Ciclo de Celebração de Cem Anos do Nascimento de Cruzeiro Seixas

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ciclo de celebração do Centenário de

Cruzeiro Seixas

Atmosfera m Lisboa

3 de dezembro 2020 a 12 de fevereiro 2021

SNBA - Sociedade Nacional de Belas-Artes

Galeria Pintor Fernando de Azevedo 3 de dezembro a 30 de dezembro 2020

Casa da Liberdade - Mário Cesariny

19 de setembro 2020 a 12 de fevereiro 2021

Curadoria | Carlos Cabral Nunes


Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1947 Tinta-da-china e aguada sobre papel, 19 x 13 cm, Ref.: CS251 Coleção António Prates


Pintor e poeta, Cruzeiro Seixas foi o representante do Surrealismo português que mais longa vida teve, sendo por isso uma testemunha atenta das mudanças do mundo durante um século em que os mais velozes progressos se cruzaram com as mais negras tragédias. Na obra tão vasta que nos legou, com o seu traço inconfundível e a sua palavra ardente, estão presentes os nossos sonhos e os nossos pesadelos. Essa obra perdurará na memória do futuro. Tendo vivido uma grande parte da sua vida sob a ditadura, na sua obra há a impetuosa afirmação daquela “liberdade livre” de que fala Rimbaud e em que os surrealistas reconheceram um princípio fundamental da revolução poética que desejavam. Para Cruzeiro Seixas, como para o seu companheiro de aventura Mário Cesariny, viver essa liberdade livre foi pagar o preço da perseguição e do opróbrio. Dando-nos o exemplo de uma independência pessoal e de uma fidelidade aos seus valores de sempre, Cruzeiro Seixas recusava um mundo movido pelo dinheiro e pelo mercantilismo. A personalidade, a vida e a obra de Cruzeiro Seixas são magnificamente ditas pelas palavras do pictopoema que Cesariny lhe dedicou: este é o segredo este é o segredo para todos os usos rapto desobediência exaltação e morte Fernando Medina Presidente da Câmara de Lisboa | Dezembro 2020

Quase cem anos viveu Cruzeiro Seixas, como traço contínuo e automático que de repente se suspende, algo tão próprio do surrealismo, deixando-nos agora com o olhar fixo na grandeza, complexidade e paradoxismos com sentido, que marcaram toda a sua vida e criação. Artur do Cruzeiro Seixas foi autor de uma cosmogonia própria, com fortes aspirações metafísicas, e marcado pelo desejo da pluralidade das naturezas que se expressa no polimorfismo das criaturas e pela multiplicidade de reações que provoca, usando muitas vezes o preceptivamente inútil, o paradoxo, sem temor do que possa ser considerado estranho, adentrando-nos num mundo onírico que se afirma no concreto como possível, ao menos no seu pensamento. A pluralidade reflexiva interior ao artista torna-se ainda mais evidente nos seus “cadáveres esquisitos”, quer pictóricos quer poéticos, obras participadas por outros artistas a quem permitiu entrar no seu mundo e mesmo nas suas criações, acrescentando sem questionar outras visões ao seu universo. A atitude dialogante e generosa face ao outro é um traço do homem e do artista, um reflexo da consciência cidadã de comunidade enquanto lugar de pertença e possibilidade de desenvolvimento do próprio Eu, do afirmar dos seus valores e concretizar dos seus desejos e expectativas. A obra de Cruzeiro Seixas pode ser entendida dentro do marco da libertação desejada, próprio de quem viveu grande parte da vida num Portugal de liberdade privado, juntando a isso a viagem e um conhecimento enciclopédico do onírico e do real. Mas também a recusa das lógicas impostas sem discussão e a abertura ao outro tido como criador subjetivo de um mundo partilhado. Fugiu assim dos limites do tempo e do espaço; garantiu, assim, a eternidade, algo a que os quase 100 anos de Cruzeiro Seixas já nos vinham habituando. Catarina Vaz Pinto

Vereadora da Cultura | Dezembro 2020

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É preciso ainda uma voz, no deserto. Agora que se extinguiu a sua, é preciso buscar nos relógios a pontaria certa, o luminoso dos segundos, por detrás dos ponteiros. Um martelar obtuso, sincrónico, mimético. O rigor absoluto, ou quase, das horas. É preciso o grito e a revolta. Um traço, que o seja. Um abandono no altar ou no princípio do fim. Um precipício que nos contemple, como se num espelho. É preciso a verticalidade e sua chave própria. É preciso, enfim, nunca dizer adeus, substituindo todo o saber por veredas onde caminhemos sozinhos, reclusos do Amor (im)possível. NÃO HÁ MORTE, NA MORTE DE CRUZEIRO SEIXAS. Há um espaço todo preenchido por noturnos desejos, relâmpagos incendiando a paisagem repleta de corpos distorcidos, dilacerados. Há sopros d’infinito e várias luas omnipresentes, em diálogo libertário. Há Poesia, Liberdade, Amor, onde antes, no caminho trilhado, Már(io) adentro, havia inversão d’opostos, como que num jogo de espelhos onde se mimetizam gestos e um fenómeno mágico, grandioso, do ser, elevando-se na escala humana. É preciso dizer UM SÉCULO, em vez de dizer UM DIA. É preciso dizer a estrada, num lugar de poesia. Assim foi a vida do Rei Artur, tal como se resignou ter. Tudo se fazendo dor e mágoa, até esse instante final onde um sopro, extinguindo-se, logrou apagar aquela chama, outrora intensa, que iluminava o caminho. Não sem antes cuidar de legar múltiplas formas de nos manter caminhantes. Ele que, no epílogo da obra, ditou “prosseguimos, cegos pela intensidade da luz”. Amando intensamente estrelas e falésias crepusculares, nunca pernoitou em lugares de tédio ou de horror petrificado pela fatalidade do vazio, de ideias, sinais, nunca transigindo ante a mediocridade sua ou d’outrem. A sua tessitura elevando-se sempre e mais, exigência desmesurada ante si, antes que nos demais. A vista falhandose, o ouvido em eclosão própria e um olvido pertinente para coisas pequenas e sórdidas, mágoas também, ainda que nos dias sempre claros, resilientes, não impedindo atenção permanente ao outro, aos poucos eleitos, a quem Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) reconhecia mérito e razão, não obstante Sem Título (auto-retrato), n.d. a falha, permanente. A esses dedicava Técnica mista sobre papel, 37 x 36,7 cm, Ref.: CS196 manhãs, de escrita em fim de vida, às cegas, olho metido no papel procurando o traço e a letra. Escrever umas linhas num postal de Paris, era o prolongar do sonho de persistir vivendo. Dizer Madadayo, mesmo sem nunca ter visto o filme ou dele ter qualquer registo. Saberão os recetores da mensagem o que dela se fará? E como foi feita, com que amor e dedicação? Foi-se o Artur Manuel, sem que déssemos conta, ocupados em viver uns “nadas imperfeitos”. Fica-nos a obra vasta de um Cruzeiro que também é Seixas, qual cometa lento e meticuloso percorrendo todos os segundos até perfazer quase um século, como um livro maravilhoso que se lê sem dele se desejar o fim. Ele que queria um dia igual aos outros, no seu centenário, sem comemorações ou pantomima, foi-se daqui num gesto voluntário e só. Extinguiu-se por dentro. Consumiu-se na luz própria, sem nunca dizer adeus. Fica-nos um buraco no centro do peito. Uma ausência dilacerante. Um vazio a acompanhar outros. Uma pedra e um charco, neste semidesértico lugar onde fomos plantados. Saibamos nós, com isso, agitar águas, por debaixo do lodo, à passagem de um ciclone, em sua honra e memória, espalhando por todo o lado


Post Scriptum. Todas as homenagens lhe são devidas, pela excelência da obra que nos lega, mas a verdade também. A sua grandeza, exige-o. Estive com ele, numa última e única visita que lhe fiz no hospital, na quarta-feira anterior à sua partida física deste mundo. Estava mal, muito, praticamente incapaz de dar sinal quando por ele chamei, repetidamente e aos gritos. Foi com um esgar, apenas uma espécie de encolher d’ombros (tão característico seu) que me devolveu resposta a um “como vai isso?”. E ali o deixei, assim como que adormecido, desejando-lhe força. Ele partiu porque não queria ter de aguentar, por mais tempo, a dureza da situação em que se viu vivendo, desde o início da pandemia. Chegou ao fim ali, àquele hospital, após deixar de comer e de beber na casa onde vivia. Amarravam-no à cama ou à cadeira, consoante a situação, porque se tornava agitado, para não correr o risco de cair, disseram-me. Tudo se lhe tinha tornado insustentável, indigno. A sua Liberdade, derradeira razão de existir, assim coartada, depois de há muito o amor se lhe ter escapado e de a poesia se ter tornado impossibilidade por via do isolamento forçado e da incapacidade visual. Queria partir. Conseguiu, finalmente. Tudo isto deve fazer-nos ponderar sobre a forma como estão a ser tratados os idosos, nesta altura em que muitos se tornam vítimas colaterais da pandemia, mas também para lá disso. Não é admissível vê-los ser enclausurados, institucionalizando-os no fim da vida em toda a espécie de guetos dedicados a seniores. Por melhores que sejam, assim, são sempre horríveis. É essa a dura realidade que fui conhecendo. É urgente, imperioso, repensar a forma como bem cuidar dos idosos, no fim das suas vidas, quando mais necessitam de estímulo e motivação para seguir vivendo. Talvez a solução passe por criar estruturas que misturem gerações, promovendo a troca de saberes. Tínhamos, na Perve Galeria, a esperança que ele pudesse vir ainda a integrar o nosso projeto L.A.C.H.e., que lhe é dedicado, de residências artísticas multidisciplinares e multigeracionais. Tal já não será possível fisicamente, agora que partiu, infelizmente amargurado, após novo confinamento forçado, por 15 dias, por ter querido sair, numa manhã de outubro para ir receber a medalha de mérito cultural, atribuída pela Ministra da Cultura. Na altura, tentei demovê-lo e aos outros, pedindo que o fizessem doutra forma, não o levando a sair já que, no regresso, as normas impunham quarentena e isso, temia, lhe poderia ser fatal, por tão extremamente penoso. Não consegui evitar este desfecho. Lamento-o muito. Tudo o mais que possa dizer sobre o farol que era, sobre a genialidade e a pertinência do que fazia e dizia, será sempre redutor e parco, dada a grandeza do ser que foi. DESCANSE EM PAZ. Querido amigo Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas, admirável Mestre, a sua Obra permanecerá acompanhando os nossos passos, guiando-nos. Carlos Cabral Nunes - 15 de Novembro de 2020 5


Construir Cem Nadas Perfeitos | Atmosfera M Inauguração 3 de dezembro de 2020

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Construir Cem Nadas Perfeitos | Atmosfera M Obras patentes na exposição de tributo ao centenário de Cruzeiro Seixas

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Espelhos enlouquecidos, n.d. Tinta da china e têmpera sobre papel, 18,5 x 22 cm, Ref.: CS177

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Histórias das portas feridas pela tua ausência, 1999 Têmpera e tinta da china sobre papel, 41,5 x 29,6 cm, Ref:.CS186 8


Convergência nos caminhos Há ideias criativas, estranhas aos olhos de quem as observa com lentes convencionais, que contêm a energia avassaladora para mudar o mundo. Pelo seu pioneirismo ou pela sua radicalidade, começam por suscitar reações de negação, até de medo, mas fazem o seu caminho e acabam por ser glorificadas ao gerarem novas correntes de pensamento ou rasgarem novos horizontes à vida humana. O telefone, o motor a combustão, a penicilina ou a internet são exemplos de genialidade e marcos de progresso tecnológico, do mesmo modo que o conhecimento da natureza humana, a interpretação filosófica dos comportamentos, a construção de novos modelos económicos ou a representação plástica das tendências artísticas são motores de desenvolvimento civilizacional. Há pessoas e instituições que radicam o sentido da sua vida ou o propósito da sua existência na assunção persistente de valores e princípios que, refletindo esses avanços da humanidade, podem contribuir para uma sociedade mais livre, mais democrática, mais educada, mais respeitadora, mais culta, mais justa, mais equitativa, mais solidária, … mais amiga. Em Cruzeiro Seixas, pintor poeta ou poeta pintor, personalidade maior do movimento surrealista português, e na Associação Mutualista Montepio descobrimos convergência nos caminhos. Paradoxo, se evocamos um aventureiro movido pelas asas da imaginação. Absurdo, se mencionamos um vanguardista integrante do ‘anti-grupo’ Os Surrealistas, de finais da década de 1940 e início de 1950. Talvez nem tanto assim: não desvendamos no movimento surrealista uma ode à vida e ao movimento, à liberdade de pensamento, à vontade de transformação da sociedade? Existe, de facto, convergência entre o profundo respeito pela honestidade que Artur do Cruzeiro Seixas acentuava e o comportamento ético e cidadão, humanista e cooperante, que são próprios ao posicionamento da Associação Mutualista Montepio perante os seus membros e a sociedade portuguesa. Existe o mesmo sentido e o gosto pelo diálogo, pela expressão coletiva, que, aliás, em vida do artista, também motivaram o espaço atmosfera M a acolher a exposição ‘Construir o Nada Perfeito’. Existe, finalmente, em Cruzeiro Seixas, desenhador incomparável e pintor explorador de todas as técnicas, uma vida intensa e longa de 99 anos, e até nesta longevidade encontramos paralelo com o Montepio Geral, em plena comemoração dos seus 180 anos. O ciclo de celebração do centenário de Cruzeiro Seixas coincide, assim, com um momento muito especial da vida da Associação Mutualista Montepio e que traz à memória os tempos dos seus pais fundadores. Estes, identificando necessidades não satisfeitas nas pessoas e riscos sociais não cobertos, tomaram o futuro nas suas mãos e organizaram-se para responder aos desafios. Sobrevieram guerras, crises, dificuldades, mas a Instituição soube sempre, com tenacidade, confiança, solidez e independência, ultrapassar os momentos mais exigentes, tal como o presente, em que a pandemia da COVID-19 mergulha Portugal numa crise sanitária com consequências dramáticas a nível económico e social. Agora como antes, daremos a resposta de retoma que os nossos 600 mil associados nos exigem e sairemos robustecidos. A Associação Mutualista Montepio afirma-se no dever que cumpre, menos de um mês decorrido sobre a morte do decano das artes portuguesas, ao prestar homenagem ao mestre da cenografia do desenho automático, do ‘automatismo psíquico puro’, e aos modernistas de expressão surrealista, que influenciaram gerações de autores. Reviver a vida e a obra de Cruzeiro Seixas no universo do Surrealismo, através da Exposição “Construir Cem Nadas Perfeitos – Tributo a Cruzeiro Seixas”, na galeria atmosfera M, um espaço de raiz mutualista, colaborativo e de diálogo por excelência, traduz um gesto de gratidão e reconhecimento por um legado artístico de valor inestimável. Virgílio Boavista Lima

Presidente do Grupo Montepio

24 de Novembro de 2020 9


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china e têmpera sobre papel, 20 x 13 cm, Ref.: CS242 Coleção Pedro Bandeira Blanc

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Como às sete horas eram ainda duas horas o amor foi devolvido à procedência, 1968 Grafite e caneta, 27,4 x 21,3 cm, Ref.: CS069


Cruzeiro Seixas y sus relaciones con España Con la muerte de Cruzeiro Seixas desaparece un histórico del surrealismo, no sólo en Portugal. No voy a cometer la descortesía de explicar a los portugueses quién era y cuál es su trascendencia. Aunque no conviene actitudes eufóricas, porque, hoy, cualquier nombre determinante de la cultura, ni en Portugal, ni en España, ni en lugar alguno, tiene la presencia y el reconocimiento que debiera. La cultura está en retroceso y de ello nos alertaba Cruzeiro en sus últimas entrevistas, en mi última visita antepandemia. Por eso, más que de la presencia de Cruzeiro Seixas en la cultura española, quiero hablar de sus relaciones con España y algunos españoles. Hay bastante obra gráfica suya entre nosotros, algunas esculturas múltiples, pero escasas traducciones de su poesía, que es la gran desconocida de su poliédrica obra, de su ingente y genuina sensibilidad. Cruzeiro Seixas, para mi y para algún amigo portugués de ambos, fue más que un poeta, que un artista. Una figura tutelar y, al tiempo, padre, hermano, amigo, un colega con el que jugar a muchos juegos maravillosos, siempre en un ámbito humanista, cultural, límpido, feraz y enriquecedor. Cruzeiro era un laberinto de ternura, que te atrapaba y del que no podías salir sin el socorro de su fantasía ícara. Detestaba parecer, era un volcán de seda, que fascinaba con armonía, sin distorsiones, ¡si provocaba era en silencio! Cruzeiro: caballero, honesto, generoso, amigo, un ser libre y alado como un pájaro. Nació para volar y la vida le llevó en un barco encantado por muchos mares y puertos de África, Asia y Europa. La imaginación le hizo conocer mundos mágicos, que el transformó en poemas, dibujos, pinturas, objetos y sonrisas. Sonreía con cordialidad: acogedor, afable, íntimo, dulce, elegante, coqueto. Nunca altivo. Incluso cuando ya casi no veía, cuidaba su compostura y presencia. En los cincuenta, residiendo en Lisboa Francisco Aranda, hizo gran amistad con Mario

Cesariny, a la que más tarde se unirían Artur do Cruzeiro Seixas y Manuel Rodríguez. Amistad que sólo se quebraría con la muerte. Cuando Mario o Cruzeiro venían a Madrid, se alojaban con Aranda, en su casa de Carlos III. Aranda, estudioso del cine es autor de Luis Buñuel. Biografía crítica, 1964, y de El surrealismo español, 1981. ¡El azar haciendo siempre trabajos delirantes! A Yuste, pintor extremeño, por gestión de Álvaro Perdigão, le propusieron una exposición en Estoril, Galería da Junta do Turismo. Amigo íntimo, me pidió que le acompañara y allá que nos fuimos, con la singular coincidencia de que la fecha, en la que entramos en Portugal, era el 25 de abril de 1974, día en que estalló la Revolução dos Cravos. Ni que decir tiene lo que aquello fue y lo que supuso para nosotros, un tanto sorprendidos por los acontecimientos. La exposición se inauguraba el 27 de abril y así se hizo. En 1976, volvió a exponer Yuste en ese espacio, que a la sazón dirigía Artur do Cruzeiro Seixas y hasta 1983, y allí regresamos y lo encontré por vez primera. No volví a saber de él hasta 1986, después de la llegada definitiva a Madrid de Eugenio Granell, que era colega y amigo suyo y de Cesariny. Por medio de Granell tomé conciencia de su personalidad y de su obra. Lo vi en distintas ocasiones con Cesariny, Eugenio y Amparo Segarra. Desde el principio, me ocupe de que, en El Punto de las Artes, aparecieran referencia de sus exposiciones, comentarios a sus libros, los actos que oficiaba con los diferentes grupos surrealistas del mundo. Sobre todo, exposiciones individuales y de grupo en Portugal, España, París, Londres, de lo que él me informaba puntualmente o daba instrucciones para que los espacios expositivos lo hicieran. Pero el contacto mayor fue cuando la Galería de Sao Bento, que había montado Antonio Prates, vino a la Feria de Estampa y cuando nació el Centro Portugués de Serigrafia, CPS,

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Prates, vino a la Feria de Estampa y cuando nació el Centro Portugués de Serigrafia, CPS, y se abrió la Galería António Prates en Lisboa. António y João Prates lo trajeron a Arco, Estampa y a la galería que António Prates abrió en Madrid, C/ Blanca de Navarra, y trataron de acercar su obra a los coleccionistas. En esos años yo viajé con frecuencia a Lisboa y nos vimos y comenzamos a mantener una correspondencia, con cartas, postales y envíos de libros, siempre con sus característicos dibujos y pinturas. La persona de contacto era João Prates, que se ocupó de él como una especie de familiar, con cariño y con respeto manifiestos. También María João Fernandes, poeta y hada, que tanto ha aportado al entendimiento de su obra. Y más tarde, Carlos Cabral Nunes y Nuno Espinho da Silva, los amigos de Perve, otro punto de conexión. Adoraba la escultura de Andrés Alcántara y escribió la presentación de uno de los catálogos de su exposición en Lisboa, y para otro hizo un poema. Con Alcántara y João Prates estuvimos en muchas ocasiones, en los restaurantes de A Madragoa, en su casa Rua da Rosa y en ostugos misteriosos. Es justo señalar que a Cruzeiro le gustaba coleccionar, que consideraba el coleccionismo indispensable, tanto como la lectura. Por diligencia de João Prates conoció a Luis Moro, a quien estimaba y que también tiene textos y cartas de Cruzeiro. Luis Moro le visitaba e hizo algún libro con Cruzeiro y se frecuentaron hasta que Luis puso rumbo a México. Aún, una relación ancha y cordial con Juan Barreto y Fátima Rueda, a su vez muy cercanos a Amparo, Eugenio Granell y Natalia Fernández Segarra. Perfecto E. Cuadrado, lusista tenaz y total, profesor de la Universidad de Les Illes Balears, es su testamentario y la persona que ha ordenado su legado y regido el Centro del Surrealismo de Vila Nova de Famalicão, donde se encuentra el mayor acervo de Cruzeiro Seixas. Ha publicado la Correspondencia Cesariny-Cruzeiro, ha 12

comisariado sus exposiciones y ha estado en todo el análisis y lanzamiento al mundo del surrealismo portugués. Traductor de sus versos e investigador fundamental en la andadura creativa de Cruzeiro. Un contacto muy importante fue el que mantuvo con Juan Carlos Valera, poeta y editor conquense. Menú-Cuadernos de Poesía realizo una edición facsimilar de tres libros de Mario Henrique Leiría, que el poeta dejó a Cruzeiro, quién pidió a J. C. Valera su edición, las cuales se llevaron a cabo con participación de Granell, Raúl Perez, Saura, Jaguer, Antonio María Lisboa, Jules Perahim, Jose Pierre, Isabel Meyrelles, Carlos Calvet y el mismo J. C. Valera. Cruzeiro Seixas participó en las siguientes ediciones conquenses: Dados, Poemas de I. Meyrelles, Homenaje a Philip West, Homenaje a PHASES, Cadavre Exquis y Africa, quince poemas de Cruzeiro Seixas, con serigrafia y collages del poeta y traducción de J.C. Valera. Y Valera ya ha puesto en marcha la exposición de la historia de Menú, en la que participará la obra de Cruzeiro y una huella fértil para su centenario. En 2001, la Fundación Eugenio Granell de Santiago de Compostela montó una muestra antológica de Cruzeiro Seixas, que fue muy visitada. Y ese mismo año, “La Estirpe de los Argonautas” editó en Mérida, Galería de Espejos, una preciosa edición de poemas de Cruzeiro, al cuidado y traducción de Perfecto A. Cuadrado, que ya había publicado You Are Welcome to Elsinore. Poesía surrealista portuguesa, selección y traducción, Edicións Laiovento, Santiago de Compostela, 1996. Y no puedo dejar de mencionar a mi enciclopédico amigo, Xosé Antón Castrocatedrático, aventurero y marino- que escribió sucesivas veces sobre Cruzeiro y Cesariny. En aquella muestra conjunta de la Xunta de Galicia, 2010, y en otras circunstancias. Algún día tendremos que ocuparnos de que Antón Castro, ¡el auténtico!, deje de ser clandestino y airee la novela de su vida, su amor al mar y su


que ocuparnos de que Antón Castro, ¡el auténtico!, deje de ser clandestino y airee la novela de su vida, su amor al mar y su rigor determinante en el arte. Cruzeiro adoraba a Mario Cesariny, le admiraba, le respetaba, incluso cuando estuvieron enfadados, no se hablaban, pero el respeto quedó intacto. Cruzeiro no daba importancia a nada de lo que hacía, poniendo siempre por encima de todo a O Mario. Y siempre que alguien refería algo de su poesía, él la situaba por debajo de la Mario. Y ese sistema se propagó y se ha convertido en una idea recibida, en un tópico, que precisa debate. ¡No desdeñen la poesía de Cruzeiro Seixas, es importante y luminosa! Su condición de secreta, su edición tardía -excepto Eu falo en chamas, 1986-, han rebajado u opacado su interés, lo que es absolutamente injusto. Sus pinturas son formatos breves, lo que no les resta interés, pero no alcanzan el misterio de su poesía; Ediçoes Quasi publicó, en 2002, tres gruesos volúmenes de su poesía y otro está por salir. Ahora Porto Editora lanza una nueva edición de sus Poesías Completas. Si, era un surrealista integral, genial en sus objetos, pero eso no empecé la mágica belleza de su poesía ¡No la marginen, léanla y luego comenten, pero búsquenla con la pasión y sencillez con las que él la escribió! En 2012, la revista surrealista DERRAME, de Santiago de Chile, en su nº 8, dedicó un especial a la obra de Arturo Cruzeiro Seixas, “una de las figuras más importantes y señeras del surrealismo portugués”, según la propia publicación chilena. Participé en la presentación del Catálogo razonado de su obra seriada o múltiple, que tuvo lugar en el Centro Portugués de Serigrafía, Lisboa, cabe el Excmo. Sr Presidente de la República de Portugal, María João Fernandes, el autor y António Prates. Fue un acto memorable, pero aún lo fue mucho más la cena que siguió, en un barcito de enfrente, con unos cuantos amigos, y en la que Cruzeiro Seixas recitó a Camões, Lope de Vega, Pessoa, Cesariny…con una cabeza y un corazón deslumbrantes, ¡lo

apreciamos como un tesoro! El 15 de noviembre, próximo pasado, el diario ABC publicaba una hermosa necrológica de Cruzeiro Seixas escrita por Juan Manuel Bonet, poeta y bibliógrafo de fuste, que sabe de sus libros y pinturas. Bonet conoce bien la obra de Cruzeiro y en doble vertiente de lusofonía, dominando los ambientes portugués y brasileiro. Cruzeiro está editado en Brasil. Estas líneas responden a la petición de Carlos Cabral Nunes para el homenaje que Perve Galería ofrecerá a Cruzeiro Seixas, no tienen otra pretensión que registrar estas relaciones con lo español, que es probable sean más, pero sólo puedo hablar de lo que conozco. Y la de celebrar la existencia de un ser maravilloso, que tuvimos la fortuna de conocer y disfrutar ¡Cruzeiro ha sido un milagro y los milagros son eviternos! Tomás Paredes

Miembro de AICA Madrid, 25 de noviembre de 2020

Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d., circa 1952 Técnica mista sobre papel,, 31 x 22 cm, Ref.: CS162 13


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china sobre papel, 17 x 13 cm, Ref:CS215 Coleção Maria Helena de Sousa Figueiredo

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2001 Bronze, 83 x 49 x 49 cm, Ref.: 231 Edição de 7 exemplares. 3 provas de artista (PA) e 2 provas do editor (HC) numeradas a romano Coleção António Prates

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1956 Tinta da china e têmpera sobre papel, 20,5 x 14,5cm, Ref.: CS129

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Silêncios Antiquíssimos, 1998 Bronze (2 peças), 36 x 33 x 13 cm (cada), Ref.: 220 Edição de 7 exemplares, 3 provas de artista (PA) (A e B) Coleção António Prates

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Paisagem em preparativos de naufrágio, 1961 Tinta da china sobre papel, 49 x 39 cm, Ref.: CS240 Coleção António Prates

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china e lápis sobre papel, 20 x 23 cm, Ref.: CS243 Coleção Pedro Bandeira Blanc 16


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, , 1954 Guache sobre cartão, 39 x 25 cms, Ref.: CS248 Coleção António Prates

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, circa 1960 Tinta da china e lápis sobre papel, 30 x 42 cm, Ref.: CS246 Coleção António Prates

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, , n.d. Tinta da china e lápis sobre papel, 23 x 11 cms, Ref.: CS241 Coleção Pedro Bandeira Blanc

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) ...nascente das palavras e da poesia, n.d., circa anos 60 Têmpera e tinta da china sobre papel, 25,5 x 16 cm, Ref.: CS046

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1952 Têmpera e tinta da china sobre papel, 23 x 22cm Ref.: CS137

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Estudo para um desenho perdido, n.d. - circa 1950, Tinta da china sobre papel, 29 x 39 cm, Ref.: CS119

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Têmpera e tinta da China sobre papel, 19,5 x 29,7 cm, Ref.: CS206 Coleção Maria João Bandeira de Campos

Solidão

ao Cruzeiro

Recusou-se a comer, a beber – Desistiu de sonhar? quem sabe – entregou-se à aventura mais incerta. Deixou tanto – não nos despedimos. Olhamos as paredes: não estão brancas. No horizonte vemos o amigo – Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) ‘’As ilhas desconhecidas’’, 1970 técnica mista sobre papel, 62 x 70 cm, Ref.: CS250 Coleção António Prates

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Teresa Balté Lisboa, 8 de Novembro de 2020


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920) Sem Título, n.d., circa anos 1980 Têmpera sobre papel, 13,5 x 21 cm, Ref.: CS171

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china, caneta esfertográfica e tempera sobre papel, 22,7 x 23,7 cm, Ref.: CS205 Coleção Maria João Bandeira de Campos

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. - circa 1960 Tinta da china e tempera sobre papel, 30,5 x 32,5 cm Ref.: CS122

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d - circa anos 70 Tinta da china e têmpera sobre papel, 28 x 19 cm, Ref.: CS078

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china sobre papel, 17,5 x 23 cm, Ref.: CS202 Coleção Frederico Blanc de Sousa

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, c. 1980 Técnica mista sobre papel, 15,5 x 19,5 cm, Ref.: CS203 Coleção Maria Helena de Sousa Figueiredo 23


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1962 Óleo em cartão, 32,5 x 23,5 cm (oval), Ref.: CS166

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Carlos Cabral Nunes: Para além da questão das exposições, havia também uma outra proposta. O Mário (Cesariny) dizia: “Proposta de transformação da Sociedade”. Cruzeiro Seixas: Ah, mas isso... Isso é uma coisa que está a acontecer e que aconteceu com a Revolução Francesa, que aconteceu também com a Implantação da República em Portugal, que aconteceu com os novos regimes como tem acontecido em Inglaterra, e na América, sendo que cada presidente faz uma nova América. Quer dizer que tudo isto realmente são situações que vão acontecendo, e que coisas muito brilhantes resultaram disso tudo? Resultaram realmente coisas muito esquisitas. Mas coisas que sejam grandiosas, aquilo que a humanidade precisava, está muito longe de acontecer. Da Revolução Francesa o que é que nos ficou? Do Comunismo na Rússia o que é que nos ficou? De todas esses grandes acontecimentos; do assassino da família real, daquilo o é que nos ficou? Quer dizer, umas tontices, bater com a cabeça nas paredes, não sei quantos, e pouco mais... CCN: E o que é que o Artur quer dizer, quando afirma “Daquilo que a humanidade de facto precisava não ficou nada”. Mas o que é que a humanidade de facto precisava? CS: Nada não! Alguma coisa fica, mas pouco. CCN: Mas o que é que precisava mesmo? CS: Algo que você fala muitas vezes, nesse seu projeto de discurso (n. Ed. sobre a acção Artivista Cultural, realizada no dia 28 de Junho, onde foram vendadas, em Lisboa, 9 estátuas de figuras ilustres das artes e da cultura). Por exemplo: as pessoas respeitarem-se umas às outras, isto é, falando a linguagem mais fácil, pois é claro que, para além disso, há imensas dificuldades de toda a ordem, com a ciência, com os exércitos, com tudo isso; isso tudo são problemas gravíssimos a serem resolvidos. Como é que nós hoje estamos a manter exércitos em todo o mundo? Aqui em Portugal, por exemplo, como é possível que nós mantenhamos um exército? Quer dizer: não temos dinheiro para comprar uma obra de Max Ernst que representa a Soror Mariana Alcoforado, mas temos dinheiro para comprar canhões? Quer dizer: os senhores todos cheios de condecorações e muito importantes a tomarem whiskey a toda a hora julgam-se no direito de ensinar um jovem de vinte anos a matar outro jovem de vinte anos. Isto pode pode ser? isto é intolerável, como é possível um jovem de vinte anos matar outro jovem de vinte anos? é uma coisa incrível... E por aí fora, tudo coisas deste género. CCN: E acha que a arte e a cultura têm algum papel a desempenhar nessa transformação, ou pelo contrário, também já são só um adorno. Ou o que é que podem ser, ou o que é que deviam de ser? CS: O nome que se lhes dá, é um nome. Entre muitos nomes que se dão, como cão, como gato, como relógio, como parafuso. Agora o que é, é claro. São nomes que transcendem tudo, e isso realmente é que não se vê que aconteça. Não se vê, onde é que está realmente o resultado da cultura. Há os senhores absolutamente geniais, é o nome que se lhes dá até, são geniais. E que fazem propostas, que fazem obras, que fazem coisas extraordinárias como foi todo o Surrealismo, com gente extraordinária e honesta, sobretudo. E o que é que se vê? Continua tudo na mesma, um bocadinho mais na mesma. Há uma palavra que eu gosto muito: é a honestidade, e isso é muito difícil de exigir aos Homens, que sejam honestos. Honestos consigo mesmos, até. E as pessoas estão a aldrabar, consigo mesmas, constantemente. Pergunto-me se isso faz parte do ser humano, ou se é uma coisa que entrou em nós com a ideia de sociedade, de sociedade organizada. Eu não tenho o dom da palavra, tudo isto são tontices, mas são coisas que me provocam uma grande raiva e um grande mal estar. CCN: O que é que o faria feliz, agora que está quase a caminho dos 100 anos? CS: Ah, bom... isso de caras, é que as pessoas se entendessem umas com as outras e que não andassem a guerrilhar, mas claro, não se vê nada. Esse caminho não se vê, não se vê anunciado, não se vê realizado, não se vê sequer pronúncios dele porque os Homens não querem, porque os Homens descobrem coisas como aldrabar, que é o que eles gostam mais de fazer uns com os outros, para terem mais um automóvel, para terem mais uma amante, mais uma casa na província, mais uma casa de fim-de-semana, enfim, são “ideais” como estes que preenchem a sociedade, infelizmente. Excerto de entrevista a Cruzeiro Seixas, realizada no âmbito do ciclo de celebração dos 70 anos sobre a 1ª exposição de Os Surrealistas em Portugal, por Carlos Cabral Nunes, assistido por Mariana Guerra. Junho de 2019. 25


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Gravura - prova de autor, 38,3 x 48,5 cm, Ref.: CS207 Coleção Maria João Bandeira de Campos

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china, lápis e têmpera sobre papel, 17,5 x 23,5 cm, Ref.: CS208 Coleção Frederico Blanc de Sousa

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 21 x 29,6 cm, Ref:CS187

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 42 x 59,5 cm, Ref:CS190

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2000 Tempera e tinta da china sobre papel, 24,5 x 14,5cm, Ref.:CS049

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 13,5 x 19,7 cm, Ref:CS195 28


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 24,7 x 36, Ref:CS192

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 54,7 x 67,7 cm, Ref:CS189

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, Técnica mista sobre papel, 21 x 29,6 cm, Ref:CS194

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 32,5 x 42,7 cm, Ref:CS188

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china, lápis e tempera sobre papel, 17x 34 cm, Ref:CS209 Coleção Frederico Blanc de Sousa

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china, lápis e tempera sobre papel, 13,5 x 14,5 cm, Ref.: CS210 Coleção Frederico Blanc de Sousa

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china, caneta esferográfica e tempera sobre papel, 30,7 x 21 cm, Ref:CS204 Coleção Maria João Bandeira de Campos

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2000 Bronze, 29 x 29 x 9 cm, Ref.: 226 Edição de 7 exemplares. 3 provas de artista (PA) e 2 (HC) numeradas a romano Coleção António Prates

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 20,5 x 28 cm, Ref:CS198 Coleção Carlos Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 26,9 x 29,2 cm, Ref.: CS197 Coleção Carlos Cabral Nunes 33


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, c. 1980 Têmpera e tinta da China sobre papel, 21 x 16 cm, Ref.: CS74

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Pequena homenagem ao Barão de Gilles de Rais Companheiro de Jeanne D’arc e meu, 1954 Tinta da china sobre papel, 33,5 x 22 cm, Ref.: CS126 34


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china e tempera sobre papel, 29 x 20,5 cm, Ref:CS217 Coleção Maria João Bandeira de Campos

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Fernando José Francisco | Mário Cesariny | Cruzeiro Seixas Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, 31,5 x 41 cm, Ref.: CESQ_C4

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 33,5 x 44 cm, Ref:CS191

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china sobre papel, 42 x 21 cm, Ref.: CS211 Coleção Frederico Blanc de Sousa

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china sobre papel, 31 x 21,5 cm, Ref.: CS29 Coleção Aurora e Carlos Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china sobre papel, 21 x 16 cm, Ref.: CS28 Coleção Aurora e Carlos Cabral Nunes 38


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. Tinta da china e lápis sobre papel, 28,5 x 20,5 cm, Ref.: CS212 Coleção Maria Helena de Sousa Figueiredo

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. - circa anos 90 Tinta da china e tempera sobre papel, 26,5 x 16 cm, Ref.: CS75

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2012 Técnica mista sobre papel, 14,8 x 21 cm, Ref:CS193 40


Obras de Homenagem a Cruzeiro Seixas

Eurico Gonçalves (Portugal, 1932) Homenagem a Artur Manuel Cruzeiro Seixas com o Abraço do Eurico, 1970 Colagem e lápis de cor sobre papel, 72 x 37 cm, Ref.: EU28

“Artur do Cruzeiro Seixas deu longa vida ao surrealismo português. Os seus desenhos e objetos, nascidos da associação livre de elementos inesperados, continuam hoje tão irreverentes como quando foram criados. O ‘rei Artur’ deixou-nos, mas a sua obra seguirá sendo uma inspiração.” Primeiro Ministro, António Costa

9 de Novembro de 2020 - in plataforma digital twitter

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Javier Félix (Colômbia, 1976) Homenagem a Cruzeiro Seixass, 2020 Dimensões variáveis, Ref.: JVF067

“Recebo com tristeza a notícia do falecimento de Cruzeiro Seixas, aos 99 anos. Decano dos artistas portugueses, Artur do Cruzeiro Seixas era o último dos surrealistas, movimento que integrou com Cesariny, Calvet ou Vespeira, e a que foi fiel, na arte e na vida, até ao último dos seus dias. Tive a honra de o receber na Assembleia da República em 2018, por ocasião da Exposição “Arte, Resistência e Cidadania”, organizada pela Bienal Internacional de Arte de Cerveira nos 40 anos do certame, em cujo acervo se incluem obras de Cruzeiro Seixas, sem dúvidas um dos artistas que mais marcaram a evolução da arte contemporânea em Portugal. O seu desaparecimento, a semanas de completar 100 anos, constitui uma enorme perda para Portugal e para as artes a nível internacional, ou não fosse o traço inconfundível de Cruzeiro Seixas o traço de um dos últimos surrealistas vivos. Em meu nome e no da Assembleia da República, endereço à sua Família e Amigos as mais sentidas condolências.” Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues

8 de Novembro de 2020 - in portal digital parlamento.pt

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2012 Técnica mista sobre papel, 14,8 x 21 cm, Ref: CS193

Cruzeiro Seixas | Alfredo Luz Sem título- Cadávre-exquis, 2019 Ténica mista sobre papel, 12.5 x 9 cm, Ref.: CESQ_ALCS12 Coleção Alfredo Luz

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100 imagens para Artur do Cruzeiro Seixas É uma homenagem a Artur do Cruzeiro Seixas, no quadro do colectivo/plataforma artística Borderlovers1. São 100 imagens que resultam de uma prática de atelier e vida muito grata a diversos artistas: o diário gráfico, embora neste caso, em folhas (de formato próximo do A4) soltas. Formal e tecnicamente recorre a técnicas de desenho, ilustração, pintura, e impressão mecanográfica. As sete ilustrações originais, feitas por mim, a acrílico e alusivas ao centenário do artista, foram impressas em múltiplas cópias, c-prints, que foram depois intervencionadas por mim e pelo meu amigo e colega Ivo Bassanti. Sob a curadoria do, provavelmente, maior especialista da obra de Cruzeiro Seixas e do surrealismo em Portugal, Carlos Cabral Nunes e em estreito e constante diálogo com ele, tomei a meu cargo a vertente iconográfica e relacional, com outros autores, obras e figuras. Ao Ivo coube a parte mais lírica e surrealizante, por via da sua figuração livre. O resultado é uma viagem visual, pela vida, obra e referências do poeta. Escrevo este texto, uns dias antes da abertura da exposição “Construir 100 Nadas Perfeitos” e uns dias após a sua morte e a série ainda não está concluída. Não me apetece que esta viagem termine. A vida, obra e pensamento daquele que foi o “homem que pinta” constituem uma maravilhosa e fascinante confluência de sinais, presenças e intersecção de luzes criativas que se mistura com a história da arte e da literatura dos séculos XIX e XX e de todo o trajecto cultural da humanidade. Gostava de ficar mais tempo a revisitar e reinterpretar / remisturar esse(s) universo(s), através de exercícios diários de grafismo e pintura, em parceria com o Ivo e com o Carlos. Mas aproxima-se a data da festa dos 100 anos - é já no dia 3 Dezembro deste ano de 2020. Será em Lisboa e um pouco por todo o Portugal e Mundo. Mas no meu coração e no meu sonho, estas pequenas obras funcionam como 100 convites para uma outra festa, mais etérea e hiperbólica, uma enorme celebração, com 100 dos seus amigos e convidados especiais: só poderá ser Projeto Borderlovers | Perve Galeria Curadoria: Carlos Cabral Nunes no Palais Idéal de Facteur Cheval, Artwork Pedro Amaral com a participação especial de Ivo Bassati arquitecto que Cruzeiro Seixas tanto A festa do Rei Artur, 100 Nadas Perfeitos para Cruzeiro Seixas, 2020 admirava. Lá estarão o Carlos e o Instação, dimensões variáveis Nuno Espinho da Silva, O João e o António Prates, a Isabel Meyrelles e a Paula Rego, entre tantos outros. Mas acendam-se os candeeiros do palácio, André Breton e Madame Rrose Sélavy estão para chegar! uma vasta lista de seus notáveis pares quis estar presente, para festejar a importância de uma figura e autoria maiores. Natália Correia dirá poesia e Pablo Picasso fará pinturas com luz. De Chirico, Picabia e o Conde de Lautréamont estarão em animada conversa com Mário Botas, Pedro Oom, Vespeira e Mário de Sá Carneiro. Cesariny tocará piano e Man Ray fará belas fotografias, da festa do Rei Artur, fazedor de 100 nadas perfeitos e merecedor de 1000 tributos. Pedro Amaral - Mem Martins, 24 de Novembro de 2020 Fundado, em 2017, por Pedro Amaral e Ivo Bassanti, a Borderlovers é uma plataforma colectiva artística, que tem como objectivo, neste momento de crise cultural e civilizacional, desenvolver uma prática criativa onde se insiram noções de esperança, espiritualidade, cura e pacificação universais. O projecto assume-se como ecuménico e defensor dos valores da integração dos povos, culturas e religiões e dos valores da democracia, igualdade social e defesa de todas as minorias. Tem desenvolvido, nos últimos três anos, diversas acções de celebração de obras e autores, sobretudo lusófonos, frequentemente em exercícios de relacionamento com obras e autores de outras expressões culturais e linguísticas.

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Projeto Borderlovers | Perve Galeria Curadoria: Carlos Cabral Nunes Artwork Pedro Amaral com a participação especial de Ivo Bassati A festa do Rei Artur, 100 Nadas Perfeitos para Cruzeiro Seixas, 2020 Instação, acrílico sobre c-prints, 100 folhas, 25 x 32 cm (cada) 45


Cruzeiro Seixas | Mário Cesariny | D. Evans do Núcleo Cadavre Exquis, 1967 Tinta da china e esferográfica sobre papel, 27,5x 20,5 cm, Ref: CESQ_CSY_CS_DE

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Núcleo Cadavre Exquis | Sociedade Nacional de Belas-Artes Inauguração 3 de dezembro de 2020

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Núcleo Cadavre Exquis | Sociedade Nacional de Belas-Artes Obras do Núclo Cadavre Exquis e outras obras colaboraticas, patente até 30 de dezembro de 2020 na Galeria Fernando José Azevedo na SNBA

Cruzeiro Seixas| Gabriel Garcia Sem Título, 2009 Tinta da china e aguada sobre papel, 21 x 50 cm, Ref.: CESQ_CSL_CS1

No Centenário de Cruzeiro Seixas Companheiro desde a escola António Arroio de Cesariny, Vespeira, Pomar e Fernando Azevedo, Cruzeiro Seixas tem uma obra plástica interventiva desde os anos 40, partindo da Sociedade Nacional de Belas Artes. Com o grupo de Cesariny e António Maria Lisboa, estabelece o Grupo Surrealista, cindido do primeiro grupo, de António Pedro. Estabeleceu-se em Angola na década 50 e em 1953 expõe com o poeta Alfredo Margarido. Em Portugal, Bolseiro Gulbenkian em 1967, expõe na Galeria Bucholz, com a curadoria de Rui Mário Gonçalves e Pedro Oom. Estabeleceu-se no Algarve na década seguinte, sempre ligado à promoção cultural e ao surrealismo, a que se manteve fiel até ao fim: “Aquilo com que me envaideço é sair da vida tão pobre como quando comecei” [entrevista em 2019 com Fernanda Cachão] Associado e amigo da SNBA, onde expôs em numerosas ocasiões, e em que se destaca uma retrospectiva em 1982, no Salão, ou a exposição “O Surrealismo Abrangente,” organizada pela Fundação Cupertino de Miranda / Centro de Estudos do Surrealismo, em 2005. Aqui o recebemos, no seu centenário, assinalando-o agora para sempre. João Paulo Queiroz, SNBA, Presidente da Direção - 25 de Novembro de 2020

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Placas escultóricas, Jóias e Livros de artista

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2010 Jóia em Prata e zircão - Prova Única, 7 x 9 x 1 cm Ref.: CS164

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2010 Joia pregadeira em Prata e zircão - Prova Única, 7,5 x 4 cm Ref.: CS165

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Objeto intervencionado, 2,2 x 3,5 cm, Ref.: CS218 Coleção Maria João Bandeira de Campos

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 2013 Ferro e alumínio, 11 x 20 cm, Ref.: CS N2 50


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2013 Ferro e alumínio, 15 x 24 cm, Ref.: CS N6

Livro-objecto artístico Prosseguimos, cegos pela intensidade da luz de Artur do Cruzeiro Seixas “No dia 30 de Junho foi lançado no Porto um livro-objecto artístico, da autoria de Artur do Cruzeiro Seixas, intitulado, sugestivamente, “Prosseguimos, cegos pela intensidade da luz”. O lançamento decorreu na altura em que também ali inaugurou um pólo da exposição iniciada na antiga sala de projecções da Pathé-Baby, em Lisboa. O livro foi também apresentado em Lisboa no auditório do Museu Colecção Berardo, no CCB, com a presença do autor. Acompanhou esta apresentação a exibição de um conjunto de filmes realizados, nos anos 50 do século XX por Carlos Calvet, também ele membro do Anti-Grupo Surrealista português”. Carlos Cabral Nunes, 2009

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Mário Cesariny | Cruzeiro Seixas | Fernando José Francisco do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, 31,5 x 41 cm, Ref.: CESQ_C1

Cruzeiro Seixas | Mário Cesariny | Fernando José Francisco do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, 25,5 x 35,5 cm, Ref.: CESQ_CS2 52


CRUZEIRO SEIXAS - O Amigo que nunca se esquece “Alô Monsieur Breton! Commen ça và?!” Era este o código que utilizávamos para que Cruzeiro Seixas me identificasse ao telefone. O ouvido já não lhe obedecia como há cerca 38 anos, quando o conheci no atelier do Eurico, em Lisboa. Do outro lado, ele achava graça. Sorria sempre.

Monsieur Breton n’est plus la…

Pouco depois de o ter conhecido, cerca de 1982/83, refugiou-se no Algarve, em São Brás de Alportel, onde transformou um antigo curral numa maravilhosa casinha de campo, a sua “Caverna”, em homenagem a Dorothea Tanning, autora de uma litografia da sua Colecção, La Caverne. E foi com imenso prazer que a revisitámos por volta de 2004, então habitada por um casal de ingleses que nos receberam com imensa simpatia. Aqui se relacionou com os artistas e galeristas do meio, participando e desenvolvendo, como sempre, uma intensa actividade cultural. Do Algarve regressou a Lisboa, para se alojar num amplo 3º andar da Rua da Rosa, no Bairro Alto. Sem elevador, subia e descia vezes sem conta aquelas escadas, e, quando saía, deixava o rádio ligado na música clássica “por causa da ladroagem”, sugerindo que havia gente em casa. Tanto eu como o Eurico tivemos o enorme privilégio de folhear os livros da sua fabulosa Biblioteca, muitos dos quais ele magistralmente intervencionava. Aí, admirámos a sua fantástica Colecção de obras, maioritariamente relacionadas com o Surrealismo, onde sobressaía um pequeno “cadavre-exquis” datado de 1936, da autoria de Breton, Tzara, Greta Knutson e Valentine Hugo. Cruzeiro Seixas confessava com orgulho que todas as suas economias eram aplicadas em novas aquisições. Da sua Colecção destacam-se nomes, como: Ana Hatherly, Anne Éthuin, António Areal, António Domingues, António Quadros, Arpad Szenes, Jorge Camacho, Carlos Calvet, Carlos Eurico da Costa, Cavalcanti, Cesar Moro, Mário Cesariny, Dorothea Tanning, Eugenio Granell, Eurico, Giordano Bruno, Gonçalo Duarte, Hein Semke, João Rodrigues, Jorge Barradas, Jorge Vieira, José Escada, José Francisco Aranda, Jules Perahim, Júlio Pomar, Júlio dos Reis Pereira, Malangatana, Manuel d’ Assumpção, Mário Botas, Mário Eloy, Mário Henrique Leiria, Max Ernst, Menez, Paula Rego, Philip West, Raúl de Carvalho, Raúl Perez, Rik Lina, Franklin e Penélope Rosemont, Saura, Sónia Delaunay, Teixeira de Pascoais e Victor Brauner, entre outros. Na casa do Bairro Alto, a sala era confortavelmente decorada com gosto e com requinte. Os nichos das paredes, em tom marfim, exibiam fotos de família e de amigos chegados, que ele ia apresentando: A minha avó com o irmão…tem aqui a data…imagine, uma fotografia da minha avó menina, com 15 anos, parecia já uma velha! Havia Inúmeras miniaturas herdadas da mãe, Maria Rita Andreia do Cruzeiro Seixas, bonecas de biscuit, caixinhas, brinquedos, pequeninas gavetas cheias de surpresas, um belo cinto de artesanato turco, em prata, que Cruzeiro Seixas usara em tempo de juventude, ou um pequeno copo, que assim recordava: O meu avô bebeu por este copinho, o meu pai bebeu por este copinho, o meu tio bebeu por este copinho, eu bebi por este copinho de prata, engraçado! Ainda na sala, uma cama estreita e muito antiga, de madeira escura, servia de sofá. Tinha almofadas verde-garrafa, iguais à do cadeirão, que pedia conserto. A propósito, ele sorria dizendo: “Conserto? Já não vale a pena! Quero ir-me embora!” – Desejo que manteve durante mais de trinta anos! Fascinava-me um conjunto de objectos, pequenas estatuetas e máscaras africanas sobre uma mesa com tampo de vidro. Uma delas pertencera a Henrique Galvão. Cruzeiro Seixas conhecia o seu significado. Este é um “gingongo”, fazem disto metido nos panos, para terem gémeos, imagine! 53


A “aventura surrealista” reabilita os rituais e a magia das artes e das culturas ditas primitivas. São conhecidas as Colecções de arte primitiva de Max Ernst, Lévi Strauss, Carlbach, Segredakis André Breton, Masson, Lam, Matisse, Picasso, e, em Portugal, de Cruzeiro Seixas, hoje na Fundação Cupertino de Miranda, em Famalicão. O pintor fixou-se em Angola entre 1952 e 1964. A sua aventura por terras de África, “um amor inteiramente correspondido”, proporcionou-lhe o encontro com as raízes milenares dos “primitivos”, que inspiraram a realização de uma parte significativa da sua obra poética e plástica. Aí iniciou a sua Colecção de arte africana, posteriormente aberta aos povos da América latina, manifestando também uma grande paixão pela arte “naïf ” do homem comum, da criança e do “louco”. Cruzeiro Seixas redescobriu na arte dita primitiva o seu significado profundo e espiritual, o fascínio e a nostalgia das imagens de um passado longínquo, que não se processa apenas por via do exotismo, mas também pelo imediatismo com que nos transportam para as quimeras, fábulas, superstições, e estranhas crenças, que o homem primitivo soube exprimir de forma tão tocante. Cruzeiro Seixas odiava os mecanismos institucionais da Igreja e seu “pecado original” - “a noção mais infame da religião cristã”, nas palavras de André Breton. Nesta perspectiva, a sua obra evoca as admiráveis cenas orgíacas do “Jardim das delícias” de Jerónimo Bosch, precursoras do Surrealismo numa época em que os cristãos se dividiam entre a tentação e a “salvação”. Visionário e subversivo, o pintor quinhentista contribuiu para a desocultação de todo um processo mental obscurantista, ao abrir as portas do subconsciente. As “Tentações” são representações simbólicas que se relacionam com a temática artística da época. A vida dos santos, os “mistérios”, as “farsas” e os temas diabólicos, abrem definitivamente o caminho à interpretação alegórica do monstro, semi-humano, semi-animalesco, que confirma a ordem divina da criação. As alegorias e as metáforas medievais, as metamorfoses e as transformações, denunciam o homem “corrupto” e “pecador”. À beira da loucura, o “sonho” e a “visão” dão-nos a dimensão global do homem medievo: o sonho do heroísmo e do amor, herdado da cavalaria; a visão da morte, as emoções e os fantasmas. A fundamentação erótica e o recalcamento colectivo têm por base uma ética igualmente colectiva, baseada em normas e leis rigorosas, de que o erotismo não se compadece, ao exigir o prazer da transgressão. A época apresenta-se com um vivo sentimento do corpo e da sensualidade.

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1999 Bronze (2 peças), 38,5 x 38 x 14,5 cm (cada), Ref.: 227 Edição de 7 exemplares, 3 provas de artista (PA) e 2 provas do editor (HC) numeradas a romano (A e B) Coleção António Prates

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Perturbadora, visionária, nocturna, estranha e inquietante, a imagética simbólica, metafórica e metamórfica de Cruzeiro Seixas remete-nos para o universo boscheano. A tentação, o prazer delirante, a paixão sublime de sensuais copos juvenis erotizados; rochosas paisagens, áridas planícies, estranhas arquitecturas vazadas; imagética cenográfica de baixos horizontes, abismo e vertigem; o silêncio e o crepúsculo, a lua e o mar, a nau e a sombra, a noite e o raio, o clarão e o astro; o cavalo-homem e o homem-pássaro; a fechadura sem chave e a chave sem fechadura; o ritmo ondulante, silencioso e orgânico; o violino, a pena, o garfo, o aparo, o bastão e a bandeira; as criaturas híbridas, de pesadas asas que não voam; o ser colossal e o minúsculo ser em movimento, ou a monumentalidade ilusória no pequeno formato. A nossa grande esperança é sermos expulsos do inferno, como fomos do céu (C. Seixas, Desaforismos). Por toda a parte há sonhos a empurrar outros sonhos para o abismo (Cruzeiro Seixas, A liberdade Livre, Lisboa, S.P.A., 2014). Cruzeiro Seixas referia frequentemente as dificuldades económicas com que viveram os pais, que, no entanto, puderam contar sempre com a ajuda do filho, motivo porque nunca pode desenvolver actividade artística a tempo inteiro. Trabalhou nos mais variados ofícios, chegando a alistar-se na Marinha Mercante, experiência que lhe proporcionou importantes viagens, as quais, de outro modo não poderia ter realizado, em momentos mais difíceis. Nunca se serviu do poder instituído, nem mesmo nos últimos anos de vida, vivendo de forma bem modesta, sem o conforto e o desafogo que conquistara por direito! Nunca pedi nada a ninguém e não vai ser agora que vou pedir!”- Dizia, com orgulho. Desprezava a ganância do poder e do dinheiro, mais preocupado com a relação ética e humana com os amigos e com a vida. “Para que quero eu o dinheiro?” – Dizia, fazendo questão de lembrar a felicidade dos pais, apesar de tudo… O sol é feito de delinquentes de delito comum, de gentes que não vêm biografadas em parte alguma e nunca vestirão ridículos fatos de bronze na Praça Pública. (C. Seixas in catálogo da exposição “Cesariny, Cruzeiro Seixas, Fernando José Francisco – e o passeio do cadáver esquisito”, Perve Galeria, Outubro, 2006)

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Guitarra Alada, 1999 Escultura alto relevo em pó de pedra sobre base de madeira pintada, 35,5 x 60 cm, Ref.: 219 Edição de 25 exemplares e 5 provas de artista (PA) Coleção António Prates

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 1999 Escultura alto relevo em pó de pedra sobre base de madeira pintada, 50 x 60 cm, Ref.: CS235 Edição de 25 exemplares e 5 provas de artista (PA) Coleção António Prates

Cruzeiro Seixas | Mário Botas | Fernando José Francisco do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 (assinaturas no verso) Técnica mista sobre papel,25,5 x 35,5 cm Ref.:CESQ_CS_MB_FJF01 56


O Mestre do Surrealismo teve uma vida cheia de sensações e contradições. Com Mário Cesariny manteve uma relação de Amor / Ódio, não se cansando, no entanto, de exaltar o seu génio criador, que colocava num pedestal que ele próprio admitia não alcançar. “Era um tipo genial!” – afirmava, citando-o com admiração: Os bois puxam para a frente; os homens puxam para cima! E dizia de cor páginas e páginas da poesia de Cesariny, Teixeira de Pascoais, Mário de Sá Carneiro e tantos outros, que admirava. Todas as noites digo poesia. São as minhas orações! E a dele próprio, não a sabia de cor, curiosamente. Em 1998, Cruzeiro Seixas comemorou, como já se tornara habitual, o aniversário do Eurico em nossa casa, onde lhe ofereci um pequeno livro (16,1x11,9x1cm de lombada) com 48 páginas, em papel reciclado, que “cobiçara”, em cima de uma mesa. Cerca de um mês depois, para grande espanto nosso, recebi-o na volta do correio, completamente intervencionado com desenhos, “desaforismos”, recortes de jornal, citações e textos poéticos, com a seguinte dedicatória: “Este livrinho volta à Dalila, agora mais completo, com a amizade do Cruzeiro Seixas”.

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 2000 Bronze (2 peças), 175 x 75 x 35 cm, Ref.: 230 Edição de 7 exemplares, 3 provas de artista (PA) e 2 provas do editor (HC) numeradas a romano (A e B) Coleção António Prates

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O pintor não deixa de nos surpreender com a sua espantosa imaginação, humor e qualidade humana. Num recorte colado numa página deste pequeno livro, pode ler-se: Levará sete anos a chegar a Saturno. Na Terra houve mais um dia mundial da alimentação, durante o qual ficou a saber-se que há mais de 800 mil pessoas a passar fome, enquanto há dinheiro de sobra para a corrida às armas. E, mais adiante, acrescenta: Perante o panorama existente pergunto-me se ainda é legítimo alguém considerar-se surrealista neste 1997 aqui (…) perante o ensino que continua a ignorar os jovens dos bairros de lata e os do terceiro mundo, a mim me parece que seria preferível ter a coragem de correr o pano desta tragi-comédia…; Que é o meu nada, comparado com o horror que vos espera?” (citando Rimbaud); São em número muito superior aos que vendi, os desenhos e pinturas que dei, e é destas ofertas que tiro prazer; Na terra dos cegos, quem tem olho é Presidente da República… Cruzeiro Seixas interroga-se sobre o papel social da Arte, que, à margem do sistema e contra o sistema, não abdica de valores éticos, estéticos e poéticos: Sim moral no hay Arte (evoca Saura); Será que muitos dos monstros sagrados do pensamento actual não passam de impostores? ; Ceux qui font les révolutions à moitié, ne font que creuser leur propre tombeau (cita Saint Just); Que fazer, se cheguei a uma altura da vida em que os mortos me acompanham mais do que os vivos? O livrinho intervencionado por Cruzeiro Seixas integra ainda fotos e referências a autores seus amigos, vivos ou mortos (Mário Botas, Cesariny, Raúl Leal e Maria Helena Vieira da Silva), fotos das suas montagens objectuais e desenhos originais, frequentemente vinculados a Lisboa e a Portugal. É o caso de “Mar Português” (gaiola com um búzio), com a seguinte legenda: …não preciso de um búzio, numa rosa ou num malmequer ouço o mar (…) um dos espectáculos mais belos desta minha Lisboa de há uns anos era ao fim da tarde o desembarque da “vedeta” vinda do Alfeite, cheia de marinheiros estilizados nas suas fardas, invadindo alegremente as ruas da baixa. Hoje não resta qualquer lembrança viva do mar nesta cidade. Se eu tivesse algum poder, organizava todos os dias este mesmo espectáculo, nem que fosse com figurantes…” E o pintor-poeta, nostálgico de um tempo que já não volta, continua: seria eu capaz de te amar tanto e com a mesma constância como amo a tua ausência? (…) Grave erro foi querer que os outros me amassem / sem eu me amar a mim mesmo…

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 2000 Bronze (2 peças), 175 x 75 x 35 cm, Ref.: 238 Edição de 7 exemplares, 3 provas de artista (PA) e 2 provas do editor (HC) numeradas a romano (A e B) Coleção António Prates 58


Recentemente, pouco antes de mais uma das múltiplas homenagens que lhe foram dedicadas, Cruzeiro Seixas escrevia-nos: Amigos Dalila e Eurico / tudo mexe como se fosse novo, mas, afinal, trata-se de uma repetitiva mascarada. À falta de melhor, e com saudades vossas, aqui fica o abraço do, Rei Artur (20-032018). Em Setembro do mesmo ano, seguiu-se a viagem que realizámos até Palma de Maiorca, para vermos uma anunciada exposição de Chirico. A visita estendeu-se à maravilhosa Catedral de Palma e à Fundação Pilar e Joan Miró, com a maior lucidez e entusiasmo do nosso Amigo. Viagem para sempre na nossa memória. Mais recentemente, numa das últimas ocasiões em que almoçámos e passeámos junto ao mar, e a propósito do que íamos conversando, perguntei-lhe: - Cruzeiro Seixas, o que é para si o “bom gosto”? - Resposta imediata: “É uma árvore - Uma árvore? - Sim, uma simples árvore! Assim era o nosso Amigo Artur Manuel de Cruzeiro Seixas. Foram quase 100 anos de uma personalidade inesquecível! Dalila d’ Alte Rodrigues - 27 de Novembro de 2020

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1999 Bronze (2 peças), 38,5 x 38 x 14,5 cm (cada), Ref.: 227 Edição de 7 exemplares, 3 provas de artista (PA) e 2 provas do editor (HC) numeradas a romano (A e B) Coleção António Prates

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Liberdade em estado líquido CS01: foi este o código de inventário que digitámos há talvez 20 anos quando expusemos pela primeira vez uma obra do Artur do Cruzeiro Seixas. Trata-se de uma obra icónica, datada de 1971, ano do meu nascimento e também do meu amigo e parceiro de aventuras artísticas, Carlos Cabral Nunes. Agora, é com enorme entusiasmo, apesar do desaparecimento físico do Artur, ainda muito recente, que no processo de preparação do ciclo de exposições do celebração dos 100 anos de Cruzeiro Seixas, inventariamos a obra CS250 que, com muitas outras vão dar corpo, daqui a poucos dias, a um momento que esperamos importante na divulgação, estudo e mais do que tudo de fruição, da obra de Cruzeiro Seixas. Muitas outras obras, para além destas, tive oportunidade de ver, quer em coleções privadas, exposições, catálogos em papel e on-line e, de uma forma geral todas elas geraram em mim uma forte emoção pelo efeito da permanente surpresa e encantamento que transportavam. Assim era também o Artur que conheci, uma pessoa apaixonada pela poética da vida, agindo e pensando segundo os gestos e processos surrealistas que o conduziam uma liberdade plena. Isso é de facto admirável! Talvez uma liberdade em estado líquido, tal como água, passando as mais estanques fronteiras, inundando tudo e todos. Que esse líquido de liberdade, lançado pelo Artur através da sua magnífica obra, consiga humedecer o nosso mais intímo ser e então, após o prazer provocado por essa indelével sensação, possamos nele submergir para sempre! Nuno Espinho da Silva - Director executivo da Perve Galeria | Novembro 2020 Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 2000 Escultura alto relevo em pó de pedra s/ madeira, 110 x 70 cm, Ref.: 236 Edição de 25 exemplares e 5 provas de artista (PA) Coleção António Prates

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Austero, 2000 Escultura alto relevo em pó de pedra s/ madeira 90 x 54 cm, Ref.: 237 Edição de 25 exemplares e 5 provas de artista (PA) Coleção António Prates 60


Mário Cesariny | Cruzeiro Seixas | Fernando José Francisco do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, x cm, Ref.: CESQ_CS1

Cruzeiro Seixas | Mário Cesariny | Fernando José Francisco Sem Título, 2006 Técnica mista sobre papel, 20x70 cm, Ref.: CESQ_CS4

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Cruzeiro Seixas | Gabriel Garcia Sem Título do Núcleo Cadavre Exquis, 2009 Tinta da china e aguarela sobre papel, 24 x 70 cm, Ref.: CESQ_CSL_CS2 Coleção Cabral Nunes

Fernando José Francisco | Mário Cesariny | Cruzeiro Seixas do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, 31,5 x 41 cm, Ref.: CESQ_C2 62


Mário Cesariny | Fernando José Francisco | Cruzeiro Seixas do Núcleo Cadavre Exquis, 2006 Técnica mista sobre papel, 31,5 x 41 cm, Ref.: CESQ_C1

Cruzeiro Seixas | Fernando José Francisco As Descobertas, 2007 Técnica mista sobra papel, x cm, Ref.: CESQ_CSF1

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Cruzeiro Seixas | Fernando José Francisco Esperança, 2007 Técnica mista sobre papel, 24 x 30 cm, Ref.: CESQ_CSF2

Cruzeiro Seixas | Fernando José Francisco Pescarias da Alma, 2007 Técnica mista sobre papel, 24 x 30 x cm, Ref.: CESQ_CSF2

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Artur do Cruzeiro Seixas, l’alchimiste Par Françoise Py

« Os Surrealistas » et rejoint le groupe L’immense artiste surréaliste Artur do Cruzeiro des surréalistes portugais fondé par Mario Seixas (de son nom complet Artur Manuel Cesariny. Mario est un poète qui peint, Artur Rodrigues do Cruzeiro Seixas Gose) vient un peintre qui écrit. de nous quitter le 8 novembre 2020. Né à Leur complicité est grande : Artur illustre Amadora le 3 décembre 1920, il avait presque le long poème de Mario Cesariny, La Cité cent ans et était resté merveilleusement actif. Il incendiée, en 1965. Mario Cesariny révèle a vécu la dernière période de sa vie à la Casa do au public les poèmes d’Artur, jusque-là tenus Artista (Maison des artistes) de Lisbonne. Il se secrets, qu’il publie en 1967. définissait d’abord comme poète, fidèle en cela Artur a touché avec un égal génie à toutes à André Breton pour qui la poésie englobait les formes d’expression : peintures, collages, tous les arts. Au qualificatif « peintre », trop assemblages, objets, poésie. Mais, fait restrictif à ses yeux, il préférait celui d’”homme exceptionnel, dans toutes ses créations, c’est un qui peint”, comme il le confiait à même univers poétique, réconcilié son grand ami le galeriste Carlos et unifié, où l’homme n’est plus le « Cabral Nunes. C’était en poète qu’il point de mire de l’univers », selon vivait, dessinait et écrivait. En poète le vœu d’André Breton. Un même surréaliste ! C’était non seulement paysage intime et illimité, proche et un artiste exceptionnel mais aussi inaccessible, désert et vibrant de vie, un homme d’une grande simplicité, peuplé de créatures post-modernes très direct et très chaleureux, avec qui synthétisent tous les règnes un sens aigu de l’amitié. l’humain, l’animal, les minéraux et les Parmi ses amis les plus chers, objets inanimés - en de mystérieuses Carlos Cabral Nunes, artiste et créatures chimériques. Le monde galeriste, qui a beaucoup œuvré à sa des apparences fait place au monde reconnaissance par de nombreuses des apparitions. expositions, accompagnées de Artur est surtout connu pour ses publications, et à qui Artur vouait dessins, le plus souvent en noir et un très grand attachement et une blanc, réalisés dans un état presque vive affection. Carlos emmena second, à la faveur de l’automatisme. Artur à Paris, en 2019, retrouver la André Breton avait défini le ville qu’il avait tant aimée et visiter surréalisme comme « automatisme l’exposition Miro. J’ai eu le plaisir psychique pur ». Artur est, avec de les revoir tous les deux à cette André Masson, l’artiste qui par occasion. Mentionnons aussi l’amie excellence aura donné au dessin Aldo Alcota (Chile) - 2020 de toujours, Isabelle Meyrelles, automatique sa pleine mesure. C’est Homenagem a Cruzeiro Seixas (pormenor) merveilleuse poète et sculptrice véritablement un maître du dessin surréaliste, qui a traduit les poèmes d’Artur qu’il pratique avec une virtuosité rare. Un en français et l’a fait connaître en France. Ils trait rapide, incisif, sans repentir. ont réalisé des œuvres en collaboration, Isabel Ses dessins à « la beauté convulsive » font traduisant en sculpture les dessins. Artur a parfois oublier les autres facettes de son art. aussi illustré les poèmes d’Isabel. Ce furent S’il est le plus grand dessinateur que nous soixante-dix ans d’amitié, de rencontres entre ayons eu depuis très longtemps, il ne faut pas Lisbonne et Paris, de collaborations artistiques, oublier qu’il est aussi un coloriste hors pair d’échanges intellectuels et poétiques. qui a su jouer avec tous les médiums, toutes Les premières peintures surréalistes d’Artur les matières : crayons de couleur, gouache, remontent à 1942. Il n’a alors que 22 ans huile, papiers découpés ou déchirés mais aussi mais il a déjà trouvé ses formes d’expression assemblages de cailloux, bois, petits objets privilégiées, l’art et la poésie, et son univers, le divers. Il a ainsi réalisé un grand nombre de surréalisme, auquel il restera fidèle toute sa vie. poèmes-objets dans lesquels les collages ou En 1949, il participe à l’exposition du groupe les assemblages intègrent des petites phrases,

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comme en 1967 la fourchette arrangée sur un livre grand ouvert où l’on peut lire écrit en français sur le manche : « ce n’est rien d’aimer, il faut aussi être aimé ». Ou encore un assemblage de galets daté de 1954 intitulé Coup de foudre. L’usage du français n’est pas anodin. Il a un sens affectif très fort. C’est un hommage amical au pays qui a vu naître le surréalisme et d’où il a essaimé. Artur a aussi réalisé de nombreux objets surréalistes où l’humour, la dérision, la tendresse sont portés à leur paroxysme. Ce sont des objets inutiles et saugrenus qui semblent rire d’euxmêmes. Des objets d’humour noir. Ces objets surréalistes égalent les plus célèbres réalisations dans ce domaine. Il propose ainsi, en 1952, Mer portugaise. Cette petite cage en bois qui retient enfermé un coquillage apparaît comme un clin d’œil à celle que Duchamp avait réalisée en 1921 sous le titre Why not Sneeze Rose Sélavy ? Duchamp avait déposé dans une cage de métal cent cinquantedeux cubes de marbre blanc imitant des morceaux de sucre, un thermomètre et un os de seiche. Les éléments étaient associés librement sans lien sémantique. La subversion naît de l’absurde. Mais l’objet d’Artur renvoie également à une autre cage, celle peinte par Magritte en 1936 dans Les Affinités électives, qui, en fer et en bois tourné, renfermait un œuf la remplissant entièrement. Artur se situe dans une dimension intermédiaire entre l’association libre pratiquée par Duchamp et l’association « nécessaire » opérée par Magritte. Il place dans la cage un coquillage, une sorte d’objet symétrique de l’oiseau. Le coquillage évoque non les airs mais la mer, il laisse entendre non un pépiement mais le bruit des vagues. Il serait du poisson la demeure naturelle, comme la cage la prison artificielle de l’oiseau. Un sens naît de l’association des deux éléments, la cage et le coquillage, que résout le titre Mer portugaise. Réalisée sous la dictature, Mer portugaise a une forte charge symbolique et subversive. Le titre est en français, comme pour mieux marquer le rattachement affectif au groupe de Paris. Autre exemple : une tasse en porcelaine dont l’anse se présente à l’intérieur. Pas commode

à utiliser ! La tasse disposée sur sa soucoupe s’intitule Le Quotidien (1954). Comment ne pas y voir une allusion à un autre Déjeuner, celui de Meret Oppenheim (1936), où l’intérieur de la tasse est recouvert de fourrure ? On pense aussi au fer à repasser de Man Ray, de 1921, dont la semelle est garnie de clous, intitulé Cadeau. L’objet, par un simple détournement, acquiert une nouvelle identité. Breton, dès 1924, avait proposé de mettre en circulation des objets apparus en rêve : « traquer la bête folle de l’usage », préconisait-il. Dans ces objets règne le non-sens cher à Lewis Carroll, le nonsense, le paradoxe à l’état pur. Parallèlement à son œuvre plastique, Artur a toujours pratiqué la poésie. Son écriture est épurée comme l’est son dessin. On y trouve le même univers visionnaire et une même pratique de l’automatisme et de la libre association d’idées. Tandis que le tracé continu de la main agrège les éléments graphiques en une figure composite en perpétuelle métamorphose, l’écriture concise fait se télescoper les images. De ce choc naissent des transmutations. Ce sont des visions comparables que l’on retrouve dans les textes et dans les dessins : heurts des images verbales, fusion des éléments plastiques. Dans les dessins, on trouve des créatures hybrides ou androgynes, à tête de cheval, crinières échevelées, pattes au galbe élégant. Ces chimères ne sont pas sans évoquer Pégase, le cheval ailé, né du sang de Méduse, dont la présence, occulte ou manifeste, hante son œuvre. L’atmosphère est brûlante et glacée. La tendre fusion des éléments se déroule sous la menace d’une lame de couteau. Même hantise de la castration ou de la dévoration dans les poèmes et dans les dessins. Artur évoque : « les dents acérées de l’horizon » ou encore un cri qui « comme une pierre coupe l’espace ». Dans les poèmes, « les paroles se dévorent mutuellement ». Son trait découpe la forme comme le feraient les ciseaux d’un chirurgien. Si le dessin est coupant, c’est pour mieux traduire une vision de sculpteur que nous livrent aussi les poèmes :


« Le néant est sculpté avec lenteur » [O nada é esculpido lentamente] et ailleurs : « C’est que la main troublante du sculpteur libère et cisèle le brouillard ». [É ai que a mão do escultor liberta e trémula perfaz o nevoeiro.] Des banquises aiguisées, des icebergs biseautés servent de théâtre à un monde transparent et aigu comme un cristal : Au-dessus des cimes les plus hautes aux arêtes coupantes construis des palais et des forteresses sur le tranchant d’un couteau. Por sobre os cumes mais altos e cortantes constroi palácio e fortalezas No gume de uma faca Ce monde en glaciation est paradoxalement ardent. L’artiste cisèle la glace, mais en lui couve un feu brûlant : Des flammes, je suis le frère, le cousin, le fils, l’amant. E das chamas sou eu irmão e primo filho e amante. L’association du feu et de la glace (ou du cristal ou du miroir) lui est familière : Par mille guérites avec leurs lustres de cristal. Ô machines incendiaires Por mil guaritas com os seus lustres de cristal. Oh maquinas incendiarias […] et des figures qui brûlent à l’ombre des jardins vert bleu se reflètent dans le miroir transparent e figuras incendiadas na sombra dos jardins verdes azuis reflectem-se no espelho transparente Si le feu rejoint la glace, c’est que l’image surréaliste, qui a pour ambition de réconcilier les contraires, agit comme un transformateur d’énergie, un principe alchimique. Insolites et arbitraires par essence, les libres associations révèlent l’ordre caché de la matière. Flamme et neige se trouvent déjà chez Breton, dans L’Air de l’eau : « Ta chair arrosée de l’envol de mille oiseaux de paradis / Est une haute flamme couchée dans la neige. » Pour les grands romantiques, et les surréalistes à leur

suite, le surnaturel est inclus dans le naturel, le réel est peuplé d’âmes. Les arbres s’adressent directement à Artur, il apprend d’eux les lois de l’univers : Toutes les forêts m’ont confié que la nature est toujours surnaturelle. Todas as florestas me disseram Que a natureza E sempre sobrenatural. […] qui peut assurer que ces pierres ne sont pas des âmes ? Il est en communion avec les esprits de la nature, minéraux, végétaux ou animaux par toutes les parcelles de son corps : Mais regarde ces veines qui me relient aux oiseaux même coupées, elles chantent ! Mas olha as veias que me ligam às aves que cortadas ainda cantam ! Cette fusion des contraires, de la vie et de la mort, de la douleur et de l’allégresse, a fait dire à Edouard Jaguer : « l’art de Cruzeiro Seixas est une blessure qui chante ».* * S’il reste encore beaucoup à faire pour que les surréalistes portugais acquièrent enfin une pleine reconnaissance en France, il faut souligner le rôle majeur qu’ont joué, en complicité avec Isabel Meyrelles, des personnalités de premier ordre comme Edouard Jaguer, poète, plasticien, critique d’art, commissaire d’exposition et fondateur, avec sa femme Anne Ethuin, de la revue internationale Phases (1954-1975) et du mouvement Phases qui se prolongea jusqu’à sa mort, en 2006. De même Jacqueline Chénieux Gendron, historienne du surréalisme, a au sein de la revue Pleine marge qu’elle a fondée et dirigée (1985-2009), également œuvré pour faire connaître les surréalistes portugais en France. Le n°42, de décembre 2005, consacre un dossier complet à trois d’entre eux : Artur Cruzeiro Seixas, Isabel Meyrelles et Raúl Pérez. Tous les poèmes du volume ont été traduits par Isabel Meyrelles. Les poèmes cités ici sont tirés du volume III (2004) de la Poesia Completa d’Artur, éditées par Isabel Meyrelles (Famalicão, Quasi Edições), et repris dans le n°42 de Pleine Marge avec une traduction d’Isabel.

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Cruzeiro Seixas | Valter Hugo Mãe do Núcleo Colaborativa.mente, 2018 Técnica mista sobre papel, 50x71 cm, Ref.: CSVHM_003

A vida leva-nos a caminhos que muitas vezes nem imaginamos que possam ser considerados como escolhas. E quando finalmente decidimos dar esse passo em frente, é raro sabermos as proporções e o impacto que vão ter nas nossas vidas. Lembro-me da insegurança que tive em aceitar a proposta para trabalhar com o Artur. Temia o peso da responsabilidade dessa escolha e se na altura soubesse quem era o Mestre Cruzeiro Seixas, tenho a certeza que teria recusado. Estava no início da minha atividade profissional e pensava estar aquém das minhas capacidades. Sempre nutri algum fascínio e curiosidade pela arte de pintar. De modo que esse argumento e a insistência da antiga secretária, a sua querida Inês, convenceram-me a aceitar tal aventura. E assim deu-se o início de um dos episódios mais bonitos e marcantes da minha vida. O trabalho rapidamente ganhou outra conotação, sendo dos poucos momentos que tinha para zarpar da realidade. O Artur tornou-se num lugar de refúgio da confusão que existia fora do seu quarto. E o seu quarto, apesar de também ser uma completa confusão (!), era um lugar único, onde cabiam todos os mundos i(ni)magináveis, onde todos os sonhos estavam ainda por concretizar. O pensamento tinha toda a liberdade, tanto quanto possível a liberdade pode ser (dizia). É destruidora esta consciência bruta de que tudo é finito, principalmente o que nos traz mais felicidade. No entanto, o Artur conseguiu eternizar-se em cada pessoa que conheceu e partilhou as suas histórias intermináveis, os seus mundos ideais, a sua liberdade desejada e os seus infinitos sonhos intemporais, ora por palavras, ora por pinceladas. Foi um prazer ter sido os seus olhos, as suas mãos, os seus ouvidos e, já quando as forças não o permitiram, a sua voz. Não caberá nunca em mim a felicidade que foi, neste obscuro mar de incertezas que é a vida, onde todos andamos à deriva em procura de um rumo e sem nunca saber para onde a maré nos arrasta, ter ido ao encontro de uma pessoa tão genial, humana e sensível como o Artur. Lembrarei para sempre a nossa bonita amizade. Rita Barras - 21 de Novembro de 2020 68


Cruzeiro Seixas | Valter Hugo Mãe Sem Título, 2018 Técnica mista sobra papel, 50 x 71 cm, Ref.: CSVHM_004

Cruzeiro Seixas | Valter Hugo Mãe do Núcleo Colaborativa.mente, 2018 Técnica mista sobre papel, 50 x 71 cm, Ref.: CSVHM01 69


Cruzeiro Seixas | Valter Hugo Mãe do Núcleo Colaborativa.mente, 2018 Técnica mista sobre papel, 50 x 71 cm, Ref.: CSVHM_015

“(...) As nossas últimas conversas foram ao telefone. Estava exausto da solidão. Não queria esperar por nada porque esperar era tudo sobre a morte. E garantia que não ia fazer cem anos inteiros. Não queria sequer fazer cem anos porque não havia motivo para isso. E eu evocava DeChirico e a exposição que ia haver em Paris e ele revivia. Dizia que eu lhe significava algo do foro do amor. Não seria por mim. Seria por eu saber o segredo contido no nome do DeChirico e pela magia de haver uma exposição em Paris. Da última vez, pedi-lhe que me deixasse uma pergunta à qual lhe responderia por escrito. Perguntou: viramos amigos de infância. Não acha isso divertido? Acho mágico. Apenas possível pela maravilha de não embrutecermos e nos mantermos no uso urgente da imaginação. Essa verdade que fazemos.Que falta insuportável nos fará a sua força. Que falta insuportável nos fará o testemunho sem rodeios que deixava da sua e da vida de todos nós. Existirá como um clarão na arte. E haverá uma eternidade para consumar o que faltou: mostrar ao mundo. Compete-nos a todos. Mostrar o génio ao mundo. (...)” Valter Hugo Mãe

18 de Novembro de 2020 - in Jornal de Letras

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Alfredo Luz | Cruzeiro Seixas do Núcleo Cadavre Exquis, 2010 Técnica mista sobre papel, 21x29 cm, Ref.: CESQ_ALCS09

Alfredo Luz | Cruzeiro Seixas do Núcleo Cadavre Exquis, 2010 Técnica mista sobre papel, 21 x 29 cm, Ref.: CESQ_ALCS11 71


ARTUR CRUZEIRO SEIXAS Pintor poeta, ou poeta pintor, conhecido pelas suas pinceladas distintas, Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas nasceu na Amadora, em 1920, em Portugal. Afirmou publicamente que a poesia é o alicerce da sua arte, mesmo quando pinta. Em vez de se considerar um pintor, ocupação pela qual é mais reconhecido pelo público, Cruzeiro seixas prefere ser visto como “um homem que pinta”, evitando a ideia de ser “um acadêmico” ou um “artista profissional” que conhece o seu ofício e lucra com isso. Essa é sua postura ética. Muitos críticos tendem a referir-se à sua arte visual como lírica, poética. De fato, antes mesmo de Cruzeiro Seixas ter inserido o verso nas suas obras, as suas pinturas e colagens foram muitas vezes intituladas como “um verso” ou “um poema”, como se a palavra escrita fosse sinônimo da pincelada da sua arte. Cruzeiro Seixas foi um participante ativo no movimento surrealista português, através de sua participação no “anti-grupo” Os Surrealistas, no final da década de 1940 e início da década de 1950. Para além de, ainda hoje, ser um representante ativo deste movimento no seu país, Artur do Cruzeiro Seixas, também pode ser considerado responsável por ter levado para Angola, em 1951, essa forma de arte de vanguarda. Querendo viajar pelo mundo, mas financeiramente incapaz de fazê-lo, alistou-se na marinha mercante. Isso deu-lhe a oportunidade de viajar, como desejava, e eventualmente, acabou por se estabelecer em África, mais especificamente em Luanda, Angola, que era uma colônia portuguesa na época. (...) em The International Encyclopedia of Surrealism (Three-volume set), Editores: Michael Richardson, Dawn Ades, Krzysztof Fijalkowski, Steven Harris, Georges Sebbag. tradução livre do texto original. Cruzeiro Seixas | Alfredo Luz Sem Título (Cadavre Exquis), 2009 Téc. mista s/ papel, 21x29cm, Ref:.CESQ_AL_CS_01

Alfredo Luz | Cruzeiro Seixas Sem Título, 2009 | Téc. mista s/ papel, 21x29cm Ref.: CESQ-ALCS03 72


Alfredo Luz sobre cadavre-exquis de Cruzeiro Seixas com Mário Botas (circa 1970) Sem Título, 2010. Técnica mista sobre impressão serigráfica, 25,5 x 30 cm Ref.: CESQ_ALMB32

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Alfredo Luz | Cruzeiro Seixas do Núcleo Cadavre Exquis, 2010 Técnica mista sobre papel, 21,5 x 30 cm, Ref.: CESQ_ALCS10

Pequenas notas sobre Cruzeiro Seixas - Perseguiu sempre a sua própria quimera sem ter de obedecer a ninguém. - Obedeceu apenas à tirania das sombras, que caracterizam os seus desenhos, sem nunca perder de vista o sentido da finalidade, como a transgressão e o paradoxo. - As suas composições estão repletas de ventos favoráveis apesar do rumo desviante. - Existem afinidades e prenúncios de ansiedade ou excesso de futuro. Alfredo Luz - 23 de Novembro de 2020

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Cruzeiro Seixas | Alfredo Luz do Núcleo Cadavre Exquis, 2009 Técnica mista sobre papel, 21 x 29 cm, Ref.: CESQ_ALCS5

Cruzeiro Seixas | Alfredo Luz do Núcleo Cadavre Exquis, 2009 Técnica mista sobre papel, 21 x 29 cm, Ref.: CESQ-ALCS4

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ARTUR DO CRUZEIRO SEIXAS: LA LIBERTAD DE LA IMAGEN Y LA PALABRA Releo una serie de cartas que me envió Artur do Cruzeiro Seixas hace ya varios años y miro sus catálogos con dedicatorias a tinta negra. Aquellas letras realizadas a mano se asemejan a delgadas espigas inclinadas hacia el costado derecho, como si una especie de céfiro hubiera hecho de las suyas tras su paso. Fueron tiempos de espléndido intercambio epistolar (a veces Cruzeiro Seixas escribía en portugués y otras en francés), lo que afianzó una magnífica amistad entre nosotros. Recibí mensajes pintados en viajeros papeles, con abundantes imágenes, sinuosas y fantásticas (una bella entelequia), provenientes desde Lisboa y Estoril. Todo esto alimentó mi curiosidad y fascinación cuando me refugiaba en mi habitación de Santiago de Chile y posteriormente en Valencia, España, lugar donde residí durante casi diez años. Estas correspondencias y libros se preservan ahora con afecto y admiración en mi biblioteca y archivo personal. Ha pasado una semana y media desde el fallecimiento de Cruzeiro Seixas. Me enteré por Carlos Cabral Nunes de Perve Galería, ubicada en el barrio de Alfama de la capital portuguesa, querida zona con estrechas aceras y antiguas calles empinadas, ruidos de tranvía y melodías de fado que salen por ventanas abiertas de algún edificio color pastel, para dirigirse a las aguas del río Tajo o mimetizarse con los muros de piedra del castillo de San Jorge. Cruzeiro Seixas fue parte de ese corazón inicial del Surrealismo en Portugal, ese motor cristalino y turquesa de barco con múltiples cabezas. Un legado vigente, un gran corolario del sueño y la poesía proyectado por figuras como él, su querido amigo Mário Cesariny, Mário Henrique Leira, Alexandre O’Neill, António Maria Lisboa, Fernando Lemos, Isabel Meyrelles, Pedro Oom… Estamos ante creativas luminiscencias custodiadas al interior de un libro azul, que se mantiene a flote en el inexorable oleaje del tiempo.

Cruzeiro Seixas | Benjamin Marques do Núcleo Cadavre Exquis, 2010 Técnica mista sobre papel, 21,2 x 29,2 cm Ref.: CESQ_CS_BM04 76


Cruzeiro Seixas | Benjamin Marques do Núcleo Cadavre Exquis, 2010 Tinta da china sobre papel, 21,2 x 29,2 cm Ref.: CESQ_CS_BM02

Pienso en Cruzeiro Seixas como un maestro imprescindible del Surrealismo, forma de vida que amó incondicionalmente al igual que África (vivió varios años en Ángola). Su genialidad iba acompañada por una enorme generosidad, libertad y un espíritu rebosante de humanidad. Además fue un referente para artistas de generaciones siguientes (Paula Rego, Mário Botas o Lourdes Castro), con quienes participó en obras colectivas y cadáveres exquisitos. Veo una serie de misivas pintadas, dibujadas, pobladas de híbridos seres, aves y caballos fundidos en extremidades humanas, en ruedas, puertas y botes bajo un cielo índigo, color extraído posiblemente de un azulejo plutónico. Según Sarane Alexandrian, “Cruzeiro Seixas se preocupa de la síntesis entre la escritura y el dibujo que ilustra las cartas y postales que envía a sus amigos, desde un modo asombroso”. Las palabras procreadas en su máquina de escribir (parecen hormigas en reposo encima del blanco papel) conservan viva una lucidez, una experiencia, una nostalgia, una desesperanza y unas ganas por materializar todavía algunas utopías. Para Cruzeiro Seixas los jóvenes siguen siendo “Breton, Max Ernst, Gaudí, Artaud, etc, etc, etc”. Sus ideas giran y resuenan en esos momentos de lectura y silencio. Las cartas respiran. Adquieren una dimensión perenne. como un maestro que revolucionó el panorama artístico y literario portugués, con un mundo que se reencanta con lo maravilloso, insólito y enigmático.

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Cruzeiro Seixas | Cabral Nunes Sem Título (Porto, inauguração da 1ª exposição da colecção Miró), 2016 Técnica mista sobre papel, 20,8x25cm Ref.: CESQ_CS_CNU04 Coleção Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas siempre aceptó participar en las actividades de la desaparecida revista Derrame (Santiago de Chile), de la cual fui uno de sus fundadores en 1996. Aquel vínculo con él nació gracias a mis nexos con Édouard Jaguer y Anne Éthuin, artistas franceses y promotores del movimiento Phases. Ellos me dieron la dirección postal de Cruzeiro Seixas en 2002, mientras me encontraba en París. El último número impreso de Derrame en 2012, estuvo dedicado íntegramente al maestro luso. También participó en las míticas exposiciones de carácter internacional llevadas a cabo por Derrame como Phases-Derrame (2005), La voz del animal metafísico (2006) y Umbral Secreto (2010). Gracias a Carlos Cabral Nunes de Perve Galería se realizó una exposición con mis obras y las de Cruzeiro Seixas, que llevó por título Imaginación (Devorada). Siempre estimuló mis ganas de seguir dibujando, pintando y apoyó la difusión de mi trabajo visual en Portugal. Agradezco infinitamente a este genio inspirado por el humor, lo recóndito de la imaginación y lo visionario del Surrealismo. No puedo olvidarme además de su poesía escrita, un encuentro con lo sorprendente y la extrañeza. Una “herida que danza” en la opinión de Jaguer. Como expresara Fernando Arrabal desde París sobre Cruzeiro Seixas cuando supo de su ocultamiento: “...qué será del surrealismo portugués y brasileño sin el indeleble, denodado e impávido Cruzeiro, tanta travesía sin cabotaje con la expedición al plus ultra exquisito Voltaire”. O Juan Carlos Valera, editor patafísico de la ciudad de Cuenca, España: “Era un gran amigo y un referente ético y moral para mí. Una buena persona. Con él se va todo un mundo del panorama surrealista portugués”. Incluso, el Presidente de la República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, opinó acerca de Cruzeiro Seixas como un maestro que revolucionó el panorama artístico y literario portugués, con un mundo que se reencanta con lo maravilloso, insólito y enigmático. Su cosmos seguirá conmoviendo y es un privilegio conocer de muy cerca la mágica órbita de su trayectoria. “Su obra permanece y sigue nuestros pasos, guiándolos”, tal como lo precisó Carlos Cabral Nunes, uno de sus grandes amigos. Aldo Alcota - Santigo de Chile, 19 de Novembro de 2020 78


Cruzeiro Seixas | Cabral Nunes | Liudvika Koort Sem Título (vôo Lisboa-Paris), 2018 Técnica mista sobre papel, 20 x 29,7 cm, Ref.: CESQ_CS_LVK_CNU04 Coleção Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas | Liudvika Koort Sem Título (vôo Lisboa-Paris), 2018 Técnica mista sobre papel, 13 x 35 cm, Ref.:CESQ_CS_LVK03 Coleção Cabral Nunes

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Cruzeiro Seixas | Benjamin Marques Sem Título, 2010 Técnica mista sobre papel, 21x 28,9 cm, Ref.: CESQ_CS_BM01

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Cruzeiro Seixas | Cabral Nunes Sem Título (Centro G. Pompidou, Paris), 2018 Técnica mista sobre papel, 20,4 x 22,8 cm, Ref.: CESQ_CS_CNU01 Coleção Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas | Cabral Nunes Sem Título (vôo Lisboa-Paris), 2018 Técnica mista sobre papel, 13 x 35 cm, Ref.: CESQ_CS_CNU05 Coleção Cabral Nunes 81


Cruzeiro Seixas | Sophia Zhong Sem Título, 2018 Técnica mista sobre papel, 23.5 x 29.7 cm, Ref.:CESQ_CS_SZ02 Coleção Cabral Nunes

Cruzeiro Seixas | Sophia Zhong Sem Título, 2018 Técnica mista sobre papel, 23.5 x 29.7 cm, Ref.: CESQ_CS_SZ01 Coleção Cabral Nunes 82


Núcleo antológico com obras de Cruzeiro Seixas

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Titulo, 1947 Tinta da china sobre papel, 13,5 x 10,5 cm, Ref.:CS124

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) A grande viagem, n.d - circa anos 50 Técnica mista sobre papel, 23,50 x 18,50 cm, Ref.: CS83

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) O Lar, 1957 Técnica mista sobre papel, 23 x 19,3 cm, Ref.: CS199

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1938 Têmpera e tinta da China sobre papel, 17 x 19,5 cm, Ref.: CS157 84


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. - circa 2000 Tinta da china sobre papel, 16 x 24 cm, Ref.: CS84

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) voo Paris-Lisboa a 17.12.2017, 2017 Técnica mista sobre papel, 14,8 x 21 cm, Ref:CS193 Coleção Cabral Nunes

Adeus meu amigo, restam-me maravilhosas recordações, quadros, desenhos, esculturas (tuas e minhas), viagens (entre outras onde fomos visitar o Castelo do Facteur Cheval, Brussel, Amiens e outros. Vinhas-me visitar a nossa casa onde falamos de tudo e de nada e sobretudo dos amigos. Ficaras para Portugal o artista multiplo, brilhante em tudo quanto fizeste, subretudo o desenho a pena, em que es o MESTRE incontestado no mundo inteiro. Mais uma vez te digo adeus, em breve nos encontraremos. Isabel Meyrelles - 23 de Novembro de 2020

Cruzeiro Seixas e Isabel Meyrelles. Paris, 15-3-2019

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Assemblage sobre papel, 27 x 37 cm, Ref.: CS183

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Colagem e tinta da china sobre papel, 34,5 x 54,5 cm, Ref.: CS216 Coleção Maria Helena Figueiredo

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Os olhos, n.d. Colagem sobre papel, 30 x 22,3 cm, Ref.: CS200

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1973 Tinta da china e aguarela sobre papel, 24 x 32 cm, Ref.: RM4 88


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1955 Tinta da china sobre papel, 19 x 14cm, Ref.: CS045

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1966 Técnica mista e colagem sobre papel, 16,7 x 17,9 cm Ref.:CS18 89


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Amo a paisagem cada vez mais indecifrável, 1951 Têmpera sobre papel, 7,5 x 10,5 cm, Ref.: CS037

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1955 Lápis de cor e tinta da china sobre papel, 22,5 x 26,5 cm, Ref.: CS057 90


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. circa 1970 Têmpera e colagem sobre papel, 25 x 13,5 cm, Ref.: CS053

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Colagem sobre papel, 29,5 x 15,5 cm, Ref.:CS055 91


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 36,5 x 20 cm, Ref:CS184

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SE ME HA MUERTO COMO DEL RAYO ARTUR CRUZEIRO, CON QUIEN TANTO QUERÍA Me he quedado triste y sin saliva, iba a leer una entrevista que le habían hecho al amigo Perfecto, pero ya no me quedan redaños , porque el silencio golpea impregnando de tinta china sus siluetas del amor confinado. Le visité por última vez en agosto de 2019, con el amigo Carlos, y ya hablamos de homenajear su centenario. Ha muerto a menos de un mes de celebrarlo, a menos de un mes desmesurado, a menos de un siglo indescifrable, a menos de un descanso inconformista, a menos de un ciclón deconstruído. No tengo palabras para expresarlo, Cruzeiro Seixas e Gerardo Bruno, 11-08-2019 no tengo metáforas, no encuentro objetos, ni colores, ni conflictos, ni secretos. Sus manos de forjador de lunas, su habla susurrante, su sonrisa naif, su mirada fulgurante, su deseo inextricable, su vida hecha de nudos marineros y siglas poveiras. Me he quedado triste y sin lecturas, porque el silencio golpea y clava espigas de trigo y vértigos leñosos en su pecho infinito. Homenajear su centenario con alpacas cilíndricas de luz y de paja, con lámparas de papel traslúcido y formas recortadas, buscando pedazos de espejos rotos “no lixo”, componiendo una sinfonía de caminos rurales angoleños, y, ¿por qué no?, comiendo los “peixinhos da horta” que me enseñaron Lena y Eduardo. Ha muerto y con él todo un siglo de recuerdos, recuerdos de Cuenca, de Lisboa, de Juan Carlos, de Mario, de Manuel, siempre Manuel, siempre Manuel, leyendo versos junto al Mondego. No encuentro colores, ni conflictos, ni secretos, no abrigo calma, ni deseo, ni distancia, no construyo porque mis manos se han congelado de invierno, Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Un Couteau, circa anos 1980 porque al mirar hacia atrás me he derretido en sal, Técnica mista s/papel, 35 x 21 cm porque el crepúsculo ya no podrá enardecer, Coleção Aurora e Carlos Cabral Nunes con el fulgor de sus ojos, con el calor de su palabra. G. Bruno - 9.11. 2020

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Titulo, n.d. Técnica mista sobre papel, 43 x 34 cm, Ref.: CS68

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título (Projecto para dois azulejos), 1960 Tinta da china sobre papel, 30 x 15cm, Ref: CS99 94


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1969 Colagem sobre papel, 18 x 29,5 cm, Ref.:CS0167

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título , n.d. Técnica mista sobre papel, 14 x 22 cm, Ref.: CS101 95


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. - circa 2000 Colagem e têmpera sobre papel, 25,5 x 31,5 cm Ref.: CS109

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem titulo, 1959 Tinta da china e têmpera sobre tecido, 11,5 x 8,5 cm Ref.: CS163 96


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) O poeta e a lua, circa anos 80 Poema-objecto, 28 x 16 x 3cm, Ref.: CS044

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Cruzeiro Seixas, Carlos Calvet, Isabel Meyrelles e Adriana Areal. Inauguração da Casa da Liberdade - Mário Cesariny. 2 de Novembro de 2013

Obrigada pelas palavras que me enviaram sobre o Cruzeiro Seixas. Lembrá-lo dói quando ainda há dias nos respondia ao telefone, cansado, solitariamente naquele quarto, seu resguardado mundo físico, onde ainda recordava e sonhava arte, arte para nós, para si apenas umas coisas e desenhos. Mas sempre se entusiasmava no reconto do vivido. Acho que ciente do mérito e da valia da obra. Cem anos, um oitavo da história do país. Bem merece um museu permanente. Adriana Areal - 9 de Novembro de 2020

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, c. 2010 Têmpera e tinta da china sobre papel, 28 x 21 cm, Ref.: CS159 98


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 1959 Tinta da china e têmpera sobre tecido, 8,5x11,5 cm, Ref.: CS136

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Estudo para escultura, 1960 Tinta da china sobre papel, 19,5 x 16,5 cm, Ref.: CS42

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Técnica mista sobre papel, 20 x 18,5 cm, Ref:CS185

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Tinta da china, lápis e tempera sobre papel, 23 x 34 cm, Ref.: CS214 Coleção Maria Helena Figueiredo

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. | Téc. mista s/ papel, 31x21cm, Ref:CS213 Coleção Maria Helena Figueiredo


Novo livro-objecto artístico No dia 20 de janeiro de 2021 será lançado em Lisboa o novo livro-objecto artístico, da autoria de Artur do Cruzeiro Seixas, intitulado, sugestivamente, Meu Amar. O lançamento decorre no Espaço Atmosfera m, na altura em que, também ali se encontra a exposição Construir Cem Nadas Perfeitos. O livro cinclui impressões faximiladas de dois diários não-diários de Cruzeiro Seixas, realizados nas décadas dos anos 60 e outro nos seus últimos anos de vida. Inclui um díptico em azulejo, cujo projeto foi realizado em África nos anos 60 e executado agora em formato artesanal. Inclui, também, três obras póstumas inéditas editadas em formato serigrafia e a homenagem a Cruzeiro Seixas realizada por Pedro Amaral em coleção com o coletivo BorderLovers, com a produção da Perve Galeria e sob curadoria de Carlos Cabral Nunes.

Pedro Amaral Dias e BorderLovers em Tributo a Cruzeiro Seixas No dia19 de setembro, Pedro Amaral Dias e os BorderLovers davam ínicio a um projeto de tributo a Cruzeiro Seixas. O projeto consistiu na criação de um tríptico que celebra os 20 anos da Perve Galeria, o centenário de Cruzeiro Seixas e o legado artístico de Mário Cesariny. As obras inéditas serão expostas pela primeira vez, no Espaço Atmosfera m, dia 3 de dezembro.

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Construir o Nada Perfeito | Casa da Liberdade - Mário Cesariny 19 de Setembro de 2020

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2009 Técnica mista sobre papel, 35 x 25 cm, Ref.: CS095

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Inauguração da exposição “Construir o Nada Perfeito”, tributo a Cruzeiro Seixas, no ano do seu Centenário, com a presença de S.Exa. o Presidente da República Portuguesa , S.Exa. a Ministra da Cultura do Governo da República Portuguesa.

Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa com Carlos Cabral Nunes em visita à exposição Construir o Nada Perfeito, na Casa da Liberdade - Mário Cesariny, Alfama

Artur do Cruzeiro Seixas, que nos deixou depois de uma vida longa e livre, foi uma figura multímoda da cultura portuguesa. A sua geração, que na década de 1940 aprendeu e transpôs as lições do surrealismo francês (indistinção entre a arte e a vida, porosidade dos géneros artísticos, liberdade irreverente, imprevisibilidade inventiva, humor desconstrutivo), revolucionou o nosso panorama artístico e literário. Nas pinturas, desenhos, colagens e objetos de Cruzeiro Seixas, como na sua considerável produção poética, o mundo reencanta-se: é uma vez mais maravilhoso, insólito, fantástico, enigmático. A sua imaginação soberana é uma imaginação de encontros (encontro de textos, de pessoas, de imagens), uma poética de encontros. Mais do que um «cadáver esquisito», feito de elementos diversos, é um vivíssimo corpo em metamorfose, com uma «volúpia da vitalidade» que lhe confere unidade na diversidade, através das décadas e dos diferentes registos plásticos e poéticos. As obras de Cruzeiro Seixas, para citar versos seus, «sabem ler nos mapas mais secretos/e de olhos vendados/o intensíssimo/amor dos relâmpagos». É esse segredo nunca desvendado, esse amor dos relâmpagos, que devemos a Mestre Cruzeiro Seixas. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa - 9 de Novembro de 2020 in portal digital presidencia.pt

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Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa assiste à performance do conjunto artístico Fato M

Presidente da República em conversa com Carlos Cabral Nunes e Pedro Amaral Dias dos BorderLovers durante a sua performance

Presidente da Junta de Santa Maria Maior, Presidente da República, Berfin Sakallioglu, Carlos Cabral Nunes e Nuno Silva

Berfin Sakallioglu, Carlos Cabral Dias, Carol e Sophia Zhong

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Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa assina o Livro de Honra da Casa de Liberdade - Mário Cesariny


Ministra da Cultura, Graça Fonseca, em visita à exposição Costruir o Nada Perfeito, juntamente com o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior

A vida e obra do Mestre Cruzeiro Seixas representam um contributo inegável para a cultura portuguesa, com a força criativa, inventiva e sensível que a sua dimensão artística sempre manifestou e que a cultura portuguesa nunca esquecerá. Ministra da Cultura, Graça Fonseca - 9 de Novembro de 2020 in plataforma digital twitter

Ministra da Cultura, Graça Fonseca, em visita à exposição Costruir o Nada Perfeito, juntamente com o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior

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Visita à exposição Construir o Nada Perfeito

Visita à exposição Construir o Nada Perfeito

Visita à exposição Construir o Nada Perfeito

Berfin Sakallioglu, Carlos Cabral Nunes e Carol e Sophia Zhong

Pedro Amaral Dias realizando a performance de um tríptico onde celebra os 20 anos da Galeria Perve, o centenário de Cruzeiro Seixas e o legado artístico de Mário Cesariny 106


Obras em exibição na exposição Construir o Nada Perfeito Patente até 19 de dezembro de 2020 na Casa da Liberdade - Mário Cesariny

Cruzeiro Seixas(Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. - circa 1940 Técnica mista sobre papel, 20 x 30 cm, Ref.: CS100

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. - circa anos 50 Colagem sobre papel, 15,5 x 12,5 cm, Ref.: CS026 107


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920) Sem Título, 1942 Tinta da china e têmpera sobre papel, 25 x 19cm, Ref.: CS133

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1965 Tinta da china e têmpera sobre papel, 19,5 x 16 cm, Ref:.CS064

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d., circa anos 40 Têmpera e tinta da china sobre impressão sobre papel, 30,5x20,5 cm Ref.: CS123 108


IMITANDO EL TIEMPO A Cruzeiro Seixas le pesaba la vida. Hacía mucho tiempo que no encontraba sentido a su existencia y vivir ya era para él una carga. Y como en más de una ocasión me confesó: un insulto. Sordo, casi ciego y a punto de cumplir cien años, lo peor era que la mayoría de sus recuerdos ocultos y mudos estaban ya despoblados de protagonistas. Todos los que habían compartido con él sus mejores y más brillantes momentos se habían ido. Los heroicos Cesariny, Dacosta, António María Lisboa, Mario Henrique … cuando subidos a un tejado habían proclamado al mundo su inconformismo y su rebeldía ante la opresora atmósfera de Salazar. Los amigos de otras latitudes, igual de hambrientos en su pulsión rebelde y artística, como Franklin Rosemont, Maddox, Granell, Perahim, Camacho, Jaguer, Saura, Moro … salvo Cruzeiro Seixas que era el último que quedaba de esa pléyade de artistas. Hacía mucho que había anhelado partir y todavía seguía esperando a reunirse con sus amigos en ese viaje sin retorno. Ya no le quedaba nada. Otros se habían ido ya subiendo a ese barca que eterna navega como los amigos más personales, como Manuel Rodríguez o Eduardo Tomé … por no hablar de todos aquellos que alguna vez apasionadamente había amado. Qué le quedaba salvo sus más lejanos recuerdos como en numerosas ocasiones me confesaba y éstos eran cada vez más brumosos e imprecisos…, los de su infancia que regresaban ahora con una nitidez sorprendente acompañados de los de su madre a quien adoraba. Y sobre todo África: siempre África. Todo un mundo mágico y maravilloso, telúrico y único que se desmoronaba igual que un terrón de azúcar diluyéndose en el infinito océano de la memoria. Desde sus inicios en enero de 1986, Menú – Cuadernos de Poesía ya se había preocupado por la poesía portuguesa tan cercana y tan distante para nosotros los españoles. Ángel Crespo, un lusitanista inmenso, sabiendo de mi gusto por lo portugués me animó a que publicase a

sus poetas dado el desconocimiento secular que en España siempre ha existido de su arte y cultura. Y desde el número 0 los fui intercalando en mis publicaciones. En el primer número especial (3/4), quise llevar un poco más allá la antología que Crespo había publicado en España (Taurus) y que finalizaba en Fernando Assis Pacheco con otra antología titulada La nueva Poesía portuguesa y que abarcaba desde Fátima Maldonado, AlBerto, etc. hasta Fernando Luis a principios de los años 80. Y como suplemento un cuadernillo con 14 epitafios de Fernando Pessoa , de su primera etapa sudafricana escritos en inglés y traducidos al español por Cesar Vallejo. Después vendrían poemas de Nuno Júdice y Casimiro de Brito o el iconoclasta E. M. de Melo e Castro con sus Infopoemas acompañados de un vídeo único con música de Telectu en una edición rara para entonces dentro del panorama poético europeo. Pero el encuentro que nos ocupa entre Cruzeiro Seixas y Menú, se produjo cuando fui becado en 1989 con una bolsa de estudios por la Fundacion Calouste Gulbenkian de Lisboa para investigar el Surrealismo Portugués. Una época en la que establecí contacto con Mário Cesariny en el Assirio&Alvim de Herminio Monteiro y con Perfecto Cuadrado … Y poco después con Cruzeiro Seixas. Fue una época de publicaciones como Erro Propio, Huessoptico, 6 Poemas de A.Mª Lisboa, de la Cronología Surrealista de Perfecto Cuadrado y de mi Breve Estudio del Surrealismo Portugués en Menú (Revista). Una época irrepetible por las visitas a Cuenca de Mário Cesariny y Cruzeiro Seixas (por separado) en compañía de Manuel Rodríguez, Pedrito (G.Bruno) y Eduardo Tomé, de E,M. Melo e Castro y su esposa Cecilia, de Perfecto Cuadrado con Maria, de AlBerto, Casimiro de Brito, Eugenio de Andrade … La primera vez que nos vimos, Cruzeiro Seixas llevaba un buen rato esperándome en la calle frente a un cafetín que había debajo de la pensión en la que me alojaba de la

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avenida Ricardo Reis, a un tiro de piedra de la rua Maria (ao Anjos) donde vivía E.M. de Melo Castro al cual visitaba con frecuencia en aquella época. Llegaba tarde porque había pasado la noche en un hotel diferente al mío producto de esos encuentros nocturnos y sorprendentes que Lisboa otorga a sus amantes. Aunque llevábamos años manteniendo una prolija correspondencia nunca le había mandado una foto mía pero sabía que me reconocería nada más verme. Antes de bajarme del taxi lo distinguí y lo vi nervioso, pero cuando me dirigí hacia él con los brazos abiertos y gritándole ¡Arturo! ¡Arturo! se quedó sorprendido, paralizado y un poco espantado a la manera portuguesa. Tras los efusivos saludos y sin apenas tiempo para tomar un café recogimos a J.C. Ladrón de Guevara “Charly”, encuadernador de Menú en esa época, que en ese viaje me acompañaba. Los tres nos encaminamos a su coche y al instante empezamos a parlotear atropelladamente mientras daba vueltas por Lisboa antes de encaminarse en dirección a Casçais. A pesar de que ninguno de los dos hablábamos el idioma del otro, llevábamos más de una hora comunicándonos en una situación un tanto surrealista y cómica. ¡Al fin nos habíamos encontrado y eso era lo que estábamos celebrando! Después de comer frente al océano y ya en la sobremesa, mientras yo le hablaba de mis ilusiones y proyectos él dibujaba en el mantel de papel que cubría nuestra mesa recortando su dibujo y guardándolo en uno de sus bolsillos cuando nos marcharnos ante la decepción del camarero. Nunca pude imaginar que aquellas estrechas escaleras forradas de hule que subían a su casa, en la rua da Rosa, condujeran a un oasis de paz, armonía, gusto y arte sobre los tejados de Lisboa coronados por el Tajo. Y frente a la ventana de su despacho me mostró por primera vez los originales de Mário Henrique Leiría que siendo su albacea los guardaba como un tesoro y una carga. A pesar de llevar varios años 110

intentando publicarlos todavía no lo había conseguido debido a la desidia y el desinterés de algunas instituciones portuguesas a las que se lo había ofrecido, como la Fundación C. Gulbenkian, el Banco Espirîto Santo o la propia Biblioteca Nacional donde ahora se conservan los originales junto a la edición de Menú. En esas fechas yo me encontraba en un periodo editorial en el que quería abandonar las publicaciones convencionales que desde hacía casi 10 años había estado realizando: Revistas, Cuadernillos, Encartes, Fascículos, Separatas, Postales, … y aunque también había editado algunos pequeños Objetos, Collages, Visuales, Vídeo-Poesía e incluso Poesía-Sonora quería dar un giro editorial hacia la Bibliofília, los Libros de Artista y los LibrosObjeto. Cuando Cruzeiro Seixas me mostró los libros de Mário Henrique de inmediato descubrí lo que estaba buscando y desde ese instante supe que Menú se dedicaría a ello. Yo encontré mi camino y él su editor. Empezamos con entusiasmo a evaluar todas las posibilidades para llevarlo a cabo, su proyecto y barajar los pormenores apuntando los posibles colaboradores. La primera maqueta-fascímil de Claridade dada pelo tempo, tuvo un percance al traspapelarse en casa de Perfecto Cuadrado en Palma de Mallorca cuando fui a visitarle por lo que Cruzeiro Seixas tuvo que volver a repetirla de nuevo para que yo la editara finalmente conforme a nuestras predicciones. El 3 de Diciembre de 1995, día de su 75 cumpleaños, firmamos el Colofón que ambos habíamos redactado. Como había realizado unos maravillosos dibujos para los libros pensamos solicitar la colaboración extraordinaria del mayor surrealista vivo que todavía nos quedaba en España: Eugenio Granell, y que hacía unos pocos años había regresado de su exilio americano tras la guerra civil. Después se unió Raul Pérez. Cuando se publicó CLARIDADE DADA PELO TEMPO fue todo un


acontecimiento para Cruzeiro y para mí presentándose con toda la flor y nata del surrealismo portugués en la casa de Eduardo Tomé que tenía en el Barrio Alto de Lisboa. Claro está, como era de esperar, sin la presencia de Mário Cesariny. Es sabido por todos de su legendaria- enemistad (a mi entender impostada, pues en el fondo ambos se admiraban); de sus pullas y zancadillas personales; de la imposibilidad de reunir a ambos o realizar cualquier tipo de trabajo conjunto siquiera donde alguno de ellos estuviera presente. Más por parte de Cesariny que por parte de Cruzeiro. Por eso Arturo se lo tomó como un doble triunfo: personal y artístico. Era consciente de que los libros de Mário H. Leiria solo se podían llevar a cabo por el hecho de ser su editor un español ajeno a los círculos o influencias de ambos, tan locales y tan esperpénticos a veces. Mi posición era de ventaja por ser autosuficiente e inmune a sus trejemanejes y maledicencias. De otro modo no hubiese sido posible. Y vivir en Cuenca me dejaba fuera de sus tentáculos. Por eso pude realizar mi trabajo con total libertad sin interferencias de ningún tipo. Entre ambos, uno a la parte literaria y otro a la gráfica se consiguieron las mejores colaboraciones posibles: Antonio Saura y Edouard Jaguer para CLIMAS ORTOPÉDICOS, y Jose-Pierre, Meyrelles y Valera para los poemas junto a Perahim y Calvet para los grabados en PAS POURT LES PARENTS. como maestro de ceremonias Cruzeiro Seixas intervino en cada uno de los libros. Aunque Cruzeiro realizó un poco después una exposición con pinturas y dibujos suyos en la galería de San Mamede para recaudar fondos que cubriesen los gastos de la edición, nunca le permití que me diera nada de sus ventas. Nunca he vendido un solo ejemplar o algo que haya editado. Como reza la misiva bajo su mantel, Menú es “un sabroso veneno para insatisfechos paladares” . Las siguientes colaboraciones de Cruzeiro

Seixas fueron llegando en años sucesivos: DADOS con su gran amigo Eugenio Granell; POEMAS con Isabel Meyrelles; los homenajes a PHILIP WEST y al movimiento PHASES compartiendo mesa con Alechinslky, Arrabal, Conroy Maddox, Fernández-Molina, Max Shoendorff, Perahim, Giovanna, Jaguer, etc. Mientras los intercambios se sucedían con dibujos, poemas, objetos, collages, … le propuse realizar un CADAVRE-EXQUIS con Ladrón de Guevara y conmigo. Un libro objeto que le entusiasmó y le llevó a sangrar literalmente por los nudillos de las manos. Nuestra siguiente colaboración después de algunos años fue ÁFRICAS . Una edición de Bibliofília enteramente dedicado a él en una cuidad caja vitrina con una selección de 15 poemas en versión español/portugués acompañados de una serigrafía y un collage realizado a mano. Hay un caso de singular mención. Arturo me había manifestado en algunas ocasiones, sabiendo de mi estrecha amistad con Fernando Arrabal, que le encantaría colaborar con él. En una de mis visitas a la Residencia de Idossos de Estoril y ante la avariciosa e inquisitiva mirada de su último protegido, “Carlitos”, me ofreció 3 dibujos maravillosos. Hice una tirada mínima y exclusiva de 12 ejemplares de cada uno de ellos que me firmó para nuestro futuro proyecto bajo el título de IMITANDO EL TIEMPO. Sería el broche de oro como colaboración en el Tiempo y que al igual que los libros de Mário Henrique Leiría, tendría tres partes. Algo en mi interior se iba cerrando y volvía a su punto de partida. Un eco trasmitido que rodaba atravesando el tiempo en un múltiple latido y que algún día nos llegaría a alanzar. Busqué la colaboración especial a Fernando Arrabal que tanto le gustaba, amigo de André Breton y miembro del grupo surrealista y expulsado como Dalí, quien compuso un irónico poema en su honor con una bellísima portada caligráfica. También busqué la colaboración especial de Isabel Meyrelles 111


que me envió unos bocetos de algunos dibujos de Arturo que le habían servido a ella para realizar unas preciosas esculturas y las acompañó de un poema que le había dedicado traducido por Liberto Cruz. Ludwing Zeller envió también un precioso collage. Pero algo en mi interior me impedía abordar con naturalidad este proyecto. Pasaba el tiempo y no arrancaba… y entre tanto Cruzeiro Seixas quedó mal con Isabel Meyrelles y la cosa todavía se complicaba más. En más de una ocasión le manifesté que el título de estos libros se estaba cumpliendo y que a este paso saldrían cuando él ya no estuviera, como así ha sucedido. Esa es la manera que nos otorga el Tiempo para traerlo de nuevo con nosotros a esta mesa. Siempre estaré agradecido a Arturo Cruzeiro Seixas. Por lo que ha supuesto en mi vida como editor y como persona. Porque fue él quien me puso en contacto con lo mejor de lo que quedaba del surrealismo en el mundo. Por su insobornable aptitud ante los principios surrealistas de AMOR, LIBERTAD Y POESÍA. Por ser un ejemplo ético de vital experiencia: un faro que ilumina la oscuridad más profunda en mitad de la noche. Soy afortunado por los inolvidables momentos que compartimos juntos y como un tesoro guardo sus palabras, sus consejos, el humor y la complicidad en su fina ironía redactadas en los varios centenares de cartas que nos intercambiamos (más de un tercio dibujadas) así como en la multitud de cuadros y dibujos que lo acompañaban. Un legado que espera ser digno de su memoria y que Menú dedicará a la figura y obra de Cruzeiro Seixas durante su centenario en la ciudad de Cuenca. Una memoria que solo el Tiempo y un Amigo Único llegan alcanzar. Juan Carlos Valera Editor de Menú - Cuadernos de Poesía.

Cruzeiro Seixas com Juan Carlos Valera, no lançamento do livro-objecto artístico “Dados”, década de 1990

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) La tricoteuse (The knitter), 1947 Tinta da china e têmpera sobre papel,16,5 x 22 cm, Ref.: CS065

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) O Encontro, 1957 Tinta-da-china e têmpera sobre papel, 23 x 32 cm, Ref.: CS135

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) O Sentido Convulsivo ou melhor Revulsivo das Coisas, 1958 Grafite sobre papel, 22,5 x 32,5 cm, Ref.: CS158

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1961 Tinta da china sobre papel, 21 x 16,5 cm, Ref.: CS073

Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) Estudo para desenho à pena, 1957 Esferográfica e tinta da china sobre papel, 26 x 21 cm, Ref.: CS047 114


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 1953 Óleo sobre esteira de fibra natural, 59 x 64 cm, Ref.: CS08

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, n.d. - circa anos 1980 Técnica mista sobre papel, 41,3 x 32 cm, Ref.: CS56

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2009 Técnica mista sobre papel, 25 x 15 cm, Ref:CS094 116

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Assim ficámos a saber que o deserto sabe escrever, ler e contar Têmpera e colagem s/ papel, 25x15cm, 1970. Ref:CS040


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 1953 Óleo em fibra natural, 8,5 x 23 cm, Ref.: CS138

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Paisagem da alma, n.d. - circa anos 80 Tinta da china e Têmpera sobre papel, 20 x 26,5 cm, Ref.: CS51

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, circa 1960 Têmpera e colagem sobre papel, 27 x 35 cm, Ref.: CS052 118


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2013 Ferro e alumínio, 15 x 10 cm, Ref.: CS N5

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2013 Ferro e alumínio, 17 x 10 cm, Ref.: CS N4

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‘‘RECONHECER-ME COMO UM ERRO O SURREALISMO continua a ser, para mim, a mais segura prova de que as mãos do homem o podem manter, suspenso, sobre o precipício. As mãos, digo eu. Evidentemente suspenso! Devo no entanto tentar esclarecer que acredito que existam outras possibilidades e não vindas mais do futuro do que do passado. Tombar no precipício é evidentemente uma dessas possibilidades e não das menos aliciantes, parece-me. Ouço, monótono, o ruído do mar no convés da cidade. Vejo os livros, como ilhas. E o mar, devolvendo os náufragos. Poderei dizer que o surrealismo é uma estrada que me segue? O Surrealismo tem-me confirmado, a vida da pedra, o olhar fortuito, a porta fechada. Mas quero guardar, avaramente, uma certa dose de discordância e de denúncia. Por exemplo, parece-me extremamente risível a moralidade surrealista. E talvez, pior por menos risível, certo refinamento intelectualista, aceite e tornado lei por certas, muitas, gentes, execráveis, que se sentam surrealisticamente, gesticulam surrealisticamente, atravessam a rua surrealisticamente, julgam que o surrealismo é propriedade sua. Por mim, o que sei, é que o sol é feito de delinquentes de delito comum, de gentes que não vêm biografadas em parte alguma, daqueles que nunca vestirão ridículos fatos de bronze, sobre plintos de mármore, nas praças públicas. É pouco o que sei, concordo. Tinha esperado tanto pelo 25 de Abril, que julguei que em 1975 deveria aparecer, dar o meu contributo... Assim realizei uma exposição de 40 gouaches, de África, dos anos 1954 a 1958, na Galeria da Emenda. Estes gouaches, feitos nas minhas rápidas viagens ao interior de África (e ao meu interior), eram como cartas de amor, trocadas entre mim e esse continente extraordinário. Cartas de um amor correspondido, poderia dizer. Para esta exposição escreveu uma apresentação o poeta Alberto de Lacerda.

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Colagem sobre papel, 17 x 23 cm, Ref.: CS105

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920) Os meus dois automóveis, 1974 Têmpera sobre fotografia realizada por Mário Botas, 18 x 24 cm Ref.: CS013

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, circa 2010 Têmpera e tinta da china sobre papel, 30 x 34 cm Ref.: CS160

Acrescentarei que esta exposição quase não foi visitada. Outra, esta na Galeria de São Mamede, e cobrindo o período de 1940 a 1947, ou seja o período expressionista-neorealista, teve o mesmo destino aproximadamente. Mais público acorreu a uma exposição colectiva, que há anos preparo, amorosamente, e a que o Cesariny acabou dando o seu toque pessoal de improvisação. Eu via-a numa apresentação mais cuidada, que julgo lhe poderia dar mais sentido. Mas aqui não se pode esperar pelas soluções ideais, e eu já tenho muito pouca força para discutir. Foi uma exposição de «cadáveres esquisitos» e pinturas colectivas, na Galeria Ottolini, de que a minha parte de experiência foi uma coincidência quase impressionante com a Paula Rego, com o Raul Perez e com o Mário Botas. Com esta exposição comemorámos o meio século da Revolução Surrealista. Desta exposição poderia ter nascido um curioso livro; esta exposição poderia ter ido lá fora (e a Gulbenkian ainda falou nisso...), mas tudo se dispersou, sem atingir o grau máximo de contacto — que deve ser a meta de todos os gestos. Recebi há pouco, por estranha coincidência, um rico catálogo de uma exposição de «cadáveres esquisitos», realizada em Milão... Fazer um currículo, naturalmente, não é nada disto; mas como falar de coisas que nos apaixonam senão apaixonadamente? Como não lembrar tudo o que chegou até mim da guerra da Abissínia e da guerra de Espanha? E depois da Segunda Grande Guerra? E por que não hei-de lembrar coisas pequenas mas que não posso esquecer, como esta de não ter ido ver o Nureyev ao Coliseu, quando aqui passou pela primeira vez há uns anos, por não ter dinheiro para o bilhete? Sou uma pessoa profundamente marcada. A ditadura deu-me uma experiência que hoje quase tenho de reconhecer como a minha única riqueza. Mas eu não sou verdadeiramente o Cruzeiro Seixas; sou um representante dele. Esse por certo que não visitaria só aos 45 anos os museus do Prado ou do Louvre, não ficaria preso na intrigalhada deste meio abjecto... As pessoas empenham-se agora em assumir, isto e aquilo; eu antes de mais quero assumir a minha solidão, a distância a que fiquei do amor sublime, que acima de tudo desejei.’’ Cruzeiro Seixas Lisboa, 26 de Junho de 1975 Freitas, Lima de (1989) Cruzeiro Seixas , Soctip Editores, Lisboa.

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d., circa 1949 Grafite sobre papel, 13 x 9 cm, Ref.: CS175

Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d., circa 1936 Tinta da china sobre papel,, 21 x 15,5 cm, Ref.: CS128

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. Bronze, 35 x 16 cm, Ref.:CS108 123


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Arte, n.d - circa 1940 Tinta da china e Têmpera sobre papel, 25 x 6 cm, Ref.: CS102

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Projecto de Farol, 2000 Têmpera e tinta da china sobre papel, 40,5 x 28,5 cm, Ref.: CS153

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Duas ilhas, 1978 Tinta da china e têmpera sobre papel, 31,5 x 43,5 cm, Ref.: CS150 125


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Personagem estudando o cometa Halley, 1957 (Frente e verso) Grafite e tinta da China sobre papel. 29,5 x 20,5 cm, Ref.: CS062

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) As árvores de um outro mundo, n.d. Têmpera e tinta da china sobre papel, 21 x 45 cm Ref.: CS146


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, 2005 Tempera sobre papel, 24 x 32 cm, Ref.: CS112

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, circa 1980 Têmpera e tinta da china sobre papel, 23,5 x 37,5 cm, Ref.: CS038 127


Hoje é um dia muito triste. Partiu Cruzeiro Seixas que conheci logo no início da Galeria de São Bento em 1984 e de quem fiz a segunda serigrafia do CPS. Surrealista irreverente foi um desenhador fabuloso e um poeta das palavras e das imagens. Para além da pintura, desenho, ilustração, criação de objetos ou cenários para companhias de bailado, Cruzeiro Seixas, sempre aspirou a dar tridimensionalidade aos seus projetos o que justificou a edição de inúmeros múltiplos de escultura por parte da minha Galeria. Ali também foi efetuada a sua primeira exposição individual exclusivamente de colagens, afirmando esta técnica e que inspiraria as exposições posteriores no CPS, onde usou as provas de teste de cor das suas próprias serigrafias. Um ser único, genial e inspirador que mereceu e merece toda a minha admiração e amizade. E, com amizade e admiração partilho um poema efetuada em 2017 e terminado em 2020 dedicado a Cruzeiro Seixas:

I Parte Tantos Anos Artur Trinta e cinco anos a ver Criares tanto amor e tanta beleza Sem esforço tão puro e tão natural Sempre com essa tua certeza Que o desenho que vai nascer É um filho surreal De tantos nunca fazes nenhum igual Com a pena que desliza com o teu sentimento Crias várias linhas em sofrimento Até chegares exausto a um final Sempre seguro no teu lamento Para esconderes todas as dores Que criaste com os teus amores Tão leves e subtis como o vento Que a todos soprou sem pudores Criaste o teu próprio surrealismo Com ele nasceu a tua única paixão Surrealista de amores e profissão Irreverente, viveu sempre num abismo Que estava dentro do teu coração Artur És um ser humano descontente Com o sonho de tudo mudar Vingas-te quando vais desenhar Então aí ficas diferente

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Cruzeiro Seixas ( Portugal, 1920-2020) Sem Título, n.d. - circa 1990 Colagem, têmpera e ocultação sobre papel, 28 x 18 cm Ref.: CS050


II Parte Partiste para sempre meu amigo Levaste contigo muitos desenhos por fazer O destino acabou por te vencer Tu não querias, mas acabaste por ceder Embarcar nesse barco como um castigo. Partiste para sempre, amigo sonhador Mas não levaste o mundo que construíste Do outro mundo é que fugiste Aquele que te causou tanta dor Tinhas a alma na mão e desenhavas O que sentias no corpo e no coração Como bom marinheiro nessa onda navegavas Seguias a linha surreal que inventavas Até ao infinito da tua Paixão. Se eras artista nenhum atelier te conheci Nestes 35 anos que comigo trabalhaste O infinito era a bancada que preparaste Para desenhares ou escreveres o que amaste O mundo que estava dentro de ti Partiste, muitas coisas tinhas para fazer Com tantos e tantos amigos que do céu caíram Preferiste ires-te embora, para não te deixares vencer Mas na tua dignidade, muito te feriram A maneira como me despeço de ti é muito sentida Pela forma tão paternal como me vias Pelo afeto que por mim sentias Vou ter saudades pela tua partida Choro lágrimas de tristeza e alegrias. Na vida fizeste quase tudo o que querias Até na morte foste surreal Dizias: Não quero comer, não quero beber, não me levem a mal Percebi e ouvi dentro de ti o grito fatal Sei bem o que sentias Um pouco de dignidade no teu final.

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Lá onde o negro sémen do mundo se gera no mais profundo dos vulcões, circa anos 80 Técnica mista sobre papel, 24 x 16,5 cm, Ref.: CS020

António Prates - Lisboa, 18 de novembro de 2020

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) O Maquinismo dos sonhos, 1980 Colagem, tempera e tinta da china sobre papel, 25,5 x 27,5 cm, Ref.: CS140

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Personagem estudando o cometa Halley, 1978 Tinta da china sobre papel, 29 x 19cm, Ref.: CS118

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, circa 1950 Têmpera sobre papel, 15,5 x 12cm, Ref.: CS041

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Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Titulo, n.d. Técnica mista sobre papel, 21,5 x 31 cm, Ref.: CS182

Tentações nas Janelas Verdes A chuva repentina e forte. Uma rampa. A mão esquerda no guarda chuva aberto e a direita na pega da cadeira de rodas. Um tormento. Tudo receio de algo lhe acontecer. Um deslize, o pé a escorregar, a mão a fraquejar. Regressávamos do Museu de Arte Antiga, onde almoçámos. A sua atualizada curiosidade, o seu grande prazer de olhar, e ver, levara-nos à A Anunciação de Álvaro Pires de Évora. O quadro, primitivo de primitivos na pintura portuguesa, tinha tido aquisição recente. Surpreendeu-se pela sua pequena dimensão e pela aplicação do ouro. Mas, eu já sabia, a tentação, as tentações eram outras. E logo ali ao lado. Os Painéis, ditos de Nuno Gonçalves. Deles alude a um cortejo de uma réplica a desfilar do Marquês até ao Rossio que muito o marcou, nos anos 40. Solenidade. Circunspeção. Lamento melancólico. Pesar. Arrependimento. Serenidade inquieta. Silêncio triste. Mágoa. Aparição. Os Painéis são uma paixão comum. Estoulhe grato, esteve na origem da mostra que fiz na Capela do Fundador do Mosteiro da Batalha, Milagre – Elogio aos Painéis de Nuno Gonçalves. E ainda passámos por S. Vicente, atado à coluna e na cruz em aspa, pelo Ecce Homo. Montámos o cavalo alado do tempo para cortejar Domingues Sequeira. Com regresso ao final do século quinze para nos deslumbrarmos com as Tentações de Santo Antão. As infinitas de Hieronymus Bosch. Mundo de prodígios, horizonte onírico. Corpos improváveis, ruínas, espasmos. Ratos desmedidos e peixes voadores. Catástrofe de vozes e amores erráticos. Antiquíssimas memórias. Só nos faltou o acesso ao Inferno, de mestre português desconhecido. Uma chuva repentina e forte. A rampa. O tormento. A luz do Sonho extinguiu-se. Estão tristes os que amam a Liberdade sem fronteiras, os que veem na Cultura uma forma de sublimar a existência, os que se deleitam na Poesia do gesto, do traço, das formas. Na luz que ilumina as sombras. O príncipe de Surrealismo, Cruzeiro Seixas, partiu e, com ele, todo um tempo, uma derradeira geração. Fica-nos o registo da sua prodigiosa imaginação para continuarmos a preservar um sonho novo: o que vai nascendo no olhar futuro de cada um.

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João Prates - 21 de Novembro de 2020


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem Título, circa1980 Têmpera e tinta da china sobre papel, 26,5 x 21cm, Ref.: CS048

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 2009 Técnica mista sobre papel, 25 x 35 cm, Ref.: CS98 133


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Os segredos do vento, 2004 Tinta da china e têmpera sobre papel, 20 x 26,5 cm, Ref.:CS131

Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) A noite sem fim, 1977 Têmpera e tinta da china sobre papel, 43 x30,5 cm, Ref.: CS144

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As Cartas do Rei Artur | Cinemateca Portuguesa Este ciclo celebrativo de tributo a Cruzeiro Seixas também contará com uma sessão de cinema. No dia 3 de dezembro, a Cinemateca Portuguesa apresenta o documentário Cruzeiro Seixas - As Cartas do Rei Artur. Cruzeiro Seixas - As Cartas do Rei Artur de Claúdia Rita Oliveira foi realizado quando o artista tinha aos 95 anos. O documentário rouba o nome a um excerto de uma de muitas cartas enviadas por Cesariny a Cruzeiro entre 1941 e 1974, compiladas no livro Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas (2014). É através delas e dos seus 57 diários (de apontamentos, fotografias, citações, colagens e desaforismos) que Cruzeiro Seixas revisita, com um misto e saudade e ironia, 95 anos de pintura e poesia vividos à sombra de Cesariny. As recordações de que dá conta são ambíguas e sem cronologia (como os seus diários), mas possuem uma lucidez que incomoda. O filme estreou no DocLisboa, no cinema S. Jorge, em 2015, com a presença de Cruzeiro Seixas, e foi-lhe atribuído o Prémio do Público - Prémio RTP para melhor filme português.

Imagens do documentário Cruzeiro Seixas - As Cartas do Rei Artur

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Construir o Nada Perfeito Exposição do ciclo dos 70 anos d’Os Surrealistas em Portugal, realizada no espaço Atmosfera M 26 de Junho de 2019 O ciclo decorreu por ocasião da celebração dos 70 anos sobre a 1.ª exposição do anti-grupo surrealista português “Os Surrealistas”, fundado por Cruzeiro Seixas e Mário Cesariny, acompanhados pelos demais artistas que, na década de 40 do século XX, operaram em Lisboa a maior revolução cultural que o país experimentou na época. Recordando a célebre exposição que, em 1949, teve lugar na sala de projeções da Pathé Baby, junto à Sé de Lisboa, pretendeu-se homenagear os membros daquele anti-grupo surrealista português e todos os outros autores que, por via da afinidade artística e intelectual, com eles estabeleceram uma relação nas décadas posteriores. Sob a curadoria do diretor artístico da Casa da Liberdade - Mário Cesariny, Carlos Cabral Nunes, apresentou-se um conjunto de obras históricas, provenientes da coleção desta instituição, a par com documentação original, em vários suportes, relativa a este movimento artístico, ímpar no contexto nacional.

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A exposição contava com a apresentação e exibição de uma seleção de filmes sobre os seus membros do Grupo e o seu percurso artístico, entre os quais os realizados, nos anos 50 do século XX por Carlos Calvet, também ele membro de “Os Surrealistas”. A exposição realizada no espaço atmosfera m Lisboa deu especial enfânse à obra de Cruzeiro Seixas, figura centenária e incontornável da história da arte moderna e contemporânea em Portugal e o último elemento vivo do anti-grupo surrealista português. Além de trabalhos originais deste autor, diversos artistas contemporâneos, nacionais e internacionais, deram corpo a esta celebração, homenageando o “gesto” precursor de “Os Surrealistas”, através da criação de obras que configuravam uma espécie de recontextualização e releitura da obra de Cruzeiro Seixas.

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A propósito de algumas teorias que por aí andam, há demasiado tempo, procurando desvalorizar a obra plástica de Artur do Cruzeiro Seixas - Surrealista, recordo o ditado popular “a ignorância é muito atrevida” e o que me disse, em 2005, o querido amigo e mestre cabo-verdiano Manuel Figueira, sobre o tempo em que veio cursar belasartes para Lisboa. Dizia ele que “vinha com o atrevimento da juventude. Queria fazer coisas. O choque foi brutal. Aquilo (Portugal) era uma sociedade muito fechada, que não era a minha. Sofri muito” e, sendo certo que isso sucede amiúde aos jovens, já o mesmo, o atrevimento em idade maior, quando o juízo deveria ditar ponderação e humildade, torna, quem assim procede, apenas grosseiro e quiçá mesquinho. A obra legada por Cruzeiro Seixas é tão vasta e multifacetada que uma análise superficial torna impossível um juízo sério, seja na selecção de imagens que a inteligência artificial do Google é capaz de produzir, seja mesmo na extensa bibliografia em papel já produzida e publicada. Ignorante que sou, não obstante as dezenas de milhar de obras que dele vi e inventariei, atrevo-me humildemente a afirmar, com a convicção pueril do jovem que em mim habita, que o que está ainda por descobrir, na imensidão do legado de Cruzeiro Seixas, é provavelmente maior do que o já conhecido. É um trabalho para vindouros. Esses apenas poderão fazer-lhe plena justiça. Por agora podemos apenas curvar-nos perante tão enorme Surrealista, fazendo votos de que mais pessoas lhe sigam e prossigam os passos. O Mário Cesariny dizia que Salvador Dali era, de facto, genial mas que lhes tinha feito, a eles todos, aos Surrealistas, muito mal. Involuntariamente. “É que os americanos, na sua profunda ignorância e necessidade de simplificação, quando o viram chegar disseram: o Surrealismo é isto. É aquela estética. Ora, o Surrealismo, mais do que uma estética é uma ética e esta apresenta-se de múltiplas formas visuais, poéticas, intelectuais.” Assim é o legado de Cruzeiro Seixas. Multidimensional, policêntrico, diverso. Recusando, por inerência, a mestria da obra prima. Absorver aprofundadamente o que realizou em vida, requer estudo sobre a globalidade dessa sua sua criação, não apenas uma análise superficial de umas quantas obras ou séries. E isso exige tempo, dedicação e, especialmente, vontade. Ontem, por acaso feliz, um rapazinho jovem, emigrado, que faz de ajudante na remodelação que está em curso em minha casa, subitamente disse “gosto muito das pinturas que tem aqui”, ao que lhe perguntei “quais?”. Especialmente esta, disse, apontando uma obra de Cruzeiro Seixas ladeada por muitas outras de outros tantos autores. Expliquei-lhe que tinha sido feita pelo amigo que me tinha feito sair de casa, para lhe velar o corpo sem vida, nesse dia. Que tinha o dobro da minha idade quando morreu e que aquela obra teria sido feita na época em que tinha a idade que tenho eu hoje. O Artur teria gostado muito disto, como despedida e de conhecer o jovem Nedilson, por certo. Como em tempos se escreveu em Portugal, por Os Surrealistas, aquando do falecimento de Breton: NÃO HÁ MORTE, NA MORTE DE CRUZEIRO SEIXAS! Carlos Cabral Nunes

11 de Novembro de 2020 - Texto publicado nas redes sociais, em resposta a tentativas de subalternização da obra artística de Cruzeiro Seixas.

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Dossier de Imprensa Ciclo de Celebração dos 70 anos da 1ª exposição d’Os Surrealistas Revista Ípsilon, 24 de Junho de 2019

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Jornal Expresso, 24 de Junho de 2019

Cartaz Cultural, SIC Notícias, 24 de Junho de

Cartaz Cultural, SIC Notícias 24 de Junho de 2019

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Construir o Nada Perfeito | Casa da Liberdade - Mário Cesariny Homenagem a Cruzeiro Seixas no seu Centenário Site Cultura ao Minuto, 14 de Setembro de 2020

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Canal Porto, 19 de Setembro de 2020

Sapo, 19 de Setembro de 2020

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RTP Notícias, 19 de Setembro 2020


Jornal Destak, 19 de Setembro de 2020

Revista Rua, 16 de Setembro de 2020

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Medalha de Mérito Cultural atribuída a Cruzeiro Seixas no ano de celebração do seu centésimo aniversário RTP Notícias, 14 de Outubro de 2020

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Sapo MAG, 14 de Outubro de 2020

Notícias Portugal Gov., 14 de Outubro de 2020

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Falecimento de Cruzeiro Seixas - 8 de Novembro de 2020

Público, 10 de Novembro de 2020

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Diário do Minho, 10 de Novembro de 2020

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Semanário SOL, 14 de Novembro de 2020

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O Povo Famalicense, 10 de Novembro de 2020

Revista Caras, 14 de Novembro de 2020

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Visão, 12 de Novembro de 2020

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Diário de Coimbra, 10 de Novembro de 2020


Correio do Minho, 10 de Novembro de 2020

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Sábado, 12 de Novembro de 2020

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Ciclo de Celebração do Centenário de Cruzeiro Seixas

Revista Bica, 28 de Novembro de 2020

Agenda Cultural de Lisboa, 3 de Dezembro de 2020

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Jornal de Noticias, 3 de Dezembro de 2020

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Revista GQ, Dezembro de 2020

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Revista RUA, 27 de Novembro de 2020

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Capa de livro de artista inédito, da década de 1960

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Artur Manuel do Cruzeiro Seixas, nasceu a 3 de Dezembro de 1920, na Amadora. Frequentou a Escola António Arroio, em Lisboa. Em 1948 adere ao anti-grupo “Os Surrealistas”, com Mário Cesariny, Pedro Oom, Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Mário Henrique Leiria, Fernando José Francisco, Fernando Alves dos Santos e Carlos Calvet. Em 1952 deixa Portugal e parte em direção a África, fixando-se em Angola. Com o intensificar da guerra colonial abandona África e regressa a Portugal, onde produz ilustrações para a “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica” de Natália Correia e, em 1967, inaugura com Mário Cesariny a exposição “Pintura Surrealista”, na Galeria Divulgação, no Porto. Em 1969, novamente com Cesariny, integra a Exposição Internacional Surrealista na Holanda, e durante a década de 70 mostra trabalhos seus em inúmeras coletivas do movimento surrealista internacional, principalmente aquelas ligadas ao Grupo Phases ao qual havia, entretanto, aderido. Nas décadas seguintes, depois de cortar relações com Cesariny, afasta-se dos circuitos de consagração mercantil e institucional. Fixa-se no Algarve e continua a apresentar os seus trabalhos em exposições individuais e coletivas. Em 2006, a Perve Galeria, apresentou “Cesariny, Cruzeiro Seixas, Fernando José Francisco e o passeio do cadáver esquisito”. Esta exposição marcou o reencontro dos três artistas após 50 anos de afastamento. Foram aí apresentadas obras suas, originais, realizadas entre 1941 e 2006 ano em que realizou um conjunto inédito de 12 Cadavres Exquis, em colaboração com Cesariny e Fernando José Francisco. Em 2012, também na Perve Galeria, é apresentada a exposição antológica “Homenagem a Cruzeiro Seixas”, com mais de centena e meia de obras de sua autoria, realizadas entre 1940 e 2010. Artur do Cruzeiro Seixas está representado em inúmeras coleções, de que são exemplo: a coleção do Museu do Chiado (Lisboa); Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa); Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro; Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra); Museu Francisco Tavares Proença Júnior (Castelo Branco); Fundação António Prates (Ponte de Sor); Fundação Cupertino de Miranda (V.N.Famalicão) ou Fundación Eugénio Granell (Galiza), entre muitas outras. A obra de Cruzeiro Seixas assume uma posição de destaque na Coleção Lusofonias, iniciada pela Perve Galeria no ano 2000, com um núcleo significativo de trabalhos realizados ao longo dos anos em que viveu em Angola, em especial desenhos e pinturas de forte matriz africana (não africanista ou exótica) mas também de outros períodos relevantes no seu percurso, como as obras realizadas na década de 1940 quando, com Cesariny e demais companheiros fundou Os Surrealistas. Em 2019, no âmbito de um ciclo de celebração dos 70 anos sobre a 1ª exposição desse anti-grupo, a Perve Galeria organizou um tributo a Cruzeiro Seixas, no espaço Atmosfera M, da Associação Mutualista Montepio, em Lisboa, que agora é revisitado na presente exposição que visa assinalar o centenário deste autor singular, único no panorama das artes visuais nacionais e internacionais..

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Cruzeiro Seixas. Nazaré. Fotografia por Cabral Nunes. 9-8-2018

Fazedor de 100 nadas perfeitos O que é um pássaro voando depois do final das águas que uma cascata jorrou, num tempo indizível? É um sonho refeito, tecido laboriosamente enquanto se fez manhã, depois noite e um ano se tonou século de amor e glória, de que não falam já os relógios ou quaisquer cotovias madrugadoras. Assim foi Seixas, que é um Cruzeiro navegando por entre guerras e paz, amando muito, sobretudo a Liberdade escorrendo poesia, dilacerada, luminosa, em espaços de segredo e magia ritual. Do que aqui se fala, em forma de tributo impossível de satisfazer, dada a condição gigante do homem e, maior, do Ser que “faz coisas”, é de uma vida plena, com número redondo a compor-se. 100 anos de Cruzeiro Seixas, a completarem-se no dia 3 de Dezembro. Ele que mais viveu, mais desenhou e pintou, assume-se já não aqui, neste lugar onde julgamos estar inteiros. Ele mora noutro mar e disso nos foi falando, através da sua magnífica obra, construída ao sabor de um longo viver. E no tanto que nos legou, resta-nos apenas a valia do silêncio, na gratidão de um “abra aço” com profundo sentido. Carlos Cabral Nunes - 15 de Setembro de 2020

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NOTAS PARA UM ESTUDO SOBRE CRUZEIRO SEIXAS

Os materiais de segundo nível, que permitem a metamorfose do real sensível, e a percepção desse outro real, a que o surrealismo chamou o supra-real, sem o qual não faz sentido, são de dupla natureza, ou sonora ou visual, quer dizer, ou se manifestam por meio da audição ou por meio da visão. No primeiro caso temos as alucinações auditivas, que distorcem a camada mais superficial, mas também mais decisiva, da linguagem verbal, o fonema. O fonema é cada uma das parcelas mínimas da linguagem verbal articulada. É encarado em geral como um material arbitrário, posto ao serviço duma codificação de sentido. É porém possível usar esse material de modo distinto, desvinculando-o da relação de arbitrariedade com o real sensível, de primeiro nível, e procurando no som verbal a manifestação do invisível ou do inefável. Foi esse o trabalho de Mário Cesariny no livro Alguns mitos maiores alguns mitos menores propostos à circulação pelo autor, escrito em 1948, publicado dez anos depois, e que António Maria Lisboa teve ainda ocasião de apreciar, a ele se referindo na conferência manifesto de 1950, Erro Próprio, editada em 1952, como sendo um jogo de cabala fonética, destinado a progressiva assimilação do irracional, um sinónimo daquilo que linhas acima apontámos como invisível ou inefável. Nesse livro, o poeta, desarticulando as palavras, ou sequências delas, através dum jogo fonético, em geral assente nas similitudes dos fonemas, criou uma linguagem própria, feita de neologismos, que se pode tomar por um idiolecto verbal, de segundo nível, adequado a comunicar com a realidade ideal que o surrealismo procura e que António Maria Lisboa identificou com o irracional.

Cruzeiro seixas e Mário Cesariny

Cruzeiro Seixas e Mário Cesariny. Fotografia proveniente do arquivo de Eduardo Tomé

Raúl Perez, Mário Botas e Cruzeiro Seixas. Holanda, década de 1970. Fotografia proveniente do arquivo de Eduardo Tomé

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Podemos pensar que aquilo que os poetas verdadeiros desde sempre fizeram foi aquilo que de forma radical se encontra no livro de Cesariny. Não se trata tanto dum tópico de escola, por muito que ele atravesse transversalmente parte daquilo a que chamamos o surrealismo histórico, mas do núcleo resistente da própria acção poética. Desmembrar as palavras ou as frases de primeiro nível, relativas ao real sensível, para se obter uma linguagem mais autêntica, menos dependente do real visível e da sua reprodução no plano verbal, como faz Cesariny nesse livro dado à luz em 1958, parece ser um processo “intemporal”, que começou no momento em que o homem trocou o estado natural pela civilização, onde os constrangimentos edipianos impuseram uma nova realidade à espécie. Para se perceber isso a que chamo “processo intemporal”, e que tem todavia um começo colectivo, basta pensar na acção multissecular que alguns poetas da língua portuguesa, que vão do cancioneiro dionisino a Eugénio de Castro e da Fénix Renascida a Ângelo de Lima, exerceram sobre a língua, numa operatividade em tudo concorde com aquilo que se encontra no livro de Mário Cesariny. As manifestações de segundo nível, que interrompem e transformam nas formas de representação o contínuo da realidade sensível, não se apresentam porém apenas ao nível fonético. Há materiais de tipo visual não fonético que se mostram de grande importância para revelar a alteridade do real. Neste caso também as alucinações de tipo visual, distorcendo a percepção óptica que temos da realidade, podem contribuir para articular a linguagem com uma realidade de segundo nível. A base da linguagem verbal é o fonema, quer dizer, o som, mas o seu resultado mais vulgar é a imagem. A criação de sentido que se pretende obter com a junção dos fonemas, a reprodução do real sensível a que se aspira em qualquer língua arbitrária, não poética, faz-se através da imagem, não do som.

Cruzeiro Seixas, circa anos 1950, Angola Fotografia Fotografia proveniente do arquivo de Eduardo Tomé

Cruzeiro Seixas, circa anos 1970 Fotografia por Mário Botas

Pedro Oom, Fernando Alves dos Santos, António Maria Lisboa e Mário Cesariny Lisboa, 1949. Fotografia proveniente do arquivo de Cruzeiro Seixas

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Dou um exemplo. Quando digo a palavra porta, tenho por um lado as unidades mínimas sonoras, três consoantes e duas vogais, e por outro uma imagem, uma noção unívoca, que me permite referenciar, a partir duma realidade sensível, um sentido. Por esse motivo um poeta como António Maria Lisboa pôde deixar de lado por um momento a essência sonora da linguagem verbal e dedicarse no seu principal livro de poemas, Ossóptico (1952), ao trabalho óptico ou visual com as palavras, obtendo na assimilação do irracional, ou na transposição do real, resultados equiparáveis àqueles que Mário Cesariny conseguiu com a incisiva acção sobre o som. É no domínio porém do desenho, da escultura, da pintura ou da criação de objectos que podemos falar de materiais visuais puros. Nenhum som audível; apenas imagens visíveis. É possível trabalhar também com tais materiais na procura de manifestações de segundo nível. Quer as palavras, quer as imagens, quer ainda as coisas, escondem por detrás da sua realidade quotidiana mais mesquinha, outros diriam mais abjecta, um continente secreto, muito mais maravilhoso, que não é outro senão o real supra-sensível a que Lisboa chamou o irracional. Um dos que trabalhou ou sublimou estes materiais visuais, na tentativa de com eles obter resultados inesperados na assimilação do real de segundo nível foi e é Artur Manuel do Cruzeiro Seixas. A sua acção entre nós é paralela, no domínio puramente visual da sua criação pictórica e objectual, daqueloutra que se encontra na poética verbal de Mário Cesariny e de António Maria Lisboa, que como vimos tem, apesar dessa unidade de base, direcções diferentes. ***

Cruzeiro Seixas. Gravações para o filme documental, da série NOMA, que lhe foi dedicado. 09-06-2002 Fotografia por Cabral Nunes.

Casa de Cruzeiro Seixas, na Rua da Rosa, ao Bairro Alto, em Lisboa. Junho de 2002. Fotografia por Cabral Nunes. 162


Artur Manuel do Cruzeiro Seixas é um alquimista das formas, um poeta das imagens, um arquitecto do espírito. Os seus desenhos, que melhor se designam por sismografias da psique, caligrafias psíquicas ou registos pulsionais, mesmo quando enquadrados por um traço que nos parece tão rigoroso quanto talentoso, são a linguagem da alma humana; movem-se na tela ou no papel onde o seu autor os lança em momento de cegueira ou de possessão como os sonhos, os mais maravilhosos e os mais terríveis, se incrustam no céu imaterial do pensamento. Não há por isso limites para os sinais que se inscrevem nos desenhos de Cruzeiro Seixas; eles palpitam em combustão ardente, pedras vulcânicas em permanente explosão de metamorfose. Se o Universo é um caos organizado, uma anarquia espontânea, onde os astros fazem a vez duma ordem desconhecida e superior, os desenhos de Cruzeiro Seixas são a escrita automática do espírito, um alfabeto psíquico capaz de registar as pequenas e as grandes convulsões da alma, onde as imagens, sempre escaldantes, sempre borbulhantes, tomam o lugar de mediadores entre a matéria densa do mundo e a liberdade gratuita do espírito. Na tapeçaria dramática de Cruzeiro Seixas uma mão nunca é uma mão, um rosto nunca é um rosto, um cavalo nunca é um cavalo. Não nos iludamos, a não ser por via da participação consciente neste teatro lúdico de acasos, que é disso que aqui se trata. Todas as realidades que saem das mãos de Cruzeiro Seixas são apenas imagens de outras realidades, metáforas vivas e desveladas, num processo contínuo e revelado de metamorfoses, que opera por sucessivas e imperceptíveis trasladações de sentido. Na rotação das imagens, na velocidade alucinante das figurações, na permanente desconstrução das identidades, temos o carnaval intenso da criação, a festa do mundo tal como ela pôde ser superiormente vivida em colectivo nas culturas magnas do paleolítico e do mesolítico, tudo antes que a história, com a folha relativa à produção e acumulação, com a eugenia própria da proibição do incesto, que impôs constrangimentos gigantescos nas operações mentais humanas, sufocasse a vida mágica da cultura natural.

Cruzeiro Seixas e Fernando José Francisco, realizando Cadavre Exquis. Fotografia por Cabral Nunes. 2-9-2007

Carlos Cabral Nunes e Cruzeiro Seixas. Visita à exposição da coleção do Centro George Pompidou, em Paris. 31-3-2019 163


Eurico Gonçalves e Cruzeiro Seixas em visita à exposição da Coleção Lusofonias, na sede da UCCLA, em Lisboa. 15-4-2017

Convenço-me que o homem arcaico, o homem ante-histórico, o homem natural, o homem criança, o homem mulher, via o mundo – animais, plantas, pedras, rios, astros – desenrolar-se diante dos seus olhos como nós vemos a metamorfose num desenho de Cruzeiro Seixas. Daí a ideia de tapeçaria dramática, de montagem psíquica, mas também de percepção em estado puro, a propósito da actividade das suas mãos. Cruzeiro Seixas sempre negou a arte. Fê-lo pelo lado do testemunho – o desejo mais alto do meu trabalho, é justamente que ele seja um testemunho, diz ele algures – e fê-lo ainda pelo trilho que Marcel Duchamp abriu com o readymade de 1914. O readymade colocou a arte ao alcance de todos, deixando de lado o que nela havia de habilidade e talento, e que muito, ou tudo, era. Com o readymade a arte passou a estar ao nível do desejo de qualquer um. Bastava para tanto isolar a peça e atribuir-lhe um valor de emblema.

Cruzeiro Seixas realizando obra colaborativa, com Cabral Nunes, em toalha de mesa. Jantar realizado após a 1ª exposição em Lisboa, no Palácio da Ajuda, da coleção de obras de Joan Miró (que passaram a pertencer ao Estado português após petição pública iniciada pelos 2 autores). Fotografia por Cabral Nunes. 7-9-2017

Cruzeiro Seixas e Sophia Zhong, realizando obras colaborativas na Bienal de Cerveira. Fotografia por Cabral Nunes. 11-8-2018 164


Cruzeiro Seixas. Gravações para o filme documental, da série NOMA, que lhe foi dedicado. Fotografia por Cabral Nunes. 09-06-2002

Cruzeiro Seixas desenhando no voo que o levou a Paris. Fotografia por Cabral Nunes. 17-12-2018

A invenção de Duchamp não coincidiu, ao menos no imediato, com os propósitos do surrealismo. Ao invés, guardando apenas o seu efeito de surpresa anti-burguesa ou de provocação vanguardista, o readymade estava destinado a transformar-se depois, na segunda metade do século XX, no pior pesadelo da actividade artística de sempre, o gadget, o dispositivo, a bagatela, o pechisbeque ao alcance de todos, votado ao consumo industrial em larga escala, contaminando ainda muito daquilo que se convencionou chamar arte moderna ou contemporânea. Nesse sentido o surrealismo parece actual mas não contemporâneo, e menos ainda moderno, se por modernidade entendermos o mundo que saiu da razão instrumental cartesiana. O que a prática do readymade, de que a instalação é uma extensão em ponto grande, mostrou é que o mercado da arte, nas versões mais canibalescas que se conhecem, para nada precisava das convenções burguesas do talento e da habilidade. Percebe-se com bons motivos que o mercado da arte, para se expandir sem limites e sem entraves, necessitava de se livrar dos códigos estéticos burgueses, demasiado elitistas e restritivos. Sem eles, sem os círculos apertados em que se fechava, a arte ficava nua e sem escudo; estava à mercê de qualquer invasão e livre para se tornar em definitivo uma mercadoria de massas, uma indústria sem entraves, pronta a forçar o consumo como qualquer tomate enlatado. O valor de emblema que o objecto ganhou com o readymade de Duchamp estava apto, e com que facilidade, a tornar-se também um valor de mercado. O destino da invenção de Duchamp não foi porém apenas o gadget artístico. Pouco depois da sua invenção, o grupo de André Breton, posicionando-se no campo não da arte, ou da anti-arte, ou até da não-arte, mas no do experimentalismo da alma humana, viu no trabalho de Duchamp uma possibilidade nova. Também o surrealismo desposou assim a anti-arte, sem que o seu interesse fosse outro do que perceber na sua superfície nua a significação psíquica, a realidade de segundo nível. De emblema sociológico, o objecto passava a dinâmica de funcionamento simbólico. 165


Eduardo Tomé e Cruzeiro Seixas. Espanha, 1986

Cruzeiro Seixas com Carlos Calvet. Estoril, Fotografia por Cabral Nunes. 2-5-2012

Para o surrealismo, o readymade não era um novo objecto artístico, nascido dum olhar descomprometido com as regras artísticas burguesas, mas um objecto psíquico, uma peça da alma, uma manifestação maravilhosa, um sinal da realidade de segundo nível. Nasceu assim o objecto surrealista. Convenço-me que o drama decisivo da arte actual se joga na dupla acepção que o trabalho duchampiano tomou ao longo dos últimos cem anos. Por um lado temos a arte ao alcance de todos, através da industrialização desaforada da anti-arte, de que todas essas banais instalações pagas pelos poderes públicos nas rotundas dos subúrbios são o testemunho triste, e por outro temos a arte ao alcance de todos, sem necessidade de poderes, sem necessidade de sponsors, através do objecto surrealista que cada um de nós deve procurar como se dum verdadeiro milagre se tratasse. A herança de Duchamp joga-se toda neste braço-de-ferro, que é também o desafio que hoje se trava entre as duas pulsões vitais, por muito heteróclita que cada um delas seja. Cruzeiro Seixas, colocando-se do lado da alma, foi um verdadeiro criador de objectos surrealistas. A sua imagem de marca é a chávena intervencionada, de 1954, a que chamou Quotidiano. Essa chávena tem a asa para dentro, expondo o absurdo da sua inutilidade, como um homem com a alma para fora, sem consciência e sem extensão, sem fonte de imagens para brotar, é o escravo da realidade sensível e o encarcerado da razão prática. Será que já se percebeu que a asa cruzeirina é a tradução metafórica da alma e até a sua continuidade fónica, numa espécie de cabala temúrica onde o imperativo do verbo amar, ama, serve de ponte e de elo? Asa, ama, alma – compósitos sonoros do irracional ou novo mito posto a circular pelo criador.

Dorindo Carvalho e Cruzeiro Seixas. Perve Galeria, Fotografia por Cabral Nunes. 11-9-2012 166

Cruzeiro Seixas. Museu Picasso, Paris,

Fotografia por Cabral Nunes. 15-12-2018


E quem fala do funcionamento simbólico da chávena intervencionada, pode falar do poder psíquico de objectos como l’opresseur, resultante do encontro fortuito duma bola de ferro, duma torneira velha e duma pluma preta, ou da carga mágica e festiva, largamente (ir)religiosa, de objectos como o Cristo pendurado num cabide, que apresenta tanta pressão destrutiva como força regenerativa. A carga dum tal objecto só me parece comparável ao trabalho extraordinário que Guerra Junqueiro fez sobre o imaginário religioso em Velhice do Padre Eterno. E não querendo, ou não sabendo, falar de Junqueiro, fale-se então de Nietzsche e da abertura do seu Zaratustra: castigo o meu Deus para o purificar. Cruzeiro Seixas, em sentido pleno, não é pois um artista; é um xamã, um mago, um vidente, um bandeirante da irrealidade do espírito, um homem dos portos, um corsário sempre em viagem para o além, um nauta dos astros ou do éter. O seu trabalho exerce-se mais na transformação da vida quotidiana, em primeiro lugar da sua e da do seu círculo próximo, que na mercantilização galopante e massiva dos artefactos que a sua imaginação dá ao mundo. Numa direcção que é plena de verdade funda podemos dizer que Cruzeiro Seixas não teve atelier, não marcou o ponto, não se funcionalizou como artista ou como pintor. Ao invés, não se cansando de gritar a morte da pintura e o fim da arte, bem como o horror das academias e das escolas, fugiu para a selva, vadiou pelos trilhos poeirentos dos elefantes, perdeu-se no continente obscuro dos hipopótamos. A sua oficina, se a teve, foi na alma que a encontrou. Por isso lhe bastou, como ele insistiu, um canto de mesa para atirar ao papel com as imagens. Eu acrescentaria até que nem sequer de aparo e de tinta ele necessitou; para desenhar o mundo da alma bastou-lhe o sangue como tinta e o dedo como lápis. Estava tudo dentro dele, intacto e vivo. Não foi, não é, um artista, mas um condutor de imagens psíquicas. Não expôs talento; antes deu a alma, naquilo que esta tem de supranatural e de genial.

Cruzeiro Seixas na Casa das Histórias - Paula Rego. Fotografia por Cabral Nunes. 30-7-2017

António Prates e o Presidente da República, com Cruzeiro Seixas. Fotografia por Cabral Nunes. 1-6-2019

Nuno Silva, Cruzeiro Seixas, Teresa Balté e Carlos C. Nunes 15-08-2018

Cruzeiro Seixas, residência na Casa do Artista, Lisboa. 10 dias antes do confinamento devido à pandemia Covid- Fotografia por Cabral Nunes. 19. 5-3-2020

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Mário Cesariny, Fernando José Francisco e Cruzeiro Seixas na exposição que realizaram na Perve Galeria, em 2006 Fotografia por Cabral Nunes.

*** O drama decisivo da arte moderna joga-se no duplo sentido que o trabalho de Duchamp tomou nos últimos cem anos; por um lado o gadget artístico para o consumo das massas, como as estampas de Warhol liofilizadas numa linha de tee-shirts, e por outro o objecto surrealista de funcionamento simbólico, que qualquer um de nós na infância teve o saber pessoal, o génio assistido para construir ou criar a partir do elementar. E quem não recorda esses momentos absolutamente geniais em que num recanto de jardim ou numa sala solitária construiu com duas pedras ou dois pedaços de madeira velha um palácio encantado? Acrescente-se agora que para o mundo se salvar, para o homem reassumir a plenitude dos seus dons e da sua graça, para a natureza reconquistar a harmonia perdida e a grandeza desfeita, a arte da anti-arte tem de morrer, porque a arte hoje, tal como a moda, perdidas para sempre as convenções elitistas burguesas, é sinónimo despudorado de consumo forçado, tão forçado que todos nós temos em casa um Picasso de plástico, equivalente de delapidação maciça de recursos, que não são recursos mas seres vivos.

Teresa Balté e Cruzeiro Seixas. Fotografia por Cabral Nunes. 3-7-2018 168

Cruzeiro Seixas com J. M. Vasconcelos e Fernando Grade na Perve Galeria.Fotografia por Cabral Nunes. 24-1-2014


O que aqui está em causa é o entendimento e a aceitação passiva daquilo que Walter Benjamin chamou a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica e a obra de poesia, a acção enérgica, a saudação solene de cada um de nós ao mundo, na era do desastre ecológico. O caminho não é o da metrópole, deslúcida e envenenada, mas o trilho aldeão; em vez de Fernando Pessoa, urbano, colarinhos brancos impecáveis, bilhete de avião no bolso do paletó para Londres, o Velho da Montanha, Teixeira de Pascoaes, em fralda velha, descalço, cabelos em fogo e olhos relampagueantes, no meio dos robles do Marão. A acção de Cruzeiro Seixas, naquilo que tem de essencial, quer dizer, na fabricação dos seus compostos, situa-se fora do âmbito da indústria cultural e o mais longe possível da mercantilização industrial dos artefactos artísticos da anti-arte. Cada quadro seu é uma obra monumental e única, uma obra digna do espírito de qualquer criança, que é o melhor elogio que se pode fazer a uma criação. Estamos diante de objectos de funcionamento simbólico e não de aparelhos sociais, votados à reprodução sem fim. A construção de tais objectos funciona pela junção, pelo encontro fortuito dos materiais. O que os singulariza é antes de mais a natureza das suas matérias. Os primeiros objectos que Cruzeiro Seixas criou, por volta de 1946, sem nome, e que se perderam, resultavam do encontro de meias de seda com barbas de espartilho. Nas notas autobiográficas que em 1975 escreveu diz o seguinte sobre estes trabalhos (“Uma ferida que dança”, Cruzeiro Seixas, Soctip Editora, 1989, p. 136): Em 1946 reinventei o “objecto surrealista”, pois era nenhum o meu conhecimento da sua existência. Fiz alguns, com meias de seda vestindo esqueletos de barbas de espartilho, de que só restam algumas más fotografias.

Valter Hugo Mãe , Cruzeiro Seixas e Perfecto E. Cuadrado. 3-7-2018

Cruzeiro Seixas. Confinamento. Fotografia por Cabral Nunes. 3.7. 2020 C. Cabral Nunes e Cruzeiro Seixas. Caminha, 15-10-2018 169


Cruzeiro Seixas e Antórnio Cândido Franco, Fotografia por Cabral Nunes. 21-08-2018

Em 1951 cria o objecto “L’Opresseur”, já referido. Uma bola de ferro, uma torneira velha e uma pluma preta, recuperadas do lixo, dão lugar a um dos mais poderosos emblemas sociológicos da situação portuguesa da época e a um enigma de decifração simbólica, com vasto impacto fálico. O que mais toca num primeiro momento nesse objecto é porém a recuperação dos desperdícios que a sociedade rejeita: uma bola inútil de ferro, uma torneira velha, uma pluma gasta. Como se esta acção gritasse que é possível salvar do esquecimento o que perdeu utilidade prática. É o momento de compaixão em que a esfera do objecto se refaz através da reciclagem. Mário Cesariny fez algo de semelhante com uma velha e roída bota de cano alto, no qual inscreveu a inscrição em tinta branca, lucky boot that came ashore on the sands of sesimbra in the first june 1973. Num segundo momento estes objectos reciclados e recicláveis transformam-se porém em objectos de alma. As composições ganham brilho, rotação, vida, aquela vida que uma criança consegue instilar, maravilhando-se, a uma construção de areia. Foi assim que se fizeram as estrelas e foi assim que se ergueram as palafitas. E é assim que o lixo ganha sentido, fazendo-se corrente de oiro. À luz desse relâmpago vemos então o objecto reciclado trasladar-se em objecto simbólico, quer dizer, em preciosidade do espírito. O movimento de translação tem tradução poética, mas não no ocidente; é preciso pensar no uivo dum índio para lhe topar com o equivalente pleno. A suma civilizacional superior, o vero tesouro que se foi condensando ao longo dos milénios, quase sempre de forma subterrânea, tem agora por base os desperdícios do modo de vida industrial. Nada na nossa civilização está tão perto da sabedoria ancestral como o desperdício. É preciso criar uma arte vadia, uma arte do lixo, própria de sem abrigos, que cruze as imagens intemporais da alma com a gestualidade catártica. São as fezes que valem ouro, o lixo que tem a essência do luxo. As exposições de arte moderna ou pós-moderna já deixaram de contar. O que conta é a herança surrealista de Duchamp, não a herança industrial, da arte pop ou outra – parece dizer a acção poética criadora de Artur Manuel do Cruzeiro Seixas. António Cândido Franco [2011/2020] 170


Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Sem título, 1991 Técnica mista sobre papel, 35 x 50 cm, Ref.: CS247 Coleção Galeria António Prates


FICHA TÉCNICA conceito e curadoria Carlos Cabral Nunes direcção executiva Nuno Espinho da Silva produção / comunicação Alexandra Sarokina Nuno Espinho da Silva Mariana Guerra Vanessa Costa design gráfico CCN e Joana Oliveira organização Perve Galeria atmosfera m Agradecimentos Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020) Adriana Areal Sem Título, circa 1980 Aldo Alcota Técnica mista sobre papel, 30 x 21 cm Alfredo Luz Obra proveniente do espólio de Herberto Helder António Cândido Franco Coleção Daniel Oliveira António Prates Associação Poesia com chá - Luchapa Aurora Nunes Cláudia Magalhães Dalila D’alte Rua das Escolas Gerais, 13 Françoise Py 1110-218 Lisboa | Portugal Frederico Blanc de Sousa Horário: 3ª a Sábado das 14h às 20h G. Bruno tel. (+351) 218 822 607 Jaime Silva telm. (+351) 912 521 450 Javier Félix Catálogo e informações: João Prates www.pervegaleria.eu Maria Helena Figueiredo Maria João B. de Campos Pedro Amaral Rua Barata Salgueiro, 36 Pedro Bandeira Blanc Rua Castilho, n.º 5 1250-044 Lisboa | Portugal Teresa Balté 1250-096 Lisboa | Portugal Horário: 2ª a 6ª das 10h às 19h Tomás Paredes Horário: 2ª a 6ª das 9h às 17h Sábado das 14h às 19h Rita Barras tel. (+351) 210 002 730 tel. (+351) 213 138 510 Rita Branco Rui Penedo Parceria e realização aPGn2 - a PiGeon too Associação Mutualista Montepio Casa da Liberdade - Mário Cesariny Cinemateca Portuguesa Perve Galeria - Alfama Sociedade Nacional de Belas-Artes CT-95 | Dezembro de 2020 Edição ©® Perve Global – Lda. Proibida a reprodução integral ou parcial deste catálogo, sem autorização expressa do editor.


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