RAUL CÓRDULA amparo 60

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RAUL CÓRDULA

CATÁLOGO
25abril—2023

RAUL CÓRDULA: ESPAÇO— TEMPO

Apresentar essa exposição intitulada, Espaço–Tempo, é uma honra e simultaneamente um grande desafio. Não se trata de uma mostra para entrar no currículo profissional do artistaesse tempo já passou -, longe disso, trata-se de uma comemoração de seus oitenta anos de vida, algo extraordinário. O desejo do artista é que venha a ser, por um lado, uma exposição que transmita fragmentos de sua convivência com o metier artístico, no seu caso com a pintura e por outro lado, uma mostra que possa adquirir um estatuto de testemunho de tantas idas e vindas, “da luta diária de um cidadão e o trabalho solitário do ateliê passando pelas solicitações humanas, solidárias e políticas que sempre me moveram” (R. Córdula, 2023).

O título tem uma poética visual e conceitual latente, ora aponta, no horizonte maior de sua abrangência, para a matéria primordial da história: a passagem do tempo, a duração de uma vida, das horas, dos instantes, que geram permanências, mudanças, marcas, cicatrizes, vestígios que se escondem, se revelam e se perpetuam, a um só tempo, nas demasiadas paisagens espaciaisdo corpo à terra. Tempo, tempo, tempo, tempo, clamou o poeta, regido pelas marcações dos tambores, “és um senhor tão bonito como a cara do teu filho, tempo, tempo, tempo, tempo, vou lhe fazer um pedido, tempo...” (C. Veloso).

Ora, aponta também, para o conjunto da poética visual produzida pelo artista Raul Córdula, ao longo de um tempo disperso de sua existência, que conta com aproximadamente mais de sessenta anos de trajetória artística. O exercício experimental de liberdade, pelo qual percorre Raul Córdula - nordestino do Brasil

e alhures -, passa pela transfiguração de um real concreto para a representação simbólica e cromática. Ao tomar a linguagem geométrica – o triângulo, o quadrado e o retângulo -, como símbolos para a criação de suas imagens reais, ficcionais, mitológicas e imaginadas, apreendidas fenomenologicamente por seu corpo todo, sempre como se vivesse essa experiência da criação pela primeira vez, o artista cria um inventário visual e sua gramática. Portanto, na repetição do gesto de criação também incorpora a imprevisibilidade, o desconhecido, o acaso e a improvisação - seja na manufatura pictórica, no desenho, na gravura, nos objetos, o artista compõe uma partitura jazzística. Uma procura de caminhos incessante que gera inúmeras composições formais e cromáticas que, segundo o artista, “são o arcabouço de minha pintura”. Raul Córdula estabelece um diálogo entre o tempo e o espaço: “o tempo como a dimensão em que nossa vida se desenrola, o espaço como o suporte deste, ou destes, tempos” (R. Córdula, 2023).

Raul Córdula é oásis, ventania, furacão. É síntese. Geometriza a paisagem para humanizá-la. É fogo. É utopia. Representante de uma das vertentes da arte brasileira, o construtivismo abstrato, que desde o final dos anos 1950 se consolidou, naquele momento, como renovação frente ao figurativismo, sem deixar de figurar e de fabular narrativas, vale ressaltar. Com efeito, o artista foi muitas vezes preterido diante de narrativas conservadores e preconceituosas do meio, que valorizava uma única representação visual, cujos valores se davam pelo uso da cor, de símbolos retóricos de regionalismo e da luz

local. Raul Córdula não foi o único a caminhar pelas veredas da abstração geométrica, claro, entre nós temos expoentes importantíssimos (as). Essa vertente da produção artística, à partir do nordeste brasileiro, ainda pouco estudada entre nós, fator esse que corrobora com o esquecimento e apagamento de muitas trajetórias.

Essa exposição realizada à convite da Amparo 60 Galeria de Arte nos ajuda a reconectarmos com essa história. A Amparo 60, ao convidar Raul Córdula para a realização dessa exposição, abre a programação de comemoração de duas efemérides em 2023, seus vinte e cinco anos de atuação e os oitenta anos do artista, reafirma à contrapelo, seu compromisso com a uma narrativa histórica de resistência e de insistência na valoração e no respeito aos (as) artistas e à história que Raul Córdula representa.

Viva! Noite de festa na Amparo 60, festa para celebrarmos os oitenta anos de Raul Córdula, artista de esquerda, sempre gauche na vida. Da utopia revolucionária. Das paisagens geométricas, dos mitos e dos ritos. Córdula não rendeu-se às tendencias hegemônicas do mercado das artes e suas capturas. Não serviu a dois deuses, frente à violência das elites, escolheu sempre estar ao lado dos pobres. Preferiu e prefere as barricadas, a luta coletiva, os coletivos artísticos e a dança da geometria.

Raul Córdula envolveu-se durante toda sua existência no campo das artes com diversos fazeres, portanto, impactou as disposições dos (as) agentes do campo artístico: escreveu uma fartura de textos críticos, foi professor, gestor, curador, ativador da cena

cultural e artística, muitas vezes guerrilheiro, produzindo ações e contaminações entre mundos. Mas, como diria escritor Guimarães Rosas, “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não”. Se lançar na misteriosa aventura de viver é mergulhar nas incertezas. Voltando ao Rosas, “A vida… o que ela quer da gente é coragem”. Viva Raulzito!

Antes de tudo amiga, historiadora e curadora

Joana D´Arc Lima
Cuidado com este chão 1965 Nanquim e aquarela 64 x 48 cm

RAUL CÓRDULA

Procura no muro a indicação para o registro: não estará escrito ali “abaixo a ditadura”? não estará desenhado ali um coração atravessado por uma flecha? e principalmente aquelas manchas, não serão elas semelhantes aos personagens desse drama, deformadas marcas de abandono?

Ao artista, consciência pênsil entre indivíduo e coletivo, cabe a tarefa de aproximar verdade e arte.

Também ele luta por situações mais humanas, e, se no momento procura vencer a matéria própria da pintura, suas sutilezas e artimanhas, está afiando as armas para uma maior participação.

Antônio Dias

Rio de Janeiro, 1963

Exposição na Galeria Verseau

A DANÇA DA GEOMETRIA

A pintura de Raul Córdula mantém, há algumas décadas, duas características muito claras e nada simples: o atavismo ao ofício de pintar, isto é, o amor pelo fazer artístico, muito forte nos artistas da comunidade do Nordeste do Brasil a que pertence - aqueles residentes em Olinda, Pernambuco - e a exploração do abstracionismo geométrico, responsável, junto com as correntes construtivas, por conquistas de novos patamares na arte brasileira desde a segunda metade do século XX.

O encontro dessas características é complexo porque obrigou o artista, durante muito tempo, a ir contra a ideologia regionalista. Cultivado à esquerda e à direita, o regionalismo sofisticou-se e produziu experiências muito ricas em simbiose com recursos contemporâneos típicos da sociedade industrial. Foi ainda responsável pela preservação de ricas manifestações da cultura popular que sem essa armadura tecida por intelectuais da classe média não teriam sido sequer detectadas. Sua monocórdica exclusividade dos valores locais é muito poderosa até hoje, e vista como uma espécie de antídoto ao deslumbramento diante da globalização. Mas, ao mesmo tempo, esse mesmo regionalismo serviu para promover surpreendentes mediocridades. Ao não temer dialogar com uma linguagem que ultrapassava as fronteiras culturais mais imediatas, Raul Córdula recusou uma arte temática a favor de uma pesquisa essencialmente moderna. Criou-se um paradoxo: num ambiente que explorava suas idiossincrasias de modo generalizado quem se individualizava e contrastava isolada era a pintura de Raul Córdula. Situação muito similar enfrentou o escultor Sérvulo Esmeraldo no Ceará.

Córdula pôde, assim, criar uma linguagem própria, numa situação descentrada. Fora do centro ao quadrado: distante dos grandes centros de produção – Rio de Janeiro e São Paulo – e distante do centro de gravidade da cultural local. Sua arte é na origem, literalmente, excêntrica. É claro, essa leitura pressupõe um recuo histórico a um Brasil que existe e que também não mais existe.

Existe nos núcleos que ainda equacionam suas fórmulas dentro de estratégias de resistência cultural, muito fortes onde Córdula trabalha, em Pernambuco, e também no Rio Grande do Sul. Não existe mais porque toda uma produção artística do Nordeste de hoje contribui para a arte contemporânea com visão crítica, muito talento e originalidade de modo afirmativo, sem se perder em dilemas políticos quanto à fidelidade ortodoxa a uma origem mítica. Mas no final dos anos 60 e até os anos 70, apesar de todo o movimento construtivista e pós-construtivo que se desenrolou nos grandes centros do Sul, a escolha estética de Raul Córdula é uma escolha quase solitária na sua região. Mas não apenas pelo que ela apresenta como linguagem, busca da excelência, consciência cultural, mas, também, como postura ética. Não era fácil ser moderno num ambiente que estigmatizava a modernidade como uma espécie de adesão ao “estrangeiro”. Por isso, onde quer que, hoje, um observador se encontre diante das telas de Raul Córdula, dificilmente pode avaliar o formidável esforço de coerência perseguido pelo artista obstinadamente durante as últimas quatro décadas. Mas o que esse observador tem diante de si? Arrisco dizer que essa pintura construiu sua identidade a partir da dupla distância que ela mesma engendrou. Aquela do folclore. Mas, também, ficou longe de uma pintura “teórica” que muitas vezes nascia de postulados racionalistas ao extremo como os dos concretistas de São Paulo. Ganhou em lirismo, numa alegria que transparece no uso livre das pinceladas e numa paleta altiva, elevada mesmo, que dá as costas à melancolia. Ora, nada mais local, se quiserem, regional, que essas cores. É verdade que elas não estão presentes na natureza, mas na cultura popular, nas roupas das Folias de Reis, nos Caboclinhos, por exemplo. Portanto, a presença da cultura local pode se fazer de uma forma enviesada e inteligente e não somente através da simples adesão aos seus estereótipos. (Diga-se de passagem, nunca parei para pensar o porquê da presença de tantos tons tristes - sépias e amarronzados - que dominaram a paleta dos

pintores de classe média dessa região do Nordeste durante tanto tempo. Não conseguiam perceber a fartura de cores e a jovialidade das fachadas das casas pobres, das vestimentas das festas humildes, das fantasias cultivadas pelo povo.)

Para mim, sempre foi um alívio e muito enriquecedor fruir as cores e o jogo de formas, explorando um conflito produtivo de oposições cromáticas, que sempre existem nas telas de Raul Córdula. Elas conseguem reunir numa dinâmica muito ágil as cores e os triângulos – figura geométrica da preferência do artista – e essa velocidade não descansa: salta como um dançarino de frevo. Estão sempre rompendo os limites virtuais do desenho nos rápidos drippings e brincam com as cores vizinhas. Em cada tonalidade, exploram passagens na direção das maiores densidades para as mais leves, da opacidade para a transparência, nunca ao contrário. Essa direção não pode ser apenas traduzida sob um prisma psicológico, porque essas telas, na sua extroversão lançam uma aposta para além delas e se traduzem num otimismo que não concilia com as visões apocalípticas da arte e da cultura. Raul Córdula, no seu trabalho, entra em consonância com o mundo naquilo que tem de melhor: a possibilidade de transformá-lo num acontecimento plástico vivo e alegre, trazendo na sua forma sofisticada o que, talvez, tenham aprendido olhando para fora de seu universo privado, mas que se encontra presente nas festas simples do povo que passam na porta da sua casa. Por isso essa pintura, que à primeira vista poderia ser feita em qualquer lugar, só poderia ser feita no Brasil, em Olinda, e por Raul Córdula.

Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2000

Exposição na Galeria Einstein, Berlim, 2000

Sem título 2022 Guache 1/4 de folha
Sem título
2022 Guache 1/4 de folha
Sem título
2022 Guache 1/4 de folha
Sem título 2022 Guache 1/4 de folha Sem título Guache 1/4 de folha
Composição 2023 Acrílica sobre tela 60 x 90 cm

UMA QUALIDADE DE VIBRAÇÃO

Artista já conhecido no Brasil, participou de bienais de arte, exposições coletivas e individuais na França e em outros países da Europa. Para melhor compreensão de sua carreira, é importante lembrar o papel do Brasil na América latina. Maior país do continente sul, é berço de criação artística original e diversificada que vai do barroco colonial à arquitetura do Século XX, de pinturas rupestres do nordeste – que influenciaram durante muito tempo o trabalho de CÓRDULA – aos poemas épicos dos «bandidos de honra» (cangaceiros), etc.

Talvez seja à tripla composição índia, africana e européia que este povo deve seu imaginário singular no qual o muito conhecido Carnaval é apenas uma tênue ilustração. Seja como for, não se deve ceder à tentação simplista de relacionar os artistas desta parte do mundo a influência de escolas europeias. Em se tratando do trabalho de CÓRDULA, pode-se apenas evocar um leve parentesco com os cinéticos latino-americanos, ainda que estes se preocupem preferencialmente com o movimento e o desenrolar das figuras, enquanto ele reduz o essencial à uma qualidade de vibração.

Nascido em 1943 no estado da Paraíba, Raul CÓRDULA formou-se no Rio de Janeiro. Dotado de curiosidade multiforme, interessou-se pelos aspectos mais variados do campo plástico – inclusive pesquisando sobre o artesanato – e até à joalheria. Tudo isso sem excluir inúmeras outras funções tais como: professor universitário, curador, diretor de vários organismos e fundações, tendo sempre se destacado por sua competência. Depois de muitas andanças, fixou-se perto de Recife, em Olinda, pequena cidade antiga e preservada - onde cria sua obras com lenta obstinação - Não se trata, de uma criação de estilo desordenado, mas, sobretudo, de um trabalho de aprofundamento da sua dinâmica interior.

Sua produção, e particularmente a mais recente já qualificada como «novas geometrias», reconduz a uma série de encaixamentos de cores esplendorosas, sabiamente emparelhados. Existe, no

trabalho deste artista, uma constante e única obsessão de equilibrar valores e volumes, totalmente descompromissada com toda preocupação decorativa.

Suas telas, constituídas de grandes superfícies planas luminosas que se ajustam e se incrustam umas nas outras, apesar dos inúmeros ângulos, demonstram uma suavidade que se aproxima da ternura. Basta contemplar uma delas para perceber tal envolvimento.

O que sugere o trabalho deste pintor, nunca fácil, porém, evidente, é enfim, uma forte relação com o sonho colorido de sua terra.

Fernande Schulmann

Paris, março de 1999

Museu de Arte Moderna da Bahia

Galerie Einstein, Berlim

Nuvens 2023 Acrílica sobre tela 120 x 80 cm
Nuvens 2023 Acrílica sobre tela 60 x 90 cm
Nuvens 2023 Acrílica sobre tela 80 x 120 cm

PINTURA URBANA: DA FORMALIDADE GEOMÉTRICA A ORNAMENTOS ESTÉTICOS

Em seus quarenta anos de carreira como artista plástico, Raul Córdula já se posicionou como um dos maiores defensores da estética geométrica, mas neste momento declara estar desinteressado pela continuidade formal. Raul Córdula é pintor por excelência e representante de uma das gerações mais produtivas do Brasil enraizada na tradição das décadas de 60 e 70, além de ser um grande propulsor da arte contemporânea no Nordeste brasileiro através de sua atuação em diversas instituições culturais.

Raul tem como ponto de partida formas geométricas que vêm sendo exploradas nos últimos anos em todas as suas perspectivas, cores e agrupamentos. Versátil é o resultado artístico, proveniente das infinitas combinações possíveis e criadas pelo incansável artista.

A fonte de inspiração é o rico Nordeste brasileiro, onde o artista nasceu e apesar de algumas interrupções continua sendo o seu lar.

Seu ateliê se encontra atualmente em um pedaço do Paraíso chamado Olinda, no estado de Pernambuco, cidade tombada como patrimônio histórico mundial e com muitos vestígios de sua herança colonial representada pela arquitetura e vários ornamentos estéticos.

O hábitat sempre teve um papel muito importante na produção de Raul, tendo como ponto de partida grafites nos muros de sua cidade natal, Campina Grande, na Paraíba, que o levaram ao convívio tão intenso com a geometria. Os densos agrupamentos de triângulos, retângulos, círculos e demais formas utilizadas no decorrer de sua carreira têm se apresentado em um conjunto mais solto e informal no trabalho atual.

O suporte, tela ou papel, ressalta corpos distintos e autônomos. A geometria continua presente, porém suas formas rígidas surgem

dissolvidas em campos coloridos que as demarcam e acentuam com relação à composição total. Ela é geralmente acompanhada por um ou mais elementos, estes também oriundos do estudo atual do artista sobre as figuras de decoração de Pernambuco, provenientes de desenhos nas calçadas ou fachadas, testemunhos do período eclético nordestino. Esses símbolos com traços mais orgânicos são transpostos para a obra, claramente posicionados, formando um diálogo aberto com os demais componentes da tradição geométrica. O fundo, elemento de junção do trabalho total é formado de largas pinceladas soltas que sugerem o confronto claro/escuro através da transparência e do movimento atingido. Cores precisas e fortes são utilizadas subtraídas diretamente de seu cotidiano, no qual o sol e seu brilho marcam presença diariamente.

Raul Córdula expôs em Berlim, na extinta Kunsthalle, no final da década de 80, em uma mostra coletiva resultante de um workshop, em São Paulo, com a participação de artistas brasileiros e alemães. Seu trabalho volta à cidade em uma exposição na Galeria Im Einstein, na Unter den Linden 42, e pode ser vista até 15 de outubro. As obras apresentadas relatam um compêndio da paisagem urbana nordestina brasileira que formam um interessante contraponto com a nova pintura de Raul.

Tereza de Arruda

Berlim, outubro de 2000

Chasqui Mensajero de Iberoamérica

periódico del Instituto Iberoamericano

UMA
PAIXÃO PELA

Composição

2023 Acrílica sobre tela 100 x 20 cm

Composição

2023 Acrílica sobre tela 100 x 20 cm

Totem 2018 — Acrílica
sobre tela — 109 x 90 cm
Totem 2018 — Acrílica sobre tela — 100 x 80 cm

ARTE DO ATRITO

Não é só para ser olhada. Mas para provocar sentidos. Não só dada a politizar, mas de mergulhar no humano.

Poucos artistas como Raul Córdula transmitem com sua arte o sentido da inquietude. O impacto produzido por suas obras estremece os alicerces do poder. Na linha de frente da arte política no Brasil, outra voz vinda da Paraíba “desafina o coro dos contentes”. Solta a ponteira da sua crítica ao sistema. Confronta com ele, ao lançar mão da sua artilharia de longo alcance e grande força expressiva.

Desde a década de 1960, em constante evolução, atento a crise do mundo contemporâneo, este inconformista faz ressoar sua palavra/imagem, na obra certeira, impulsionada pelo conflito. O objetivo: atingir alvos – ideologias autoritárias.

Retirar o cotidiano a matéria prima para construir o castelo da resistência fez de Córdula um bastião estético do Nordeste. A mistura do poeta visual, com a cultura plural da região fez dele o renitente ativista, que navega em brumas poéticas para entender o mundo através do seu ofício.

De afiado vocabulário plástico ungido na narrativa entre o irônico e o icônico, o artista refaz símbolos. Arte não é só para ser olhada. Arte não é só para ser olhada, mas para olhar e encarar o mundo nos olhos.

Híbrida e metafórica, o obra executada no pendão da Paraíba inspira comentários: NEGO – transformado em EGO, para além do jogo com a inspiração da bandeira rubro–negra: e denúncia da face do embate sociocultural entre indivíduo e Estado. Nesse ruído em oposição, a negação dentro da negação em manifesto, numa constante reflexão sobre a natureza humana e o poder.

Ao contrário da simples ilustração, a fala subjetiva derivada dessa imagem leva-nos a perceber a introdução metalinguística, que paira na estridente oratória das formas contraditórias. Ora EGO... ora NEGO... ora RE – VERSO, Raul faz seu caminho pelo IN

VERSO. Ele não leu a bula da obediência. Se leu, não seguiu. Viveu a desobediência de uma geração revolucionária, no enfrentamento da escuridão das ditaduras.

Em sua ímpar trajetória, a clara noção das rupturas históricas e os seus reflexos na urgência das linguagens. A espreita, em permanente estado de vigília, este artista descontente ouve da sua trincheira, o som das vozes e imagens da adversidade.

O Museu Nacional apresenta a exposição RAUL CÓRDULA

ANTOLOGIA, em oportuno momento da carreira do artista.

Coordenador do Museu Nacional da República/DF

Coivara 2010 — Acrílica sobre tela — 100 x 100 cm

Composição

2023 Acrílica sobre tela 75 x 150 cm

Figura 2023 Acrílica sobre tela 30 x 30 cm Figura 2023 Acrílica sobre tela 30 x 30 cm

ALÉM DE UM ARTISTA, UM PENSADOR

O trabalho de Raul Córdula pressupõe, à primeira vista, apenas pinturas circunscritas a composições com triângulos, círculos, quadrados e gestos, como são as manifestações visuais concretas, construtivas de tantas outras tendências plásticas que têm nas figurações geométricas grafistas seu principal elementos de composição e expressão.

Aí está a sutileza de sua proposta: trabalhando com estas figuras tão simples e eternas, revela o artista a própria magia que se esconde em cada uma, cujas manipulações no espaço do quadro representam um jogo de linguagem a ser decifrado.

A chave para a leitura e para a compreensão dos “textos” exige a participação do espectador e o seu desligamento da questão puramente lúdica em função do raciocínio. O aspecto formal, neste caso, representa identidades visuais onde as figuras e suas cores nada mais são que representação simbólica, assim como são simbólicos os sinais alquímicos, matemáticos, zodiacais, logotipos e símbolos religiosos – como no caso da igreja, onde as figuras pagãs sem incorporam à liturgia ou como na Umbanda cujas Manifestações e Entidades são representadas por figuras do catolicismo.

Raul procede no seu trabalho como um alquimista da sua obra. O fazer cotidiano é o caminho da busca incessante: a pesquisa formal é a matéria cuja manipulação deve fornecer o corpo final e transformar para uma nova etapa sem nunca cessar. É um trabalho inesgotável onde cada obra abre uma nova proposta ou um novo jogo e suas múltiplas variantes.

Na realização de um trabalho assim o artista exige de si próprio um constante aperfeiçoamento, pois à medida que novas propostas surgem se faz necessário criar novos suportes mentais e mais informações capazes de sustentar, no mesmo plano de identidade, a teoria e a prática. O artista promove assim uma ação dialética onde o constante aprendizado, revitaliza o processo de comunicação com o espectador, na medida em que a simplifica-

ção das propostas deixa de ser conceitual para ser leitura direta e objetiva. Com este trabalho Raul passa a ser, além de um artista, um pensador.

João Pessoa, abril de 1980

Galeria de Arte do Clube Juvenil Caxias do Sul/RS

Constelação
Acrílica sobre tela
cm
(Paris) 1991
38 x 47
Sem título (Paris) 1991 Aquarela 35 x 50 cm
Terras de Ouro Preto 1984 Pigmento e resina sobre Eucatex 35 x 50 cm
1984 Pigmento e resina sobre Eucatex 35 x 50 cm
Terras de Ouro Preto

RAUL CÓRDULA

Raul Córdula Filho (Campina Grande PB 1943). Pintor, artista gráfico, cenógrafo, professor, crítico de arte. Começa a pintar em 1958. Em 1959, ilustra poesias da Geração 59, grupo de poetas paraibanos que edita o suplemento literário A União nas Letras e nas Artes. No início da década de 1960, viaja para o Rio de Janeiro e estuda história da arte no Instituto de Belas Artes e técnica em pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/ RJ, onde é aluno de Domenico Lazzarini (1920 – 1987).

Entre 1963 e 1965 é supervisor do setor de artes plásticas da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Atua como cenógrafo em várias emissoras de televisão, entre 1965 e 1972. Em 1967, torna-se diretor do Museu de Arte Assis Chateaubriand de Campina Grande – Maac. Idealiza, em 1977, o Núcleo de Arte Popular e Artesanato – NAP, da Casa de Cultura de Pernambuco, no Recife.

Entre 1978 e 1985, é coordenador do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB. Leciona história da arte e fundamentos da linguagem visual nos cursos de educação artística e arquitetura e urbanismo do Departamento de Artes da UFPB entre 1978 e 1988. É contratado pelo Museu de Arte da Moderna da Bahia – MAM/ BA para coordenar a implantação do Salão MAM – Bahia de Artes Plásticas, em 1994. Torna-se diretor de desenvolvimento artístico e cultural da Fundação Espaço Cultural da Paraíba – Funesc entre 1997 e 1998.

17 de abril a 12 de maio de 2023

artista

Raul Córdula apresentação

Joana D'Arc Lima

textos

Antônio Dias

Paulo Sérgio Duarte

Fernande Schulmann

Tereza de Arruda

Wagner Barja

Chico Pereira

projeto gráfico

Eduardo Gaudêncio

Pedro Alb Xavier

amparo60

Entrada pela Dona Santa - Rua Professor Eduardo Wanderley Filho, 187 - 3 andar

Boa Viagem, Recife - PE, 51020-170

(81) 3033-4708

número galeria

Rua Professor Eduardo Wanderley Filho, 187 - 2° andar

Boa Viagem, Recife - PE, 51020-170

(81) 99209-3739

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