Arte e loucura. Vida silenciosa e marginal: Luiz Guides

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MARA E. WEINREB

Porto Alegre 2012


Revisão: Luana Aquino Produção Gráfica: Natália Gomes Fotos: Mara E. Weinreb Impressão: Gráfica Pallotti

W424a

Weinreb, Mara E.

Arte e loucura : vida silenciosa e marginal : Luíz Guides / Mara E. Weinreb.

--- Porto Alegre : Panorama Crítico, 2012. 180 p.

ISBN 978-85-63870-04-9

1. Psicologia 2. Arte. 3. Psicologia da Arte. 4. Arte e Loucura. I. Título. CDU 159.9:7 Catalogação na fonte – Mara Rejane Belmonte Machado CRB 10/1885

Proibida a reprodução parcial ou integral da obra. © 2012 Mara E. Weinreb copyright da edição © 2012 Editora Panorama Crítico. Todos os direitos reservados.

Financiamento:


Será que irradia calor? Frio? Para além da incandescência, nada disso importa.... O homem da minha obra não é espécie, mas ponto cósmico. Meu olho terreno enxerga longe demais e quase sempre vê através das coisas... Paul Klee



Para DĂŞnis e Juliana, com meu carinho!



AGRADECIMENTOS Uma pesquisa não acontece sem apoio, e colaboração, portanto, gostaria de iniciar meus agradecimentos ao professor José Augusto Avancini, por sua constante atenção, orientação e estímulo. Da mesma forma às professoras: Tânia Galli, Blanca Brites e Romanita Disconzi, do Instituo de Artes da UFRGS, por suas participações e sugestões de leituras enriquecedoras, e à professora Maria Amélia Bulhões também por preciosas indicações bibliográficas. Ao Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre, pelo consentimento da realização da presente pesquisa e pela liberação de imagens. Em especial aqueles que se dedicaram e se dedicam à Oficina de Criatividade, deste hospital, nas pessoas de Bárbara Elizabeth Neubarth (psicóloga e coordenadora do Acervo artístico), Gisele Sanches (psicóloga e coordenadora da Oficina), Tânia Capra, e Neusa Borges (funcionárias da Oficina). Também ao Museu de Imagens do Inconsciente, do Instituto Nise da Silveira, da cidade do Rio de Janeiro, na pessoa de Gladys Maria Schincariol, pelo apoio e disponibilização das imagens do museu. À Lurdi Blauth,e Alexandra Eckert, da Universidade Feevale, por acreditarem em nossa proposta. Não poderíamos deixar de prestar nossos agradecimentos ao Fumproarte, da Secretaria de Estado da Cultura da cidade de Porto Alegre, por ser nosso principal patrocinador e financiador. Agradeço a EditoraPanorama Crítico pelo trabalho de correção, e incansável organização de layout do livro. Também a Rita Patussi pelo incentivo e presteza na elaboração do projeto encaminhado ao Fumproarte. Ao próprio Luiz Guides, in memorium, incansável na Oficina de Criatividade ao longo de 18 anos, nos brindando com uma produção artística, que possibilitou a realização deste trabalho.



SUMÁRIO APRESENTAÇÃO | 11 INTRODUÇÃO | 15 ARTE E LOUCURA – O CONTEXTO BRASILEIRO | 19 ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO E A RECRIAÇÃO DO MUNDO | 41 A HORA DA VISIBILIDADE | 48 POR UMA CULTURA DA DIFERENÇA | 57 TRAJETÓRIAS DA DESRAZÃO | 70 A DESRAZÃO ENQUANTO DIFERENÇA | 78 ESTRANHAS ARTES E ESTRANHOS ATORES | 87 LUIZ GUIDES - ARTE EM ESTADO BRUTO | 91 ESCRITURAS INVENTADAS | 99 O GESTO QUE RESTA | 112 INTERVALOS, LUZ, LUCIDEZ E COR | 132 APROXIMANDO OS ARTISTAS E AS OBRAS | 149 CONCLUSÕES | 167 REFERÊNCIAS | 171



APRESENTAção Ao receber o convite para apresentar este livro, senti-me honrada e agradecida. Isso porque, em “Arte e Loucura: vida silenciosa e marginal – Luiz Guides”, Mara Evanisa Weinreb visibiliza, em um recorte de tempo, o trabalho a que tenho me dedicado nesses últimos 20 anos – a interface entre Arte e Loucura. E o faz, desde dentro, pois, durante dois anos, Mara participou de atividades do cotidiano na Oficina de Criatividade. Espaço inaugurado no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), de Porto Alegre, em 1990, tendo por norte a proposta de Nise da Silveira , cujo trabalho técnico e político, na prática e na teoria, ao utilizar a arte como “atrator” , nos parecia remédio possível para arrancar do estado de letargia, aparente ignorância e imenso vazio de sensações e significado uma massa de corpos informes que vagavam no velho hospício. Desde seu início, a Oficina localizada numa sala rosa, iluminada e que permitia um olhar furtivo entre os vidros de janelas basculantes se impôs como um lugar acolhedor, onde se aplicam doses maciças de atenção, respeito e afeto, tudo mediado por argila, lápis de cor, papéis, pincéis, tintas, agu¬lhas, linhas e panos. Dessa maneira, a Oficina representou um contraponto na vida daqueles moradores, alguns com mais de 50 anos de internação e alojados em unidades escuras, lúgubres, com janelas no alto das paredes, de onde só enxergavam uma nesga de céu. Ao vermos as pessoas desenhando, pintando e bordando, concluíamos que a expressão por meio da arte possibilitava rupturas e se inseria como dispo-


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sitivo de saúde mental e reabilitação psicossocial. Em setembro de 1998, um evento marcaria, definitivamente, a inserção do espaço Oficina de Criatividade, no circuito das artes em Porto Alegre. A exposição “Quatro X Quatro” representou um importante enlace entre o dentro e o fora. Momento em que quatro professores do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS) mostraram seus trabalhos no Hospital São Pedro. E Cenilda Ribeiro, Luiz Guides e Natália Leite, da Oficina de Criatividade, junto com Antonio Roseno, de Campinas/SP, foram convidados a expor na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, do referido Instituto. O trabalho produzido na Oficina ganhou reconhecimento. A participação da UFRGS se intensificou com as professoras Tania Galli Fonseca (Instituto de Psicologia) e Blanca Brittes (Instituto de Artes) que, desde 2001, coordenam pesquisas tendo a Oficina e seu acervo como matéria de estudos. Mara Weinreb aproximou-se do trabalho da Oficina a partir de suas inquietações sobre o tema da Arte e Loucura e dedicou-se, em especial, a pesquisar a trajetória de Luiz Silveira Guides. Ele que baixou no hospital em 1950 e, até seu ingresso na Oficina, em 1990, não havia saído da instituição nem uma única vez. Talvez, por isso, que, para nós, na Oficina, seus desenhos lembrem relógios sem ponteiros e que não marcam horas. Tal como acontece no hospício, em que foi jogado e onde o “tempo se congela”. Congela, pois que é o tempo da mesmice, embora não seja o tempo do agora, dos relógios digitais. Nos hospícios, o tempo é tal como se fosse de um relógio, cujos ponteiros houvessem sido bruscamente arrancados, interrompendo o tempo, ao paralisar seu movimento. No livro de Mara Weinreb, contudo, a obra de Luiz Guides está posta entre aqueles que se destacaram na questão da Arte e Loucura, no Brasil, como Osório César e Nise da Silveira, referências na pesquisa desse tema, em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente. Além de Artur Bispo do Rosário, que em 1985


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representou o Brasil na Bienal de Veneza, como destaque em arte contemporânea. Embora a questão da doença mental, o enclausuramento e suas consequências sejam marcas que não se apagam, Mara desvela a obra de Luiz Guides a partir de um olhar despatologizante, buscando parâmetros na arte, como a luz e sua intrínseca relação com a cor, a diferença e a repetição, elementos presentes no estilo de vários artistas na atualidade. Essa estratégia possibilita que a obra de Guides, em que a força do enclausuramento foi vencida pelo gesto criador, adquira um novo estatuto e se inscreva no contexto artístico e cultural, com seu gesto de rara beleza que insiste e resiste. Como afirma Mara, “o gesto que lhe resta é de sua propriedade, ninguém pode interferir, menos ainda retirar-lhe”. Assim, esse estudo e suas reflexões artísticas, psicológicas, sociais e filosóficas constituem-se, solidamente, em um saber multifocado e multicultural. Adentrar um hospício não é tarefa fácil. Buscar o que resta de vida no meio de espaços cinzentos é algo que exige muita sensibilidade. A sensibilidade que vai para além do conhecimento que se encontra em tratados ou, inclusive, em alguns livros das políticas mais cidadãs. Numa busca como essa é preciso deter-se em acontecimentos banais, pequenos gestos, suspiros, quase inaudíveis ou é preciso suportar longos silêncios, às vezes, apenas cortados pelo peso da respiração. Com delicada sutileza e o cuidado devido ao que é muito frágil, acontece o encontro de olhares, do que pulsa entre um e outro dos sujeitos envolvidos, em encontros, em muitos casos, atravessados, mas nem por isso menos densos. Em Mara Weinreb tais encontros sensíveis são quase como se fossem um dom. Escreve ela: “não foram poucas as vezes em que entregamos a ele folhas de papel e sentamos ao seu lado para acompanhar seu trabalho”, referindo-se ao período em que esteve no São Pedro, fazendo-se presente no momento mesmo do acontecimento. Nesses momentos, chamava-nos atenção o cuidado acu-


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rado com que Mara se detinha junto ao Sr. Luiz, acompanhando seu trabalho, conhecendo seus espaços de circulação, entre a Oficina e sua moradia. E, também, a forma respeitosa com que Mara se aproximou dos funcionários, independente da posição que estes ocupavam na instituição. Diante de cada um, ela se colocava com a humilde atenção de quem se quer aprendiz de sagrados segredos, reconhecendo o esforço de uns e outros na delicada alquimia que se processa entre tintas e gestos. Essa postura de pesquisadora, ao iluminar a arte de sujeitos escondidos nas clausuras, resultou num trabalho corajoso e potente. Ao discutir a obra de vidas marginais, Mara se arriscou e conseguiu sustentar que há algo para mostrar, discutir, apreciar e fruir. Algo que se dá, segundo a autora, quando o “gesto artístico performático busca relações com o desejo e não com o real, com o desejo que reside no processo poético, o que não pertence a dimensão do visível. Completa-se a relação arte e vida, o desejo se transforma em movimento, revela novas realidades, em tempo real”. Porto Alegre, primavera de 2011. Barbara E. Neubarth/ Oficina de Criatividade/ HPSP


introdução O tema conhecido como “Arte e Loucura” tem sido sempre uma motivação importante para nossas atividades profissionais. Desde o ano de 1999, fazíamos com frequência visitas à Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, de Porto Alegre, onde as pinturas de seu mais antigo frequentador, Luiz Guides, se destacavam. Em 2005, iniciando o curso de doutorado, retornamos à Oficina de Criatividade, quando nos debruçamos com mais atenção sobre a produção artística de Luiz Guides. Durante nossa pesquisa decidimos estabelecer como parâmetro a trajetória de Arthur Bispo do Rosário. Bispo foi um exemplo de migração e deslocamento de um lugar marginal para um lugar no mundo das artes. Sua produção artística ganhou reconhecimento imediato, e influenciou em muito o olhar sobre a loucura e a sua relação com a arte. Nossa proposta volta-se, então, para a discussão da obra de Luiz Guides, oriunda também de um lugar marginal conhecido como Arte e Loucura, marginal quanto à visibilidade e ao reconhecimento. Procuramos desenvolver abordagens múltiplas e uma intertextualidade de conceitos e leituras, com o objetivo de estabelecer um olhar despatologizante, que permita ver essa obra em si mesma, partindo de um saber local. Iniciaremos por contextualizar a história da Arte e Loucura ocorrida no Brasil, com as atividades de Osório César e a criação de oficinas de arte no Hospital do Juqueri, em São Paulo, desde 1929. Atividades que só na década


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de 50, do século XX, mesmo sem apoio institucional, foram oficializadas com o nome de: Escola Livre de Artes Plásticas (ELAP), tendo artistas e arte-educadores como instrutores. No Rio de Janeiro, no Engenho de Dentro, em 1946, Nise da Silveira inaugurava a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR). Ambos os médicos partilhavam ideias que não se inseriam no sistema psiquiátrico vigente, oferecendo ao doente mental uma opção ou oportunidade de expressão através de imagens, quando a palavra não era mais possível. Muitos eventos aconteceram como a participação dos artistas do Juqueri, como na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, entre outros. Mas um silêncio nos debates ocorre durante a época da ditadura militar, que retorna após a descoberta de Arthur Bispo do Rosário, em 1980, após 50 anos de internação na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Ainda no primeiro capítulo, apresentaremos considerações sobre Bispo do Rosário e Luiz Guides, como artistas da Arte e Loucura em suas trajetórias brasileiras e internacionais. A obra de Bispo estimulou o retorno dos debates relativos às questões que envolvem a Arte e a Loucura. Inicialmente marginal, sua produção artística migrou rapidamente para o sistema das artes, muito devido ao trabalho de críticos de arte, participando da 46ª Bienal de Veneza, em 1995, exemplo de uma arte marginal, manicomial, consagrada e reconhecida. A produção artística de Luiz Guides também se encontrava em uma das mais extremas condições de marginalização, a condição da loucura. Fez-se necessário ir ao encontro dos artistas e das suas obras, em sua trajetória local, alheia aos processos artísticos formais e acadêmicos. As ideias sobre a loucura e a desrazão são revisitadas por Michel Foucault e Paul Pel Pélbart. Contribuições, para nossos artistas em sua diferença, e interações com a cultura dominante, encontramos junto aos sociólogos Mike Featherstone, Norbert Elias e Zigmunt Bauman, e o historiador John Luckas, para discus¬sões sobre o contexto sociocultural.


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O terceiro capítulo será dedicado especialmente à trajetória artística de Luiz Guides, desde sua internação no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em que buscamos informações que nos elucidaram sobre sua vida asilar e seu início na Oficina de Criatividade em 1990. Luiz Guides possuía uma produção artística de aproximadamente 3600 obras até janeiro de 2009. Trabalhamos em seu acervo, procurando dar atenção aos aspectos e elementos de sua arte que revelavam um processo muito singular de qualidade artística, como a escritura, o gestual e o tratamento dispensado às cores. Sua trajetória não estaria completa sem os depoimentos dos profissionais e colaboradores da Oficina e os registros encontrados no Acervo da mesma. Luiz Guides faleceu no dia 10 de setembro de 2010, aos 88 anos de idade. Os conceitos estabelecidos em relação à loucura, aos artistas e suas obras aproximam-se, no quarto capítulo, dos conceitos desenvolvidos por Gilles Deleuze sobre diferença e repetição, resignificando o artista esquizofrênico, para além das concepções patológicas. Nessa linha de pensamento também incluiremos o conceito de Benilton Bezerra relativo à importância da comunicação não verbal, forte característica de nossos artistas. Por fim apresentaremos nossas conclusões sobre a arte marginal oriunda dos hospícios, e desarrazoada enquanto expressão de uma diferença cultural e social.



arte e loucura – o contexto brasileiro É um erro classificar a obra de arte criada pelo doente mental, de arte degenerada ou patológica. Na expressão artística do doente, descortinamos um mundo calmo, ingênuo, rico de colorido, do qual a doença não participa como degenerescência. É, pois, uma clamorosa injustiça classificá-la como tal. O panorama artístico do doente mental tem a mesma amplidão, a mesma beleza, daquele do homem chamado normal (Osório César).

As questões que envolveram o tema Arte e Loucura no Brasil caracterizaram-se por iniciativas arrojadas de intelectuais, contrárias às ideias vigentes no âmbito da cultura, e inseriam-se em um contexto político-social tenso e conflitivo. Suas ações denunciavam outra história, uma história não oficial e pouco divulgada tanto nas artes como na saúde. Para melhor elucidar essas questões, justificando e, ao mesmo tempo, contextualizando nossa atual pesquisa, buscamos os eventos mais significativos que contemplaram as obras, os artistas e as personalidades que colaboraram para que esse tema alcançasse um lugar de discussões. Inspirados pela Semana de Arte Moderna de 1922, escritores, artistas e educadores trouxeram à luz os primeiros estudos da arte dos loucos no Brasil, portanto, denominamos esse momento como o primeiro período da história da Arte e Loucura (1922-1949). Nas décadas de 20 e 30, o país fervilhava com ideias e aspirações que mudariam significativamente o perfil das artes e da literatura brasileira. Segundo Maria Heloisa Ferraz1, as con1

FERRAZ, Maria Heloisa de Toledo. Arte e Loucura. São Paulo: Lemos, 1998.


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íba era músico violinista e isso garantiria sua sobrevivência e facilitaria sua circulação na sociedade paulista. Suas observações das pinturas e desenhos dos doentes mentais fizeram com que se dedicasse a analisá-las em seu conteúdo formal, começando a escrever artigos para jornais e revistas e a promover debates e palestras sobre sua qualidade artística. Em 1925, publica a “A Arte Primitiva nos Alienados”. Nesse artigo, afirmava que: (...) a arte dos loucos possui uma estética própria, que inclui deformações e distorções figurativas, com caráter simbólico, e pode ser comparada com a “estética futurista”2.

As relações da arte com a psiquiatria, para Ferraz (1998), acontecem aproximadamente desde o século XIX, quando aparecem as primeiras referências sobre o tema. Com inspiração do romantismo, foram introduzidas nos hospitais psiquiátricos algumas novidades de natureza artística ou artesanal. Em 1906, o livro de Fritz Mohr, “A propósito dos desenhos de doentes mentais e da possibilidade de sua utilização para fins de diagnóstico”, provoca um novo olhar sobre a produção artística dos loucos como uma expressão pessoal fundada na experiência estética. Continuando essa tendência, Prinzhorn, em 1922, publica “Expressões da Loucura” e Vinchon, em 1925, “L’Art et Folie”, em que discutem também os estados mórbidos e distúrbios mentais da vida de artistas consagrados. Embora a cultura ocidental não se reconheça mais como exótica ou primitiva, o ser arcaico que habita em nós foi estudado pela psicanálise por Sigmund Freud, com discussões sobre os temas da libido e do desejo. Após a descoberta do inconsciente, revelava-se o quanto a natureza do sujeito estava encoberta pelo processo civilizador, a imagem exerce atração, fascina, remete aos mitos agora internalizados. Segundo o historiador Guilio Argan3, os filósofos renascentistas viam o artista como “melancólico”, 2 3

Op. cit., p. 45.   ARGAN, C. Giulio. O Guia da História da Arte. Lisboa: Estampa,1992.


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com um temperamento contemplativo e solitário, lunático e criativo, indo da melancolia ao gênio e à loucura em um curto passo. Desde 1925, Osório César já se referia aos internos, como os artistas do Juqueri. Em suas publicações e artigos, descrevia as manifestações expressivas dos doentes mentais, os desenhos nos muros, no pátio, entre os pavilhões, feitos a carvão ou com instrumentos pontiagudos, como também o trabalho artesanal de bonecas e bordados realizados pelas mulheres internas. Ao mesmo tempo em que o conceito de esquizofrenia ganhava espaço, surgiam no campo das artes as vanguardas artísticas. Estes movimentos encontraram seu auge nas primeiras décadas do século XX, como o expressionismo, o surrealismo, o cubismo e o dadaísmo, que acreditavam na liberdade estética da criação artística. Especialmente o surrealismo, com suas concepções como a valorização das experiências oníricas e o automatismo psíquico, o que remetia ao processo esquizofrênico. O cubismo, com suas sobreposições, desmembramento do corpo e as metamorfoses desenhadas por Picasso, onde touros mesclam-se com formas humanas, e o expressionismo, valorizando a espontaneidade e a liberdade de criação, torna o meio cultural receptivo às produções expressivas dos loucos, das crianças e dos artistas marginais. As vanguardas artísticas encontraram seu auge nas primeiras décadas do século XX, como o expressionismo, o surrealismo, o cubismo e o dadaísmo, que acreditavam na liberdade estética da criação artística. Especialmente o surrealismo, com suas concepções como a valorização das experiências oníricas e o automatismo psíquico, o que remetia ao processo esquizofrênico. Para Ferraz, o cubismo, com suas sobreposições, desmembramento do corpo e as metamorfoses desenhadas por Picasso, onde touros mesclam-se com formas humanas, e o expressionismo, valorizando a espontaneidade e a liberdade de criação, torna o meio cultural receptivo às produções expressivas dos loucos, das crianças e dos artistas marginais. Já por volta de 1905, os fauves france-


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ses e os expressionistas alemães descobriram a arte africana e a oceânica. Era uma espécie de revolta à cultura europeia, essa confrontação com a arte chamada primitiva agiu como um estimulante, dando força às manifestações artísticas e intelectuais. Pablo Picasso, expoente do movimento modernista europeu, com a pintura “Les Demoiselles d’Avignon”, voltou-se para as formas hispânicas pré-históricas e para as formas africanas, uma criação do inconsciente e, ao mesmo tempo, mitológica. Durante os primeiros anos do século XX, no meio intelectual e artístico, surgiu um interesse pela descoberta da produção plástica dos doentes mentais, o que, para Ferraz (1998), era devido à semelhança desta com as tendências da arte moderna, que rompiam com a tradição artística. Essas tendências apresentavam-se como distorcidas, fragmentadas e desestruturadas com a presença do insólito, do primitivo e do abstrato. O expressionismo, dentre as variadas vertentes do modernismo, foi o que mais chamou a atenção da área científica e artística, tanto pelas manifestações de aspectos arcaicos, quanto pelas vivências sensoriais dando vazão a uma subjetividade. Também correntes filosóficas como o existencialismo aliadas à psicanálise, lembra Ferraz, influenciaram muitos artistas, resultando em expressões emocionais de suas pinturas. Como exemplo, temos: Vincent Van Gogh, Wassily Kandissky, Pablo Picasso e Edward Munch, entre outros. A descoberta da arte dos psicóticos, nos hospitais psiquiátricos da Alemanha, interessou artistas como Paul Klee, Max Ernest e Hermann Hesse, que vão a Heidelberg para conhecer a coleção de Prinzhorn: “A Arte dos Insanos”. No Brasil, os modernistas brasileiros, Mário de Andrade e Anita Malfatti, desenvolveram as ideias da livre-expressão no campo da educação artística. Estendiam suas ideias em artigos e jornais da época. Ambos influenciados pelas teorias expressionistas e pela psicanálise proporcionam uma nova visão da arte das crianças.


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O expressionismo, dentre as variadas vertentes do modernismo, foi o que mais chamou a atenção da área científica e artística, tanto pelas manifestações de aspectos arcaicos, quanto pelas vivências sensoriais dando vazão a uma subjetividade. Também correntes filosóficas como o existencialismo aliadas à psicanálise influenciaram muitos artistas, resultando em expressões emocionais de suas pinturas. Como exemplo, temos: Vincent Van Gogh, Wassily Kandissky, Pablo Picasso e Edward Munch, entre outros. A descoberta da arte dos psicóticos, nos hospitais psiquiátricos da Alemanha, interessou artistas como Paul Klee, Max Ernest e Hermann Hesse, que vão a Heidelberg para conhecer a coleção de Prinzhorn: “A Arte dos Insanos.” No Brasil, os modernistas brasileiros, Mário de Andrade e Anita Malfatti, desenvolveram as ideias da livre-expressão no campo da educação artística. Estendiam suas ideias em artigos e jornais da época. Ambos influenciados pelas teorias expressionistas e pela psicanálise proporcionam uma nova visão da arte das crianças. Maria Heloisa Ferraz refere-se à Tarsila do Amaral, Ismael Nery e Flávio de Carvalho como artistas que sintetizam uma estética psicológica. Obras de Tarsila, como o Abaporu, Antropofagia e Sol Poente, são vistas como projeções do inconsciente, com formas sensuais e oníricas. Ferraz lembra que, em 1933, o movimento modernista vai perdendo seu fôlego, mesmo assim surge o Clube de Artistas Modernos (CAM), que organizava eventos na área das artes e da cultura, entre seus membros está Osório César. Nesse mesmo ano, ocorre a Semana dos Loucos e das Crianças, com exposições e palestras. Frente às críticas da época, Carvalho combatia argumentando sobre a importância dos desenhos infantis e sua liberdade de expressão, contra o ensino formal e acadêmico das artes nas escolas. Assim, o modernismo com sua revelação do primitivo e do inconsciente, descoberto por Sigmund Freud, em 1900, abre caminho para pesquisas e eventos no Brasil, conhecido como Arte e Loucura.


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Figura 1. Portão de entrada do Museu de Imagens do Inconsciente, com Engrenagens (terracota e guache), de Fernando Diniz. Instituto Nise da Silveira, Engenho de Dentro. Rio de Janeiro. Dezembro de 2008. Arquivo pessoal.

Figura 2. Galeria do Museu de Imagens do Inconsciente. Instituto Nise da Silveira, Engenho de Dentro. Rio de Janeiro. Dezembro de 2008. Arquivo pessoal.


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foi e é um benefício paradoxal. Os asilos psiquiátricos terminaram, sendo a porta de entrada ou de saída para que produções em arte ganhassem visibilidade. Desde os ateliês que Nise da Silveira criou, por lá passaram críticos e artistas, locais que passaram a ser objeto de pesquisa em vários campos de conhecimento. Desse modo, suas produções começaram a criar contato com o público, uma visibilidade no mínimo provocante e polêmica. Das instituições que enclausuraram a loucura, no século XVII, até seu desmanche a partir da década de 80 do século XX, constituíram-se como um outro lugar, em que passam a acolher o abandono, o que era desde o início também seu propósito. Hoje, apresenta um caráter mais emergencial do que excludente, muito devido à questão social gerada pelo movimento antimanicomial.

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO E A RECRIAÇÃO DO MUNDO Arthur Bispo do Rosário nunca buscou fazer arte, seu trabalho era revestido de uma missão divina, dito por ele mesmo. Zelava por sua produção com extremo cuidado, e somente ele a manuseava. Bispo nasceu em Japaratuba, Sergipe, no ano de 1911. Fez de sua vida um retiro de fé e devoção, apegado aos costumes de sua cidade natal, de uma tradição católica intensa. Segundo Luciana Hidalgo, orações e oferendas à Virgem Maria eram realizadas no mês de maio, era um período cheio de procissões e rezas, e Bispo se dizia filho até seus últimos momentos. Segundo a autora, cresceu junto a beatas, rituais, mandamentos, culpas e pecados. Durante a Festa de Reis, o Reisado, narra a luta entre cristãos e mouros, pelo povo, com o rei mouro vestindo um manto vermelho bordado e cravejado, com coroa e espada. Possivelmente o menino ficara impressionado com as festividades, registrando-as em suas lembranças. Mais tarde,


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Outra exposição nesse ano aconteceu em novembro na Pinacoteca Enio Pinalli, em Montenegro, intitulada “Relógios sem Ponteiros”. Questões sobre as interfaces nas artes com outros campos do saber nos remetem ao espaço social e antropológico que em suas questões discutem as mais diversas práticas simbólicas ou artísticas, voltadas para uma inclusão cultural. Essas questões foram destaque no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no colóquio Ambiente e Patrimônio da Loucura, em 2003. Ainda no mesmo ano, Luiz Guides teve seu trabalho como capa do livro “Cartografias e Devires: a Construção do Presente” e, em 2004, capa do livro “Corpo, Arte e Clínica”, ambos organizados pela professora Tania Mara Galli Fonseca. A Oficina de Criatividade do Hospital promove todo ano exposições, nas quais os trabalhos de Luiz têm lugar certo e cativo. Desde 2006, com a coordenação conjunta das professoras Blanca Brites e Tânia Galli, mais a psicóloga Bárbara Neubarth, está sendo realizada a catalogação27 das produções de quatro artistas da Oficina, entre eles Luiz Guides. Algumas participações de nosso artista no cenário artístico o revelam como voz emergente de uma periferia cultural e, no ano de 2008, Luiz Guides é novamente capa de livro: “A Vida em Cena”, organizado também pela professora Tânia Galli.

Esse movimento de catalogação resultou, entre outubro e novembro de 2008, em dois eventos na área das artes e da cultura: a exposição “Criação e resistência”, promovida pela Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa apresentando a Oficina de Criatividade do Hospital São Pedro, que se desdobrou no evento “Criação e resistência, vidas e obras”, na Galeria La Photo. E, no mesmo local, em dezembro de 2008, ainda ocorreu um leilão de arte, relativo às obras da artista Liana Timm, em favor da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre.

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POR UMA CULTURA DA DIFERENÇA As relações entre Arte e Loucura sempre despertaram muita curiosidade e inquietação por sua intrínseca relação polêmica em desafiar conceitos, através de um discurso que não se completa em separado e ousa com uma estética muito particular. Suas produções artísticas são submetidas facilmente ao descarte pelo sistema, onde o lucro se opõe ao valor. Em contrapartida, o reciclar se impõe hoje como uma necessidade urgente, ao superar as críticas da década de 80, como excentricidade. Reciclamos hoje conceitos e atitudes ao nos depararmos com o acervo de Luiz Guides. Iniciativas voluntárias de pesquisadores se ocupam da sua conservação e divulgação. Esse cuidado situa-se na contramão do sistema, e qual o valor de tal atitude quando o objetivo é Arte e Loucura? Seu valor na cultura da diferença trilha uma trajetória ante as impossibilidades e possibilidades da doença mental. Questões estas bastante discutidas, no século passado, desde o movimento modernista, buscam agora incorporar um olhar à cultura atual e lidar com estranhas artes e seus estranhos atores. Sabemos que a marginalidade artística a que nos referimos não se caracteriza apenas em função de mercado, outras variáveis interferem para que isso aconteça. Temos as crenças e os discursos igualitários que privilegiam as elites artísticas no contexto social atual. Até aí nada de novo, mas é a respeito dessas posições que interessa discutir a situação de nossos atores, suas vidas e suas produções artísticas, buscando o diálogo entre


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rísticas, comparando-as aos líquidos, estes sofrem constante mudança de forma, principalmente quando submetidos a uma tensão. Essa é a característica de fluxo, diferentemente dos sólidos, que submetidos a forças deformantes não podem mais voltar à sua forma original, pois as ligas que os mantêm coerentes dão-lhes resistência e estabilidade. A fluidez não mantém sua forma com facilidade, não se fixa no espaço nem no tempo, o que nos reporta à origem do conceito de loucura, criado em uma sociedade estável e fixa, e mantendo-se firme até seu estremecimento devido ao movimento antimanicomial. Ao absorver os impactos sociais atuais, as questões que envolvem a loucura tornaram-se mais fluídas, escorrem, vazam, respingam, inundam, transbordam e invadem outros lugares, até então fixos e isolados por fronteiras culturais, médicas e sociais. Essa invasão agora busca diálogos, característica da atual modernidade. A loucura passa por revisões, e a desrazão se mostra como uma possibilidade para além dos padrões e dos rótulos. A desrazão seria a fluidez da loucura, um olhar despatologizante desse estado, a diferença em uma sociedade homogeneizante. O sistema social e cultural vive da interatividade e interdependência de todos os agentes, temos uma leitura integrada de influências e ações que ele próprio produz. Assim, entendemos a margem, um processo pertencente ao próprio sistema e servindo ao mesmo. Acreditamos que a questão marginal ainda aconteça, mas se processando, quem sabe, rumo a uma interatividade maior e melhor, o que nos leva a concluir sobre produções artísticas consideradas marginais habitando um possível lugar no sistema, mesmo em seu estado fluído e instável. A ideia de modernidade traz muitos fatores, mas o que se impõe é a relação de poder, essa se tornou extraterritorial, está em qualquer lugar e a qualquer momento. Os poderes econômicos globais tornam-se fluídos


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e sem barreiras. Mesmo que o discurso atual não admita mais fronteiras sociais e culturais, correntes de pensamento, com toda característica da contemporaneidade, ainda produzem a exclusão, mas com uma nova configuração, atuando, sem que se perceba, com novos disfarces, em ações individuais, não mais tanto no âmbito grupal. De indivíduo para indivíduo como que livrando as instituições dessa questão. O encontro de estranhos é um evento sem futuro. Como a aranha cujo mundo inteiro está enfeixado na teia que ela tece a partir de seu próprio abdome, o único apoio com que estranhos que se encontram podem contar deverá ser tecido do fio tão fino e solto de sua aparência, palavras e gestos.30

A ideia de civilidade, por muito tempo, serviu como fatores reguladores, com o objetivo de proteger a sociedade do estranho, assim criaram-se justificativas de afastamentos, que reforçaram sua exclusão. O estado da loucura não consome bens, muito menos produz bens. A exclusão é um fato concreto, pois tem produzindo lugares voltados a si mesmos, afastando-se e mantendo-se a distância, como o que sobrou dos manicômios, hoje lugares/ ilhas, onde habita o não cidadão tutelado, o morador, em que a diferença passa a ser uma marca com suas próprias variações. Habitantes dos asilos, lugares onde as diferenças fazem-se muito evidentes sob o rótulo da loucura, sem apegos e destituídos de bens, deslocam-se de lá para cá nesses tristes lugares. Assim Guides em um vai e vem percorre o caminho da enfermaria até a Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro.Nossos artistas são homens que vivem um estado de exceção, sem seus direitos legais, conforme Giorgio Agamben31. E nos remetemos ao conceito de uma dupla exceção, ou uma dupla exclusão, onde o homem se encontra preso e, ao mesmo tempo, exposto.   BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 111.   AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 90.

30 31


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Nestor Canclini67 traz contribuições relevantes a esse assunto, quando questiona a organização da exposição Les Singuliers de l’art, de 1978, em Paris. Esse evento reunia artistas chamados ingênuos ou populares, paisagistas e construtores de capelas e castelos pessoais, como pintores e escultores autodidatas, como Ferdinand Cheval, conhecido pelo público devido à divulgação de artistas e historiadores que valorizavam sua construção. Mas o que chamava a atenção do autor era o livro-catálogo que, diferentemente de outras exposições, apresentava cinco prólogos, como uma necessidade de explicar e prevenir o público ante as obras que seriam ali expostas. Em vez de tratar das especificidades dos artistas expostos, estes eram apresentados como expressionistas e surrealistas, devido à sua imaginação delirante. Falar em Arte Bruta, como sobre a desrazão, nos remete às questões marginais nas artes, podendo coincidir ou não com a questão da loucura como reclusão e apartamento do social. Os depoimentos de Mário Pedrosa e de Jean Dubuffet, até agora, são os que mais se aproximam da desrazão em sua manifestação artística. Solitária, bruta, popular e insana são termos que ao longo de nosso estudo parecem esvaecerem-se ou fundirem-se uns aos outros. São caminhos artísticos que expressam a subjetividade da dimensão da diferença, da diferença cultural. Os termos se relativizam, as definições não mantêm mais suas fronteiras, estabelecendo um campo permeável de relações, revelando os aspectos e formatos mais variados que as artes se constituem.

67   CANCLINI, Néstor G. Culturas Híbridas. Estratégias para entrar y salir de la modernidad. México: Grijalbo, 2000.


ESTRANHAS ARTES E ESTRANHOS ATORES Isto nos remete tanto à área da cultura como à da saúde mental. Mesmo nas condições mais extremas de sofrimento psíquico, encontramos ações povoadas de uma gestualidade performática, de cores e de uma escritura inventada. Quais os significados e seus desdobramentos? Questões essas, quando silêncio, intervalos, rebeldia e persistência surgem nos processos artísticos de Luiz Guides, morador do Hospital Psiquiátrico São Pedro e frequentador da Oficina de Criatividade. Sua obra é nosso objeto de estudo. Na busca por encontrarmos respostas às estranhas artes, assim chamadas por Gombrich, e suas questões desviantes e marginais, oriundas do apartamento social e do abandono, não podemos deixar de referir o quanto essa característica marginal, por sua vez, pode apresentar-se como sedutora e atrativa. Mesmo desviantes e oriundas da desrazão, isso não impede de referirmos as suas produções como artísticas, enquanto fazer e expressividade. Inicialmente a loucura era da ordem médica, quando desde o século XVII produz a normatização do delírio, da alucinação e da vertigem, enfim, dá nome, cataloga e diagnostica uma explicação à sociedade. A loucura é também um fenômeno social, e os diagnósticos ao louco pouco importam, mas permitem garantir a ordem pública, como no caso de Fernando Diniz, que foi levado ao hospício por andar nu na praia de Copacabana. O resto já sabemos, fazia parte do grupo dos sete artistas de Engenho de Dentro, tendo sua obra posteriormente reconhecida.


ESTRANHAS ARTES E ESTRANHOS ATORES  93

Seguindo esse percurso histórico, chegamos à Oficina, como é mais conhecida, na qual até o ano de 2009 realizamos nossa pesquisa, local em que se desenvolviam as atividades artísticas junto aos seus frequentadores. Hoje, ela funciona em outro ambiente, este ficou destinado a uma sala de exposições, como parte de um projeto conjunto entre o Hospital e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que desenvolve ali um trabalho de preservação, catalogação e divulgação das obras dos artistas da Oficina. Esse projeto é coordenado pelas professoras: Blanca Bri-

Figura 3. Escada que conduz ao Pavilhão Protásio Alves, do Hospital Psiquiátrico São Pedro. 2006. Arquivo pessoal.

tes, Bárbara Neubarth e Tânia Galli. Mas pelo fato de Luiz Guides ter frequentado, durante seu percurso artístico, esse lugar, e como foi ali que presenciamos suas atividades, decidimos manter as imagens a seguir da Oficina. Desde 2006, o ateliê de tapeçaria de recorte, intitulado “Projeto Tapete Voador”, reúne bordados de pacientes inter-

Figura 4. Janelas do Pavilhão Protásio Alves, do Hospital Psiquiátrico São Pedro. 2011. Acervo pessoal.

nos, do público externo e de funcionários. Podemos dizer da satisfação em ter participado e colaborado para a criação desse projeto, visando articular de forma itinerante com outros hospitais e centros que lidam com saúde mental e arte para fazer “voar” tristes histórias.


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É objetivo básico da Oficina de Criatividade acompanhar a evolução dos casos clínicos, a compreensão do processo psicótico e seu tratamento, a partir de imagens espontaneamente desenhadas e/ou pintadas. Como também estimular o avanço do relacionamento social, levando em consideração as possibilidades adaptativas atuais do sujeito. Seu funcionamento ocorre nos turnos da manhã e à tarde, atendendo crianças, adultos, moradores, clientes e egressos do hospital. Atualmente, a coordenação da Oficina está a cargo da psicóloga Gisele Sanches, e por muitos anos, desde sua

Figura 5. Porta do Pavilhão Protásio Alves, do Hospital Psiquiátrico São Pedro. 2011. Acervo pessoal.

criação, esta foi ocupada pela psicóloga Bárbara Neubarth, atualmente assessora da Oficina e curadora de seu acervo. A Oficina de Criatividade ocupa um amplo salão da ala histórica do Hospital, recoberto com azulejos até uma certa altura. Depois, o que temos são paredes nuas, que de sua pintura original restam apenas vestígios, marcas da história do lugar. Com a tinta descolando, revelam outras camadas de tintas que, com a ação do tempo, mais parecem cicatrizes. Já o chão está recoberto por um piso cerâ-

Figura 6. Porta do Acervo da Oficina. Pavilhão Protásio Alves, do Hospital Psiquiátrico São Pedro. 2011. Acervo pessoal.


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Frequentávamos a Oficina desde o ano de 1999, quando realizávamos um catálogo com fotos de cinco de seus frequentadores, visando concorrer ao curso de mestrado. Assim conhecemos Luiz Guides e seus guaches, e desde então continuamos nossas visitas, mas em menor intensidade. No entanto, a partir de 2006, retomamos nossa frequência de forma semanal, até o ano de 2009, na forma de estágio voluntário, pesquisando os documentos que estão no acervo, como as pinturas de Guides, e acompanhando-o em suas

Figura 9. Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro. 2011. Arquivo pessoal.

atividades na Oficina. Em relação ao acervo, com o intuito de acondicioná-lo e de catalogá-lo, após um acordo entre o Hospital e a Faculdade de História da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), no ano de 2005, iniciou-se essa atividade coordenada pela professora Paulina Nolibos. Essa ação possibilitou a pesquisa e as consultas que realizamos ao acervo, pois o mesmo se encontrava impossibilitado de ser manuseado. Os trabalhos estavam empilhados sem separação por autores, no primeiro andar do mesmo prédio, onde se encontrava a Oficina. Luiz Guides teve então sua obra acondicionada em um espaço próprio (figura 10), azulejado, sem umidade e sobre o que deveria ser uma antiga banheira, coberta com tampa de madeira (figura 11). Encontramos pastas de plástico e outras embrulhadas com papel pardo, trabalhando com uma amostragem de fotografias das suas produções mais significativas, desde agosto de 2006.


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ESCRITURAS INVENTADAS Sobre a obra de Luiz Guides iniciaremos pelos elementos que lembram uma forma de escritura. Uma escritura constituída por traços, setas, círculos, espirais e retângulos. Em geral, a linguagem, segundo Fernando Gerheim, é definida como uma capacidade de abstração, à medida que dá forma ao pensamento, tornando-o uma concretude. Já o ideograma se caracteriza mais pela conjunção do sensível e do concreto, atendendo a um

Figura 10. Acervo de Luiz Guides. 2006. Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.

fenômeno estético, quando significado e significante se aproximam, e: (...) o signo deixa de ser um meio quando predomina na mensagem a função estética ou poética da linguagem... a função estética põe no centro das atenções o próprio signo, que passa a ter autonomia...A função estética da mensagem cria, portanto, seu próprio código...75

Figura 11. Acervo de Luiz Guides. 2006. Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.

O processo ideográfico chinês é admirável por si mesmo, remetendo ao nascimento da forma, a relação entre linguagem e materialidade. Junto ao modelo ancestral da escritura chinesa, semelhante a um céu estrelado, que desvela um sistema de “signos”. Esse mesmo céu/enigma passou a estabelecer leituras de destinos e de navegações, portanto:   GERHEIM, Fernando. Linguagens inventadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 43.

75


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O

pensamento

de

Meyer Schapiro sobre a arte abstrata, de certa maneira integra os processos artísticos e psicológicos. Torres Garcia em sua fala sobre seu processo construtivista, não deixava de fazer referência à intuição e a uma ação do inconsciente, como também o uso sensível de uma geometria subjacente. Percebe-se que a obra de Luiz Guides estabelece um diálogo possível com o construtivismo

sensível

e

intuitivo, o que leva a pensar em uma comunicação construída por meio de diagra-

Figura 17. Luiz Guides. Guache s/ papel, 48 cm x 63 cm. 2000. Acervo: Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.

mas e pictogramas. Com a expressão de um pensamento em disposição geométrica abstrata, temos uma escritura que não se reduz às artes decorativas. Signos concretos, em uma linguagem indecifrável e robusta. Essa forma de arte tem o plano como referência, códigos e tensões de uma trama dispondo sinais, cujos significados estão protegidos e ocultos. O percurso da obra de Luiz Guides se estende também ao gestual e ao tratamento de cores, que iremos desenvolver na continuação de nossas análises.


ESTRANHAS ARTES E ESTRANHOS ATORES  113

Figura 19. Cavalete de Luiz Guides. Agosto/2006. Arquivo pessoal.

Escuto Guides, no qual uma persistência vence o suporte, com uma voz, ao mesmo tempo silenciada, se faz ouvir por um timbre muito particular. Da ordem do sensível, ecoa para lugares além da oficina, inclusive junto a outros moradores do Hospital. Chamou nossa atenção quando, em setembro de 2008, companheiros de sua unidade, sensibilizados de alguma forma por seu fazer, o levaram espontaneamente à Oficina para pintar. Nessa época, já dependia dos estagiários para se locomover nos espaços do hospital. O que será que esses moradores do hospício escutaram? Não tem como saber, temos apenas indícios, como se tivessem sido atravessados por algo que não podem explicar, mas o ouvido e o olho se emocionaram. O corpo humano como produtor do gesto remonta aos tempos ancestrais, desde os rituais tribais, em que homem e natureza dialogavam, levando à criação de pinturas rupestres. Quase como uma performance, passando


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Figura 20. Luiz Guides. Agosto/2006. Arquivo pessoal.

Figura 21. Luiz Guides. Agosto/2006. Arquivo pessoal.


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Figura 36. Luiz Guides. Novembro /2008. Arquivo pessoal.

pela idade antiga, o teatro grego, com a valorização da tragédia e os mistérios medievais, chegamos aos espetáculos produzidos por Leonardo da Vinci no século XV (1489 -1498), em Milão. Mas é no século XX, segundo Glusberg, que o gesto ressurge em importância, como um gênero artístico se estabelece a partir dos anos 70. Um pouco antes, nos anos 20, dadaístas e futuristas utilizaram-se da performance como meio de provocação, com improvisações e ações espontâneas, associadas ao teatro, à mímica, à dança à fotografia, à música e ao cinema. Essas experimentações, por sua vez, contribuíram para novas concepções em arte, indo além da rebeldia provocativa. Segundo Jorge Glus-


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berg93, se quiséssemos situar um período para o início da performance moderna, seria o mês de dezembro de 1896, no Théâtre de l’Oeuvre de Paris, com a apresentação de Ubu Rei, de Alfred Jarry94. Era inaugurado o teatro do grotesco e do delírio. E, nesse período, futuristas russos andavam pelas ruas com os rostos pintados, usando cartolas, brincos nas orelhas, levando rabanetes presos às roupas. Lembravam nosso modernista Flávio de Carvalho que desfilava vestido de saias pelo centro de São Paulo. O Manifesto Futurista de Marinetti, de 1910, convidava os artistas a: (...) cantar o amor ao perigo, destemor, e exaltar a ação agressiva, a insônia febril, o passo dos corredores, o salto mortal, e a potência de uma bofetada.95

Já o Manifesto Dadaísta de Tzara, para Glusberg, impressionou jovens poetas de Paris como André Breton e Louis Aragon que, junto com Marcel Duchamp, dedicaram-se a uma arte performática, apresentando-se como bailarinas, de avental, ou vestidos em mangas de camisa. Breton, conforme o autor, desenvolveu conceitos que se aplicam muito bem até hoje ao gestual, ao abandono do raciocínio lógico e ao automatismo psíquico. Seguindo a trajetória do absurdo e do irreverente nas artes, Artaud, em 1933, inaugurou o teatro do absurdo, rompendo com o roteiro, procurando por uma linguagem entre o gesto e o pensamento, entre o sonho e a realidade, como andarilhos de um território sem contornos. Luis Guides foi um andarilho, muito por circular nos mesmos lugares do hospital, sempre carregando uma sacola de plástico, com seus pertences, fato também observado pelas pessoas que o acompanham à Oficina. Tratava-se de seu único bem,   GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 1987.   O personagem central é o Père Ubu, um tipo ridículo e repulsivo que se torna rei da Polônia e simboliza a estupidez e avareza da burguesia. In: GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 1987. 95   Op. cit., p. 27. 93 94


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Figura 39. Luiz Guides. Guache s/ papel, 48 cm x 67 cm. 1991. Acervo: Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.

Acontece quase uma independência entre suas pinturas, mas ao mesmo tempo são preservadas relações entre si, principalmente nas séries, com elementos formais repetidos, sem uma aparente intenção, formando extensos painéis, que apresentaremos mais adiante. Nesses anos iniciais, encontramos saturações e tensões entre as cores, que não conseguem encobrir uma luminosidade emergente. Kandinsky, em seu estudo sobre a cor, nos fala do quanto é inútil a busca por explicações complexas, as cores parecem falar por si mesmas. Na imagem a seguir (figura 40), podemos ver seus primeiros traços geométricos, cobertos com camadas de guaches mais espessas, denunciando as marcas e o movimento do pincel, com a cor branca, na tentativa de encobrir as marcas iniciais.


138 arte e loucura

são na diversidade das obras... Essa fisionomia pronunciada de um artista que apresenta... Um mundo antes desconhecido é a chave do valor de uma obra figurativa ou concreta. Sim, essa chave abre igualmente as portas da pintura com ou sem objeto.109

Esse mundo desconhecido que o autor fala, poderia ser o mundo que Guides nos oferece, um impressionante conjunto de imagens, com cores e geometrismos instigantes, que se impõem com uma inacessível presença. A princípio, a maneira que encontramos para lidar com tal questão foi a da imersão. Uma imersão em seu acervo, em silêncio, isoladamente, para ver, ouvir e sentir, o que o artista tinha a transmitir. Esse momento de imersão maior aconteceu a par-

Figura 42. Luiz Guides. Guache s/ cartolina. 32,5 cm x 47,5 cm. 1995. Acervo: Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.

Op. cit., p. 89.

109


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Figura 50. Luiz Guides na Oficina de Criatividade. Outubro/2008. Arquivo pessoal.

APROXIMANDO OS ARTISTAS E AS OBRAS A manifestação do corpo estranho, do corpo desigual, sujeito e objeto com suas múltiplas manifestações, confere significado a um processo que não se conclui, mas que, como uma dádiva, segundo Marcel Mauss, presenteia-nos com uma alma, impregnada no objeto. Misturando pessoas e emoções, realizam inclusões cotidianas. Assim aconteceu com Arthur Bispo do Rosário, que, ao ser descoberto, participou de certa maneira da sua inclusão na sociedade, no momento que tinha ali uma obra a ser mostrada. Se houve diferença para ele, não temos como saber, mas sem dúvida fez diferença para o mundo da arte, como para os estudos relativos à Arte e à Loucura. E nesse contexto, misturaram-se as esferas também ao encontrarmos Luiz Guides na Oficina, des-


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néis. Observa-se uma repetição que soma e integra pequenas variações, para revelar o “diferentemente diferente”. O caráter empírico dessas relações é da simultaneidade, da semelhança e da diferença. Nossos artistas são seres questionantes, insistentes, obstinados, esgotados e fatigados, no sentido em que afirmam o excessivo, o desigual e o informal. Movidos por estranhas necessidades, a repetição mantém coerências criativas entre si. Por meio de uma necessidade diária e silenciosa, na companhia de guaches e pincéis, Guides expressava nas séries de dois (figura 51) guaches marcados por grades ou cruzamentos em tons de azul e laranja, uma repetição de simultaneidade e de contiguidade. Camadas de guache que em sua repetição não retomam o mesmo caminho, muito menos o início do caminho, que já não importa mais. E na série de quatro trabalhos, a partir dos encontros de cores e formas, podemos dispor tanto na vertical quanto na horizontal. À medida que as examinávamos, pareciam encaixar-se como em um jogo de puzzle (figura 52). Consciente ou inconscientemente, suas pinturas mostram-se em expansão, multiplicam-se e acumulam a diferença na repetição. Extrair da repetição algo novo, extrair-lhe o diferente, esse é o papel do espírito que contempla seus múltiplos estados. A repetição está essencialmente inscrita na diferença e na imagem da sequência. Desde 1995,

Figura 51. Luiz Guides. Dois acrílicos s/ papel. 1,12 cm x 74 cm.1992. Fonte: Acervo: Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.


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Figura 53. Luiz Guides. Três guaches s/ cartolina. 60 cm x 90 cm. 1995. Acervo: Oficina de Criatividade. Arquivo pessoal.


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São corpos de passagem, corpos do inconsciente, que habitam lugares incertos, entre margens e com ações provocadoras, fabricantes de intermezzos, uma luta com uma comunicação muito própria. Imagens de corpos de um espaço de lutas, resistência e obstinação, um enigma se impõe. O que dizer dos alienados sociais e mentais, produtores de uma arte estranha e particular, com seus constantes conflitos se desenrolando a todo o momento. Uma luta intransferível, sem lugares demarcados, onde tudo nos permeia. Assim somos invadidos também pela loucura diária de uma sociedade fragmentada, em uma busca, tanto para ser quanto para sobreviver. Para nossos artistas, a luta é inerente, um esforço a cada momento, em um constante refazimento impregnado de criações no decorrer de um processo, ofertando a experiência da poética do inconsciente.



conclusões Ao nos aproximarmos das produções artísticas de Arthur Bispo do Rosário e de Luiz Guides encontramos uma necessidade urgente de arte e vida, no ritual de criação, sem interrupções, e nos ritmos que afirmam sua diferença. Estimulados pelo trabalho exemplar sobre Arte e Loucura de Osório César e Nise da Silveira, procuramos as expressões e lugares dessa arte, inicialmente por meio de um contexto histórico constituído no país. À medida que tomávamos conhecimento das discussões procedentes do campo que hoje debate a Arte e a Loucura, procedemos ao levantamento dos eventos que oportunizaram a essas artes a obtenção de alguma visibilidade. Percorremos os lugares da exclusão, estranhos territórios marginais, lugares possíveis. No silêncio de seus autores, uma rica e variada arte se constituiu. A questão Arte e Loucura, bastante exposta e discutida na passagem do século XIX ao XX, ainda se faz necessária. É necessário que se vá ao encontro das obras oriundas da mais extrema diferença. Na busca pelo seu entendimento, o conhecimento da desrazão funcionou como uma lente. Uma lente que nos acompanhou e permitiu que as descolássemos do senso comum e dos lugares de conformidade, transpondo os limites da discriminação, de modo que pudessem ser vistas em sua importância e em suas possibilidades criativas. O estudo das obras exigiu a capacidade de lidar tanto com a delicadeza quanto com a rudeza desses lugares. Assim encontramos Luiz Guides, sobre cuja produção nos voltamos com mais ênfase, em


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alheias aos seus processos criativos, nos quais o que resta é o próprio fazer e o produto desse fazer. A desrazão se distende por diferentes campos, desde os marginais e excluídos até os consagrados, dizia Nise da Silveira, indicando uma arte que questiona as relações com a loucura, mediante um inconsciente produtivo que apresenta a repetição como manifestação criativa. O que poderia ser considerado um sintoma, no caso dos artistas estudados, apresentou-se como uma expressão artística muito particular. O repetir, nesses casos, não poderia e não deveria ser confundido com um comportamento compulsivo e automático. Elementos como números, grades, círculos, pentes, congas e papéis rasgados foram dispostos em inúmeras possibilidades. Contrariando as ideias correntes de limitação associada à doença mental e à aparente alienação que demonstram em um primeiro olhar, esses homens apresentaram um pensamento flexível e criativo. Os elementos que compõem esse universo artístico da desrazão, em sua dimensão polifônica e elástica, remetem-nos ao momento em que a arte, a vida e o sagrado eram tratados como uma realidade. Ainda nesse âmbito, os artistas aqui analisados se doaram por meio de suas produções: Luiz Guides com seu trabalho desapegado e desinteressado e, por fim, Bispo do Rosário com uma arte que, segundo ele mesmo, seria uma oferenda à Virgem Maria. Suas obras artísticas transitam por âmbitos como a lucidez e a obscuridade, o caos e a ordem, e transgridem os limites dos conceitos culturais, com seus resultados criativos. Também criam tensões em uma sociedade que não lida confortavelmente com as incertezas. Portanto, inserimos nossa proposta junto a um possível mal-estar que desacomoda as regras, e como uma contribuição ao pensamento crítico, conduzindo o olhar à margem, para os territórios da diferença, onde encontramos arte em uma sublime trajetória.


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