar Vítor, acad. Nina Neves _Edição de Fotografia (Impressões): Prof. José Mamede. _Jornalista Responsável: Giovandro Ferreira, MT 312/85. _Projeto Gráfico: Alice Vargas (www.avargas.com.br). _Direção de Arte: Alice Vargas. _Redação: Andrea Trindade, Arabi Xinguara, Breno Fernandes, Bruna Hercog, Carina Barbalho, Carolina Garcia, Daniela Ribeiro, Deijeane Nascimento, Érika Amorim, Fernanda Caldas, Giovana Povoas, Jan Fleischer, Laís Gomes, Luiza Borges, Mayana Mignac, Nádia Conceição, Nina Neves, Renata Ferreira dos Santos, Sara Manera, Tarsila Guimarães, Thais Vivas, Ticiane Bicelli. _Revisão: Breno Fernandes, Bruna Hercog, Daniela Ribeiro, Sara Manera, Tarsila Guimarães, Thais Vivas. _Ilustração: Alice Vargas, Felipe Duarte, Giovanni Muratori, Luis Augusto, Patrícia Leite, Rezende, Vânia Medeiros. _Fotografia: Bruna Hercog, Nádia Conceição, Nanna Pôssa, Nina Neves, Sara Manera. _Diagramação: Rai Trindade, Alice Vargas. _Capa: Grafite de Izolag. _Apoio: Miguel Pedro da S. Neto, Renato da Silveira, turma de Programação Visual.

FALECOM rev.lupa@ufba.br

Faculdade de Comunicação da UFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. Tel: (71) 3263-6174, 3263-6177 Fax: (71) 3263-6197 e-mail: rev.lupa@ufba.br http://www.facom.ufba.br/lupa

CAPA Grafite de Izolag, na Av. Centenário, Salvador página 28.

EDITORIAL

“O sol nas bancas de revista, me enche de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia? Eu vou” (Caetano Veloso)

Lupa é uma publicação da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Turma 2 da disciplina Técnicas de Jornalismo Impresso 2006.2, do curso de Jornalismo. Ano I, Número 2. Salvador, verão 2006/2007. Distribuição Gratuita.


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De óculos escuros no

cinema (ou tateando o pinto de Davi)

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Texto Nina Neves | Ilustração Rezende

_ A apreciação plena de uma escultura só é possível pelo tato, afinal trata-se de uma obra de arte com volume e textura. O olho percebe, mas não sente. Somos privados de desfrutá-la desta forma por questões diversas: preservação, convenção, chatice. Os deficientes visuais vivem esse tipo de privação quase a todo o momento, num mundo cada vez mais visualmente apelativo. Seu sentido principal é a audição - ela é o canal de orientação, estímulo, informação e diversão. Contudo, fazem praticamente o mesmo que as pessoas não-cegas fazem, inclusive no que diz respeito ao entretenimento. As pessoas com deficiência visual assistem a novelas, ouvem música, usam o computador, lêem, dançam, jogam e vão à praia. Então não estranhe mais se, ao entrar no cinema, você vir, sentadinho com a pipoca em punho, um cara de óculos escuros de frente para a tela. _ Filmes nacionais sempre foram os preferidos das pessoas com deficiência visual. A diretora social da Associação Baiana de Cegos (ABC), Indiara de Carvalho, 44 anos, costuma assistí-los, bem como às novelas, mesmo que tenha alguma dificuldade de entendimento das cenas mudas. Fernando Matos, 35 anos, estudante de direito da Ufba, alega que, no cinema, muitas vezes as cenas cruciais não são faladas, então prefere não ver filmes. As diferenças entre Indiara e Fernando vão além do gostar ou não de assistir a filmes. Fernando perdeu a visão quando tinha apenas cinco anos. Hoje, ele tem pouca memória visual, lembra-se apenas de formas comuns, como árvores e cachorros, e sabe que o céu é azul e as plantas são verdes. Ainda criança, aprendeu o braile e teve toda a educação adaptada à sua necessidade especial. Atualmente, Fernando cursa a sua segunda graduação e conta com tradutores que lêem apostilas e textos para ele. Já Indiara ficou cega aos 22 anos, devido ao rompimento da artéria que irrigava o nervo óptico. Empenhada em se adaptar à vida diferente

que levaria dali em diante, aprendeu o braile e a se orientar espacialmente. Ela se lembra de inúmeras coisas e pessoas e, inclusive, ainda costuma sonhar com imagens. _ Apesar das diferenças, ambos concordam que um deficiente visual não tem maiores complicações em se divertir. Eles freqüentam festas, barzinhos, teatros, praias e eventos musicais. A escolha do programa depende de suas preferências. Fernando e Indiara explicam que, por não enxergarem, precisam exigir mais de sentidos como a audição e o tato, mas deixam claro que estes não se tornam “supersentidos” depois da cegueira, são apenas mais requisitados. Indiara vai sempre a shows: “adoro ir pra show de reggae quando os meus amigos estão aqui, que é o pessoal da Tribo de Jah [banda que, inclusive, é composta por músicos cegos]. Aí eu fico com eles no camarim!” Fernando, por sua vez, adora ler. É usuário assíduo de três audiotecas (bibliotecas de livros gravados em cassete; elas enviam as obras aos associados pelo correio, que as devolvem após ouvi-las). Além disso, é um jogador nato: “Se você me convidar para apostar quem cospe mais longe, tô

colado. Falou que um vai ganhar e o outro perder, é comigo mesmo”. Os jogos, tanto os de mesa quanto o futebol, costumam ser adaptados: o baralho tem as marcas em braile nas pontas; a bola tem um guizo e os jogos de tabuleiro, como xadrez e damas, são jogados com um tabuleiro para cada um. _ A maior adaptação em termos de aparelhos tecnológicos está no computador. Existem softwares que lêem as páginas da internet, os e-mails e os demais programas para os cegos. Com o auxílio de um fone de ouvido, eles podem ouvir o que digitam e o que está escrito na tela. Indiara brinca que prefere ficar com o monitor desligado, para que os “videntes” não fiquem “curiando” sua vida. Fernando, cuja primeira graduação foi em Ciência da Computação, sabe da a necessidade de aprimoramento constante desses softwares. _ É com a alternância da adaptação do mundo aos cegos e dos cegos ao mundo que é possível lidar melhor com a deficiência. Segundo Fernando, “é isso que efetivamente integra o deficiente à sociedade, e não a criação de uma sociedade alternativa pra ele”.

Atividades do Museu Carlos Costa Pinto Há alguns anos, o Museu Carlos Costa Pinto organizou tardes de vivência para cegos e surdos. Aos deficientes visuais era permitido tocar nas esculturas e móveis expostos. Eles também tinham aulas de trabalho com argila. Foi publicado, inclusive, um catálogo contando a história do Museu em braile. Os deficientes auditivos, por sua vez, assistiam ao filme sobre a história do Museu e passeavam apreciando as obras. A idéia, surgida a partir de um cardápio em braile do McDonald’s, há muito não é posta em prática. A última vez em que essas vivências aconteceram foi há aproximadamente três anos.


Entrevista a Bruna Hercog | Foto Bruna Hercog

Maria Betty Coelho Silva, natural de Salvador, é contadora de histórias e autora de livros voltados para o público infantil, como “Foi Um dia, Um dia Foi” e de títulos sobre o ato de contar histórias, como “Contar histórias: uma arte sem idade”, sua primeira obra. Aos 83 anos e considerada uma das maiores contadoras de história do Brasil, Betty esbanja alegria e vontade de viver. Bem pequenina, é uma mulher enorme. Fomos cúmplices dos instantes em que passamos juntas, com o mar logo atrás de nós. Silencioso. Atencioso. Será que Betty conta histórias para o mar? Não sei. O que sei é que quando essa mulher linda começa a falar, seus olhinhos brilham e pronto: entramos em um conto de fadas...

Por que contar histórias? Porque gostamos de ouví-las, independente da idade e das circunstâncias. Crianças enfermas nos hospitais ouvem com agrado. Detentos na casa de detenção ouvem com muito gosto. Toda arte tem um fundamento teórico e “porque gostamos de ouví-las” é o fundamento básico da arte de contar histórias. E por que gostamos de ouví-las? A história é o alimento da imaginação e o ato de contar histórias é muito antigo.

Algum momento marcante na sua trajetória de contadora de histórias? Um dia, quando estagiava para me formar em professora, houve um eclipse do sol e as professoras tinham ido para a varanda da escola apreciar o fenômeno. Nós, estagiárias, ficamos nas salas de aula. Você imagine! Eu era muito jovem, com aquela farda azul e branca de normalista. Entro na sala e levo um susto, porque eram 60 crianças pequenas sozinhas. Eles atiravam tamancos uns nos outros. Eram tamancos no ar! Eu parei, diante deles, sozinha, baixa que sempre fui. Apenas um pouquinho mais alta do que as crianças. Tinha levado um plano de aula muito caprichado, só que meus professores não tinham me dito o que fazer em uma situação daquelas. De repente, veio assim como um estalo: Betty, conte uma história, disse pra mim mesma. Eu ouvia muito contar histórias em casa. Adorava contar histórias para meus irmãos menores e para meus primos. Era muito intuitiva. Então, diante daquelas crianças, eu contei uma história: a do rabo do macaco. É uma história acumulativa, muito interessante. Começa quando o macaco pede para o barbeiro para cortar seu rabo. As crianças foram aquietando-se. Não me sai da memória visual o silêncio que se fez, a atenção, o olhar, a expressão das crianças e a participação delas cantando comigo: “Barbeiro me dê o meu rabo, o rabo que o barbeiro me deu”. Nesse dia, eu aprendi minha verdadeira lição: contar histórias é muito importante. Lembra de outra situação inesquecível? Essa mesma história do rabo do macaco foi contada por uma professora que tinha sido minha aluna. Ela estava trabalhando no Centro de Educação Especial da Bahia (CEEBA), voltado para crianças que têm algum tipo de dificuldade de aprendizado. Havia uma menina na turma que tinha cerca de 9 anos e não falava. A menina já sabia ler e escrever, mas parou de falar quando viu a mãe morrer queimada. Um trauma que trancou sua voz. Faziam-se muitas coisas para que a menina voltasse a falar. Um dia, a professora decidiu contar uma história para a turma e contou a do rabo do

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vai começar!

macaco. Os meninos gostaram tanto, que ela decidiu contar outra no dia seguinte. Aí a tal menina que não falava levantou e apontou com o dedo para a história do macaco. Toda vez que a professora anunciava que ia contar uma história, a menina apontava para o livro e pedia aquela. É muito importante repetir uma história quando a criança pede e elas pedem muito. Se pedem, é porque houve inconscientemente alguma identificação. E lá pela sexta ou sétima vez, na hora em que a professora disse: “Padeiro me dê o meu cesto”, a menina completou: “Cesto que o cesteiro me deu”. A menina voltou a falar. A menina perdeu a mãe - uma perda terrível - e parou de falar. O macaco foi perdendo as coisas, primeiro o próprio rabo que ele pediu ao barbeiro para cortar, mas ele falava: “Quero meu rabo, quero porque quero”. O barbeiro não tinha rabo nenhum pra dar a ele, deu uma navalha e, assim, ele vai trocando, trocando. Mas, cada perda que tem, exige aquilo de volta e como a pessoa não tem para dar a ele, dá uma coisa nova. No fim, ele ganha uma viola e com esta viola na mão a história acaba, porque o macaco sobe numa árvore bem alta e começa a dedilhar tudo o que ele perdeu: “Perdi meu rabo, ganhei uma navalha...”. A viola tem cordas. Nós, para falarmos, usamos as pregas vocais, que também chamamos de cordas. De tanto a menina ouvir aquela história, inconscientemente ela se identificou com o macaco, porque ele ia perdendo as coisas, mas reclamava. O macaco não parou de falar. Claro que a garota não teria a mãe de volta, mas ela tinha uma professora que contava histórias e não adiantava ela ficar calada. É claro que ela não ficava calada porque quisesse, foi um trauma. Enfim, são episódios muito marcantes e são centenas deles... O que é contar histórias? É um momento indescritível. Só quem conta histórias pode perceber. É um sossego. Mas não um sossego imposto, é um sossego desejado.

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a história

Acreditam os antropólogos que as pessoas quando começaram a falar, conversavam ao redor da fogueira e contavam o que tinham feito no dia, como tinha sido a caçada. Aquele que contasse com mais detalhes, seria o melhor ouvido. A prática de contar e ouvir histórias se transmite de geração para geração. As histórias permitem uma identificação com os personagens.

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Pode sentar,


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um paraíso em extinção

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Texto e Foto Andréa Trindade

_ Localizado próximo ao bairro de Paripe, Mapele é um paraíso perdido e com perigo de extinção. Com cerca de 3 mil habitantes, o bairro se destaca pelo contraste entre a exuberância da natureza e a complicada realidade social de seus moradores. Banhado pela Baía de Aratu e rico em manguezais, Mapele sofre com a poluição exacerbada das indústrias de grande porte que se instalaram na região há mais de 38 anos, entre elas a Dow Química e a antiga Sibra, atual Rio Doce Manganês (RDM). _ Em março de 2001, o Ministério Público do município de Simões Filho realizou um estudo sobre as condições de saúde da população que habitava ao redor da antiga Sibra. Substâncias como o manganês foram encontradas em quase todos os moradores das redondezas. Feito isso, por intermédio da Promotora de Justiça, Hortência Pinho, a empresa foi obrigada a assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), como forma de recompensar os danos ambientais e, sobretudo, aqueles relativos à saúde, pagando uma indenização às famílias mais afetadas pelos poluentes. O condomínio Crê-ser foi então construído, com o intuito de reparar cerca de 200 famílias desamparadas.

_ “A incidência de crianças com problemas respiratórios é altíssima aqui”, afirma Veridiana Cristiana de Carvalho, enfermeira do Posto Saúde da Família de Mapele. Segundo ela, não é possível escapar destes problemas, muitas vezes nem mesmo de outras doenças mais graves. “Vejo bebês engatinhando nas casas e sujando as mãozinhas com fuligem. O ar, os móveis e o chão ficam impregnados de poeira química”, desabafa a enfermeira. A médica que acompanha os casos mais freqüentes, Iliane Maria Gomes, afirma ser grande a probabilidade destas pessoas desen-

cadearem um câncer de pulmão, pois o acúmulo de produtos químicos afeta de forma crônica os pulmões dos moradores da região. _ Os prejuízos causados pelas empresas não param por aí. A RDM e a Dow Química também são acusadas pelos moradores de serem as maiores poluentes dos manguezais de Mapele. Há 20 anos, o distrito destacava-se pela exuberância ecológica, refletida na riqueza de mariscos e peixes, que garantiam a sobrevivência dos pescadores através da alimentação e do comércio. Com a chegada das empresas e a conseqüente poluição atmosférica e marítima, os manguezais ficaram escassos e a produtividade da pesca foi afetada significativamente. Muitos lutam contra essas empresas e seus efeitos poluentes, porém pouca coisa mudou em Mapele. O pescador Reginaldo, conhecido como o “Chico Mendes” de Mapele, orgulhase do codinome que lhe foi atribuído pela população. “Não tenho medo das ameaças que recebo. Os manguezais não podem extinguir-se, caso contrário perderemos não só o nosso sustento, mas também esta linda biodiversidade, tão expressiva nesta região”, afirma o pescador. _ De acordo com o estudo realizado pelo Ministério Público, a RDM afirma já ter reparado os danos causados com o excesso de poluentes através da construção do Condomínio Crê-Ser e também a partir da implantação de outras políticas de responsabilidade social e gestão ambiental, a exemplo da implementação de uma nova unidade produtiva para a redução da degradação ambiental e geração de emprego e renda para a os moradores locais. Os assessores de comunicação das empresas foram procurados pela equipe de reportagem, mas preferiram não se manifestar. _ Enquanto as acusações prolongam-se, Mapele vai perdendo o verde e escurecendo as raízes, aproximando-se cada vez mais da extinção.


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Dize-me o que comes, e te direi em quem acreditas Como a religião influi nos costumes alimentares | Ilustração Vânia Medeiros

centa que para eles, “a alimentação deve ser pautada pela necessidade e não pelo desejo”. Comer por fome e não por prazer, eles apregoam. Daí também a preferência por alimentos com pouco condimento. _ Ser naturista é um desejo e uma prerrogativa para os adventistas mais ricos. Sabe-se que manter o corpo saudável e seguir com mais intensidade uma dieta natural é um privilégio que não está ao alcance de todos, destaca a nutricionista. _ No judaísmo também estão presentes proibições alimentares e jejuns. Contudo, segundo o professor Antônio Marcos Wanderley, judeu praticante há seis anos, as normas alimentares não têm relação com a saúde, mas com a observância das leis religiosas. Nas palavras do Rabino Nilton Bonder, ao obedecer às regras, o observante deve sentir prazer. “Quem observa discerne e, portanto, não se restringe, agindo assim por escolha deliberada”. _ O judeu Wanderley demonstra prazer em seguir as regras alimentares da “Kashrut”, coletânea de leis judaicas. Diz que o Antigo Testamento proíbe a ingestão de carne de porco, de peixes de couro e aves de rapina. Para ele, a forma correta de obedecer às regras é comer apenas carne de peixe com escamas e peito de frango, não ingerir pão com fermento durante a Páscoa Judaica e

observar os jejuns. Também não come carne bovina porque sua religião condena a forma tradicional de abate. _ No judaísmo, as comidas são repletas de simbologia e as normas alimentares são uma forma de atrelar o passado e o futuro de um povo. Na Páscoa, por exemplo, come-se pão sem fermento para lembrar a fuga do povo hebreu do Egito, quando os pães foram assados às pressas, sem fermentar. _ A culinária traz o sentimento de pertencimento a uma religião, a um grupo. Este sentido é dado, inclusive, pela etimologia da palavra companheiro, que vem do latim, cum panem ou “aqueles que compartilham o pão”. Selecionar e preparar as comidas, portanto, é um ato de coesão social e que nos difere dos outros animais.

Questão de Crença Para o Islamismo e o Judaísmo, os animais devem ser abatidos com um único corte no pescoço, para evitar sofrimento. O sangue deve ser escoado do corpo e nunca consumido. No Islamismo, esta técnica é chamada de halal e no judaísmo, kosher.

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_ A religião, como a cultura, influencia o modo de vida de seus adeptos e isto inclui os hábitos alimentares. Alimentarse é muito mais do que ingerir comida; é um ato cultural repleto de significados e presente, também, nas práticas religiosas. _ O ser humano é o único animal que desenvolveu a culinária, o que significa lavar, cozinhar e combinar ingredientes. A escolha dos alimentos e o ritual de preparo é complexo, por isso, cada cultura possui um sistema alimentar cheio de regras e proibições. _ As diversas religiões possuem uma série de restrições alimentares e também de prescrições do que são “boas” iguarias. Para o Islamismo, as normas de alimentação estão relacionadas à saúde, elevação espiritual e caridade. É o que explica o Sheik nigeriano Abdul Ahmad, do Centro Cultural Islâmico, em Salvador. _ Ele diz que no Alcorão estão presentes as revelações de Deus sobre quais são os alimentos próprios e os impróprios para o consumo. “Deus é o criador, ele sabe quais são as criaturas boas para a nossa saúde. Ele disse para não comer carne de porco e a ciência mostra que nesta carne há uma bactéria que não morre mesmo que a carne seja cozida” afirma. _ Para os islâmicos, alimentar-se conforme as regras de Alá significa também não comer por um período. O Sheik Ahmad explica que o mês do jejum (Ramadã), o mês nove no calendário islâmico, é bom para a saúde do corpo, para a reflexão espiritual e para conhecer a situação das pessoas carentes de comida. Durante esse período come-se apenas após o pôr-do-sol e até o sol raiar. Para ele, o Ramadã estimula a solidariedade, que é um dos cinco mandamentos de sua religião. _ A Igreja Adventista do Sétimo Dia prega uma alimentação natural. “Para os adventistas, o alimento é um meio para a conquista e a manipulação da saúde do corpo, que é o templo do Espírito Santo, instrumento físico a serviço de Deus”, afirma a nutricionista Sandra Pacheco, que pesquisou os hábitos alimentares dos adventistas das Igrejas da Pituba e de Itapuã. _ Por este motivo, os adeptos desta religião preferem comer frutas, verduras e carboidratos complexos. Pacheco acres-

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Texto Tais Vivas


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PORTO DA BARRA e na praia é que se vê areia melhor pra deitar... Texto Ticiane Bicelli

| Ilustração Giovanni Muratori

_ Domingo de sol. A capital baiana se aglomera em uma faixa de areia de pouco mais de 200 metros. São moradores do bairro, curiosos, poetas, vendedores ambulantes, cangas, água de coco e um cenário belíssimo para compor a trama. É o Porto da Barra, pequena enseada banhada pela Baía de Todos os Santos, delimitada por dois fortes coloniais e concorrida por suas águas calmas e transparentes. Não foi cantada por Vinicius, mas transborda poesia. _ Para uma cidade que não consegue manter um point por mais de um verão, o Porto se consagra como um ícone de resistência e de vanguarda da contracultura baiana. São tribos das mais variadas que compartilham esse pequeno território alternativo. As diferenças são evidentes, e aí se incluem também as disputas por espaço.

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Da Babilônia ao reduto de pescadores _ Em um extremo da praia fica a turma da cannabis sativa, que prefere um distanciamento para curtir o ambiente de paz e amor, encostar-se nas rochas e gozar o marasmo. Próximo, está o grupo GLS, com alguns membros mais retraídos e outros querendo esbanjar suas particularidades. Figura que chamava atenção era um cidadão de sunga colorida com flores tatuadas na região abdominal e um carimbo nas costas com o dizer “frágil”. Os sambistas ficam logo atrás deste grupo, fazendo o

seu som. Mais ao lado, os moradores do bairro, junto às patricinhas, estiradas em suas cangas à espera do bronzeamento perfeito. No outro extremo estão os pescadores e, logo ao lado, a galera dos bairros populares, que vêem na praia de domingo uma oportunidade de lazer acessível. Com os turistas, principalmente os estrangeiros, a situação é diferente. Não estão restritos a nenhum dos grupos, o que querem mesmo é se misturar aos baianos. _ A estudante Laís, 19 anos, não concorda quando ouve dizer que ali é um ambiente de livre manifestação e onde não há preconceito. “A segregação aqui é evidente, até pior do que eu imaginava, pois é inconsciente. Por exemplo, eu, quando chego, logo me acomodo do lado direito. Jamais fico do lado oposto”. “Eu sou João, eu só vendo é camarão...” _ A atividade dos vendedores ambulantes é de grande importância na falta de estrutura de barracas na areia. Para muitos deles, a praia é o meio de tirar o sustento. Essa, porém, é uma atividade de risco, pois não há uma precisão no saldo ao final do mês. Tudo depende do tempo, da época do ano, dos dias da semana e também de um pouco de sorte. Por conta dessa inconstância, alguns vendedores só perambulam pela praia aos domingos e feriados. Como o Caco, 21 anos, que durante a semana

é operário numa fábrica de produtos de limpeza. “Aqui o local de trabalho é bem melhor. Quando fico com calor, tomo um banho. Fome? Sento ali e como meu salgado mesmo”, conta. _ Se a variedade de produtos vai de camarão a bronzeadores, passando por roupas, DVDs, bebidas, salgados e sabe-se lá mais o quê, os ambulantes também variam. Há os que gostam de abordar as pessoas mais de perto, oferecendo o produto; os que preferem apenas passar e mostrar, sem falar muito, e há quem monte uma estratégia de marketing mais elaborada. É o caso do João do Camarão. Ele ganhou tanta popularidade com suas rimas cantadas que até CD gravado já possui. Mas como nem tudo é cor de rosa... _ O clima de alegria do Porto da Barra esconde sua atual problemática – a violência. Intensa, porém discreta, ela se manifesta principalmente no tráfico de drogas e exploração sexual de crianças e adolescentes. Durante a semana, este problema é mais evidente. É possível notar a presença de mulheres se prostituindo e de turistas estrangeiros, principalmente europeus, os maiores envolvidos no comércio sexual. _ E é por isso que o Porto da Barra seria (ou é) um ambiente profano se não fosse tão sagrado para seus “habitantes”.


a r i v nos

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S e

!!!

Texto Carina Barbalho e Deijeane Nascimento | Ilustração Alice Vargas

(que o digam as mulheres...) t

A fórmula “discriminação racial + discriminação sexual” aprofunda desigualdades e coloca as afrodescendentes em uma situação bastante complicada.

mim, é partir pro trabalho extra”, completa Simone. Se já é difícil se manter sozinha com um salário mínimo de R$ 350, para quem tem filhos, paga transporte, luz, água, aluguel, alimentação, é tarefa quase impossível. _ É o caso de Maria Conceição. Mãe de dois filhos, solteira e trabalhadora doméstica, ela é mais um exemplo dos resultados gerados pela fórmula “discriminação racial + discriminação sexual”. Trabalha na Barra, em uma casa de família de classe média alta e recebe um salário mínimo. “Eu recebo R$ 350. Com esse valor, tenho que pagar conta de luz, água, cartão de crédito - porque sem ele eu não comeria o resto do mês - e ainda pago colégio particular para os meus dois filhos que são muito novos para entrar na rede pública”, explica Maria. _ Quase setenta anos se passaram des-

de que Getúlio Vargas definiu o salário mínimo como “a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, às suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. O fato é que há uma série de diferenças conflitantes entre o salário mínimo idealizado por Vargas e aquele que os brasileiros e brasileiras recebem atualmente. Quando foi oficializado, o poder de compra do salário mínimo era superior ao de hoje. Foi comemorado por muitos justamente porque, de fato, atendia às necessidades do trabalhador e de sua família. O que não acontece mais. Na real _ O salário mínimo diz respeito a um contingente expressivo de trabalhadores colocados nas piores situações de trabalho e, na maior parte, à margem da proteção social regulada pelo Estado. Uma política de valorização do salário mínimo no Brasil é parte essencial de uma política de desenvolvimento, assentada na expressão da vontade social de uma nova ordem moral e ética de crescimento com distribuição de renda. _ Hoje, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), cerca de 40 milhões de brasileiros recebem, em média, um salário mínimo e, desse total, cerca de 7,6 milhões recebem exatamente um salário mínimo. A discussão sobre um possível aumento do mínimo passou a estar associada à questão previdenciária. Um aumento representaria maiores gastos previdenciários e assistências. Mas, precisa-se entender que gasto social não é “gasto”, é investimento, é direito de quem trabalha e merece viver com dignidade.

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Malabarismo é pouco para sobreviver com o salário mínimo

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_ Não adianta falar em democracia: as condições e causas da pobreza são diferentes para mulheres e homens, negros e brancos. Na hora de conseguir um emprego e condições dignas de trabalho, as questões de gênero e raça influenciam, e muito. A fórmula “discriminação racial + discriminação sexual” aprofunda desigualdades e coloca as afrodescendentes em uma situação bastante complicada: recebem os menores salários, são submetidas a condições precárias de trabalho e enfrentam altas taxas de desemprego. _ De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD, 2001), o trabalho doméstico representa 18,2% do total da ocupação feminina no Brasil, o que corresponde a 6 milhões de mulheres. Desse número, 23,9% são negras. Trocando em miúdos: de cada 100 mulheres com algum tipo de ocupação no Brasil, aproximadamente quatro são empregadas domésticas e negras. Esta atividade, tipicamente feminina, é desvalorizada aos olhos de muitos, o que se reflete nos baixos salários e prolongadas jornadas de trabalho, além de altos índices de contratação à margem da legalidade e ausência de contribuição à previdência. _ Longe de ter o “trabalho decente”, descrito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança, livre de quaisquer formas de discriminação e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho, Simone da Silva, 33, é negra e desde os oito anos trabalha como empregada doméstica. _ Hoje, ela cursa a 8ª série num curso noturno e, ainda, trança cabelo para ajudar a mãe e a sobrinha, que dependem dela. “Pelo menos, eu me alimento, tomo banho na casa do meu empregador. Pior é a situação da minha família”, lamenta. “O dinheiro nem chega em casa. A saída, para


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Entrevista a Breno Fernandes Foto Nina Neves | Ilustrações Luis Augusto

Luis Augusto, 35, está orgulhoso por seu Fala Menino! comemorar o décimo aniversário neste ano. Seu trabalho é ímpar, tanto no que diz respeito aos personagens – mais de 20 crianças, algumas delas portadoras de necessidades especiais – quanto à linha temática, que aborda, de modo leve e funcional, assuntos sérios como trabalho infantil, racismo e separação dos pais. O Fala Menino! já foi elogiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e é objeto de estudo em faculdades de psicologia e comunicação. As tirinhas sobre o Lucas (o menino que não é mudo mas não fala, uma representação da mudez social da criança, segundo o próprio autor) e sua turma podem ser encontradas diariamente no jornal A Tarde, Caderno 2, e também nas livrarias da cidade. Nesta entrevista, Luis Augusto, jovial e bem-humorado, faz uma retrospectiva de sua trajetória profissional e explica seu processo de trabalho.

Quando você começou a desenhar? Desenho desde criança. Aprendi observando o trabalho de outros artistas que eu lia. Profissionalmente, aos 16 anos eu já trabalhava com ilustração numa rede de locadoras de vídeo, onde eu criei uma personagem. Com 17, fui trabalhar com o Ziraldo, no Rio. Era parte da equipe que fazia o Maluquinho, da editora Abril. Foi uma experiência legal, mas era praticamente um estágio. Eu escrevi oito roteiros, ilustrei três ou quatro histórias. Quando eu volto para Salvador, começo a publicar semanalmente no jornal A Tarde uma tira chamada Liu & O Mágico do Sobaco, baseada em fatos reais (risos). A Liu foi um exercício, um laboratório do que depois viraria o Fala Menino! E como surgiu o Fala Menino!? Eu sempre gostei de contar histórias. E sempre desenhei. Então, houve um momento no qual eu percebi que não queria ser arquiteto, que eu gostava desse diálogo com a infância e achava imprescindível rediscutí-la. E percebi também

que, como professor de arte-educação, eu estava limitado a conteúdos, a cronograma de aulas, a horários. Em 95, ganhei um prêmio num concurso da Academia Brasileira de Artes. Eu passei uma semana fazendo essa história, que ganhou menção honrosa. No evento, reencontrei Ziraldo, conheci o Mauricio de Souza, conheci um monte de gente. E então eu percebi o que tinha que fazer, né? Botei uma mochila nas costas e fui para Nova Iorque. Fiquei lá até descobrir que eu não queria ser desenhista de super-heróis. Estou mais na linha de Schulz [criador de Peanuts] que de Stan Lee [criador de Hulk, Homem-Aranha, X-Men e muitos outros]. Assim, volto para o Brasil e começo a pensar o Fala Menino!, pensar o que faltava – que é a questão da inclusão da criança com necessidades especiais, do respeito às diferenças. Era uma coisa sobre a qual se falava muito pouco. Como eu trabalhei três anos com crianças autistas, tenho uma relação toda especial com a questão da inclusão. No romance de Michael Chabon, As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay, que conta a história dos quadrinhos, o protagonista revoluciona toda a arte dos gibis trazendo elementos


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que ele vê no filme Cidadão Kane, tanto textual quanto visualmente. O que você traz de fora para os quadrinhos? Eu faço referência a histórias que leio, músicas que ouço, notícias que me chamam atenção. Cinema me influencia muito tematicamente. Minhas influências maiores são os quadrinhos mesmo. Fazer quadrinhos em formato de tira tem uma linguagem gráfica própria, porque a gente tem espaço e diagramação totalmente limitados. Isso exige uma outra relação com a arte. O ritmo do texto exige que você tenha bastante cautela no uso de perspectivas, no uso de determinados planos. Você precisa trabalhar o desenho e a diagramação de acordo com o ritmo que deseja que o leitor tenha, porque uma história em quadrinhos, diferente de um filme, é entregue inteira pro leitor – começo, meio e fim. É assim como muita gente começa a ler revista pelo fim, muita gente pega um tirinha, já lê o final da piada e depois vai pro começo. Então, você tem de trabalhar o ritmo e a diagramação pra que eles lhe ajudem a manter a leitura na intenção que você quer. O forte na tirinha é o texto, o diálogo, não a ação. Você nem tem espaço pra ter muita ação. Charles Schulz foi uma grande influência, graficamente falando, na hora de pensar o desenho da história, na economia do cenário, onde entrar com detalhes... Eu utilizo muito o esquema de três quadros:

problema ou conflito, começo da reflexão e a conclusão. Você tenta direcionar o leitor numa direção e, no final, dá uma rasteira nele, jogando a história numa direção não esperada. A Bahia tem fama de provinciana, de que aqui é difícil sobreviver com literatura, com cinema... E com quadrinhos, a coisa é muito diferente do resto do país? Como fica a Bahia no panorama nacional dos quadrinhos? A Bahia só tem um jornal que publica quadrinhos. Então a gente não tem mercado. Quanto ao mercado nacional, é muito complicado entrar nele, porque a maioria dos jornais só compra tiras de distribuidores norte-americanos, que as vendem praticamente de graça, pois fazem isto em escala mundial. São excelentes e muito baratas. Os jornais pegam aquilo e pensam mil vezes antes de investir no artista local.

Você acha que este desconhecimento do autor por trás da obra se deve ao fato de, culturalmente, os brasileiros não tratarem os quadrinhos como arte? Nem sei se isto é no Brasil todo, mas em Salvador é muito forte. Mas acho que hoje as pessoas estão voltando a enxergar quadrinhos com outros olhos, até porque Hollywood está dando muito espaço. Está chegando uma geração de produtores e diretores que cresceu lendo quadrinhos. Quem foi criança nos anos 80, percebeu nos quadrinhos americanos um amadurecimento muito grande, que na Europa já existia, com a chegada dos ingleses, como Neil Gaiman, o Alan Moore, aquela turma toda. Os quadrinhos foram promovidos a obras literárias, e essa garotada cresceu fascinada por isso. Hollywood começa a produzir obras inspiradas nos quadrinhos, e se começa a movimentar muito dinheiro. Logo, você começa a se preocupar com a formação do público pra manter a demanda. E começa a ver as pessoas: “Ah, eu conhecia X-Men da televisão, do desenho animado, depois no cinema, e agora... nos quadrinhos.” Mas, voltando ao Brasil: o MEC está distribuindo quadrinhos para 46 mil escolas em todo o País. Então, hoje em dia já se reconhece seu valor como literatura, como auxiliar no trabalho de educação, como leitura lúdica, prazerosa. Isso tudo está mudando a relação das pessoas com os quadrinhos.

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Fala Menino!


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Texto e Foto Sara Manera

_ Historicamente, o Brasil não é o destino prioritário dos estudantes africanos. A escolha deles estava voltada para países do próprio continente, países europeus ou ainda Estados Unidos e Canadá. No entanto, a aproximação do Brasil com a África, o custo de vida mais acessível, a cultura e a língua portuguesa têm mudado o rumo das migrações estudantis. _ Salvador entra na rota dos estudantes universitários africanos que estão à procura de uma melhor formação profissional. A presença de povos da África na cidade sempre foi marcante, primeiro devido à herança cultural e, atualmente, através dos jovens que chegam para estudar. As universidades têm entre seus alunos, estudantes que enxergam no Brasil uma oportunidade de fazer cursos de graduação e pós-graduação. Em sua maioria, são oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), formado por Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. _ A maioria desses estudantes chega ao Brasil através de acordos diplomáticos firmados entre o Governo brasileiro e os respectivos países. Por isso, acabam estudando nas universidades públicas. No entanto, o número de estudantes que vêm por conta própria (sem participar de convênios estudantis) está crescendo. _ É importante lembrar que existem países africanos com longa tradição universitária e com boas instituições, como África do Sul, Senegal e Nigéria. Mas, na maioria deles, a implantação de universidades é recente e a qualidade dos cursos não é boa. Apesar disso, a procura é muito superior ao número de vagas oferecido. “Vim para o Brasil porque a universidade no meu país é nova e quem se forma aqui tem mais credibilidade”, afirma o estudante de Administração Geral da Faculdade da Cidade, Amarildo Evangelista Mendonça, 25, de Guiné Bissau. Os motivos para escolher o Brasil passam também

Os noivos Steve Otha, do Gabão e Julieta Gomes, de Cabo Verde

“A maior riqueza que levarei daqui são os livros, em Moçambique eles são muito caros” pelo desejo de conhecer o país e pelo fato de muitos já terem familiares ou amigos estudando aqui. Formação de quadros _ Depois da descolonização, muitos países africanos enfrentaram anos, às vezes décadas, de guerra civil. A destruição da infra-estrutura, a suspensão do ensino normal e universitário e a própria herança deixada pela colonização, causaram uma deficiência de profissionais qualificados para trabalhar nos próprios países. Mesmo naqueles que não enfrentaram guerras, a implantação dos cursos universitários ainda é deficitária. _ Esta carência de profissionais qualificados obrigou os governos de países como Cabo Verde, Angola e Gabão a financiar os estudos de seus jovens em outros países. A caboverdiana Julieta Gomes de Pina, 30, que se formou em 2005 no curso de Letras Vernáculas pela UFBA, comenta que contava com uma bolsa de cerca de R$ 900. No ano de 2003, a bolsa foi reduzida para R$ 500 e mais um plano de saúde, ambos dados pelo governo de Cabo Verde. _ Infelizmente, nem todos os estudan-

tes têm acesso a uma bolsa com a qual possam se manter aqui no Brasil. Para estes, as dificuldades financeiras são um problema grave que acaba atrapalhando os estudos. Quem não conta com bolsa precisa se sustentar com o dinheiro mandado pela família, que nem sempre tem condições de enviar o necessário. Algumas vezes, não há dinheiro nem para atender as necessidades básicas, como aluguel, alimentação, transporte e livros. _ A grande maioria dos estudantes africanos deseja retornar ao seu país de origem com melhor qualificação acadêmica para ajudar no seu desenvolvimento. O moçambicano Dawyvan Gabriel Gaspar, 30, mestrando em História Social, deve retornar ainda este ano com esposa e filha brasileiras. “A maior riqueza que levarei daqui são os livros, em Moçambique eles são muito caros”, comenta. Cooperação diplomática _ O Governo brasileiro, através do Ministério das Relações Internacionais (MRI) e do Ministério da Educação (MEC) desenvolve o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), que atende estudantes de países em desenvolvimento, especialmente da América Latina, Caribe e África. Este convênio permite que estudantes vindos destes países façam a graduação em universidades brasileiras com isenção total de custos. As vagas oferecidas aos estudantes africanos são adicionais, não são as mesma oferecidas aos brasileiros através do vestibular. Desafios _ “O desconhecimento sobre a África é total. Falta informação numa cidade de negros dita tão próxima do continente”, comenta Lubain Steve Otha, do Gabão, bacharel em Ciências Biológicas pela UFBA. _ As referências sobre a África são as dos estereótipos (AIDS, guerra, fome, vida selvagem) e da homogeneidade, como se esse continente tão diverso ti-


Vasco Menut, de Guiné Bissau

vesse uma só cultura. Salvador, cidade que se vangloria de sua ancestralidade, desconhece a África contemporânea, urbana e rica. É preciso reconstruir o imaginário brasileiro sobre a África, porém sem mitificá-la, sem torná-la um paraíso idílico. _ As informações sobre o Brasil que chegam para os estudantes africanos também são superficiais, especialmente sobre a violência e as belezas naturais. As novelas brasileiras, que são transmitidas na maioria dos PALOP,

A dificuldade inicial é se adaptar ao português do Brasil e entender os textos acadêmicos.

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são muito importantes como referência para a construção da imagem que eles têm do país. _ Assim como os negros brasileiros, os negros africanos também sofrem preconceito racial aqui. Para alguns, chega a ser inusitado, já que o mito da democracia racial brasileira é vigente também no continente africano. “A relação Brasil–África é muito complicada. O Brasil deve muito à África, os escravos também construíram este país” desabafa Artemisa Odila, de Guiné Bissau, mestranda em Estudos Étnicos e Africanos, no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO/UFBA). Apesar disto, a maioria dos estudantes africanos são bem recebidos. “Não tenho palavras para dizer o quanto este convênio é importante para nós”, acrescenta Artemisa.

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tualmente são 18 os estudantes matriculados na UFBA, nos cursos de comunicação, enfermagem, direito, arquitetura, biologia, dentre outros. Em 2000, o Programa contava com aproximadamente 2.700 estudantes-convênio em todo o país, oriundos de 26 países africanos, de acordo com o manual distribuído pelo próprio PEC-G. _ Dentre os estudantes africanos que vêm para o país, se destacam os caboverdianos, angolanos e guineenses. Os três países foram colonizados por Portugal e guardam semelhanças culturais e lingüísticas muito fortes com o Brasil. Apesar de também falarem o português, a língua tem peculiaridades e muda em cada país, pois recebe influência das línguas nacionais como o Crioulo e o Umbundo, entre muitas outras. _ A dificuldade inicial é se adaptar ao português do Brasil e entender os textos acadêmicos. O atraso da carteira de estrangeiro e o mau atendimento na Polícia Federal são algumas das queixas dos estudantes, que pagam uma taxa anual pelo documento e que, na maioria das vezes, não o recebem. _ Na UFBA, a Superintendência Estudantil é responsável pelos estudantes-convênio. A relação entre eles e a Coordenadora do PEC-G, Maria Reis, é de proximidade e amizade, “Eu ajudo, telefono para os outros estudantes para acompanhar os novatos na Polícia Federal, para abrir a conta no banco”, comenta. _ O Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes) deu 500 bolsas em 2006 aos estudantes-convênio que enfrentam dificuldades econômicas. Cada bolsa, no valor de um salário mínimo por mês. Na UFBA, um estudante já foi contemplado com a bolsa do Promisaes. _ Uma das alternativas que algumas universidades, a exemplo da Universidade de Brasília (UnB), encontraram para ajudar seus estudantes do PEC-G, foi dar uma bolsaauxílio mensal em dinheiro, além de oferecer preços mais baratos em seus restaurantes universitários.

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benefício

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Texto e Foto Nádia Conceição

_ A Universidade Federal da Bahia (UFBA) oferece serviço médico gratuito aos estudantes e servidores, bem como a seus dependentes. São oferecidas mais de 30 especialidades, a exemplo de ginecologia, tratamento fisioterápico e psicologia. Isso é possível através de parcerias com o Hospital das Clínicas, que recebe pacientes em estágios avançados de enfermidade e com as Faculdades de Farmácia e Odontologia da UFBA. A primeira viabiliza os exames médicos e a segunda, fica responsável pelos atendimentos odontológicos. O Serviço Médico Universitário Rubens Brasil (SMURB), criado em 1951, conta ainda com apoio de algumas clínicas particulares da cidade. Vale ressaltar que o SMURB não realiza atendimentos emergenciais devido à falta de infra-estrutura. _ Com 18 anos de idade, estudante de comunicação e filha de servidora federal, Inês Carolina Costal se beneficia dos serviços desde os dez anos. Sua única queixa é em relação à marcação de consultas. “Às vezes, os funcionários responsáveis pela marcação acabam priorizando seus conhecidos e não respeitam quem está na fila”, reclama. _ De acordo com a diretora do Serviço, Maria Luiza dos Santos, os horários de atendimento são decididos com os médicos, em reunião, toda segunda-feira. Desta forma, a partir da terça, as consultas podem ser marcadas na sede do SMURB e, depois desse dia, pelo telefone. “O problema é que, mesmo sabendo que podem fazer as marcações por telefone, os pacientes insistem em fazê-las apenas na terça”, afirma Maria Luiza. O resultado disso: filas imensas e insatisfação dos pacientes. _ A pouca divulgação do atendimento médico gratuito entre os estudantes ainda é um desafio para a diretoria do SMURB. Os calouros reclamam que esses benefícios não são divulgados entre eles e que só ficam sabendo se são filhos de servidores ou quando estão saindo do primeiro semestre. Ainda existem aqueles que só descobrem o

todos

O serviço médico da UFBA ainda é desconhecido por seus alunos

serviço no oitavo semestre do curso, como é o caso da estudante de comunicação Janaína Fernandes. “Não tenho convênio, por isso descobrir o SMURB foi muito importante. Pena que só soube que ele existe no final do curso. E o mais engraçado é que foi através de uma colega de trabalho”. _ Apesar das reclamações, o SMURB

tem conseguido cumprir sua função de forma satisfatória. A estudante Inês Costal, mesmo não concordando com a forma de marcação de consultas, ressalta que não tem do que se queixar quanto ao atendimento médico. Outro diferencial do Serviço é a cota de vagas disponibilizada para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

É direito seu, se ligue ! Você deve estar se perguntando como fazer para aproveitar esses serviços. É fácil, basta se cadastrar. Se for estudante, vá até a sede do SMURB e apresente o cartão de vacinação atualizado, comprovante de matrícula e documento de identidade. O próximo passo é ser submetido a um processo de triagem e averiguação das condições de saúde. Caso seja professor ou funcionário técnico administrativo, apresente-se com a inspeção de saúde feita no concurso público e a abonação do médico do trabalho. Pronto, desfrute do que é seu por direito. Endereço: Rua Caetano Moura, n º99, Federação Horário de funcionamento: segunda a sexta, das 7h30 às 18h30. Agendamento: de segunda a sexta, pelos telefones (71) 3247-1533 / 1370, das 7h30 às 18h30. O agendamento só não é feito por telefone às terçasfeiras, porque a marcação é presencial.


Existe consenso sobre a necessidade de um processo de seleção mais justo e gradual, que possibilite avaliar as habilidades e o potencial do estudante.

selecionados através do ENEM

Uma Revolução. E, como tal, tem

prazo curto para acontecer: 4 anos. É neste espaço de tempo que a Universidade Federal da Bahia (UFBA), pretende implantar um novo modelo de avaliação para a entrada de estudantes na Universidade. O modelo proposto usaria, ao invés do atual vestibular, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Esta mudança está inserida dentro do projeto “Universidade Nova”, que objetiva não só mudar o processo seletivo, mas reestruturar toda a vida acadêmica estudantil. _ O novo modelo de seleção possibilitaria aos estudantes escolherem áreas de conhecimento e não cursos específicos. Os cursos seriam substituídos pelos Bacharelados Interdisciplinares (BI), que durariam de três a quatro anos. Após sua finalização, os universitários poderão optar por serem bacharéis, ingressar em uma área de conhecimento, curso profissional, mestrado profissionalizante ou em mestrado acadêmico para se tornarem professores ou pesquisadores. _ Muitas pessoas formadas trabalham em áreas diferentes daquelas cursadas durante o período acadêmico. Psicóloga de um colégio particular da cidade, Elizabeth Fagundes, acredita que, se implantado, este modelo possibilitará ao estudante uma visão mais clara da sua escolha, além de diminuir uma possível frustração com o curso escolhido. “Por ser mais gradual, este novo modelo permite que o estudante saia um pouco do mundo da fantasia para a realidade profissional”. _ De acordo com Jaime Barros, conselheiro do Ministério da Educação e diretor geral do Colégio Módulo “a proposta do Reitor dá ao jovem a condição de amadurecer mais, de vivenciar a vida acadêmica antes de optar por esta ou aquela profissão”. _ Estudante universitário e preparando-se para o 6° vestibular em Medicina, Thiago Abreu, acredita que esta é uma questão

que tem que ser solucionada ainda no Ensino Médio. Para ele, foi a boa assistência das psicólogas, durante seu 3° ano, que o deram a certeza na escolha de seu curso. _ Luciano Sedraz, professor do Ensino Médio de escola pública opina: “Os alunos não têm noção do que querem. Apenas com a orientação vocacional não se solucionaria o problema, mas conhecer o curso colabora na escolha”. _ Estudante do 4º semestre do curso de jornalismo da UFBA, Tâmara Guimarães Ferreira, foi aprovada na Universidade de Brasília (UnB), pelo Programa de Avaliação

Seriada (PAS). Para ela, um dos méritos da prova seriada é a auto-avaliação, pois depois de cada fase o estudante recebe seu boletim de desempenho e acompanha seu rendimento, além de ser mais uma chance de aprovação. _ Mesmo não seguindo o modelo da UnB, o projeto da UFBA possibilitaria que a preparação para o ingresso na universidade fosse “menos estressante, não só porque os programas serão menos extensos, como também o número de vagas será maior, já que a seleção para os cursos se fará no próprio processo dos anos de trabalho interdisciplinar”, acredita Jaime Barros. _ Aliás, o conteúdo programático do atual processo seletivo é queixa dos estudantes, de professores e psicólogos. Eles acreditam existir um excesso de conteúdo que acaba por não preparar nem para vida profissional, nem para a pessoal. Nelson Almeida, diretor do Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação (SSOA) da UFBA diz que o vestibular da instituição está sendo re-pensado continuamente. “A Ufba quer um aluno em sintonia com o mundo atual e seus acontecimentos”, por isso, explica, a busca de uma maior interdisciplinaridade nas provas e a importância, na 2ª fase, de questões mais específicas para cada área. “É uma exigência do mercado o conhecimento geral e específico”. _ Com esta iniciativa, a UFBA acredita caminhar ao encontro das atuais exigências do mercado globalizado e proporcionar uma seleção mais adequada. O professor Jaime Barros acrescenta que, “como cidadão, vejo com satisfação o movimento universitário de inserir-se no contexto universal da ciência, da arte e da pesquisa, como também o movimento que busca estabelecer uma relação cada vez mais estreita entre pesquisa, conhecimento e realidade concreta”.

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| Ilustração Alice Vargas

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Texto Lais Souza

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UFBA quer acabar com o vestibular? alunos seriam


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Você sabe o que é uma OUVIDORIA? Texto Arabi Xinguara

| Ilustração Patrícia Leite

A ouvidoria não se resume a uma central de reclamações. Para Lyra, espera-se que a ouvidoria crie uma cultura administrativa diferente do autoritarismo e corporativismo que domina o serviço público brasileiro, no qual “o funcionário age, na prática, descompromissado com o usuário, algumas vezes de forma arrogante, outras vezes desconhecendo realmente o interesse geral”. O ouvidor deve ser o representante do cidadão junto à instituição em que atua, tendo livre acesso a todos os setores e possibilidades de ações independentes da política adotada.

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E como funciona a ouvidoria da Facom? É simples. No site da Facom (www.facom.ufba.br) há um link para a ouvidoria, no qual as sugestões e problemas devem ser encaminhados via e-mail ou com o preenchimento do formulário.

Instrumento de mediação entre o cidadão e o Estado, a Ouvidoria busca aprimorar a eficiência do setor público através da canalização de sugestões e críticas da parte dos seus beneficiários. Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Faculdade de Comunicação (FACOM) é a primeira escola a instalar uma ouvidoria, tendo como ouvidor o professor Umbelino Brasil. Tal função exige que “se ouça” e se avalie a procedência das propostas e demandas do público: alunos, professores e funcionários, encaminhando-as ao setor questionado. Segundo o Prof. Dr. Rubens Pinto Lyra, ex-ouvidor geral da Universidade Federal da Paraíba e ex-presidente do Fórum dos Ouvidores Universitários, o ouvidor não faz parte da administração. Ele é “uma espécie de fiscal da administração, isto é,

monitora, acompanha e faz propostas para a melhoria do funcionamento do seu serviço”, afirma. Na Facom, o cargo é uma indicação do diretor da faculdade, válida por um período de dois anos, renováveis por mais dois e sujeita a aprovação da congregação da unidade.

O que pode ser colocado em pauta? Questões administrativas como, por exemplo, aquelas que dizem respeito à infra-estrutura do espaço acadêmico (situação dos bebedouros, dos sanitários, funcionamento da empresa de xerox, manutenção das salas de aula e seus equipamentos, qualidade dos serviços prestados pelas empresas terceirizadas). Da mesma forma, pode-se apontar problemas e sugestões sobre o plano acadêmico. Neste caso, questões didáticas como o rendimento em sala de aula ou a relação entre aluno e professor são analisadas, interpretadas e encaminhadas, se for o caso. Ajude sua faculdade a aprimorar seus serviços e mãos à obra!

Atribuições da Ouvidoria • Identificar as causas e procedência das reclamações; • Buscar soluções possíveis; • Encaminhar a demanda aos setores responsáveis; • Acompanhar as providências tomadas dentro de um prazo; • Manter os interessados informados; • Proteger os direitos dos manifestantes e manter sigilo destes quando necessário.


| Foto Nina Neves

em outros níveis de ensino. A flexibilização do currículo é primordial para que se possa avaliar melhor os alunos. Os professores precisam ser criativos e pesquisar muito, pois há pouco material didático específico para esta modalidade de ensino. _ Como a maioria dos cursos de aceleração é oferecida à noite, os professores já estão na sua segunda ou terceira jornada. As turmas chegam a ter mais de 60 alunos matriculados, e a violência é uma constante nas unidades de ensino. O despreparo de alguns profissionais é gritante, agravado muitas vezes pelos baixos salários dos professores, diretores e coordenadores pedagógicos, que não têm pouco trabalho, diga-se de passagem. “Às vezes, fazemos verdadeiros malabarismos para dar conta do trabalho dentro da sala de aula e do trabalho burocrático, como corrigir e elaborar avaliações”, lamenta a coordenadora pedagógica Gisele Santos.

_ O que interessa saber é se, a longo prazo, as conseqüências deste Programa de Aceleração Escolar serão benéficas para quem passar por ele. “A gente tem que correr atrás, porque só com o que vemos na sala de aula não dá”, diz Samuel Ferreira, estudante do 1/2º ano noturno da rede estadual. Qualidade x Quantidade _ Samuel acredita que com aulas mais motivadoras é mais fácil superar o cansaço e enfrentar a jornada de cinco aulas por noite. Para Gisele, o estudante só fica na sala de aula se esta for estimulante, por isso o professor precisa de ferramentas e tempo para o preparo das aulas. _ O problema é que, para o governo, o que interessa é a aprovação rápida dos alunos, para engordar as estatísticas oficiais de alfabetização. Já para muitos estudantes, interessa-lhes apenas o diploma na mão rapidamente.

É direito seu, se ligue!! A legislação brasileira, a partir da Constituição de 1988, garante o acesso à escola, inclusive para todos os que não estão na idade própria para as respectivas séries. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, deu seqüência à Constituição e estabeleceu a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como qualificação fundamental e permanente, incluindo assim a alfabetização.

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_ “Tá difícil, professora. Eu não sei nem escrever direito”, confessa um aluno, 40 anos, da 7/8ª série noturna de um escola estadual de Salvador. Se ele não sabe nem ler nem escrever, como pôde chegar a uma turma de 7/8ª série? Para os jovens e adultos que desejam voltar a estudar, a Secretaria Estadual de Educação dispõe do Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dentro deste, está o programa de Aceleração Escolar, no qual os estudantes podem cursar desde a alfabetização até o ensino médio. _ Para os especialistas, é fundamental que o professor reconheça que seus alunos chegam à sala de aula com uma formação cultural já enraizada e com saberes prévios. A professora Cristiane Magalhães afirma que os alunos procuram, nesses cursos, principalmente a formação que o mercado lhes exige. Mas como muitos trabalham o dia inteiro, sobra pouco tempo para se dedicar aos estudos. Além disto, os professores encontram também, nas turmas do EJA, os problemas típicos de turmas regulares: baixa auto-estima, pouca participação, muitos atrasos e faltas. Estas classes heterogêneas misturam jovens urbanos envolvidos em movimentos de cultura popular, pessoas que precisam do diploma para promoção no emprego, migrantes da zona rural, gente que almeja uma participação político-social mais ativa, idosos e fiéis que querem aprender a ler a Bíblia. Portanto, a avaliação não pode ser igual à aplicada

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Texto Daniela Ribeiro

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Na rede pública estadual, alunos que cursam programas educativos para jovens e adultos, chegam ao nível médio com sérias dificuldades de leitura e escrita.


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IMPRESSÕES


IMPRESSÕES Foto Nanna Pôssa | Texto Nanna Pôssa e Gina Leite

ertigem? Medo de cair? De dentro d’água, uma câmera vagabunda fotografa o imenso desejo de se jogar. Um saco plástico transparente vira um filtro e a torna à prova d’água. _No Porto, somente um corpo em queda sobre o vazio, sem definição, turvo. Faltam cores, gravidade, tempo, espaço e contornos nítidos. Saltos sem fim desde lugar nenhum entre o céu e o abismo.

“A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.” (Milan Kundera)

Ensaio vencedor do 1º. Concurso Fotográfico Lupa/Labfoto.

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Abismo

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Entre o Céu e o


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Jovens do Subúrbio Ferroviário se mobilizam em busca de transformação social

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Texto e Foto Bruna Hercog

_ Cristiane Rocha dos Prazeres tem 16 anos. Desde os três, mora com a família em Fazenda Coutos, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Ela é uma das adolescentes que acredita na transformação social de sua comunidade, que conta com mais de 60% da população composta por crianças, adolescentes e jovens. Cristiane não está sozinha. _ Para melhorar as condições de vida dos mais de 30 mil moradores de Fazenda Coutos, jovens se mobilizam e promovem ações focadas no desenvolvimento do bairro e no estímulo à consciência crítica da juventude. Alguns fazem isso através da participação em grupos culturais, como os de capoeira e hip hop. Outros, a exemplo de Cristiane, o fazem por meio das atividades desenvolvidas no Programa Agente Jovem. O Programa é coordenado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e também recebe recursos federais. O objetivo é oferecer práticas educativas e recreativas a meninos e meninas de 15 a 17 anos em situação de vulnerabilidade social. _ Como instrutora de um grupo formado por 25 adolescentes, Cristiane ressalta a importância de passar adiante sua experiência de vida. “Precisamos mostrar

à sociedade que mesmo sendo negros e suburbanos somos capazes de crescer na vida”, diz a jovem. Marcos Maciel, hoje com 22 anos, também já foi instrutor do Agente Jovem e concorda com a garota sobre a importância de mobilizar a juventude do bairro. “Eu acho que estamos em um processo de conscientização da grande massa dos jovens de Fazenda Coutos. Já avançamos muito, mas ainda há muito por ser feito”, explica Marcos. _ Quando integrou o Agente Jovem,

Marcos realizou, juntamente com outros meninos e meninas, um resgate histórico do bairro, através da reunião de matérias publicadas em jornais, fotografias, entre outros documentos. Ele também participou, em 1995, da construção de uma cartilha com melhorias previstas para Fazenda Coutos até o ano 2000. Para o jovem, muito do que foi traçado nesta cartilha já foi conquistado. “Não tínhamos nenhuma farmácia aqui”, conta Marcos e acrescenta que seu maior sonho é ver uma faculdade instalada no bairro. Hoje, ele faz parte do Projeto Cibersolidário, realizado pela ONG CIPÓ-Comunicação Interativa, em parceria com a Fundação Kellogg. A iniciativa prevê formação e inserção profissional para jovens de 17 a 24 anos moradores do Subúrbio Ferroviáro, através do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). _ Modificar a imagem negativa de Fazenda Coutos veiculada pela grande mídia é outra bandeira defendida pelos jovens. “Não dá mais para continuar achando que Fazenda Coutos se resume às matérias que aparecem nos jornais e só mostram os aspectos negativos da comunidade, como a violência e a questão das drogas”, defende João Batista Conceição Gonzaga dos Santos, 32 anos, mais conhecido como Joni Gonzaga. _ Para mudar a imagem de Fazenda Coutos, Joni explica que a juventude vem participando de eventos e produções, como a Feira Artística das Escolas e Comunidades (FESC), que conta com apresentações de grupos de música, dança e teatro da comunidade e o Boletim Cultural de Fazenda Coutos. O boletim é uma publicação impressa produzida com a colaboração de adolescentes e jovens e apoio financeiro de comerciantes locais.

Saiba mais O Subúrbio Ferroviário de Salvador é uma área compreendida entre os bairros da Calçada, Baixa do Fiscal e Lobato, até Paripe e São Thomé. A região tem esse nome devido à grande extensão de linha férrea que corta e contorna os diversos bairros da Avenida Afrânio Peixoto, nome oficial da via, mais conhecida como Avenida Suburbana. Fazenda Coutos é um deles e conta com população de 30.260 habitantes. Mais da metade da população (60,3%) é composta por crianças, adolescentes e jovens. Apenas 37% do total de moradores do bairro têm acesso à educação, sendo 14,8% com ensino fundamental, 10% com ensino médio e 0,2% com ensino superior. O desemprego afeta 54,1% da população sem rendimento e com idade superior a 10 anos. Isso, sem falar nos altos índices de violência envolvendo adolescentes e jovens, tanto como vítimas, quanto como agente dos atos violentos.


PROVA DOS NOVE

Sem pressa para arrumar as malas Um mini-guia para estudantes que querem fazer intercâmbio

Pra quem quer ir _ “Não, só me interessa ir para a Europa!”. Foi assim que a estudante Ila Galvão, de 21 anos, estudante do curso de engenharia civil, reagiu quando foi informada na AAI de que a Europa é o destino mais concorrido e, portanto, mais difícil de ser alcançado. Segundo Jefferson Almeida, funcionário do órgão, Espanha e Portugal são os destinos campeões de preferência, “isso porque são os mais fáceis de lidar com a língua, já que em Portugal não precisa de teste algum e na Espanha, basta apenas comprovar três semestres de curso do idioma”.Com os documentos necessários em mãos, o aluno deve apresentá-los em janeiro no AAI para poder viajar em

setembro, mês em que se inicia o ano letivo na maioria dos países europeus. Ao receber a aceitação da Universidade, começa a busca pelo visto junto ao consulado específico e a organização para se manter lá fora: a Ufba paga apenas as taxas universitárias. O próprio aluno arca com os custos de moradia, alimentação, entre outros. As universidades conveniadas geralmente não disponibilizam bolsas e só abrem em média cinco vagas, para um demanda de cem alunos inscritos, como acontece com Portugal e Espanha. “Nesse caso, a Universidade acaba aceitando aqueles com maiores escores. Nós tentamos convencê-los a ir para as boas universidades que existem na América Latina, a exemplo da Universidad de Buenos Aires e a Universidad Central de Chile, mas eles só pensam na Europa!” diz Almeida. Ila Galvão pretende ir para a Universidade de Porto, pois além da facilidade da língua, confirma que recebeu muitas recomendações de colegas que já foram. Apesar de ser formada em língua inglesa, não tem vontade alguma de ir para os EUA. “Infelizmente, a maioria dos alunos já tem boa formação no inglês, mas os EUA têm aceitado cada vez menos os estrangeiros, desde os acontecimentos do 11 de setembro de 2001”, afirma o funcionário do AAI. _ Optando por ficar no Brasil, o aluno dispõe de uma lista de 52 universidades

federais (incluindo o CEFET) para fazer um intercâmbio nos mesmos moldes de um internacional, com a vantagem de estar mais perto de casa. “Os procedimentos são basicamente os mesmos: depois de feita uma solicitação, nos comunicamos com a Universidade anfitriã e então é só esperar a aceitação, que normalmente vem sem dificuldades”, afirma Eni Bastos, da Prograd da UFBA. Apesar de ainda pouco conhecido, o número de estudantes que procuram esse intercâmbio é cada vez maior, especialmente os dos cursos de direito e medicina, que procuram Universidades como Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E quem já foi _ Só em 2005, 143 alunos deixaram a UFBA para estudar em outros países. Segundo Betânia Almeida, coordenadora de projetos do AAI, “apesar de não existirem dados oficiais, estima-se que já mandamos mais de 700 alunos”. Já pelo intercâmbio nacional, a Prograd ainda não possui dados oficiais, devido a recém-implantação do programa. Maria Clara Fagundes, 23 anos, aluna de comunicação, passou um semestre estudando na Alemanha, e conta que “tem estudantes de todos os continentes e era uma delícia aprender comemora-

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_ Por uma escolha pessoal ou profissional, o número de estudantes à procura de um intercâmbio só tem crescido, e por aí surgem diversos convênios dentro e fora das instituições de ensino. Na Ufba não é diferente: há dez anos existe a Assessoria de Assuntos Internacionais (AAI), órgão que oferece e viabiliza o intercâmbio estrangeiro para os estudantes regularmente matriculados na universidade. Atrelado a este órgão, a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROGRAD) se encarrega do intercâmbio nacional, através do Programa Andifes de Mobilidade Acadêmica com as universidades federais.

| Foto Nina Neves

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Texto Carolina Garcia


PROVA DOS NOVE

algo parecido”, diz Victor Haendel, que já é formado em engenharia elétrica e foi à Alemanha em 2000. Para Felipe Mendonça, estudante de administração, lidar com as diferenças culturais é um dos obstáculos maiores: “em Santiago de Compostela, na Espanha, demorei a me organizar com o comércio, que fecha das 14 ás 16 horas. A faculdade também é muito diferente, já que os professores falam durante duas horas sem parar, sem nenhuma interação. Ninguém sai da sala durante a aula e são poucos os que chegam atrasados”. _ Apesar de tudo, a maioria volta com saudades do intercâmbio e com planos para a volta. “Foi algo tão mágico que, até hoje, me pego às vezes pensando nas experiências vividas. Para o ano

O que você precisa: Intercâmbio Nacional (na PROGRAD): - Ter feito o segundo semestre; - Histórico escolar oficial e documentos pessoais; - Solicitação para intercâmbio; - Grade curricular da universidade de destino, aprovada pelo colegiado do curso.

que vem estou planejando passar uns 10 dias na Alemanha, nas férias do trabalho, e também penso talvez um dia ir morar lá, se eu arrumar uma boa oportunidade de emprego”, diz Victor. O AAI promove, antes do embarque dos alunos, reuniões e palestras para que os estudantes se conheçam e se organizem. “Eles até planejam dividir apartamento e se tornam menos inseguros. Nós não temos ainda uma superestrutura, mas fazemos um trabalho sério. Não adianta o aluno vir questionar os procedimentos e querer organizar a viagem de acordo com os comentários que ouve por aí. É preciso que ele esteja atento às recomendações e que, sobretudo, se esforce e corra atrás de seus objetivos”, comenta Betânia.

Intercâmbio Internacional (no AAI): - Ter feito o quarto semestre; - Ter escore igual ou acima de sete; - Histórico escolar oficial (adquirido no SGC, no valor de R$10,00); - Certificado de proficiência no idioma; - Carta de apresentação (em português e no idioma da universidade de destino, assinada à mão); - Carta do coordenador do curso (ciente da saída para o intercâmbio e aprovando as disciplinas a serem cursadas); - Duas fotos 3X4 - Grade curricular da universidade de destino, aprovada pelo colegiado do curso.

E fora da UFBA?

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Para quem não é estudante da Ufba, existe também um programa viabilizado pela Uneb e, também, na Unifacs (nesta, a diferença é que as mensalidades são usadas como pagamento das taxas universitárias no país estrangeiro). Fora dessas instituições, existem as organizações privadas e as agências de turismo que oferecem programas para estudar fora do país. Existem também algumas instituições, como a Fapesb (ligada ao Estado da Bahia), a Capes e o Instituto Educar, ligados ao Ministério da Educação. Eles oferecem bolsas para pós-graduandos, no intuito de formar estudantes altamente capacitados.

ções ucranianas, falar espanhol com os alemães, ir para as festas turcas... No entanto, essa aparente cordialidade, que até me surpreendeu, não se reflete no mercado de trabalho”. _ Trabalhar, para os imigrantes, é muito difícil. Por isso, o estudante tem que estar preparado para viver com algo em torno de 400 a 450 euros por mês, nas cidades menores e menos badaladas. A maioria ainda se ocupa em fazer viagens curtas e cursos de línguas para estrangeiros, como forma de aproveitar o tempo e driblar a saudade. “Minhas maiores dificuldades eram, além da saudade, o clima muito frio e o idioma, mas com o passar do tempo, você se acostuma, pois quando você mora fora, cada novo dia é desafiador, nunca se sente tédio ou


PROVA DOS NOVE

CEAAT

IAT

Duas realidades situadas num mesmo espaço público Texto Renata Santos

O CEAAT mudou

O CEAAT teve alguns espaços extintos, a exemplo da sala de leitura que foi transformada em sala de aula. Isso prejudicou a qualidade de ensino oferecida pela instituição. Para a professora Dilce Melo, o motivo da mudança foi o interesse em ampliar o número de alunos, pois quanto maior o número de matriculados, maior a verba recebida pela escola. Quando foi fundado, as vagas do colégio eram disputadíssimas: “Todas as mães queriam matricular seus filhos no Aplicação”, afirma Veraci Miranda, mãe de aluno. De acordo com Mylena Rodrigues, a atual direção está tentando resgatar alguns espaços e hoje o colégio já conseguiu reinstalar o laboratório de ciências e criar um laboratório de informática. O número de salas irá diminuir no próximo ano, para que sejam construídos mais espaços de aprendizado.

possa realizar eventos que não poderiam acontecer na escola e vice-versa. Para Luciano, “sempre que o IAT precisa do auditório da escola, este é cedido”. Porém, o estudante afirma que o instituto só disponibiliza o auditório se realmente ele não for ser utilizado, ao contrário do que acontece com o Colégio. “Quando solicitam a quadra poliesportiva, por exemplo, os alunos deixam de ter aula prática de Educação Física”, conta. _ Outra diferença marcante entre as duas instituições é o espaço físico. Bem mais estruturado e organizado, o IAT dispõe de salas com ar-condicionado, enquanto em algumas salas de aula do colégio não há sequer ventiladores. “Além dos alunos depredarem o bem público, o IAT é um lugar para professores”, afirma Dilce Melo, professora de Educação Física. Já Luciano diz não saber o porquê, mas percebe a diferença na estrutura do IAT: “os alunos não contribuem para conservação da escola, mas a estrutura do IAT é maior e melhor”.

Será que tem volta? _ Atualmente o IAT oferece cursos de licenciatura plena, oficinas e cursos para professores do Estado. Além disso, socializa projetos que tiveram êxito em algumas escolas e foram disseminados para outras instituições de ensino da rede estadual. Segundo Vera Percontini, que está no IAT há um ano e meio, é necessário um modelo gestor, que seria o Colégio de Aplicação. Para isso, o IAT está tentando revitalizar a parceria com o CEAAT.

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rem pagos pelo instituto, o acesso direto do prédio do IAT foi fechado até mesmo para os professores. Luciano Monteiro estuda no Aplicação desde a quinta série do ensino fundamental. Hoje, cursando o 1º ano do ensino médio, observa muitos projetos interessantes acontecendo no IAT, mas raríssimas vezes têm acesso a eles. A própria biblioteca do IAT não pode ser freqüentada pelos alunos, apesar de contar com um acervo maior do que o disponibilizado pelo colégio. O estudante também questiona o limite de xerox disponível para todo o CEAAT: a cota é de 15 mil, sendo cinco mil para cada turno. “Acho que a cota poderia aumentar”, diz Luciano. _ A diretora de formação e experimentação educacional do IAT, Vera Percontini, afirma que os alunos de diversas escolas da rede estadual de ensino já participaram de atividades realizadas pelo instituto. Ela diz, entretanto, que isso não acontece freqüentemente por ser necessária “uma certa disciplina”. O IAT também cede espaço para que o CEAAT

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_ Fundado no dia 23 de janeiro de 1993, juntamente com o Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira (CEAAT), o Instituto Anísio Teixeira (IAT), oficialmente, não tem mais ligação com o Colégio, apesar de criados para exercerem atividades em conjunto. _ Inicialmente, o CEAAT serviria de laboratório para a aplicação - como o próprio nome sugere - dos projetos e cursos realizados no IAT. O CEAAT deveria ser uma escola modelo e foi pensado para funcionar como tal. Segundo a coordenadora pedagógica do colégio, Mylena Rodrigues, “a escola era de primeiro mundo e tinha função experimental para o instituto”. _ Com o tempo, essa relação foi enfraquecida e perdeu seu propósito inicial. Após cinco anos de fundação, não havia mais vínculo entre ambos. Mylena ressalta que o colégio tornou-se autônomo devido às diferenças e aos interesses políticos. _ Apesar dos gastos com energia elétrica e pessoal para limpeza do CEAAT se-


MEIO E MENSAGEM

Especial Cinema

Com identidade própria e o objetivo de promover cultura, a Sala de Arte anda de vento em popa. Texto Mayana Mignac e Giovana Povoas | Foto Cláudio Porto

_ O que acontece quando dois produtores, um psicólogo, um médico e um ator se reúnem? Surge a Sala de Arte. Foi assim que, há seis anos, o ator e artista plástico Marcelo Sá uniu-se a mais quatro amigos e, juntos, decidiram transformar o antigo Teatro Expresso Bahiano na primeira sala de arte de Salvador. Sediada no Clube Bahiano de Tênis, a sala está fechada atualmente por conta de algumas divergências no contrato com o clube, mas a previsão é de que volte a funcionar em 2007. _ A idéia principal do grupo era trazer uma programação diferente, com filmes de estéticas variadas, que normalmente não passavam nos cinemas de Salvador. “A vida cultural está concentrada em São Paulo e no Rio, portanto, os filmes são exibidos lá em primeira mão, mas Salvador é a próxima da fila”, contou Marcelo Sá num agradável bate-papo no café do Cinema do Museu, na Vitória. Essa, aliás, é uma das três salas que atualmente integram o Circuito Sala de Arte, composto

também pelo Cine XIV, localizado no Pelourinho, pelo Museu de Arte Moderna (MAM), no Solar do Unhão e pela Aliança Francesa, na ladeira da Barra. Havia também uma sala no instituto Caballeros de Santiago, no Rio Vermelho, porém, devido a discordâncias administrativas, funcionou apenas durante quatro meses. _ Mesmo vivendo da bilheteria e sem qualquer ajuda do governo ou de patrocinadores, o Circuito Sala de Arte continua crescendo e pode-se esperar a abertura de novos espaços em breve. “Abrimos, agora, uma sala na Aliança Francesa e fomos convidados, também, para administrar o cinema de um shopping novo que vai ser construído no Itaigara, a céu aberto”, revela Marcelo. Segundo ele, a Sala de Arte pretende continuar com as mesmas características iniciais, sempre procurando aliar o bom cinema a outras formas de cultura e lazer, como museus e exposições. “Estamos sempre rodeados de arte”, diz. _ Contudo, Marcelo ressalta que, ao

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Café X Pipoca

Uma característica marcante dos cinemas da Sala de Arte é o fato de terem substituído a tradicional pipoca pelo velho amigo cafezinho. “Café é um charme, mas é péssimo não ter pipoca”, comenta a contadora Fabiana Vieira. Sua irmã, a advogada Fernanda Vieira, defende o café: “é um bom pretexto para um bate-papo a respeito do filme”. Enquanto alguns acreditam que o barulho da pipoca atrapalha e ainda deixa as salas sujas, a maioria vê a pipoca atrelada à indústria de cinema americano, como um pacote: pipoca + Coca-Cola + filme de ação, por exemplo. “Os EUA não vendem só o filme, eles vendem de forma massificante toda uma estrutura” afirma Marcelo Sá, que diz gostar de pipoca. Já Lírio Ferreira, diretor dos filmes Baile Perfumado e Árido Movie assume: “gosto de pipoca para filme pipoca”.

Sala de Arte - Cinema do Museu

Marcelo Sá, do Circuito Sala de Arte

mesmo tempo em que a expressão “sala de arte” atrai, ela afasta: “tem gente que pensa que a Sala de Arte é um porre – ‘Eu vou lá pra assistir um filme chato, parado?! Deus me livre!’”, brinca. Mas, basta ir a alguma das salas pelo menos uma vez para perder essa impressão. Além de assistir a filmes de qualidade, pode-se ainda tomar um café ou ler o jornal do dia ao som de boa música. Sombra de manguei-


MEIO E MENSAGEM

Circuito Sala de Arte: Seg a Qua: R$10,00 Qui e Sex: R$12,00 Sab, Dom e feriados: R$14,00 Cinemas UCI: Seg e Ter: R$ 14,00 Qua e Qui: R$ 10,00 Sex, Sab, Dom e feriados (após 14h55): R$ 16,00 Seg, Ter, Sex, Sab, Dom (até 14h55): R$ 10,00

Sala de Arte Cinema XIV, no Pelourinho

Compare

“Estamos sempre rodeados de Arte”

Marcelo Sá

“Adorei saber que vai abrir uma sala de arte mais perto de mim, no Itaigara. Assim vou poder ir com mais freqüência e manter minha cabeça legal.” Geisa Lima, 20 anos, estudante.

“Os filmes exibidos na Sala de Arte são realmente mais reflexivos, mas não gosto do termo ´filme cult´, acho pretensioso.” Lucas Modesto, 18 anos, ator.

“Acho que tem muita gente que freqüenta a Sala de Arte só pra tirar onda de intelectual... mas também tem muito intelectual que não freqüenta.” Diogo Watanabe, 26 anos, engenheiro químico.

“A Sala de Arte tem um ambiente agradável, sem aquela confusão que impera nos outros cinemas de cidade: não tem agonia, filas, aglomeração. Acho essa tranqüilidade importante.” Mariele Góes, 19 anos, estudante.

não se deve ao valor do ingresso cobrado, pois, ao contrário do que muitos pensam, o “cinema arte” não é mais caro do que o “cinema comum” (veja tabela). Mesmo com preços mais acessíveis, no entanto, a Sala de Arte não consegue abranger a grande camada dos cinéfilos de Salvador – talvez por receio do nome, que ainda assusta algumas pessoas, como o próprio Sá constatou mais acima, ou por desconhecimento da existência desse circuito alternativo, que é relativamente recente na cidade. A divulgação se dá no boca a boca e, aos poucos, as salas vão ganhando mais popularidade e conquistando mais adeptos. Hoje, o público da Sala de Arte está cada vez mais diversificado, com pessoas de diferentes tribos, idades e profissões – o que faz cair por terra o mito de que só é freqüentada por intelectuais.

Localize-se SALAS DE ARTE: ALIANÇA FRANCESA Av. Sete de Setembro, 401 Ladeira da Barra CINE XIV Rua Frei Vicente, 12/14 Quarteirão Cultural Pelourinho CINEMA DO MUSEU Av. Sete de Setembro, 2195, Corredor da Vitória (Museu Geológico da Bahia) MAM Av. do Contorno, s/n, Solar do Unhão (Museu de Arte Moderna da BA) BAHIANO DE TÊNIS Av. Princesa Leopoldina, 398 Graça

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orientais e ainda os israelenses e argentinos, que são cada vez mais solicitados no mercado. O Grupo tem procurado trazer estréias de determinados filmes para as suas salas. No início, era difícil de se conseguir, pois a média de público era baixa e não lhes dava a necessária credibilidade junto aos distribuidores para dispor de uma cópia em primeira mão. Com o crescente aumento da bilheteria, isto já tem acontecido. Hoje, muitos filmes considerados alternativos, que passam conjuntamente no Multiplex e na Sala de Arte, já obtêm maior público na segunda. Mas, apesar de terem as salas lotadas nas estréias e um público cada vez maior, o número de pessoas que freqüentam o Circuito é ainda bastante reduzido em relação aos cinemas Multiplex. Vale lembrar que este fato

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ra, vista deslumbrante para o mar, local arejado e tranqüilo, com aspecto de casa. Com certeza, o ambiente dessas quatro salas é uma das razões que mais contribui para o sucesso do circuito. _ Marcelo Sá conta que costuma freqüentar as salas e conversar com seus clientes para saber de suas preferências e sugestões. “Sempre procuramos atender ao nosso público. Outro dia passamos O Código Da Vinci porque a clientela pediu. Não é o tipo de filme que costumamos exibir, mas não podemos ser tão radicais, temos que estar abertos às regras”. _ Exceções à parte, a programação da Sala de Arte é composta principalmente por filmes premiados em festivais e mostras nacionais e internacionais de cinema – com destaque para o cinema independente americano, os filmes europeus,


MEIO E MENSAGEM

Cinema no vestibular: equívocos e paradoxos

Texto André Setaro* | Ilustração Alice Vargas

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_ Louvável a iniciativa, posta em prática há alguns anos, de introduzir, no programa do vestibular da Universidade Federal da Bahia, obras cinematográficas de certa relevância para que sejam devidamente apreciadas, assim como ocorreu, no final da década de 60, com a obrigatoriedade do candidato ler uma relação de obras literárias. _ Com a ausência no ensino de segundo grau de disciplinas que façam referência à linguagem cinematográfica, o aluno que, aprovado no vestibular, ingressa na universidade, com as raras exceções de praxe (daqueles que já se iniciaram por interesse pessoal), encontra-se em absoluto estado de analfabetismo no que se refere à maneira pela qual o realizador cinematográfico articula os elementos da linguagem em função da explicitação temática. O cinema tem uma linguagem própria, específica, enquanto a literatura, uma outra completamente diferente. Mas, a maioria das pessoas que vai ver um filme não tem a percepção de que este produz sentidos de uma forma particular, interessando-se, apenas, pelo enredo, pela trama, pela história. _ A introdução das obras cinematográficas, se não sanaria a deficiência do ensino do segundo grau, pelo menos poderia dar uma iniciação, ao postulante, sobre noções básicas de linguagem, auferidas pela visão dos filmes. Mas o que está a acontecer pode se rotular de um equívoco e um paradoxo, pois os filmes são discutidos apenas pelo seu conteúdo, pelo seu tema,

* André Setaro é professor da Faculdade de Comunicação da UFBA.

desprezando-se o fato de que possuem uma linguagem específica. Poder-se-ia mesmo dizer que os filmes são debatidos como se fossem livros. _ Estas duas práticas narrativas, cinema e literatura, baseiam-se numa diferente noção do espaço e do tempo. A menos que se queira ficar-se pela ilustração de histórias contadas pelo romance, o filme deve converter para o seu espaço-tempo a ação que pediu de empréstimo ao romance. Não deve haver, portanto, qualquer preocupação de fidelidade à letra do texto original, mas, pelo contrário, a mais ampla liberdade na procura de soluções dramáticas e de figuras estilísticas capazes de produzir na tela o mesmíssimo efeito poético confiado na página a outros tantos recursos ao dispor da linguagem escrito-verbal. _ É preciso alertar estas diferenças de linguagem e fazer ver ao vestibulando que o cinema é uma linguagem. A julgar, no entanto, pela maneira com que os filmes são analisados em colégios, cursinhos e, mesmo, em palestras, as obras cinematográficas não estão sendo lidas como uma leitura do específico fílmico em função de seu desenvolvimento narrativo. Presos aos grilhões do conteúdo, os responsáveis pelos debates dos filmes indicados para o vestibular se encontram amarrados à ditadura do tema e do conteúdo, desconhecendo completamente que a expressão cinematográfica advém da forma pela qual o realizador procura transmitir o seu tema. Desse modo, tem-se, num saco de gatos, filmes e livros, a disputar, cada um, o seu valor dentro de uma visão equivocada na qual o tema é o valor primeiro a considerar. _ Os equívocos considerados levam a um paradoxo, como se não existissem uma linguagem literária e uma linguagem cinematográfica. E, infelizmente, a constatação é a de que o vício continua e, ao invés de um esclarecimento, para a exata compreensão do cinema, tem-se, patente, um discurso simplesmente voltado para a significação, não se levando em consideração que esta advém de cada linguagem específica.


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Chill In = Esquentamento. Encontro para ouvir música eletrônica antes das festas ou saída para os clubes. Chill Out = Relaxamento. Ambiente com música menos acelerada, um pós-agitação das pistas de dança. Jungle = Estilo que associa os baixos do reggae, com as batidas do hip hop, funk e jazz. DrumNbass = Estilo menos pesado, mistura as linhas de baixos a uma temática mais jazzy. House = Esse estilo saiu da fusão de elementos da soul music com a disco e batidas eletrônicas. Trance = uma derivação do techno. Som viajante. O psy trance mistura sons étnicos indianos.

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_ A música eletrônica que conhecemos hoje surgiu na década de 70 com o grupo alemão Kraftwerk. Considerados os pais do gênero, o grupo foi o primeiro a criar um som utilizando sintetizadores e baterias eletrônicas e, um pouco mais tarde, a música de computador. A esse novo estilo eles deram o nome de techno, que por muito tempo classificou todo tipo de música feita com computador. _ Em Salvador, os interessados pela música eletrônica e pela cultura do DJ só se organizaram no final da década de 90 com o aparecimento dos principais coletivos. Esses coletivos funcionam como uma agremiação cultural na qual participam djs, produtores e designers. Hoje em dia, existem na cidade inúmeros coletivos, uns claramente preocupados com cultura eletrônica, outros apenas com o desejo de explorá-la mercadologicamente. _ “A cultura do Dj envolve desde aspectos como o design, moda, construção de softwares de música, oficinas de produção

Cena em expansão _ O boom do cenário eletrônico tanto em Salvador quanto no Brasil é irreversível. A cultura eletrônica cresceu de tal forma que se transformou em um fenômeno midiático. A música eletrônica invadiu propagandas de todos os tipos de produtos e serviços e sua estética também colaborou na linguagem televisiva de canais como a MTV. Na capital baiana, muitos produtores de outras cenas enxergam nos eventos eletrônicos uma oportunidade de ganhar dinheiro em um mercado em ascensão. _ Apesar disso, para Cláudio Manuel não existe em Salvador uma cena eletrônica, já que a cidade não tem uma rotina de eventos nem lugares específicos para a manifestação dessa cultura. _ Apesar desta cena não existir, a expansão do cenário eletrônico é um fenômeno visível. Os eventos são cada vez mais freqüentes e as pessoas se multiplicam nas raves. “A cena cresce de forma independente e tem atraído cada vez mais adeptos. O psytrance é o estilo que mais cresce. Só em Salvador, são mais de 10 coletivos”, afirma o Dj Nazca, um dos fundadores do coletivo soononmoon, que surgiu no final da década de 90. _ Para alguns freqüentadores, essa expansão nem sempre é uma coisa positiva. Carol Paternostro, que realizou o vídeo documentário “Psytrance

sonora, além das festas propriamente ditas”, diz Cláudio Manuel (Dj Angelis Sanctus), um dos fundadores da Pragatecno, núcleo de música eletrônica que atua no Norte e Nordeste.

www.fotolog.net/grafiteazul

em 90 BPS” sobre esse mundo, diz que “na rave Pulsar deste ano, muitas pessoas estavam indo pela primeira vez, outras estavam usando aquele ambiente apenas para se drogar, sem maiores entendimentos do que é a filosofia”. _ O fenômeno eletrônico nasce de forma espontânea, da cultura jovem urbana. Para o Dj Nazca todos já foram “paraquedistas” na cena rave. “Não há porque ter esse purismo todo. O preconceito não deve existir, essa diversidade é fundamental”, afirma. _ A imagem que habita o imaginário da sociedade acerca dos freqüentadores destes espaços foi construída sobre um comportamento de desordem e de consumo excessivo de drogas. Contrariando essa expectativa, o que está presente na maioria das festas eletrônicas é um comportamento de preocupação com o meio ambiente, de respeito, de valorização da coletividade e da harmonia entre as pessoas. As idéias presentes no dogma PLUR (peace, love, unity and respect - paz, amor, unidade e respeito) nos indicam o caráter das idéias que os ravers desejam transmitir.

MÚSICA ELETRÔNICA PASSEPARTOUT

O que é esta sub-cultura e como ela invadiu a cidade

EM SALVADOR

Texto Tarsila Guimarães | Ilustração Felipe Duarte

Psytrance em 90 BPS http://www.youtube.com/watch?v=6Fm4GmGjNy4

Vocabulário Básico


Grafite: Izolag

PASSEPARTOUT

O grafite é uma arte e um meio de expressão da cultura urbana feita pelos “escritores de rua”. De caráter contestador e transformador, pretende trazer a reflexão e apreciação das mensagens e imagens presentes num muro qualquer.

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Texto Fernanda Caldas

_ Em Salvador, no final dos anos 70, os gritos que precederam as “Diretas Já” se faziam presentes nos muros e paredes da capital. Era uma nova forma de expressão que surgia. O grafite da geração “paz e amor” não tinha nenhuma ligação com o movimento Hip Hop, como ocorre nos dias atuais. Na Bahia, era voltado principalmente para a arte de denúncia com a utilização de frases poéticas e irônicas. Destaque para Miguel Cordeiro e seu personagem, o Faustino, que abordava em seus trabalhos questões sociais com muito bom-humor. Pioneiro do grafite em Salvador, era extremamente radical nas suas intervenções pela cidade. Suas provocações ainda se fazem presentes na memória de muitos soteropolitanos que se divertiam com as suas frases inusitadas e de teor sócio-político. Seu personagem era o sujeito de frases como: “Faustino usa emplastro sabiá”, “Faustino compra bom bom pro chefe”. Hoje, ele diz que seria interessante voltar a grafitar a frase “Faustino sai correndo atrás do carro de Lula”.

_ O professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e artista plástico Renato da Silveira, junto com seu amigo Nildão, também faziam intervenções pela cidade. Uma das frases inventadas por eles na época gerou muita polêmica: “Irmã Dulce tem conta na Suíça”, uma forma de mexer com o sagrado, de poder zombar de coisas tidas como invioláveis. Para Silveira, está em curso uma importante evolução no grafite feito atualmente na cidade. “Existem muitos trabalhos de excelente qualidade, fora que hoje em Desenho de Renato da Silveira e Nildão Fonte: Quem não risca não petisca, 1987

dia há uma outra questão, a motivação social”, afirma. _ A motivação social citada pelo artista plástico pode ser percebida pelo crescente espaço que essa forma de arte vem alcançando no cenário artístico e urbano. Grandes passos vêm sendo tomados para a inclusão desses “artistas da noite” na sociedade. Entre eles, destacam-se dois projetos: o Projeto Cidadão, criado na gestão do prefeito Antônio Imbassahy, e o Grafita Salvador, da atual gestão do prefeito João Henrique. Através deles, os jovens artistas recebem um auxílio para compra dos materiais. No caso do Grafita Salvador, eles têm um salário de R$ 400/ mês por cinco horas diárias de trabalho. _ O artista plástico e orientador desses dois projetos, Denis Sena, acha que eles ensinam os jovens a viver da arte, a pintar, a grafitar e a se tornar um empreendedor. “A oportunidade é a chave para tudo. Ninguém quer viver na exclusão”, afirma Sena. Seu principal objetivo é promover a educação e valorizar a “linguagem grafite” com a conquista de espaço nas escolas e a realização de oficinas. _ Já o estudante de artes plásticas e prestigiado grafiteiro de codinome Izolag, opina que essas políticas públicas não re-


PASSEPARTOUT Grafites: Denis Sena

Para entender melhor o mundo do Grafite

Obs: Nem todos escritores de ruas usam esses vocabulários.

LEITURA O que é Graffiti. Celso Gitahy, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999. Graffiti Brasil. Lost Art, Caleb Neelon e Tristão Manco, Londres: Ed. Thames e Hudson.

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Grafite: Izolag

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solvem o problema da falta de legitimação do grafite. Contudo, acredita que existem trabalhos de qualidade na cidade, “até mesmo devido à vinda de vários artistas de fora”, conta. _ Por se tratar de uma forma de expressão efêmera e gratuita, os “escritores de rua” de Salvador devem se manter atentos à história em curso, trazendo mais cores e formas à Soterópolis.

Cap = pitos especiais para spray. Tag = assinatura. Atrotepelo = falta de respeito, passar por cima do grafite. Piece = grafite rápido. Wômito = estilo de letrado com letras arredondadas. Free style = estilo livre de letrado. Wind syle = estilo de letrados trançados. 3D = tridimensional. Tela = muro. Colorgin = marca de spray. All-city = é considerado aquele que escreve por toda cidade. Jet = o mesmo que spray. Toy = grafiteiro iniciante. Throw-up = estilo de pintura elaborado de forma rápida. New school = a nova escola de grafite. Graffiti/grafite = significa escrever com carvão, palavra que vem do latim. Crew = grupo de grafiteiros. Hip Hop = movimento formado por 4 elementos: grafite, rap,dj e break. Molde vazado = técnica que pode ser repetido em série. Tem influência do pop art. Dia nacional do grafite = 27 de março. Dia do grafite baiano = 8 de agosto.


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Dança arte na Bahia Texto Érika Amorim

_ O projeto Ateliê de Coreógrafos Brasileiros, que naseu em 2002, transformou-se no maior evento de dança contemporânea do eixo Norte-Nordeste. Em outubro deste ano, partindo para a quinta edição e sendo apontado como referência nacional na produção de espetáculos de grande porte, o Ateliê superou todas as expectativas. Idealizado e produzido por Eliana Pedrozo, produtora cultural e ex-bailarina do Teatro Castro Alves, o evento já foi aplaudido por cerca de trinta e oito mil pessoas.

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O Samba do Crioulo Doido. Coreografia de Luiz de Abreu. Ateliê, ano II. Fotos: Divulgação.


pessoas já aplaudiram o Ateliê

Andrade, que dançaram nos espetáculos, o Ateliê é uma iniciativa que merece ser aplaudida: “participar de um projeto que tem suporte para montar espetáculos de qualidade e, além disso, consegue atrair o grande público é, sem dúvida, uma excelente oportunidade”, afirma Fabiana. “Ter a oportunidade de participar do processo de montagem de um grande espetáculo, acompanhando a sua rotina produtiva, é um aprendizado de grande valor. Além disso, o fato dos espetáculos serem apresentados no Teatro Castro Alves, um espaço amplo e tradicional, proporciona às montagens todo um glamour que contribui para atrair o público e, conseqüentemente, ambientá-los no universo da dança”, confirma Sérgio.

Desconstruindo o mito _ Quando questionada se o mito de que a Bahia é o paraíso do Axé Music prejudica a montagem de espetáculos não convencionais, Eliana Pedrozo respondeu: “O maior empecilho não é a Bahia ser considerada o paraíso do Axé Music. A maior dificuldade é o nível de educação de nosso povo que se reflete no pouco consumo da dança, do teatro, da música erudita. Mas, independentemente dessas condições, é importante ressaltar que sempre haverá espaço no mercado para a criatividade”. Em resumo, a Bahia tem uma cultura plural e não singular como insistem alguns.

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A dinâmica do Ateliê _ Com formato semelhante ao de um festival, a montagem do projeto inicia-se ainda no primeiro semestre de cada ano, quando a organização do evento lança o convite a coreógrafos de qualquer parte do país, para concorrerem a uma das vagas de criador da mostra principal. Além de valorizar a figura do coreógrafo, atitude pouco freqüente em outros eventos de dança do mesmo porte, o Ateliê proporciona aos bailarinos da região excelentes oportunidades: atuar em um grande espetáculo, participar de um projeto reconhecido nacionalmente, conviver e trocar experiências com a maior diversidade possível de criadores e intérpretes. Para os estudantes da Escola de Dança da UFBA, Fabiana Almeida e Sérgio

Múltiplas faces _ Sempre abordando a dança como objeto de reflexão, o Ateliê, além de proporcionar o intercâmbio de experiências entre seus participantes, promove mesas redondas, exposições de artes plásticas e lançamentos de livros. Simultaneamente à mostra principal, no Espaço Xisto Bahia, são apresentadas montagens idealizadas por dançarinos com mais de quarenta anos, o Solos > 40. Também faz parte do Ateliê, o laboratório de Exercícios Críticos, um espaço para jornalistas e estudantes de jornalismo do último período que estejam interessados em conhecer o universo da dança e, quem sabe, se profissionalizar como críticos do tema. O Laboratório é ministrado por críticos de dança de renome nacional e, em 2005, contou com a presença de Silvia Sotter, crítica de dança do Jornal O Globo.

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De touros e homens. Coreografia de Márcia Duarte. Ateliê, ano III

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38 mil


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Por que

não vamos ao teatro?

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Texto Luiza Borges

_ Há muito tempo o teatro deixou de ser uma das principais, senão “a” principal, opção de lazer. Espaço de ver e ser visto, o teatro era lugar de outras atuações que não só aquela exigida dos profissionais do palco. As longas horas de duração do espetáculo eram a oportunidade de deixar-se ver e admirar, de conhecer outras pessoas, de conversar trivialidades, além, é claro, de assistir a uma boa peça. Entre um ato e outro, tornava-se espaço de sociabilidade dos bem nascidos, que além de diversão, também buscavam o status e o prestígio que o teatro oferecia. _ O teatro perdeu esta função social e também lugar na preferência do público. Isto se deve, em parte, ao surgimento de alguns estigmas que são mais acentuados em alguns lugares do que em outros, e que afugentam um público em potencial, deixando o teatro como opção de lazer “reserva”. _ Costuma-se pensar que o teatro é um programa elitista, para intelectuais e pouco divertido. O aparecimento de outras opções de lazer, mais “modernas”, em que há mais possibilidades de relação entre as pessoas, deixou muito clara a natureza artesanal do teatro, fazendo-o parecer antiquado. A concorrência é dura: shows, boates, cinemas, programas supostamente mais divertidos, mais prazerosos, mais acessíveis que o teatro. _ A crença de que o ingresso para o teatro é caro é mais um estigma. É comum achar quem pense que não vale a pena gastar quinze reais no teatro quando se poderia usar este dinheiro para ver uma super-produção cinematográfica.

No teatro baiano, o vício _

da comédia ajuda a criar mais um estereótipo: o de que só vale a pena assistir a espetáculos deste gênero. Como um círculo vicioso,

uma parte do público só vai ao teatro assistir espetáculos cômicos, e só se faz comédia porque sabe-se que existe um público garantido. Isto dificulta o crescimento de outros gêneros na produção teatral baiana. _ Três pesquisas sobre hábitos culturais de alguns segmentos sociais, realizadas entre 2001 e 2002 por Sérgio Sobreira e seus alunos da Faculdade de Comunicação da UFBA, confirmaram os estigmas. As pesquisas foram realizadas com 277 entrevistados (148 mulheres e 129 homens), a maior parte, estudante, com idades entre 21 e 25 anos. O estudo foi feito em diversos bairros de Salvador, mas principalmente em bairros considerados de classe média, como Pituba, Rio Vermelho e Federação. Confirmou-se a preferência por cinema e música como atividades de lazer, ficando o teatro como terceira opção. Dentre os entrevistados, aqueles que não vão ao teatro alegam como motivo principal a falta de

interesse, seguido pelo valor dos ingressos, considerados caros. Entretanto, ao consultar preços de ingressos das peças em cartaz atualmente na cidade de Salvador, verifica-se que o valor da meia-entrada fica em média R$ 7,00, quantia igual ou menor à que é paga em shows, cinemas e boates. Outro dado apontado pelas pesquisas, foi o grau de escolaridade daqueles que freqüentam o teatro. Verificou-se que 78,29% eram universitários, o que justifica o estigma de arte elitista. Quanto ao gênero, foi constatada a preferência pela comédia. _ É difícil encontrar uma solução “salvadora”, que faça com que o público deixe os preconceitos de lado e passe a considerar o teatro opção de lazer como as outras. As políticas de formação de platéia, estratégias desenvolvidas no sentido de atrair pessoas para o teatro e fazer com que criem esse hábito, são uma boa saída. O maior desafio é levar as pessoas uma vez ao teatro e fazer com que conheçam, verdadeiramente, essa arte. Depois, ela se tornará uma necessidade. Como diz João Lima, diretor da premiada peça O sapato do meu tio, “a arte é fundamental na vida do ser humano, assim como se alimentar, morar e ter educação. Acho que a arte é o que nos torna mais humanos”.


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Mapa: GEOCAD, 2005.

Para cada teatro em Salvador, existe cerca de 84 mil soteropolitanos. (Dado do IBGE 2005)

Os teatros de Salvador e seus públicos Texto Graciela Natansohn

_ Mais da metade dos teatros soteropolitanos ficam entre o Centro Histórico e a orla, marginalizando a maioria da população, que não tem facilidades de acesso. Em parte, é por esse motivo que baiano não vai ao teatro, como afirma Luiza Borges, na matéria ao lado. _ O projeto Equipamentos Culturais de Salvador: públicos, políticas e mercados, coordenado pela Profª. Gisele Nussbaumer, da Faculdade de Comunicação (UFBA), vem realizando um mapeamento dos equipamentos da cidade, descrevendo-os e analisando-os sob o ponto de vista dos seus públicos, dos segmentos de mercado onde se inserem e das políticas que interferem na sua gestão. Numa etapa preliminar foram mapeados e descritos 32 teatros, constatando-se que mais da metade deles está localizada em bairros centrais e privilegiados por infra-estrutura urbana de transporte coletivo e segurança pública, em uma área que vai do Centro Histórico a Pituba. Ou seja, 11 das 17 regiões em que se divide Salvador não possuem um único teatro (ver mapa). Além da distribuição espacial desigual, foi constatado que apenas três dos onze teatros públicos estão em pleno funcionamento e que não há, no momento, teatro com acesso gratuito. A cidade dispõe de apenas uma opção para artistas e grupos que buscam teatros sem custos de pauta. Todavia, os teatros da cidade não possuem informações siste-

matizadas sobre seus públicos. _ Por isso, também estão sendo investigados os públicos dos principais teatros da cidade. A partir de bibliografia específica e da leitura de estudos análogos, foram elaborados modelos para a sondagem e estão sendo feitas entrevistas com os freqüentadores do Teatro Vila Velha, Theatro XVIII e Teatro do SESI. Pretende-se conhecer seus públicos no que se refere a aspectos como: faixa etária, gênero, raça, profissão, localização domiciliar, freqüência a equipamentos culturais, motivações e impedimentos para uma maior freqüência, familiaridade com diferentes linguagens estéticas, opções de lazer, práticas domiciliares, dentre outros. _ O projeto está vinculado ao Centro de Estudos Multidiciplinares em Cultura/CULT (www.cult.ufba.br/pesquisas.html) e está sendo desenvolvido pelo grupo de estudos de práticas e públicos culturais, que é formado por João Vitor Vinhas, Lucas Lins, Nathália Leal, Plínio Rattes (bolsista PIBIC), Sheila Ahmad e Vitor Barreto, estudantes da Faculdade de Comunicação da UFBA, sob a orientação da Profª.Gisele Nussbaumer. O trabalho de sondagem e a descrição dos públicos em cada teatro está sendo realizado como parte das atividades da disciplina “Análise de Públicos e Mercados Culturais”, da Facom.

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Café Teatro Zélia Gatai Teatro Miguel Santana Theatro XVIII Teatro Sesc-Senac Pelourinho Teatro ICEIA Teatro Salesiano Teatro Gregório de Mattos Teatro Dias Gomes Teatro Gamboa Espaço Xisto Bahia Teatro Vila Velha Teatro Castro Alves Sala do Coro Cine-Teatro ICBA Teatro Martim Gonçalves Teatro ACBEU Teatro Moliére Teatro da Barra Teatro do Movimento Teatro ISBA Cine-Teatro IRDEB Teatro Hora da Criança Teatro Caballeros de Santiago Teatro Gil Santana Teatro Sesi Rio Vermelho Teatro Jorge Amado Teatro Anchieta Teatro Módulo Teatro Sartre Cine-Teatro Casa do Comércio Cine-Teatro Solar da Boa Vista Teatro Diplomata

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CUBO MÁGICO Texto Breno Fernandes | Ilustração Vânia Medeiros

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Natal se aproxima e já me pego pensando nas mesmas indagações dos anos anteriores. Por exemplo: Não é novidade alguma que a Bíblia só conta a história de Jesus do seu nascimento aos 12, e depois há um salto até os seus 30 anos. O que esse menino fez neste intervalo? _ Meu avô, como todo bom ateu, é um estudioso dos evangelhos apócrifos. Certa feita, me contou que Jesus era filho de um soldado romano com quem a jovem Maria tivera um caso. Condenada ao apedrejamento por cooptar e copular com o inimigo, foi salva pelo quarentão José da única maneira possível: casamento. Pois bem, a versão do meu avô me fez pensar na seguinte teoria: _ Jesus, por causa da zoação dos amiguinhos, pressionou sua mãe para que lhe explicasse como podia ele ter nascido aloirado e com olhos verdes no Oriente Médio. Ao saber da verdade, emancipado que era (já passava sermão nos mais velhos e tudo!), partiu para Roma, em busca do seu pai. Ei! Estamos falando da Roma pagã! Quem viu Calígula, de Tinto Brass, sabe a que me refiro. _ Provavelmente, não o encontrou; em compensação, foi lá que aconteceram as coisas mais importantes para sua formação: ele descobriu quão boa

uma prostituta pode ser e conheceu o poder transcendental de certas ervas, certos chás, que lhe faziam se sentir... um deus. Esta segunda experiência ocorreu quando foi acolhido por uma simpática comunidade que pregava a paz e o amor. Lá, também despertou para a arte. Aprendeu a tocar cítara e começou a compor. Um dos primeiros hits da história, inclusive, é de sua autoria. Algo como: E quem nunca peca Que atire a primeira pedra, ah, ah! _ Não sei ao certo se foi desejo de uma carreira internacional, saudades de casa ou outro motivo qualquer. O fato é que, após muitos anos, Jesus, completamente adaptado ao modus vivendi e ao figurino paleohippie, retornou à Palestina. Não foi muito bem recebido. Suas músicas, verdadeiras parábolas, cheias de conteúdo subversivo (E se ele te bate/ Dê-lhe a outra face, ah, ah!), incomodaram o poderio local. E como os direitos humanos ainda não existiam, deu no que deu. _ Quando perguntaram a Judas por que traiu Jesus, antecipando Mark Chapman em 19 séculos, ele disse, tranqüilamente: “Eu acabo de entrar pra história”.



A Universidade Federal da Bahia ap贸ia a Lupa www.ufba.br


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