Imagempensamento nas Artes Visuais

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imagem CACO

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imagempensamento



regina melim | tatiana sulzbacher | rosangela miranda cherem | antonio carlos santos | nohemí ibáñez brown | anuschka reichmann lemos | milla jung | felipe prando | talita esquivel | luana navarro | inara vidal | carlos kenji | lidia sanae ueta | patricia lion | arthur do carmo | tatiana alves | andrea tais siewerdt

imagempensamento organização milla jung



Sumário Apresentação ....................................................................................................... 07 Milla Jung Imagem e performance nas artes visuais ...................................................... 11 Regina Melim A imagem no processo curatorial .................................................................. 19 Tatiana Sulzbacher Extrapolações sobre a fotografia como procedimento artístico............. 27 Rosangela Miranda Cherem A pintura e a fotografia como personagens da fábula modernista ......... 41 Antonio Carlos Santos A imagem e o corpo na arte contemporânea ............................................. 53 Nohemí Ibáñez Brown Sobre o Acervo Carlos Ibarra ou modos de existir sem a presença ..... 69 Felipe Prando E X - T E M P O S .............................................................................................. 73 Carlos Kenji Retratos do século passado ............................................................................. 77 Patrícia Lion Marés ..................................................................................................................... 79 Andréa Tais Siewerdt Agora ..................................................................................................................... 81 Lidia Sanae Ueta Do que sou e não posso dizer que sou ........................................................ 83 Luana Navarro

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s/ título .................................................................................................................. 87 Inara Vidal Passos Mutação Controlada .......................................................................................... 89 Talita Esquivel Telefone sem fio ................................................................................................. 91 Arthur do Carmo e Tatiana de Alves e Souza Esboço ............................................................................................................ cartaz Anuschka Reichamann Lemos Sobre os Colaboradores ................................................................................ 103

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O projeto imagempensamento nas artes visuais aconteceu no Núcleo de Estudos da Fotografia em Curitiba de setembro a novembro de 2010 através do Edital Rede Nacional Funarte Artes Visuais 7ª edição, e teve como propósito refletir sobre a imagem como forma de pensamento na arte contemporânea. Um desejo que há tempos nos rondava, parecendo urgente seu debate. Vieram conversar sobre suas concepções sobre o tema pensadores e artistas, sempre apresentando de antemão referências bibliográficas que serviram de base para criar um solo comum nos encontros. Regina Melim, Tatiana C. Sulzbacher, Antonio Carlos Santos, Nohemí Ibañez Brown, Rosângela Cherem, Felipe Prando e Anuschka Reichmann Lemos apresentaram sete perspectivas que se somaram às dos participantes para construir um campo de ideias que agora se encontram nesta publicação. Em princípio, desejávamos que a investigação sobre a imagem como aquilo que se pensa e refletidamente pensa o sujeito se enquadrasse num lugar de onde seria possível vislumbrar o todo deste meio, como se num instante a questão se iluminasse. Mas, na medida em que os pensamentos foram se abrindo, deu-se a compreensão de que se algo define o que é a imagem são sua própria evanescência e multiplicidade. Assim, abrimos mão de encontrar um núcleo no pensamento por imagens para justamente expandir nossas reflexões sobre suas equações e arquiteturas, suas economias e voluptuosidades, suas fabulações e mitificações. Sempre indo ao encontro do assunto de que não existe uma imagem, mas imagens no plural, e que estas estão sempre, anacronicamente, se re-elaborando em novas vias a cada aparição. Imagens como borboletas, como propõe Didi-Huberman, esses seres viventes que são passíveis de contemplação apenas fugazmente. E que, acreditamos, são responsáveis por habitar e reverberar os acontecimentos. Deste modo, o cálculo poderia ser que são as imagens, e não mais os objetos de arte, aquilo que importa como meio na arte contemporânea. Sobrevivendo aos fatos, solicitando novas formas de apreensão,

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sobrepondo-se aos discursos, aumentando infinitamente a trama deste caldo. Imagens que se presentificam como significantes numa infinita trajetória de sentidos, atualizando na arte o que lhe parece ser o mais próprio, sua capacidade de luminância e vida. É desta relação entre a arte e sua imagem que os trabalhos desta publicação se alimentam e discutem. Colaborações dessimétricas que se cruzam numa única experiência: criando novas imagens e contribuindo para o que Coccia chama de reino do inumerável. Milla Jung 2011

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Imagem e performance nas artes visuais Regina Melim Esta conversa será norteada pela leitura, discussão e comentários dos textos: “The performativity of performance documentation” (AUSLANDER, Philip. In: Performance Art Journal – PAJ 84, 2006, p. 1-10) e “Reconstruções e interpretações de performances nas artes visuais” (MELIM, Regina. In: Catálogo Performance, Presente, Futuro II. Rio de Janeiro: Oi Futuro, 2009, p. 44–51), realizados pelos integrantes do grupo de pesquisa do projeto IMAGEMPENSAMENTO NAS ARTES VISUAIS. A ideia, portanto, será a de encaminhar este nosso encontro como um diálogo e continuidade desta reflexão que está sendo proposta sobre a imagem como forma de pensamento na arte contemporânea, tendo como tema, hoje, a relação entre imagem e performance nas artes visuais. 1 Há duas situações geradas a partir dos textos acima sinalizados: 1) a necessidade de criar novas categorias para pensar a performance a partir do que os artistas fazem, levando em consideração a própria história da performance; 2) categorizar pode chegar a um falso problema, pois pode acabar reduzindo o trabalho à sua estrutura, suporte ou forma, sem levar em consideração outras questões que a noção (ou o tema) performance carrega, Sobre isto, eu diria que a questão não está em criar novas categorias, mas em ampliar a noção de performance (sobretudo, no campo das artes visuais). Uma dessas ampliações passa, justamente, pelas imagens às quais tais performances estão aderidas. Ou seja, não apenas aquelas fotografias e/ou vídeos que foram gerados através de performances apresentadas na presença de um público, mas, também, aquelas imagens geradas por performances que não tiveram nenhum tipo de audiência 13


no momento de sua apresentação ou execução, a exemplo de muitas delas que foram realizadas em espaços totalmente privados, no próprio estúdio do artista, tendo, grande parte das vezes, a câmera como única “audiência”. Igualmente, para as performances que são realizadas no espaço público, anonimamente, sem nenhuma audiência, apenas alguém previamente contratado para acompanhar o artista e executar esse registro. Além disso, temos que considerar a série de textos, anotações e/ou instruções feitas pelos artistas que, muitas vezes, são as únicas imagens que acompanham tais procedimentos artísticos. 2 Outra questão que foi manifestada pelo grupo, vinculada à relação entre a performance e a fotografia, girou em torno do trabalho de Vito Acconci, PHOTO-PIECE: As fotografias feitas ao piscar os olhos parecem fazer uma analogia com o tempo não visto pelo olho humano, ou seja, cada vez que se tira uma foto, pela estrutura mesma da câmera fotográfica, o olho pelo visor não tem acesso simultaneamente ao que está sendo fotografado. Assim, mostrar o todo só é possível através da operação técnica do equipamento. “Fotografar” para poder ver o que não é possível, tão pouco pelo olho humano que sente a necessidade de piscar. É interessante surgir essa questão, pois Vito Acconci pensou exatamente sobre isso quando planejou esta performance. Ou seja, a câmera fotográfica ser uma extensão de seu corpo, de seu olho. Foi uma performance que ele realizou na Greenwich Street, em Nova York, numa tarde de 23 de novembro de 1969, utilizando uma câmera Kodak Instamatic 124, filme PxB, e que faz parte da série que ele chamou de STREET WORKS. Esta série era composta de performances que foram realizadas no espaço público, sem nenhum tipo de audiência, e as imagens geradas foram feitas por ele mesmo ou por alguém que lhe acompanhava (como FOLLOWING PIECE – Nova York, 3-25 de outubro de 1969 – apenas para citar um exemplo de uma de suas ações performáticas mais conhecidas da série STREET WORKS).

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Em suas anotações sobre este trabalho, cujo título original era: BLINKS, acrescido de um subtítulo: PHOTO-PIECE, que mais tarde tem a palavra PIECE riscada e inserida a palavra ACTIVITY, ele assinala algumas instruções e notas (como acontece em todas as suas performances), dizendo o seguinte: Segurando uma câmera, mirar longe de mim e ficar pronto para fazer fotos, enquanto caminho numa linha contínua, numa rua da cidade. Tentar não piscar. Cada vez que piscar, realizar uma foto. Mantendo a visão: (câmera como um meio para “manter a visão” – quando eu pisco, eu não consigo ver – quando eu faço uma fotografia, enquanto estou piscando, eu tenho um registro daquilo que eu não pude ver, vejo depois, o que sinto agora). Reação atrasada: adiamento: antecipação (quando eu pisco, eu sei que vou estar vendo, depois, o que eu estou perdendo agora). Performance como “tempo duplicado”: eu vejo o que está em minha frente no presente – agora e depois, eu sei que eu vou ver, no futuro, o que estava na minha frente no passado. Trabalho de arte como o resultado de um processo corporal (minha piscada “produz” uma fotografia)1. E o resultado, como bem sabemos, foram doze fotografias de uma rua vazia. 3 Uma outra situação apontada foi sobre a documentação da performance baseada nas duas situações que Philip Auslander nos coloca: a teatral e a documental. Assinalam que: A documentação da performance como teatral reafirma um

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ACCONCI, Vito. Diary of a Body: 1969–1973. Milano: Charta, 2006, p. 114.

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lugar da fotografia como “isso foi simulado”, negando o noema de Barthes (isso-foi) ou a estratégia contemporânea do François Soulages (“isso-foi-encenado”). E neste sentido é estratégico que o meio seja a fotografia, já que esta está, pelo senso comum, totalmente vinculada com a noção de “efeito de real”. Isso foi simulado –conteria então esta dupla proposição, por exemplo, em Yves Klein com o SALTO NO VAZIO. Isto que está acontecendo é uma simulação que tem a sua verdade como imagem. Daí partiu-se para a consideração que qualquer imagem pode ser um encontro primário com a ação artística. Não importa se uma performance foi presenciada ao vivo. Leu-se sobre ela, miraram-se registros dela, ou simplesmente ouviu-se falar dela, ela existe em cada um destes momentos: na cabeça de cada qual, e ela é este território que vai se construindo, sem hierarquias, ela é sua própria trajetória de sentidos. Considero esse “território” que vai sendo construindo como uma das questões mais instigantes que acompanha a história da performance. É bastante interessante pensar sobre isso, porque temos conhecimento de que a performance nas artes visuais teve por muito tempo uma estreita relação com a oralidade, com o discurso. Marina Abramovic tem um depoimento muito interessante, no qual ela diz que, quando ainda morava na antiga Iugoslávia, as informações que obtinha sobre performances apresentadas em outros países eram quase sempre a partir de depoimentos de quem as tinha assistido. Muitas vezes, também, o acesso era a partir de umas poucas fotocópias2. É importante ressaltar, ainda, que a prática de escrever sobre performances ocorre muitas vezes sem que tenham sido presenciadas ao vivo, mas única e exclusivamente por meio de documentos: fotografias, textos, anotações, depoimentos, etc. Sobre isso, um exemplo que vale aqui mencionar é o da crítica e historiadora Amélia Jones, que assumidamente confessa que normalmente escreve sobre aquilo que não viu. Posturas como essas nos levam a pensar em uma série de

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ABRAMOVIC, Marina. Reenactment. In: Seven Easy Pieces. Milano: Edizioni Charta, 2007, p. 9.

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implicações presentes na própria história da performance nas artes visuais. Uma história, como qualquer outra, que é feita a partir de fatos vivenciados, depoimentos e documentos. Nos anos 1970, não existiam muitos lugares para os artistas apresentarem seus trabalhos performáticos. Os museus e as galerias não estavam interessados em ações ou procedimentos desta natureza. É fato notório que instabilidade e indeterminação nunca foram atributos que despertassem maiores simpatias nas instituições. Assim, os artistas apresentavam-se em lugares alternativos, que podiam ser desde espaços coordenados por eles mesmos como também em seus ateliers ou em suas próprias casas. Abramovic relata que muitas vezes o público era composto de quatro ou cinco amigos. Na verdade, diz a artista, se tivesse vinte pessoas presentes, o performer poderia ser considerado de muita sorte. No início, estes artistas (como ela própria) não registravam nada, mas não tardou muito para que todos começassem a fazer uma série de registros, como anotações, diagramas, fotografias e vídeos3. Assim, pensar nessa produção que acompanha as performances é pensar que estamos diante de algo que não pode ser tratado exclusivamente como uma situação secundária. A fotografia, o texto, as anotações e os depoimentos de performance podem ser, sim, em muitas situações, os documentos primários da ação. 4 A partir disso, chega-se à conclusão de que: Re-performar uma performance é hoje a expansão deste território. Sem dúvida, acredito que sim. Acredito que essa expansão, inclusive, tem como uma das ocorrências o próprio fato de pensarmos a imagem não mais como informação secundária da performance. Porque é frequente, ainda hoje, a tratarmos como documentos secundários, baseados na formulação de que: existiu uma ação que foi realizada para um público, e o seu documento visual e/ou escrito é um registro suplementar, é fonte secundária.

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Ibidem, p. 9-10.

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Uma série de proposições curatoriais e artísticas apresentadas, hoje, são motivadas justamente pela presença destes documentos. Algumas referências importantes têm me acompanhado nestes últimos anos para pensar sobre a expansão deste território chamado performance. A primeira delas partiu de um curador, Jens Hoffmann, com sua proposição curatorial chamada A little bit of history repeated, realizada em 2001 no Kunst-Werk, em Berlim, onde, durante três dias, uma série de performances foram interpretadas e reapresentadas partir de documentos escritos ou orais, fotografias e vídeos. A outra referência parte de Marina Abramovic e o projeto Seven Easy Pieces, realizado em 2005 no Guggenheim Museum, em Nova York, onde durante sete dias, por oito horas consecutivas, a artista reapresentou seis performances dos anos 1960–70, cinco delas de outros artistas (Bruce Nauman, Gina Pane, Vito Acconci, Valie Export e Joseph Beyus). Mais recentemente, em 2010, Abramovic permaneceu durante os meses de março, abril e maio no MoMA, em Nova York, com o projeto The Artist Is Present, reapresentando, ela própria e com o público presente, a performance NIGHTSEA CROSSING – originalmente apresentada com Ulay na década de 1980. Ainda nesta mesma exposição, em outras salas do museu, 36 jovens artistas reapresentavam outros trabalhos seus. 5 O grupo ainda conclui que: Como na fotografia, como novo real, é necessário perder o referente, para poder ver. Na experiência das imagens e referências da performance poderia se fazer necessário perder o referente para experimentá-la? Possivelmente seja o deslocamento que Philip Auslander faz entre uma preocupação ontológica e a fenomenológica, que cabe entre observador e documento, não mais entre performance e documento. Sem dúvida. Essa é uma das questões-chave que presenciamos quando tratamos de imagem e performance/de performance e sua documentação, que está em se deslocar da relação ontológica para a fenomenológica, ou seja, em se deslocar para a relação que existe entre o

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observador e o documento. E, portanto, assumirmos que não é somente a presença do público que faz um trabalho ser uma performance, mas, também, o ato performativo de documentá-la como tal. 6 Por fim, o grupo assinala que: Discutir a performance somente como a ação orientada para um corpo, centralizada no corpo do artista, como conceito dentro da história da arte, ou discuti-la somente a partir da gênese das imagens, em ambos os casos evita-se de se chegar a uma aproximação do trabalho. Os questionamentos gerados tendem a ser parcos. Este entrelaçamento (entre a imagem e ação geradora) é que deveria formar o questionamento sobre onde olhar o trabalho artístico, dito performático. Perfeito. A questão não pode se resumir em uma postura de escolha por uma dessas variantes. Estamos falando de possibilidades de distensões do termo performance. E isto implica tratar essas variantes como situações abertas e sem limites. Que se somam, se potencializam em complexidades que as tornam mais instigantes. Longe (muito longe mesmo) de limitarmos nosso pensamento para uma das proposições aqui debatidas como única e soberana. Admitimos que há uma comissura entre todas estas partes: ação do artista e sua documentação. Todavia, por mais elástica que seja essa ligação, na qualidade de observadores (como audiência deste trabalho), somos também atingidos pelo desejo de participação. E, então, a pergunta deixada pelo grupo: se nesta experiência das imagens e referências da performance poderia se fazer necessário perder o referente para experimentá-la? Concluiríamos, num primeiro momento, que sim. Mas, talvez não fosse o caso de perder o referente. Mais justo seria “afastar-se”, deixar que a experiência com a imagem e referências possa também criar uma vida própria e, neste movimento, “esquecer” (vagarosamente) de sua origem para estabelecer novas relações.

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A imagem no processo curatorial Tatiana Sulzbacher Quando fui convidada pela Milla para falar sobre imagem e curadoria, imediatamente me veio à cabeça uma imagem sobre um debate que aconteceu entre artistas e o então diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de São Paulo, Walter Zanini, na exposição VI Jovem Arte Contemporânea (JAC) em 1972. Mesmo sabendo que não necessariamente teríamos que trazer ou falar de uma imagem em particular, decidi que esta imagem seria projetada na parede de forma a permear toda a fala, reflexão e conversa entre os participantes. O convite trouxe, então, o desafio de pensar a imagem nos processos curatoriais experimentais desenvolvidos dentro de instituições de arte, a partir de uma perspectiva de pensar a curadoria através da imagem, ou melhor, o significado da imagem nos processos curatoriais. O ponto de partida adotado foi a condição da imagem nas práticas experimentais e sua relação com as instituições de arte. O que significa isso? Para chegar à relação da condição da imagem nos processos curatoriais atuais, começarei situando o surgimento da arte experimental ou processual no Brasil, desenvolvida dentro do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP) entre as décadas de 1960–70, mais especificamente, sobre a exposição VI Jovem Arte Contemporânea (JAC) no MAC/USP. O MAC/USP surgiu em 1963, a partir da transferência da doação da coleção do MAM/SP para a USP realizada repentinamente pelo empresário Ciccilo Matarazzo. Sem sede própria, o MAC/USP ocupou o terceiro andar do Pavilhão da Bienal de São Paulo[1]. Desde o momento em que o primeiro diretor do MAC/USP, Walter Zanini, entrou para dirigir tal museu, ele incentivou a produção e mostra da arte de artistas jovens e emergentes. O período era de ditadura militar, e, felizmente, por algum motivo, os militares não chegavam até o museu. Nos primeiros quatro anos, de 1963 a 1966, o salão de arte para 21


jovens artistas era dedicado apenas às modalidades de desenho e gravura. Após 1967, o museu ampliou as inscrições para outras modalidades (na ficha de inscrição, além das categorias tradicionais, havia também a possibilidade de se inscrever em “outros”). Em 1971, o corpo do jurado foi surpreendido com a inscrição de duas propostas: uma que era efêmera, ou seja, o trabalho só duraria o tempo da exposição, e a outra proposta foi a inscrição de um grupo de artistas, ou seja, de autoria compartilhada[2]. Ambas as propostas foram aceitas. Estes acontecimentos repercutiram no salão de arte seguinte, na VI JAC, em 1972, que foi um marco na gestão do Walter Zanini no MAC/USP, como se houvesse dois momentos: um antes da VI JAC e outro depois, até a saída do Zanini. A VI JAC significou uma mudança no sistema operacional do museu, mudando a forma como as exposições eram organizadas, montadas e dialogadas com a produção realizada em diferentes suportes, trabalhos que valorizavam principalmente pesquisas em linguagem multimídia. Zanini procurou apresentar ao público uma ampla visão desta linguagem, resultante da experimentação de novos meios de expressão. Para Zanini, a informação que a exposição trazia era polivalente: [...] Seus recursos semiológicos demonstram as possibilidades criadoras que conduzem freqüentemente à indagação sobre se ainda é à arte que se referem estes métodos e estes resultados. À experimentação, sem dúvida, mas a experimentação é uma qualidade mestra desta atividade humana, que teima em chamar de arte. (ZANINI, 1974, s/p)

Vale lembrar que isso só foi possível graças ao apoio do Walter Zanini na direção de tal museu. A VI JAC veio, então, com a proposta de dar ênfase nos processos de produção artística no lugar de apresentar um objeto. Os artistas não deveriam trazer nada pronto para esta exposição, e sim pesquisas artísticas, a experimentação e o pensamento do processo no museu. Foi decidido que, para a seleção dos artistas, seria realizado um sorteio

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aberto ao público. O espaço do museu, de 1.000 m², foi dividido em lotes por um grupo de alunos que cursava Comunicação Visual. Os artistas que queriam trocar seus lotes deveriam escrever ao diretor explicando o motivo. Tudo foi muito bem registrado em cartas, informativos e planos de trabalho[3]. Foram 14 dias de evento, e mais de 84 artistas e grupos participando. Em uma entrevista com a performer Circe Bernardes[4], artista que participou deste evento, ela contou que era muito comum os artistas conversarem e se encontrarem com Zanini para discutir sobre o que era uma obra de arte. No Brasil, nós ainda não tivemos outro exemplo desta integração entre diretoria do museu, artistas e alunos em uma instituição de arte. Muitos dos trabalhos desenvolvidos na VI JAC questionaram o estatuto de uma obra de arte. Os dois últimos dias do evento foram dedicados a apresentações de performances. Circe, vestida de Monalisa, com um quadro de paisagem atrás da sua cabeça, desfilou pelo espaço. Quando falamos em processo artístico ou curatorial, o que está sendo evidenciado não são os trabalhos em sua forma final. Ao negarem o produto pronto, ou seja, um objeto de arte, o processo de construção é evidenciado em todas suas etapas. Na VI JAC, todas as fases do evento totalizaram a “obra-evento”, como por exemplo: o sorteio no auditório, o tempo de montagem disponibilizado aos artistas, as vivências que aconteceram entre os participantes e o público, as cartas trocadas entre a direção e os artistas e o debate final. Vale lembrar que era quase impossível de documentar tudo, e muita coisa se perdeu. A imagem que citei no início deste texto é referente ao debate que aconteceu nos dois últimos dias da VI JAC, no auditório do MAC/USP. A imagem é um dos caminhos para se aproximar do que foi a VI JAC. Neste caso, ela é um documento, uma informação e a memória desta experiência, um “meio do caminho”, e não o ponto final. Não foram performances endereçadas para o suporte da fotografia. Considerando os relatos da artista Circe Bernardes, de forma geral, não havia uma preocupação em registrar estas experiências tão voltadas para a

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experimentação. Nem todas as imagens que estão arquivadas no MAC/ USP têm a identificação de seu autor. Mas, pelos relatos de artistas que participaram da VI JAC, algumas foram tiradas pelo irmão do Walter Zanini. Esta informação é apenas um detalhe para mostrar que não houve uma preocupação com a documentação e com a permanência do que estava sendo feito. O trabalho que temos hoje é o de ir buscar informações na fonte, informações primárias, através dos artistas e participantes (muitos ainda estão vivos), para (re)construir com mais detalhes a história. Porque as imagens produzidas nesta exposição, bem como em outras, de cunho fortemente experimental e processual, produziam acontecimentos, mais do que imagens. Todos os documentos e fragmentos do evento, como por exemplo, a imagem do debate, as entrevistas com os artistas que participaram da exposição e as comunicações registradas com Walter Zanini, possuem o mesmo valor como produção artística. Quando falamos em “desmaterialização[5]”, termo usado por Lucy Lippard na década de 1960, fazendo referência aos primeiros artistas conceituais norte-americanos, ela não estava dizendo que não havia mais o material na construção de obras, mas, sim, que o objeto havia sido fragmentado, e não era mais único e singular. A “desmaterialização” dá ênfase nos processos de construção (manufatura) de um projeto, sem esconder os pensamentos e os “rascunhos”. Todas as etapas são formadas por resquícios estéticos de uma produção. Entendo que as imagens que restaram da VI JAC são uma parte da obra ou fazem parte de uma obra maior. A obra, neste caso, são os 14 dias de evento, sendo quase impossível capturarmos a sua totalidade. *** Do ponto de vista da prática curatorial, pensando no caso específico da VI JAC: a imagem não é a obra, mas faz parte dela. A obra não é o trabalho de cada artista, a obra é o conjunto de todos eles. Os artistas trabalham a partir de uma interação no local, a partir de

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interferências não premeditadas. O diretor do museu não faz curadoria, ele agrega artistas, alunos e o público para uma construção coletiva e não hierarquizada[6]. *** Na arte processual, a imagem é a informação. Como mostrar a produção de arte experimental iniciada nas décadas de 1960–70? Após 30/40 anos, qual é a compreensão que temos dos resquícios das práticas artísticas experimentais? Esta compreensão passa, inevitavelmente, pela legitimidade que um museu de arte concede à produção artística conceitual, através de seu “valor de exibição”, ou, nas palavras de Cristina Freire (1999, p. 36): “A situação de exibição é seu “batismo”. Esta é uma das urgências a serem refletidas na tentativa de encontrarmos espaço físico e simbólico da produção de arte processual dentro dos museus. A imagem na arte processual está associada a uma grande diversidade de poéticas experimentais. Por exemplo, na arte postal, os artistas, principalmente os que viviam sob condições políticas de um regime totalitário, encontraram um mecanismo para fazer circular as imagens (ideias, pensamentos, desenhos...). A circulação pela rede de arte postal tomava o lugar da exposição tradicional, com lugar fixo, hora e dia para começar e terminar. A estética ou o valor artístico foi sucumbido pelo valor de circulação, de divulgação e exibição. Correspondências, fotografias, filmes, fitas cassetes, DVDs, objetos, textos, revistas e livros ordenam-se sob uma lógica própria do artista, diferente da lógica dos arquivos institucionais. A imagem, a fotografia, entre outros documentos, não é um instrumento de consumo, ela é parte de um processo, e a arte correio expandiu os mecanismos de visualização. Considerações finais Outros sistemas da arte surgiram. A imagem diluiu-se junto com as práticas processuais e com os limites impostos das diferentes modalidades artísticas. Ela não tem um fim nela mesma: imagem, texto,

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gráficos, mapas, postais e cassetes têm o mesmo valor dentro de uma prática experimental. Como expor tudo isso dentro de um museu? Talvez não seja possível, e para isso dispositivos são criados, paralelos ao museu, para dar conta da exposição, participação e troca com o público. Como por exemplo: arquivos de artistas, sites de informação, conversas, encontros e residências de artistas. A pulverização das linguagens artísticas que surgiu com o advento da arte experimental (conceitual) resultou na criação de estratégias e dispositivos de visualização outros, além do museu. Se a pulverização da arte (consideramos aqui a imagem no seu “campo ampliado”), a proliferação massiva da produção artística acabou resultando em uma desconstrução/desmoronamento de valores antes compartilhados por um público restrito (público do museu), e se a produção artística hoje ocorre em espaços variados além dos museus, o que faz a arte estar sempre buscando o processo de legitimação praticado pelas instituições de arte? Notas: [1] Até hoje, o museu conta com um anexo no Pavilhão da Bienal de São Paulo e somente em 1992 ele foi transferido para a Cidade Universitária de São Paulo (USP), sua sede principal atualmente. Para este ano de 2011, está prevista a transferência definitiva do MAC/USP para o atual prédio do Departamento Estadual de trânsito (Detran), projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1954. [2] O grupo era formado por Carlos Asp, Francisco Inarra, Genilson Soares e Lydia Okumura. [3] As cartas que foram trocadas entre o autor da obra e o diretor Walter Zanini encontram-se no acervo do MAC/Ibirapuera. [4] Entrevista concedida à pesquisadora em 30 de outubro de 2008.

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[5] LIPPARD, Lucy e CHANDLER, John. The dematerialization of Art. In: OSBORNE, Peter. Conceptual Art. London: Phaidon Press, 2002, p. 218-220 e LIPPARD, Lucy. Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley: University of California Press, 1997. [6] Em outros lugares, outros diretores de museus, nesse mesmo momento, também estiveram colaborando com os artistas para a construção de exposições nas quais as pesquisas artísticas foram desenvolvidas no próprio espaço/contexto do museu, como por exemplo: o suíço Harald Szeemann coordenando o evento “When Attitude Become Form”, em 1969, na Kunsthalle de Berna; e o sueco Pontus Hulten nas mostras “When Poetry must be made by all” e “Utopians e Visionaries 1979–1981”, exposições que tiveram a participação do público. Alguns curadores, como por exemplo Walter Zanini, Harald Szeemann, Pontus Hulten, foram os pioneiros a desenvolver dentro das instituições de arte pesquisas junto aos artistas, levando o museu a repensar seu papel no circuito da arte, como órgão de socialização. Referências: BERNARDES, Circe. Entrevista concedida a Tatiana Sulzbacher. São Paulo, 20 de março de 2010. Catálogo VI JAC, São Paulo, MAC/USP, 1972. Catálogo O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. São Paulo: Banco Safra, 1990. FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: Arte Conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras, 1999. LIPPARD, Lucy. Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley: University of California Press, 1997. SULZBACHER, Tatiana C. Laboratório no museu: práticas colaborativas dentro de instituições de arte. 2010. Dissertação de Mestrado em Artes Visuais defendida no PPGAV/CEART/UDESC, Florianópolis.

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Extrapolações sobre a fotografia como procedimento artístico Rosangela Miranda Cherem PRIMEIRA EXTRAPOLAÇÃO: SOBRE AS FORMAS QUE SE METAMORFOSEIAM. Johann Wolfgang von Goethe era ainda um jovem escritor que amava pintura quando fez uma viagem a Itália trazendo duas questões que o marcaram por toda a vida, a luz e a forma. Uma delas foi tratada num livro chamado Doutrina das cores (1810) e outra em A metamorfose das plantas (1790). Sobre este assunto, a pergunta que lhe serviu de ponto de partida pode ser assim resumida: sendo as plantas tão variadas em tamanhos, cores e outras características, o que faz da planta uma planta? Como reconhecê-la em suas inumeráveis variedades e metamorfoses? Curioso lembrar que A metamorfose da plantas1 abriu as portas de uma profunda amizade entre seu autor e o poeta e filósofo Schiller. Três décadas depois de morto, os peritos foram chamados para identificar sua caveira, cujo esqueleto esqueleto estava num ossário, sendo credenciado para esta tarefa, precisamente, o amigo que havia obtido credibilidade exatamente pelo estudo das formas botânicas. Empreitada que não só cumpriu, mas que resultou num poema acrescentado em edições posteriores como epílogo ao livro que dera início à relação entre ambos. É então que, para além do estudo sobre a natureza vegetal, a interrogação sobre a constituição das formas remete ao problema das formas do mundo, quer através de suas persistências e repetições, quer de suas metamorfoses e alterações. Situada numa espécie de extra-parte, tal como a distância que vai das particularidades botânicas ao crânio humano, desdobrada da pergunta de Goethe, a questão que se poderia formular para a fotografia é: sendo tão diversificadas em concepções e variadas em procedimentos, quando os registros fotográficos se tornaram tão acessíveis e corriqueiros, 1 GOETHE, Johann Wolfgang von. A metamorfose das plantas. 3ª. Edição, São Paulo: Ed. Antroposófica,1997.

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o que lhes confere um caráter artístico? Considerando o caleidoscópio como um meio para pensar a própria modernidade, Didi-Huberman2 lembra que Walter Benjamin concebia a forma deste objeto associada às metamorfoses de seu tempo. Assim como no tubo ficavam guardados pedaços desfiados de tecido, pequenas conchas, plumas e cacos de vidro, o alcance do seu tempo não poderia mais ser obtido pela pintura repleta de simbologias pertencentes a um repertório erudito, inscrito numa tradição referenciada pela noção de beleza, juízo estético, gosto e estilo. Tal como no caso das formas ordinárias contidas naquele objeto, a passagem do século XIX ao XX precisaria ser lida pela moda, os panoramas, as exposições, os reclames, o cinema, o ambiente privado e as fotografias. Proporcionando a reconfiguração de fragmentos e detritos para reconhecer neles os efeitos iridescentes do tempo, para alcançar o movimento errático das dessimetrias multiplicadas pela modernidade, seria preciso voltar o foco para a novidade e a constante desmontagem e rearticulação interior das coisas. Daí decorre que, através dos inumeráveis enquadramentos que reproduziam o sobressalto, a queda e a recomposição das formas, a própria fotografia, como um tipo particular de caleidoscópio, acabava afirmando-se como testemunha e também indício de um tempo de mudanças aceleradas e perturbações, cintilações e desarranjos constantes. Reconhecendo que nenhuma forma conserva sua integridade, mas impõe incessantemente uma desagregação, para Henri Focillon3 é através da metamorfose que as formas artísticas sobrevivem ao esvaziamento de seu conteúdo e periodicamente se revigoram. Assinalando a complexidade do entendimento sobre esta questão, aquele historiador da arte assinalou que assim como a vida espiritual não coincide necessariamente com os eventos históricos, a vida das formas não se ajusta automaticamente à vida social. Saber que os fatos se sucedem na ordem cronológica não é tudo, posto que as marcações temporais não são como uma fita métrica 2 DIDI-HUBERMAN, Georges. La imagen malicia. In: Ante el tiempo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006 3 FOCILLON, Henri. Vida das formas. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, cap. V.

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a pontuar um espaço entre aparentes ou indiferentes vazios. Do mesmo modo que existem graves confusões entre a cronologia e a vida, entre a referência e o fato, a forma artística tem menos a ver com uma sucessão cronológica e mais com um campo de incidências que é sempre constituído e constituidor de precocidades e sobrevivências, antecipações e atrasos, atualidades e inatualidades. Inferência ou extrapolação deste raciocínio, para alcançar a potência contida nos sentidos estruturais e morfológicos de uma fotografia, não seria preciso encontrar no gesto que a produziu a mesma afinidade que permitiu a Goethe distinguir o rosto amigo? Quer se considere as noções operatórias que engendraram as singularidades da concepção poética, quer os procedimentos e as particularidades da fatura, não estaria em questão o gesto que encontra o surpreendente na afinidade empática da semelhança inverificável? SEGUNDA EXTRAPOLAÇÃO: SOBRE O BLOCO QUE SE TORNA ACONTECIMENTO. Em diversos textos Borges assinala seu fascínio pelo paradoxo proposto por Coleridge: se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova que havia estado ali, e se ao despertar encontrasse essa flor em sua mão... então o quê?4 Seria preciso reconhecer que o território singular onde pode existir este estranho cruzamento entre a plausibilidade que inclui dormir e sonhar e a impossibilidade de acordar trazendo na mão os vestígios das lides oníricas, é o das artes. Ao criar blocos onde as sensações e lembranças, afetos e percepções se materializa numa espécie de contra-forma, ao artista cabe realizar o gesto em que tudo parece fazer sentido, dando forma e consistência a algo que, de outro modo, não passaria de um relâmpago noturno, em que certa totalidade pode ser vista para logo em seguida desaparecer na escuridão. Pensando o último romance de Lewis Carrol, Deleuze5 salienta que um acontecimento se constitui menos pelo que acontece como acidente ou sucessão de eventos e mais pelo jogo incessante entre alcançar e formular. 4 5

BORGES, Jorge Luís. O livro dos sonhos. R. J.: Bertrand Brasil, 1996, p.53. DELEUZE, Gilles. A lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2007.

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Existindo em contigüidade, são apresentados em Silvia e Bruno6 dois enredos que nada têm em comum, acolhendo o paradoxo em que o mundo dos humanos coexiste e independe do das fadas e duendes. Ao incluir diversas possibilidades e simultaneidades de tempos, aquele romance torna-se um bloco ou território de confluências impossíveis, construído como um campo multi-serial que acolhe vizinhanças e particularidades. Daí decorre o entendimento de que a obra de arte é feita de uma que abriga tudo aquilo que é tecido pelo pensamento, acolhendo e tramando tanto os procedimentos situados no domínio do plausível, da precisão documental, como as noções operatórias onde se engendra a escala ficcional. Conforme o filósofo francês, o acontecimento se inscreve na lógica do sentido produzida a partir de uma infinidade de submúltiplos que se combinam como partes moventes de um fluxo, permitindo que o feito artístico possua a força de um sonho e reinscrevendo a experiência imagética numa clave que extrapola o visual e o dizível. É deste modo que a prosa borgeana e o pensamento deleuziano parecem confluir, reconhecendo na obra de arte uma consistência ou bloco capaz de realizar o incomunicável e dar forma ao assombroso e ao inimaginável. De sua parte, longe da senda meramente documental, jornalística ou ilustrativa, pensada pelas sobreposições e justaposições, combinações e desdobramentos, a fotografia permite reconhecer que a ilusão não se constitui como o oposto, mas como a mais sutil das realidades. Recusando torna-se serva da demonstração ou re-apresentação do mundo, assumindose como expressão da realidade dos fatos, trata-se de pensá-la pelo seu caráter de aparição que opera nas fendas e descontinuidades. Alterando restos do vivido, o fotógrafo como artista cria um bloco ou campo para o qual incidem tanto as plausibilidades como as possibilidades que ultrapassam as contingências geográficas e cronológicas. Ultrapassando a presença redutora das coisas, o mesmo torna-se um engenhoso artifício que se torna acontecimento, inadvertida e solitária espécie de vestígio do inapreensível que adquire vida própria. 6 LEWIS, Carrol. Algumas aventuras de Silvia e Bruno. São Paulo: Iluminuras,1997

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Em sentido aproximado, para Jean Baudrillard7o tempo que correspondia à história era pautado pelos marcos cronológicos, sedimentados pelas ações e feitos partilhados e reconhecidos cultural ou socialmente como únicos. Sendo nosso presente marcado pelo excesso de história, em que predomina uma abundância avassaladora de informações, mentalidades, sexualidade, cotidiano, turismo, publicidade, mercado, pornografia, etc, tudo se torna regido pela liquidação e diluição, banalização e indiferença configurada como mais do mesmo. A encenação midiática do tempo real se encarregaria de apresentar o tempo como um eterno presente através das telas hegemônicas do écran, obliterando os saltos e rupturas em detrimento de um eterno continuum. Contraponto deste acúmulo e homogeinização impiedosa, destaca-se a noção de acontecimento, sendo que assim como a sedução é a parte da sexualidade que não se reduz ao sexo, o acontecimento é a parte da história que não se reduz à história. Depreende-se deste entendimento que, assim como o destino é maior do que a história, também a arte não se reduz ao encadeamento causal, existindo nas mais diferentes culturas, sem contudo viver subjugada pela influência e determinação da história. Se já houve um raciocínio poético como o de Mallarmé, para quem cabia a constatação de que tudo existe para se transformar num livro, não é difícil compreender que, no tempo em que vivemos, tudo existe para se transformar em imagem, pois desde a gestação de um filho, às cenas de bombardeio e desastres, este é o modo como apreendemos o mundo. Mas se a imagem é também aquilo que, não tendo forma, cintila no âmago de nossas vivências, ao artista cabe a criação de formas que permitam ativar outras imagens, retirando-as da condição anestésica ou dos padrões comunicáveis e produtivos para justamente remeter aquilo que desconhece a forma e o conforto instalado em meio ao conhecido e ao assimilável. Assim, para fazer da fotografia um acontecimento, seria preciso situá-la num campo produzido por um tipo de pensamento que opera por báscula e que permite articular sentidos através de combinações e descentramentos, tornando-se heterogeneidade proliferante numa 7

BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. R.J.,Ed. UFRJ/ N-Imagem,1997.

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instância onde os anversos e reversos incidem como um jogo de confluências e perturbações. Neste sentido, tal como a flor de Colleridge se tornaria um dispositivo capaz de perturbar a fronteira entre o estado onírico e o vigil, não satisfeita em ser apenas um registro de seu tempo, seria necessário que a fotografia fosse capaz de estranhá-lo e interrogá-lo. A este respeito, Didi Huberman8, lembra que toda obra possui mais memória do que história, pois como portadora de memória, suas formas guardam tempos descontínuos, resultando daí sua existência na contradança da cronologia. Dito de outro modo, considerando a relação entre a forma e o tempo, para este estudioso toda obra carrega consigo um pretérito e também uma projeção em direção à posteridade, fazendo com que o passado não cesse de se reconfigurar como abertura, fazendo com que as experiências humanas situem-se para além dos meros enquadramentos e continuidades temporais. Na esteira deste raciocínio, pode-se pensar a fotografia como forma artística que, igualmente traz consigo tanto algo de recorrente ou questão irresoluta que retorna através de ondas mnemônicas, como aponta para um devir de algo que se realizará como sua contra-forma. Dispensando os limites do colar cronológico, do mural sociológico ou das refrações psicológicas, sua potência pode advir do modo como se torna portadora de contingências e particularidades para onde confluem e onde podemos reconhecer as inumeráveis injunções do destino. A fotografiaacontecimento seria aquela que assinala a singularidade de uma distância, perturbando as familiaridades da forma e se afirmando como a presença do irresoluto e da avaria que retorna. TERCEIRA EXTRAPOLAÇÃO: SOBRE A IMAGEM QUE SE REGE PELO PRINCÍPIO DA ALTERAÇÃO. Num texto intitulado Além do princípio do prazer9 (1920), Freud descreve a cena em que uma criança 8 DIDI-HUBERMAN, Georges. Apertura. In: Ante el tiempo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006. 9 FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Lisboa: Relógio d’Agua, 2009.

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com cerca de um ano e meio, deixada num ambiente pela mãe, aguarda o seu retorno. Enquanto isto não acontece, na solidão de sua espera, põe-se a brincar com um carretel que joga para baixo do sofá e busca novamente, puxando-o por um fio. Explorando o conceito de alteração, o psicanalista explica a relação entre a ausência materna e a transformação do objeto em brinquedo como uma espécie de assassinato simbólico e um processo de substituição da falta. Discordando de que o prazer e a dor são polos opostos, para Freud, sob certas circunstâncias, a criança, como os neuróticos e os artistas, repete o que lhe causou grande impressão como um modo de se tornar senhora da situação, esforçando-se para obter a tolerância do desprazer e assim poder restaurar um estado anterior. O movimento de abandono e preenchimento, fluxo e refluxo, poderia ser então pensado mais como ambigüidade do que oposição, pois figurar a ausência seria um modo de eternizar o desejo, sendo o brinquedo, como a obra, um modo de elaborar a distância e o vazio causado pela ausência ou perda. O que o texto psicanalítico permite alcançar é que, se o animal humano é o único capaz de se interessar pela imagem como imagem, é menos por sua capacidade de reapresentar o mundo e mais porque pode criar um pensamento e freqüentar mundos onde tudo resplandece e vibra num estado puro e desordenado, podendo mover-se de modo imprevisível e para qualquer direção. Pensando a imagem como uma linha de fratura que desmonta o fio de continuidade entre as coisas, pode-se reconhecê-la, ao mesmo tempo, como plástica e informe. Simbologizando a ausência do objeto amado, a criança processa e altera a falta, assim como o artista, ao construir semelhanças entre coisas díspares, faz a imagem ser ao mesmo tempo repetição e aparição única, sujeita ao manuseio móvel da estrutura temporal, cujo feito possui potência de uma brincadeira infantil, inscrita no misterioso abismo de uma ordem analfabética. Enfrentando a expansão das certezas positivistas e engajamentos partidários e ideológicos, entre 1913 e 1930 Walter Benjamin escreveu diversos textos sobre jogos e livros, história, teatro e pedagogia infantil10. 10 BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo:Duas cidades-Ed. 34, 2002.

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Tal abordagem ocorria bem nos tempos em que a psicanálise formulava todo um campo investigativo, considerando as forças incônscias e indômitas que formavam a personalidade humana a partir das experiências vividas na infância, e quando o surrealismo concebia a potência criadora associada ao papel do primitivo e do ancestral. Contraponto aos preceitos de progresso e civilização, os restos inúteis e coisas avariadas, situados à margem e sem serventia, tornam-se passaporte para situações só reconhecidas pelos adultos nos sonhos e na arte. É neste sentido que se pode conceber a infância como uma heurística que pressupõe um modo de desaprender e ampliar um despojamento das certezas, buscando a singularidade de vestígios contidos nas aparências do irrelevante. Assinalando que no tempo dos brinquedos e brincadeiras, as experiências humanas operam sobre coisas que desconhecem leis, funções e padrões, Benjamin persegue um universo de trânsitos, inclassificações e desierarquias, onde o sagrado se torna profano e o profano se sacraliza, o mesmo acontecendo na instância do ordinário e do extraordinário.Neste sentido, a infância seria menos um modo de pensar a psiquê ou uma etapa da vida humana, e mais o modo pensar um estado pré-babélico, onde resplandece um mundo de significados completamente móveis e inefáveis. Espécie de alegoria da linguagem, seria povoada por uma descontinuidade temporal e uma improvisação espacial capaz de engendrar uma dimensão mais originária e inexprimível, maior do que a compreendida pela razão adulta, em suas convenções, certezas e juízos, um modo de interromper a cronologia, providenciando a mudança radical do tempo. Ao produzir uma espécie de anatomia da imaginação lúdica como lugar da imprevisibilidade e da autonomia, desconhecendo a lei que faz o mundo caber no ordenamento do dicionário, o ensaísta alemão buscava adentrar nas entranhas culturais do entre- guerras, seguindo na contramão das certezas científicas e políticas. Seria no reino das brincadeiras e descobertas infantis que os ritos ganham novos sentidos e os objetos mais prosaicos adquirem vigor, enquanto as coisas sacralizadas pelos adultos tornam-se profanáveis, alterando qualitativamente os sentidos

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do mundo. Então, onde tudo cintila e vibra no seu estado puro e desordenado, podendo mover-se de modo imprevisível e para qualquer direção, a imagem não estaria relacionada à expropriação da experiência, mas à potência da fantasia, não conteria o choque da destruição, mas a vitória da imaginação surpreendente Embora não se voltem para a infância com um mesmo propósito, no plano da psicanálise Freud permite considerar o poder de produzir semelhanças deslocadas a que recorrem as crianças, como os neuróticos e os artistas, enquanto no plano da cultura, Benjamin permite pensar um procedimento ancestral e renitente da experiência humana, marcado pelo princípio a que chamou de busca da semelhança inverificável, movida por uma proximidade empática. No pequeno, mas complexo texto chamado Doutrina da semelhança11, o autor reflete como certos procedimentos guardados nos primórdios da magia e das caçadas permitem pensar ainda, tanto o mimetismo das brincadeiras como do cientista, onde as similitudes são construídas, embora mantendo o inexplicável salto em que algo pré-existente parece escapar. Ao situar a semelhança sobre o fluxo das coisas, era a própria linguagem que se elaborava, construindo conexões e percepções instaladas sob os equívocos da vidência que se acreditava ou fazia passar por evidência. Neste texto de 1933 Walter Benjamim iria refletir sobre os processos que engendram a semelhança, observando que os mesmos fazem parte de um repertório filogenético que atravessou da pré-história à antiguidade, perpassando a leitura de pegadas e o poder revelador dos astros, vísceras e outros acasos através dos quais os destinos humanos seriam vinculados, persistindo na força onopatopaica das palavras, no poder revelador da escritura e da grafologia, além das brincadeiras infantis e outros comportamentos miméticos. O que os atuais procedimentos fotográficos teriam a ver com isso? Ao que parece, resposta será mais evidenciada para o caso de haver um entendimento de que ela comporta tanto o gesto lúdico da criança como os remotos procedimentos destinados 11 BENJAMIN, Walter. A doutrina das semelhanças. In: Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política. Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985, vl.I.

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a processar o mundo e produzir alterações. QUARTA EXTRAPOLAÇÃO: SOBRE A PERSISTÊNCIA DAS FORMAS E A CINTILAÇÃO DAS IMAGENS. Ao terminar sua tese de doutorado sobre Sandro Botticelli, o erudito alemão Aby Warburg (18661929) foi a Nova York para o casamento do irmão e nos meses de novembro de 1895 a abril de 1896, viajou pelo território Pueblo do Novo México e Arizona, onde observou construções e peças cerâmicas, desenhou, fotografou e adquiriu além de objetos, fotos de cenas e rituais indígenas. Quando retornou, continuou a escrever sobre arte para conferências e congressos e seguiu procurando articular os conhecimentos de Burckhardt com as concepções de Nietzsche. A partir de ambas as referências, montou sua extensa biblioteca como uma constelação de problemas, recolocando o problema da tradição-transmissão cultural e considerando as ondas ou vibrações do passado que afetavam seu presente. Todavia os procedimentos que o levaram a considerar os elementos paradoxais da imagem devem ter se apresentado com maior contundência por ocasião da sua internação psiquiátrica, ocorrida entre 1921 e 1924, quando surgiram junto aos seus delírios e surtos persecutórios, além das linhas e curvas dos cabelos e vestes das ninfas estudadas na tese sobre Botticelli, as danças e gestos, objetos e cenas associados aos índios pueblos. Naquele ambiente, em abril de 1923 Warburg tentou provar seus progressos terapêuticos através da apresentação de uma conferência intitulada Imagens do território dos índios pueblos na América do Norte, onde expunha uma espécie de fábula sobre a trajetória cultural ocidental. O conteúdo escrito e a série de slides apresentados em sua exposição permite reconhecer um raciocínio composto por três partes: uma primeira, associa as práticas mágicas e danças ritualísticas dos pueblos à realidade da seca, à necessidade da chuva e ao medo do raio. Na parte seguinte, a análise recai sobre o ocidente, do paganismo ao monoteísmo, incluindo os rituais orgíacos da Grécia, a serpente benfazeja de Asclépio e a de bronze de Moisés, além da presença viperina na teologia medieval. Depois aborda a modernidade ocidental, sua relação com as Américas, a igreja católica e

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a catequização indígena, refletindo que, se o mito do progresso produziu a expulsão da serpente, uma vez que a civilização pretendeu separar conhecimento mítico e conhecimento científico, esta retornava na forma recalcada dos fios do telégrafo e telefone, atrofiando a capacidade de pensar o medo e a destruição que se instalaram no próprio seio da razão ocidental. Conforme o raciocínio do conferencista, as formas serpentinas seriam tanto parte integrante do pensamento mítico, como elo entre a experiência humana e o mundo circundante, além de resposta simbólica às forças incônscias e indômitas. Porém, ao pretender distanciar as forças naturais e os modos antropomórficos de reconhecê-las, a cultura da era das máquinas havia perdido a capacidade de refletir sobre a destruição e o caos. Ocorre que dois aspectos interessantes desta apresentação merecem ser ainda destacados. O primeiro se refere ao fato de que Warburg não testemunhou todas as cenas evocadas, pois a dança da serpente ocorria no mês de agosto e não nos meses em que viajou pelas terras indígenas, razão pela qual preencheu os acontecimentos que não viu com as fotografias adquiridas durante a viagem, tendo as mesmas servido de base para sua conferência. O segundo aspecto se refere ao fato de que, cinco dias depois de sua apresentação, pediu numa carta a seu bibliotecário, Fritz Saxl, para não mostrar a ninguém o texto escrito por onde conduziu sua reflexão sob o argumento de que a mesma não passava do movimento de uma rã decaptada12. Combinando estes dois registros aparentemente díspares, pode-se alcançar melhor os procedimentos e abordagem das imagens como lâminas combinadas e justapostas através das quais a reflexão emerge como um jogo intempestivo e anacrônico. Tais confluências tanto permitem reconhecer, através fotografias dos registros artísticos e dos pueblos, uma distante e longa história da razão ocidental como aparição, considerando ao mesmo tempo, um mundo em apagamento e um problema crucial do presente europeu em tempos de guerra. Compreender esta potência antagônica é que deve ter assombrado o frágil 12 KOERNER, Joseph Leo. Introdução. In: Aby Warburg, Le Rituel du Serpent. Paris: Mácula.

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erudito, tomado pelo entendimento de que dizer e ver tais conjunções não passava de um delírio intelectivo ou percepção inverificável, portanto contração involuntária de um animal acéfalo. Considerando as imagens menos como representações ou ilustrações e mais como um coeficiente que emerge através da sobreposição de temporalidades, seu alcance seria dado por procedimentos como condensação e desvio, montagem e ruptura, figuração e esquecimento, contigüidade e cintilação. Assim, no texto apresentado como conferência e só publicado muito tempo depois contra a vontade de seu autor, prevalecem características de um raciocínio que reconhecia o movimento de fluxo e refluxo das formas, bem como seus sentidos e metamorfoses. Em suas formulações emergia um campo para problematizar a sobrevivência das formas e sua aparição como imagem, as quais, ultrapassando o tempo onde foram feitas, voltavam como renitência, movidas por uma lei subterrânea que conjugava diferente-semelhante, imobilidade-aceleração, recalque e retorno. Por sua vez, tal problemática permite uma interlocução com Deleuze13. Refletindo sobre o pensamento que opera através da composição serial, observa que no movimento da diferença como repetição, a diferença consiste no poder do diverso e a repetição nada tem a ver com as leis da permanência que possibilitam que um termo possa ser traduzido por outro e o particular possa ser reposto e substituído, mas com uma vibração secreta que se inscreve como transgressão, a qual acolhe o traço do desvio e do insubstituível. Ponto crucial para pensar tanto a série de fotografias apresentadas por Warburg, e a conferência da qual fizeram parte, observa-se que embora apresente um eixo de coerência, seu pensamento levou em consideração menos a lógica causal e mais a condição casual e fragmentária em que as formas comparecem para produzir um efeito de constelação. Tornando o esquecimento e o inconsciente uma potência, o erudito alemão parece ter praticado com várias décadas de antecedência o entendimento deleuziano, 13 1988.

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DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Diferença e Repetição. R.J.: Graal,


para quem a repetição inventa gravitações e saltos que não apresentam equivalência, pois do mesmo modo que não se pode trocar a alma, a diferença não implica num acréscimo que ocorre por uma segunda ou centésima vez, mas afirma-se como lapso que revela o fascinante desvio, através do qual um aglomerado de coisas díspares pode construir nas aproximações a mais inesperada das derivas ou produzir a mais inusitada das extrapolações. Neste apelo ao pensamento imaginativo, também não espreitaria a empreitada fotográfica?

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A pintura e a fotografia como personagens da fábula modernista Antonio Carlos Santos Assim como Walter Benjamin chamava a atenção para o valor mágico da fotografia nos anos 30 (“Pequena História da fotografia”) e Roland Barthes no final dos anos 70 buscava seu noema (A câmara clara), o crítico de cinema André Bazin foi atrás do mesmo fenômeno ao discutir em “Ontologie de l’image photographique” (2002 p. 9) aquilo que é próprio dela e o que a diferencia da pintura. O ensaio, escrito originalmente em 1945 e publicado em Problèmes de la peinture, coloca a fotografia como o “acontecimento mais importante da história das artes plásticas” ao liberar a pintura da necessidade fundamental da psicologia humana de vencer o tempo e a morte através da duplicação do ser com a imagem. O argumento de Bazin é conhecido: a perspectiva foi o pecado original da pintura que, desde o Renascimento, era corroída por uma necessidade de ilusão que não era estética e sim psicológica. Os redentores desse pecado original, segundo Bazin, foram Niepce e Lumière na medida em que a fotografia e o cinema satisfazem plenamente essa “obsessão pela semelhança”, liberando a pintura para trabalhar com um “objeto puro”, com sua “própria” bidimensionalidade. Esse o argumento, o mito, no sentido de “trama dos fatos”, tal como definido por Aristóteles na Poética. Esse mito tem como destino, como télos, as vanguardas do início do século XX, o fim da figuração e a arte não-representativa, e lançam na sombra a produção anterior, principalmente aquela chamada de realista, escrava que era dessa “necessidade de ilusão” anestética e fundamental que lhe corroía por dentro. Bazin o retoma de Malraux para quem o cinema é “o aspecto mais evoluído do realismo plástico cujo princípio apareceu no Renascimento e encontra sua expressão limite na pintura barroca”. O mito se amarra como uma narrativa com gênese, desenvolvimento, crise e redenção, ou seja, o Renascimento e a perspectiva (gênese e pecado original), a tensão entre o simbolismo das formas e o realismo das formas

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que alcança seu ponto máximo com o barroco e se resolve na fotografia e no cinema (sendo Niepce e Lumière os redentores). A crise espiritual da pintura era então a questão da semelhança ou, como diz Bazin, o realismo. As metáforas religiosas continuam em uma observação entre parênteses sobre a perspectiva: a câmara obscura de da Vinci seria a prefiguração da de Niepce – vale lembrar que em seu trabalho sobre a palavra figura Auerbach nos diz que prefiguração significa para os padres da igreja católica uma profecia fenomenal como no caso, por ex, das pessoas e acontecimentos do Velho Testamento que eram prefigurações do Novo Testamento e de sua história de redenção (Auerbach 1997; pp. 27 e 28). O texto, em um tom religioso, procura desvelar o sentido da história da pintura ocidental fazendo com que a fotografia e o cinema sejam os elementos organizadores do mito, ou seja, o lugar utópico da redenção e do fim da história, em outras palavras do juízo final. O que diferencia a fotografia da pintura é uma “objetividade essencial” que lhe confere um poder de credibilidade que a pintura não possui. Dessa maneira, Bazin explica uma certa divisão de trabalho entre a fotografia e a pintura, uma operando com a realidade, a outra com o “objeto puro”. A objetividade essencial da fotografia é atingida exatamente pela exclusão do homem que participa muito menos da obra fotográfica do que da pintura. Assim, o realismo só é possível sem o homem, em última análise, sem a arte, ou seja, o horizonte teleológico da obra realista é seu desaparecimento ou sua convergência absoluta com a realidade, arte e vida tornando-se uma só, a arte subsumida pela vida se dissolve nela. É esse o sentido do ensaio sobre Vitorio de Sica, “De Sica metteur en scène”, escrito em 1952 e publicado em italiano no ano seguinte: “o neo-realismo tem como objetivo paradoxal não o de fazer um espetáculo que pareça real, mas instituir a realidade em espetáculo” através de um cinema transparente ( Bazin 2002 p. 317). Se deixarmos de lado o pecado original da pintura, sua “obsessão pela semelhança” e sua crise espiritual e pensarmos com Jacques Ranciére que o realismo não é a valorização da semelhança, mas sim “a destruição

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dos limites dentro dos quais ela funcionava” talvez encontremos outra maneira de pensar o problema, maneira que libera, por exemplo, a arte realista do pecado da semelhança e retira da sombra a produção do final do século XIX estigmatizada sob o nome de “acadêmica” ou mimética. Ao recusar a noção de modernidade por ser ela “o conceito que se empenha em ocultar a especificidade desse regime das artes” (Rancière, 2005, p. 34), referindo-se ao regime estético, Rancière afirma que a ruptura entre o “antigo” e o “moderno” não está na passagem da figuração à nãofiguração, ou do representativo ao anti-representativo, tal como afirma a fábula modernista, mas sim no realismo que, vale repetir, “não significa de modo algum a valorização da semelhança, mas a destruição dos limites dentro dos quais ela funcionava”. (Rancière 2005, p. 35). A idéia é mostrar como a discussão sobre as artes no mundo contemporâneo está viciada por um parti pris, já que a noção de modernidade estética “recobre, sem lhe atribuir um conceito, a singularidade de um regime particular das artes, isto é, um tipo específico de ligação entre modos de produção das obras ou das práticas, formas de visibilidade dessas práticas e modos de conceituação destas ou daquelas”. (Rancière 2005, p. 27). É para contestar essa noção, assim como a de vanguarda, que o teórico francês propõe três grandes regimes de identificação para as artes: o regime ético das imagens, momento em que a arte se encontra subsumida na questão geral das imagens, e a referência é Platão; o regime poético ou representativo, cuja referência é Aristóteles, e que está delimitado pelo par mímesis/poiésis, sendo a mímesis não um princípio normativo que regula um domínio de semelhança entre cópias e modelos e sim “um princípio pragmático que isola, no domínio geral das artes (das maneiras de fazer), certas artes particulares que executam coisas específicas, a saber, imitações”; e, finalmente, um regime estético, ou seja, aquele em que a arte se torna singular, desobrigada de qualquer regra específica, da hierarquia de temas, gêneros e artes. Para encurtar a exposição, Rancière afirma então que aquilo que se costuma chamar de pós-modernismo é apenas a consciência do fim de um determinado paradigma, qual seja, “a tentativa desesperada de fundar um ‘próprio 45


da arte’ atando-o a uma teleologia simples da evolução e da ruptura históricas”. (Rancière, 2005, p. 41). O próximo passo de Rancière é mostrar que se o regime estético se define exatamente como a “ruína do sistema da representação”, ou seja, dos valores e normas que regiam as artes desde Aristóteles até o início do século XIX, é nele que a literatura torna possível, por exemplo, a fotografia, contestando assim as teses dos teóricos que viam na singularidade da máquina (fotográfica ou cinematográfica) a mágica dessas novas artes técnicas ou, no caso de Bazin, no fato da máquina eliminar o homem como intermediário. O realismo literário é condição de possibilidade para a fotografia como arte na medida em que rompe com a hierarquia dos temas e dos gêneros e passa a focalizar o homem comum, permitindo assim que o detalhe possa revelar o todo: Que uma época e uma sociedade possam ser lidas nos traços, vestimentas ou gestos de um indivíduo qualquer (Balzac), que o esgoto seja revelador de uma civilização (Hugo), que a filha do fazendeiro e a mulher do banqueiro sejam capturadas pela mesma potência do estilo como ‘maneira absoluta de ver as coisas’ (Flaubert), todas essas formas de anulação ou de subversão da oposição do alto e do baixo não apenas precedem os poderes da reprodução mecânica. Eles tornam possível que esta seja mais do que a reprodução mecânica. (Rancière, 2005, p. 47)

Trata-se, no realismo, de “um modo de focalização fragmentada ou próxima que impõe a presença bruta em detrimento dos encadeamentos racionais”; dessa forma, para Ranciére, não é o cinema que organiza a história da pintura de modo a aparecer no final como o grande herói redentor, mas o realismo, principalmente romanesco, que ao romper com as regras da representação do regime poético ou representativo cria as condições de possibilidade para a fotografia e o cinema; é pela porta do romance de Balzac, por exemplo, que entra em cena o homem comum, a vida cotidiana, e o fragmento como síntese do todo. Desta forma, mais do que “crise espiritual da pintura”, o realismo (e também o romantismo) é

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que encena a entrada dessas novas classes como tema nas artes, abrindo espaço para que as telas dos pintores e as lentes dos fotógrafos eternizem não mais apenas os grandes personagens da História e da Nação ou os santos do cristianismo e os deuses da mitologia, mas as pessoas comuns, a cidade que se transforma, a multidão anônima de trabalhadores, os jornaleiros e os vendedores de rua que Christiano Júnior e Marc Ferrez fixam com suas lentes ou os trabalhadores e as burguesas que aparecem nas telas de Almeida Júnior, Rodolfo Amoedo e Belmiro de Almeida, Eduardo Sívori, Eduardo Schiaffino, Ernesto de la Cárcova. Ranciére chama a atenção para a construção desse mito que classifica ou diferencia as artes de acordo com suas condições técnicas, ou seja, o que coloca as artes mecânicas como transformadoras da arte impondo uma nova relação com seus temas, para afirmar uma lógica inversa: as artes mecânicas só dão visibilidade às massas ou às pessoas anônimas porque “o anônimo se tornou uma tema artístico” no regime estético das artes, em outras palavras, no regime que destrói as regras da representação e suas hierarquias. Esse regime estético que, segundo Ranciére, se esconde sob as noções de modernidade e vanguarda, ao romper com as hierarquias de gênero e de temas, com a prioridade das ações sobre as descrições, abre espaço para a entrada do homem comum: Também não foram os temas etéreos e os flous artísticos do pictorialismo que asseguraram o estatuto da arte fotográfica, mas sim a assunção do qualquer um: os emigrantes de The Steerage de Stieglitz, os retratos frontais de Paul Strand ou de Walker Evans. Mas a revolução estética é antes de tudo a glória do qualquer um – que é pictural e literária, antes de ser fotográfica ou cinematográfica. (2005, p. 48)

É esse qualquer um, imagens humanas anônimas, que vemos nas “Lavanderas” fotografadas por Christiano Júnior na Buenos Aires de 1877 ou em “Pulpería”, de 1875, uma cena campestre com um homem tocando violão. As mesmas lavadeiras e suas roupas dependuradas já haviam atraído Revert Henrique Klumb em 1860 na estereoscopia “A igreja da Lapa e o Convento de Santa Teresa” no Rio de Janeiro,

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assim como iriam atrair Mário de Andrade em “Roupas freudianas”, em Fortaleza, durante a viagem do turista aprendiz pelo Nordeste e Amazônia, em 1927. Poderíamos lembrar as lavadeiras personagens dos romances naturalistas de Émile Zola e de Aluísio Azevedo. Benjamin concebe essas imagens fotográficas como “centelhas do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem” (1994, p.94), como algo que não se reduz ao gênio artístico. Algo acontece a despeito do homem, a máquina fotográfica parece atuar como uma janela, parece se esforçar para ser esquecida construindo desta maneira uma relação com a realidade diferente da que se estabelece na pintura. “Isso foi”, diz Roland Barthes para definir o noema da fotografia. Todas essas peças se encaixam no mito que tem no neo-realismo radical de André Bazin a dissolução da arte na vida ou oscila com o tema do original e da cópia degradada, da obsessão pela semelhança e da redenção pela ausência do homem, no tema da arte que se dissolve na vida. Se voltarmos agora nossa atenção para a gênese dessa fábula, o renascimento, podemos ver como ela também se constrói segundo determinados interesses, impondo uma determinada lógica, separando artistas de artesãos, registrando para lembrar, mas também, fundamentalmente, para esquecer. O momento inaugural dessa história está no Renascimento; nele teria sido reinventada a imitação restaurando assim a época de ouro da semelhança, a Antigüidade clássica, que teria ficado morta durante a Idade Média, idade das sombras, significando, portanto, o Renascimento, por um lado ruptura e por outro repetição. Em Devant l’image (1990), assim como em “Ressemblance mythifiée et resemblance oubliée chez Vasari: la légende du portrait ‘sur le vif’” (1994), Georges Didi-Huberman trata de desmontar essa ponta da fábula, puxando os fios da trama cujo autor (entre outros, claro) é Giorgio Vasari do século XVI, este que era arquiteto e pintor do duque da Toscana no tempo de Cosme de Médicis, que construiu inúmeros palácios, que presidiu os funerais de Michelangelo, amigo dos humanistas, fundador da Academia, colecionador, pintor e autor de Le vite de più eccellenti

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architetti, pittori, et scultori italiani da Cimabue infino a’ tempi nostri: descrite in lingua toscana da Giorgio Vasari, pittore aretino (primeira edição 1550 e segunda, aumentada, 1568). Trata-se aí de investigar arqueologicamente as camadas que constituem sua própria disciplina, a História da Arte, uma disciplina humanista ainda no século XX, como podemos ler no texto clássico de Erwin Panofsky, e de verificar como se constrói o mito do renascimento a partir da leitura atenta do livro de Vasari. Em Devant l’image, Didi-Huberman trata, em um capítulo, a partir da leitura das Vite de mostrar como Vasari constitui ao mesmo tempo o Renascimento como origem e como repetição, a história da arte como um campo específico e um novo corpo social, o dos artistas, através de um conceito de disegno como um conceito idealista que tem como objetivo imitar a natureza e as obras dos grandes mestres unificando as três artes liberais: escultura, pintura e arquitetura sob o guarda-chuva da mímesis. Em “Ressemblance”, escrito quatro anos depois, o autor busca desmontar o mito da imitação de modelos vivos operando em duas frentes: a primeira é aquela que tem como personagem principal o herói do renascimento, Giotto di Bondone que teria pintado o retrato de seu amigo íntimo, Dante Alighieri, em um afresco que hoje está no Museu Bargello de Florença; e a segunda a que separa das técnicas de imitação ao vivo a tradição dos ex votos operada por toda uma linhagem de artesãos a partir da modelagem do rosto com cera, com o objetivo de constituir um corpo social nobre, os artistas, enquanto diferentes dos artesãos medievais. Pois bem, meu interesse aqui é seguir o texto de Didi-Huberman muito breve e resumidamente para problematizar a idéia de imitação da natureza, de mímesis, de semelhança que sustenta, por exemplo, toda a fábula recontada por André Bazin e o próprio mito do Renascimento, ou seja, este gesto de Vasari que institui e constitui um modo de fazer a história, com seus fins e suas origens, com seus catálogos e datas, como um relato em três fases: a infância (a partir de 1240), a adolescência, de 1400, e a maturidade, de 1500. Se partimos da imitação, palavra que detonou uma série de mal

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entendidos desde a Poética de Aristóteles, podemos acompanhar como Didi-Huberman desmancha esse momento inaugural do renascimento, qual seja, o momento mesmo em que um artista que havia sido criado no campo, acostumado a desenhar suas ovelhas no chão, faz o retrato de seu amigo Dante, o afresco que está na capela da Podestàt, hoje Museu Bargello, de Florença, e que teria sido pintado ao natural, representando uma pessoa viva, segundo o dogma constituído por Vasari. Esse afresco ficou durante muitos anos invisível: uma camada de cal o cobriu em uma época em que a capela serviu como depósito da prisão que funcionava ao lado. Só em 1839, alguns leitores devotos de Dante resolveram recuperar o afresco, retirando as camadas que o cobriam: lá estava em péssimo estado de conservação o retrato de Dante, o rosto desfigurado, as cores alteradas pelo tempo e muitas lacunas. Claro, tudo foi reconstituído, o olho que faltava refeito, menor do que deveria ser o original e mais próximo do nariz, a boca redesenhada, as cores modificadas. Mas mesmo esse trabalho mal feito, nos diz Didi-Huberman, não seria uma razão para que o retrato fosse destituído de seu papel de protótipo da iconografia de Dante. O problema não estava aí e sim no fato de que o “famoso rosto pintado não é um ‘retrato ao vivo’ de Dante por seu ‘contemporâneo e amigo íntimo’ Giotto di Bondone... Sua natureza mimética e portanto sua ‘semelhança’ são apenas uma construção mítica transmitida por Vasari”. (1994; p.395) O autor elenca então as razões: primeiro, o afresco não é de Giotto, pois foi encomendado pelo podestat (espécie de prefeito) de Florença Fidemini da Verano (1336-38) em uma época em que Giotto já estaria morto ou próximo de morrer trabalhando na campânula da catedral; segundo, o rosto que representa o detalhe do afresco não é de Dante – “contemporâneo e vivo” –, pois ele havia morrido cerca de 16 anos antes e estava fora de Florença havia 35 anos, desde que foi banido em 1301. Além do mais, não poderia figurar entre os eleitos do Juízo Final que tinha sido encomendado pelo partido mesmo que o expulsou – os guelfos. E finalmente os historiadores chegaram à conclusão que Dante e Giotto

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provavelmente jamais se conheceram. Claro que essa mitificação não é obra de Vasari, ela estava em curso desde a segunda metade do século XIV como o esforço de reabilitação de Dante que acabaria por incluí-lo entre os homens ilustres da cidade de Florença. O que importa, afirma DidiHuberman, é que Vasari o fixa e o cristaliza como o primeiro momento de nossa história da arte moderna, fundando assim o discurso da história da arte. Mais importante, no entanto, do que desfazer factualmente o mito do retrato de Dante pintado por Giotto, é compreender a constituição de um paradigma mítico instaurador da semelhança. Assim, Vasari instaura aquele que seria o paradigma de todos os estilos artísticos, o retrato pintado a partir de um modelo vivo, fazendo do Renascimento, um retorno da imitação da natureza, a grande noçãototem, nas palavras de Didi-Huberman, a deusa-mãe de todas as artes: a arte, portanto, imita, em primeiro lugar, a natureza, mas também as obras dos melhores artistas, ou seja, mesmo sendo duas coisas distintas, tratava-se de duas maneiras de declinar o mesmo ideal, como faziam questão de ressaltar muitos autores: “E finalmente, eles tinham razão. Pois é do idealismo que tudo procedia. Imitar a bela natureza, segundo os humanistas do Cinquecento, era apenas uma outra maneira de fazer reviver os ideais da arte e do pensamento antigos; praticar a perspectiva e operá-la com licenza era apenas uma outra maneira de obter aquilo que a retórica de Cícero e Quintiliano nos dava; promover o critério realista na ordem do visível era apenas uma outra maneira de assegurar o poder das idéias. Em resumo, a tirania do visível e a tirania da Idéia constituíam as duas faces de uma mesma moeda”. (Didi-Huberman 1990; p. 92) Desta forma, o realismo se articula a uma metafísica que tem na Idéia sua força motriz. Vejamos como Didi-Huberman lê o capítulo sobre pintura em Introduzzione alle tre Arti del Disegno para nos mostrar como se dá essa articulação com a metafísica: “Procedendo do intelecto, o desenho, pai de nossas três artes – arquitetura, escultura e pintura -, extrai a partir das coisas múltiplas um julgamento universal. Este é como uma forma ou idéia de todas as coisas da natureza, sempre

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muito singular em suas medidas. Quer se trate do corpo humano ou dos animais, de plantas ou de edifícios, de esculturas ou de pinturas, conhece-se a proporção que o todo tem com as partes, das partes entre si e com o todo. E deste conhecimento nasce um certo conceito ou juízo que forma no espírito a coisa que, expressa em seguida pelas mãos, se chama desenho. Podemos concluir que o desenho é a expressão aparente e a declaração do conceito que possuímos no espírito ou disto que outros imaginam no espírito e fabricam na idéia”. A citação serve para que Didi-Huberman chegue à estratégia de Vasari, qual seja, de denominar o princípio vital de seu objeto utilizando para isso os conceitos filosóficos de intelecto, de forma, de idéia, “instrumentalizados magicamente pelo vocábulo disegno”. Assim, a semelhança, compreendida por Aristóteles como uma relação, como algo que deveria ser entendido sempre de modo diferencial, diferente – já que as práticas imitativas “diferem, porém, umas das outras por três aspectos: ou porque imitam por meios diversos, ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma forma” (Aristóteles 1992, p.17) – torna-se um axioma de base, um “naturalismo integral”, um objetivo de todas as artes: “Fazer da semelhança um termo, esquecer pouco a pouco a complexidade e a inevidência de sua natureza relacional, eis portanto aquilo que foi a obra de uma longa tradição, compreendida entre a arte acadêmica de Vasari e a história da arte de Panofsky”. Meu objetivo nesse texto, mais um pretexto para pensar com vocês do que algo acabado, era mostrar o caráter discursivo, mítico, construído dessa noção de história linear e teleológica que tem como suas duas pontas principais o renascimento e as vanguardas do início do século XX. Desmontando sua lógica, podemos voltar ao século XIX que havia ficado na sombra das vanguardas por praticar uma arte “acadêmica e mimética”, assim como olhar com outros olhos para a arte medieval, que certamente tampouco era uma arte morta, um simples intervalo entre a idade de ouro da Antiguidade e o renascimento. Podemos ainda repensar a questão do realismo e da mímesis deixando para trás a idéia dos modernistas que

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o colocavam como o antiparadigma por excelência, como, por exemplo, podemos ler no Barthes de “O efeito de real” - aí o realismo, definido como “todo discurso que aceita enunciações só creditadas pelo referente”, é regressivo em relação à “grande causa da modernidade” que seria a “desintegração do signo” para colocar em causa “a estética secular da ‘representação’” (1988: 165). Voltando a pensar na mímesis como uma noção complexa, diferencial e relacional como queria Aristóteles e no realismo como algo que não deve ser definido substancialmente, mas também em relação (como contraposto ao romantismo) a seu outro, é possível reler o século XIX longe das escolhas dos modernistas que, se faziam sentido naquele momento de batalha (início do século XX), hoje significam apenas a cristalização de um dogma. Bibliografia: Auerbach, Erich. Figura. São Paulo: Ática, 1997. Bazin, André. Qu’est-ce que le cinema? Paris: Les Éditions du Cerf, 2002. BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia” in Magia e Técnica, Arte e Política Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet, prefácio Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1994. Didi-Huberman, Georges. Devant l’image. Question posée aux fins d’une histoire de l’art. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990. ______. “Ressemblance mythifiée et ressemblance oubliée chez Vasari: La légende du portrait sur le vif” in Mélanges de l’École française de Rome. Italie et Mediterranée. Année 1994, Volume 106, numéro 2. Rancière, Jacques. A partilha do sensível. Estética e política. Tradução Mônica Costa Neto. São Paulo: EXO experimental org. e Ed. 34, 2005.

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A imagem e o corpo na arte contemporânea Nohemí Ibáñez Brown Psicanálise e arte: uma questão de princípio Estranha fascinação é o que nos produz as obras de arte. De onde vem esta fascinação? O quadro nos aprisiona, a obra de arte, nos toma, o efeito que a obra de arte nos provoca é paradoxal. Trata-se de algo que nos toca de maneira muito íntima, nos fazendo vibrar, mas ao mesmo tempo, é inacessível. Sempre encerra um enigma, uma impossibilidade de dizer tudo sobre ela mesma. Portanto, destaco dois aspectos da obra de arte: o efeito de fascinação e o de engima. Como este trabalho visa uma articulação entre psicanálise e arte, é necessária uma precisão: a relação entre estes dois campos implica certos cuidados. Para que tenham uma idéia, o famoso texto O Moisés de Michelangelo (1914)1, baseado na escultura deste artista, foi assinado por Sigmund Freud apenas 10 anos depois da sua publicação, apesar de dedicar muitos anos ao texto. Freud demorou este tempo devido à sua prudência em tratar de questões relacionadas à arte.2 Um dos equívocos ao relacionar psicanálise e arte é o de querer fazer “psicanálise” de uma obra ou de um artista. É o que normalmente se pensa quando se fala de psicanálise e arte, mas não se trata disso. Nesse sentido, gostaria de retomar o que desde a Orientação Lacaniana consideramos sobre o assunto. Em seu texto Escritores criativos e devaneios (1908), Freud atribui ao poeta, ao criador literário, um saber que considera como o campo do saber próprio do psicanalista. Esclarece o porquê do interesse por parte do analista pela arte: o artista mostra por outras vias algo que o psicanalista demora em encontrar3. Inclusive um 1 Freud, S., 1914, “O Moisés de Michelangelo”. In: Obras completas, Vol. XIII, Rio de Janeiro: Imago, p. 253. 2 Jones, E., 1997, Vida e Obra de Sigmund Freud, Tomo 2, Buenos Aires: Lúmen-Hormé, pp. 382-5 3 Freud, S., 1908, “Escritores criativos e devaneios”. In: Obras completas, Vol. IX, Rio de Janeiro: Imago, p. 149-158.

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ano antes, Freud já havia afirmado que os artistas eram valiosos aliados do psicanalista, pois conhecem muitas coisas entre o céu e a terra, coisas que nem a ciência e a filosofia têm conseguido fazer acessíveis.4 Freud admirava e respeitava o saber dos artistas. Em um comentário sobre a obra de uma artista, Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965), Jacques Lacan radicaliza esta idéia e acrescenta que não se trata de fazer uma psicanálise da obra; só se faz psicanálise de um sujeito que fala. Portanto, a única vantagem que o psicanalista pode tirar dessa relação, lembrando a Freud, é que em sua matéria o artista sempre precede ao psicanalista, e não se trata de bancar de psicólogo quando o artista lhe desbrava o caminho5. Portanto, partimos de um princípio: a arte ensina ao psicanalista. A aproximação à arte implica o principio do que ela nos ensina e permite que a psicanálise avance. E nesse sentido podemos nos perguntar: o que a arte contemporânea ensina à psicanálise com relação à imagem? Para isso, teremos que situar o que é a imagem para a psicanálise, e para Lacan, quem fez dela um operador psíquico. A imagem como forma do corpo A referência à imagem foi tomada, inicialmente, por Lacan, da etologia no que ele chamou Estádio do Espelho. Isto é, frente à incompletude do corpo, à imaturidade corporal e de coordenação, surge a imagem unificada do corpo como uma primeira constituição subjetiva. Trata-se de uma imagem ortopédica do corpo, pois a criança dos 3 aos 18 meses tem ainda pouco controle do corpo: “[...] o espetáculo cativante de um bebê que, diante do espelho, ainda sem ter o controle da marcha ou sequer a postura ereta.”6 Espetáculo que cativa a criança e evidencia a assunção da sua 4 Freud, S., 1907, “Delírio e sonhos na “Gradiva” de Jensen”. In: Obras completas, Vol. IX, Rio de Janeiro: Imago, p. 20. 5 Lacan, J., 1966, “Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein”. In: Outros escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 200. 6 Lacan, J., 1949, O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 97.

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imagem no espelho: A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial.7

Regozija-se frente a sua imagem no espelho ou a imagem dos outros. Torna-se uma forma primeira que marca um momento na constituição subjetiva. Esta referência que tem um excelente valor clínico mostra-se problemática, pois isto também acontece com os animais, e tem um valor em sua constituição. Porém, um ponto permanece enigmático: porque para o ser humano tem esse valor de júbilo? Trata-se de uma satisfação além de seu valor constitutivo? Parece que dita imagem que Lacan descreve como i(a), condensa um prazer, um gozo, que antes estava deslocalizado. Por isso Lacan chama o que havia antes disso de corpo despedaçado. Ou seja, antes há uma parcialidade do corpo, uma satisfação fragmentada. Quando Lacan inicia seu enigmático “retorno a Freud” ele retoma esta construção e situa que esta articulação só é possível porque a imagem é suportada no simbólico. A imagem que a criança se constrói, com a que articula seu corpo está sustentada numa relação fundamental com a ordem simbólica com a palavra e com o olhar que vem do Outro. Isto é, para que a imagem do corpo se estabeleça é indispensável sua articulação com o que Lacan chama de simbólico, que é representado pela linguagem e pelo olhar do Outro. Uma alteridade, uma diferença radical entre o eu e o outro, que se constitui graças à alteridade do Outro. Então quando falamos da imagem no ensino de Lacan, falamos da imagem como articulação imaginário – simbólica. E nos seus ensinos, Lacan, afirma que a particularidade da imagem nos seres humanos é que está estruturada pela ordem simbólica: “no homem, a relação imaginária se desviou [do reino da natureza]”8. 7 Lacan, J., 1949, O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos, op.cit., p. 97. 8 Lacan, S. 1954-5, Seminario, libro 2: El yo en la Teoría de Freud y en la técnica psicoanalítica, Buenos Aires: Paidós, p. 210.

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Nesse sentido, a falta que Lacan no início colocava como sendo de ordem orgânica, no ser humano toma outra dimensão, pois é realmente introduzida pela linguagem. O ser humano ao falar, ao se introduzir na ordem da palavra e da linguagem, teve como conseqüência uma perda, uma falta-a-ser. Seu ser passa a ser articulado pelo significante, mas este sempre é insuficiente para representá-lo, para dizê-lo todo. A imagem introduz uma forma idealizada, mas, então, como se localiza essa falta na imagem? E qual a relação com esse gozo? A imagem, o corpo e o resto Jacques-Alain Miller situa que a preeminência da imagem do corpo próprio é um traço da espécie humana, isto é, próprio do sujeito que fala.9 Lacan sustenta essa preeminência do corpo próprio nos seres humanos a partir da suposição de uma falta. A imagem do corpo próprio vem tampar, completar imaginariamente essa falta. Ou seja, surge como uma resposta a essa falta. Lacan supõe uma falta essencial no ser humano e a imagem uma resposta a essa falta. Esta vai ser uma constante no ensino de Lacan, cada vez que toca na questão do Estádio do Espelho, que apesar de ser introduzido desde muito cedo, foi retomado ao longo de seu ensino. i(a) ____ (-)

i(a) – É a transcrição lacaniana da imagem do outro, mas que recobre a própria imagem. (-) é uma falta. Primeiro, para Lacan, é uma falta orgânica, prematuração neuronal da criança ao nascer. Mas uma vez situada a relação do homem com a ordem simbólica a falta vai ser situada pela estrutura da linguagem, é ao que se refere com o termo castração. 9 Miller, J.-A. 2006, “La imagen del cuerpo en psicoanálisis”. In: Introducción a la clínica lacaniana. Conferencias en España, Barcelona: ELP-RBA, p. 381.

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i(a) ____ (-Phi)

A castração na entrada na linguagem. A criança não sabe nada da castração, mas a entrada na linguagem condiciona o Estádio do Espelho. A imagem não recobre a falta completamente, sempre há um resto. A imagem sempre tem um resto, algo que não entra na imagem e que a arte tem sabido representar sob as formas do estranho ou da inquietação. O que a arte ensinou a Freud, e que Lacan retomou, é que há algo que escapa as palavras e a representação. Freud dedicou a isso um artigo titulado “O estranho”10, e Lacan retoma o assunto situando a função do belo, nos Seminário 7 e 11. Estes dois momentos são interessantes e fundamentais no ensino de Lacan. No Seminário 7, servindo-se da arte e da filosofia, Lacan tenta situar o núcleo da representação a partir do irrepresentável. É o lugar do vazio como causa de toda representação. Nesta época chamou ao vazio, ao irrepresentável no lugar da causa como Das Ding (A coisa). Será sua primeira aproximação ao real em sua articulação simbólico-imaginária. Mas o vazio na experiência humana, tal como Lacan o elabora, é o lugar do horror, do inominável. Transformar esse inominável em outra coisa é o que a arte sabe fazer. Lacan, neste seminário, se aproxima da proposta de Nietzsche quando em sua indagação sobre a tragédia, propõe a criação artística como um modo de domar o horror. Desta maneira, situando na ordem do prazer algo que é da ordem da dor, a arte tem a possibilidade de proporcionar consolo. Até o século passado, podemos dizer, a criação artística procurou alcançar este propósito através do véu do belo. Assim, Lacan avança considerando que na sua inserção no Outro da linguagem, algo permanece como corpo estranho no interior do psiquismo. Há algo nesse Outro que é opaco e que escapa a toda 10 Freud, S., 1919, “O estranho”. In: Obras completas, Vol. XVII, Rio de Janeiro: Imago, p. 275-314.

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representação e a todo sentido, e que permanece inominável no mais intimo do nosso ser. A função do belo é a de um véu que vela e desvela e torna possível presentificar o irrepresentável. Trata-se de um saber-fazer com o irrepresentável. Ao avançar nesta reflexão sobre o belo e sobre o inominável, Lacan chegará a reduzi-lo. Já não fará referência ao maciço do Das Ding, senão a um resto que sempre permanece em toda representação. Desta maneira, no Seminário 11, retomará a anamorfose, como um ponto no quadro que frente à beleza da composição, introduz um ponto de enigma e de desconfiguração da imagem. Momento fugaz que ilustra com o quadro “Os Embaixadores” de Holbein. Vejam que Lacan é fiel ao princípio da articulação entre arte e psicanálise; não tratou de fazer análise de uma obra ou do artista, mas de encontrar na arte um ponto que fazia avançar à psicanálise. Assim, na análise não se trata de um todo irrepresentável, senão de um ponto de insuportável, que ao avançar na experiência analítica se revela como lugar da causa, considerações que se articulam ao que chama de objeto a. Então, retomando a questão da imagem, a partir da imagem do corpo do outro, o que fica recoberto com esta imagem é um resto, algo que não é especularizável. Algo que fica velado. Assim o ilustra Miller com o esquema11: i(a) ____ a ____ (-Phi)

A função do belo como véu seria tornar suportável o horror do objeto, do insuportável. Insuportável por ser irrepresentável e pela satisfação que implica. Então, a partir desta reflexão, podemos pensar a imagem

11 Miller, J.-A. 2006, “La imagen del cuerpo en psicoanálisis”. In: Introducción a la clínica lacaniana. Conferencias en España, op.cit., p. 385.

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do corpo próprio como um aparelho, um recobrimento simbólicoimaginário. O belo reduzido ao puro ideal, excluindo este aspecto, fica na fascinação da pura imagem do corpo como nas esculturas gregas, dos deuses gregos. Essas são a representação idealizada do corpo, “a imagem da perfeita homeostase, a imagem do corpo sem gozo e sem a castração”, como afirma Miller.12 O gozo sempre seria algo diagonal, mal localizado, algo que irrompe a harmonia, que introduz o enigma. Os gregos introduziam o dionisíaco, que rompia a harmonia, mas também desde um lugar idealizado por isso excluía na imagem do corpo o gozo. Portanto, uma questão fica em aberto: como localizar a questão do gozo, da satisfação enigmática da imagem? É interessante perguntar isso, porque Lacan introduz uma reflexão sobre a beleza, num seminário sobre a ética. Porque a ética para a psicanálise trata das relações do sujeito com o gozo. Lacan percebe que o desejo humano pode transgredir as fronteiras do prazer e até alcançar a morte e a destruição absoluta. O sujeito encontra prazer no sofrimento. Lacan não se detém no limite do simbólico; para ele, como fica claro no seu seminário, resulta-lhe problemática a questão do real. Quando deu primazia ao simbólico conseguiu resituar o imaginário, mas o real e o gozo continuaram a ser categorias complicadas. O corpo que goza no Barroco Lacan retomará, no Seminário 2013, o barroco para poder situar a relação entre o corpo e o gozo. O corpo representado pelo Barroco é um corpo martirizado que permite considerar a questão do gozo. O corpo mártir do barroco é uma representação no quadro, representando a 12 Miller, J.-A. 2006, “La imagen del cuerpo en psicoanálisis”. In: Introducción a la clínica lacaniana. Conferencias en España, op.cit., p. 388. 13 Lacan, J. 1998, Seminario, libro 20: Aun, Buenos Aires: Paidós, p. 127142.

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verdade divina. É o corpo torturado de Cristo. O barroco se situa no contexto histórico do cristianismo e, portanto, participa numa serie de textos que tocam a questão da verdade, dentre eles os evangelhos. A arte barroca entra para contribuir com o projeto da igreja na Contrareforma, isto é, para recuperar as almas perdidas. O barroco inclui um plano urbanístico, arquitetônico, pictórico e escultórico, e posteriormente entrará também na literatura como um estilo. Por isso Lacan comenta: a Contrareforma era um retornar às fontes e o barroco foi seu representante.14 A idéia era a de expressar por meio de imagens os dogmas e as verdades da Fé, com a intenção de persuadir aos fiéis. Na época, Caravaggio foi exaltado e Roma, apesar da amplitude do estilo, foi o berço e a capital do estilo barroco. No Brasil, o barroco foi tardio, porém veio com o mesmo fim. A arte barroca foi instrumento dócil ao serviço da propaganda religiosa. Em si o nome barroco foi posterior ao impulso da igreja, comandada pela Companhia de Jesus. Foi apenas no Sec. XVIII que o barroco foi considerado um “estilo que se considerava contrário as regras, excessivo, extravagante e de mau-gosto.”15 Gombrich escreveu o seguinte sobre a relação de Caravaggio com a verdade: O que ele queria era a verdade. A verdade tal como podia vê-la. Não lhe agradavam os modelos clássicos nem tinha o menor respeito pela ‘beleza ideal’[...] Caravaggio devia ter lido repetidamente a bíblia e meditado sobre suas palavras. Foi um dos grandes artistas como Giotto e Dürer antes dele, que quis ver os eventos sagrados com os próprios olhos, como se estivessem acontecendo na casa do vizinho.16

Foi uma época na qual se passou da verdade revelada, divina, pela igreja a uma verdade que o sujeito tinha que se esforçar em descobrir. Onde se pedia uma demonstração. Ou seja, foi uma operação simbólica

14 15 16

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Lacan, J. 1998, Seminario, libro 20: Aun, op. cit., p. 140.

Prater, A., 1997, La pintura del Barroco, Lisboa: Taschen, p. II. Gombrich, E.H., 1995, A história da arte, Rio de Janeiro: LTC, p. 393.


com incidência no saber e na verdade. Mas também houve uma virada com relação ao gozo, pois, segundo indica Lacan, foi: “uma virada no erotismo europeu, dando lugar ao objeto idealizado”. A imagem tomou um valor de recobrir uma falta, e nisto se alojou o gozo. Lacan destaca que no barroco não fazem falta as palavras, a mensagem se transmite através do olhar. O sofrimento do corpo, a mortificação do corpo de Cristo deu lugar a formas de santidade. Neste sentido, o corpo mortificado de Cristo e o corpo despedaçado dos santos entram na mesma linha. O barroco inclui o corpo nas suas representações artísticas como um corpo torturado que tem a função de restituir a verdade divina. A obscenidade do corpo martirizado inclui o gozo no corpo. É a encarnação de Deus em um corpo e supõe que a paixão sofrida, tenha sido o ‘gozo de outra’. A doutrina Cristã oferece, no lugar da relação sexual, outros gozos. Na arte, nas imagens barrocas, trata-se de corpos que evocam gozo, mas que excluem toda copulação. O corpo de Cristo é intermediário para outro gozo. Lacan para situar isto faz uma reflexão sobre o corpo e a alma para Aristóteles, dizendo que a alma são pensamentos sobre o corpo. Pensamentos que se inserem num discurso. Funciona como uma ditomansão, um lugar, um discurso para alojar o corpo. O barroco insere a verdade como exaltação de gozo, oferece a “obscenidade exaltada”, e a verdade do gozo fica na exaltação. A psicanálise oferece outra dito-mansão; ela opera com a verdade para reluzi-la, não para exaltá-la, mas para colocá-la no seu lugar. Para alojar o gozo em uma dito-mansão topológica do corpo. Isto é, reduz o gozo a uma letra e aposta na sua localização corporal. Portanto, no caso do barroco é por outra via, trata-se de uma “regulação da alma [pensamentos sobre o corpo] pela escopia corporal.” Neste sentido, a alma, como o conjunto dos pensamentos sobre o corpo

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já não é o mestre; fica afetada pelo gozo escópico, pela escopia corporal, regulando o ser e seu modo de satisfação. A alma fica afetada pelo deleite, pelo gozo das representações dos mártires. Mártir, segundo a raiz etiológica, é a testemunha de um sofrimento mais ou menos puro. A psicanálise vai fazer uma redução do gozo ao objeto a; vai fazer desta redução uma função do resto. Resto como causa de vida, causa do desejo que se funda na fenda da sexualidade do ser falante. A psicanálise oferece uma via não religiosa à dimensão humana do gozo do corpo e da ausência de relação sexual. Aposta por um saber sobre a não relação sexual com incidência no real, no sofrimento. A função da imagem do corpo, representada na arte, cobre uma falta onde se aloja o gozo. Nesse sentido, o barroco é uma ilustração de um gozo exaltado no corpo, uma obscenidade exaltada do gozo pela via do sofrimento. Como mensagem para os fiéis, insere-se no discurso religioso e por isso podemos dizer que é uma dito-mansão dos ditos sobre o gozo. E hoje na arte, desatrelada do discurso religioso, como se joga a questão do gozo? Como é a relação com a imagem? Arte contemporânea e imagem. No texto “As prisões do gozo”, publicado recentemente, mas proveniente de uma conferência muito interessante de 1994, Miller devolve a dignidade ao registro do imaginário desenvolvido por Lacan. Mas no final deste texto, ele faz uma colocação que convida a reflexão. Comenta que a arte hoje já não causa controvérsias e que a libido se retirou do campo da arte.17 Considero que as controvérsias da arte contemporânea vêm por outras vias e que ainda tem muito do que nos ensinar, pelo que é importante situar a mudança que ela demarca com seu saber-fazer. Neste sentido, o trabalho de Marie-Helene Brousse amplia nossa reflexão com relação à arte18. Brousse pontua que atualmente a arte nos ensina com relação ao 17 Miller, J.-A., “As prisões do gozo”. In: Opção Lacaniana, nº 54, maio 2009, p. 25. 18 Brousse, M.-H. “O objeto de Arte na época do fim do Belo: do objeto ao abjeto”. ”In: Opção Lacaniana, nº 52, setembro 2008, p. 173-177.

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lugar do objeto. Uma reflexão sobre o objeto do gozo e o real. No percurso que realizei até aqui, seguindo os desenvolvimentos de Lacan e Freud, pode-se notar o lugar do objeto do lado do ideal, e por isso resulta muito difícil diferenciar ideal de sublimação. Um objeto “agalmático”, objeto desejado, idealizado, como nos mostra o próprio barroco que recobre o ponto de horror. Mas hoje já não é por essa via, o objeto já não está recoberto pelo véu do belo, mais bem se apresenta no lugar de resto, de dejeto. Realmente a arte está um passo a frente do psicanalista, pois justo Miller em um artigo recente, titulado “A salvação pelos dejetos”, situa a diferença entre o gozo e o das Ding que a arte situa e que às vezes se confundia19. Esta diferença permite situar a o objeto articulado ao ideal e como dejeto. Portanto, podemos pensar o lugar no qual se desloca o objeto a e a arte ensina: Objeto a Agalma

resto

Objeto idealizado

objeto dejeto

Também na arte contemporânea se prescindiu da moldura. Falase em instalações. Podemos pensar na arte contemporânea como tendo certa familiaridade com o real, prescinde da moldura, do véu. Véu sem véu Consolo angústia Corpo unificado corpo fragmentado Moldura-forma corpo que se presentifica pela dor A body-art é um movimento que pessoalmente me interessa pelo modo como localiza ao corpo, abrindo algumas questões sobre esse tema. Reflexões sobre o corpo no body-art Porque pensarmos a body-art? Considero que guarda elementos em comum com relação ao corpo no barroco: o corpo oferecido ao olhar, o 19 Miller, J.-A., “Le salut par les déchet”. In: Mental. Clinique et pragmatique de la désinsertion em psychanalyse, nº 24, abril 2010, p. 11.

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obsceno, o corpo torturado. Mas não é a tela que é o marco desta arte, com a função de quadro ou véu, senão o próprio corpo, o corpo como carne, o corpo da experiência. Um corpo que se apresenta como um corpo torturado. No barroco, o corpo martirizado era o corpo enquanto testemunha de uma verdade, plasmado em um quadro ou uma escultura, visava um ideal, uma purificação. Mas, no caso do body-art, do que se trata? Testemunha de que? O body-art é um termo muito amplo e existe também o bodymodification, carnal-body, onde o corpo e a presença ou ausência da dor estão em jogo. Vou pinçar só o surgimento de um movimento que se chamou Accionismo Vienense, que em 1960 deu origem ao body-art, especialmente ao trabalho de um de seus fundadores: Günter Brus. O acionismo vienense, era um grupo dogmático e, de certo modo, fechado. Sendo protagonizado pelos artistas austríacos H. Nitsch, O. Mühl, R. Schwarzkogler e G. Brus, e pelos escritores G. Rühm e O. Wiener. Como um predecessor da body-art, o acionismo vienense, se comparado com outros movimentos como os happenings, performances e fluxus, caracterizou-se como a forma mais violenta e agressiva de tratar o corpo no âmbito artístico de seu tempo. O próprio corpo era o suporte da obra e os materiais usados eram, além dos instrumentos de corte e perfuração, o sangue e as secreções do próprio “corpo-suporte”, renunciando, desse modo, a qualquer tipo de mercantilização. No acionismo vienense, as facas se convertiam em pincéis, o corpo em tela e as próprias secreções do corpo humano em pigmento, desse modo, o corpo se torna na pintura, na escultura e na expressão plástica. Afinal, nas suas ações, os artistas se cortam, se mutilam, colocando em evidência a idéia de Günter Brus da destruição como elemento fundamental na obra de arte. Brus, por sua vez, iniciou sua atividade artística realizando

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pintura gestual que logo o levou a romper com os limites do quadro e iniciar suas ações, nas quais utilizou o corpo como elemento motor de suas investigações. Seu espírito libertário e contestador o levou a arrancar de seu próprio corpo, por meio de suas ações, todas as amarras que o estado e a sociedade colocaram em sua pele e sua mente, na tentativa de conseguir um corpo limpo, puro. Realizou mais de trinta ações no período de 1964 a 1970, depois deste periodo passou a se dedicar somente ao desenho e a escrita. A proposta de Brus era a de liberar a arte de sua limitação construída pelo espelho. Seu propósito era o fim da arte como contemplação, reflexão, conhecimento. Para sair disto fez várias experiências, pintando no chão, nas paredes, com a idéia de ampliar o espaço. Utilizou só branco e preto e modificou o traço e sua intensidade ao ponto de rasgar o papel. Dentre essas experiências, introduziu o corpo real como elemento da ação artística. Uma das primeiras ações se titula Ana, e contou com a participação do cineasta experimental K. Kren na sua elaboração. Nessa ação Brus, envolto em trapos brancos se movia por um quarto branco para logo começar a atuar com o preto, manchando as paredes e o próprio corpo, em seguida fez o mesmo com sua mulher Anni. De forma espontânea em um processo de criação de uma pintura “viva”, dando início, dessa forma, às suas “autopinturas”. Nesta ação, performance, pintura e fotografia se misturam.

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Günter Brus, Ana, 1964 Disponível em: HTTP://www.radicalart.info

A partir desta experiência, cada uma de suas ações foram seriamente preparadas dando ênfase à dor real. Assim avançou até chegar ao que denominou autodeformação. Colocando-se muitas das vezes como artista-mártir, esteve rodeado e coberto por facas, navalhas, pregos, etc. Outra ação de destaque do período das Análises corporais é a chamada Zerreissprobe (Prova de resistência, 1970) realizada em Munique, e que marca o final de sua fase acionista, como o próprio artista anuncia em suas anotações preparatórias. Nessa ação, Brus surge completamente depilado e vestido somente com roupa íntima feminina. No transcurso da ação acabará totalmente nu e manchado com o sangue resultante das lesões que severamente desfere contra si mesmo. Trata-se de sua ação mais intensa, na qual leva as automutilações ao limite de superação da própria dor e se houvesse continuidade, seu fim seria a morte.

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Günter Brus, Zerreissprobe, Aktion in München - DVD, 1970. Disponível em: HTTP://www.der-katholische-faktor.blogspot.com

Com estes atos ele conseguiu mostrar a dor pura do corpo, eliminado dele a vida. Ele se experimenta nos cortes, nas fragmentações, na mortificação. Brus apresenta seu corpo sem os semblantes, sem ficções; corpo que se reduz a uma “carne sem subjetividade”.20 Parece um corpo sem envoltura simbólica, presença real da obscenidade. O corpo mártir do barroco era um corpo como semblante, um recobrimento simbólico. No body-art não parece isso; parece mais uma exibição do corpo do artista como encarnação pura, direta, privada de mediações simbólicas, sem véu. É um corpo atormentado, cortado, dilacerado, mutilado, deformado, invadido de suplementos tecnológicos, alterando suas funções. Em Günter Brus se produziu uma modificação; parou de fazer suas ações vienesas depois de ter uma filha. Ser pai o levou a assumir um semblante. Com o fim de sua fase acionista em 1970, Brus considerava que havia esgotado todas as possibilidades estéticas relacionadas ao próprio corpo e, na intenção de dar a seu pensamento e às suas sensações a possibilidade de expressão através de meios convencionais, passou a dedicar-se intensamente ao desenho e a escrita, mantendo, porém, a mesma temática do obsceno, da dor, da crueldade, das violações dos 20 Coccoz, V., 2006, “El cuerpo-martir en el barroco y en el body-art”. In: Las tres estéticas de Lacan (psicoanálisis y arte). Buenos Aires: Del Cifrado.

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tabus e da crítica ao poder, através de uma expressão gráfica agressiva e provocadora e, ao mesmo tempo, hiperrealista e fantástica. A escritura se transformou em outra forma de tratar o corpo e seu gozo. Haveria que se perguntar se não se trata, no caso de Brus, da escritura como sinthome. A arte contemporânea vai além do quadro, mais bem, muitas vezes até prescinde do quadro. O body-art, através de suas ações capturadas pela fotografia e a filmagem, mostra o corpo mártir como um corpo que presentifica um gozo, vai além da imagem como forma unificada e que consola. A arte contemporânea desloca a função do belo à função do objeto. Do belo como véu. Coloca em destaque não só o objeto olhar, senão também a voz, o excremento, o resto. Sobre isto temos muito, ainda, do que apreender dela.

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Sobre o Acervo Carlos Ibarra ou modos de existir sem a presença Felipe Prando

Preliminar: Esta apresentação é uma exposição do PROJETO [PAISAGEM:FRONTEIRA], o qual é uma prática artística configurada como um site discursivo de investigação artística, que se faz como um território configurado como uma rede de experiências e práticas discursivas. Articula-se, como instância discursiva, em três etapas: experiências pelos sites, docs/registros das experiências e exposições (publicações/conversas) do processo de investigação. O que podem ser práticas discursivas? O site de investigação artística (a realidade de um lugar, que neste caso arrisco dizer que é um sistema institucional, isto é, o caso do Acervo Carlos Ibarra), quando é determinado discursivamente, pode ser delineado como um campo de conhecimento, troca intelectual ou debate cultural1. A ideia de site discursivo pode se entendido como uma atualização ou um desdobramento das primeiras práticas site-specific. As práticas contemporâneas de site-specific, nomeadas de site-oriented por Miwon Kwon e de functional-site por James Meyer, são processos artísticos que reconhecem a mobilidade discursiva do site e o operam como espaços compreendidos como redes de discursos, e estabelecem diferentes conversas com o espaço e circuito artístico. Os espaços (sites) “[...] acabam achando sua âncora localizacional no âmbito do discurso”2. 1 KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2002, p. 26. 2 Ibidem, p. 28.

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De onde surge o Acervo Carlos Ibarra Lá onde vive o Ibarra, dizem que a fronteira é um vai-e-vem, um campo produzido pelo contato e fricção de campos supostamente autônomos, diferentes e separados. A linha de lá não marca uma separação, não diz que uns estão dentro e outros, fora. A linha é um ponto de encontro. Aquela fronteira, de onde aparece o “Acervo Carlos Ibarra”, aparece de um vazio. No ano de 1777, o Tratado de Santo Ildefonso criou um “campo neutro” entre os territórios das Coroas Portuguesa e Espanhola, que deveria ser esvaziado configurando uma espécie de vácuo. A fronteira que surge aí e daí, desta ausência de soberania, é o lugar de onde emergem novas ideias ausentes. O Acervo “Carlos Ibarra” constitui-se também da ausência, aliás, de algumas ausências. Primeira parte do “Acervo Carlos Ibarra” Logo quando cheguei ao Chuí(y), comecei a perguntar pela existência de algum fotógrafo que tivesse um arquivo com imagens da fronteira. Cheguei ao Carlos Ibarra, cujo arquivo perdeu-se num incêndio. Segunda Parte do “Acervo Carlos Ibarra” O Gordo Roberto foi um segundo pai para Carlos Ibarra. Foi o Gordo quem levou Ibarra para a fotografia, quando este era goleiro de uma equipe de futebol. Ibarra segue trabalhando como fotógrafo. Seu primeiro serviço como fotógrafo foi substituir o Gordo num casamento. Após fotografar todo o casamento, percebeu que sua câmera estava sem filme. Passados alguns dias, o Gordo, ao entregar “as fotografias”, comunicou aos noivos o que havia acontecido. Não foi complicado contornar a situação. Os noivos e alguns padrinhos vestiram-se novamente para o casamento e foram fotografados pelo Gordo. Terceira parte do “Acervo Carlos Ibarra” O Gordo já morreu, mas seu filho, Jorge Rosas, ainda vive por lá. É fiscal de trânsito. Jorge não faz ideia do que ocorreu com a mala de couro que o Gordo carregava com seus trabalhos fotográficos guardados. Quarta parte do “Acervo Carlos Ibarra” Carlos Ibarra, depois de contar a perda do seu acervo pessoal e revelar que tinha a prática de queimar seus negativos de tempos em tempos, pediu que eu fosse visitar o Salão de Festas do Hotel Internacional. Nos anos 1980, ele realizou um trabalho para o dono deste hotel: fotografou paisagens da fronteira. Não encontrei nas paredes do Hotel

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qualquer fotografia. Noutra passagem pelo Chuí(y), noutra conversa com Ibarra, entendi que as paisagens pintadas nas paredes do Salão de Festas e assinadas por Gilson eram “as suas fotografias”. Quinta parte do “Acervo Carlos Ibarra” Renato, Cícero e José vivem, durante quase o ano todo, em Taracatu, interior de Pernambuco e divisa com Alagoas. Entre o final de dezembro e final do Carnaval, eles moram no Hotel São João, Rua Peru nº 1.587, Chuí(y), vendendo redes que são fabricadas em Taracatu (PE). Fazem isso há mais de 15 anos e nunca levaram para Pernambuco uma fotografia do Chuí(y). Sexta parte do “Acervo Carlos Ibarra” Lá no Chuí(y), elaborei algumas propostas de intervenções artísticas a partir do contexto da experiência na fronteira. Estas propostas não foram realizadas. Sétima parte do “Acervo Carlos Ibarra” O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um projeto (ir)realizado no sentido de ser concebido para realizar-se sem a preocupação de produzir um produto final que encerre o projeto. Encerrar um projeto tem dois sentidos: um produto que aponta para o término do projeto, mas também o de um produto (soberano e independente) que contém em si todo o sentido do projeto. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] se constrói de documentos e relatos que vêm sendo coletados e produzidos desde dezembro de 2008. Considerações sobre o Acervo Carlos Ibarra O Acervo Carlos Ibarra é um site discursivo e existe a partir da construção desta apresentação: proposição da apresentação, seleção de trabalhos, bem como a construção e leitura deste texto. Mas, afinal, o que constitui o Acervo Carlos Ibarra? Imagens cuja mídia ou o suporte é o discurso. “‘Você disse tal coisa’. Você a disse e fica amarrado a ela pelo fato de a ter dito. Não pode mais liberta-se dela.” Estas frases são ditas por Michel Foucault quando afirma que o discurso é algo que tem uma existência material, pois o que se disse está lá materialmente: o que falamos e a própria palavra. Os processos históricos da exploração exerceram-se, ou não, no interior de um discurso? Exerceram-se sobre a vida das pessoas, sobre seus corpos, sobre seus horários de trabalho, sobre sua vida e morte. No entanto, se

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quisermos fazer o estudo do estabelecimento e dos efeitos da exploração capitalista, com o que teremos de lidar? Onde é que vamos vê-la traduzir-se? Nos discursos, entendidos em sentido amplo, ou seja, nos registros de comércio, das taxas de salários, das alfândegas. Encontrála-emos ainda em discursos no sentido estrito: nas decisões tomadas pelos conselhos de administração e nos regulamentos das fábricas, nas fotografias, etc. Todos estes, num certo sentido, são elementos do discurso3. O discurso não existe apenas como “discurso” num sentido abstrato ou reflexivo, mas vinculado a práticas sociais e também como prática social. A prática do discurso é um jogo e como tal não se estabelece para chegar à verdade, mas para vencê-la4. Vencer a verdade, isto é, “[...] questionar nossa vontade de verdade” é uma função evocada por Foucault com o intuito restituir realidade ao discurso e de apagar uma “[...] espécie de temor surdo [...] dessa massa de coisas ditas, do surgir de todos esses enunciados, de tudo o que possa haver aí de violento, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso”5.

3 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. [CIDADE? EDITORA?], p. 147. 4 Ibidem, p. 140. 5 FOUCAULT, Michel. Ordem do discurso. [CIDADE? EDITORA?], p. 50.

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EX-TEMPOS Carlos Kenji Há uma certa violência contida na fotografia, uma violência em relação ao tempo. Esse momento congelado é de certa forma retirado daquilo que compreendemos como tempo que, por definição, não pode ser fixado sob pena de deixar de ser o que é – um continuum que envolve passado, presente e futuro num fluxo necessário que, ao ser interrompido, passa a ser outra coisa. Fotografia seria essa outra coisa que, ao pretender fixar o passado, o retira do tempo no qual estamos todos imersos e em movimento. Por isso ela trai o passado como o experienciamos: algo em constante transformação, afetado pela nossa memória, pelo que somos atualmente e pelo que viermos a ser. Passado que nunca é o mesmo a cada lembrança que temos dele. A relação existente entre a imagem fotográfica e a pessoa que a vê parece vir carregada dessa tensão nãotempo/tempo. E é nesse defrontar que, dada a natureza movente de nossa consciência, o tempo parece se infiltrar novamente naquela imagem congelada, alterando-a a despeito de sua fixidez, praticando nesse nãotempo uma outra violência, que acaba por conduzi-lo novamente à esfera da temporalidade, criando nele outros antes e depois ficcionais. Fazendo apropriações de fotos antigas, refotografando-as, procurei trabalhar esse espaço-tempo não fixável, cambiante, que existe entre nós e nossas representações – foi este o lugar para onde tentei apontar minha câmera, à procura de um incerto índice fotográfico onde a memória é sujeito e objeto. E, ao tentar criar atritos e expansões num espaço onde julgava-se estar o tempo subtraído, procurei trazer de volta ao terreno da imaginação aquilo que – enganosamente – nos aparece travestido de documento, de realidade. (imagem e texto extraídos da exposição Ex-Tempos, selecionada no Edital de Artes Visuais do Sesc da Esquina 2010)

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Retratos do sĂŠculo passado PatrĂ­cia Lion 2010

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Marés

(série Navegar é preciso) Andréa Tais Siewerdt 2006

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Agora

Lidia Sanae Ueta 2010

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Do que sou e nĂŁo posso dizer que sou Luana Navarro 2010

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s/tĂ­tulo

Inara Vidal Passos 2010

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Mutaรงao Controlada (Lรกpis sobre papel) Talita Esquivel 2010

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Telefone sem fio Arthur do Carmo Tatiana de Alvez e Souza [Prelúdio] Este texto está ancorado a uma expectativa determinada. Milla Jung sugeriu a feitura de pelo menos um texto sobre a experiência compartilhada no Grupo de Estudos. O interesse comum entre os participantes se encontrava pelas aparições contemporâneas da imagem, campo do pensamento que, no início de nossos encontros, parecia restrito a algumas áreas, e que se estendeu a noções muito mais abrangentes. Nosso texto consiste na costura desse tecido de ideias que aparecem/ apareceram em nós e no grupo de Estudos Imagempensamento. Telefone sem fio: às vezes, somos emissores e transcrevemos; às vezes, mediadores e transformamos: nos perdemos nos outros e nos encontramos em nós mesmos. Toda essa escrita a quatro mãos está também infiltrada pela visualidade/discursividade dos artistas-teóricos-críticos que se encontraram com os participantes, configurando tanto uma síntese quanto uma proposta: [MODULAÇÕES INFINITAS] [elaboração DO DISCURSO COMO CAMPO PLÁSTICO participativo] Como costurar o tecido de ideias que aparecem/apareceram no grupo de estudos Imagempensamento? Se essas ideias aparecem, como elas aparecem? Onde elas estão após a dissolução do grupo, pelo fim do cronograma de encontros? Primeiro, acreditamos que, para fazer a tecelagem/costura, é necessário identificar os materiais disponíveis, ir ao encontro deles e ver o que eles permitem costurar, quais são seus desdobramentos latentes diante do outro e do tempo. Podemos pensar que a função de um grupo de estudos como foi o Imagempensamento é se constituir como plataforma de discussão, como um site discursivo instituído, campo de elaboração pelo qual certos discursos acontecem/ aparecem. Discursos foram produzidos e originados, como este que se faz, pela existência dos encontros e conversas. E ainda mais, podemos dizer que esta publicação em específico também é uma superfície de elaboração e exposição dos discursos ativados, decorrentes de um site instituído. Site1

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“[...] diferentes debates culturais, um conceito teórico, uma questão social, um problema político, uma estrutura institucional (não necessariamente uma instituição de

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como discurso operatório de discursos. Segundo, montar os próprios desdobramentos como corpo visível, articular as questões que perpassam a multiplicidade dos encontros. Necessidade de dar corpo comum a um processo de trabalho comum, regido e vivenciado através de encontros. Articulando elementos próximos uns dos outros por conceitos centrais, como a própria noção de imagem, temos encontros que acontecem, então, agora através de matéria e memória: o arquivo de registro e bibliografia disponibilizado aos participantes em relação dinâmica com a nossa memória de múltiplas vozes. Ideias que aparecem/ Mesmo o jogo do telefone sem fio apareceram no Imagempensamento: costurar os possui uma linha de propagação: perdemos nos outros e nos desdobramentos presentes pelos latentes, para nos encontramos em nós mesmos. que eles possam ser depois novamente recortados, apanhados por outros que usarão essas texturas de enunciados como próprias a si mesmos, em devir2 pelo acontecimento de aparição do outro que pulsa em nós mesmos. [TEXTO COMO OBRA COMO TEXTO] – VIR, LER, IR. Conversas com artistas e teóricos. Felipe Prando. [OFICINA (Notas sobre o acervo do Carlos Ibarra)]. Acervo reconstituído pelo discurso, pois originalmente perdido em casos insólitos. Estávamos diante do Projeto [Paisagem:Fronteira]. Interessava nessa conversa o site discursivo, o que reverencia o imaginário – lugar onde memórias e ideias se encontram e pelo qual podem se projetar como imagem ao outro. Este site outro, site discursivo, coloca questões muito pertinentes quando falamos das aparições da imagem. Afinal, o acervo em questão está perdido como índice originário. Os índices que originaram um primeiro suposto acervo, visível justamente por sua materialidade de índice, estavam/ arte), uma comunidade ou evento sazonal, uma condição histórica, mesmo formações particulares do desejo, são agora considerados como ‘sites’” KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre Site Specificity. Trad.: Jorge Menna Barreto, feita para workshop no 803e804>arte contemporânea, Florianópolis, dez. 2003. Originalmente publicado na Revista October 80 em 1997. Disponível pelo endereço revista do programa de pós-graduação da EBA/UFRJ: http://www.eba.ufrj.br/ppgartesvisuais/lib/exe/fetch. php?media=revista:e17:miow.pdf Último acesso em 28/3/2011 às 6h00min. 2 “Ao nascer, uma das possibilidades toma forma, a minha forma; todo o resto é excluído e, normalmente, do ponto de vista do sujeito, as outras possibilidades deixam de existir. Mas podemos aventar a hipótese de que todos esses outros que não cheguei a ser continuem a devir; certamente, no meu caso, existo, mas os outros continuam a devir e, quando se oferece a ocasião, posso devir um desses outros. Ucronia. [...] A ‘ucronia’ é a possibilidade da utopia retrospectiva, a idéia de que, em determinado instante, um acontecimento ocorre, portanto, existe, mas como dizíamos, a existência não é tudo... Todos os acontecimentos que não advêm continuam a devir. Com certeza, eles não ocorreram, mas há um outro modo de ser além da existência, e sua incidência sobre o próprio acontecimento é considerável” BAUDRILLARD, Jean. De um fragmento ao outro. Trad.: Guilherme João de Freitas Teixeira. São Paulo: Zouk, 2003, p. 110.

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estão perdidos. Carlos Ibarra, por exemplo, em seu primeiro trabalho fotográfico, esqueceu de colocar o filme na câmera. Ibarra também tem o costume de periodicamente queimar suas caixas de filmes revelados. Felipe, entretanto, deixou brechas na conversa/exposição para pensarmos que o acervo do Carlos Ibarra é justamente aquilo que ele, Carlos Ibarra, faz ver3 . O deslocamento de índices, entre o fotográfico e o discursivo, nos faz refletir sobre o paradoxo que representa um projeto e sua relação de dessincronia com o tempo, em que o autor passa a ser personagem, viajante, isolado dos seus, uma ficção temporal, normalmente no futuro, projetada de si mesmo. Processo de trabalho. Projeto e projeção têm a mesma Trabalho4. Essa vida no projeto artístico pode ser raiz (pelo latim): projectio, reproduzida no tempo (se lançar a um projeto no subs., (alongamento, extensão, ação de se estender para frente) tempo), assim como o projeto no espaço (se lançar a e projectus, adj. (lançado para uma projeção no espaço). Qual a distância entre fazer frente, proeminente, saliente). palavras que se referem de fato e materializar em discurso? Como estabelecer São a formas coincidentes, uma critérios de apresentação/exposição do trabalho de como substantivo e outra como arte, se no momento de apresentação/exposição adjetivo. Na conversa com o artista, nos ele é uma projeção desse outro tempo, o tempo de encontramos com a ideia de que desenvolvimento/processo do projeto? Ficção de si um projeto está fora do tempo por buscar se ressincronizar com mesmo, no tempo e no espaço. o tempo diante de seu fim como se realizando como Para uma proposta ser aprovada por uma projeto, um “produto que em si é todo o instituição de arte, por exemplo, ela precisa tomar sentido do projeto”. um corpo que se projeta no futuro e dar garantias do resultado que pretende alcançar, do público e produto final que vai atingir. O curioso é que, com essa necessidade de simulação de algo ainda abstrato, plano de futuro a que se propõe, o projeto precisa se esquecer como visualidade do presente, seu plano de proposição. Onde acontece a projeção de um projeto? [A exposição de um projeto no tempo é projeção de um enunciado no espaço.] Acreditamos que foi/é desta maneira que projetos, por eles mesmos, são inclusos no campo das “obras” de artes visuais. Ao se pensar em arquivo, não escapamos 3 Isso fica ainda mais claro quando, em texto publicado no seu site, Felipe se pergunta e responde: “Mas afinal o que constitui o Acervo Carlos Ibarra? Imagens cuja mídia, ou suporte, é o discurso” PRANDO, Felipe. Sobre o Acervo Carlos Ibarra (ou, modos de existir sem a presença). http://felipeprando.com/?page_id=89. Último acesso em 28/3/2011 às 5h10min. 4 “Isto porque, independentemente de ser ou não executado, cada projeto na verdade representa o esboço de uma visão particular de futuro, que pode ser fascinante ou instrutiva. [...] O tratamento culposamente negligente do projeto como uma forma de arte é verdadeiramente lamentável, já que nos impede de analisar e entender as esperanças e visões para o futuro [...].” GROYS, Boris. A solidão do projeto. Trad.: Roberto Winter. Disponível em http://projetosnatemporada.org/eventos/arte-projeto/groys/solidao-doprojeto/ Último acesso em 2/5/2011 às 6h37min.

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da ideia de que arquivo é onde memória e projeto, realizados ou não, convivem indiferenciados num tempo artificial5. [Risco/Incerteza-(Im) permanência.] Possibilidades de continuar a pesquisa. Extensão dos tempos propiciados à realização/conclusão dos Se anteriormente ficou evidentrabalhos pensados pelo projeto. Obra aberta. O ciado que o projeto como dessincronia com o tempo acontece projeto como prática artística. Até o ponto em que “o pela virtualidade, simulação do projeto é a pesquisa. A pesquisa é o projeto” (Felipe tempo futuro, este é o momento em que se evidencia o projeto Prando, Relatório Funarte, 2010). como dessincronia com o tempo pelo fracasso, ausência de um

Operação Condor – Montar um produto final que contenha todo o sentido do projeto, imperobservatório de aves e substituir a manência. lista de nomes das aves características da região pela lista com nomes das pessoas desaparecidas pela Operação Condor. [Paisagem:Fronteira] Projetos Irrealizados

[TRANSFERÊNCIA POÉTICA DE SITUAÇÕES] Rosângela Cherem: o tempo que vivemos nunca é só o presente; somos [?]6 constituídos pela soma do que já vivemos e pela projeção virtual da posteridade. O trabalho produzido pelo artista, como obra, interrompe o fluxo normal das coisas, se constitui pela visão de um outro, e nele sobrevive como forma deslocada. A coisa passa Ver aqui não se refere ao sena existir através de outra(s), dela(s) se aproxima, e tido humano da visão, mas ao finge ser o que não é, aquilo que é enquanto é para o sentido da imagem, corpo sem forma, fora de si. Um dos exemoutro, para aquele que a vê, naquele que ela se projeta. plos a que se chegou no grupo é Deslocada pelo desejo desejado pelo outro. que o perfume de uma orquídea também uma imagem da Constrói-se uma dobra, onde existem semelhanças éorquídea. O mundo se encontra que não podem ser verificadas, senão por aquele que por sentidos próprios de cada e a imagem aparece sempre verifica, pois pertencem a outro mundo, como outra ser, sob esses sentidos, muitos ininordem de coisas. “A natureza engendra semelhanças: teligíveis ao humano. basta pensar na mímica. Mas é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças”7. Rosângela Cherem aponta para o artista: todo artista é portador de um delírio convincente, de uma loucura plausível. Estamos imersos num ciclo eterno de ondas da memória de repetição e esquecimento, sob as grandes questões da humanidade, [então o que proporciona a aparição única de 5 Ibidem. 6 Este colchete é uma interferência do revisor. N.A. 7 BENJAMIN, W. A doutrina das semelhanças. Em: Obras escolhidas, magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 108.

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Essa pergunta parecia sempre uma coisa?]. presente na conversa com a “O essencial está no instante da aparição pesquisadora, pois também é a outra questão colodas coisas” resposta cada por ela: o que faz de uma J. Baudrillard fotografia uma obra de arte? Afinal, como ela afirma, “A arte Rosângela Cherem: o pensamento como constrói uma semelhança onde acontecimento permite ao artista deslocar o eixo das ela ainda não existe.” coisas, construir uma imagem, não restrito à propagação das existentes. Ao artista, se configura um campo de reflexão a ser interferido, reconfigurado. Projeto e projeção coincidindo, como forma de um eixo deslocado, a obra como um acontecimento através do qual se configuram os sentidos que emergem pelos procedimentos de recombinação e montagem. A parte da história que não se reduz à história só pode ser alcançada no destempo, no anacronismo, nem aquém, nem além, suspensão temporária. Não é documento do seu tempo, pois nada documenta, é aparição de diversos tempos. Não é o espaço da função cronológica, linear, mas sim o campo de questões a mapear pelo reconfigurado. O A vontade de forma aqui é passado e o futuro faíscam no presente, o tempo já vontade de criar texto (trabalho de arte) advindo dos enunciados não está no tempo, está na aparição das coisas. dos participantes no processo de escrita. Acreditamos que

[DESLEMBRANÇA DAS COISAS PASSADAS] a melhor maneira de lidar Questões que se colocam no corpo, questões que se colocam na palavra, há diferenças? Estamos (como ser) sustentados na linguagem: as palavras marcam o corpo, e, também, o corpo marca as palavras. As coisas se definem nas relações que são estabelecidas. Tanto o corpo quanto a palavra estão deslocadas do próprio lugar, existem como imagem. “Qualquer forma e qualquer coisa que chegue a existir fora do próprio lugar se torna imagem. [...] Ser imagem significa estar fora de si mesmo, ser estrangeiro ao próprio corpo e à própria alma.”8 O mundo aparece e é continuadamente recriado pelas imagens/ acontecimentos. A jornada com Antonio Carlos Santos nos traz a revelação de um campo, proposto em Emanuele Coccia, próprio do sensível, que é o do meio, da imagem, compreendido como projeção do si mesmo no mundo:

com conceitos trabalhados teoricamente é fazê-los existir na experiência, experimentálos. Quando falamos da obra como texto, do texto como obra. O que se perde é a precisão analítica, a habilidade de movimentá-lo teoricamente, mas se ganha muito quando nos permitimos levar no texto tanto o acontecimento quanto o pensamento. Se os conceitos são vistos como instrumentos para resolver uma questão, é porque é por eles que é possível elaborar essas questões, organizar a confusão, criar elementos ordenadores no caos. Mas, com a ucronia1 , o conceito no acontecimento da aparição também é caos. E como tal, e como arte, também pode ser experienciado, tanto como conceito quanto como experiência. A experiência 1 Cf. nota 2 do corpo do texto.

8 COCCIA, Emanuele. A vida sensível. Trad.: Diogo Cervelin. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2010, p. 22-3.

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Sem imagens, sem sensíveis, todas é desordenadora e dispersa? Há experiência no conceito! as coisas existiriam apenas em si Discursos orientados para específicas. mesmas, toda forma de influência plataformas a ideia de uma seria impossível, o universo seria uma (somente verdade para cada conceito pode massa de pedras cuja única relação impedir a experiência de criar conceito, pela palavra). recíproca seria aquela determinada pelo Devir. O pensamento múltiplo por uma força exterior – fosse ela a como plataforma de elaboração. plataforma de elaboração gravidade ou uma ação centrífuga. Se o Acomo a reunião de pensamentos mundo conspira para algo de unitário, multiplicados a partir de uma é somente graças às imagens. Os meios experiência comum. – enquanto condição de possibilidade da existência do sensível – são o verdadeiro conectivo do mundo.9 Essa conexão é atemporal e imaterial. Não há uma ligação direta entre o sujeito e o mundo. Há um abismo entre as palavras e as coisas. Ao contrário de acreditar que uma experiência de coisa ainda é possível, o ser está sempre mediado por imagens. Mesmo ao ser não portador da palavra, animal não radicalizado, “são os meios o verdadeiro conectivo do mundo”. Sob a perspectiva desse terceiro campo, que não é nem do sujeito que pensa nem da coisa que existe, a ideia de que só existe o que é percebido por um sujeito é ampliada à ideia de que o mundo existe no entre si, no meio: as coisas existem no próprio lugar e também fora do próprio lugar. A apropriação da imagem entre as aparições do mundo é um jogo de produção e reprodução que se prolonga pela eternidade: “imagem é forma fora de si e trabalha contra a ideia de identidade ou substância singular”. [PROPRIEDADES DA IMAGEM] materialização e acesso Tatiana Sulzbacher. “Arquivo e exposição. Ambos vistos como expressões de uma mesma tendência do ser humano: construir a realidade a partir de sua análise, gestão, controle e representação.”10 Práticas geradoras de arquivos, que se desdobram em outros arquivos, exposições e algumas vezes migram para coleções e instituições11. A arte conceitual faz a passagem para uma ênfase na documentação do processo artístico ou curatorial. Constituição de arquivos na arte contemporânea e potência de articulação discursivas de 9 Ibidem, p. 38-9. Passagem citada por Tatiana Alves e Antônio Carlos Santos. 10 BLASCO GALLARDO, Jorge. Notas sobre la posibilidad de un archivo-expuesto. In: Culturas de archivo, 2002. Citado por FREIRE, Cristina. Artistas/curadores/arquivistas: políticas de arquivo e a construção das memórias da arte contemporânea. In: FREIRE, C. e LONGONI, Ana (orgs.). Conceitualismos do sul. São Paulo, Annablume, 2009, p.14. 11 FREIRE, Cristina. Op. cit., p. 15.

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certas imagens e de seus agenciamentos, seja numa exposição, seja numa publicação. Estratégias de compartilhamento de seu estar no mundo. Interesse em agenciar os conteúdos para além da informação hegemônica. Experimentação. Pensar criticamente a própria cultura12. Walter Zanini e seu interesse na pesquisa, experimentação e pensamento gerados pelos processos. Regimes de visibilidade: acontecem coletivamente. Na ditadura das aparências, a arbitrariedade da ordem estabelecida por aquele que faz ver cria indiferenciações entre o que é trabalho, o que é resquício e o que é documento; e ainda onde está a autoria e até onde vai a propriedade. Tudo depende da chave. “Assim seria resgatada, mesmo que de forma breve, a passagem da produção artística de uma circunscrição a questões puramente estéticas para um campo de experiências em que o observador é chamado a participar não apenas com o olhar, mas com outras ferramentas de percepção.”13 Se o arquivo parece estar destinado a facilitar o acesso individual a uma ficha ou imagem, certo é que o acesso vem guiado por um sistema que, no caso da exposição mais tradicional, se faz linear e visível no espaço, ao passo que no arquivo permanece a dimensão virtual, como um conjunto de narrações possíveis14. Sistema que produz documento mais do que acontecimento e memória, resquícios que, apesar de fazerem parte da obra, não são o que se deu naquele momento em que o autor a produzia. Autoria compartilhada pelas narrações O projeto de exposição “O corpo possíveis. Apesar de permanecerem, nas ações na cidade: performance em de acesso aos arquivos, questões ainda hoje mal Curitiba”, realizado entre 2009 e 2010 no Museu da Gravura resolvidas, mergulhadas em políticas institucionais Cidade de Curitiba com nada claras, de como disponibilizar esses arquivos curadoria e pesquisa de Paulo Reis, reuniu uma vasta gama nos museus, as pesquisas assumem a precariedade de de documentos. Muitos deles foram contribuições diretas registros conseguidos por outras vias. dos artistas participantes. A E, se a arte processual pode acontecer em outro organização desses e de outros lugar, por que buscar o museu para legitimá-la? O materiais resultou no catálogo da exposição, que pode ser valor artístico diante do valor de circulação. Será acessado pela plataforma que às vezes, por falta de interesse, às vezes por não eletrônica do projeto: <www.ocorponacidade.com.br> caber num espaço expositivo tradicional, ou por não se saber ao certo como mostrar seu desenvolvimento, ela se restringe a 12 DOS SANTOS, Maria Ivone. Diante da perda do arquivo: reinvenções e narrativas da memória. Ensaio. Revista Crítica Cultural, Edição Especial, Universidade do Sul de Santa Catarina, 2009. Disponível em <http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/ critica/0402/040210.pdf> Último acesso em 1º de abril, 23h10min. 13 CHIARELLI, Tadeu. Considerações sobre arte contemporânea e instituições. S/E, S/D. Fotocópia. Interessados, pedir reprodução via e-mail: arthurdocarmo@yahoo.com.br ou emaildatas@gmail.com 14 BLASCO GALLARDO, Jorge. Op. cit.

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outro lugar – arquivo, site, publicação, entre outros? Apesar da circulação restrita, nesse caso podemos falar deles também como projeto estético. Arquivo móvel15. [REGISTRO + EXPERIÊNCIA] espaço gerado pelo trabalho Tudo se expande na concepção de performance de Regina Melim. Nomeações, conceitos e concepções no campo O que se expande, colocado aqui da performatividade são acontecimentos, e isso não como “tudo”, são os elementos constituintes do trabalho de permite que se constituam desdobramentos críticos arte. Ele passa a existir também reduzidos de importância diante do índice originário: a partir de documentos, que situam historicamente, eles sempre passam a integrar e, muitas vezes, a oampliando a dimensão plástica recriar a performance como aparição para um sujeito. para a dimensão simbólica do A performance é, acima de tudo, uma linguagem acontecimento. generativa, além da obra no corpo mesmo do artista, “em seu propor que era (é) expor”. Encontramos, então, um primeiro ponto de conflito: em sua abertura, arte das extremidades por excelência, como se dá o contorno de performance no campo da arte? E, claro, qual a necessidade de delinear esse contorno, qual a necessidade de designação? A solução proposta não é a de criar outros rótulos/legendas sob o risco de se cair nas mesmas questões, entretanto procura ampliar, estender os já existentes. O documento pode ser a extensão da performance ou apenas o registro? E a performance/acontecimento que se dá no pensamento pela leitura? Os documentos incorporados às obras de performance estão aderidos à constituição da performance como unidade visível, mas também são categoria autônoma em relação à autoria: a descrição oral, escrita, fotografada, gravada passa a ser uma extensão do acontecimento que se apresentou, gerada a partir da figura do performer, e que dele podem independer ou não: estratégias de difusão do trabalho de arte. Impotência humana de resgatar um singular vivido e não ressingularizar para outra dimensão do viver. Repetir o irrepetível: podemos pensar que o trabalho de levantar documentos que contextualizem determinadas performances é fazer deles parte de seu acontecimento, parte daquilo que se vê como trabalho de arte. Pensar na gênese da performance é pensar na estrutura da operação que a permitiu. Os documentos passam a integrar a performance como índices dessa estrutura, e não necessariamente índices de realidade. Não restritos a uma ordem material das coisas que se apresentaram, mas a uma ordem simbólica de aparição do mundo presentificada por outro. A aparição da performance é dada pelas condições de presença de um outro. Ele é necessário para que ela exista. Mas a comunicabilidade acontece por uma 15 FREIRE, Cristina. Op. cit, p. 19.

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aparição da performance também em outros suportes16, pensados como estrutura de uma operação de descontinuidade. A relação da audiência com a documentação da performance se constitui pelos elementos que desencadearam a performance, eles podem estar presentes tanto na estrutura de um vídeo quanto na estrutura social, por exemplo. Ao falar da performance, falamos também da prática artística, assim não nos restringimos às especificidades de uma linguagem, mas continuamos a falar do artista como criador de acontecimentos, fio que está nos permitindo costurar os diversos enunciados, como proposto. Podemos, então, dizer que todo artista é um performer, suas elaborações são elaborações de descontinuidades nos discursos, o trabalho artístico fala por sua forma deslocada, assim como o mundo fala por sua presença/ aparição. O deslocamento necessário passa a existir não só na presença física do performer em outro corpo, social-político-artístico-material, mas com os indícios de sua autoria numa estrutura onde o deslocamento é provocado. A performance para vídeo ou foto se realiza na estrutura videográfica ou fotográfica, e é por essa estrutura que uma forma deslocada vem até nós e/ou aparece. Não é importante uma ontologia a ser pensada, mas seu funcionamento como forma possível. E ela é figura possível, corpo que não se pode ignorar por ser desvio nas trajetórias ordinárias. A performance é originariamente desvio da conduta ordinária. Descontinuidade/ acontecimento visível nos cotidianos, nos discursos. Quedas. Do que sou e não posso dizer que sou17. [PERFORMANCE COMO INSTRUMENTO SITUACIONAL NO DISCURSO] As potencialidades de criação situacionais através do que passamos a chamar de “corpo modulado”18 estão ligadas à maior contaminação 16 “[...] a relação crucial não é entre o documento e a performance mas entre o documento e a audiência”. AUSLANDER, Philip. The performativity of performance documentation. In: Performance Art Journal – PAJ 84, 2006, p.1-10. Traduzido do original por Talita Gabriela Robles Esquivel, Ana Matilde Pellarin de Hmeljvski, Miguel Etges Rodrigues, Mabel Fricke e Regina Melim em abril de 2008. 17 Título da obra de Luana Navarro exposta no MAC/PR, de 8/10/2010 a 13/3/2011 – Possíveis Conexões II. 18 Inicialmente, as reflexões se apegavam à ideia de um “corpo orientado”, de um corpo que fala do interior do discurso em que se encontra, provocando assim um sentido outro dentro de uma estrutura ordinária, um corpo que era cisão, orientado a provocar esta ruptura contextual, um corpo que aparece orientado ao deslocamento contextual. Entretanto, quando é considerado que um documento, ele mesmo, carrega o ordinário e a performance, então somos levados a pensar que há uma modulação desejada do discurso. Uma imagem que carrega o voo e a queda, a trajetória ordinária e a sua ruptura, irrupção do desvio nela mesma, carregando em si este corpo modulado, uma imagem-acontecimento

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estrutural do acontecimento das performances. Conjuntos de discurso que os artistas poderiam se permitir pelas consecutivas e diferentes estruturas de montagem na comunicação com a audiência, não restringindo os trabalhos pela dualidade da documentação e efemeridade do ato, mas fazendo do documento um espaço outro do discurso performático. Os conceitos de performance são operacionais. Assim, os esboços teóricos se voltam às operações por ela efetuadas, na tentativa de organizar os dados da experiência provocada. Claro é, então, que a performance se constitui como discurso, como linguagem, operando no nível da experiência. A modulação de descontinuidades numa situação é instrumento que permite que ela exista, instrumento visto a partir de sua operação, que a permite acontecer. Tais instrumentos são instrumentos que são dados pelos contextos de seu acontecimento, surgidos tanto do artista consigo mesmo quanto daquilo com o que o artista se depara, afinal a performance só pode ser vista se for interferência, ruído e risco; do contrário, nos parece impossível delinear qualquer operação de extensão ou escuta da performance no campo da arte. [PATER SEMPER INCERTUS EST19] arbitrariedades contemporâneas Desaparecimento do Belo universal. A antiga fronteira do Belo impunha os limites entre o aceitável e o desejável, configurando um ideal e criando uma necessidade. Transgredidos esses limites pela própria arte, sua função e modalidades também se transformaram, exigindo outros conceitos de leitura para si e para o mundo que se modificou com ela20. Na conversa com o grupo, Nohemí Ibañez Brown aborda a arte contemporânea por considerações que partem da psicanálise lacaniana. O objeto de arte não é um objeto especial entre outros objetos comuns, é vendável, perecível, etc. A diferença é quando ele passa a existir como um “objeto a”. A sua transfiguração opera numa lógica libidinal: “[...] é demonstrável que os objetos, ditos objetos de arte, em sua diversidade, são conectados a outros objetos a, tais como a voz, o excremento, o vestígio ou o resto”21. O trabalho do artista contemporâneo “[...] interpretando os objetos comuns os separa e os articula aos objetos a tais como o saber que nos faz pensar em performance. 19 ROSA, Marcia. O savoir-y-faire do artista ou o pai na era da fibra de vidro. Revista Latusa digital – ano 6 – nº 39 – dezembro de 2009. A pesquisadora se refere, com essa expressão, ao trabalho Dead Dad (Royal Academy of Arts, Londres, 2007), do artista Ron Mueck. 20 BROUSSE, Marie-Hélèle. O objeto de arte na época do fim do belo: do objeto ao abjeto. Revista Opção Lacaniana, nº 52, setembro 2008, p.173-4. 21 Ibidem, p.173.

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textual da psicanálise os circunscreve no discurso dos analisantes”22. Aproximado do psicanalista pelo trabalho relacionado ao objeto a, o artista encontra campo fértil pelo qual elaborar seu trabalho. Obviamente, a dificuldade está na elaboração que dá visibilidade ao objeto a, causa do desejo. Há, entretanto, um perigoso movimento que nos faz retornar ao início do parágrafo: a imagem de conceito passa a exigir forma à arte, começa a se interpor entre objetos comuns e objetos a, neles repousando e a si mesmo remetendo. Vemos uma obra pela idealidade do trabalho de arte ou, ainda, pela remissão de outra obra sobre a obra que vemos? [...] “o artista interpreta diretamente ao modo do objeto pulsional, que corre entre os objetos comuns e anima nosso mundo, nossos corpos, nossos hábitos, nossos estilos de vida e, portanto, nossos modos de gozo.”23 O imprevisível é o efeito da liberdade. Atualmente, é predominante nos trabalhos de arte a arbitrariedade em relação aos “[...] dispositivos tradicionalmente partilháveis das obras. [...] A arte passa a se opor a qualquer tentativa de transformá-la em conjunto consistente”24. Existe um jogo de atribuir ao artista o papel de distinguir o que é ou não obra. A ausência da moldura se transfigura em angústia, ou então, em distanciamento. [MEDIAÇÃO ENTRE SUJEITOS] sujeitos-fonte – sujeitos mediadores – sujeitos receptores Na linha de articulação dos enunciados que foram levados ao Núcleo de Estudos da Fotografia, encontramos diversos pontos em comum. Os mais evidentes são aqueles resgatados aqui das mais diversas maneiras, como imagem, projeto, forma deslocada, experiência, arquivo, documento, visibilidade e acontecimento. Todos eles, de alguma maneira, se constituem como elementos polifônicos no campo polissêmico da nossa proposta: multiplicidade de vozes ouvidas, cujos sentidos dados foram rearticulados numa outra apresentação. Essa seria uma função do mediador, sujeito produtor de mensagem, localizado entre os sujeitosfonte e os sujeitos receptores, que chegou até o grupo de Estudos por Anuschka Reichmann. Trabalhando conceitos desenvolvidos por Cremilda Medina25 e por Boris Kossoy26, ela nos afasta da ideia de um emissor capaz de produzir informação. Pois o emissor é um reprodutor de 22 Ibidem. 23 Ibidem, p. 174. 24 Ibidem, p. 175. 25 MEDINA, Cremilda. O signo da relação: comunicação e pedagogia dos afetos. São Paulo: Paulus, 2006. 26 KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3. Ed. Cotia–SP: Atelier Editorial, 1999. E __________. Fotografia e História. Cotia–SP: Atelier Editorial, 2001.

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informações que já existem, ele nada gera. As informações, quando partem de uma condição central e hegemônica, evitam outras vozes, e nada vem se somar à sua, destituindo, por exemplo, as pretensões da objetividade factual do jornalismo como agente social. O acontecimento é, sobretudo, transformador, funciona por contaminação, e não por comunicação do factual. Flexibilizando a importância das técnicas de transmissão, os espaços de mediação evidenciam seu acontecimento principalmente nos microuniversos do cotidiano. Os enunciados se propõem como acontecimento transformador quando podem ser contaminados pelo sujeito-fonte e pelo sujeito receptor. A experiência da mediação, ou melhor, o acontecimento transformador só se estabelece quando os sujeitos-fonte e os sujeitos receptores, como vozes múltiplas, ouvidas e percebidas, coexistam nos mediadores, criando espaços de ambiguidade e incerteza, transformadores pela abertura à contaminação. Adotar os termos sujeito-fonte, sujeito mediador e sujeito receptor proporciona um entendimento da atuação de várias vozes e de vários significados no processo comunicativo que se dá dentro de uma conduta ética e de uma prática relacional entre sujeitos; próprio da comunicação que, de fato, entra em contato com o outro. Somos todos tradutores. Ainda levando em consideração que o autor/narrador tem a possibilidade de escolher ou transitar entre a posição de sujeito-fonte, portador do conhecimento, e sujeito mediador. [INCONCLUSÃO FINAL] considerações A produção deste trabalho fica aqui definitivamente inconcluída, não procurando senão perceber a projeção das experiências decorridas dos encontros em nós a partir dessa produção. Sem ter uma estrutura linear, no sentido de abrir e responder particularmente questões colocadas pelas aparições da imagem, a produção é configurada por elementos de intervenção, articulações múltiplas de vozes, ainda abertas a novas reconfigurações.

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Sobre os colaboradores Andréa Tais Siewerdt possui graduação em Licenciatura Artes Visuais com ênfase em Computação Gráfica pela Universidade Tuiuti do Paraná (2006). Pós-graduação em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal do Paraná (2009). Atualmente é pesquisadora pela Universidade Federal do Paraná na área de Ciências Humanas; Filosofia, grupo Filosofia e Ciência Cognitiva POL. atuando na linha de pesquisa Ciência Cognitiva e Filosofia da Mente. Antonio Carlos Santos é professor de estética e teoria literária do PPG em Ciências da Linguagem da Unisul e tradutor. Tem mestrado e doutorado em Teoria Literária na UFSC, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria literária, literatura, poesia, sociologia e modernidade. Anuschka Reichmann Lemos é formada em Comunicação Social (UFPR), com aperfeiçoamento no International Center of Photography, mestre em Artes (New School University), mestre em Comunicação e Linguagens (UTP) e doutoranda em Ciências da Comunicação (ECA - USP). Professora de cursos de Fotografia, Comunicação Social e Design desde 1996, atualmente leciona disciplinas relacionadas a fotografia, comunicação e linguagens na UP. Foi coordenadora do curso de Especializão em Fotografia da Unicuritiba. Como fotógrafa, após ter atuado na área comercial, dedica-se a projetos autorais desde 2000, tendo participado de projetos junto ao Núcleo de Estudos da Fotografia, de Curitiba. Expôs seu material em diversos países da America Latina. Arthur do Carmo é artista e pesquisador. Participou de exposições em Pato Branco/PR, Cachoeira/BA, Itaituba/PA, São Paulo/SP, Mendoza/ ARG e Curitiba/PR. Dentre os projetos desenvolvidos estão Imaginários Compartilhados (Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2009, com Luana Navarro), Fordlândia (Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2010, com Lídia Sanae e Luana Navarro) e Arquivo [Operação-Impermanência] (2011 MAC/PR). Integrante do coletivo de artistas Mofo Zero. Acadêmico do curso de Jornalismo na UFPR. Vive e trabalha em Curitiba/PR. Carlos Kenji é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal

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do Paraná, trabalhou com publicidade e estuda filosofia. Expôs a série Extempos no SESC/Pr. Felipe Prando é artista visual, vive e trabalha em Curitiba. Doutorando em Artes Visuais (ECA/USP) e mestre em Artes Visuais pela UDESC. Entre 2005 e 2011atuou no Núcleo de Estudos da Fotografia, espaço dedicado a reflexão e produção sobre fotografia e imagem. Desenvolve o Projeto [Paisagem : Fronteira] desde 2008. www.felipeprando.com Inara Vidal Passos é artista visual, formada pela EMBAP, com pós graduação em história da arte pela mesma instituição. A partir de 2006 apresentou seus trabalhos em diversos espaços de arte no país e no exterior: Museu Alfredo Andersen, MAM de Resende, MAB de Blumenau, MAC Jataí, MAM de Fortaleza, Instituto Cervantes – São Paulo, Museo de Ceuta, Burj al Arab - III Dubai International Exhibition. Lidia Sanae Ueta é artista visual, vive e trabalha em Curitiba. Formada em Administração (UniFae), com Especialização em Fotografia (UniCuritiba) e em História da Arte Moderna e Contemporânea (Embap). Assídua frequentadora do NEF. Participou de exposições individuais e coletivas. Integrante do projeto Fordlândia (Funarte-2010), com Arthur do Carmo e Luana Navarro. Contemplada com a Bolsa Produção para Artes Visuais FCC 2010. Luana Navarro Possui graduação em Jornalismo pela PUC-PR (2009) e especialização em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Embap. Em 2010, recebeu o XI Prêmio Marc Ferrez Funarte de Fotografia - produção crítica e teórica, participou do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2009 e 2010 com os projetos Imaginários Compartilhados e Fordlândia. Atualmente participa da Bolsa Produção para Artes Visuais da Fundação Cultural de Curitiba desenvolvendo o projeto Espreme que sai sangue. Milla Jung é pesquisadora na área de imagem e realiza projetos em fotografia e Artes Visuais. Foi coordenadora do Núcleo de Estudos da Fotografia em Curitiba por oito anos, espaço dedicado a reflexão e produção sobre fotografia e imagem. Atualmente é docente no curso de Artes Visuais e no curso de Fotografia na UTP/PR. Tem mestrado em Artes Visuais pela UDESC na linha de pesquisa de Teoria e História das Artes, especialização

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em “Fotografia como Instrumento de Pesquisa em Ciências Sociais” pela UCAM, aperfeiçoamento pelo International Center of Photography em NY e pela Escola para Assuntos Fotográficos de Praga, na República Checa. Participa de exposições coletivas e individuais. Nohemí Ibáñez Brown é psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Doutora pela Universidad Autonoma de Madrid (Revalidação UFRJ) e Mestre pela Universidad Complutense de Madrid (Revalidação UFRJ) no programa de psicanálise. Professora da Especialização “Psicopatologia, Saúde Mental e Psicanálise” da PUCPR, colaborador do Projeto de extensão Laboratório de Psicanálise da UFPR. Patrícia Lion é formada em Arquitetura (PUCPR 2006) e atualmente no curso de especialização em História da Arte Moderna e Contemporânea (Embap 2011), aprofundou seus estudos em fotografia e artes visuais no Núcleo de Estudos da Fotografia em Curitiba (2007 - 2010). Seus trabalhos e pesquisas voltam-se para a arte contemporânea e as relações da imagem no cotidiano. Na problemática da fotografia como unidade de medida da memória, desenvolveu trabalhos como ‘Fotografia e Memória 01. Memória Construída’ (2008-2010), ‘Fotografia e Memória 02. O Autor’ (2009), entre outros.Recentemente o trabalho ‘Imagem e Memória 01’ (2010), como parte da montagem ‘Arquivo/Operação Impermanência’ com Arthur do Carmo e Luana Navarro, foi selecionado pelo edital de Ocupação de Espaços do MAC-PR. Hoje, sua linha de pesquisa volta-se para a imagem nas redes sociais. Regina Melim vive e trabalha em Florianópolis, SC, é docente no Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina. Coordena nesta mesma Universidade o Grupo de Pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos. Em 2006 cria a plataforma independente par(ent)esis para produzir e editar projetos artísticos e curatoriais cujo formato são de publicações, tais como: Pf (2006), Amor (2007), Coleção (2008), Conversas (2009 -); ARTE E MUNDO APÓS A CRISE DAS UTOPIAS: assim mesmo, em CAIXA ALTA e sem notas de rodapé – Fabio Morais e Daniela Castro(2010) e Projeto A2 – Diego Rayck (2010) e A2 – Felipe Prando (2011). Autora do Livro Performance nas artes visuais, Jorge Zahar Ed., 2008.

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Rosangela Miranda Cherem é doutora em História pela USP (1998) e Doutora em Literatura pela UFSC (2006); Profa. Adjunta de História e Teoria da Arte no Curso Artes Plásticas e Mestrado em Artes Visuais no CEART- UDESC; coordenadora do Grupo de Estudos de Percepções e Sensibilidades e do Grupo Imagem-acontecimento; orienta, possui pesquisas e publicações sobre História das Sensibilidades e Percepções Modernas e Contemporâneas; atualmente desenvolve pesquisa intitulada Imagem-acontecimento: uma história das persistências e consistências da arte moderna na atualidade. Talita Esquivel é graduada em Educação Artística, Artes Plásticas, pela UFPR, possui especialização em História e Teorias da arte pela UEL e mestrado em Artes Visuais pelo Centro de Artes da UDESC, no qual leciona atualmente como professora colaboradora do curso de Artes Visuais, na área de pintura. Atua como artista plástica com foco em pintura, fotografia e vídeo com a temática no corpo humano. Recentemente realizou residência artística no Centro de Artes CAMAC, França. Participou de diversas exposições, dentre as quais estão Mostra Álbum, Florianópolis/SC, 2010; Desenho de Monstro, Florianópolis, 2010; Corpo Grotesco. 2009; Pretexto Florianópolis, 2009; 12º Salão Nacional de Artes de Itajaí, 2010; CAMAC Open Studio, Marnay-sur-Seine, França, 2009; Suitcase, East Lansing, EUA, 2008 e Chicago, EUA, 2009. Tatiana de Alves e Souza é psicóloga e licenciada em letras português, coordena o espaço de cultura ACASA, desde a formação em 2008, com exposições - oito coletivas e três individuais -, oficinas, recitais, apoio a feiras e exposições de arte e participação em produtos e publicações, como à revista DESTroi Mag. 10#11, dedicada ao graffiti-explícito, e ao LAB#2, laboratório de produção em crítica de arte; entre outros eventos de Curitiba. Integra o coletivo ACASA, dedicado às artes visuais, graffiti e literatura, e o Caderno de Poéticas, que realiza publicações artísticas independentes. Tatiana Sulzbacher possui mestrado em Artes Visuais pela Universidade de Santa Catarina- UDESC, graduação em Licenciatura em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado- FAAP (2000). Trabalhou como educadora no Museu de Arte Moderna de São Paulo-MAM/SP, entre

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outras instituições de arte. Atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, anos 60/70 e práticas curatoriais.

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Produção Editorial Milla Jung Revisão Renato Tapado Projeto Gráfico Felipe Prando

O conteúdo deste livro é referente ao Projeto IMAGEMPENSAMENTO realizado no segundo semestre de 2010 no Núcleo de Estudos da Fotografia, Curitiba/Pr, com curadoria da artista Milla Jung.,

Este livro foi impresso em fevereiro de 2012. As fontes utilizadas são Gills Sans MT, e Chaparral Pro.

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