CATÁLOGO Coleção Sartori — A arte contemporânea habita Antônio Prado

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A produção desta obra foi viabilizada com financiamento do PRÓ-CULTURA, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Lei 13.490/2010.

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a arte contemporânea habita antônio prado curadoria

paulo herkenhoff

MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL – M A R G S PORTO ALEGRE – RS 2 2 / 0 1 A 1 / 0 5 DE 2 0 2 2


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Coleção Nádia e Paulo Sartori começou em 2013 e nunca mais parou de crescer. Os critérios das compras avançaram para a vanguarda experimental e meios diversificados como vídeo, livro de artista e sticker art. Segundo Freud, colecionar é ato do fluxo da vida, mas parar de colecionar é a imagem da morte. A família Sartori, inclusive o filho Pedro Augusto, vive em Antônio Prado, com suas casas do século XIX tombadas pelo IPHAN. É nesse ambiente que a Coleção Sartori surgiu e hoje supera 400 peças. Agora, mais de 250 delas estão no MARGS. A prioridade é a arte do Rio Grande do Sul. Uma boa coleção gaúcha sempre terá uma relevância no país, como os grupos de obras de Henrique Leo Fuhro, Mário Röhnelt, Milton Kurtz, André Severo e Xadalu. Logo, a coleção se abre para a arte brasileira em suas diferenças e para a arte sul-americana com Graciela Sacco, Nadin Ospina, Adriana Duque e outros. A mostra propõe leituras transversais da coleção como o pop gaúcho, afro-brasileiros, indígenas, arte e história da arte, cartografia e formação social do Brasil. Para Paulo Sartori, colecionar implica em pesquisar o universo simbólico de cada artista, a historicidade das obras, farejar raridades, discernir o melhor. paulo herkenhoff Curador

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o ano de 2019, em meio a uma crise política e econômica, a Secretaria de Estado da Cultura foi refundada com dois objetivos principais: preservar e divulgar o nosso patrimônio cultural e avançar no campo da economia da cultura. Para esse desafio, mais do que confiança política, contamos com a garantia do direito à liberdade de expressão e escolha para definirmos o quadro técnico das instituições museais. Tendo em vista que a gestão de um museu de arte envolve questões artísticas e curatoriais, convidamos Francisco Dalcol, doutor em Teoria, Crítica e História da Arte, para imprimir na atual Direção a preocupação com a realização de exposições acompanhadas de critérios e concepções curatoriais de excelência e que primem pela valorização da diversidade artística e cultural em suas pesquisas, ações e programas públicos. O MARGS é o mais importante museu do Estado do Rio Grande do Sul, tanto por sua trajetória quanto pela extensão de sua coleção, com mais de 5000 obras. Com o entendimento de que um museu se recria pela sua própria trajetória, estamos investindo, através do programa “PAC Cidades Históricas” e do programa “Avançar na Cultura”, na revitalização estrutural do museu e voltando a desenvolver uma expressiva política de veiculação do seu acervo junto à realização de programas públicos sistemáticos, não se limitando a exibir apenas as obras já conhecidas do grande público, mas aquelas ocultadas ao longo de um processo histórico agora questionado. Sob essa perspectiva, entendemos que uma política museológica deve optar por um modelo que favoreça o acervo da instituição e o protagonismo do museu

na realização de pesquisas curatoriais, projetos expositivos e ações educativas, ao mesmo tempo acolhendo e trazendo a público projetos externos e de excelência do nosso meio cultural, como a exposição “Coleção Sartori — A arte contemporânea habita Antônio Prado”, com curadoria de Paulo Herkenhoff. Trata-se de uma fabulosa coleção de arte brasileira e gaúcha, que muito nos orgulha por ter sido criada e estar sediada no Rio Grande do Sul, nessa cidade tão especial que é Antônio Prado. Esta exposição traz agora a coleção a público, permitindo reconhecermos sua importância e proporcionando um rico momento de contato com nossa sociedade. Ao mesmo tempo, vem ao encontro de nosso empenho na Sedac em dar atenção e conferir protagonismo a todas as regiões do Estado. Na retomada do MARGS em implantar uma linha editorial de publicações regulares, soma-se agora esta dedicada à exposição “Coleção Sartori — A arte contemporânea habita Antônio Prado”, além de outras por vir. Assim, o museu sistematiza programas que possibilitam uma maior circulação e uma efetiva amostragem de seus projetos para a comunidade, afirmando-se no século 21, no que se refere a padrões museológicos nacionais e internacionais, com uma autêntica estrutura de difusão de conhecimento seriamente democrática e abrangente. Uma estrutura que, demonstrando a relevância de seu acervo e da importância estratégica de suas ações para a comunidade artística regional, também realiza uma necessária contribuição para o maior entendimento do contexto histórico, político e social do povo brasileiro.

beatriz araujo Secretária de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

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colecionismo privado é historicamente uma parte fundamental do sistema da arte. Participa desde a cadeia que envolve a produção, até a rede de constituição dos valores artísticos e as esferas de inserção e legitimação dos artistas e suas realizações, operando ainda no âmbito da constituição e preservação da memória. Portanto, a apresentação pública de coleções particulares encontra um sentido coletivo não apenas ao se proporcionar sua visibilidade e apreciação para a sociedade, mas também ao assinalar a importância da prática do colecionismo em si para o campo das artes visuais e da cultura. É com essa compreensão que o Museu de Arte do Rio Grande do Sul — MARGS apresenta a exposição “Coleção Sartori — A arte contemporânea habita Antônio Prado”, com curadoria de Paulo Herkenhoff, que desde já figura como um momento emblemático e mesmo um marco na história das exposições do Museu, notadamente junto a mostras do passado que também trouxeram a público coleções particulares. A Coleção Sartori, de Antônio Prado (RS), tem se consolidado em anos recentes como uma das mais significativas do colecionismo de arte no Sul do Brasil. Para o MARGS e a Secretaria de Estado da Cultura — Sedac, é uma honra oportunizar a apreciação pública de um recorte tão expressivo da coleção, que se destaca pela tremenda representatividade da arte brasileira contemporânea, com um especial olhar sobre a produção artística relacionada ao Rio Grande do Sul. Herkenhoff selecionou mais de 250 obras, de mais de 100 artistas, cobrindo um arco histórico de 1903

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a 2021. Esse conjunto é exibido segundo núcleos conceituais concebidos para a organização da mostra, propondo leituras e interpretações a partir das relações entre as obras. Na exposição, evidencia-se o frescor da coleção por conta da expressiva presença de obras que se inscrevem em temas e questões prementes do debate contemporâneo. São trabalhos que incitam reflexões sobre a história do Brasil revisando processos envoltos pelo autoritarismo contra grupos sociais e pela violência colonizadora contra os indígenas originários e os negros escravizados, juntamente aos que os colocam como protagonistas apropriando-se de símbolos do capitalismo e do Ocidente. Além disso, tem-se a significativa presença de artistas indígenas, negros/as e LGBTQIA+. A essa alta voltagem de atualidade, somase uma perspectiva histórica da arte contemporânea brasileira e mesmo moderna, o que confere tonalidade e espessura ao conjunto em exibição. Quanto ao modo de apresentação das obras, o modelo denominado “acumulativo” adotado para a expografia remete à maneira habitual com que costumam estar dispostas nas casas e ambientes domésticos, no convívio privado com seus colecionadores. Assim, temos o privilégio de proporcionar essa experiência ao público, que agora toma conhecimento de tão relevante coleção. Este catálogo dedicado à mostra vem a se integrar ao programa editorial de publicações relacionadas aos projetos curatoriais e expositivos apresentados pelo MARGS. A intenção é documentar e difundir as exposições privilegiando a circunstância de

apresentação e de encontro com as obras e os trabalhos de arte. Nesse sentido, os catálogos têm trazido não apenas os textos e as obras da exposição, como a fortuna visual composta pelos registros fotográficos que documentam as configurações do espaço expositivo, os quais são indicativos das opções curatoriais e da experiência advinda dos agrupamentos e das relações estabelecidas entre as obras. Interesse privilegiado da chamada História das Exposições, um campo de conhecimento relativamente recente que se volta à circunstância pública de apresentação da arte e de contato entre obra e público, os catálogos relacionados às exposições são fundamentais para a constituição da memória dos eventos artísticos, participando da construção dos discursos e das narrativas artísticas, assim como dos campos da teoria, da crítica e da história da arte. Por fim, importante assinalar que este projeto todo é resultado de felizes encontros, auspiciosos ensejos, firmes propósitos e uma série de esforços conjuntos. O MARGS agradece à família Sartori pela generosa disposição, sobretudo ao seu espírito cívico e senso coletivo que estimularam a iniciativa em todo o seu decorrer. Também agradecemos ao curador Paulo Herkenhoff por seu profundo empenho e envolvimento, sendo parte fundamental para o nível de excelência assumido pelo projeto. Nesse sentido, agradecemos ainda a todos os profissionais envolvidos nas suas diversas etapas e frentes, incluindo as equipes do Museu. Por fim, nossos agradecimentos aos patrocinadores e apoiadores que se entusiasmaram pelo projeto e seu sentido, tornando esta realização possível.

francisco dalcol Diretor-curador do margs

fernanda medeiros Curadora-assistente do margs

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construção da nossa coleção se iniciou de forma acanhada, mas, desde a primeira obra, carregada de muita emoção. Lembranças de um adolescente apaixonado por arte que ficaram adormecidas por anos, voltam com muita potência e são o motor de um processo sem volta. O prazer da busca, a expansão dos horizontes, a exploração do passado e o olhar para o futuro são questões muito caras e que nos possibilitaram aglutinar um conjunto de obras conciso e com múltiplos olhares sobre a produção artística nacional dos anos 1980 até os dias atuais, em especial a arte gaúcha. “Sonho utópico”. Assim é como definiríamos a possibilidade de uma exposição como esta há poucos anos. Porém, os ventos mudam e, depois de muito trabalho, é com muito orgulho e alegria que nossa coleção invade os salões do MARGS, o maior museu público do Rio Grande do Sul. Pela primeira vez essa coleção privada vai a público. Há algum tempo já sentíamos isso, mas só agora é que temos a certeza de que o ato de colecionar é muito mais prazeroso se compartilhado. Sejam bem-vindos à Coleção Sartori!

nádia ravanello pasa e paulo sartori Colecionadores

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JAIME LAURIANO Não respeitamos símbolos racistas, 2021 Desenho feito com pemba branca (giz utilizado em rituais de Umbanda) e lápis dermatográfico sobre algodão preto 158 × 198 cm HELÔ SANVOY Da cabeça às costas II, 2019 Vídeo e objeto com couro de boi e cabelo do artista Vídeo 5’18” 3,5 × 101 × 3,5 cm (objeto)

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Afrodescendentes (descolonização, memória da escravidão, emancipação) A explosão da arte dos afrodescendentes é o mais importante salto estético do Brasil nas primeiras décadas deste século, porque é a arte da maioria da sociedade. Não é arte sobre negros (como A negra, de Tarsila do Amaral), mas é autoexpressão. A Coleção Sartori montou um grupo afro com Maria Lídia Magliani, Leandro Machado, Rosana Paulino, Arjan Martins, Jaime Lauriano, Helô Sanvoy, Moisés Patrício, P.V. Dias e Elian Almeida. Aqui, alguns desses artistas são agrupados para dar relevo à força coletiva; outros se inserem em outras pautas. O racismo estrutural persiste, obrigando ainda a fazer referências à identidade étnica para visibilizar a exclusão e o preconceito. Há arte afro-brasileira dedicada à história da escravização com focos específicos, como a violência contra os corpos escravizados, o trato negreiro, a indiferença da antropologia com a sorte dos escravizados (Rosana Paulino), a cartografia do cativeiro (Jaime Lauriano), as matrizes religiosas africanas (Moisés Patrício).

“Sou um negro artista”, afirma Leandro Machado. Ele produz retratos emblemáticos de sua autoestima como afrodescendente, como a Bola, que “é uma pérola, uma conta que enrolo entre a palma das mãos,” diz o autor. Bola é uma esfera com força biopolítica alusiva ao globo da diáspora. Machado simulou a empresa Lojas Africanas (2014) ironizando a congênere Lojas Americanas, usou a logomarca e a tipografia desta para indicar a existência de consumidores pretos que merecem respeito por suas demandas. Em Da cabeça às costas, Helô Sanvoy elabora um chicote, trançando dois tentos (fitas) de couro de boi e duas mechas de seu cabelo crespo. A ponteira do chicote é trançada com o cabelo ainda na cabeça. A obra justapõe o vídeo ao chicote. A arte de Sanvoy se entrecruza com a vida rural de Goiás, o trabalho escravo, a memória coletiva dos corpos pretos torturados, açoitados. Ele argumenta que violência e racismo estrutural são realidades persistentes e urge torná-las visíveis para que ambos sejam erradicados. 17


LEANDRO MACHADO Bola, 2018 Impressão fotográfica sobre papel 123 × 87 cm Lojas Africanas – logo placa, 2014 Impressão fotográfica sobre papel 93 × 63 cm De quem é o corpo que pode ser torturado?, 2017 Serigrafia sobre papel Canson 140g e lápis de cor 29,5 × 42 cm Lojas Africanas – camisa, 2018 Serigrafia sobre camiseta 68,5 × 77,5 cm

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Leandro Machado e a emancipação real Leandro Machado agencia a arte pela emancipação real dos descentes de escravizados do Brasil. “Sou um negro artista, me dou o direito de fazer, falar, pensar sobre tudo o que bem desejar e sentir necessidade.” 1 Lê-se na obra Colagem: “Você é sua própria ferramenta”. Sua agenda é historicizar seu inconsciente político, conforme Fredric Jameson 2 ao expandir seu rol de ataques ao neo-escravismo pós-colonial. É decolonizar até superar traumas. Denunciar o racismo estrutural. Expor a verdade sócio-antropológica do signo material de sua arte: henê ou pixaim. Não temer agir com ironia ácida. Interpelar racistas como a combativa Adrian Piper ou as Lehrstücke de Brecht, com choque político que produza consciência crítica. Seguir Lilian Turhan: somos educados como racistas, fiquemos atentos. Escancarar o cinismo da “democracia racial brasileira”. Contrapor o neoquilombismo de Abdias do Nascimento ao racismo institucionalizado. Denunciar a pedagogia alienante no Brasil anti-Paulo Freire sobre livros didáticos: Educação que aprisiona e Educação que escraviza. Desnudar o mal estar da anti-civilização racista. Exigir rupturas da imobilidade social em prol da igualdade entre todos. Tornar visível a condição natural e política do negro. Resistir sempre. Não temer embates. O cabelo crespo, defende Leandro Machado, é “identidade, força, cultura, beleza, escultura, aceitação, carinho, presença, poesia, matriz, legado.” Sua escultura Bola (2018) “é uma pérola, uma conta que enrolo entre a palma das mãos.” Bola é uma esfera com força biopolítica, que alude ao globo da diáspora feito com seu cabelo. O projeto Lojas Africanas aborda força de consumo dos afro-descendente no Brasil. Numa tabuleta vernacular pintada a mão se lê Lojas Africanas, índice da marginalidade sócio-cultural da população afro-descendente. As Lojas Africanas, ao

tomar os padrões de identidade das populares Lojas Americanas, exibe as relações do capitalismo entre economias centrais e periféricas e estrutura de classes em seu viés das origens étnicas. Num desenho Lojas Africanas, Leandro Machado insere seu grito de alerta: “De quem é o corpo que pode ser torturado?”

1 Todas as citações de Leandro Machado são extraídas de seus emails a Paulo Herkenhoff em abril de 2018. 2 JAMESON, Fredric. The political unconscious: narrative as a socially symbolic act. Ithaca, Cornell University Press, 1981.

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Ginástica da pele, de Berna Reale A pele humana tem elasticidade propiciada pela proteína do colágeno. Sabe-se que a pele estica e se contrai, se resseca sob condições ambientais, a ação de fatores externos ou dadas condições do organismo. Esta é sua “ginástica”. A obra Ginástica da Pele (2019) de Berna Reale se inscreve na história do Brasil, distingue a representação na arte das posições reais do sujeito, aborda sistemas de dominação desde a escravização dos africanos e indígenas e sua persistência no atual racismo endêmico, explora seu inconsciente político, elabora sua história da cor e da tez, sob referências a filosófos de Georg Hegel a Walter Benjamin, Michel Foucault e Giorgio Agamben. “Fazer uma ginástica” significa empreender todo esforço diante de grande dificuldade. A trama de Ginástica da Pele remete ao Brasil colonial dos africanos sequestrados para os trabalhos forçados até seus atuais descendentes, todos precisam “fazer uma ginástica” para sobreviver física e moralmente diante da discriminação, destruição da alta estima, aviltamento do corpo e genocídio pela polícia. Ginástica a Pele é, pois, da lógica do Parangolé P 16 capa 12 de Hélio Oiticica que proclama: “Da adversidade, vivemos”, ou sobrevivência do lumpensinato no Brasil, d’après Frantz Fanon de Os condenados da Terra. Reale revalida Fanon e o Parangolé ao “recrutar” cem rapazes em faixas etárias e identidade étnica na proporção ocorrente nas cadeias do Brasil1. Os jovens foram dispostos em gradação cromática da tez dos brancos aos pardos e negros na lógica do racismo no país. Agenciado este choque ético-visual, a Belém de Reale é uma cidade rebelde.2 O exercício do poder e a obediência em Ginástica da Pele encenam a “dialética do senhor e do escravo” da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Na obra em tela, a artista ocupa o lugar do senhor, no papel de representação do Estado policial. Para Hegel, o senhor é um ser-para-si (being-for-self) e exerce a potestas sobre o escravo, que existe submisso e indefeso para o outro.3 20

Com os rapazes sentados em ordem, Berna Reale segue o “princípio do quadriculamento”, “cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo (...) para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico,” conforme a criminologia Foucault diagnostica as tecnologias de dominação do corpo.4 Ginástica da pele me remete à Caixa de baratas (1967) que Lygia Pape construiu durante a ditadura de 1964 com a técnica de quadriculamento dos insetos. Tratava-se de uma paródia, acidamente crítica, daqueles que aceitavam passivamente a restrições de direitos democráticos no regime militar. Ginástica da pele, portanto, se crava sobre o corpo como evidência da racionalidade da dominação biopolítica foucaultiana. As imagens da barbárie policial contra cidadãos no Brasil, como naquela cena do filme Carandirú (2003, direção de Hector Babenco e fotografia de Walter Carvalho) em que centenas de presidiários que escaparam do massacre de 111 homens em São Paulo, estão sentados nus com as mãos entrelaçadas em frente às pernas. Babenco, Carvalho e Reale contam “a história do ponto de vista dos vencidos”. 5 Todo artista que almeja a emancipação, igualdade e justiça tende à observância desta tese, agora retemperada por Berna Reale na denúncia da vida nua sob o mais absoluto estado de exceção.6

1 Berna Reale em e-mail ao autor em 10 de março de 2021. 2 Alusão a HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes, 2014, passim. 3 HEGEL, G. W. F.. The phenomenology of mind. Trad. J. B. Baillie. Londres, George Allen & Unwin Ltd., 1971, p. 237 do capítulo ‘Lordship and bondage. 4 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Transl. Lígia M. Pondé Vassallo. Petrópolis, Editora Vozes Ltda., 1977, p. 26 5 BENJAMIN, Walter. “On the concept of history”. In: Walter Benjamin: Selected writings. Michel W. Jennings (ed.). Trad. Harry Zohn. Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2003, vol.4, p. 389. 6 AGAMBEN, Giorgio. State of exception. Trad. Kevin Attell. Chicago, The University of Chicago Press, 2005.


BERNA REALE Ginástica da pele, 2019 Vídeo 4’18” Ed 2/5 + 2 P.A.

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ROSÂNGELA RENNÓ Corpo extranho africano, 2011 Processo serigráfico, impressão em relevo, carimbo e prótese dentária sobre papel 70 × 70 cm Edição 6/64 MARINA CAMARGO Continentes dobrados (África), 2019 Desenho recortado em metal 55 × 43 × 10 cm Edição 4/5 + 2 P.A.

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ELIAN ALMEIDA Tia Perciliana – Vogue Brasil, 2021 Tinta acrílica sobre tela 106 × 75 cm

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IVAN GRILO Ela levava plantas na mão, 2017 Impressão sobre papel algodão e fundição em bronze 76 × 220 × 4 cm Edição 1 + P.A.

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ARJAN MARTINS Pólis, 2010 Técnica mista sobre compensado 120 × 165 cm JAIME LAURIANO Brinquedo de furar moleton (polícia militar 1), 2018 Tijolos coloniais e miniatura de carro de polícia fundida em latão e cartuchos de munição recolhido de zonas de conflitos armados em cidades brasileiras 16 × 45 × 21 cm (base) 12 × 34 × 15 cm (miniatura) Edição 2 + 1 P.A.

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LEANDRO MACHADO A negação do Brasil I, 2001 Impressão xilográfica sobre convite para o lançamento do filme A negação do Brasil – O negro na telenovela brasileira, de Joel Zito Araújo, Universidade Livre/CECUNE 32 × 23,5 cm

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MARIA LÍDIA MAGLIANI Em gerais, algumas sombras, 1990 Óleo sobre tela 70 × 93 cm NADÍN OSPINA Crítico estático, 1993/2007 Pedra esculpida 37 × 20 × 17 cm Edição 5/7

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MICHEL ZÓZIMO Manto verde, 2019 Tecido sobre estrutura aramada 160 × 80 × 80 cm

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Arte sacra afro-brasileira e a cartografia da violência A produção simbólica das religiões de matriz africana é arte sacra. Com Rubem Valentim, tais religiões deixaram de ser consideradas folclore, superstição, curandeirismo e até caso de polícia. Valentim foi afirmativo dos valores morais do candomblé e da umbanda, como ocorre em qualquer religião. O erudito Ayrson Heráclito defendeu sua tese de pós-doutorado intitulada As narrativas de Ibirí, Xaxará, Draka e Avivi na produção de uma poética visual afro-visual. Ele é ogã (um iniciado homem que não entra em transe) no terreiro Rumpame Gu Cevi do Jeje Mahi, em Salvador. “Um ogã é confirmado numa cerimônia de iniciação, na qual ele recebe, da deidade, no meu caso Oxum, seu cargo e função, como tocar atabaques, cantar, fazer as oferendas. Minha função é cuidar dos altares nas árvores” revela Ayrson Heráclito. A ele é vedado incorporar em seu orixá Odé Oxóssi, cujas armas (o arco e a flecha) estão na obra Ofá de Odé, uma alegoria da fotografia. Na Filosofia da Caixa Preta, Villém Flusser afirma que o fotógrafo só pode fotografar o fotografável, como Ayrson Heráclito que caça o objeto de sua câmera na floresta de signos do sagrado com seu Ofá de Odé. O babalorixá Moisés Patrício do terreiro Ilê Asé Dará Èsú Onã, no Morro do Querosene, em São Paulo, é um sacerdote-artista do candomblé, associado às divindades Onã e Oyá e à entidade Sete Encruzilhadas. Seu terreiro vem da Casa de Oxumaré. Seu objeto Palha da sorte é feito com uma imagem do Pai Matias, um Preto Velho, e com igi-agorô (palha da costa), símbolo de eternidade, transcendência e imortalidade. O babalorixá-artista enuncia que as divindades são associadas às forças da natureza. Félix Guattari (As três ecologias) acentua o papel ecosófico das religiões na reconstrução das relações humanas no campo da ecologia ambiental. As pinturas Álbum de família cultuam os laços ancestrais de sua família materna (Yorubá) e paterna (Bantu) e de sua família eletiva de seu Ilê. “Pintar pra mim equivale a rezar, ofertar, cultuar Èsú”, conclui Moisés Patrício. 32

AYRSON HERÁCLITO Ofá de Odé, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 29,5 × 36 cm

ISMAEL SILVA Emi Orun, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 40 × 30,5 cm


MOISÉS PATRÍCIO Palha da sorte 3, 2021 Palha da costa e escultura de Preto Velho pintada sacralizada (Pai Matias) 145 × 29 cm

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MOISÉS PATRÍCIO Sem título – Série Álbum de família, 2020 Acrílica sobre papel 68 × 50 cm Sem título – Série Álbum de família, 2020 Tinta acrílica sobre tela + escultura de bucha vegetal e amarrador de cabelo 190 × 163 cm

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RANDOLPHO LAMONIER Festa na laje, 2019 Bordado sobre tecido 90 × 55 cm Sem título – série Gatos, 2021 Costura e bordados sobre tecido 45 × 60 cm

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PV DIAS Regresso de um proprietário de si: Transporto-me, 2021 Trabalhando em seu gabinete, 2021 Pigmento mineral sobre papel de algodão com filtro de realidade aumentada 72 × 72 cm Edição 1/3 + P.A.

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Diversidade social do Brasil A sociedade brasileira é formada no caldeamento de muitas culturas. Por muito tempo, sua base foi tratada como o produto do tripé formado por indígenas, negros e brancos. Essa redução, no entanto, não dá conta da enorme multiplicidade das raízes brasileiras. Três obras na Coleção Sartori tratam da diversidade étnicocultural na formação do Brasil, onde as formas de autoidentificação estão mudando. Mas esta mudança varia em cada sociedade. Nos Estados Unidos, por exemplo, um brasileiro “branco” não é considerado white (branco), mas hispânico. O projeto Tintas Polvo, de Adriana Varejão, é formado por tubos de tinta para pintura artística com rótulos de identificação das cores como um DNA brasileiro e um polvo étnico: fogoió, branca suja, enxofrada, cor de cuia, puxa pra branca, morenão, cor firme e outras. A artista se baseou num censo do IBGE que pediu a cada pessoa indicar sua “raça”, resultando em quase cem hipóteses de origem. A Missa móvel, de Nelson Leirner, consiste num skate que porta dezenas de imagens religiosas e outras que aludem ironicamente à diversidade da formação do Brasil: santos católicos, orixás (incluindo caciques e ciganos), maneki neko (o gato japonês que balança os braços) e outros. Contudo, Nelson Leirner excluiu

do conjunto qualquer figura vinculada à sua origem judaica, o que representa uma perda de potência da obra. Essa lacuna foi preenchida na exposição com o retrato psíquico das qualidades de Clarice Lispector, por Walmor Corrêa. Em Geometria brasileira chega ao paraíso tropical, Rosana Paulino expõe a origem indígena e africana do Brasil e critica o modo como tais etnias são tratadas pela supremacia branca na história: a redução à mera extensão da natureza “selvagem”, a negação cultural, o apagamento na vida social, a apropriação sexual violenta dos corpos femininos (estupro, sexualização dos corpos nus por fotógrafos etc.), a indiferença da antropologia no século XIX pela sorte dos escravizados. A instalação Área indígena, do guarani Xadalu Tupã Jekupé, que indica que o MARGS se constrói sobre um antigo território indígena, hospeda a diversidade do Brasil.

NELSON LEIRNER Missa móvel, 2010 Técnica mista sobre skate 38 × 160 × 22 cm ADRIANA VAREJÃO Tintas Polvo, 2013 Caixa de madeira com tampa de acrílico contendo 33 tubos de alumínio com tinta a óleo 36 × 51 × 8 cm Edição 145/200

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ROSANA PAULINO Geometria brasileira chega ao paraíso tropical # 54, 2018 Impressão digital, colagem e monotipia sobre papel 48 × 33 cm

WALMOR CORRÊA Série Mapeamento Cognitivo, 2017 Grande Otelo Clarice Lispector Lupicínio Rodrigues Impressão fotográfica de 4 cores sobre placa de led tec, em caixa de acrílico 26,3 × 21,8 cm cada Edição 1/5

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ADRIANO MACHADO Estudos sobre natureza-morta no 7, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

HELEN SALOMÃO Igbagbo, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

VINICIUS XAVIER Caretas de Acupe, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

MARINA SILVA Vermelho, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

EDGARD AZEVEDO Filhos da esperança, 2020 Impressão fotográfica sobre papel Tiragem indefinida 30,5 × 40 cm

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Bahia de todos os santos A Coleção Sartori possui 18 imagens do projeto Imagens de esperança (2020): 150 fotos pela Bahia. São imagens que dão a dimensão pluriétnica da formação social da Bahia por meio de aspectos da vida cotidiana (José Mamede, Cabelo e Barba, banho de mar de meninos em Filhos da esperança, de Edgard de Azevedo, ou em Renan Benedito, Peace; e Max Fonseca, O Primeiro Vagalume) e através da obra de um fotógrafo de origem japonesa (Hirosuke Kitamura, The Sidewinder). O lúdico da Bahia está na festa popular de Santo Amaro da Purificação (Vinicius Xavier, Caretas de Acupe). O encontro simbiótico das religiões está no sincretismo registrado por Adenor Gondim, Menino Deus nas mãos de São Benedito; Kátia Borges, Terno das almas, e Marina Silva, Vermelho, que remete à geografia da baía de Todos os Santos. Merece uma atenção o repertório de imagens do candomblé (Ayrson Heráclito, Ofá de Odé; Andreia Fiamenghi, Menino de Yemanjá; Helen Salomão, Igbagbo; Ismael Sil, Emi Orun; Adriano Machado, Natureza morta; Ivâ Coelho, Como sustentar um corpo, e Ravena Maia, Díptico, ou aquilo que

Fafá Araújo denomina Poética Sagrada). O olhar prevalecente nas escolhas de Paulo Sartori ratifica a espantada constatação do historiador Fernand Braudel em 1959 no ensaio Dans le Brésil bahianais: le présent explique le passé, isto é, no Brasil baiano, o presente explica o passado. Em contrapartida, na história das civilizações, o passado explica o presente, argumenta Braudel. É o que se pode observar nesta seleção baiana de imagens.

ADENOR GONDIM Menino Deus nas mãos de São Benedito, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20,5 × 30,5 cm

JOSÉ MAMEDE Cabelo e barba, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20,5 × 27 cm

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ANDREA FIAMENGHI Menino de Yemanjá, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

FAFÁ ARAÚJO Poética sagrada, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 30 cm

RENAN BENEDITO Peace, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20,5 × 30 cm

HIROSUKE KITAMURA The Sidewinder, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20,5 × 29,5 cm

MAX FONSECA O primeiro vagalume, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 30 × 39,5 cm

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KÁTIA BORGES Terno das almas, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 20 × 26,5 cm

IVÃ COELHO Como sustentar um corpo, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 40 × 30,5 cm

RAVENA MAIA Díptico, 2020 Impressão fotográfica sobre papel 24 × 41 cm

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Vista da instalação de XADALU TUPÃ JEKUPÉ Área indígena, 2022 Pintura sobre parede Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoni – MARGS CILDO MEIRELES Zero Real, 2014 Impressão offset sobre papel 6,3 × 14 cm

“É importante viver a experiência de nossa própria circulação pelo mundo, não como uma metáfora, mas como fricção, poder contar uns com os outros,” adverte o filósofo indígena Ailton Krenak, que prossegue “como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar com seu mundo? Quais estratégias esses povos adotaram para cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando, reivindicando e desafinando o coro dos contentes? Quantos perceberam que essas estratégias só tinham como propósito adiar o fim do mundo?” O núcleo de arte indígena da Coleção Sartori guarda peças guaranis mbya, de Xadalu Tupã Jekupé; o livro Nhemmombaraete Reko Rã’i: fortalecendo a sabedoria, do contador de histórias José Verá, da aldeia Yvyty Porã (aldeia Serra Bonita) nos municípios de Caraá, Maquiné e Riozinho; e um conjunto de pequenas esculturas em madeira guarupá de animais valorizados pelos guaranis. A família Sartori entende que não existe arte sul-rio-grandense sem a presença das

culturas guarani, charrua e outras. Leopoldo Plentz reinterpreta o legado dos monumentos arquitetônicos de São Miguel das Missões, que hoje se encontram tombados como patrimônio da humanidade pela Unesco. Nas pedras lavradas, estão o suor, o trabalho e, sutilmente, a estética dos guaranis, que a fineza do olhar de Plentz captura em silenciosas visões da memória. Às margens do rio Jordão no Acre, vivem os huni kuin, cuja produção simbólica vê-se no MARGS. Maspã, a parteira da aldeia, registra o parto, a medicina em seu entrelaço com o sagrado. Dua Busẽ, pajé da aldeia Coração da Floresta, realizou uma rara pintura com os jovens. Ele é especialista em medicina natural e grande incentivador da educação, através da ideia da Escola Viva. Seu esforço de “adiar o fim do mundo”, descrito por Ailton Krenak, é trabalhar na conservação da língua e da ciência da selva para manter a identidade do grupo e os laços de ancestralidade. Dua Busẽ criou seu lema: “A cultura é nossa maior proteção”. 47


PAJÉ DUA BUSẼ Escola viva, 2020 Tinta acrílica sobre tecido 70 × 210 cm

MASPÃ HUNI KUIN O cocar da pena do gavião real (História), 2020 Acrílica sobre tecido 75 × 140 cm

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LEOPOLDO PLENTZ São Miguel, 1987 Fotografia preto e branco obtida com negativo 6 × 6 cm em 1987 por ocasião de evento chamado “Missões 300 anos”. Impressão em pigmento mineral sobre papel Hahnemühle 308 60 × 60 cm Edição 1/10

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GUSTAVO CABOCO Baaraz Kawau, 2018 Impressão serigráfica e encadernação 10,5 × 15 cm


Gustavo Caboco: um livro e o assombroso eixo Roraima/Museu Nacional O núcleo de arte indígena da coleção Sartori guarda o livro Baaraz Kawau do Wapichana Gustavo Caboco.1 A obra expõe o tempo fantasmal da sobrevivência das imagens segundo a visão de Georges Didi-Huberman da Nachleben conceituada pelo filósofo Aby Warburg.2 Cabe relacionar Warburg a como Gustavo Caboco tece antropologia, história, imaginário e autobiografia em sua narrativa. O artista intermeia palavra, desenho, emoções e os Wapichana como objeto do conhecimento etnológico no Museu Nacional: “Levei um choque ao ver uma Borduna Wapichana, em julho de 2018, no Museu Nacional do

Rio de Janeiro. Ao ver a idade da borduna me lembrei de meu tio Casimiro Cadete, que nasceu em 1921, em Roraima. A data da borduna era 1924.” “Alguns meses depois o museu se tornou cinzas. Pensei na Borduna Wapichana em chamas. É a queima da primeira instituição científica do país, a maior biblioteca de antropologia da América Latina, da Borduna Wapichana, assim como tantas outras peças importantes para a história do mundo e para a história indígena.” Baaraz Kawau oferece uma palavra de esperança à reconstrução possível do Museu Nacional: “A repatriação é cinza. Cassun, Casimiro, faleceu aos 93 anos. A Borduna, com 94 anos. No incêndio em Setembro de 2018. Evoco as palavras Wapichana ‘Baaraz Kawau’, que assinam o nome desta publicação e significam: o campo após o fogo. O campo queimado abre a porta para um novo campo, cheio de verde, caça e oportunidades.”

1 GUSTAVO. Baaraz Kawau. Gustavo e Daniel Barbosa (editores). Curitiba, Picada Impressões Indígenas, 2020, n/n. 2 DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Contratempo e Museu de Arte do Rio, 2013, pp. 40 a 44. Nachleben e Pathosformel.

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XADALU TUPÃ JEKUPÉ Série Seres invisíveis, 2016 Papa I Tenondé Dona Jaci Vhera Xariã Impressão em chapa de radiografia sobre caixa de luz 43 × 30 cm cada

KARAI MARIANO Aldeia Tekoa Koenju São Miguel das Missões Seres Invisíveis – Animais da mitologia Guarani, 2021 Esculturas em madeira Tamanhos variados

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Xadalu Tupã Jekupé Trineto de guarani (Adalva, triavó materna), Xadalu não se reivindicou como guarani, alegando não falar a língua, fator básico da identidade cultural. Xadalu se tem por “mestiço”, pois sua mãe Maria Catarina Martins da Luz é negra. Diz ele: “minha avó Dalva [Dalva Oliveira da Luz] é um fragmento indígena.” O pajé Karai Timóteo da aldeia Yjere cobrou-lhe aprender o guarani; já falando a língua, o pajé Karai Tataendy Ocã, da aldeia Aldeia Guyra’i Tapu, em Paraty, deu-lhe um nome guarani – Xadalu Tupã Jekupé ou Xadalu, o enviado de Tupã. Alguns comerciantes de Porto Alegre rechaçam a presença dos guaranis nos espaços públicos de Porto Alegre, porque “os índios estragam o ambiente”. Em 2005, Xadalu lançou o projeto Área indígena, colando cartazes com tais dizeres em vários lugares da capital gaúcha. Os guaranis se regozijaram entendendo que era seu espaço de trabalho; os comerciantes sentiram-se ameaçados. “No dia em que não houver lugar para o índio no mundo, não haverá para ninguém,” diz Ailton Krenak.

Seres invisíveis são retratos de guaranis que portam uma escultura do animal com que são identificados. Porque os trabalhadores indígenas passam despercebidos nas ruas de Porto Alegre, esses retratos (negatoscópio em chapa de raio X) denunciam seu apagamento social. Xadalu não extrai a mais valia simbólica dos representados em sua obra. Ele incorpora a colaboração autoral ou provê algum retorno material. Xadalu substituiu a alienação por assumir o outro como sujeito moral e econômico, individual ou coletivo. Diagramas de alteridade, que no caso de Xadalu incluem cursos profissionalizantes nas aldeias Tekoa Koenju, Tekoa Pindó Mirim e Tamanduá, construção de banheiros de água quente na aldeia Pindo Poty; reflorestamento em Pindo Poty, com a madeira Kurupy para o artesanato e distribuição de cestas básicas. Xadalu agencia sua potência na escala individual – não se move por impotência; reconhece a pequena medida de suas possibilidades, sem submergir à onipotência. 53


XADALU TUPÃ JEKUPÉ Invasão colonial meu corpo nosso território #7, 2019 Impressão sobre papel e colagem sobre madeira 165 × 49 cm

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Invasão colonial meu corpo nosso território Em 2019, uma milícia a serviço da especulação imobiliária começou um crescente processo de ameaças com armas de fogo, intimidação, assédio moral, xingamentos contra a aldeia guarani de Yjere Ponto do Arado no extremo sul do bairro Belém Novo, em Porto Alegre. A aldeia foi isolada por arames farpados de modo a que seu único acesso fosse por barco, e seu poço artesiano foi inutilizado com óleo jogado sobre a água. A pressão aumentou quando um grupo desses milicianos invadiu a aldeia com armas pesadas ameaçando matar o cacique

Karai Timóteo se ele não retirasse seu povo da região. Com muita bravura, o cacique pediu que todos – crianças, mulheres e homens – se reunissem junto a ele e então ordenou aos invasores, em tom desafiador: “Agora atirem!”. A milícia se retirou humilhada pelo heroísmo dos guaranis. O cacique Karai Timóteo propôs a seu povo formar um escudo humano colocando a população ao redor contra a aldeia em audiência pública com o apoio do atual prefeito, que é de extrema direita.

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XADALU TUPÃ JEKUPÉ Nhemongaray – Série Cosmovisão, 2019 Gravura em metal 81,5 × 108 cm Edição 6/30

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XADALU TUPÃ JEKUPÉ Yvi`i – Série Cosmovisão, 2019 Gravura em metal 38 × 51,5 cm Edição 4/30 Opy`i – Série Cosmovisão, 2019 Gravura em metal 56 × 54 cm Edição 6/40

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Marcados para sobreviver As garantias de sobrevivência de sociedades indígenas são um foco de Xadalu Tupã Jekupé e Claudia Andujar. A Casa de reza, de Xadalu, remete à voz de Adelino Gonçalves: “para nós [os guaranis] a religião guarani é muito forte e é mantida até os dias de hoje, porque tem uma casa de reza, Opy, onde os mais velhos da aldeia passam a força e os conhecimentos necessários para todas as atividades.” Claudia Andujar viveu um longo tempo entre os yanomâmis em Roraima para fotografar a vida na aldeia. Ao voltar a São Paulo, dedicou-se a retrabalhar as imagens fotográficas, usando sua arte como uma arma em defesa dos indígenas. De sua experiência de trabalho com dois médicos numa campanha de vacinação, resultou a série Marcados.

JOSÉ VERÁ Nhemombaraete Reko Rã‘i, 2021 15,5 × 18,5 cm Doação Xadalu Tupã Jekupé

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XADALU TUPÃ JEKUPÉ Tesouro do céu, 2021 Pintura sobre papel, costura e colagem de tecido 194 × 180 cm

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Claudia Andujar. Circunstâncias 1 1944 Aos 13 anos tive o primeiro encontro com os “marcados para morrer”. Foi na Transilvânia, Hungria, no fim da Segunda Guerra. Meu pai, meus parentes paternos, meus amigos de escola, todos com a estrela de Davi, visível, amarela, costurada na roupa, na altura do peito, para identificá-los como “marcados”, para agredi-los, incomodá-los e, posteriormente, deportá-los aos campos de extermínio. Sentia-se no ar que algo terrível estava para acontecer. Em meio a esse clima de perplexidade, Gyuri me convidou para um passeio no parque. Foi uma confissão de amor. Só assim posso nomear seu desejo de andarmos juntos. Era algo que fazíamos guiados pela intuição. Tratava-se de um passeio somente para me dizer: “Frequentamos a mesma escola. Reparei em você. Você é especial. É bonita”. 1 Circunstâncias. In: Marcados, de Claudia Andujar. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

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Eu também o procurava, dia após dia, caminhando na rua, sempre na mesma hora. Sabia que o veria en passant. Sinto a emoção me apertar a garganta. Naquele dia de junho de 1944 decidimos nos encontrar e confessar nossos sentimentos. O rapaz judeu estava marcado com a estrela amarela, o mogendovid. Ele tinha 15 anos, e eu, 13. Andamos emocionados, sem falar, olhando-nos furtivamente. Sabia que algo importante estava acontecendo. Era o nascimento do amor. Sentia um formigamento na pele. No fim do passeio recebi um beijo tímido e silencioso, que apenas tocou minha boca. Lembrome de ter ficado com os lábios ardendo por horas seguidas. Um amor, em circunstâncias tão especiais, a gente nunca esquece. Ao sair com Gyuri, publicamente, sabia que estava desafiando o meu tempo. Nunca mais o revi. Durante anos, guardei um retrato dele no medalhão que usava pendurado no pescoço.


CLÁUDIA ANDUJAR Vertical 19 – Série Marcados, 1983–2018 Impressão com tinta pigmentada mineral sobre papel Hahnemühle Photo Rag Baryta 315 g/m² 102 × 68 cm (cada) Edição 1/5 (Edição de 5 + 2 P.A.)

1980 Quase 40 anos depois, já vivendo no Brasil como fotógrafa engajada na questão indígena, acompanhei alguns médicos em expedições de socorro na área da saúde. A partir de 1973, durante os anos do “milagre brasileiro”, o território ianomâmi na Amazônia brasileira foi invadido com a abertura de uma estrada. Com a mineração, a procura de ouro, diamantes, cassiterita, garimpos clandestinos, e não tão clandestinos, floresceram. Muitos índios foram vitimados, marcados por esses tempos negros. Nosso modesto grupo de salvação — apenas dois médicos e eu — embrenhou-se na selva amazônica. O intuito era começar a organizar o trabalho na área da saúde. Uma de minhas atividades era fazer o registro, em fichas, das comunidades ianomâmis. Para isso, pendurávamos uma placa com número no pescoço de cada índio: “vacinado”. Foi uma tentativa de salvação. Criamos uma nova identidade para eles, sem dúvida, um sistema alheio a sua cultura.

São as circunstâncias desse trabalho que pretendo mostrar por meio destas imagens feitas na época. Não se trata de justificar a marca colocada em seu peito, mas de explicitar que ela se refere a um terreno sensível, ambíguo, que pode suscitar constrangimento e dor. A mesma dor que senti por amor ao pisar na grama do parque, um amor impossível com Gyuri. Ele morreu em Auschwitz naquele mesmo ano de 1944. 2008 É esse sentimento ambíguo que me leva, 60 anos mais tarde, a transformar o simples registro dos ianomâmis na condição de “gente” – marcada para viver – em obra que questiona o método de rotular seres para fins diversos. Vejo hoje esse trabalho, esforço objetivo de ordenar e identificar uma população sob risco de extinção, como algo na fronteira de uma obra conceitual. (Claudia Andujar) 61


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De Palas Atenas à musa Maria Martins A Coleção Sartori viaja na história da arte da antiguidade ao contemporâneo. A antiguidade emerge com Palas Atenas, de Zoravia Bettiol, e Study for the Battle of Arbela, de Saint Clair Cemin. Renascimento é o jogo ambíguo de Marcelo Tinoco entre o período cultural e o nome do cemitério cristão no Chile, trazendo embutida a fé na ressurreição. André Penteado justapõe uma pintura do maneirista Veronese ao legado neoclássico da Missão Artística Francesa Dom João VI. Se a tela do Veronese na foto de Penteado está deteriorada, o rosto está revirado em Double Face (terre verte), de Valeska Soares. A arte revira sua própria história. A travessia difícil, après Géricault, de Sandra Cinto, se apropria da tela A jangada da Medusa, de Théodore Géricault, uma cena de canibalismo entre náufragos. Cinto interpreta o desequilíbrio do barco adernado, deslocando o ponto de pendurar a obra para criar estranhamento com o desalinhado. Homenagem a W. Turner, de Thiago Rocha Pitta, é uma ode à fotografia, o meio que captura os fenômenos atmosféricos fugidios sobre Londres. O gaúcho Fernando Lindote tem a escultora Maria Martins como uma musa. Canto da noite – depoisantes de Maria funde troncos, cipós, seres fantasmais e uma escultura de Maria. Depoisantes é o conceito de Lindote para o entretempo na história da arte da sucessão transversal de imagens, da passagem de cada grande artista com seus rastros antecipatórios da história.

ZORAVIA BETTIOL Palas Atenas – Série Deuses Olímpicos, 2019 Xilografia 50 × 79 cm

ANDRÉ PENTEADO Reprodução de pintura “Nobre veneziano de Veronese” (série Missão Francesa), 2017 Fotografia 120 × 100 cm

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SANDRA CINTO Sem título – Série A travessia difícil, après Géricault, 2010 Serigrafia sobre vidro 30 × 42 cm Edição 15/100 THIAGO ROCHA PITTA Homenagem a Turner, 2004/2012 Fotografia 100 × 150 cm

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FERNANDO LINDOTE Canto da noite – depoisantes de Maria, 2017 Óleo sobre tela 130 × 120 cm

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MARCELO TINOCO Renascimento – Osorno, Chile Série Histórias naturais, 2012 Impressão digital em papel de algodão 115 × 180 cm Edição 1/6

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SAINT CLAIR CEMIN Study for the Battle of Arbela, 1981 Gravura em metal 23 × 30 cm Edição 55/75 Lady and the lion II, 1997 Bronze 45,7 × 71,1 × 30,4 cm

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História da circulação da arte na arte

VALESKA SOARES Doubleface – Terre Verte, 2018 Impressão digital e silk screen sobre papel 59,4 × 42 cm Edição 1/20

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A arte é também uma prática autorreferenciada de reflexão. Double face, de Valeska Soares, indica a cor terre verte, paleta que é o signo da etapa de produção da pintura. A circulação social da arte através das coleções privadas, museus, revistas e livros sobre arte. Daniel Escobar se apropria da fotografia de revistas de decoração para registrar a apropriação do bem cultural pelo capital privado, símbolo do consumo conspícuo. Em sua série Acervo (Coleção particular) (2017), as obras estão sempre distorcidas, como um reflexo moral do processo. Campo e contracampo, de Dora Longo Bahia, alude em última análise sobre as soluções expográficas de Lina Bo Bardi no MASP, que se impõem autoritariamente sobre a obra de arte. Ela aponta um pouco do que Donald Preziosi chamou de “canibalismo museológico”. Na berlinda estão curadores, diretores de museus, arquitetos nesta metáfora da arrogância dos não produtores da arte sobre os artistas e suas obras. La ilustración artística, de Ivan Navarro, focaliza no reproche àquelas revistas de arte que sacrificam sua independência porque não opinam negativamente sobre exposições de galerias anunciantes. A história crítica da arte se tornou uma scienza no sentido italiano deste termo. Felipe Cama questiona esse poder de definir a qualidade artística com a série Foi assim que me ensinaram, em que ele justapõe um livro de arte aberto em página com foto de uma pintura e uma reprodução por ele executada no formato próximo da foto publicada. Afinal, que criticam os críticos? Quem julga os juízes?


DANIEL ESCOBAR Acervo Nº 27 – Coleção particular, 2017 Acrílico com recorte e gravação a laser sobre página de revista de decoração 30,5 × 24 cm

IVÁN NAVARRO La ilustración artística, 2016 Livro e neon 41 × 28,3 × 4,1 cm Edição 16

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DORA LONGO BAHIA Campo e contracampo – presidente do Sesc e 3 de dezembro de 2015, 2017 Tinta acrílica sobre linho em cavalete de concreto e vidro com trava metálica gravada e madeira de camuru 250 × 100 × 40 cm Edição 38/100

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FELIPE CAMA Páginas 80 e 81 – Série Foi assim que me ensinaram, 2013 Livro em caixa de acrílico e óleo sobre tela 29 × 43 cm (livro) 13 × 9 cm e 10 × 15,5 cm (telas)

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GRUPO ARS

FERNANDA GASSEN, JULIANO LOPES, MICHEL ZÓZIMO

Quem matou Herzog?, 2008 Uno scatto per il azzurro, 2008 Impressão fotográfica 80 × 50 cm cada Segunda tiragem – 3/10 e 4/10

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Outras histórias da arte O relevo Esquema SV 18, de Igor Vidor, homenageia o Hélio Oiticica da dinâmica dos Metaesquemas, do Grupo Frente, dos monocromos do neoconcretismo e da Homenagem a Cara-de-Cavalo, da Nova Objetividade Brasileira. Para deslocar os blocos de madeira do Esquema, Vidor enfia cápsulas deflagradas de armas de fogo, em alusão ao bandido “Cara-de-cavalo”, executado pela polícia em outubro de 1964. O Grupo Ars (Fernanda Gassen, Juliano Lopes e Michel Zózimo) projeta filmes que nunca se realizarão, do script ao cartaz de lançamento. O cartaz de Quem matou Herzog?, um documentário de Cildo Meireles justapõe a fotografia de Evandro Teixeira das manifestações de 1968 no Rio, com uma foto forjando o suicídio por enforcamento de Wladimir Herzog, morto sob tortura pela polícia. No cartaz, a pergunta de Cildo Quem matou Herzog? carimbada numa cédula é uma Intervenção em Circuitos Ideológicos. Nessa época, Mário Pedrosa afirmou que a arte é o exercício experimental da liberdade.

IGOR VIDOR Esquemas SV 18, 2020 Látex sobre madeira e cápsulas de arma de fogo 55 × 57 cm CILDO MEIRELES Inserções em circuitos ideológicos: 2 – Projeto cédula – Cadê Amarildo?, 1970-2013 Carimbo sobre cédula de R$ 2,00 6,5 × 14 cm Inserções em circuitos ideológicos: 3 – Projeto cédula – Marielle, 1970-2017 Carimbo sobre cédula de R$ 2,00 6,5 × 12 cm

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CILDO MEIRELES Zero cruzeiro, 1974–1978 Lito offset sobre papel 7,5 × 15,7 cm Zero dollar, 1978–1984 Lito offset sobre papel 6,54 × 15,5 cm

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LUCIANA MAGNO E LOURIVAL CUQUINHA Recibo, 2021 Bordado sobre cédula de R$ 100,00 7 × 15,5 cm Edição 26/100

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Fiat lux!, experimentos e viagens No fundo da Sala Aldo Locatelli, estão reunidos trabalhos que se firmam pela singularidade, obras bissextas ou por convergência do problema. O dia em que conhecemos as luzes, de Pedro EMCB, é um evento visual com lâmpadas que anuncia o Fiat Lux, do Gênesis e a Alegoria da Caverna, de Platão. A Máscara, de Lia Chaia, imita o olho humano em sua curiosidade de explorá-lo pela visão. O inconsciente matemático da dupla Detanico e Lain transforma imagens, textos, construções em números, gráficos, tempo como Amplitude. Os 30 barômetros da instalação Sob pressão, da dupla experimental Dias & Riedweg, são o index da pressão atmosférica, o invisível que toca o corpo. A pintura na Coleção Sartori se espalha pelo MARGS , distribuindo desafios a si mesma. Por um lado, a intempestividade da pintura se apresenta com o método canônico (Lucia Laguna com Jardim n. 20, Maria Lynch com Anjo, e Rodrigo Cunha com Interior com viandas) reiterando a validez contemporânea da pintura. A ruptura experimental expande o campo da pintura com Frantz, um profundo conhecedor da materialidade da pintura, a ponto de fazer quadros sem suporte. Dois recicladores: a pintura estufada de Henrique

Oliveira reutiliza madeira velha de demolições, e os restos de plástico de propaganda eleitoral viram retratos ou monocromos de Jarbas Lopes. A ontologia da cor em Tintas Polvo, de Adriana Varejão, revolve a linguística antropológica da nomeação das cores. Pintura III, de João Castilho, é uma fotografia de uma capoeira em que os galhos funcionam à moda de pinceladas, e o filtro define o tom monocromático do vermelhão. O vermelho sofre o escrutínio transformado do cavalo encarnado Palomo, de Berna Reale, da ironia com o título fanfarrão de um filme em Meu nome ainda é vermelho, da artista da linguística Elida Tessler. Justapõem-se alguns fotógrafos viajantes. O olhoturista de Flávia Junqueira dá alegria aos lugares com seus balões, como no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro. Todo viajante tem um ponto de partida (Rodrigo Braga, Ponto Zero) ou espera o final (Romy Pocztaruk, A última aventura, Rurópolis) em um percurso pela Amazônia para construir uma história. Desmoronamento, de Eduardo Haesbaert, indaga se a arte pode ter a força de um abalo tectônico nos campos acertados do conhecimento visual. A contrapartida vem na série de placas de advertências e conselhos de Ivan Grilo, Amanhã vai ser maior.

LIA CHAIA Máscara 4, 2019 Placa MDF e chapa de compensado, tinta esmalte para madeira, fita de camurça, paetês e argola de metal 34,5 × 36 × 3,5 cm DIAS & RIEDWEG Sob pressão, 2014 Políptico composto por 30 peças com montagem e dimensões variadas 14 × 7 cm Edição 1/5

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ELIDA TESSLER Meu nome ainda é vermelho – com texto / sem texto, 2010 Gravura em metal 70 × 50 cm (cada) Edição 10/18 e 6/18

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PEDRO EMCB O dia em que conhecemos as luzes, 2018 Técnica mista 120 × 211 cm

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FRANTZ Não, 1985 Acrílica e spray sobre tela 140 × 140 cm

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MARIA LYNCH Anjo, 2011 Óleo sobre tela 180 × 180 cm

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LUCIA LAGUNA Jardim n. 20, 2014 Acrílica e óleo sobre tela 160 × 160 cm

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EDUARDO BERLINER Vampiro, 2016 Óleo sobre tela 100 × 100 cm

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IBERÊ CAMARGO Retrato de Mário Carneiro, 1988 Óleo sobre tela 57 × 40 cm

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RODRIGO CUNHA Interior com viandas, 2011 Óleo sobre tela 140 × 112 cm

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FLÁVIA JUNQUEIRA Real Gabinete Português de Leitura #1, 2021 Pigmento mineral sobre papel de algodão 150 × 198 cm Edição 2/5

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ROMY POCZTARUK A última aventura, Rurópolis, 2011 Impressão jato de tinta sobre papel algodão 110 × 165 cm Edição 5/5 + P.A.

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RODRIGO BRAGA Ponto zero #3, 2019 Pigmento mineral sobre papel de algodão 100 × 150 cm Edição 1/5

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ADRIANA DUQUE Maria 18 – Série Íconos, 2014 Impressão fotográfica 152 × 150 cm P.A. de uma edição 2/2

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ISABEL RAMIL Isabel D’après Marcel, 2013 Fotografia 90 × 75 cm Edição 2/3 + P.A.

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JOÃO BEZ BATTI O encouraçado, 2011 Basalto negro 19 × 30 × 17 cm

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VIRGÍNIA DE MEDEIROS Maria da Penha – Série Fábulas do olhar, 2013 Foto pintura digital impressa sobre papel de algodão + som 120 × 90 cm e 40 × 50,5 × 5 cm Edição 3/5 + 2 P.A.

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HENRIQUE OLIVEIRA EXPL 9, 2016 Óleo, papelão, arame e cola sobre tela 78 × 51 × 27 cm JARBAS LOPES JAR 305 – Pintura elástica, 2017 Elásticos, bola de plástico e suporte de madeira 80 × 110 cm

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DETANICO LAIN Amplitude, 2011 Serigrafia 50 × 80 cm Edição P.A.

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IVAN GRILO Amanhã vai ser maior, 2016 Fundição em bronze 20 × 30 cm Edição 3/3

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IRAN DO ESPÍRITO SANTO Can E, 2008 Granito 30 × 20,25 × 20,25 cm Edição 3/5 + 2 P.A. BRUNO KURRU Superfície transponível, 2014 Acrílica, bastão a óleo e resina sobre madeira 200 × 190 cm

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EDUARDO HAESBAERT Desmoronamento, 2019 Pastel seco sobre papel 110 × 153 cm

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ELIDA TESSLER Desertões, 2015 31 lupas e fotografias do livro “Os sertões”, de Euclydes da Cunha Dimensões variáveis Edição 2 + 1 P.A.

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LUCIA KOCH Marcos Daniel, 2021 Acrílico, estrutura dobrável e maleta em alumínio unique 145 × 38 × 28 cm (obra aberta) 31 × 46 × 14 cm (maleta) JOÃO CASTILHO Pintura III – Série Pinturas, 2014 Impressão a jato de tinta 75 × 106 cm Edição 4/5

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LEDA CATUNDA Multidão (Multitude), 1987 Tinta acrílica sobre colcha e perucas 150 × 220 cm ANGELO VENOSA Rio 450, 2015 Cerâmica faiança 60 × 60 × 14 cm Edição 406/450

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Como vai você na Coleção Sartori, Geração 80? A mostra Como vai você, Geração 80? (1984) anunciou uma nova leva de artistas no Brasil que se afastavam dos rigores conceituais dos anos 1960 e 70, introduzia a pintura fora dos cânones tradicionais, como as perucas em Multidão, de Leda Catunda, reivindicava o hedonismo na arte, recorria à apropriação e ao citacionismo de outras obras, celebrava o fim próximo da ditadura, praticava o discurso do sujeito. A coleção de Antônio Prado reuniu obras da geração provenientes de várias partes do Brasil, como Adriana Varejão, Angelo Venosa, Iran do Espírito Santo, Luiz Zerbini, o grupo Casa 7 (Paulo Monteiro e Carlito Carvalhosa) etc. Mais interessante é a pergunta “Como vai você na Coleção Sartori, Geração 80?”, cuja resposta empírica é dada nesta exposição com a obra dos gaúchos: Fernando Lindote, Carlos Pasquetti, Frantz e de outros que partiram (Maria Lúcia Cattani, Milton Kurtz e Mário Röhnelt). O escultor nipo-gaúcho Mauro Fuke

se reconhece formado pelo conceito japonês de assari “que corresponde a ideias de simplicidade, essência, leveza, geralmente associadas à culinária, mas também usadas para adjetivar personalidade, aparência. É muito presente nas minhas lembranças da família. O fato de algo ser assari está acima de questões como: se o objeto é utilitário, decorativo ou artístico”. Digno de nota é o trio de “peleteiros” gaúchos com Pedro Weingärtner, de Vendedor de Pele (1903, óleo sobre madeira); Karin Lambrecht, de Tote Hase Weinen Nicht (Coelho morto não chora, 1990, pintura sobre tela e pele de coelho) que remete ao dramático no barroco e ao Joseph Beuys de Como explicar desenhos a uma lebre morta (1965); e Lia Menna Barreto, de Cortado (1990), o simulacro de uma pele de animal estrebuchado em tecido e pelúcia. O conjunto aborda a relação entre arte, vida e morte – dimensões cruciais da existência humana. 107


PEDRO WEINGÄRTNER O vendedor de pele, 1903 Óleo sobre madeira 15 × 24 cm

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KARIN LAMBRECHT Tote Kaninchen weinen nicht, 1990 Técnica mista sobre tela 85 × 85 cm

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ANGELO VENOSA Azul profundo, 2017 Cerâmica faiança 41 × 28 × 20 cm LIA MENNA BARRETO Cortado, 1990 Pelúcia e tecido estampado 200 × 130 × 13 cm

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RICARDO RENDÓN Dos estados, 2013 Feltro industrial perfurado 185 × 160 cm FELIPE SEIXAS Sem título, 2016 Concreto, tinta de piso e carvão 52 × 37 × 8 cm

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PAULO PASTA Sem título, 2017 Óleo sobre tela 70 × 90 cm

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CARLITO CARVALHOSA Sem título – P22/ 19, 2019 Tinta a óleo e cera sobre madeira 50 × 40 cm (cada)

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Sem título, 2013 Óleo e fita de alumínio sobre alumínio 19 × 24 cm PAULO MONTEIRO Sem título, 2012 Óleo sobre tela 100 × 70 cm

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Sem título, 2012 Óleo sobre tela 15 × 10 cm

Sem título, 2012 Óleo sobre tela 15 × 10 cm

Sem título, 1998 Óleo sobre madeira 11 × 4,5 cm


PAULO MONTEIRO Sem título, 2013 Cordão de algodão 104 × 4 × 4,5 cm

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HUDINILSON JÚNIOR Sem título, 1982 Assemblage 31 × 45 cm

MAURO FUKE Sem título, 2002 Madeira 36 × 96 × 30 cm

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MARCIUS GALAN Sem título, 2011 Ferro pintado e pregos 41 × 84 × 165 cm


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CAMILLE KACHANI Encyclopaedia privata, 2016 Nanquim e lápis sobre papel 140 × 100 cm

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Encyclopaedia Privata de Camille Kachani, o apátrida e a mosca varejeira Qual é seu roteiro de diáspora? Com a independência de Israel (1948), meus pais, como muitos judeus sírios, fogem para o Líbano. Nós, uma família sefardita da tribo de Israel, morávamos no setor cristão de Beirute. Israel vivia uma situação difícil pelas guerras com os vizinhos. Para meu pai, não era uma opção viável para viver. Em 1973, viemos para o Brasil. Vivi num kibutz em Israel (1983-4), mas retornei por incompatibilidade com o modo de vida dos israelenses. O governo não era mais socialista e eu já não gostava da convivência social.

Por que A condição humana? Li Malraux aos 15 anos. A figura de Chen me marcou, mesmo com dúvidas sobre sua atuação (a ética pessoal) mas que segue seu papel, guiado por sua ideologia.

A Encyclopaedia Privata é trilíngue. Por que Camus? A Peste me mostrou que não só garotos opacos não conseguiam mudar o fluxo de suas vidas nem seu meio; mesmo um homem que parecia uma fortaleza (o doutor Rieux) não tinha opção, mesmo com seus conhecimentos, senão acompanhar o correr dos fatos. O pouco que ele podia fazer não mudava o estado das coisas, mas era um imperativo, era o sentido que podia dar a sua vida. Entendi que isso valeria para minha vida, por mais insignificante que fosse.

Por que Vigiar e Punir? O debate de Foucault sobre prisões coincidiram com meus contatos iniciais com a Shoah, eu pensava em minha ligação com ela.

Quais são os Salmos citados? Os Salmos são repetitivos. A lembrança deles nas aulas é de uma litania num tom que nunca mudava, horas a fio. Também transcrevo poemas de Omar Khayyan lidos em árabe na escola.

Como granadas, moscas, cálices e xícaras fazem a Encyclopaedia Privata? Porque são os elementos que me definem. As moscas me acompanharam pela infância e adolescência, do Líbano ao Brasil. Eu tinha uma caixinha de papelão onde guardava moscas 121


mortas. Os cálices são como a pele negra ou os olhos orientais: mesmo que sem traços físicos reveladores, me era impossível esconder a minha condição judaica. As pessoas sempre parecem “adivinhar”, sempre fui o judeuzinho, le juif na escola francesa. As xícaras são o fardo da família. As granadas são uma arma da qual tenho medo, mesmo ao carregar uma, ela pode explodir em sua cintura.

Seu imaginário trabalhava a violência da guerra, a iminência de morrer, a precariedade da vida? Comecei a desenhar na escola aos 5 anos. Alunos e professora me olhavam. Essa era uma forma de existir, de construir um universo no qual as coisas aconteciam com calma. Você tem memórias da violência da guerra e das granadas? Quando saímos do Líbano em 1972, a violência latente da guerra civil já atravessava a vida. Eu não podia falar com ninguém, pois o sotaque judaico poderia causar problemas. Um político foi assassinado na guerra entre maronitas e muçulmanos. Meu pai pendurou um barbante preto na antena do carro, para despistar. A maioria dos carros portava esse sinal de luto. Meu pai não quis arriscar a ser indagado porque não estava de luto. As granadas vêm da cena de milicianos palestinos, cujo QG era no 4° andar do prédio onde morava um amigo. Diariamente, eu passava por eles. Qual é o sentido das xícaras de café? Era um costume diário as mulheres da família se visitarem pra tomar café (por isso, as xícaras) e conversar. Uma de delas ficou até 75 em Beirute e as poucas que ainda vinham tomar café se sentavam na 122

sala com um buraco de bala na parede. As pessoas durante a guerra ainda tentavam viver alguma normalidade.

As moscas aludem a que? As moscas são que há de mais precário na vida. Nascer no Líbano de pais estrangeiros não dava o direito a documentos nem à cidadania. Me lembro de moscas na mesa da cozinha no Líbano e na cozinha ao chegar ao Brasil. Qual era o sentimento de ser apátrida? Consegui o RG de estrangeiro no Brasil e, logo depois, a naturalização e a cidadania. Mas meu nome, a forma de ver o mundo, a família, a religião, nunca permitiram que eu tivesse a ilusão de ter me tornado um brasileiro. Hoje não sou apátrida, mas não sou libanês, nem brasileiro, nem francês, nem nada. Hoje tenho a sensação de alívio por não dever nada a ninguém. Você desenha cálices de Kiddush? Estes cálices são herança familiar. Na casa de minha mãe ainda há uns dois. Não sigo nenhum ritual nem tenho qualquer fé. Minha formação em filosofia no Colégio Francês em São Paulo foi o terceiro pilar de uma identidade dividida e infiel. Tudo que aprendi era ligado à cultura francesa, mas eu era judeu e árabe aos olhos dos professores. Nada foi fundante em minha identidade, a religião e a família judaica, que falava árabe e francês em casa, só comia comida árabe (até hoje como pão sírio em minha casa), toda a cultura francesa que aprendi. Cultivo esse não-pertencimento como oportunidade de usufruir de diferentes facetas de todas as culturas, pois não pertencendo a nenhuma, pertenço a todas também.


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CARLOS VERGARA 5 problemas 5 estampas, 1967 Serigrafia 47,5 × 32 cm Edição 38/200

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Pop Arte gaúcha A Pop Art, nascida na década de 1950 no hemisfério Norte, é irmã do Rock and Roll. Desenvolvida durante a Guerra Fria, ela foi um fenômeno de celebração do capitalismo no enfrentamento do regime soviético. A Pop Art elogiava a cultura de massa, os meios de comunicação, as histórias em quadrinhos, os anúncios publicitários, os objetos industriais produzidos em massa, o mundo do cinema e do rock, o consumo, os novos materiais tecnológicos. Reivindicava o popular contra o elitismo e a estética tradicional, recorrendo ao pastiche, à ironia e à paródia. Os artistas Glauco Rodrigues, Pedro Escosteguy, Henrique Leo Fuhro, Zoravia Bettiol e Carlos Vergara lançaram as bases do Pop Gaúcho nos anos 1960. Nascido em Bagé, Glauco Rodrigues (1929-2004) foi um grande pintor de história do Brasil. Ele viajou pelos 500 anos do país, reinterpretando obras icônicas como A primeira missa no Brasil, de Vitor Meireles, em grandes alegorias político-culturais que mesclavam indígenas, São Sebastião, araras, Aleijadinho, escravidão, o Brasil colonial, o Império, a República, Getúlio Vargas e Tarsila do Amaral, pampas, trópicos, Ipanema, futebol e carnaval. Essa multiplicidade traz um viés antropofágico ao misturar diferenças e influências para metabolizar tudo em linguagem própria do Brasil. Desde os anos 1960, o amplo diapasão da xilogravura de Zoravia Bettiol abarca os temas clássicos, de bíblicos e gregos a shakespeareanos, dando conta da afirmação do Brasil plural como o candomblé, e da profunda alegria da vida com festas e folguedos infantis. Natural de Santa Maria (1941), Carlos Vergara se mudou para o Rio de Janeiro onde se integrou às vanguardas em exposições como Opinião 65 e A nova objetividade brasileira. Vergara é um artista prolífico, trabalhando com múltiplos meios: do desenho à fotografia, do cinema ao vídeo. Exibem-se as cinco imagens de seu álbum em serigrafia 5 problemas 5 estampas (1967), meio técnico esse apreciado pelos artistas da Pop Art como Andy Warhol. Vergara trata suas imagens como problemas que podemos identificar, como debates sobre a nova imagem da mulher na 125


sociedade, a solidão do sujeito na cidade, a simbologia dos conflitos internacionais, como a oposição do verde e amarelo às cores da bandeira americana, ou ainda os próprios dilemas da arte. Os ares da Pop Art chegaram ao Brasil na década de 1960 e suas bases influenciaram diferentes gerações de artistas, inclusive os sólidos gaúchos Mário Röhnelt (1950-2018), Milton Kurtz (1951-1996) e Alfredo Nicolaiewsky, com suas áreas de cores chapadas, ponto de partida da fotografia para a imagem humana, cenas banais do cotidiano, ruptura com o ambiente homofóbico gaúcho. Carlos Asp é um “pop das sutilezas”, entrecruzando despojamento com a arte conceitual. Carlos Pasquetti e Mara Alvares estudaram no Art Institute de Chicago, e se percebe certo olhar sobre a Pop local do grupo imagista Hairy Who, como o humor e o desenho mesclado à pintura, fato único no Brasil.

MILTON KURTZ Miss L, 1984 Grafite e acrílica sobre papel 77,4 × 92,2 cm

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MILTON KURTZ Sombras A e B, 1983 Grafite e acrílica sobre papel 70 × 100 cm cada

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MILTON KURTZ Série Pequenos suspenses 8, 9 e 6 (tríptico), 1982 Grafite e acrílica sobre papel 66 × 96 cm cada

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MILTON KURTZ Relações inoxidáveis (3), 1981 Grafite e acrílica sobre papel 66 × 66 cm Penteado elétrico, 1986 Grafite e acrílica sobre papel 50 × 70 cm

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HENRIQUE LEO FUHRO Sem título, 1978 Serigrafia 51,7 × 63,2 cm Edição P.A.

Henrique Leo Fuhro, sob o signo Pop Nascido em Rio Grande, Henrique Leo Fuhro (1938–2006) foi um artista do desenho, pintura e gravura, com destaque para a xilo. Nos anos de 1960, a xilogravura de Fuhro se situa junto a gravadores Pop da madeira. Anna Maria Maiolino presentou o universo da mulher em luta por emancipação e subjetivação (A espera, Anna e O bebê, 1967) sob a lição de Oswald Goeldi e de Adir Botelho. Antonio Henrique Amaral recorreu ao corte tosco da xilo do cordel no álbum O meu e o seu (1967), em ácida crítica ao regime militar. Para ele, este álbum foi seu “ato de amor com a arte, virou a minha vida.” 1 As grandes xilos de Manuel Messias são sudários que convertem o corte em marcas do corpo e dobras da alma, justapondo significados originados na agonia de Cristo (Gólgota) e expandidos para o castigo dos escravizados (Por que me abandonastes?) e a tortura no regime militar (Não acho crime neste homem). Furho foi o xilógrafo da mais ampla paleta, enquanto em Messias a cor era drama e pathos. Samico é dono de uma virtuosa xilogravura calcada em capas e narrativas do cordel nordestino, sob meticuloso corte, linhas elegantes e olhar mítico. 130

O repertório triádico de Henrique Leo Fuhro remete a assuntos de Andy Warhol, ora citados como Batman Drácula, Elvis Presley e Speed Skater. Fuhro denota a paixão pela figura dos super-heróis de histórias em quadrinhos como o Homem Aranha. A touca ajustada na cabeça, óculos escondiam a identidade e roupas apertadas que definiam a anatomia de seus personagens do cinema (e. g., Batman e Robin, déc. 1960). Fuhro tinha amplo gosto musical: mambo, samba de breque e jazz. (o saxofone em Lance, 1969).2 Fuhro elaborou imagens de esportes como futebol, sinuca, golfe e tênis, como a Suíte Fair-Tennis (1980) de Warhol, cujo jogador lembra os esportistas do gaúcho. Glauco Rodrigues, Carlos Vergara, Pedro Escostéguy e Henrique Leo Fuhro lançaram as bases do Pop gaúcho. Dos quatro, Fuhro permanece como um tesouro secreto do Rio Grande do Sul, que, para Nádia Pasa e Paulo Sartori, merece toda aclamação. 1 In ANTONIO HENRIQUE AMARAL. Obra sobre papel 30 anos. Campinas: Museu de Arte Contemporânea, 1986. 2 ROSA, Renato.“Henrique Fuhro, Convívio, Afeto e Memória”, Revista Online & Only, ano 2, número 5. Disponível no site https://onnerevista.com.br/pdf/Onne&Only5.pdf


HENRIQUE LEO FUHRO Sem título, 1986 Desenho e tinta acrílica sobre papel 90 × 70 cm Sem título, 1980 Serigrafia 80 × 60 cm Edição P.A.] Sem título, 1990 Desenho e tinta acrílica sobre papel 105 × 74 cm

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GLAUCO RODRIGUES Meu Brasil brasileiro – São Sebastião, 1986 Acrílica sobre tela 250 × 100 cm

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Glauco Rodrigues: dos pampas, Pop gaúcho e samba antropofágico Glauco Rodrigues (Bagé, 1929-2004) ocupa muitos lugares na história da arte brasileira. Sua carreira se lança com a participação nos Clubes de Gravuras de Bagé (1951 com Glênio Bianchetti e Danúbio Gonçalves) e de Porto Alegre (com Carlos Scliar e Vasco Prado). Tais ateliês se inspiraram no Taller Grafica Popular (TGP) do México segundo a ideologia da III Internacional, sob a rédea de Zhdanov que definiu a política de arte a serviço do Estado soviético, sob Stalin, como na gravura Conferência internacional americana por la paz (1952) de Glauco. Ao mudar para o Rio de Janeiro (1958), Glauco Rodrigues se integra à Capital Federal, tendo sido capista da revista Senhor. Em estada em Roma (19621965), sua obra conhece um interlúdio abstracionista das pinceladas soltas e cores quentes, das superfícies vibráteis. No retorno da Itália, ele retoma a figura com recurso à fotografia à la Warhol. Seu olhar, nesse momento, gira em torno do universo Rio de Janeiro, entre o carnaval das escolas de samba e a Ipanema nos anos da bossa nova. Seu Ícaro (1987) é um jovem a saltar do Corcovado em mergulho na enseada de Botafogo. Glauco tomou parte nas mostras Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira (1967, curadoria de Hélio Oiticica) no MAM-RJ. Glauco, Vergara (in O fascista) e Henrique Leo Fuhro lançaram as bases para o que nomeio Pop gaúcho. Desde a gravura Gaúcho mateando (1953), o Rio Grande do Sul nunca saiu da mente de Glauco Rodrigues. Seu melhor é Pedro Weingärtner, outro devoto do imaginário dos Pampas (ver Vendedor de pele, 1903, coleção Sartori). Em sua maturidade, Glauco Rodrigues se tornou um complexo pintor de história. Neste campo, ele está para a virada do século XX para o XXI, o que Portinari representou no modernismo: vontade de abarcar toda a história do Brasil. Portinari era um historiador canônico, com um pé no positivismo dos grandes feitos e outro na teoria do materialismo histórico, vinculado ao Partido Comunista.

Hélio Oiticica, Glauco Rodrigues e Carlos Vergara foram os paralelos coevos no interesse pelas escolas de samba. Glauco carnavalizou a história do Brasil, montou um sincretismo delirante com imagens identitárias do país com humor, festa e tropicalismo. Mesclou São Sebastião, padroeiro do Rio, com indígenas (caboclos), orixás (Oxóssi, 1981) e jogador de futebol. “Sou uma espécie de escola de samba,” proclama Glauco, “como toda escola de samba, eu obedeço ao regulamento: minhas cores são o verde-amarelo-azul e branco, sendo permitido o dourado e o prateado e as cores da pele.” Ele próprio será o tupinambá canibal (A conquista da terra 2. Canção do prisioneiro, 1971), em suas metáforas críticas da ditadura de 64. Sua Terra Brasilis articula alegorias de períodos históricos diversos sob uma heterocronia, da Primeira Missa no Brasil a Ogum (1970, col. MAR). A alegoria – figura de linguagem – é ainda tomada por Glauco, na acepção do carnaval carioca: alegorias são os carros alegóricos das escolas de samba. O artista gaúcho justapõe fatos, imagens marcantes, objetos, teatros de gestos que traduzem o sentido na lógica do Samba do crioulo doido (1968) de Sergio Porto. Por mais que se debata essa expressão como politicamente incorreta, ela designa sínteses inesperadas surgidas na cultura do Brasil do pós guerra com suas contradições. Paulo Sartori busca reunir as dez pranchas de Guia Turístico e Histórico da Cidade Rio de Janeiro, Viagem Pitoresca através do Tempo (1979). Elas desvelam a narrativa citacionista de cinco séculos do Rio, ancoradas em imagens-chave: mapa, os Arcos, o largo do Paço, a coroa imperial, a República Velha, a era Vargas e, por fim, a calçada de Copacabana com São Sebastião ladeado pelo torcedor enrolado na bandeira nacional e a sambista em sumário biquini, num altar de nudez do culto narcisista ao corpo. O discurso estético de Glauco Rodrigues integra tempos históricos, como uma bricolagem de diferenças culturais do Brasil e seus conflitos sociais. 133


MÁRIO RÖHNELT Sem título, 1982 Grafite e acrílica sobre papel 70 × 100 cm

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MÁRIO RÖHNELT Sem título, 1982 Grafite e acrílica sobre papel 66 × 66 cm

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MÁRIO RÖHNELT Sem título, 1982 Acrílica sobre lona 55 × 75 cm / 70 × 100 cm

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CARLOS ASP Tubarão baleia (bichos), 2011-2013 Grafite e pastel sobre embalagem de remédio 31 × 33 cm

MARIA LUCIA CATTANI Sem título, 1984 Gravura em metal 29 × 39 cm Edição 1/15

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MARA ALVARES Sem título, 1984 Tinta a óleo sobre tela 80 × 90 cm

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CARLOS PASQUETTI Sem título, 1981 Pastel sobre papel 64 × 101 cm

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CARLOS PASQUETTI Sem título, 1977 Técnica mista 117 × 88,4 cm

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Episódios do Vice-Reino à Independência As obras alegóricas da história do Brasil de Glauco Rodrigues serviram de base para a montagem deste conjunto de episódios do Vice-Reino à República. Com um conjunto de estações, a Coleção Sartori atravessa fatos, feitos e processos relevantes da sociedade brasileira até a ditadura militar de 1964 sob a ótica crítica dos artistas. Episódio 1 (século XVIII). A cartografação do Brasil com o Mapa (da série Assim é... se lhe parece), de Nelson Leirner, aqui se inclui para pensar as negociações diplomáticas sobre os limites das colônias de Portugal e Espanha. Na zombaria de Leirner, o Brasil perde sua autonomia cultural com a invasão de centenas de 142

decalques de figuras de quadrinhos que ele cola para preencher o território brasileiro. Episódio 2 (1720–1956). A narrativa histórica se acelera nas litografias de Glauco Rodrigues que alegorizam etapas da vida do Rio de Janeiro na condição de capital do Vice-Reino [Vista da Lagoa do Boqueirão e Arcos da Carioca (1750)], do Reino Unido [Período Joanino], do Império [Primeiro Reinado e Segundo Reinado] e da República [A República Velha e A Revolução de 30] e outras. Episódio 3 (1822). A grande peleja, de Paul Setúbal, questiona o heroísmo da independência do Brasil,


através do imponente capacete dos Dragões da Independência. Há duas mistificações que nodoam o 7 de setembro. A frase “Tome a coroa, antes que algum aventureiro lance mão dela”, de Dom João VI para aconselhar seu filho o príncipe Dom Pedro, dissolve todo heroísmo porque foi uma concessão benevolente de pai para filho para manter o poder em família. “Independência ou morte” é um grito falso de um homem montado numa mula. Ademais, no dia 5 de setembro, o Conselho de Estado, com a presença da princesa regente Dona Leopoldina e de José Bonifácio, havia decidido pela independência, apenas reservando a Dom Pedro, ausente, a oficialização pública.

GLAUCO RODRIGUES Álbum Rio de Janeiro, 1979 São Sebastião do Rio de Janeiro Fundação do Rio de Janeiro (1565) Vista da Lagoa do Boqueirão e Arcos da Carioca (1750) No tempo dos Vice-Reis (1763–1808) Período Joanino (1808–1821) Primeiro Reinado (1822–1831) Segundo Reinado (1840–1889) A República Velha A Revolução de 30 O Estado da Guanabara (1960–1975) Litografias 35 × 50 cm cada Editado pela Ymagos

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PAUL SETÚBAL A grande peleja, 2019 Bronze, couro, fibra e pena 43 × 30 × 22 cm Edição 1/3 + P.A.

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NELSON LEIRNER Mapa – Série “Assim é... se lhe parece” 4, 2003 Adesivo sobre papel 71 × 73 cm

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Episódios da República até a ditadura de 1964 Episódio 4 (1889). A arte denota o positivismo de Comte a influenciar o movimento republicano no Brasil: [a] a placa gravada em francês em Estudo para bandeira, de Ivan Grilo, traz a frase “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”, inspiração da bandeira do Brasil; [b] obras de Mário Röhnelt inserem o losango da bandeira brasileira em verde ou em amarelo tomados por figuras que ignoram o “auriverde pendão”; e [c] Um homem negro é engessado no vídeo Progresso, de João Castilho, até a claustrofobia, perda da liberdade. Já se disse que, para Castilho, o futuro anda para trás para os negros (na oposição à política de cotas), seu progresso só eleva a altura das barreiras. Episódio 5 (1902-1912). No início do século XX, o Brasil resolveu suas fronteiras graças à diplomacia do Barão do Rio Branco. É o que se veria se este mapa não fosse cego. A polivalência abunda no Mapa mole, de Marina Camargo. Seria um mapa esmorecido porque fatigado? Seria o Mapa mole da lógica da Obra mole, de Lygia Clark, um corpo vivo que se 146

adapta aos relevos do mundo? Seria o Mapa mole o retrato do planeta a se derreter sob o antropoceno? A cartografia de Camargo não alimenta sonhos, mas cogita de pesadelos ecológicos. Episódio 6 (1939-1945). O Autorretrato com Roosevelt, Lenin e Hitler, de Guilherme Peters, situa o cidadão comum como parte da engrenagem dos conflitos entre capitalismo liberal, comunismo e nazismo, conflito que atingiu o Brasil. Episódio 7 (1964-1985). Retrato oficial, de Rafael Pagatini, decapitou a foto dos cinco ditadores do regime militar de 1964 (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo), nobilitados em imagem oficial nas repartições burocráticas. Foram cerca de 9.000 marteladas sobre os pregos de aço para montar os retratos. O corte que decepa a cabeça dos ditadores é como a derrubada das estátuas de ex-governantes soviéticos depostos, um gesto de ira cívica. Cabe notar o sorriso maroto de Figueiredo que trai seu gozo perverso.


IVAN GRILO Estudo para bandeira, 2015 Gravação em acrílico e prateleira de ferro 40 × 50 × 10 cm Edição 3/3 MÁRIO RÖHNELT Sem título, 1982 Grafite e acrílica sobre papel 66 × 66 cm JOÃO CASTILHO Progresso, 2014 Vídeo full HD 5’30” Edição 1/3

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MARINA CAMARGO Mapa-mole, 2019 Desenho recortado em borracha 140 × 200 cm Edição 1/5 + 2 P.A. GUILHERME PETERS Autorretrato com Roosevelt, Lenin e Hitler, 2009 Oxidação em chapa de ferro, circuito elétrico e motor elétrico 210 × 190 cm, 50 × 30 cm, P.A.

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NELSON FELIX Como colocar o oceano em pé, 2016 Folha de ouro, mármore e lacre 78 × 108 cm

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FELIPE COHEN Tempo partido (#2), 2015 Arenito, madeira e vidro 21 × 50 × 37 cm Edição 3/3


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RAFAEL PAGATINI Retrato oficial, 2017 Impressão UV sobre pregos de aço inox 45 × 35 × 7 cm (cada peça) Edição 2/3

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A história do Brasil passa pelo Rio Grande do Sul Com uma ativa vida política dos gaúchos, para o bem ou para o mal, a história do Brasil passa pelo Rio Grande do Sul. Nos períodos ditatoriais, quatro ditadores eram gaúchos: Getúlio Vargas e, no regime de exceção de 1964, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, representados por Rafael Pagatini em Retrato oficial. A Coleção Sartori nos traz três trabalhos de Carlos Scliar (Revolução Farroupilha, Imigração e Tenentismo – Coluna Prestes) que tratam de processos históricos positivos da vida do Rio Grande do Sul. Com respeito à imigração, 27% dos gaúchos são descendentes de italianos, que se concentram sobretudo na Região da Serra, como na

cidade de Antônio Prado, onde reside a família Sartori. Leonardo Finotti, considerado um dos mais expressivos fotógrafos de arquitetura do mundo, possui obras no MoMA como obra de arte e não como mero registro documental. Finotti interpretou o Monumento à Coluna Prestes, projetado por Oscar Niemeyer em Santo Ângelo. Por fim, Berna Reale, artista belenense, nos apresenta seu mais conhecido trabalho: Palomo, no qual está montada num cavalo com este nome, atuando impassivelmente como um soldado da Polícia Militar. Diz-se que o cavalo crioulo Palomo participou da operação policial que matou 21 sem-terra em Eldorado dos Carajás, em 1996. 153


CARLOS SCLIAR 6 RGS – Revolução Farroupilha (1835-1845), 2000 Serigrafia 50 × 70 cm Edição 54/150 8 Imigração – séc. XIX e XX, 2000 Serigrafia 50 × 70 cm Edição 54/150 10 Tenentismo – Coluna Prestes (1924-1926), 2000 Serigrafia 50 × 70 cm Edição 54/150

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LEONARDO FINOTTI Monumento à Coluna Prestes (1995) – Série Oscar Niemeyer #218, 2018 Pigmento mineral sobre papel de algodão Hahnemuhle photo rag 308g moldura de madeira 40 × 30 cm Edição de 10 + 2 A.P.

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BERNA REALE Palomo #5, 2012 Pigmento mineral sobre papel fotográfico 100 × 150 cm P.A. de uma edição 2/5

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ANDRÉ VENZON Série Por que sempre queremos ver arte? – Laçador, 2021 Objeto, intervenção com caixinha de tapume sobre estatueta de gesso em base 25 × 9,2 × 6,7 cm

MARIA TOMASELLI Sem título, 2010 Óleo e colagem sobre tela 30 × 30 cm

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CAMILA SOATO Resistência I, 2017 Óleo sobre tela 50 × 100 cm

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História, colonização e violência O desenvolvimento das navegações pela Escola de Sagres propiciou a Portugal enorme conhecimento naval, como as caravelas. Depois que os europeus chegaram ao atual território das Américas, houve um salto no conhecimento da cartografia, e paulatinamente iniciou-se o processo da conquista, que foi pautado na violência contra os habitantes originários. A colonização foi uma guerra antropológica que resultou na perda dos laços de ancestralidade, da língua e de outros fatores que constituíam a identidade de cada sociedade indígena. O Rio Grande do Sul é privilegiado por contar com uma população indígena que enriquece sua diversidade cultural, como os guaranis mbya e os charruas. No entanto, novos problemas surgiram para afligir essa população, como a especulação imobiliária, a penúria, a diminuição do apoio de órgãos federais, a educação inadequada e o apagamento de sua presença nas cidades. O artista Camille Kachani, um dos melhor representados na Coleção Sartori, apresenta um trabalho em que se apropria da pintura Mulher africana (1641), de Eckhout, que esteve em Pernambuco com Maurício de Nassau. Ao lado da mulher escravizada e do meio das plantas registradas pelo holandês, Kachani faz brotar a vegetação que aparece em muitas de suas obras, surgindo de livros e móveis, por exemplo. Nas últimas décadas, a história deixa de ser vista pela arte como heroísmo para ser apresentada como violência política criminosa, como se observa na pintura Resistência (2018), de Camila Soato. Sua produção atualiza os fatos históricos do século XVI, conotados aos emblemas das multinacionais ostentadas nas velas dos navios, indicando a dependência econômica do Brasil. Soato também mescla com os processos políticos recentes do Brasil, como as manifestações de rua com os grupos de black blocs e suas balaclavas na cabeça em pleno protesto nas ruas.

CAMILLE KACHANI Sem título, 2021 Técnica mista 90,5 × 59,5 × 30 cm

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Lição democrática de coisas No centro da sala, estão objetos singelos que indagam sobre os grandes desafios, o luto e os fracassos do Brasil. A pequena caravela enfrentando as grandes ondas do Sermão aos peixes (baseado na pregação de São Francisco de Assis), de Tonico Lemos Auad, dá a medida poética das dificuldades de cruzar o grande oceano nas navegações que trouxeram os europeus às Américas. Alegoricamente, a incômoda Cadeira da justiça, de Zorávia Bettiol, representa um dos Três Poderes da República, como o Retrato oficial, de Rafael Pagatini, nos tristes percalços da concretização da democracia no Brasil. Também de Pagatini, Grito surdo traz ícones da censura do estado de exceção imposto ao país pelo presidente Emílio Garrastazu Médici através do Ato Institucional n. 5, de 1968. A forma sólida dos alto falantes em cimento exibe a impossibilidade da fonologia e a tentativa de emudecimento pela censura das vozes dissidentes. Um jorro de marrom-lama em Rio Doce, de Luiz Zerbini, traz um peixe agonizante com a morte da vida animal causada pelo desastre do rompimento da barragem de Mariana. O espectador-testemunha se comove impotente com a violência da irresponsabilidade social da mineração.

TONICO LEMOS AUAD Sermão aos peixes, 2000 Cerâmica faiança 40 × 50 × 33 cm Edição 97/250 ZORAVIA BETTIOL Justiça, 2004 Madeira, couro, metal e tecido 1,05 × 0,68 × 0,62 cm

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DANIEL ESCOBAR Cuba 174 – 175 – Série The World, 2014 Recorte sobre guia de viagem 25 × 23 × 28 cm

RAFAEL PAGATINI Grito surdo, 2016/2020 Cimento, areia e resina 20 × 30 × 22 cm Edições 4/21, 5/21 e 6/21 LUIZ ZERBINI Rio doce, 2019 Cerâmica faiança 42 × 34 × 8,7 cm

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MARCELO MOSCHETA Ambulare 06, 2016 Impressão com tinta pigmentada mineral sobre papel canson bristol 260g, tinta guache, madeira birch, clipes de alumínio, papel antigo, grafite sobre placa de pvc e pedra 82 × 300 cm

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MARCELO MOSCHETA Pedra 09, 2009 Conjunto com desenho a grafite s/pvc expandido, ferro, alumínio e rocha 40 × 40 cm (moldura e base)

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MÁRIO RAMIRO Passe de mágica, 1979 Xerografia 100 × 121,5 cm

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LENORA DE BARROS Poema, 1979–2018 Impressão preto e branco sobre papel de algodão 140 × 30 cm Edição 5/20

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VERA CHAVES BARCELLOS Série One Ice, 1978 Fotografia 100 × 100 cm cada Edição 1/5 Atenção I, 1980 Fotografia e painel de LED 45 × 64 × 6 cm Edição 1/5

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Arte, conceito e física Um grupo de artistas experimentais surgidos nas décadas de 1960 e 70 trabalham em duas vertentes: a arte conceitual e a arte e física, Waltercio Caldas é um artista que atua nestes dois campos. Vera Chaves Barcellos é artista conceitual e ativista cultural. Há meio século é fiel à arte conceitual baseada nas possibilidades analíticas da fotografia, como se depreende em One Ice e Atenção. Artista gregária, ela compôs o grupo Nervo Óptico. No plano do agenciamento social da arte, fundou o Espaço N. O. e a Fundação Vera Chaves Barcellos, em Viamão. A obra xerográfica Passe de mágica aproxima o experimentalismo de Mário Ramiro ao conceitualismo fotográfico de Vera Chaves Barcellos. José Resende é o artista das estruturas físicas como ordenamento do corpo sem órgão de Deleuze e Guattari, enquanto máquinas encadeadoras de funções desejantes, como as obras ora expostas no MARGS. Outros artistas na lógica da física de Resende são Paulo Monteiro, Nino Cais e Túlio Pinto, representados na Coleção Sartori. Artur Lescher é o equilibrista das estruturas poéticas montadas com a fineza sutil dos pontos de tensão. Essa física inquietante é uma metáfora da ecologia subjetiva de Guattari como modelo de reordenamento da sociedade.

Tunga é um artista de ideias polivalentes trabalhando com conceitos da topologia (como na psicanálise de Jacques Lacan), da linguística da mentira (Harald Weinrich), da pseudociência (O pêndulo de Foucault e Transbordá-lo), dos processos alquímicos (esculturas da Coleção Sartori), das formas esculpida pela libido (como Maria Martins), dentre outras. Patrício Farias é um artista conceitual com bem-humorada ironia. Um simpático bicho de pelúcia é o Urso suicida, que atravessa transversalmente a história da arte como uma imagem persistente de Jacques Callot (O enforcamento), Cézanne (Guillaumin na forca) Cildo Meireles (Quem matou Herzog?) e o Grupo Ars (cartaz de Quem matou Herzog? Um documentário de Cildo Meireles). Élle de Bernardini estudou dança e filosofia, disciplinas que hoje sustentam sua arte. Peludinho #20 é um objeto que se expande centrifugamente em fartas direções: a fenomenologia do tátil do neoconcretismo, o erotismo da forma como em Maria Martins e Tunga, dos movimentos do desejo, do temário da peleteria gaúcha de Weingärtner, Lambrecht e Menna Barreto e, como mulher trans, da agenda LGBTQIA+. 171


WALTERCIO CALDAS Sem título, 2013–2014 Nanquim, acrílica e colagem sobre cartão 65 × 87 cm ARTUR LESCHER Graça, 2018 Bronze e linha multifilamento 119,8 × 18,5 × 20,6 cm Edição 13/15 + 3 P.A.

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JOSÉ RESENDE Sem título, 1995 Chumbo 52 × 18 × 10 cm Sem título, 1998 Vidro e mercúrio 19 × 29 × 28 cm Edição 1/8

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TUNGA Sem título – Estojo, 2008/2013 Ferro, imãs, vidro fundido e limalha de ferro 32 × 20 × 38 cm

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TUNGA Transbordá-lo, 2013 Cerâmica faiança 32,6 × 32,6 × 15,5 cm Edição 76/250 Sem título – Noite escura, 2008 Imãs, vidro fundido, borracha e limalha de ferro 45 × 49 × 69 cm

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TULIO PINTO Retângulo, 2016 Bolha de vidro soprado, cabo de aço e pedra, 155 × 70 cm Edição de 12 + 3 P.A. NINO CAIS Sem título, 2016 Marretas, cabo de aço e taças de vidro Dimensões variadas Edição 1/5

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ÉLLE DE BERNARDINI Peludinho #20, 2019 Pele sintética, argola de metal folheada a ouro e linha metálica sobre tela 22 × 22 × 6 cm PAULA JUCHEM Ivorá, 2021 Cerâmica 71 × 27 × 27 cm

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PATRICIO FARÍAS Urso suicida 2, 2013 Ferro, madeira, chumbo, tecido e urso de pelúcia 172 × 50 × 50 cm Edição 3/3 MONICA PILONI Bailarina, 2020 Fibra de vidro, próteses oculares, cabelo sintético, sapatilhas, tutu e caixas de acrílico 225 × 155 × 110 cm

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SAINT CLAIR CEMIN Shadow, 2012 Bronze e madeira laqueada 160 × 72 × 55 cm ERIKA VERZUTTI Beijo, 2013 Cerâmica faiança 19 × 19 × 38,5 cm (cabaça com nabo) 19 × 15,5 × 40 cm (pirâmides com pimentão) Edição 87/250

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XICO STOCKINGER Cactus, 1968 Bronze 66 × 14,5 × 13 cm

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XICO STOCKINGER Guerreiro, 1991 Ferro, madeira e bronze 131 × 28 × 19 cm Guerreiro, déc. 1960 Ferro, madeira e bronze 105 × 19 × 13 cm

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Nada está onde se crê Regina Silveira tomou um jogo de remontar imagens, Quebra-cabeças latino-americano, que embute o comando: Para continuar... Com que imagens você continuaria esse quebra-cabeças? A arte pode ser um quebra-cabeças de signos à espera da projeção de significados pelo outro. Esta área escura desafia pela escassez e ausência da cor para percalços da visão. Um Insólito, de Rosângela Rennó, sobrepõe camadas com impressões de imagens sobre organza de seda, instalando uma penumbra num espaço tridimensional habitado por manchas fantasmais. Puro estranhamento. Os Projetos para imagens veladas, de Ismael Monticelli, surgem porque a arte não é monopólio da clareza, da transparência. Quando a arte obnubila, ela faz o elogio da luz. Monticelli emaranha significados plurívocos da ação de

velar. A arte oculta para revelar, pois retorno do reprimido é indetenível. Passagens, de Rafael Pagatini, são pinturas pretas sobre tela perfurada – o olho atravessa os furos para chegar ao vazio paisagístico. A caixa de Tadeu Jungle certifica que Você está aqui. Você, o espectador, se encontra diante de uma obra de arte que reitera sua posição como um espelho cego. A instalação de Graciela Sacco, com uma faca pontiaguda, se enterrou em algo inapreensível, para assegurar por seu título que Nada está onde se crê no oposto da certeza de Você está aqui, de Jungle. O título Destino das imagens, de Jacques Rancière, pode ser recomposto diante dessas obras que fustigam a visão humana – Qual o destino destas imagens que põem o olhar no abismo da ausência de visibilidade?

REGINA SILVEIRA Assombrada, 2013 Cerâmica faiança 23 × 23 × 23 cm Edição 35/250 “To be Continued... (Latin American Puzzle)”, 1997/2001 Vinil adesivo impresso e recortes de espuma vinílica 104 peças de 14 × 11 cm

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GRACIELA SACCO Série Admissible tension portrait, 2010 Instalação de luz, impressão digital em uma faca e fonte de luz Dimensões variadas ROSÂNGELA RENNÓ Sem título – Costura – Série Insólitos, 2014 Seis impressões digitais em organza de seda pura, estrutura de alumínio, linha azul e taça de vidro 190 × 140 × 8 cm Edição 3/3

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RAFAEL PAGATINI Passagem 2 e 3, 2012 Tinta acrílica sobre tela de linho perfurada 70 × 100 cm Edição 3/3

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O estado de jardim de Carlos Asp

TADEU JUNGLE Você está aqui, 1997/2020 Painel de latão com fundo gravado em baixo relevo, letras em alto relevo, pintura automotiva e verniz, montado sobre base de madeira 30 × 19 × 9 cm Edição 3/10

ISMAEL MONTICELLI Sem título III – Série Projetos para imagem velada, 2017 Escultura formada por fotografia antiga, figura em metal, prego, madeira, espelho, verniz fosco e vidro 50 × 50 × 33 cm

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A produção histórica de Carlos Asp, um artista cult no Rio Grande do Sul, levou Ismael Monticelli a criar o Colírio Carlos Asp® (201??), uma “solução oftálmica indicada para presentificar o ausente”, composta por travesseiro, cobertor florido e regador com água. Depreende-se da nosologia desenvolvida por Monticelli no colírio sobre Asp que a arte da leveza deste tem aquilo que Clarice Lispector experimentou jubilosamente em raro momento existencial: “meu estado é o de jardim com água correndo”. 1 Outra importante informação técnica fornecida na bula é que testes realizados em laboratório comprovaram que o Colírio Carlos Asp®, em contato com o organismo do usuário, pode provocar alterações de percepção, produzindo as mais diversificadas reações. A farmacodinâmica do Colírio Carlos Asp® tem como principal característica estar em constante fase de testes com a advertência de que “Esse colírio deve ser utilizado por indivíduos que possam entrar em estado de contemplação, tendo em conta que é preciso um temperamento conforme, um estado de ânimo conforme e um concurso de circunstâncias externas conforme.” A interação medicamentosa do uso do Colírio Carlos Asp®, concomitantemente a outros (como o Colírio André Lepecki®, Colírio Irmãos Guimarães®, Colírio Milton Santos® e outros desenvolvidos por Monticelli) é aconselhável, podendo advir da mistura de outras percepções ainda não experimentadas em laboratório. Alertamos que, ao entrar em contato com o usuário, os produtos reagem conforme o organismo que os utiliza. 1 LISPECTOR, Clarice. Água viva (1973). Rio de Janeiro, Rocco, 1983, p. 16.


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André Severo, o arquiperiscópio indisciplinado O arquiperiscópio de André Severo incorpora os meios tradicionais da arte (desenho, gravura, pintura, assemblagem, etc.), tecnologia industrial (fotografia como Espelho, vídeo, filme, etc.), novas manifestações da linguagem do pós-guerra (instalação, performance, livro-de-artista, lambe-lambe, arte pública, arte serial, arte conceitual, citacionismo e textos como El Mensajero, trabalhado sobre Octavio Paz), todas reconhecidas contemporaneamente, além de manifestações contaminadas entre as linguagens (música, cinema, teatro, literatura, arquitetura). Mais complexo para o público mais tradicional é o modo como André Severo incorpora como arte todo e qualquer trabalho no sistema de arte, tais como montagem física de exposições, curadoria de mostras (como a 30ª Bienal de São Paulo), reencenação de propostas conceituais de outros artistas, textos críticos ou historiográficos, editoria, educação, cursos e palestras, direção de instituições culturais (como o Farol Santander de Porto Alegre), ficar sem expor e até a organização da cabeça de seus curadores, arquitetos e designers gráficos que se envolvam em atividades de sua trajetória profissional. Essa lista é aberta, pois o regime óptico é polissêmico, múltiplo, errante, plurívoco, heterotópico. Iconófago,

ANDRÉ SEVERO Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2017 Pigmento mineral sobre papel fotográfico 160 × 270 cm Edição 1/5 Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2015 Texto sobre papel 29,7 × 21 cm

devorador de Cronos. Severo é onívoro. Na exposição da coleção Nadia e Paulo Sartori no MARGS, Severo teve uma sala exclusiva poque é um artista colecionado em profundidade e variedade pelo casal de Antonio Prado com um total de 13 obras. Em seu espaço, Severo incluiu uma paisagem do “pintor pré-modernista” Augusto Boeira do acervo do MARGS. Hoje, o que mais me interessa é o espectador ativo,” 1 revela André Severo.

1 “As instalações Metáfora e Espelho rompem a condição passiva do espectador cinematográfico – seu corpo fica em repouso enquanto as imagens lhes são apresentadas na ordem montada pelo diretor. O espectador de exposições é ativo (o corpo se movimente, monta e remonta a estrutura da mostra com o deslocamento pelo espaço).”

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ANDRÉ SEVERO Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2015 Texto sobre papel 29,7 × 21 cm Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2016 Sublimação sobre seda 110 × 164 cm Edição 1/5

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ANDRÉ SEVERO Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2017 Sublimação sobre seda 110 ×180 cm Edição 1/5 Sem título – Série Espelho/ El Mensajero, 2015 Texto sobre papel 29,7 × 21 cm

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GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL – MARGS

GOVERNADOR

DIRETOR-CURADOR

SECRETÁRIA DE ESTADO DA CULTURA

CURADORA-ASSISTENTE E

Eduardo Leite

Beatriz Araujo

Francisco Dalcol

COORDENADORA DE OPERAÇÃO

Fernanda Medeiros SECRETÁRIA ADJUNTA DA CULTURA

Gabriella Meindrad

NÚCLEO DE ACERVOS E PESQUISA

DIRETORA DE ARTES E ECONOMIA CRIATIVA

Ana Maria Hein Raul César Holtz Silva – coordenador Nina Sanmartin – estagiária de História

Ana Fagundes

da Arte (UFRGS)

DIRETOR DE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

NÚCLEO ADMINISTRATIVO

Eduardo Hahn

DIRETORA DO INSTITUTO ESTADUAL DE ARTES VISUAIS – IEAVI

Adriana Boff

Maria Tereza Paes – coordenadora Fabiana Lima

COMITÊ DE CURADORIA

Ana Albani de Carvalho Carla Batista Eduardo Veras Fernanda Medeiros Francisco Dalcol Izis Abreu Munir Klamt Paulo Miyada

EQUIPE DE SERVIÇOS GERAIS

Claudia Rosangela Gomes Escobar Gisele Soares de Lima Maria Neli Andrade Hilario Nelci Anschau EQUIPE DE VIGILÂNCIA

Artur Dornelles Ferreira – estagiário de Artes

Alexandre da Silva Fão Gilda Teresinha Oliveira Teixeira (turno

Visuais (UFRGS)

da noite)

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E DESIGN

Fernanda Medeiros – coordenadora NÚCLEO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO

Loreni Pereira de Paula Naida Maria Vieira Corrêa – coordenadora NÚCLEO DE CURADORIA

Fernanda Medeiros – coordenadora José Eckert Sandra Vinhales NÚCLEO EDUCATIVO E DE PROGRAMA PÚBLICO

Aline Zimmer – estagiária mestranda em Artes Visuais – História, Teoria e Crítica (UFRGS)

Amanda Wink Barcellos — estagiária de História da Arte (UFRGS)

Ana Carolina Cecchin Chini – estagiária de Artes Visuais (UERGS)

Carla Batista – coordenadora Izis Abreu COMITÊ DE ACERVO

Fernanda Medeiros Flávio Krawczyk Francisco Dalcol Igor Simões Paulo Gomes Raul Holtz Silva Vera Chaves Barcellos

Giliandra Angela Bagnolin José Vilnei Luiz Lucelena da Cunha Santos Manoel Gernil Brum de Barros Vander de Menezes Allan Cristian Rodrigues dos Santos Ana Carla de Araújo Albuquerque Antônio Lira de Almeida Júnior Carlos Alberto Schio Felipe dos Santos da Silva Josiane Pinheiro Gonçalves (turno da noite) Marcio de Oliveira da Rosa Wanessa Eccel Santos


ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL – AAMARGS

PRESIDENTE

EXPOSIÇÃO COLEÇÃO SARTORI – A ARTE CONTEMPORÂNEA HABITA ANTÔNIO PRADO

CATÁLOGO

CURADORIA

TEXTOS

Dirce Zalewski

Paulo Herkenhof

VICE-PRESIDENTE

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Maria Regina de Souza Lisboa

Nonô Joris

(Nonô Joris ArteProdutora) 1 a TESOUREIRA

Ilita da Rocha Patricio SECRETÁRIA

Reny Elizabeth de Araújo Ramacciotti

CONSELHO FISCAL

Carlos Carrion de Britto Velho Carlos Alberto Carpena Iara Nunnenkamp (suplente) Francisco Dalcol (diretor-curador do MARGS) ASSISTENTE ADMINISTRATIVO

Girlei Both de Matos

PRODUÇÃO E GESTÃO

ADMINISTRATIVO-FINANCEIRA

Giuliana Neuman Farias

(Nonô Joris ArteProdutora) PROJETO EXPOGRÁFICO

Edu Saorin (Urbanauta)

DESIGN GRÁFICO

Fernando Leite Louise Favilla

(Verbo Arte Design) REVISÃO DE TEXTO

Patrícia Pitta

MUSEOLOGIA

Alahna Rosa Julia Jaeger Karine Lima da Costa Kimberly Pires (Pantheon Patrimônio e Cultura)

Paulo Herkenhof PRODUÇÃO

Giuliana Neuman Farias Nonô Joris (Nonô Joris ArteProdutora) FOTOGRAFIA

Ana Pigosso Anderson Astor Edouard Fraipoint Eduardo Ortega Eric Gregory Powell Everton Ballardin Fabio Del Re / Carlos Stein (VivaFoto) Gui Gomes Guilherme Ternes Ivo Guimarães João Liberato Leonardo Finotti Pat Kilgore Thomas Davila Vicente de Mello DESIGN GRÁFICO

Fernando Leite

(Verbo Arte Design) REVISÃO DE TEXTO

Patrícia Pitta

EXECUÇÃO CENOGRÁFICA

André Costa Daniel Cartana

AGRADECIMENTOS

(Fake Cenografia) MONTAGEM

Carlos Cristiano Bacelar Klaus Kellermann Paulo Frederico Mog da Silva Maicon Petrolli TRANSPORTE DE OBRAS DE ARTE

Art Quality – Chenue do Brasil SEGURO DE OBRAS DE ARTE

Solaris Corretora de Seguros Essor Seguros S.A.

Nádia Ravanello Pasa Pedro Augusto Pasa Sartori Neida M. Sartori Paula Sartori Lucas Cimino Fábio Cimino Marga Pasquali Túlio Pinto Francisco Dalcol Família Essenza Design Elias e Fernando Bolzan Elias e Vicente Riva Maria Tereza e Laureano Fortuna Fabiola Ceni Às equipes do MARGS À equipe de produção


financiamento


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