Encontros e Conexões em Artes Visuais vol 2

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Madalena Zaccara Maria Betânia e Silva Robson Xavier da Costa Organizadores



Madalena Zaccara Maria Betânia e Silva Robson Xavier da Costa Organizadores

ENCONTROS E CONEXÕES EM ARTES VISUAIS Vol. II

Recife 2017


Catalogação na fonte: Catalogação na fonte: Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748 Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748 E56

Encontros e conexões em artes visuais : volume 2 [recurso eletrônico] / Editores : Maria Betânia e Silva, Robson Xavier da Costa, Madalena Zaccara. – Recife : Editora UFPE, 2017.

Inclui referências. ISBN 978-85415-0779-0 (online). 1. Artes – Pesquisa. 2. Arte – Brasil – Estudo e ensino. 3. Arte e sociedade. I. Silva, Maria Betânia e (Ed.). II. Costa, Robson Xavier da (Ed.). III. Zaccara, Madalena (Ed.). 700

CDD (23.ed.)

UFPE (BC2015-029)

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ALÉM DAS BORDAS: TRANSBORDANDO SABERES Os encontros são partes integrantes da vida cotidiana, são momentos onde os caminhos individuais se cruzam, bifurcam, reconectam e articulam relações com o outro. A pesquisa em/sobre artes visuais proporciona contatos além das fronteiras, permitindo que o local se torne universal, criando espaços de diálogos entre culturas. Na medida em que vamos amadurecendo os processos de pesquisa é natural que surja a necessidade de partilharmos as descobertas, medos, angústias e resultados dos processos de investigação. O olhar do outro permite aberturas suficientes para que possamos repensar nossas descobertas e compreender as incertezas em curso. O PPGAV UFPB/UFPE ao possibilitar aos novos pesquisadores discentes egressos do Mestrado em Artes Visuais, uma publicação do resultado de suas pesquisas realizadas em conjunto com os professores do Programa, permite o acesso contínuo aos leitores para que possam tomar contato com as práticas de pesquisa desenvolvidas no Programa ao longo do tempo. Os textos, aqui publicados, demonstram a capacidade do campo emergente da pesquisa em/sobre artes visuais no Nordeste brasileiro e o empenho dos pesquisadores na construção das novas rotas e encaminhamentos. Isso nos leva a questionar: qual a necessidade de fazermos pesquisa? Pesquisa-se, em primeiro lugar, para praticar o exercício da liberdade de pensar. Por isso, pode-


-se colocar em dúvida, criticar e contestar o senso comum, o bom senso, as teorias e as maneiras preconizadas pela maioria dos teóricos ou pelas autoridades. Afinal, a verdade e a verdade absoluta não existem. No entanto, a contestação em pesquisa não é anarquia ou revolução; ela se faz segundo as regras do jogo, pois importa que o resultado seja aceito como um progresso que possa servir para uma contestação posterior, que constituirá outro progresso, e não somente um retorno ao ponto de partida (PIMENTEL, 2014, p. 19).

Pesquisar também é estabelecer conexões entre campos e áreas diversas, tocar as interconexões possíveis em/sobre artes visuais. Pesquisar é desafiar-se. Encontramos nos diversos caminhos tomados pelos pesquisadores vinculados ao PPGAV UFPB/UFPE pontos de cruzamento. A teia de saberes aqui apresentada interliga o Ensino de Artes Visuais em diversos contextos com a teoria e história da arte, representando a complexidade dos diversos territórios visitados por nossos pesquisadores. Nesse contexto, as contribuições dos autores foram organizadas de acordo com o diálogo entre suas pesquisas. Hamilton Freire Coelho e Lívia Marques Carvalho no texto A APLICAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL NO CONTEXTO BRASILEIRO: UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE ARTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS − EJA dispõem de um arcabouço de leis que constituem as referências legais que regem essa modalidade de ensino. Examinam em que medida as reformas educacionais alteraram o contexto da educação de EJA, principalmente, no que se refere ao ensino de arte. Ana Lídia Paixão e Silva e Maria Betânia e Silva em A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E O ENSINO ARTÍSTICO discorrem sobre a amplitude trazida por Gardner para a compreensão


da multiplicidade de inteligências que o ser humano possui rompendo com a limitação detectada pelos testes de QI. A inteligência é apresentada como um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado na cultura em que se está inserido. A discussão estabelece uma relação direta com o campo da arte refletindo sobre o processo de produção artística e de compreensão da própria arte. Martha Pollyanna dos Santos Dias e Erinaldo Alves do Nascimento em EGRESSOS DA LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA E SUA INSERÇÃO PROFISSIONAL enfatizam suas discussões no campo da formação profissional. O estudo se debruça sobre o interesse em conhecer os caminhos trilhados pelos egressos da Licenciatura e como conciliam suas necessidades de atuação com as propostas financeiras, sendo estes, requisitos indispensáveis ao campo do trabalho. Trazem à tona a representação de um momento significativo na história da formação da educação universitária paraibana no campo das Artes Visuais. Helena de Azevedo Dieb e Madalena de Fátima Zaccara Pekala no texto ENTRE FRINÉIAS E BARBIES: O CORPO ENTRE O CAPITAL E O FETICHE aprofundam aspectos da efemeridade, do consumo exacerbado e da sociedade em rede. Estabelecendo relações com os conceitos de real e imaginário no meio social, problematizam sedutores estilos de vida, padrões de comportamento e de aparência em que se pauta a sociedade. Um corpo imaginário circula por todos os lados, tema em relevo, e os discursos entre obras artísticas estão sincronizados. Sílvia Maria Brandão Teles de Farias e Madalena de Fátima Zaccara Pekala em HISTÓRIAS E MEMÓRIAS: JOSÉ CLÁUDIO E O ATELIER COLETIVO destacam aspectos singulares da vida e obra do artista pernambucano e as contribuições trazidas em sua formação artística por meio das vivências no Atelier Coletivo. Apresentado como fundamental para a consolidação do espaço conquistado pela arte moderna no cenário local, o Atelier, formou uma nova geração


integrada de artistas que deixou marcas e características de uma produção que refletiu conquistas e descobertas. Líbna Naftali Lucena Ferreira e Maria Betânia e Silva em IMAGENS DA ARTE EM SALA DE AULA: A ABORDAGEM TRIANGULAR COMO ALICERCE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE UMA PROFESSORA DE ARTE DE SUMÉ/PB mergulham no cotidiano escolar para buscar compreender as relações existentes entre a formação docente e suas práticas pedagógicas em arte. No universo de uma escola pública do Sertão do Cariri paraibano a imagem é a matéria-prima do trabalho docente. Suscitando a reflexão e análise, um ensino de arte é desenvolvido de forma sistemática e contextualizada, proporcionando aos alunos o desenvolvimento do saber estético e a construção de novos saberes artísticos. Diego Gomes Brandão e João de Lima Gomes em PARADIGMAS TÉCNICOS E ESTILÍSTICOS NA ANIMAÇÃO NACIONAL observam aspectos compositivos da animação nacional. Ressaltam que nos últimos dez anos, a influência da cultura pop norte-americana, europeia e nipônica tem atingido, significativamente, as produções nacionais de forma a incorporar seus padrões técnicos e estilísticos visuais. Comprovam, assim, a forma dominante e oligopólica euro-americana na contaminação da imaginação do espectador/realizador nos países do Terceiro Mundo. Clícia Tatiana Alberto Coelho e Erinaldo Alves do Nascimento em SINGULARIDADES DA PESQUISA EM ARTE E O DOCENTE COMO PESQUISADOR refletem sobre narrativas imagéticas (fixas e móveis) e orais armazenadas e transportadas pelos estudantes em seus telefones celulares. Levantando questões acerca das reações e pensamentos de professoras de arte sobre tais imagens, a discussão analisa escolhas metodológicas atentando para a inserção do docente no campo investigativo. Inquietações e questionamentos acerca das escolhas que fazemos e que ainda podemos vir a fazer são apresentados como oportunidades para refletir sobre as razões e os motivos


que nos tornam ou que possam vir a nos tornar de um modo e não de outro, como docentes. Tecer tramas entre pesquisas diversas exige um olhar ampliado para o campo de investigação, consideramos os textos aqui publicados como uma efetiva contribuição para o campo da pesquisa em/sobre artes visuais. Nos processos de pesquisa sempre nos perguntamos: como partilhar os conhecimentos adquiridos durante a investigação? Como evitar que novos pesquisadores tenham de passar pelos mesmos problemas enfrentados por nós? Como contribuir para o avanço e continuidade das pesquisas em/sobre artes visuais? A partir de abordagens que congregam análises sobre as singularidades do ensino de artes visuais no Brasil e sobre história e teoria da arte o PPGAV UFPB/UFPE convida os leitores a compartilhar saberes e construir juntos novos conhecimentos. Profª. Drª. Maria Betânia e Silva PPGAV / UFPE

Prof. Dr. Robson Xavier da Costa PPGAV / UFPB

Referências PIMENTEL, Lúcia Gouveia. Ensino/Aprendizagem de arte e sua pesquisa. In: ROCHA, Maurílio Andrade e MEDEIROS, Afonso (Orgs). Fronteiras e Alteridade: olhares sobre as artes na contemporaneidade. Belém/PA: PPGArtes UFPA, 2014, p. 15-26.



A APLICAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL NO CONTEXTO BRASILEIRO: UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE ARTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EJA Hamilton Freire Coelho1 Lívia Marques Carvalho2

Considerações Iniciais No decorrer de uma investigação feita para realização de nossa dissertação de mestrado1 que tratou sobre o ensino de Arte em Educação de Jovens e Adultos — EJA, em escolas de ensino médio de João Pessoa — PB, tomamos conhecimento de um conjunto de documentos que constituem hoje as referências legais, que regem essa modalidade de ensino. Dispor desse arcabouço de leis foi bastante importante tanto para a realização da pesquisa, como para examinar em que medida as reformas educacionais, em curso, alteraram o contexto da educação de EJA, principalmente, no que se refere ao ensino de arte que foi o foco da referida dissertação. Não é pretensão deste artigo, esgotar o assunto aqui abordado, mas, com base na pesquisa realizada tecer al1

COELHO, H.C. O ENSINO DE ARTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM ESCOLAS PÚBLICAS DE ENSINO MÉDIO DE JOÃO PESSOA — PB — 2007 — 2012. 2013. 103 f. Dissertação – Universidade Federal da Paraíba. 2013. http:// sistemas.ufpb.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=1880


gumas reflexões frente ao que estabelece a Lei e a realidade do ensino de arte no contexto da EJA. Inicialmente será necessário discorrer brevemente sobre Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDBEN. A LDBEN tem por objetivo definir e regularizar o sistema da educação brasileira com base nos princípios contidos na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), sendo citada pela primeira vez na Constituição de 1934 — como direito de todos, ministrado pela família e pelos poderes públicos. Dessa forma, a primeira LDBEN foi criada em 1961 e seguida por uma nova versão dez anos depois, em 1971. A partir da importância da CRFB promulgada em 1988, também chamada de “Constituição Cidadã” devido à grande quantidade de leis voltadas para área social, foi reformulada e promulgada a LDBEN no ano de 1996, vigorando até os dias de hoje. O artigo 205 da Constituição estabelece os conceitos básicos sobre educação, colocando-a como objetivo constitucional a ser alcançado: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Tendo em vista o fato que a educação é direito de todos e levando em consideração os dezesseis (16) anos de sua aplicação, a Lei apresenta-se como oportunidade para comentários, sabendo que do período que foi criada até os dias atuais, houve várias alterações ampliando as conquistas educacionais a exemplo do entendimento da lei – que reconhece o ensino de Arte como área do conhecimento e considera à modalidade da EJA como sendo uma educação diferenciada e inserida no novo conceito de Educação Básica.


A partir daí nos perguntamos: diante de dezesseis (16) anos em que a Lei entrou em vigor quais foram as modificações? O que ocorreu na educação brasileira após essas alterações na LDBEN? À vista disso, discorremos fazendo reflexões sobre os avanços e limitações dessa Lei entre os anos de 1996 até 2012 com um olhar especial voltado ao ensino de Arte e a modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Entre as inovações contidas na Lei destacamos o conceito de Educação Básica que contempla a Educação Infantil com creches gratuitas de zero (0) a três (3) anos de idade, bem como pré-escola de quatro (4) aos seis (6) anos de idade; o Ensino Fundamental, recentemente estendido para nove (9) anos de duração, sendo de caráter obrigatório para crianças e jovens de seis (6) a catorze (14) anos de idade e o Ensino Médio, que segundo a Constituição Federal esse nível é de universalização progressiva, atendendo jovens na idade regular de quinze (15) aos dezessete (17) anos de idade com duração mínima de três (3) anos. Dessa forma, a Lei visando à universalização da educação direciona uma diferença entre o caráter obrigatório do Ensino Fundamental e a progressiva forma obrigatória para o Ensino Médio. A mesma também se incumbiu de trazer as creches, antes esquecidas para o sistema educacional, visando à padronização sequente da educação brasileira — o que a Lei em seu Art. 26 chama de base nacional comum. A LDBEN estende a Educação de Jovens e Adultos — EJA à Educação Básica, inserida no Ensino Fundamental e Médio, fazendo uso das mesmas Diretrizes Curriculares Nacionais — DCNs e Parâmetros Curriculares Nacionais — PCNs para o ensino de Arte, elaborados pelo Ministério da Educação e Cultura — MEC. Assim, ambas têm como objetivo estabelecer uma referência curricular e apoiar na elaboração da proposta curricular de cada escola contida em cada Estado, beneficiando e padronizando as escolas


existentes no Brasil; embora cada escola se encarregue de elaborar sua proposta Política Pedagógica — PPP, devido às características particulares existentes em cada Região. Também são utilizados como orientações aos professores, pois, nele estão os conteúdos a serem abordados por cada disciplina em sala de aula. Portanto, são propostas elaboradas pelo MEC objetivando uma educação de qualidade e a padronização das escolas brasileiras. De acordo com SOARES (2002, p. 121), “Valem, pois, para a EJA as diretrizes do Ensino Fundamental e Médio. A elaboração de outras diretrizes poderia se configurar na criação de uma nova dualidade [...]”. Destacamos, também, as normas que favorecem a expansão da EJA na Lei. O Art. 4º Parágrafos VI e VII, afirma que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando e oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas, às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.

Esse Artigo contempla e estende o direito à educação para jovens e adultos que não tiveram oportunidade na idade própria; o que abrange todas as faixas etárias do ser humano – jovens; adultos e idosos. A Lei também compreende que o ensino noturno bem estruturado para essa modalidade de educação é uma oportunidade que se adequa a grande parte desse público. Um fato reparador para educação brasileira, afinal, grande parte deste público são trabalhadores que disponibilizam apenas do turno da noite para estudar e buscar melhoras na vida.


Por outro lado, no que se refere à aquisição de novos conhecimentos por parte do alunado da EJA, a união entre indivíduos com diferentes faixas etárias em um mesmo ambiente escolar, faz com que haja um campo fértil de experiências para se trabalhar o que enriquece o conhecimento, uma vez que o ensino de Arte tem por base o aprendizado trazido pelo aluno da EJA para sala de aula. A LDBEN também reconhece o ensino de Arte como área do conhecimento e conteúdos específicos em seu Artigo 26, § 2º, O ensino da Arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

Neste contexto, a Lei deixa a cargo do professor de Arte de cada escola contida em cada região — que por sua vez tem sua própria cultura, a tarefa de valorizar, conservar e disseminar a cultura local, nacional e mundial, promovendo a democratização do conhecimento. Um fato enriquecedor para o ensino de Arte no Brasil. Contudo, esse Artigo também despertou nossa atenção para dois fatos tidos como causa e efeito no cumprimento da Lei: primeiro, a Lei impõe subjetivamente critérios as ações educacionais ao professor de Arte, uma vez que sua atuação em outros Estados ou Regiões torna o conhecimento da cultura local pré-requisito para assumir o cargo em escolas ou Universidades. O segundo fato está relacionado à questão da demanda de professores de Arte em Nível Superior para cada localidade, já que o ensino de qualidade em Arte parte do conhecimento prévio que os alunos trazem para sala de aula, que por sua vez são revertidos em conhecimentos para que possam utilizar em seu cotidiano. Por isso, a citação acima faz referência “especialmente em suas expressões regionais”.


Já ao que se refere aos princípios étnico-raciais da população brasileira, a Lei 11.605 de 10 de março de 2008 reformula o Artigo 26-A da LDBEN de 1996, relatando o seguinte: Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da História e cultura afro-brasileira e indígena. Acreditamos que este Artigo seja um dos mais importantes contidos na Lei.

A referida lei reconhece e valoriza a cultura nacional brasileira, impondo ao sistema de educação que eduquem os alunos enfatizando as raízes provindas da cultura negra e indígena, por meio dos conteúdos História e cultura afro-brasileira e indígena. Por outro lado, essa ação concorda com o Art. 5º da Constituição Brasileira, no que diz respeito ao combate a qualquer tipo de discriminação, que hoje é entendida como crime. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

A concordância entre ambas as Leis — CRFB e LDBEN sobre a questão étnica brasileira por meio também da educação foi um progresso inquestionável para população, uma vez que somos filhos de uma miscigenação entre raças. Portanto, o respeito provindo após ações educacionais neste sentido, acarretará em um levantamento da alta estima de pessoas que foram ou são discriminadas, além de proporcionar aos brasileiros conhecer e reconhecer sua verdadeira identidade cultural. Dessa forma, a Lei deixa a cargo das disciplinas


de Educação Artística, que hoje se chama Ensino de Arte, Literatura e História brasileira para ministrar em todo currículo escolar. A LDBEN com uma redação detalhada relata o seguinte: § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira.

Já a Educação Indígena é tratada com abertura para o multilinguismo e a interculturalidade, ou seja, nada mais justo do que valorizar e propagar a língua e a cultura nativa local, inserindo o ensino da língua portuguesa aos indivíduos que tenham interesse em aprender, por meio da interação entre culturas, formando a interculturalidade (relação entre diferentes culturas). De acordo com a Lei 9.394/96, Título VIII, Art. 78, O sistema de ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas in-


tegrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas [...].

Todavia, não há dúvidas que desde a aprovação da Lei até os dias de hoje, mesmo havendo correção progressiva nas falhas, houve um crescimento significativo das oportunidades de acesso à educação. O Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica 2012, que é uma pesquisa declaratória realizada anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — INEP; sendo obrigatório aos estabelecimentos públicos e privados de educação básica, conforme determina o art. 4º do Decreto nº 6.425/2008, afirma que houve uma queda de 1,9% nas matrículas da rede pública de Ensino Básico — Educação Infantil; Ensino Fundamental e Médio, em relação ao ano de 2011. Em contrapartida, a rede privada cresceu 5,1%, mantendo a tendência dos anos anteriores. Vale ressaltar que nos estabelecimentos de Educação Básica existentes no Brasil, aproximadamente 83,5% estão matriculados em escolas da rede pública e 16,5% em escolas da rede privada. Então, nos perguntamos: depois de tantas contribuições promovidas pela LDBEN, o que houve com a educação brasileira no decorrer dos anos de 2011 e 2012 para causar a redução de matrículas? O Censo Escolar do ano de 2012 também reforça a tendência de acomodação na distribuição por modalidades e etapas da Educação Básica brasileira, o que já vinha sendo acompanhada desde o ano de 2007, afirmando o amadurecimento das ações de Políticas Públicas no decorrer dos últimos anos. Com relação à queda das matrículas no contexto da Educação Básica — Ensino Fundamental, a pesquisa aponta a diminuição em torno de 1%, equivalendo a 427.569 indivíduos fora da escola. Segundo o Censo, esses números decorrem principalmente da acomodação de indivíduos em séries adequadas no sistema edu-


cacional, tendo em vista altos índices de distorção entre idade e séries. Outro aspecto impactante nesta distorção são os indicadores de rendimento escolar, que apontam mais alunos sendo promovidos às séries posteriores; o que aumenta a quantidade de alunos habilitados às próximas etapas de escolarização. Esse movimento é conhecido pelos estudiosos da educação como fluxo escolar. Já as matrículas na EJA — Ensino Fundamental apresentou queda de 3,3%, correspondendo à tendência dos últimos anos. Essa redução teve por base as 139 mil matrículas efetuadas durante o decorrer dos anos de 2011 e 2012, comparados aos anos anteriores. A oferta no Ensino Médio no decorrer do ano de 2012 sofreu também uma queda de 0,3%, totalizando 8.376.852 matrículas, sendo menor que no ano anterior de 2011. A pesquisa também concluiu que há espaços para expansão do Ensino Médio, embora, tenha que haver uma melhora no fluxo escolar no Ensino Fundamental cuja etapa gera a demanda para o Ensino Médio. A partir daí também nos perguntamos: se os indicadores de rendimento escolar apontam mais alunos sendo promovidos às séries posteriores por que esse fluxo escolar não está chegando ao Ensino Médio? Já a oferta para EJA — Ensino Médio segue a mesma distribuição do ensino regular, ou seja, a procura por matrículas na rede municipal é predominante no Ensino Fundamental e a rede estadual no Ensino Médio. No entanto, no contexto geral que abrange a EJA no Ensino Fundamental e Médio, o Censo apresentou queda de aproximadamente 3,4%, o que representa 139.292 indivíduos não matriculados, enquanto houve 3.906.877 de matrículas no ano de 2012. Desse total de alunos matriculados, 65,6% ou 2.561.013 indivíduos estão no Ensino Fundamental (inclui EJA integrada à educação profissional e Projovem — Urbano) e 34,4%, ou 1.309.871 de indivíduos que se encontram no Ensino Médio (inclui EJA integrada à educação profissional).


O Censo Escolar também relata que há evidências de que a EJA está recebendo alunos provindos do ensino regular, por iniciativa do próprio aluno ou da escola, o que descaracteriza a modalidade, já que se trata de uma educação diferenciada que possui suas próprias características. Entre avanços e recuos proporcionados pela LDBEN, dados não animadores da PNAD/IBGE do ano de 2011, revelam que o Brasil ainda possui uma população de 56,2 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam a escola e não têm o Ensino Fundamental completo. Esses dados estão na contra mão do tratado assinado pelo Brasil, na Conferência ocorrida em Jomtien - Tailândia, em 1990, cuja temática foi Declaração Mundial sobre Educação para Todos, por onde o Brasil assumiu o compromisso que até o ano de 2022 todas as crianças com idade até oito (8) anos saberão ler e escrever; da mesma forma, universalizar o acesso à educação básica visando diminuir a desigualdade social. Desse modo, se fazem necessárias Políticas Públicas voltadas ao fortalecimento das alianças entre as redes de educação (privada, municipal, estadual e federal), para que se alcancem os requisitos necessários a promover educação para todos; ao tempo que esses 56,2 milhões de indivíduos possam tornar-se um potencial público a ser atendido pela EJA, tendo em vista que há espaços escolares para esse acolhimento. Concordando com o Artigo 7 da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, no que se refere a requisitos para fortalecer as alianças, As autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e municipal têm obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos. Não se pode, todavia, esperar que elas supram a totalidade dos requisitos humanos, finan-


ceiros e organizacionais necessários a esta tarefa. Novas e crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos os níveis: entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação; entre os órgãos educacionais e demais órgãos de governo, incluindo os de planejamento, finanças, trabalho, comunicações e outros setores sociais; entre as organizações governamentais e não governamentais, com o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos religiosos, com as famílias. É particularmente importante reconhecer o papel vital dos educadores e das famílias. Neste contexto, as condições de trabalho e a situação social do pessoal docente, elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos [...]

A LDBEN amplia a Educação Profissional, admitindo sua articulação com o ensino regular, bem como estratégias de educação continuada, o que inclui a EJA, já que a Lei a entende como parte integrante da Educação Básica, inserida no Ensino Fundamental e Médio. Com relação à Educação Especial, a mesma não se prolonga, embora enfatize e estimule a integração ao ensino regular. Com relação à Educação Superior, a Lei pouco foi alterada devido ao setor se caracterizar como conservador. Por determinação constitucional o modelo universitário que associa ensino e pesquisa teve o acréscimo da extensão. Assim, o novo modelo universitário tem como base o ensino, a pesquisa e a extensão. A princípio pensamos que foi uma pequena mudança, mas, na realidade a união fortalece o Ensino Superior expandindo conhecimentos adquiridos pelos alunos pesquisadores no decorrer dos cursos universitários.


Neste sentido, se fazem necessárias aos professores da EJA estabelecer estratégias para que os alunos também tenham acesso a esses conhecimentos obtidos pelos pesquisadores, da mesma forma, inserir na educação modelos iniciais de pesquisas, para que em um futuro universitário não se sintam despreparados. Essa nova possibilidade sugerida para EJA, se adéqua a novidade da Educação Superior, que foi o fim do exame vestibular como única forma de acesso a cursos de graduação, embora ainda seja um mecanismo utilizado pelas Universidades em geral. Essa flexibilidade adotada por várias Universidades propiciou a expansão de processos de avaliação, da mesma forma, foi criado no ano de 1998 o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o que também favorece o acesso aos alunos da EJA do Ensino Médio. Na Lei 9.394/1996, no capítulo IV da Educação Superior, o Art. 50 ressalta: As instituições de educação superior credenciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do Ensino Médio, articulando-se com os órgãos normativos do sistema de ensino.

No referente a fundos para educação, a LDBEN permanece nos termos da vinculação da receita de impostos estabelecidos pela Constituição Federal. Outra modificação importante que observamos na Lei foi a priorização dos órgãos fiscalizadores para examinar as aplicações financeiras na educação. Assim, a Lei procurou definir despesas referentes à educação visando efeitos de novas vinculações constitucionais neste setor. Um dos grandes avanços contidos na LDBEN foram as normas de tornar público, por meio da mídia, receitas e despesas com


a educação pelo poder público e sobre o papel dos órgãos fiscalizadores nessas aplicações. Dessa forma, saberemos a realidade dos investimentos na educação brasileira e, de certa maneira, essa medida dificulta os desvios de verbas na área. No que diz respeito à expansão do Ensino Profissional, em particular nas Escolas Federais na oferta de Ensino Médio, o Decreto número 2.208, de 1997, visando o alargamento dos cursos de Educação Profissional, de breve duração direcionada a alunos do Ensino Médio ou recém-concluídos, rompem a integração curricular entre a formação geral e profissional nesse nível de ensino. Sendo assim, optou-se por uma educação fragmentada reforçando a ideia de duas categorias de escolas: uma de formação acadêmica e outra de qualificação profissional. Essa situação levou à edição do Decreto número 5.154 de 2004 que mantém a possibilidade de cursos com matrículas independentes, mas admitem a oferta de cursos profissionais integrados no Ensino Médio, os chamados cursos técnicos que também se estendem a Educação de Jovens e Adultos. A LDBEN reconhece ainda, a Educação à Distância, cuja modalidade tecnológica de ensino merece um tratamento diferenciado na atualidade. Ela também estimula a modalidade de educação à distância, tanto que houve um crescimento significativo após a edição dessa nova Lei, embora o Ministério da Educação — MEC tenha retardado o credenciamento no que se refere à Educação Superior e outras restrições legais para seu desenvolvimento. O elemento qualidade educacional, que está diretamente relacionado à formação da educação continuada do professor, aparece na Lei sem muita consistência mesmo tendo dez (10) referências, tais como: formação de profissionais da educação, avaliação institucional e de rendimento, gestão participativa e associação entre qualidade de educação e seu financiamento. Por se tratar do elemento qualidade da educação, acreditamos que este aspecto merece um olhar mais apurado por parte dos especialistas que elaboraram a LDBEN.


A Lei também dispõe de algumas diretrizes que buscam valorizar a carreira do magistério, tendo em vista que a preparação do professor é um fator de grande importância e fundamental na qualidade do ensino. Reconhecendo a importância do professor e buscando a qualidade na educação, a Lei torna regra a formação dos professores em Nível Superior sendo extintas as Licenciaturas de curta duração. Contudo, foi admitido “provisoriamente” professores lecionarem com formação em cursos regulares de Ensino Médio, podendo atender a Educação Infantil e as quatro (4) primeiras séries do Ensino Fundamental. Para carreira do Magistério Público, a Lei ampliou o período de estágio profissional mediante a exigência de um total de trezentas (300) horas de prática de ensino visando uma educação de qualidade. Consideramos o Nordeste como uma região do Brasil que mais necessita de educação com qualidade, devido a seu histórico educacional com maior índice de baixa escolarização no país, somando o maior número de professores lecionando apenas com o Ensino Médio. Então, nos perguntamos: quanto tempo a LDBEN estabeleceu para esse “provisoriamente”? Tendo em vista a presente necessidade de educação com qualidade, principalmente, diante de uma explosão tecnológica dos dias de hoje. Após analisar e discutir a educação brasileira a partir da LDBEN, concluimos que houve um grande progresso em ofertas de educação, embora haja grandes problemas como divulgado pela PNAD/ IBGE (2011), revelando que o Brasil ainda possui uma população de 56,2 milhões de pessoas acima de 18 anos, que não frequentam a escola e não têm o Ensino Fundamental completo. Contudo, o índice de escolaridade dos brasileiros cresceu, o analfabetismo recuou e o acesso ao Ensino Fundamental quase chega à universalização, havendo também avanços na oferta da Educação Infantil, Ensino Médio e no Ensino Superior.


Da mesma forma, há melhoras na oferta de educação Especial e Indígena, estendendo-se a Educação de Jovens e Adultos - EJA. Já a Educação à Distância, pode se multiplicar auxiliada pelas novas tecnologias, em especial a internet. Quanto à qualidade de ensino, compreendemos que a LDBEN deixa evidente sua insistência para criação de um processo de avaliação, estimulando a articulação entre esferas do governo posicionando-se favorável a qualificação dos profissionais da educação. Dessa forma, a Lei mesmo com seus progressos e limitações, durante todos esses anos de atuação tem sido de grande importância para desempenho progressivo da educação brasileira, pois, ela orienta e direciona a educação no país visando à padronização do ensino por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais — PCNs tanto para o Ensino Fundamental, quanto para o Ensino Médio. O atual ensino de Arte na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio na atualidade A educação brasileira na atualidade, em especial a educação em Arte no Ensino Médio na EJA, se volta à valorização das experiências cotidianas do indivíduo, pois é a partir dela que o mesmo constrói sua visão de mundo como interagir e nele se inserir. Assim, o ensino de Arte busca compreendê-las e por meio de métodos adequados a esse público visa ampliar seus conhecimentos para que possam utilizá-los em sua vida cotidiana. Concordando com os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL 1998, P. 08), O novo Ensino Médio, nos termos da Lei, de sua regulamentação e encaminhamento, deixa, portanto, de ser apenas preparatório para o Ensino Superior ou estritamente profissionalizante, para assumir a


responsabilidade de completar a Educação Básica. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho.

Portanto, o ensino em Arte busca métodos a partir das experiências de vida acumulado pelo aluno da EJA, visando facilitar e obter êxito no ensino/aprendizagem dessa disciplina; tendo em vista, que grande parte desses indivíduos tem pouco conhecimento na área de Arte. Grande parte dos alunos da EJA não faz distinção entre as linguagens artísticas (Artes Visuais, Arte Cênica, Música, Dança e Arte Audiovisual) e seus códigos vistos no cotidiano, a exemplo da televisão, revistas, obras de arte, músicas, quadrinhos, filmes, dança, vídeo, entre outros. Nesse sentido, fica claro que houve e que há uma educação superficial em Arte! Os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio (BRASIL 2000, p. 46), faz referência: Nas escolas de Ensino Médio no Brasil, ao longo do século XX, nem sempre a Arte tornou-se conhecida pelos alunos com maior envergadura e dinâmica sociocultural como se apresenta na vida humana. Embora haja exceções, muitos dos adolescentes, jovens e adultos, estudantes do Ensino Médio em nosso país, não puderam, nas escolas, conhecer sobre Música, Artes Visuais, Dança e Teatro, principalmente como linguagens artísticas e códigos correspondentes.

Todavia, conduzir positivamente o ensino/aprendizagem em Arte faz-se necessário e é de extrema importância que os professores aperfeiçoem suas práticas pedagógicas adequando-se a realidade tan-


to dos alunos, quanto da escola, permitindo que o ensino ocorra de forma eficiente a esse alunado da EJA. Para tanto, também, se faz necessário políticas públicas direcionadas a melhores condições e recursos aos professores para que os mesmos percebam que por meio da Arte os alunos podem adquirir uma nova visão ampliada de mundo, ao tempo que contempla o ensino como área do conhecimento, valorizando-a. A Lei 9.394 de 1996 (LDBEN) reconhece o ensino de Arte como área do conhecimento tornando-a disciplina obrigatória nos diversos níveis da Educação Básica, além de afirmar como área do conhecimento, relatando em seu Art. 26, §2º: especialmente em suas expressões regionais. Em outras palavras, o Artigo reconhece a competência do ensino de Arte para lidar, respeitar e disseminar a diversidade cultural contida em cada aluno de cada região, objetivando alargar o conhecimento cultural dos mesmos nos diversos níveis da Educação Básica. Um trabalho nada fácil! Da mesma forma, a Lei estabelece no Título IV, Art. 9º, no IV item, deixa a cargo em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecer competências e diretrizes para o Ensino Médio que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. Assim, em 1998 o Ministério da Educação — MEC lança as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens Códigos e suas Tecnologias. Esse documento apresenta de forma detalhada as competências, habilidades, conteúdos, conceitos e avaliações a serem desenvolvidos no ensino de Arte. Da mesma forma, esclarecem que as linguagens artísticas, tornam-se disciplinas independentes, cada uma com seus conteúdos, competências e habilidades específicas. Essas orientações educacionais para o ensino de Arte visam uma educação padronizada e de qualidade, em vez de uma educação polivalente e superficial que de certa forma denigre a imagem do ensino de Arte. Todavia, essa prática polivalente prevalece até os dias atu-


ais! De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL 1998, p. 182), [...] Significa, sim, a busca de pontos de interseção e, por vezes, a ênfase na separação entre as áreas e disciplinas, de modo a garantir que a classificação dos conteúdos de ensino de cada disciplina corresponda também a possível articulação entre conteúdos de diferentes disciplinas. Existem, portanto, competências e habilidades específicas que dizem respeito ao conhecimento da arte e outras, que podem ser comuns a várias disciplinas ou áreas de conhecimento ou a questões sociais da atualidade.

Por outro lado, essa separação das linguagens artísticas fortalece o ensino de Arte e cabe ao professor da EJA, por meios culturais, perceber e tratar essa disciplina como área do conhecimento – buscando e sabendo que há um vasto campo a explorar, a exemplo das questões sociais da contemporaneidade tratadas por meio dos temas transversais. Assim, o professor pode trabalhar o repertório cultural que os alunos trazem para escola, o contexto em que a escola está inserida, produtos produzidos nas comunidades dos alunos, além de conteúdos de diversas épocas e culturas, escolhidos a partir das opiniões dos alunos, tendo por base os PCNs Arte — Ensino Médio. De acordo com Duarte Júnior (1988, p. 25), [...] uma educação que apenas pretenda transmitir significados que estão distantes da vida concreta dos educandos, não produz aprendizagem alguma. É necessário que os conceitos (símbolos) estejam em conexão com as experiências dos indivíduos.


Paralelo à educação, a atualidade está sendo marcada pela rápida expansão tecnológica — mesmo tendo permeado toda existência humana, afinal, o homem sempre buscou meios tecnológicos para facilitar sua vida cotidiana. Contudo, essa expansão tecnológica que acompanha nosso dia a dia, sem distinção de espaço físico, se faz presente e, necessita de um acompanhamento e qualificação por parte desse alunado da EJA. Assim, faz-se necessário aos professores de Arte, em especial da EJA, bem como o alunado, compreender os princípios tecnológicos contemporâneos para contribuir com o desenvolvimento do país, bem como desenvolver a consciência crítica perante possibilidades de soluções de problemas pessoais, sociais ou políticos, fazendo uso dessa evolução tecnológica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio (2000, p. 11/12), fazem referência: As novas tecnologias da comunicação e da informação permeiam o cotidiano, independente do espaço físico, e criam necessidades de vida e convivência que precisam ser analisadas no espaço escolar. A televisão, o rádio, a informática, entre outras fizeram com que os homens se aproximassem por imagens e sons de mundo antes inimagináveis.

As novas tecnologias da comunicação e informação não podem ser vistas e entendidas meramente como uma máquina que necessita de qualificação para utilizá-la. Ela faz parte de nossas vidas facilitando nosso cotidiano e de certa forma — muda nossa maneira de pensar, sentir, agir, viver e ver, por meio da organização de seus gêneros, recursos e formatos, que objetivam reproduzir a dinâmica do mundo pós-moderno. A tecnologia é uma reprodução e propagação da pluralidade do mundo, constituindo uma fonte de informação e consequentemente uma expansão de conhecimentos para os indiví-


duos. A autora Ana Mae Barbosa (2008) ressalta que “Saber ver e avaliar a qualidade do que passa na tela do computador é ser crítico e atual” (p. 110). Portanto, temos que buscar em nossas experiências vividas o significado para o que estamos vendo diante das imagens contidas na mídia em geral, o que exige da nossa capacidade de ler e interpretar a arte digital, afinal, o que vimos na internet está contido nos valores culturais e depende de significações atribuídas. Ainda assim, transparece o desinteresse de alguns professores de Arte no Ensino Médio da EJA em perceberem e praticarem o ensino de Arte, visando o desenvolvimento cognitivo dos alunos para que possam utilizar esse conhecimento em seu cotidiano. A partir daí pensamos que visto a rapidez da evolução tecnológica em todos os campos e diante das constantes modificações culturais, políticas e sociais da atualidade como o professor constituirá um método de abordagem nas aulas de Arte na EJA se não houver o conhecimento aprofundado dessas significativas mudanças? Assim, o ensino de Arte para EJA propõe que o aluno possa conhecer e explorar as diferentes linguagens artísticas com seus vários materiais, instrumentos e procedimentos existentes nessa disciplina, objetivando expandir seu repertório expressivo, sua capacidade de visão e compreensão do mundo contemporâneo para que tenha capacidade de argumentar e defender suas ideias. Concordando com os PCNEM: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL 1998, P. 179), [...] Os conhecimentos artísticos e estéticos são necessários para que a leitura e a interpretação do mundo sejam consistentes, críticas e acessíveis à compreensão do aluno. Além de contribuir para o desenvolvimento pessoal, tais saberes podem aprimorar a participação dos jovens na sociedade e promover a formação de sua identidade cultural.


O aluno da EJA também precisa conhecer e ter acesso aos meios tecnológicos modernos que não fazem parte de seu cotidiano como as aulas informatizadas de Arte, expostas por meio de notebook e data show. Temos que compreender que muitas vezes parte dos alunos da EJA só tem acesso para conhecer, interagir com esses recursos por meio da escola. Essas aulas expositivas e contextualizadas expostas com o auxílio de recursos tecnológicos, como notebook e data show podem favorecer o aprendizado dos alunos, pois, possibilita ampliar o conhecimento, conhecer produções artísticas realizadas nas diversas épocas e por diferentes artistas e culturas, além de prepará-los para receber as informações veiculadas nos meios de comunicação que fazem parte do cotidiano destes. A leitura do mundo através dos elementos das Artes Visuais ou o entendimento e a capacidade de decodificação das imagens apresentadas estimulam uma conscientização, tanto no que diz respeito à recepção quanto à produção das mesmas. Conforme Oliveira (2001, p. 62), O uso da informática na educação exige em especial um esforço constante do educador para transformar a simples utilização do computador numa abordagem educacional que favoreça efetivamente o processo de conhecimento do aluno. Dessa forma, a interação com os objetos de aprendizagem, o desenvolvimento de seu pensamento hipotético e dedutivo, de sua capacidade de interpretação e análise da realidade tornam-se privilegiados e a emergência de novas estratégias cognitivas do sujeito é viabilizada.

Dessa forma o ensino de Arte na EJA contempla os conteúdos Conceituais, Procedimentais e Atitudinais. Conceituais: estão ligados ao desenvolvimento cognitivo, envolvendo saberes referente


a fatos, princípios e conceitos. Entre eles, as formas visuais de representação, comunicação, contexto sociopolítico e sociocultural das manifestações populares, música de seu próprio meio sociocultural, entre outros. Procedimentais são ligados ao como fazer, por exemplo, trabalhos com pintura, escultura, cenas teatrais, desenhos, composição musical etc. Os Atitudinais referem-se à atitude do aluno como pessoa e cidadão diante dos colegas e das pessoas e na atitude curiosa de buscar e apreciar arte. Esses conteúdos podem ser utilizados sem ordem cronológica, exigindo apenas a participação da opinião dos alunos com relação ao interesse do assunto abordado, afinal, são indivíduos críticos diante da escolha do tema abordado. Nesse contexto, o ensino de Arte no Ensino Médio na EJA percorre os princípios de Paulo Freire com seus “temas geradores2”, auxiliado pela Proposta Triangular com seus três eixos de aprendizagem: Produzir, Apreciar e Contextualizar, além do uso da Cultura Visual, que tem por base questionamentos sobre as imagens contidas no cotidiano do indivíduo. Concordando com os PCNEM (2000, p. 49), São muitos os modos de organizar o ensino e a aprendizagem na disciplina Arte e de saber integrá-la na dinâmica das outras disciplinas trabalhadas na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, desde que os alunos possam de diversas maneiras, conhecer melhor as práticas e teorias de produção, apreciação, reflexão das culturas artísticas em suas interconexões e contextualizações socioculturais.

Produzir refere-se ao fazer artístico que por sua vez depende 2

Temas Geradores são conteúdos extraídos da problematização da prática de vida dos alunos, sendo resultado de uma metodologia dialógica.


do conhecimento adquirido e da representação fazendo uso adequado das linguagens contidas na Arte. O apreciar refere-se à recepção, percepção, decodificação e fruição, ou seja, o aluno diante da imagem ou obra de Arte percebe o trabalho e busca, em suas experiências vivenciadas, significados para o que está vendo e analisando. Contextualizar é estabelecer relações entre o contexto do aluno e o trabalho analisado, tendo em vista, a Arte como produto social e histórico que revela as múltiplas culturas e significados. Na Educação de Jovens e Adultos é imprescindível para garantir o êxito no processo de ensino/aprendizagem temas pautados na valorização de suas experiências e saberes. Dessa forma, os alunos se sentirão seguros em participar e opinar sobre o conteúdo abordado, facilitando o aprendizado também por meio de debates em sala de aula. Nesse aspecto, atua o ensino de Arte que objetiva intermediar e facilitar conhecimentos, visando ampliar o contexto cultural dos alunados, em especial da EJA, para que os mesmos possam utilizar o aprendizado em sua vida cotidiana e tenham sucesso na vida. Considerações finais A Constituição da República Federativa do Brasil — CRFB, de 1988, conhecida também como Constituição cidadã — devido aos inúmeros benefícios destinados ao povo brasileiro é um marco na história da educação do país, mesmo tendo alguns artigos ultrapassados. Ela desencadeou uma evolução positiva e gradativa na educação, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDBEN, as Diretrizes Curriculares Nacionais, os Parâmetros Curriculares Nacionais, objetivando uma educação de qualidade padronizada. Por outro lado, faz-se necessário que os professores, em especial os de ensino de Arte, acompanhem a rápida e contínua evolução tecnológica, tendo em vista que os novos formatos tecnológicos


tornam-se item comum, necessário e indispensável na vida do indivíduo na atualidade, tendo em vista uma sociedade que tende a ser globalizada.

Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.9.394/96. Brasília, DF: MEC/SEF, 1996. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/ Semtec, 2000. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf - Acesso em 28 de mar. 2013. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 1998. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf- Acesso em 25 de mar. 2013. BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação contemporânea: consonâncias internacionais. 2ª Edição. São Paulo: Cortez, 2008. COELHO, H.C. O Ensino de Arte na Educação de Jovens e Adultos em Escolas Públicas de Ensino Médio de João Pessoa — PB — 2007 — 2012. 103 f. Dissertação — Universidade Federal da Paraíba, Paraíba. 2013. http://sistemas.ufpb.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=1880 DUARTE JÚNIOR, João-Francisco. Por que arte-educação? 5ª Edicão. Campinas: Papirus. 1998. IBGE. Contagem da população: 1996. Brasília: IBGE, 1997. OLIVEIRA, Celina Couto de. Ambientes informatizados de aprendizagem: produção e avaliação de softwares educativos. Campinas: Editora Papirus, 2001.


Sites http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf - Acesso em 26/08/ 2014 http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10230.htm - Acesso em 27/08/ 2014 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5707. htm - Acesso em 25 de ago. 2012 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm - Acesso em 14 de dez. 2011 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/ pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf - Acesso em 06 de ago. 2012 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2208.htm - Acesso em 20 de set. 2012 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5154. htm - Acesso e, 22 de Set. 2012 http://portal.inep.gov.br/superior-avaliacao_institucional-legislacao - Acesso em 13 de dez. 2012 Notas de Fim Hamilton Freire Coelho é Mestre em Ensino de Artes Visuais — UFPB/ UFPE. Pós-Graduado em Artes Visuais: Cultura e Criação pelo EAD/SENAC/PB. Licenciado em Educação Artística pela UFPB com especialização em Artes Plásticas. É Artista Plástico e Designer Gráfico.

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Lívia Marques Carvalho é Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduada em Educação Artística, Habilitação em Artes Plásticas (UFPB). Professora Associada do Departamento de Artes Visuais da UFPB. Pesquisadora sobre ensino de arte em contextos formais e não formais. 2



A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E O ENSINO ARTÍSTICO Ana Lídia Paixão e Silva1 Maria Betânia e Silva2

Em 1983 foi publicado nos Estados Unidos o livro “Estruturas da Mente – A Teoria das Inteligências Múltiplas”, de Howard Gardner e outros pesquisadores da Universidade Harvard. Nesse livro, Gardner defende que a inteligência humana é múltipla e não se limita às inteligências detectadas pelos testes de QI. Para ele, inteligência é a capacidade de resolver problemas e elaborar produtos que sejam valorizados num determinado ambiente cultural ou comunitário, o que pode ser feito de variadas formas (GARDNER, 1994). Gardner (1994) salienta que a Teoria das Inteligências Múltiplas (TIM) não provocou entusiasmo ou mesmo críticas entre pesquisadores de sua área de atuação, a Psicologia, mas que foi surpreendentemente bem recebida no meio educacional, por pais e mães de alunos e professores. Desde então, o autor tem direcionado sua pesquisa, seus livros, artigos e palestras, além de consultoria a este público. Na apresentação da teoria foram sugeridos sete tipos diferentes de inteligências, que não agem individualmente, mas se combinam, em menor ou maior grau, para bem executar uma tarefa ou resolver um problema, ou desenvolver um produto. São elas:


Figura 1 – Simulação gráfica das inteligências múltiplas.

Fonte: http://www.garotocidadao.org.br/2011/05/dhc-nasceu-gente-e-inteligente.html.

1) Inteligência Linguística — É a competência humana mais democrática. Gardner destaca quatro aspectos desta inteligência que é fundamental na comunicação humana: o aspecto retórico da linguagem, a capacidade de convencimento através das palavras; o potencial mnemônico da linguagem, a capacidade de memorizar, através da palavra falada ou escrita; o aspecto instrutor da palavra, meio ideal para transmitir informações; o aspecto metalinguístico, a capacidade de refletir a respeito da linguagem, usando a própria linguagem (GARDNER, 1994). 2) Inteligência Musical — Os principais elementos componentes da música são: o tom (ou melodia), o ritmo e o timbre. A sen-


sibilidade para estes elementos vai ser encontrada, por exemplo, no compositor, no intérprete e no apreciador de música. A música, assim como a linguagem é uma competência que não depende de objetos físicos no mundo, pois se origina na esfera auditivo-oral (FERNANDES; OLIVEIRA; SANTOS, 2012). 3) Inteligência Lógico-Matemática — Os principais elementos constituintes dessa inteligência são os padrões, a sistematização, a ordem, relações entre objetos e símbolos, a habilidade para o raciocínio lógico, domínio das equivalências e quantidades e a resolução de problemas matemáticos é evidente, além da habilidade para criar formas práticas de registrar seu raciocínio (ANTUNES, 2006a). 4) Inteligência Corporal-Cinestésica — É a capacidade de trabalhar ou se expressar habilmente com o corpo ou partes do corpo como, por exemplo, o movimento delicado das mãos ao trabalhar com objetos ou o movimento coordenado das várias partes do corpo, com uma noção bem aguçada de ritmo (CORRÊA, 2007). 5) Inteligência Espacial — É a habilidade para manipular objetos, tanto em duas quanto em três dimensões, de forma mental ou real; habilidade para se orientar em um lugar, criando um mapa mental deste lugar. É a habilidade desenvolvida pelos cegos, segundo Gardner, e por esta razão, ele evita associá-la ao sentido da visão. 6) Inteligência Interpessoal — Juntamente com a inteligência intrapessoal forma o que Gardner denominou de inteligências pessoais. É a habilidade para decifrar os sentimentos e intenções de outras pessoas, mesmo que estes estejam sendo camuflados, e de suprir desta forma, as expectativas alheias, reagindo apropriadamente com empatia e buscando gerar harmonia (GOLEMAN, 1996). 7) Inteligência Intrapessoal — Facilidade de ter acesso aos próprios sentimentos, conseguindo defini-los e diferenciá-los, identificando-os, agindo a partir daí de forma apropriada, de acordo com


o que está sentindo. A busca da harmonia interior é o objetivo desta inteligência, reconhecendo habilidades, desejos, sonhos, necessidades e orientar-se de forma a satisfazer seus anseios (GOLEMAN, 1996). O Projeto Zero Howard Gardner estava envolvido desde a década de 70 do século XX em outra linha de pesquisa, o “Projeto Zero”, fundado pelo filósofo e epistemólogo Nelson Goodman, em 1967, na mesma universidade. Goodman pesquisava outros sistemas simbólicos humanos de comunicação, os que eram utilizados nas artes, por exemplo, desenvolvidos do lado direito do cérebro, desafiando a ideia universal de que os sistemas linguísticos e lógicos eram insubstituíveis e mais eficientes. O nome foi escolhido por seu fundador em alusão ao ponto em que estavam as pesquisas nesta área, ainda muito incipientes, ou seja, no ponto de partida, no ponto zero. Atualmente, a finalidade desse projeto ainda continua sendo compreender o processo de aprendizagem e o pensamento criativo nas artes e nas ciências. Seguindo a premissa defendida por seu fundador, as obras de arte são regidas por determinados sistemas simbólicos, assim como o são a escrita e a fala. Goodman trabalhou neste projeto até sua morte, em 1998. Para o Projeto Zero, as artes e as ciências são formas de aquisição de conhecimento, vistas como uma atividade cognitiva muito importante. Ambas, ciência e artes buscam compreender e aprimorar a existência humana, dar respostas aos questionamentos que fazemos sobre a vida, mas se utilizam de instrumentos ou sistemas de símbolos diferentes. Mais de cem pesquisadores já participaram do Projeto Zero investigando as capacidades do cérebro humano e buscando ampliar a noção simplista de inteligência que predomina desde o início do século XX.


Assim, o Projeto Zero, impulsionado pelas pesquisas sobre a inteligência humana, procurou discutir e analisar do ponto de vista de várias disciplinas tais como Psicologia, Pedagogia, Estética, Filosofia, os principais conceitos e processos cognitivos envolvidos no fazer artístico em Música, nas Artes Visuais, na Literatura, no Teatro (GARDNER, 2000). A percepção, a detecção de padrões de composição, o reconhecimento e a classificação dos meios simbólicos artísticos (tais como a metáfora, a expressão, a representação e seus múltiplos significados) foram discutidos e analisados. Apesar de ainda não ter sido possível compreender e esclarecer o desenvolvimento artístico como os pesquisadores fizeram com o desenvolvimento científico, os achados resultantes das pesquisas com o desenvolvimento artístico determinaram importantes descobertas, contribuições consideráveis para as ciências humanas e sociais. Aplicando os métodos de investigação desenvolvidos por Piaget com pequenas modificações em crianças da pré-escola, as investigações resultaram em achados importantes e surpreendentes com relação ao desenvolvimento artístico que contrastam bastante com o desenvolvimento científico (GARDNER, 1999). A aprendizagem artística, contrariando a aprendizagem no campo científico ou da linguagem, é muito intensa na primeira infância e vai declinando na infância média. Também parece que as capacidades de produção artística se desenvolvem muito à frente da compreensão da arte, diferente do que se dá em áreas não-artísticas. A aquisição da competência e mesmo do conhecimento nas artes pode ocorrer sem instrução formal dos pais ou da escola, como foi observado nos desenhos das crianças, que aprendem a desenhar a partir de imagens em duas dimensões com as quais as crianças convivem diariamente (WILSON; WILSON, 2001). Vale ressaltar que essa perspectiva dialoga com o autodidatismo e evidencia o exercício da observação como fator preponderante para a


elaboração de imagens. Uma competência em uma área artística não prediz o mesmo grau de competência em outra área artística, como ocorre na esfera cognitiva, onde há uma maior sincronia entre as mesmas; o córtex cerebral possui áreas específicas para cada habilidade cognitiva. Como a criatividade quase sempre esteve associada à arte, o que levou a crença de que atividades artísticas estimulam a criatividade, questionou-se então se haveria uma inteligência artística localizada em alguma área do cérebro. Na visão de Gardner, a inteligência é um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura. Fazem parte desse conceito, portanto, a criatividade, ou seja, busca de novas ideias e soluções (FERNANDES; OLIVEIRA; SANTOS, 2012). O criador da T.I.M. afirma que o que existem são indivíduos criativos em diferentes domínios, cuja criatividade pode convergir para a produção artística ou para outro tipo de produção. Assim sendo, segundo Gardner (2000), o uso estético de cada uma das inteligências, pode ser favorecido ou não por ação de fatores individuais (genética) e/ou fatores culturais (contexto). A inteligência espacial pode ser usada por um engenheiro, um cirurgião ou por um escultor; a inteligência musical, inclusive, pode ser usada não esteticamente, como os toques de corneta usados nos quartéis (GARDNER, 2000), outro seria o reconhecimento de timbres variados, pelo médico, em uma ausculta pulmonar (FERNANDES; OLIVEIRA; SANTOS, 2012). Em determinadas culturas o desenvolvimento de uma inteligência é estimulado e orientado para determinado uso pelo meio ambiente ou grupo, se aquela inteligência é imprescindível para a própria sobrevivência, como usar a inteligência espacial para se orientar no mar, tomando somente as estrelas como pontos de referência (GARDNER, 1994).


Partindo destas descobertas, o Projeto Zero fez considerações básicas a respeito do ensino artístico, que elencamos em seguida, conforme nos traz Gardner (2000): 1) A necessidade de treinamento artístico dos professores fora da esfera tradicional de produção artística é premente. Os professores de arte devem ser indivíduos que tenham domínio da linguagem artística em que atuam (que pensem musicalmente ou visualmente) para que não introduzam a linguagem artística pela linguagem oral ou pela lógica. 2) Cada forma de arte deve ser avaliada de forma a medir a compreensão do aluno naquela forma específica de arte e não através de perguntas e respostas, lápis e papel, respeitando-se as inteligências envolvidas na compreensão e expressão daquela linguagem artística e não se privilegiando os sistemas linguísticos e lógicos, ignorando outros potenciais do aluno (ANTUNES, 2006). 4) O fazer artístico deve continuar a ser enfatizado até aproximadamente os dez anos. As crianças têm mais facilidade de perceber os elementos visuais em um objeto artístico, ocasião propícia para estimular esta percepção. Elas também aprendem muito mais e melhor quando trabalham diretamente com meios e materiais, e consigam como resultado um objeto artístico. Com relação a esta faixa-etária estabelecida pelo autor, defendemos a necessidade desse estímulo em todas as etapas da vida. 5) A aprendizagem deve ser significativa, persistente e duradoura. O trabalho por projetos atende a estes requisitos. Reunidos com um objetivo comum, cada componente do grupo teria uma habilidade diferenciada e valorizada, o que ampliaria e melhoraria a capacidade de cada aluno individualmente. 6) Atividades de reflexão, leitura visual, histórica e crítica, chamadas por Gardner de “atividades periartísticas” (GARDNER, 2000, p. 123), devem começar do próprio objeto artístico produzido pela criança.


7) Os alunos devem ser induzidos a ter consciência da importância do discernimento de valor e de gosto entre as obras artísticas e que estas características da obra ou objeto artístico são relativas, dependem de inúmeras variáveis. As pessoas que vão trabalhar com os alunos devem explicitar seus valores e preferências, não se valendo de sua posição, como professor, para dar a entender aos alunos que a sua opinião ou escolha é a correta. Para isso, é necessário que estejam abertos a pontos de vista alternativos ou divergentes. 8) As linguagens ou modalidades artísticas são muitas e cada uma delas se abre em um leque ainda maior de opções, principalmente, as artes visuais. O Projeto Zero acredita que o mais prático e possível, mas não o ideal, é que fosse escolhida uma das linguagens artísticas e aprofundá-la, em vez de fazer com que os alunos “passem” por cada uma delas superficialmente, visto que são muitas competências para serem distribuídas em um calendário escolar já muito fracionado. Gardner, explicitamente, defende um ensino musical, ou dança, ou teatro (GARDNER, 2000). Talvez pelo fato do próprio Gardner ter sido aluno de música, e um promissor pianista, ou ainda pelo fato de artes visuais estarem cada vez mais complexas (GARDNER, 2000). Entretanto, é na área das artes visuais que foram selecionados os exemplos mais significativos na abordagem de ensino-aprendizagem artístico derivada do Projeto Zero. O Arts Propel Um destes resultados mais diretos foi o Arts Propel, metodologia que propõe uma nova abordagem ao currículo e avaliação nas artes. Foi elaborada em colaboração com professores e pesquisadores do Harvard Project Zero e do Educational Testing Service, órgão do governo americano encarregado de planejar avaliações anuais nas


escolas americanas (GARDNER, 2000). A palavra “propels” em inglês significa propelir, propagar. O Arts Propel tem como objetivos melhorar a educação artística no ensino médio e avaliar os alunos de forma mais justa. Aplicado em escolas de alguns estados americanos, evoluiu para uma abordagem curricular que pode ser utilizada nas Artes e em qualquer outra disciplina. Entretanto, para que não se pense que o ensino artístico está concentrado no fazer artístico, os pesquisadores do Projeto Zero defendem que é inevitável e indispensável a inclusão de história da arte ou estética no ensino de artes, entre outras disciplinas, mas que não precisam necessariamente ser aprendidas e ensinadas através de métodos acadêmicos, contrariando a ideia de disciplinarização da educação artística. Esta também é a preocupação da autora da Proposta Triangular, Ana Mae Barbosa (1996). Barbosa alerta para o retorno ao academicismo, ao se separar as áreas que compõem o ensino da arte que deveriam ser aprendidas de forma integrada, em forma de ações como componentes curriculares. Tradicionalmente, o ensino-aprendizagem de arte é historicamente pautado na observação direta e reflexiva, na reprodução do modelo do mestre, até a recriação deste modelo, culminando com sua própria criação, a partir de acertos e descompassos desta reprodução, entre outros atos, para surpresa de seu criador (GARDNER, 2000). O treinamento das inteligências humanas, ao longo da história, foi efetivado principalmente por meio de duas modalidades distintas: de maneira informal e não-acadêmica, como no tradicional aprendiz-mestre, que incluem observação, demonstração e treinamento no contexto; e em ambientes acadêmicos formais, no modelo das antigas escolas filosóficas gregas, onde um sábio veiculava seus ensinamentos teóricos a seus discípulos.


A Teoria das Inteligências Múltiplas e o ensino de desenho Pesquisas revelam que a inteligência espacial é a mais mobilizada na expressão gráfica. Também as inteligências corporal-cinestésica e pessoal têm relação direta com a linguagem gráfica (CORRÊA, 2007). As inteligências espacial e corporal-cinestésica se originam nas ações sobre o mundo, assim como a inteligência lógico-matemática. Mas, esta vai se tornando abstrata e se afastando da linguagem gráfica. Abordaremos com mais profundidade estas duas inteligências. Inteligência espacial A inteligência espacial manifesta-se na habilidade de trabalhar com objetos ou imagens de objetos, tanto em duas quanto em três dimensões. Pessoas com inteligência espacial desenvolvida transformam, combinam e recombinam objetos e imagens, recriando aspectos da experiência visual. Segundo Antunes (2006b) é também a capacidade de reconhecer rapidamente a posição que seu corpo ocupa (distância, ângulo de visão, altura) em relação a outras pessoas, lugares e objetos. Para Gardner (1994) uma pessoa cega atua com esta inteligência ao tatear os objetos e construir dele uma imagem e, por isso, ele não concorda em associá-la especificamente à visão. A inteligência espacial e a inteligência linguística foram as mais estudadas na área da neuropsicologia, sendo uma considerada como o oposto da outra, já que uma usa um código verbal (localizado no hemisfério esquerdo do cérebro) e a outra um código imagético (localizado no hemisfério direito do cérebro). Piaget viu a inteligência espacial como parte do pensamento lógico matemático, talvez pelo fato de as duas derivarem da ação sobre os objetos. Entretanto, há diferenças notáveis em relação ao desenvolvimento de cada uma delas. Enquanto a lógico-matemática vai se tornando gradativamente mais abstrata, a inteligência espacial


permanece ligada aos objetos do mundo concreto e a sua localização neste mundo. A maioria dos estudiosos da inteligência, apesar da prevalência das inteligências lógico-matemática e linguística, não se convence de que a capacidade espacial tivesse alguma relação com estas duas inteligências (GARDNER, 1994). Eles a consideram especial e, independente das demais, englobando vários aspectos, tais como memória visual, orientação espacial, aptidão gráfica bi ou tridimensional, discernimento dos elementos da linguagem visual (cor, linha, formas, etc.), entre outras. Sustentam ainda que estes aspectos interagem entre si, isto é, o desenvolvimento em um deles afetaria de igual maneira os outros. Em todas as culturas humanas conhecidas, a inteligência espacial é muito importante. Na sociedade ocidental a inteligência espacial é especialmente necessária em algumas ocupações como escultores, cientistas, inventores, engenheiros e arquitetos que constroem modelos espaciais reais ou abstratos de suas ideias que não podem ser descritos de forma verbal. Em culturas mais remotas, se observa que a inteligência espacial data de muito tempo como a capacidade de orientar-se tomando como referência elementos do meio natural, a capacidade de observar detalhes refinados no momento da caça ou na previsão de condições climáticas (GARDNER, 1994). Mais especificamente nas Artes Visuais, a habilidade espacial vai estabelecer as relações entre o mundo dos objetos no espaço, permitindo a percepção das múltiplas possibilidades de transformação destes objetos. Pessoas com esta habilidade têm capacidade de propor variadas representações do mundo, apropriando-se de transformações e deslocamentos que este mundo lhe sugere, ampliando-os, através da manipulação de variados materiais e técnicas artísticas, recriando graficamente aspectos da informação visual (CORRÊA, 2007).


Inteligência corporal-cinestésica Essa inteligência se caracteriza pela capacidade de solucionar problemas e de criar produtos com o envolvimento de todo o corpo, ou de parte dele, controlando e utilizando-o em atividades motoras complexas e na manipulação criativa e diferenciada de objetos. De acordo com Antunes (2006c) a força, o equilíbrio, a flexibilidade física entre outros elementos caracterizam esta inteligência, acrescentando ainda que o aprimoramento da mesma implica em qualidade de vida melhor quando direcionada a atividade física. O autor salienta que esta inteligência é denominada por Gardner de corporal-cinestésica, e não somente de corporal, incluindo na mesma a percepção de movimentos finos do corpo, como os obtidos pelo tato, olfato e audição. O estímulo a estes sentidos tem correlação com movimentos musculares extremamente sutis comandados pelo cérebro. Assim como a inteligência espacial, que permite o domínio corporal no espaço a bailarinos e atletas, movimento voluntário, como fizemos referência no parágrafo anterior, e a possibilidade de prever qual o deslocamento espacial mais adequado em determinada situação, a inteligência corporal-cinestésica também se relaciona ao movimento e na relação com objetos, assim como a inteligência lógico-matemática e a inteligência espacial. Na inteligência corporal-cinestésica esta relação com os objetos se inicia intimamente no exercício do nosso próprio corpo que agindo sobre os objetos do mundo, se externaliza. Focalizando internamente, é limitada ao exercício do nosso próprio corpo e, olhando para fora, acarreta ações físicas sobre os objetos do mundo (GARDNER, 1994, p.183). Gardner (1994) diferencia claramente os movimentos com o corpo todo, a que chama de movimentos grossos, como no futebol e no box, e o movimento com as mãos e os dedos, que ele chama de movimentos finos, e são de tal importância que é característica de uma evolução exclusivamente implementada pelos seres humanos. O


uso de ferramentas e a produção cada vez mais sofisticada destas são exemplos contundentes desta habilidade. Um trabalho plástico necessita de um refinamento da habilidade corporal-cinestésica, principalmente, do movimento fino. Usar partes do corpo, especialmente as mãos, para manipular, organizar, fabricar e transformar objetos tanto diretamente com nosso corpo quanto através de instrumentos/ferramentas é uma das características desta inteligência. De acordo com Gardner (1994) a coordenação motora fina característica desta inteligência se desenvolve por imitação. O autor afirma que a imitação é o componente central do pensamento cinestésico. Então, o ensino e a aprendizagem imitativos podem ser a maneira mais adequada de transmitir habilidade neste domínio. Experiências passadas de manipulação de determinados objetos como o lápis, caneta, pincel, que são adquiridas comumente na infância, baseiam-se em memórias musculares adquiridas nesta época. Assim, experiências de volume e densidade estão simbolizadas numa linguagem cinestésica ligada ao corpo, sem necessidade de nenhuma outra intervenção simbólica. No Japão, a criança aprende a experimentar os movimentos rítmicos controlados antes mesmo de escrevê-los ou reconhecê-los. É condição indispensável e primeira para aprender a fazer os ideogramas. Até o manejo dos palitos para comer vai contribuir no domínio manual para fazer os ideogramas (GARDNER, 1994, p. 184). É uma inteligência que se aprende menos através de instrução verbal e mais por observação e imitação, treinamento, portanto, tal como explica a teoria vygotyskiana, ao definir os conceitos de interação e mediação. É a partir desta percepção cinestésica que surge um sentimento balanceado de equilíbrio e controle motor fino.


Considerações Finais É importante destacar que as inteligências múltiplas não existem como entidades físicas verificáveis, mas como construtos ou modelos explicativos e habilidades que constituem uma continuidade entre si. São competências que qualquer indivíduo da espécie humana pode ter, mas que algumas são mais emergentes em uns que em outros. Assim, as competências ou habilidades ou inteligências, não dependem somente do fator genético, específico daquele indivíduo, mas também da cultura que irá estimular, exigir ou atrofiar as mesmas. A TIM entende a inteligência para além dos processos mentais puramente reflexivos, abrangendo as várias formas de atividades e expressões do ser humano. Desta forma, a separação das inteligências tem um objetivo didático porque na vida prática elas se associam para dar conta das várias atividades humanas diárias. Gardner (1999) e Antunes (2006a) afirmam que a atividade artística mobiliza várias inteligências e por isso o ensino e aprendizado de arte é enorme fonte de informação, reflexão e compreensão do mundo. A grande importância da TIM para a educação é a possibilidade de pensar o ser humano como portador de várias habilidades que podem ser estimuladas e trabalhadas, ampliando o conceito de cognição para diferentes áreas de conhecimento, principalmente, para o campo da arte. Referências ANTUNES, Celso. Inteligências múltiplas e seus jogos. Introdução. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006a. ANTUNES, Celso. Inteligências múltiplas e seus jogos. Inteligência Espacial. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006b.


ANTUNES, Celso. Inteligências múltiplas e seus jogos. Inteligência Cinestésico- Corporal. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006c. BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A imagem no ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. CORRÊA, Airton Dutra. A formação do professor de Artes Visuais e sua relação com a ótica gardneriana. In: CORRÊA, Airton Dutra; NUNES, Ana Luíza Ruschel (orgs.) O Ensino das Artes Visuais: uma Abordagem Simbólico – Cultural. Santa Maria: Editora UFSM, 2007. FERNANDES, José Nunes; OLIVEIRA, Antonio Henrique Seixas de; SANTOS, Juliana Martins dos. Elementos para reflexão quanto ao uso das inteligências múltiplas no ensino-aprendizagem da música. Disponível em: < http//www.seer.unirio.br/index.php/coloquio/article/view/560/570>. Acesso em: 22 janeiro 2012. GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 1994. GARDNER, Howard; KONHABER, Mindy L.; WAKE, Warren K. Inteligência: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. GARDNER, Howard. Arte, mente e cérebro – uma aproximacão cognitiva da criatividade. Porto Alegre: Artmed, 1999. ______. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. São Paulo: Objetiva, 1996. WILSON, Brent; WILSON, Marjorie. Uma visão iconoclasta das fontes de imagem nos desenhos de crianças. In: BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte–Educação: leitura no subsolo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 59-77.


Notas de Fim Ana Lídia Paixão e Silva é Mestre em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-graduação em Artes Visuais UFPB/ UFPE. Professora de Arte da Secretaria de Educação de Pernambuco. 1

Maria Betânia e Silva é Graduada em Artes Plásticas pela UFPE. Mestre em Educação pela UFPE. Doutora em Educação pela UFMG. Coordenadora do Programa Associado de Pós-graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB.

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EGRESSOS DA LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA E SUA INSERÇÃO PROFISSIONAL Martha Pollyanna dos Santos Dias1 Erinaldo Alves do Nascimento2

Introdução As profundas mudanças nas relações de trabalho fazem emergir um novo panorama educacional e profissional. Nos dias atuais, constata-se uma acelerada rapidez na difusão da informação, exigindo transformações constantes na atuação no campo do trabalho. A formação profissional, no âmbito da graduação, passou a ser um requisito fundamental para o exercício da função, sobretudo no campo da docência. Na busca de conhecer as novas iniciativas educacionais relacionadas com a inserção profissional no campo da docência, escolhemos pesquisar sobre os egressos do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (DIAS, 2013). A formação profissional proporcionada por este curso representa um momento significativo na história da formação da educação universitária paraibana e nacional no campo das Artes Visuais. O desafio é compreender este novo momento de formação docente demarcado pela criação da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB. A pesquisa resulta do interesse em conhecer os caminhos trilhados pelos novos profissionais, como conciliam suas necessidades


de atuação com as propostas financeiras, sendo estes requisitos indispensáveis ao campo do trabalho. A relevância desta pesquisa pode ser observada a partir da raridade que este tema ocupa nos trabalhos acadêmicos não só na UFPB, mas em outras instituições nacionais. Utilizando descritores como “pesquisa”, “egressos” e “cursos de universidades” realizamos a busca no site do Instituto Brasileiro de Informação Ciência e Tecnologia (IBICT). Encontramos apenas uma pesquisa relacionada com o tema. Trata-se da pesquisa de autoria de Luciana Goss (2009) cujo título é “A Formação do Professor para a Escola Livre de Música”. Esta pesquisa acompanhou a atuação dos egressos do curso de Licenciatura em Música desta universidade. A autora constatou que os referentes egressos, agora profissionais, em atuação nas escolas livres, realmente estavam aptos para desempenhar suas funções no crescente mercado em atuação na cidade de Florianópolis. Das várias pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Ensino de Artes Visuais, do Departamento de Artes Visuais, da UFPB (GPEAV-DAV-UFPB), algumas delas, divulgadas nos anais da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), citamos as seguintes porque têm afinidades com o foco desta pesquisa: Expectativas e necessidades da formação dos discentes da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB (NASCIMENTO; SILVA; CLEMENTE, 2009), cujo resultado foi apresentado no 18º Encontro da Associação Nacional de Artes Plásticas — ANPAP, realizado em Salvador, de 21 a 26 de setembro de 2009, compondo seus anais. As outras pesquisas: A vez e a voz dos feras: perfil, expectativas e necessidades dos estudantes “calouros” da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB e Por que parou? parou por quê? uma pesquisa com os discentes “evadidos” da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB (CÂMARA; NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2010; CLEMENTE et al, 2010), foram apresentadas no 19º Encontro da Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP)


realizado na cidade de Cachoeira/BA, no Recôncavo Baiano, de 20 a 25 de setembro de 2010. A partir da consideração do quanto é imprescindível conhecer e atender o corpo discente nas suas expectativas e necessidades, as pesquisas do GPEAV-UFPB propõem-se a avaliar as condições educacionais do Curso de Licenciatura de Artes Visuais da UFPB. As pesquisas procuraram conhecer as expectativas do alunado e as referidas carências relativas a essa formação, levando-os à evasão. São pesquisas que colaboram com possíveis ajustes ou mudanças, de modo a atender ao que está proposto no seu Projeto Político-Pedagógico. É possível afirmar que as pesquisas, no conjunto, provocam, ainda mais, a vontade de agregar maiores informações sobre a Licenciatura em Artes Visuais da UFPB. Colaboram para construir um mapeamento sobre a formação acadêmica no campo da Licenciatura em Artes Visuais na Paraíba. Observando as pesquisas realizadas, detectamos a lacuna e a carência de realizar uma pesquisa envolvendo os egressos deste curso. Aspectos metodológicos da pesquisa Dado o caráter do processo de investigação adotado por esse estudo, é possível afirmar que se trata de uma pesquisa mista, de feição predominantemente qualitativa. Quanto aos objetivos pode ser considerada exploratória. Serve-se de uma análise documental e da aplicação de questionários para coletar os dados sobre “o que se espera” e “como estão se inserindo profissionalmente os egressos da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB”. Quando se diz que uma pesquisa é exploratória, deseja-se afirmar que o seu objetivo é: proporcionar familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses.


Envolve levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; análise de exemplos que estimulem a compreensão. (GIL, 1991, p. 45).

Quanto à abordagem do problema pode-se dizer que é uma pesquisa qualitativa porque considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números (SILVA; MENEZES, 2000). Trata-se também de uma pesquisa documental porque se serve de arquivos documentais da UFPB, especialmente o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Licenciatura em Artes Visuais e das Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação e Cultura (MEC). É também uma pesquisa de campo ou empírica porque utiliza instrumentos como a observação, a experiência pessoal do pesquisador, além da utilização de questionário. Tratando mais diretamente da coleta de dados aplicada com o uso de questionários, denominados de Formulário de Consulta aos Egressos da Licenciatura em Artes Visuais (CCTA-UFPB). As respostas dos egressos foram obtidas mediante a permissão do(a) entrevistado(a) e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Respaldado nas normas éticas da pesquisa aplicada a seres humanos, que diz respeito ao sigilo das informações colhidas, preservação do anonimato e demais informações relativas ao preenchimento, o Formulário constou inicialmente de uma Apresentação com dados preliminares da pesquisa, importância da participação do egresso e agradecimentos pela participação. O envio do formulário foi seguidamente acompanhado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento (TCLE). No envio, em forma de convite, constaram os dados acadêmicos do orientador e da pesquisadora, além de informes peculiares à pesquisa. Neste breve


documento, informou-se ao egresso sobre a importância da sua participação e dos seus direitos, na condição de voluntário. Quanto ao roteiro de entrevista, optamos por uma estrutura semi-estruturada, dividida em dois itens: Perfil Profissional e Formação Profissional. Estes itens foram subdivididos, respectivamente, em quatro e quinze subitens. Os dados “brutos” da pesquisa foram analisados e tabulados utilizando o Programa Microsoft Office Excel 2007, para originar gráficos e tabelas. O objetivo do estudo fomentou as perguntas endereçadas aos egressos. O foco principal do questionário foi responder a pergunta geral da pesquisa: como os egressos da Licenciatura em Artes Visuais estão se inserindo profissionalmente? Esta pergunta foi acompanhada por outras perguntas complementares: • Qual o perfil atual dos egressos do curso de Licenciatura de Artes Visuais da UFPB? • Como os egressos da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB estão se inserindo profissionalmente? • Que caminhos profissionais estão trilhando os egressos da licenciatura em Artes visuais da UFPB? O universo da pesquisa foi determinado pelo número dos egressos formados nos anos de 2010 e 2011, ou seja, os primeiros alunos formados pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB. Totalizam doze egressos. Apenas um deles, após contato iniciado, não emitiu resposta; outro integrante da amostra estava em outro país e três não encaminharam retorno dos documentos da Pesquisa. A atividade foi concluída com o quantitativo amostral de sete participantes, o que totaliza 58,3%. A coleta de dados abrangeu o mês de janeiro e a primeira semana de fevereiro do ano de 2013. Após o recebimento do Formu-


lário, estes documentos foram impressos e arquivados, até final do prazo de recebimento para só assim, ter início o tratamento do seu conteúdo. Como determinado eticamente, para não identificar os egressos, na condição de autores e autoras das respostas a serem publicadas, optamos em utilizar nomes fictícios e aleatórios. Os nomes foram atribuídos a partir do período da chegada dos citados formulários. O perfil dos egressos da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB Com relação à faixa etária 57% dos participantes não declaram sua idade e 43% responderam correspondendo uma média de 25 a 36 anos. Diante deste indicativo, foi possível considerar que, no período de finalização de seus estudos superiores, esses egressos tinham em torno de 23 a 34 anos. Esta variação, tomando como base o Censo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 2010, não possui relação direta com as classificações de idade no tocante à participação sequencial nas graduações em cursos superiores que são de: 20 a 24 anos (2.232.882 alunos no curso superior), 25 a 29 anos (1.180.558 alunos no curso superior) e 30 a 39 anos (1.008.758 alunos no curso superior), 40 a 49 anos (444.751 alunos no curso superior) e 50 anos ou mais (208.994 alunos no curso superior), criando-se então, de modo peculiar, neste trabalho, outro intervalo de indicação, que está entre o último número, ano da primeira classificação, e aproximadamente a metade do número da terceira. Os dados expostos pelo IBGE levam-nos a considerar que alguns dos indivíduos pesquisados, que escolheram a Licenciatura em Artes Visuais, neste citado intervalo, o fizeram após as idades mais comuns ao ingresso à universidade. É possível supor, ainda, que a escolha pode ter sido resultado de certa maturidade e maior racionalidade. É possível presumir que houve ponderação das questões po-


sitivas e negativas da profissão, acompanhada de análise de vocações e tendências. A faixa etária provoca a pensar que a escolha do curso decorreu de uma decisão madura e significativa. Ressalvamos, ainda, que em razão do considerável número de não respondentes a este item, é possível observar duas possibilidades: a primeira é que embora tenham lido e obviamente entendido, preferiram não expor esta condição; a segunda possibilidade é que, em meio a um tempo de superabundância de informação, a desatenção vem se tornando uma “vilã” dos mais apressados e, assim, supomos que tal questionamento não foi percebido. Concernente ao sexo 90% dos integrantes é do gênero feminino e 10% masculino. Este dado não é nenhuma novidade haja vista que se trata historicamente de uma característica dos cursos da área de Magistério. Sendo que, no momento dessa inserção, este acontecimento foi bastante significativo na história, pois foi a única forma de ingresso da mulher no campo profissional. Foi um acontecimento considerado como vanguardista. A esse respeit, é possível afirmar: Por mais que a educação tenha passado por algumas mudanças na prática escolar, a feminização do magistério continua se perpetuando mais e mais, desvalorizando o papel da mulher docente ano após ano. E o homem continuou se distanciando das salas de aulas infantis. Percebe-se como a escolha profissional acaba sendo influenciada pelas representações existentes na sociedade, que têm suas bases na história da feminização do magistério, que divulga que as profissões consideradas movidas pela “emoção” seriam próprias das mulheres e as ligadas à “inteligência” seriam patrimônio exclusivo dos homens. (RABELO; MARTINS, 2006, p. 6167).


Desta forma, em pleno século XXI, ainda se perpetua, com bastante vigor, a disparidade de tratamento mediante o gênero, o que também é facilmente reverberado nas condições salariais. Ainda, apropriando-me das palavras dos autores mencionados, destacamos: Com isso, a desvalorização da profissão foi aumentando, junto com a justificativa de que a mulher deveria ter o “dom” para o magistério e, assim, seu salário (que já era pequeno) poderia ser menor, até porque esse dinheiro não seria para sustentar a família, pois caberia ao homem essa função (RABELO; MARTINS, 2006, p. 6167).

Ao serem questionados sobre a etnia, 80% dos participantes se considerou como “Branco” e 20% “Pardos”. Neste item, há uma consonância com os dados divulgados no Censo IBGE 2010. Para o IBGE as etnias que se declaram brancas (107.207 pessoas) são seguidas das que se declaram pardas (65.232 pessoas) nos cursos de graduação. Sobre a renda Familiar — quatro egressos (57%) declararam a inclusão na faixa de mais de seis salários mínimos, dois (29%) entre quatro e seis salários mínimos e um (14%) de um a dois salários mínimos. A respeito do nível salarial usufruído pelos egressos, pode-se fazer uma relação com o salário atual do professorado. Realizando um visita atualizada na página eletrônica do g1.globo.com, no dia 28 de abril do ano, constatamos uma nota com informações do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos — Dieese, a qual comunica: Segundo o Dieese, neste ano o salário mínimo deveria ser R$ 2.824,92, ou seja, 4,17 vezes o mínimo atual, de R$ 678,00. Em fevereiro, o mínimo neces-


sário era menor, equivalendo a R$ 2.743,69. O valor é calculado mensalmente pelo Dieese com base no custo apurado para a cesta de São Paulo e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência (PREÇO, 2013).

Ao continuar a comparação da faixa salarial relacionada ao professor, também é noticiado no mesmo site: O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou nesta quinta-feira (10) reajuste de 7,97268% do piso salarial de professores do ensino básico da rede pública brasileira, que abrange educação infantil e nível médio. Com o aumento, o piso salarial para os professores passa de R$ 1.451 para R$ 1.567.00 (PASSARINHO, 2013).

Eis, então, uma singular condicionante, que segundo os mais básicos estudos, vem cooperando no distanciando ainda maior do campo da docência: os baixos salários. As condições financeiras oportunizadas a uma profissão colaboram enfaticamente para a sua escolha e para a permanência dos profissionais iniciantes e experientes. É ainda importante situar que a Paraíba, conforme dados emitidos no Diagnóstico Socioeconômico do Estado da Paraíba — 2012, lançado pelo Fundo de Combate e Erradicação a Pobreza na Paraíba (FUNCEP) é o oitavo Estado mais povoado da Federação. É o sexto menor e o quinto no tocante à população que não sabe ler e nem escrever as palavras. No nordeste, neste caso, só está à frente dos Estados do Piauí e de Alagoas.


A média de analfabetismo no Brasil é de 9,02%; a da Paraíba é de 20,20%, embora tenha havido uma pequena queda, pois conforme a tendência nacional, no ano de 2000 era 26%. O PIB per capita média da Paraíba é de R$ 8.481,14 e a do Brasil é 19.766,33. Esses indicativos refletem o quanto o Estado está aquém das condições tidas como mínimas para a equidade social, e consequentemente, a íntima ligação com o nível educacional oferecido à população paraibana. Para atestar toda a relação destes dados ressaltados, apoiamo-nos nos dados do Ministério da Educação do citado Diagnóstico quando registram: “para o indicador da Pobreza e Equidade Social, além da relação estreita com a Dinâmica Econômica e o Nível Educacional, foi também verificada uma relação [...] com a dimensão da Eficiência Pública” (BRASIL, 2006). Ao tentar conhecer as condições econômicas e sociais dos egressos em estudo, é possível constatar que, do universo estudado, sete sujeitos, apenas dois atuam profissionalmente no campo das artes. É justamente este último grupo que percebe a menor escala de valor salarial para compor a renda familiar. Para aqueles que vivem de outras rendas, distintas das áreas da arte, seja na docência ou não, o resultado aponta que a condição salarial é melhor. De forma que, dos cinco que vivem de outras rendas, apenas um, tem renda familiar entre quatro e seis salários mínimos. Todos os demais declararam que percebem mais de seis salários mínimos. E mesmo que não haja identificação das profissões que advém os recursos que ajudam na manutenção desses egressos, sabe-se que estas têm propiciado melhores condições de vida que as oferecidas ao professorado em geral. Ao tratar sobre a formação profissional, cinco (71%) declararam ter se formado em 2010 e apenas dois (29%) em 2011. Sobre a participação em cursos de Pós-graduação três (43%) responderam que não fizeram e quatro (57%) afirmaram que já ingressaram em cursos


da área de artes ou similares como: Mestrado em Ciência da Informação, Especialização em Arteterapia e Mestrado em Artes Visuais. Este resultado é muito curioso, tendo em vista que, como foi notificado, há um pequeno número de pesquisados que trabalham na área da arte ou da educação. Pode ser considerado um resultado “inesperado” por encontrar mais da metade desses participantes, buscando verticalizar seus estudos relacionados com a graduação. Estes dados podem sugerir que uma parte significativa dos egressos, alimenta o desejo de aprimorar a formação para atuar em futura docência em um nível salarial mais vantajoso. Não se pode deixar também de registrar as possíveis influências da sociedade da informação que nos instiga a procura por novos conhecimentos incessantemente, a exemplo da busca para realização de cursos de aperfeiçoamento. Outro fato que ainda pode ter contribuído para esta busca são os incentivos, mediante as políticas públicas adotadas pelo governo federal, haja vista uma maior oferta de cursos de pós-graduação. Inserção profissional dos egressos da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB Ao serem questionados se estavam atuando profissionalmente na área de Artes Visuais, dois declararam que estão atuando e quatro não estão atuando profissionalmente na área e um está desempregado. Em relação a essa atuação profissional, solicitou-se uma resposta complementar. Em caso de afirmativa perguntou-se sobre o tipo de atividade profissional especificamente desenvolvida. Dois (29%) participantes complementaram o quesito, descrevendo que atuam como “Artistas Visuais, atuantes e independentes de representação de galerias comerciais” Sendo que um destes desempenha também o cargo de professor em instituição privada. Quatro (57%), responderam negativamente.


Então, a respeito do vínculo empregatício do egresso, especificamente de atividade artística, como docente, assessor ou da venda de obras artísticas, apenas dois afirmam que vivem apenas da renda proveniente da atividade artística; quatro afirmam que não vivem deste recurso. Deste resultado geral, um (14%) vive da renda de professor; quatro (58%) são dependentes financeiramente de outro membro da família e ou bolsista de programas do governo; um (14%) vive de rendimentos e um (14%) está desempregado. Em continuidade, as respostas encontradas, houve inclusive, por parte de um (14%) dos integrantes da pesquisa, a tentativa de atuar por maior tempo, mais diretamente na área do ensino formal de artes visuais. Porém, as oportunidades temporariamente foram cessadas. Outros dois (28%) respondentes discorreram sobre seus interesses com relação à Intermediação em Museus. No entanto, não atuam nessa função. Um deles (14%) alega que fez algumas tentativas para atuar como artista visual, mas não vive de arte. Como exemplo, temos as seguintes sentenças: — Já trabalhei muito na minha área quando morei em João Pessoa, mas agora morando em São Paulo não tive nenhuma oportunidade; — Não sei que caminhos seguir além de dar aulas, meus objetivo é um Centro Cultural, um Museu, mas como fazer? Dúvidas demais; — Participei de algumas exposições, mas nenhuma em galeria comercial e não vendi nenhuma obra ainda. Não vivo de Artes.

Em razão do exposto, é possível deduzir que: • Dois (28%) estão atuando profissionalmente na área das Artes Visuais, um se assume como artista e o outro atua como artista e professor;


• Quatro (57%) não estão atuando profissionalmente na área; • Um (14%) está desempregado. Relacionamos estes dados com os expostos anteriormente, quando fizemos uma exposição de resultados de algumas pesquisas realizadas com os alunos do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB pelo GPEAV-DAV-UFPB. Dentre as questões evidenciadas, foi levantada uma grande incidência de alunos que, embora estejam participando de um curso de licenciatura, não almejavam a docência e sim “o ser artista”. Esta condição pode ser apontada como uma das possibilidades para causar o afastamento da área. Sabe-se que um dos responsáveis por esse afastamento é também as políticas utilizadas pelos organismos oficiais nacionais, e evidentemente, os internacionais. Apesar das promessas políticas e da tentativa de implementar muitos incentivos à educação, ainda substancialmente, não vemos mudanças em questões básicas como as melhores condições para realização da docência. “Ano após ano”, em todos os “cantos” do país, tornou-se comum as greves e mobilizações realizadas por trabalhadores da educação em prol da carreira docente e melhores condições laborais, democracia e respeito aos princípios defendidos pela categoria profissional. Porém, poucos são os avanços. O desafio é resistir e prosseguir. Ficam as perguntas: até quando? Com tanta dificuldade para o exercício profissional, quantos somos? E quantos seremos no futuro? A este respeito, a Edição comemorativa dos 25 anos da Revista Nova Escola diz: “Desvalorizada entre os jovens, a docência é opção profissional de apenas 2% dos alunos do Ensino Médio.” (MENESES, 2011, p. 126). Finalizando a problemática do tema, ainda na mesma edição, Meneses (2011, p. 127), falando sobre o professor descreve: “[...] sua remuneração, formação e carreira continuam incompatíveis com os discursos sobre a importância da educação”.


Desta forma, a desvalorização não é só uma questão de gênero, como já vimos, mas atinge todos profissionais da educação. É notória a distinção salarial que há entre a docência e outros tipos de profissões. Em relação às dificuldades da inserção do mercado de trabalho, o resultado é o seguinte: • Um (14%) ressalta a falta de apoio encontrado na escola quanto ao fornecimento de material didático, equipamentos e até exigências para ser o profissional responsável em “organizar festinhas de datas comemorativas”; • Dois (29%) apontam as poucas oportunidades do mercado de trabalho que é restrito ou exige experiência; • Dois (29%) ponderam sobre as afinidades e distorções entre o Curso de Licenciatura em Artes Visuais e o de Bacharelado; • Um (14%) diz que ainda não tentou sua inserção no mercado profissional por estar estudando para mestrado; • Um (14%) não respondeu. A inserção no Mercado Profissional sempre foi desafiante e resultante de diversos fatores. É evidente que a maioria dos argumentos aponta para as condições externas como falta de apoio e de exigências no setor educacional, pouca oferta no mercado de trabalho, bem como a restrição e exigência da experiência, o que é algo real na nossa sociedade em relação à maioria das profissões. Alguns estão tentando continuar o processo de formação profissional, fazendo um curso de pós-graduação, vislumbrando outras possibilidades. Entre estes resultados, duas situações merecem destaque: a experiência distorcida do professor de artes visuais, a quem é atribuída à tarefa de organizar as festas no âmbito escolar e a situação dual, vivenciada pelo alunado do curso de licenciatura de Artes Visuais da


UFPB, a qual é registrada aqui mediante sua perpetuação da indefinição entre o “ser artista” e “ser professor”. Ambas as situações já foram registradas em várias pesquisas do Grupo do GPEAV/PB. Propomos uma ponderação sobre o assunto, principalmente, para os que fazem parte desta categoria profissional a partir das seguintes perguntas: • Como contribuir para a mudança no quadro estabelecido para superar os obstáculos apontados para a inserção profissional? • Na escola, como utilizar a organização da festa a favor da condição de ensino e da aprendizagem da disciplina lecionada? • Será que informações sistematizadas sobre a Licenciatura em Artes Visuais da UFPB, explorando os meios de comunicação oficiais, abrangendo a comunidade universitária, as escolas e a sociedade em geral não ajudariam a amenizar a confusão sobre os propósitos de cada curso? Podemos citar, como uma tentativa de amenizar as dificuldades encontradas, a experiência da Escola Júnior de Administração da UFPB, formada por alunos, com a supervisão de professores. Entre as ações desta instituição estava a de realizar visitas em escolas de João Pessoa com o objetivo de escutar e informar ao alunado, os assuntos inerentes a este ramo profissional. Esta iniciativa proporciona uma melhor possibilidade de escolha da graduação a ser seguida. Tal iniciativa poderia ter, quem sabe, a adesão dos que fazem o Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB com a finalidade de brevemente poder colaborar com um índice de maior assertividade na escolha do curso.


Contribuições do Curso de Licenciatura em Artes Visuais para a inserção profissional dos egressos Em relação às disciplinas ou matérias que julgam importantes para a inserção profissional duas (29%) não declararam. Um disse que todas contribuíram muito para sua atuação; outro ressaltou as disciplinas práticas. As demais, totalizando três (43%), destacaram a disciplina de História da Arte, as práticas e o estágio supervisionado. Difícil compreender os parâmetros encontrados pelos egressos para fazer diferenciação entre disciplinas práticas e teóricas. Julgamos complicado isolar teoria da prática. Entende-se que os mais diferentes formatos curriculares de disciplinas permitem praticar conjuntamente teoria e prática. Compreende-se que todo assunto precisa ser vivenciado para que, mediante a experiência, o aluno usufrua com mais propriedade do processo de ensino e aprendizagem. No entanto, direcionando a análise aos que estão inseridos no mercado e atuam na área e que são os de menor percentual, arriscamos a entender que as disciplinas práticas citadas são as que os levaram a vislumbrar mais efetivamente a entrada no mundo do trabalho. Neste tópico, dentre as declarações sobre as disciplinas de maior importância para a inserção profissional, pode-se perceber que, embora haja referência às disciplinas atreladas a História da Arte, às disciplinas práticas e, entre estas, a óbvia presença do Estágio Supervisionado, teve maior evidência. Sobre as contribuições do curso em foco na inserção profissional, dois (29%) não declararam; um (14%) apontou que, embora não tenha ainda se inserido no mercado, a dedicação e cuidado de alguns professores proporcionaram estudos verticalizados sobre os museus; um (14%) diz que o conhecimento de toda comunidade escolar e estudos muito o auxiliaram na inserção profissional; outro um (14%)


indica novamente a importância das atividades práticas. E dois (29%) para melhor análise das declarações serão relatadas abaixo: — Além de ter me proporcionado o primeiro contato com as obras dos grandes nomes da arte e seus processos, também, pude entrar em contato com artistas reais que também são professores e juntos pensamos exposições e trabalhos. Isto foi imprescindível para o aprendizado. — O curso me permitiu ter vários olhares sobre artes visuais, participei de várias exposições de artes, ganhei um prêmio, trabalhei em algumas escolas e monitorei algumas exposições.

De modo geral, é possível perceber, diante destes indicativos, que as informações e vivências propiciadas pelo curso contribuíram positivamente para a vida profissional deste grupo de egressos, qualquer que tenha sido o local de inserção profissional. Ao serem questionados sobre as disciplinas cursadas na licenciatura e a relação destas, caso atuem ou tenham atuado na prática escolar, quatro (58 %) declararam que ainda não atuaram como professores, um (14%) foi tutor de ensino à distância e diz que “muitos dos conhecimentos adquiridos foram advindos da universidade”. Um (14%) que as disciplinas ainda têm grande importância na sua prática como professor e um (14%) enaltece a prática vivenciada no Estágio Supervisionado. Neste momento, surgem dados que parecem contradizer os fornecidos anteriormente. Quando questionados sobre a finalidade do curso, os egressos reconhecem a contribuição de várias disciplinas para a formação docente. Parece persistir um confronto entre o desejo de ser artista e de ser professor.


Esta realidade sugere, entre outras considerações, que a estrutura curricular do curso tem correspondido às necessidades profissionais em exercício, como também colabora para as pretensões profissionais futuras. Sobre as indagações relacionadas com a atual concepção das Artes Visuais dos egressos e como mudou após o curso, temos as seguintes respostas: quatro (58%) notificaram a oportunidade de aprofundar a reflexão e importância da arte para a vida, um (14%) não respondeu a indagação, um (14%) indaga sobre um mercado de trabalho restrito aos profissionais da área e um (14%) destaca o novo entendimento atribuído a arte contemporânea, que adveio dos estudos e experiências propiciadas pelo curso. No tocante as concepções atuais de artes visuais apontadas pelos egressos, ficam evidentes que uma quantidade significativa faz relação entre arte e vida, que é efetivamente, uma tônica conceitual do momento. Um deles confunde concepção de artes visuais com restrição do mercado de artes. Este dado revela que os conceitos discutidos e tidos como significativos pelo curso, continuam sendo compartilhados com os egressos. Consequentemente, a arte tem se mantido importante para os seus referenciais. Outra pergunta envolveu as competências e habilidades que foram incentivadas e desenvolvidas no decorrer do curso em torno do fazer profissional. Adiante, exceto a do participante que deixou em branco o quesito, descreveremos cada resposta: • O curso é voltado 80% para ensino e os 20% para a prática artística. O todo me ajudou muito para a formação artística, porém os 20% de prática e teoria da arte foram mais decisivos; • As aulas práticas ficaram a desejar; • Percebi um maior incentivo para ser Mediadora e que cada um seguiu o caminho que melhor se identificava para desempenhar a profissão escolhida;


• Meu interesse estava focado nas práticas; • O curso visou mais a realização de projetos de arte educação, o fazer artístico foi mais estimulado no final do curso, mas não foi ensinado como entrar num mercado da arte; • As disciplinas, de modo geral, concorreram, ao longo do curso, para reais evidências na formação do exercício profissional. Após ler atentamente as sentenças, é possível afirmar que, para cada egresso, a participação no curso produziu uma situação distinta. Esta condição tem consonância com a vivência de cada pesquisado, especialmente porque um número reduzido atua na área das artes visuais em seus diferentes campos. É importante lembrar no Projeto do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB o perfil do egresso não contempla apenas a docência, mas como reitera a Resolução nº 48/2006 do CONSEPE, este profissional também estará habilitado para exercer atividades de pesquisa, produtor, agente cultural e outras especificidades relativas à área. A diversidade dos depoimentos pode nos levar a supor também que pode estar acontecendo alguma dispersão nos planos das disciplinas, que pode ser necessária levando-se em consideração a abrangência dada à atuação profissional. A impressão é que cada egresso reserva uma “certa distância” do próprio processo formativo e do seu comprometimento com a inserção profissional. Fica uma indagação: se este resultado faz parte dos objetivos que o curso deseja alcançar, será que as várias possibilidades de atuação não estão causando uma dispersão na futura atuação profissional desses profissionais? Os egressos também foram questionados sobre o acesso às informações culturais durante o curso e o que mudou ao longo deste percurso. Um (14%) não respondeu ao item; um (14%) diz que foi seu interesse pessoal que trouxe novas informações, pois no curso o co-


nhecimento era pouco compartilhado; dois (28%) relatam que foram incentivados pelos professores a participar de atividades culturais e até tiveram aulas nestes espaços da educação não formal; um (14%) ainda elencou vias de comunicação como livros e internet e outro (14%) considera que deveria ter havido um maior aproveitamento dos eventos, relacionado-os, mais diretamente, como atividades e exercício das disciplinas, a exemplo de análise e crítica da arte. Embora tenha sido declarada uma possível falta de intencionalidade das informações culturais com as disciplinas do curso em análise, por parte de um reduzido número dos integrantes da pesquisa, em linhas gerais, pode ser destacado que estão relatadas também informações bem representativas para a vida estudantil universitária que passam pelo interesse do estudante junto aos docentes. Isto denota que este incentivo, por parte dos professores do curso, não só é oportuno para a formação profissional de artes visuais, como também para criar o hábito, talvez não fomentado, em outros momentos da vida do aluno e que é de significativa importância para o desenvolvimento do ser holístico em seu exercício social. As principais críticas dirigidas ao curso, em relação à inserção profissional, obtiveram várias respostas, as quais estão expostas em forma de tópicos para, deste modo, dar maior destaque às sentenças: • Um (14%) absteve-se de responder; • Um (14%) afirma que, como licenciatura, o curso oferece uma boa prática de ensino; • Um (14%) diz que em relação aos professores, há bons profissionais, porém considera que o curso, deixa a desejar no tocante à qualidade dos serviços. Exemplifica citando as condições físicas do ambiente escolar; • Um (14%) argumenta que falta aprofundamento das informações relativas às fases da história da arte. Alega, ainda, que não há local adequado para aulas de pintura, nem mesmo para guardar materiais


didáticos, havendo muito improviso, ocasionando por isso, lacunas no processo de ensino e de aprendizagem; • Um (14%) propõe renovação e ampliação do quadro docente. Diz que, mesmo sabendo tratar-se de um curso de licenciatura, vê a necessidade de assuntos também pertinentes a prática artística como noções do mercado da arte, direito autoral e de imagem. Acrescenta ainda que, por experiência própria, é mais adequado, professores da área para as citadas disciplinas. A propósito sugere para o citado quadro, o ingresso de professores-artistas. O que, na opinião do egresso, favoreceria os investimentos nos meios culturais universitários; • Um (14%), seguindo um pensamento semelhante ao do respondente acima, também depõe que o curso “tem que preparar o artista e o educador” para as diversas ações relacionadas às suas práticas. Afirma, ainda, que não há esclarecimentos para àqueles alunos que pretendem seguir o aprofundamento dos estudos por meio de Mestrados; • Um (14%) critica a ocupação do espaço do educador de artes visuais por outros profissionais como historiadores, pedagogos e psicólogos. Denuncia que tem a experiência oposta no tocante às outras graduações, que lutam intensamente para defender a área até juridicamente, inclusive, exigindo de instituições empregadoras a reserva de vagas. No seu entender nem a Coordenação do Curso de Artes Visuais, nem o Departamento parecem se preocupar com o fato, e por isso questiona: “para que concluir a graduação em Artes Visuais?” As críticas apontam para várias direções. A crítica às instalações refere-se, à época dos ingressos dos licenciados, no ano de 2006. No momento que esta pesquisa foi desenvolvida, as instalações já estavam bem diferentes e podem permitir, hoje, uma nova avaliação pelos estudantes.


Quanto ao aprofundamento nas discussões, faz-se necessário avaliar se esta é uma atribuição da graduação ou se é um problema na maneira de abordar o tema da história das artes, muitas vezes afetado por uma visão cronológica e estilística, mais propícia a superficialização das informações. Impressiona na crítica relacionada à renovação do quadro docente, sempre associada à formação artística. Raramente se encontra crítica similar à formação docente. A crítica sobre a defesa do ensino de arte surpreende por não ser focada na formação artística, entretanto evidencia uma expectativa que esbarra na própria dificuldade de mobilização dos egressos em fazer valer os seus direitos. Ao serem questionados sobre as sugestões que podem fazer ao curso em estudo, os egressos responderam da seguinte maneira: • Três (42%) omitem declarações; • Dois (28%) dizem que suas críticas devem servir também como sugestões de mudança. Estão baseadas em uma ligação maior entre o conhecer o que encerra o mundo do ser artista e o ser educador; • Um (14%) opina que seja oportunizado aos alunos diálogos sobre seus anseios e necessidades, para que o curso, seja fortalecido, gerando satisfação, e profissionais bem preparados para o mercado; • Um (14%) defende uma maior publicidade sobre a profissão e a busca de apoio juntos aos órgãos ligados à educação. Entende que a notoriedade trará uma maior valorização. Lamento que um número expressivo de três (42%) deixem de fazer sugestões. Talvez expressem uma estagnação dos fatos. É como se estivessem a dizer: “se falarmos vai resultar em alguma mudança”? As demais considerações já foram abordadas no decorrer da análise das coletas de dados. Ao pôr certa ordem na fala dos egressos, pode-se perceber as respostas como uma provocação para o diálogo e para uma escuta


atenta. É uma atitude que condiz com as “concepções freireanas”, tão afeitas a um processo educativo dialogante. Para melhor exemplificar a sua importância, fundamentamo-nos no pensamento de Paulo Freire que diz: A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco [sic] pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo (MELO NETO, 2012, grifo do autor).

Desta forma, a assertividade do ato de elaborar pesquisas está intimamente atrelada à necessidade do diálogo e, como profissionais, a articulação entre os experimentos investigativos aproximam a pesquisa da docência. Na última questão do formulário, o egresso poderia fazer algum comentário, caso desejasse complementar algo não contemplado anteriormente. Em relação a este item quatro (57%) dos respondentes esquivaram-se e não responderam. Três (42%) por terem pareceres muito semelhantes serão destacados a seguir: • Um (14%) pensou que a sua inserção profissional seria mais fácil, no entanto só “por amor as Artes Visuais, continua insistindo”; • Para outro (14%), mesmo desenvolvendo atividades na área, por não ser salariado, não se vê como inserido no mercado profissional, porém, de igual forma, ainda anseia por esta realidade; • E por último, outro egresso (14%), diz: “o aluno de artes visuais entra com toda paixão e vontade no curso e quando sai depara-se com uma realidade que, às vezes, não consegue prosseguir nessa carreira. [Isso ocorre] porque o mercado de trabalho é desanimador, o salário é muito baixo


para o educador entrar num museu de arte, para trabalhar ele tem que ter amigos que te coloquem pra dentro das coisas. O artista visual não consegue sobreviver da sua arte porque o mercado da arte às vezes não inclui os novos artistas, consequentemente esses artistas pra sobreviver ou trabalha em alguma outra área e faz arte só por paixão, ou opta para trabalhar como professores de artes visuais em escolas, não sendo bons professores porque trabalham apenas por sobrevivência...”

O entrevistado discorre elencando as dificuldades da atuação tanto do artista como do professor de Artes Visuais e conclui dizendo que quase sempre chega a comprometer o exercício da escolha pessoal profissional e consequentemente de toda uma classe de docentes. Os dados destacados pela pesquisa mencionada podem ser relacionados com a preocupação de se observar, um reduzido número de profissionais que está atuando na área e sobre as dificuldades de inserção profissional decorrentes, neste caso, de uma série de fatores conjunturais que abrangem, sobretudo, a maneira como os profissionais da educação foram e ainda vêm sendo tratados. Em razão dos dados expostos, é possível afirmar que a desvalorização da docência é a maior dificuldade no processo de inserção profissional. Reforçando o que se acaba de afirmar, servimo-nos da citação abaixo para complementar e ratificar este raciocínio: [...] o Brasil em relação à educação tem uma dívida de quinhentos anos para o seu povo. Nunca adotamos uma Política Educacional de Estado. Diferentes governos apesar de colocarem a educação como prioritária e importante nunca conseguiram equacionar um orçamento compatível com as reais necessidades do país e valorizar devidamente


o professor. [...] A nossa crise educacional tem raízes estruturais profundas. Parte dela é devida ao modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou quando a partir de 1964 priorizou investimentos públicos para garantir infraestrutura de suporte à produção capitalista industrial nas capitais (HOLANDA, 2013).

Em síntese, mesmo que tenhamos os mais diversos fatores que contribuam com as condições sempre crescentes de dificuldades da inserção profissional dos educadores, no cenário brasileiro e particularmente paraibano, tem se mostrado costumaz, de forma que provocam perguntas como: a quem interessa os baixos salários da educação? Até onde reside o interesse em fomentar a manutenção de jovens no ensino público superior? Como podemos contribuir para o melhoramento de medidas na área da Educação? No decorrer da análise dos documentos oficias do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, e traçando um paralelo com os de Educação Artística, foi possível averiguar um grande avanço em termos de entendimento e contextualização do desenvolvimento do profissional desta área. A começar dos tipos de documentos que fundamentaram as criações dos dois cursos percebe-se distinta diferença. A primeira versão do curso — se assim podemos denominar — tem apenas a Resolução, e esta com escassas informações, contendo uma estrutura curricular sintética, onde contempla três habilitações, já o curso criado recentemente, além da Resolução, possui o PPP e uma estrutura curricular significativa, de forma que, foi comprovadamente formulado a partir de um participativo estudo, e por este motivo com maior probabilidade de ser mais representativo da realidade, inclusive direcionado para apenas uma das três habilitações — Artes Visuais.


Além disso, o corpo docente antes formado na sua maioria de artistas o que supõe pouca experiência com a educação formal, atualmente possui um número destacado, de professores mestres e doutores, inclusive representando um seleto grupo, houve nesta investigação, por parte dos egressos, o enaltecimento das práticas de alguns professores. Como resultado desse novo panorama, que objetiva a formação da graduação superior de professores de artes visuais da UFPB, é pelo menos em termos documentais, percebido a detenção de um grande avanço, porém, no tocante a prática educativa, que visa a inserção destes profissionais, o próprio número de egressos participantes da pesquisa exprime uma dificuldade a ser vencida. E quando estes egressos, em pequeno número, realizam a inserção idealizada, este indicativo aponta que a atenção no acompanhamento e resultados do processo da formação universitária, ainda deve ser bastante enérgica, considerando diligentemente os agentes internos e externos. Outras sugestões foram colhidas nas entrelinhas desta pesquisa que visaram indicar “gargalos” e com isto possivelmente promover mudanças ou ajustes: • Promover encontros com o corpo docente e discente com a finalidade de ouvir suas sugestões e reclames para dar prosseguimento aos encaminhamentos selecionados, criando dentro dos limites legais uma Gestão Participativa; • Criar e fortalecer o vinculo do curso com a comunidade universitária, com o bairro, a cidade e o Estado, divulgando-o na mídia, promovendo visitas em escolas e espaços afins; • Estudar a perspectiva da implementação premente do curso de Bacharelado em Artes Visuais com finalidade de buscar dirimir o conflito que ainda insiste, conforme os dados, entre o “ser artista” e o “ser professor”;


• Reformular na forma de aperfeiçoamento o Curso de Licenciatura em Artes Visuais, de modo que no seu Perfil, permaneça contemplada a formação docente e a pesquisa, promovendo deste modo as demais atividades para a condição de Habilitações tais como: Produtor de Arte e Agente Cultural. Talvez estas mudanças pudessem contribuir e delinear o caráter definido de docência ao curso e com isto o seu fortalecimento como tal. No tocante a inserção de seus egressos, ora pesquisados, foi possível com o presente estudo afirmar que ao concluir o Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB o egresso ainda não obteve o êxito profissional esperado. Mesmo tendo sido no ano de 2011, classificado com a nota 4 no ENADE, os resultados da avaliação revelam condições que precisam ser superadas. É importante ressaltar o avanço na implantação pioneira do Curso de Mestrado de Artes Visuais, criado em regime de parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal da Paraíba. Referências DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS. Agencia educa Brasil. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=96. Acesso em: 20 maio 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Conselho Escolar e a relação entre a escola e o desenvolvimento com igualdade social. Brasília, 2006. CÂMARA, Roberto Andrade; NASCIMENTO, Erinaldo Alves do ; OLIVEIRA, Maria Rosicely Fausto de. A vez e a voz dos feras: perfil, expectativas e necessidades dos estudantes “calouros” da Licenciatura em Artes Visuais da UFPB. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPAP, 19., 2010, Cachoeiras. Anais... Cachoeira-BA: ANPAP, EDUFBA, 2010.


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PREÇO da cesta básica sobe em 12 de 18 capitais em abril, diz Dieese. G1, São Paulo, 07 maio 2013. Economia. Disponível em: < http://g1.globo. com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/05/preco-da-cesta-basica-sobe-em-12-de-18-capitais-em-abril-diz-dieese.html>. Acesso em: 20 maio 2013. RABELO, Amanda Oliveira; MARTINS, Antonio Maria. A mulher no magistério brasileiro: um histórico sobre a feminização do magistério.In: CONGRESSO LUSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 6., 2006, Umberlandia. Anais... Umberlandia: UFPA, 2006. p. 6167 - 6176. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/556AmandaO.Rabelo. pdf> . Acesso em: 12 jul. 2012. SILVA, Edna Lúcia da; MENEZES, Estera Muszkat. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2000. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão. Resolução nº 48/2006, em 24 de julho de 2006a. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Artes Visuais e do Bacharelado de Artes Visuais, Habilitação em História Teoria e Crítica de Arte. João Pessoa, 2006b.

Notas de Fim Martha Pollyanna dos Santos Dias possui Graduação em Educação Artística pela UFPB. Especialização em Gestão de Pessoas pela UFPB. É Professora do Governo do Estado da Paraíba e da Prefeitura Municipal de João Pessoa. 1

Erinaldo Alves do Nascimento possui Graduação em Educação Artística pela UFRN. Mestrado em Biblioteconomia pela UFPB e Doutorado em Artes pela USP. É Professor Associado da UFPB da Graduação e Pós-Graduação em Artes Visuais.

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ENTRE FRINÉIAS E BARBIES: O CORPO ENTRE O CAPITAL E O FETICHE Helena de Azevedo Dieb1 Madalena de Fátima Zaccara Pekala2

Apresentação Entre tantos assuntos que permeiam os debates referentes ao contexto urbano atual, destacamos, aqui neste trabalho, a efemeridade, o consumo exacerbado e a sociedade em rede. Juntos esses fenômenos relativizam os conceitos dos termos real e imaginário no meio social. Ao que tudo indica a sociedade hoje se pauta por sedutores estilos de vida, padrões de comportamento e de aparência, ambos divulgados nos meios de comunicação em massa. Um corpo imaginário está em circulação na galeria de objetos a serem desejados e reproduzidos. São muitos os campos que discutem a rendição aos mesmos por meio de intervenções cirúrgicas. Não tecemos nem críticas ou elogios a essas práticas. Pretendemos aqui verificar como chegamos a essas motivações e quanto os discursos entre obras artísticas estão sincronizados. A ascensão do efêmero As diretrizes definidas pelo marketing e publicidade, que até os dias de hoje vigoram, são datadas nos anos de 1960. Vivia-se a “sociedade da abundância”, como define Gilles Lypovetsky (2007, p.32), pertencente a um “novo ciclo histórico das


economias de consumo” que se edificou ao longo das três décadas seguintes ao término da segunda Guerra Mundial e que se constituiu de “uma imensa mutação cuja radicalidade, instituidora de uma ruptura cultural, jamais será sublinhada o bastante”. Essa fase, explica o autor, aperfeiçoou o processo de democratização da compra de bens duráveis, consumando-se o “milagre do consumo”, ao colocar “à disposição de todos, ou de quase todos, os produtos emblemáticos da sociedade de afluência: automóvel, televisão, aparelhos eletrodomésticos”. Essa fase fez aparecer Um poder de compra discricionário em camadas sociais cada vez mais vastas, que podem encarar com confiança a melhoria permanente de seu meio de existência; ela difundiu o crédito e permitiu que a maioria se libertasse da urgência e da necessidade estrita. Pela primeira vez, as massas tem acesso a uma demanda material mais psicologizada e mais individualizada, a um modo de vida (bens duráveis, lazeres, férias, moda) antigamente associado às elites sociais (LYPOVETSKY, 2007, p. 33).

Jean Baudrillard (1975, p. 208) em anos seguintes a essa década, comentou que a mentalidade estratégica da publicidade “transforma o objeto em acontecimento, construindo-o como tal por meio da eliminação de suas características objetivas. Edifica-o como modelo e como “fait divers” espetacular”. A prática do consumo é elevada ao patamar de espetáculo, da forma como define Guy Debord (1997, p.30): O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê


é o seu mundo. A produção econômica moderna espalha, extensa e intensivamente, sua ditadura.

Assim, portanto, a cotidianidade, segundo Lypovetsky (2007, p.35) estava, Impregnada de imaginário de felicidade consumidora, de sonhos de praia, de ludismo erótico, de modas ostensivamente jovens. Música rock, quadrinhos, pin ups, liberação sexual, fun morality, design modernista: o período heroico do consumo rejuvenesceu, exaltou, suavizou os signos da cultura cotidiana. Através de mitologias adolescentes, liberatórias e despreocupadas com o futuro, produziu-se uma profunda mutação cultural (LYPOVETSKY, 2007, p. 35).

O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes tão atraentes? (Figura 1), que Richard Hamilton1 presentifica tanto esses aspectos da vida social quanto as reformulações cumpridas no campo da arte. A obra — apropriadamente, uma colagem — mostra um ambiente entulhado de eletrodomésticos e objetos que ostentam os logotipos das grandes corporações americanas assim como de meios de comunicação, como jornal, revista, telefone, a TV e o prédio da Warner Theatre visto pela vidraça. Uma figura masculina segurando uma raquete, em que está escrito POP, faz uma alusão ao espírito que tomava conta dos artistas da época e que representou na sua essência, segundo Pedrosa (1975, p.85) “uma nova atitude dos artistas ame1

Artista britânico, considerado pioneiro da pop art. Crítico do consumismo e da política da época. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/entertainment-arts-14901992 e traduzido.


ricanos em face da própria arte, em face da vida [...] estamos diante de uma capitulação aberta à objetividade imediata do cotidiano”. Figura 1: Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes tão atraentes — 1956.

Fonte: <http://www.bbc.co.uk/news/entertainment-arts-14901992>

Os sentidos se voltavam à realidade. Os artistas tomam os objetos do cotidiano, do consumo de massa, e os isolam, os apresentam tal e qual são, ou os copiam, servilmente, para não haver dívidas que não querem “transfigurar” a realidade nem muito menos transcender a nada. [...]. Para o artista pop, um relógio é um relógio mesmo, uma salsicha, uma salsicha, um motorista no ôni-


bus engessado uma produção exatíssima do verdadeiro, um porco um porco etc. [...] A realidade do imediato em que vivem é um pátio de prisão de muros altíssimos. Dela não se escapa (PEDROSA, 1975, p. 85).

O corpo entre o capital e o fetiche Voltamos à obra de Hamilton para refletir sobre as figuras feminina e masculina, cuja falta de espontaneidade pressupõe uma reprodução de modelos. Se presentes na obra, junto aos objetos de consumo, demonstram que foram acolhidos como tal, na vida social. Baudrillard (1975, p. 212) afirma nosso pensamento ao dizer que Na panóplia do consumo, o mais belo, precioso e resplandecente de todos os objetos é o CORPO. A sua “redescoberta” [...] sob o signo da libertação física e sexual, a sua onipresença [...] na publicidade, na moda e na cultura de massa – o culto higiênico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda — tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substituiu a alma, nesta função moral e ideológica. De acordo com as palavras da cantiga, temos só um corpo e é preciso salvá-lo – eis o que nos recorda incansavelmente a publicidade.


Para Baudrillard (1975, p. 213), O estatuto do corpo é um fato de cultura. Ora, seja em que cultura for o modo de organização da relação ao corpo reflete o modo de organização da relação às coisas e das relações sociais. Na sociedade capitalista o estatuto geral da propriedade privada aplica-se igualmente ao corpo, à pratica social e à representação mental que dele se tem. Na ordem tradicional como, por exemplo, a camponesa, não há investimento narcisista nem percepção espetacular do próprio corpo, mas uma visão instrumental/mágica, induzida pelo processo de trabalho e pela relação à natureza. O que pretendemos mostrar é que as estruturas atuais de produção/consumo induzem no sujeito uma dupla prática, conexa com a representação desunida (mas profundamente solidária) do seu próprio corpo: o corpo como CAPITAL e como FEITIÇO (ou objeto de consumo). Em ambos os casos, é necessário que o corpo, longe de ser negado ou omitido, se invista (tanto no sentido econômico como na acepção psíquica do termo) com toda a determinação.

Denise Bernuzzi Sant’Anna, (Apud SOARES 2001, p.3), reforça a ideia desenvolvida, afirmando que o corpo “é sempre “biocultural”, tanto em seu nível genético, quanto em sua expressão oral e gestual”. Nesta referida sociedade, não poderia ser, portanto, diferente. O corpo passa a ser percebido e tratado na sua materialidade, “como objeto de culto narcisista ou como elemento de tática e de ritual social” (BAUDRILLARD, 1975, p.218). São fetiches, assim como os demais objetos do quadro, que também servem de objetos do desejo, de


modelos, possivelmente associado ao que Baudrillard (1975, p. 219) denomina “Frineísmo e Atletismo”2. As formas ideais do corpo, correspondentes ao styling para os objetos, principalmente no caso da mulher, entram na mesma lógica dos objetos e pode definir-se, conforme diz Baudrillard (1975, p. 220) Como a redução de todos os valores de uso do corpo (energético, gestual e sexual), ao único “valor de permuta” funcional que, na sua abstração, resume por si só a ideia de corpo glorioso e realizado, a ideia do desejo e do prazer – negando-os e esquecendo-os precisamente na sua realidade para se esgotar na permuta de sinais.

Assim, entendemos que o corpo transformado em fetiche, na homologia com outros produtos, reforça o discurso da publicidade, sendo ao mesmo tempo, objeto de consumo e consumidor e como afirma Baudrillard (1975, p. 227) se tornou Um objeto parcial hipostasiado, um duplo privilegiado e investido como tal. Tornou-se, como a alma no seu tempo, o suporte privilegiado da objetivação — o mito diretor da ética do consumo. Percebe-se como o corpo se encontra estritamente vinculado às finalidades da produção enquanto suporte (econômico), como princípio de integração (psicológica) dirigida do indivíduo e à maneira de estratégia (política) de controle social.

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O autor refere-se a Frinéia e Athlos ambos símbolos de perfeição e beleza da antiga Grécia.


Esses laços, em torno do corpo feminino, especificamente, são criticados. Em 1975 o cineasta britânico Bryan Forbes lança As Esposas de Stepford baseado no romance As possuídas, de Ira Levin3, (1972). No filme, as mulheres de aparência impecável, ao exemplo de Frinéia, e comportamento robotizado, têm uma obsessão pelas questões ligadas a casa e ao marido, ao mesmo tempo em que estão alheias às conquistas feministas da época4. Em 2004, demonstrando que o assunto do qual surgiu As esposas de Stepford, continua vigente, surge o remake, de Frank Oz, que embora ainda macabro, vem renovado numa atualíssima comédia. Os anos 1960, portanto, marcaram os indivíduos por modelos de conduta tanto na questão das aparências como dos comportamentos. Esse momento correspondeu à segunda fase do capitalismo de consumo proposta por Lypovetsky, em seu livro A Felicidade paradoxal. A partir dos anos 1980 se inicia a terceira fase, onde se encontra o hiperconsumidor. Pouco a pouco, desvanecem-se os antigos limites de tempo e de espaço que emolduravam o universo do consumo: eis-nos em um cosmo consumista contínuo dessincronizado e hiperindividualista, no qual mais nenhuma categoria de idade escapa às estratégias de segmentação do marketing, mas no qual cada um pode construir à la carte seu emprego do tempo, remodelar sua aparência, moldar suas maneiras de viver.

Ira Levin é americano, escritor e roteirista de teatro e televisão. Disponível em: http://www.pco.org.br/novidades-da-livraria/-as-possuidas--ira-levin/epp,y.html. 4 Postado em: 16 de maio de 2013 - Por: Mayara Maluceli Acesso: http://pipocamoderna.com.br/bryan-forbes-1926-2013/249999. Em 01 de junho de 2013. 3


O corpo nessas novas maneiras de viver encontra-se rodeado de tecnologias. As que nos interessa no momento e que tem implicações impactantes incidindo sobre o corpo são as tecnologias de comunicação como a internet e as tecnologias médicas. A sociedade em rede promoveu, como diz Matesco (2009, p. 41) o “declínio da presença física e sua substituição por um corpo virtual”. Um corpo que parece estar sendo subaproveitado no seu sentido sensorial, mas que exibe nessa mesma rede a sua onipresente imagem. Não precisamos mais do corpo? E se não, qual a necessidade de exibir imagens dele em arranjos tão perfeitos, muitas vezes tendo sido corrigida, renovada, editada, para assim permanecer em circulação? Problematiza-se, portanto, o conceito de real ou irreal, conceito este que se aplica também, nas práticas que acontecem fora das redes, nas mesas de cirurgias estéticas corretivas, nas quais a natureza vem sendo obliterada, em nome dos padrões de corpo que essas mesmas redes consolidam, no discurso repetido de seus usuários. O que se observa, no panorama cultural visível, portanto, é que o despotismo do investimento ao corpo perfeito dos anos 1960 fora deixado como herança e adotado como regra na atualidade. A conduta quanto à aparência e comportamento ainda é seguir padrões. Com as comunicações operando em rede, a consolidação dos padrões tanto circula como se consolida com mais velocidade e eficiência. Diante desse ponto de vista, Costa (2005, p. 77) nos diz: O sujeito contemporâneo padece de um fascínio crônico pelas possibilidades de transformação física anunciada pelas próteses genéticas, químicas, eletrônicas ou mecânicas. O corpo físico, em sua dimensão de esquema, volta a ser julgado como causa real da ferida narcísica, mostrando a compulsão do eu para causar o desejo do outro por si mesmo, mediante a idealização da própria imagem.


O que ocorre é que, assim como os objetos, As imagens corporais ideais, difundidas pela vulgata científica da mídia ou pelos mentores do marketing e da publicidade, têm como premissa a obsolescência programada do corpo. O sujeito, qualquer que tenha sido a sua experiência corporal, deve estar pronto a querer possuir o corpo da moda (COSTA, 2005, p. 83).

Para Sant’Anna (Apud SOARES 2001, p.19) o corpo é tido como “a única posse e como território do exercício da liberdade individual”. Nessa situação, da perspectiva da transformação, ela explica que numa cultura que reconhece as pessoas a partir daquilo que elas possuem e daquilo que elas conseguem acessar, ter um corpo e suas “senhas” de acesso, representa uma riqueza invejável (...). Uma das melhores provas de que “se tem totalmente o corpo que se é” talvez seja exibir uma aparência que coincide completamente com o que se deseja a cada momento. Nesse caso, qualquer distância entre o que se quer do corpo e o que ele é torna-se um grande problema, uma fonte de descontrole e de sofrimento.

Outra hipótese de Sant’Anna (Apud SOARES 2001, p.19/20) é a de que [...] é preciso acrescentar a tendência atual em considerar o corpo como aquilo que é mais próximo da identidade de um ser. [...] Na verdade, numa sociedade em que o corpo se tornou um ente tão importante quanto outrora fora a alma, é pela aparência física, sobretudo, que se comprova aquilo


que cada um quer mostrar de sua subjetividade. E quando o trabalho de modificação da aparência pode apagar a realidade da idade das origens sociais, torna-se difícil resistir às propostas da cosmética e das cirurgias plásticas. Mudar a cor da pele, o tamanho do nariz, o volume dos seios, etc., [...] representa uma promessa de adquirir uma presença no mundo, cada vez mais importante. E quando o corpo é considerado não mais a sede da alma, nem a morada da subjetividade, mas, principalmente, a sua expressão mais autêntica e real, é somente por meio dele que se colocam em evidência as intenções e as forças de cada ser humano.

Quinhentos gramas de silicone no busto, a boca da Angelina Jolie, e uns molares e costelas a menos para afilar o contorno do rosto e do torso. De maquiagens a implantes ou extrações, o corpo vem sendo reconstruído no sistema a la carte, sob as fantasmagorias da mídia, com a total complacência das técnicas cosméticas e cirúrgicas. As ocorrências surgem na dimensão de contágio e chegam a resultados extremos como o da adolescente inglesa Venus Palermo, que tem mais de cinco milhões de seguidores que acompanham seus tutoriais sobre como conseguir, por meio da maquiagem, uma aparência de living doll5. Nos tutoriais, as marcas vão aparecendo em paralelo ao passo a passo do make up. Outro exemplo mais chocante é a Russa Valeria Lukyanova (Figura 2), que tem a aparência da boneca Barbie. Seu corpo revela a convivência complacente do corpo natural com elementos inorgânicos. E fazendo referência a um corpo literalmente recauchutado, renunciando ao corpo natural. 5

Segundo informações do site http://colunas.revistagalileu.globo.com/buzz/tag/ venus-palermo/


Figura 2: Valeria Lukyanova.

Fonte: <http://vk.com/photos4926666#/ photo4926666_303780391?all=1>.

Ao se referir a necessidade dos indivíduos de liberar seus corpos de toda espécie de vínculo travado no passado, seja religioso, moral e também genéticos, Sant’Anna, Denise Bernuzzi (Apud SOARES 2001, p.17) diz que: Evidentemente essa liberação não ocorre rapidamente e nem de modo completo. Mas, é, sobretudo, no decorrer dos últimos cinquenta anos que a tentativa de tornar o corpo de cada um algo independente do patrimônio cultural e genético vem


ganhando um número crescente de adeptos. Reconstruir o próprio corpo com a ajuda dos avanços tecnológicos e científicos — cosméticos, cirurgias, uso de próteses, ginástica, regimes etc — para ganhar mais saúde e juventude não deixa de ser uma promessa fascinante a diversas épocas da civilização, mas foi na atual que ela conseguiu conquistar um espaço inédito na mídia e uma banalização importante no cotidiano, tanto das grandes quanto das pequenas cidades. Tudo se passa como se, em nossos dias, as transformações do corpo estivessem mais na moda do que nunca, enquanto os limites do que é certo e errado, falso e verdadeiro, natural e artificial, tivessem sido completamente relativizados.

Nesse momento o artista parece não querer provocar o espectador como nos anos 1960 como nos fala Millet (1997, p. 16) “foi sacudido entre obras fazendo apelo às suas reações instintivas” para que fossem convocados a sair da alienação na qual o consumo os colocara. Mas, sim, disponibilizando seu próprio corpo, no centro das experiências vividas. Hoje o corpo do artista é a própria matéria prima utilizada para refletir as reformulações a que os corpos deliberadamente se submetem. Como diz Matesco (2009, p.42) “Os artistas têm explorado a capacidade de novas tecnologias para refazer os próprios corpos, que são com frequência, tecnológicos, híbridos, irônicos e abertos à diferença”. O que é confirmado por Millet (2000, p. 101) ao citar Post Human (1992-1993) demonstrando que a tendência da arte eram experimentações com “próteses, a adição de silicone e a hibridação”. Millet (2000, p. 101), reflete sobre o trabalho de Orlan6 6

Artista contemporânea francesa


Com Orlan, as intervenções sobre o corpo já não são pontuais, mas sistemáticas, verdadeiras intervenções de cirurgia estética. Numerosas operações-performances foram necessárias para conformar o rosto da artista com diferentes modelos da história da arte, dar-lhe o queixo da Venus de Boticelli ou a testa da Mona Lisa. Este rosto patchwork é o exato inverso de um dos grandes mitos da arte, o do pintor Zeuxis, que realizou uma Vênus inspirando-se nos traços mais belos de cinco jovens. O real já não fornece modelos à representação, são as representações, as obras do imaginário, que se imprimem no real.

Nessas experimentações a que se submete a artista seu corpo é a matéria prima sendo esculpida, “manufaturada”, por cirurgiões, que fazem às vezes do “artista”. Ao abstrair o próprio “fazer do artista” na obra, a performance ilustra, na contemporaneidade a questão da autoria que Duchamp problematizou no início do século passado. Retirando do artista toda a ação e instrumentos. A obra acontece na esfera da ideia. O momento do corpo em modificação de Orlan é o objeto artístico que ela oferece como arte. E sobre essa forma de arte que ela denomina Carnal Art, ela relata em seu Manifesto of Carnal Art7: Carnal Art é no sentido clássico um autorretrato, mas realizado através das possibilidades da tecnologia. Oscila entre a desfiguração e reconfiguração. As inscrições na carne são características de nosso tempo. O corpo tornou-se um “modificado ready-

7

Manifesto of Carnal Art. Disponível em: http://www.orlan.eu/texts/. Acesso em: 24 de junho de 2013


-made”, não mais visto como o ideal outrora representado8.

Interessante é a forma como a artista designa as intervenções. Como formas de representar hoje um corpo que se modifica, com “inscrições na carne” realizadas com as possibilidades da tecnologia, como sendo o reflexo de um tempo. Tempo este em que, literalmente, cada um pode fazer seus “auto-retratos”. A comparação feita entre o corpo reconfigurado e os ready-mades de Duchamp foi pertinente. Mais na vida do que na arte. É como se cada indivíduo “modificado” pudesse ser autor de seu próprio ready-made montando-o, equipando-o com elementos da indústria farmacêutica, potencializando-o com os recursos tecnológicos disponíveis. Diferente da arte que se realizava nos anos 1960, em que o corpo e a carne requeriam a reação dos indivíduos e era utilizado às maneiras de Barrio (em Trouxas ensanguentadas - 1970) ou Carolee Schneemann (em Meat Jo – 1964), o que Orlan explora e exprime, utilizando seu próprio corpo e carne como matéria em si, não é o resultado das intervenções cirúrgicas. O que interessa é “the process of surgery, the spectacle and discourse of the modified body which has become the place of a public debate”. O corpo para a artista se tornou o lugar do debate público. Como vemos na vida social, o corpo sucumbiu aos apelos das descobertas científicas. Mas, a artista deixa claro que as intervenções a que se submete, a sua forma de comentar o tema, não são auto-mutilações. Ela explica que sua arte, “transforms the body into language, reversing

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Carnal Art is self-portraiture in the classical sense, but realised through the possibility of technology. It swings between defiguration and refiguration. Its inscription in the flesh is a function of our age. The body has become a “modified readymade”, no longer seen as the ideal it once represented; the body is not anymore this ideal ready-made it was satisfaying to sign.


the biblical idea of the word made flesh; the flesh is made word”. Dessa forma, percebemos suas performances são representações de um corpo que fala, que se afirma em novas formas permitidas por “local anaesthetics and multiple analgesics”, em brados veementes “Vive la morphine!”; “A bas la douleur!” Contudo, embora pareça apologia às práticas da vida real, a artista esclarece, ainda no seu manifesto, que Carnal Art não é contra a cirurgia estética, mas contra os padrões que a motivam, particularmente em relação ao corpo da mulher, mas também para o corpo masculino. Carnal Art deve ser feminista é necessário. Carnal Art não está engajada apenas em cirurgia estética, mas também na evolução da medicina e da biologia que questionam o status do corpo diante de problemas éticos9.

A arte de Orlan, portanto, se situa numa plataforma de questionamentos éticos que permeiam o desenvolvimento da medicina e da biologia em torno do corpo, principalmente feminino. Finaliza seu manifesto dizendo que “Carnal Art opposes the conventions that exercise constraint on the human body and the work of art”. Reside então no trabalho da artista uma crítica, não às intervenções, mas aos padrões que fomentam essas práticas invasivas, que mesmo sendo realizadas por vontade própria, partem de modelos restritivos e excludentes. Suas experimentações representam e criticam as motivações que resultam em modelos de corpos patchworks.

9

Carnal Art is not against aesthetic surgery, but against the standards that pervade it, particularly, in relation to the female body, but also to the male body. Carnal Art must be feminist, it is necessary. Carnal Art is not only engages in aesthetic surgery, but also in developments in medicine and biology questioning the status of the body and posing ethical problems.


Exemplo dessas intervenções podem ser vistas na performance Omniprésence realizada em 1993 em ambiente hospitalar e registrada em uma série de fotografias, como a que está apresentada na Figura 18. A segunda boca. O sentido do título encontra reflexo na vida (pela recorrência das práticas) e na arte, pela ubiquidade dos meios tecnológicos de comunicação sem fronteiras que disponibiliza as imagens ao público. O imaginário imprimindo-se no real, no entanto nos lembra a materialidade do corpo sendo dissecado por Dr. Tulp10. Figura 18: Orlan. A segunda boca. Performance Omniprésence, New York. 1993.

Fonte: http://www.prometeogallery.com/orlan/.

Menos transgressora, no entanto, tão desconcertante quanto a obra de Orlan, é a obra de Jenny Seville11 que se expressa em linguagens tradicionais como a pintura e a fotografia e que trazemos aqui para criar um outro ponto de conexão com o assunto abordado pelo estilista. No trabalho da artista, percebemos que o corpo aparece sem10 11

A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. Rembrandt. Óleo sobre tela, 1632. Artista contemporânea Inglesa.


pre despido, parecendo exibir ou compartilhar ora o estranhamento com a própria imagem - pois ali nas figuras sentimos como se houvesse uma personagem, talvez a própria presença da artista expressa na obra — ora o desconforto de sua própria matéria. Em grande parte das obras, essas imagens nos passam sensações de dor e abatimento que, talvez, pelos exacerbados e surrados volumes de carne e gordura pesando sob a pele, parecem transbordar o físico, invadir ou misturar-se a uma desarmonia psíquica e derramar-se de modo tenso e disforme sobre o espectador. Pelo que observamos nas obras, vemos que essa suposta desarmonia está ligada a temas como transexualidade como na obra Passage (2004-2005) e obesidade declarada em Brended, na Figura 20, que fazem parte de uma intimidade da qual não se pode disfarçar. Figura 20: Jenny Saville, Branded. Óleo sobre tela. 1992.

Fonte: <http://elgolemjull.blogspot.com.br/2010/06/su-verdad-es-el-desnudo.html>.

Entretanto observamos que outras de suas obras bisbilhotam corpos em momentos anteriores e posteriores às cirurgias estéticas, como declaram as obras Plan (Figuras 21), que exibe a topologia de


um corpo feminino; a obra Knead (Figura 22) que mostra um rosto amarrotado, ainda com uma sonda, como se houvesse saído de uma cirurgia que sugere explícitas incisões nas pálpebras e o tríptico Strategy (Figura 23), simulando o registro da primeira etapa do apelo publicitário do “antes e depois”, bastante explorado na promoção de produtos e práticas, cosméticas e cirúrgicas, associadas as possibilidades de melhorias da aparência. Figura 21: Jenny Saville. Plan. Óleo sobre tela, 1993.

Fonte: <http://www.saatchigallery.com/aipe/jenny _saville.htm>. Figura 22: Jenny Saville. Knead. Óleo sobre tela, 1994.

Fonte: <http://www.saatchigallery.com/aipe/jenny_saville.htm>.


Figura 23: Jenny Saville. Strategy (South Face/Front Face/North Face). Óleo sobre tela, 1993-94.

Fonte:<http://www.saatchigallery.com/aipe/jenny_saville.htm>.

No texto Su verdade es el desnudo12 Daniel Atienza Lopez diz que as figuras de Seville “están estáticas, carecen de movimiento pero este factor no les quita agresividad, es un realismo que grita en silencio”. Essas imagens grotescas, íntimas, falam de momentos que habitam as questões dos desacordos entre corpo e identidade, tão presentes na contemporaneidade e a reivindicação dos modelos estéticos legitimados pela moda dos quais, o corpo natural torna-se refém. No mesmo texto Lopez nos fala que “La autora inglesa, recuperando la materia prima intelectual, quizás intente recordarnos que, bajo la realidad de las modas, las marcas y los estilos de vida, sólo nos queda eso; la carne”. Vimos que o contexto geral dos anos 1960 em relação aos anos 1980 é diferente, a julgar pelos avanços da ciência e tecnologia.

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Disponível em: <http://elgolemjull.blogspot.com.br/2010/06/su-verdad-es-el-desnudo.html> Acesso em: 20-06-2013.


Se a vida muda suas práticas, a arte reflete da forma como Millet (2000, p.103) aqui nos mostra: Eis uma chave que explica o estado da arte contemporânea e os debates que ela suscita. A modernidade atribuiu-se a missão salvadora de transformar o mundo, ou, pelo menos, quis respeitar uma ética, a de revelar a realidade das obras. O resultado é uma decadência, desde as mais altas esferas da idealização até as contingências do mundo real. Orlan tem o mérito, ao assumir essa queda de forma quase messiânica, isto é, na sua própria pele, de nos fazer ganhar violentamente consciência disso.

Considerações A arte de Orlan e Seville demonstra que a fusão entre arte e vida, instaurada nos anos 1960, ainda reverbera. Orlan e Seville deram voz ao corpo para falar de dor, prazer, próprios do descompasso entre o corpo e o corpo da moda, embora cada um se expresse de formas diferentes: usando a própria carne como em Orlan; voltando ao espaço do quadro como Seville. Acreditamos que, talvez, esses trabalhos agreguem um conceito que se tornou predominante na arte contemporânea: o vazio. Segundo Anne Cauquelin, “o lugar emerge do vazio como aquilo que repentinamente é ocupado por um corpo, mas esse mesmo lugar volta a ser vazio se esse corpo lhe for subtraído” (2008, p. 37). O vazio se impõe na passividade do corpo no momento dessas intervenções. Esse corpo passivo é observado na Segunda boca de Orlan em Omniprésence e em Knead de Seville. Não será a mesma passividade que o cadáver sendo dissecado em Dr. Tulp? Intervenções não representam a morte do corpo, no entanto, denunciam a compla-


cência de um corpo que já não tem desejos que não sejam construídos sobre o imaginário.

Referências BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Artur Mourão. Coimbra: Edições 70, 1975. COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução: Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MATESCO, Viviane. Corpo, imagem e representação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009 MILLET, Catherine. A arte contemporânea. Tradução Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1997 (Coleção Biblioteca Básica de Ciência e Cultura) PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975. (Coleção debates, 106) SOARES, Carmen Lúcia (Org.). Corpo e História. Campinas: Autores Associados, 2001. (Coleção Educação Contemporânea). Site

www.orlan.eu/texts/. Notas de Fim Helena de Azevedo Dieb possui Graduação em Desenho Industrial pela UFPB. Especialização em Artes Visuais: Cultura e Criação pelo SENAC/PB. 1


Mestrado em Artes Visuais pela UFPB/UFPE. É Professora do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Madalena de Fátima Zaccara Pekala possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFPE e Bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Mestrado em História e Civilizações pela Université Toulouse II. Doutorado em História da Arte pela Université Toulouse II. Pós-doutorado pela Escola de Belas Artes da Universidade do Porto. É Professora Associada II da UFPE na Graduação e Pós-Graduação em Artes Visuais.

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HISTÓRIAS E MEMÓRIAS: JOSÉ CLÁUDIO E O ATELIER COLETIVO Sílvia Maria Brandão Teles de Farias1 Madalena de Fátima Zaccara Pekala2

O artista José Cláudio da Silva nasceu em Ipojuca, interior de Pernambuco, em 27 de agosto de 1932, e desde pequeno, na loja do seu pai, costumava utilizar os papéis de embrulho para desenhar o que via: feirantes, cavalos, cães. Ainda no período do ginásio, mudou-se com sua família para o Recife. Aos vinte anos, já na faculdade de Direito, conheceu o artista Abelardo da Hora, artista e líder do grupo que formava o Atelier Coletivo. Em um dos primeiros contatos com a arte, por ocasião da exposição do artista realizada em 1949, José Cláudio descreveu sua impressão: Abelardo entrou com uma temática nova, vigorosa e atual, tratando de gente da terra, problemas do morro, do Sertão. De minha parte, posso dizer que essa exposição me pegou: pela primeira vez constatei que existia arte viva, que havia um esforço brasileiro e se me constituiu numa viagem de vinte séculos a experiência de dar a volta à sala [...] (SILVA, 1982).


Foi no início da década de 1950, mais precisamente entre 1952 e 1957, período de existência do Atelier Coletivo, quando José Cláudio interrompeu o curso de Direito que havia iniciado no Recife, e decidiu participar das atividades com os artistas que formavam o grupo, entre eles: Gilvan Samico, Wellington Virgolino, Wilton de Souza, Guita Charifker. Naquele espaço encontrou possibilidades para desenvolver seu trabalho dando início às suas pesquisas que serviram para a formação e construção da sua obra. O debate entre artistas e intelectuais do Atelier Coletivo pôs em evidência a luta pelo povo oprimido, por seus direitos, necessidades e uma educação por meio da arte. O grupo do atelier aprofundou-se mais sobre essas questões, trazidas pelo artista Abelardo, que por sua vez estava vinculado às propostas desenvolvidas pelo sociólogo Gilberto Freyre1 com o Regionalismo2 e que se refletiram, individual e coletivamente, em suas obras. 1

2

Gilberto de Mello Freyre, (Recife, 15 de março de 1900 — Recife, 18 de julho de 1987) Considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX, bacharel em Ciências Políticas e Letras, jornalista, e como escritor, dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, antropologia e história. Também foi autor de ficção, poeta e pintor. Em 1918 inicia sua coloboração com o Diário de Pernambuco. Retorna ao Recife em 1924 funda o Centro Regionalista do Nordeste. Termo surgido no Congresso Regionalista realizado em 1926. O Movimento Regionalista foi deflagrado no Recife com o sociólogo Gilberto Freyre. A intenção era exaltar as singularidades regionais, valorizar a riqueza das tradições legadas pelas culturas luso-ibérica, ameríndia e africana no Brasil. Influenciou diversos artistas, como Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Lula Cardoso Aires e Cícero Dias, entre outros, grandes nomes da literatura e da arte brasileira (AZEVEDO,1996). O Regionalismo é uma das faces do Modernismo em Pernambuco. Surgiu como um novo movimento em 1926 e pregava a restauração de valores regionais e tradicionais. O Movimento Regionalista foi concebido no período em que ocorria a Semana de 1922. Liderado pelo sociólogo Gilberto Freyre, que enviava seus artigos dos Estados Unidos, publicados no Diário de Pernambuco, o Movimento buscava preservar a peculiaridade da cultura brasileira mediante o resgate das tradições nordestinas.


De acordo com estas propostas, José Cláudio desde o momento em que entrou no Atelier Coletivo, buscou no seu “fazer individual” o reflexo da experiência coletiva. Observou e experimentou entre erros e acertos, segundo a sua percepção, diante do que se apresentava nas oportunidades ou ocasiões que surgiram. Alguns dos seus amigos relembram o quanto ele era curioso e determinado. Eles reconhecem que essas eram suas características, levando-o a outros desafios em busca de novas experiências (Figura 1). Figura 1 – O artista José Cláudio no atelier.

Fonte: Foto de Luiz Antônio Araújo. Acervo do Museu do Estado de Pernambuco, 1987.

José Cláudio3 comentou que era preciso: “[...] conhecer grandes pintores brasileiros e de fora, ter uma visão daqui mais abrangente [...]”. 3

Entrevista com o artista, em 29 de fevereiro de 2012.


Enquanto esteve no espaço do atelier, a sua presença foi marcante como lembra o amigo, o artista Gilvan Samico4, em uma entrevista, em janeiro de 2013, mesmo que “[...] a participação de José Cláudio tenha sido sazonal [...]”, referindo-se aos momentos nos quais José Cláudio esteve fora muitas vezes, em função de suas viagens. Esteve na Bahia por um período, trabalhou com outros artistas e lá ouviu falar da II Bienal do Museu de Arte Moderna, realizada por Francisco Matarazzo Sobrinho, em São Paulo, e decidiu passar alguns dias conhecendo as obras pelos Pavilhões das Nações e dos Estados, a fim de fortalecer e consolidar as suas experiências e descobertas até então vivenciadas. Em maio de 1954, participou da primeira e única exposição do Atelier Coletivo, realizada no Sindicato dos Comerciários, em Recife. Em setembro do mesmo ano, participou do Salão do Museu do Estado – 13º Salão de Pintura, juntamente com os outros artistas do atelier, expondo uma de suas pinturas daquele momento, a obra intitulada Crime, obtendo o Prêmio de Menção Honrosa. Em 1955, José Cláudio produziu vários desenhos em nanquim e bico de pena. Trabalhou também para o Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, onde fez algumas ilustrações (Figura 2).

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Entrevista com o artista, em 15 de janeiro de 2013.


Figura 2 – Sem título.

Fonte: José Cláudio da Silva, São Paulo, 1955. (nanquim sobre papel, 35,4 x 31,2) Doação – O Estado de S. Paulo. Acervo MAM – SP.

Para ele esse trabalho apresenta: “Influências de uma exposição de Aloísio Magalhães, no Museu de Arte Moderna, na Rua 7 de Abril, intitulada ‘A aventura da linha’.” 5 No ano seguinte, em 1956, participou do Salão Paulista de Arte Moderna, onde fez a sua 1ª Mostra Individual de Desenhos, no Clube dos Amigos dos Artistas (Clubinho), em São Paulo. Em 1957 foi selecionado para participar da IV Bienal de São Paulo, expondo alguns dos seus desenhos e que lhe conferiram alguns prêmios. A visibilidade de José Cláudio como artista e de sua obra, tornou-se cada vez mais evidente por meio também dos jornais, entre eles, o Jornal do Comércio e o Diário de Notícias do Rio de Janeiro, o Correio Paulista, o Jornal do Brasil, também, o Jornal do Commercio e Folha da Manhã, ambos de Pernambuco, entre outros. O Correio Paulista, de 08 de outubro de 1957, publicou um artigo intitulado, “JOSÉ CLÁUDIO: RECIFE, SÃO PAULO, MINAS, 5

Entrevista com o artista, em 4 de fevereiro de 2013.


PRÊMIO NA IV BIENAL; ROMA”, apresentando-o como artista que ganhou uma bolsa de estudo da Fundação Rotelini, para o curso de Modelo Vivo e História da Arte, na Scuola Lìbera dell’nudo ed Storia dell’Art, na Itália, onde permaneceu por um ano. No entanto, pintura sempre foi a sua preferência, mas passeou, em diversos momentos, por outras expressões, como desenho, gravura e escultura, em dimensões variadas, as quais enriqueceram o seu percurso e o ajudaram a identificar suas características. José Cláudio produziu diversas séries de desenhos e pinturas. Rabiscos e pinceladas fizeram parte da sua temática, própria de um trabalho diversificado. Durante vários momentos se permitiu experimentar e trabalhar conceitos, que por vezes foram contraditórios à sua formação inicial. Com essa característica moderna: A série moderna renuncia a narração e desloca seu foco sobre as problemáticas formais. Ela liga-se à teorização da obra inacabada, à valorização do esboço como sinal do processo de produção, ao questionamento da unicidade da obra. [...] A série favorece a experimentação, a investigação. [...] A questão pictórica, portanto, predomina sobre a questão temática nas primeiras séries modernas (CATTANI apud OLIVEIRA, 1998, p.195).

Foi assim com a produção de suas séries. Seus estudos se focaram nas questões formais. Uma experiência desse momento foi o “exercício de recriação” termo que ele utilizou para alguns estudos que fez a partir da obra O descanso da modelo, do pintor e desenhista do século XIX, Almeida Júnior. Nesse estudo ele utilizou traçados e manchas, que exprimem a ação intencional e a emoção expressionista (Figura 3).


Figura 3 – O descanso da Modelo, José Cláudio, 1982.

Fonte: José Cláudio da Silva, 2009.

Entre as décadas de 1960, 1970 e 1980, José Cláudio continuou suas pesquisas, participou de exposições coletivas, individuais e Bienais em São Paulo. Dedicou-se à escultura e xilogravura, além de desenvolver sua sensibilidade para a escrita. Lançou livros que correspondem aos registros e anotações referentes às suas pesquisas. Livros com reflexões que acompanharam a sua produção plástica, inquietações e descobertas do mundo que estava conhecendo. O livro Memórias do Atelier Coletivo, por exemplo, é de grande importância para a história das Artes de Pernambuco. É um trabalho onde ele apresenta um registro dos artistas pernambucanos que passaram pelo atelier, suas vivências e discussões. Os documentos e depoimentos dos artistas envolvidos no grupo revelam o projeto caracterizado pelo desejo de aprender, conhecer, ter intimidades com a arte e com o fazer artístico. Com essa necessidade inquieta, José Cláudio percorreu o seu caminho, trazendo em sua obra traços de reflexões, pensamentos e


características decorrentes de sua própria história, como podemos observar neste seu trabalho (Figura 4). Figura 4 - Duas Camponesas de Azul, José Cláudio, 1953.

Fonte: José Cláudio da Silva, Recife, 1953. (Óleo sobre Tela, 1 m x 60 cm) Acervo próprio.

A obra Duas Camponesas de Azul, que se encontra como a segunda produção em ordem cronológica, como afirma José Cláudio, foi produzida antes de sua ida à Bahia. Como os artistas do atelier não dispunham de muito material, muitas vezes utilizavam as mesmas telas em função de seus “exercícios” e experimentos que eram frequentes. Como afirma ele: “[...] uma tela era utilizada várias vezes, uma pintura por cima de outra [...]”6. 6

Entrevista com o artista, em 7 de janeiro de 2013.


Sua obra apresenta uma mistura de estilos e tendências. Sua produção proporciona um diálogo entre as tendências artísticas surgidas no início do século XX, próprias da modernidade europeia com as questões relativas ao contexto local. Dessa maneira, suas investigações e sua insistente necessidade de saber mais o levaram a uma dinâmica própria. Memórias de um atelier Artistas movidos pelos mesmos interesses formaram os grupos de arte. O objetivo maior era o desejo de troca, de novas experiências e de produção de arte. No entanto, as relações estavam ligadas ao contexto sociopolítico e ideológico. Os debates focavam na reconstrução de valores característicos do povo, o reconhecimento e a ascensão da cultura local. Isso fora discutido e proposto a partir da pesquisa que o sociólogo Gilberto Freyre vinha desenvolvendo desde a década de 1920, com reflexões relativas à exaltação, a um regionalismo, numa tentativa de estabelecer diálogo com uma tradição. O homem como ser social e seu contexto foi, portanto, tema principal dos artistas em meados dos anos 40 até meados dos anos 50. No dia 5 de fevereiro de 1952 foi fundado o Atelier Coletivo da Sociedade Moderna de Arte do Recife (SAMR). Um espaço que reuniu os artistas interessados em experimentar e discutir arte. O Atelier Coletivo iniciou suas atividades na Rua da Soledade, nº 57 concluindo suas atividades em 1957. Segundo Abelardo da Hora (1977 apud SILVA, 1982, p.34): [...] nesse Atelier Coletivo dirigi os cursos de Artes Plásticas, responsável pela formação de grande parte da atual geração de artistas plásticos. O Ate-


lier Coletivo era uma oficina viva que fundamos na Rua da Soledade nº 57, na qual eu funcionava como mestre e seu Diretor. Ministrava a todo o pessoal exercícios de desenho de pose rápida, provocando uma espécie de discussão, em que a turma respondia com um desenho pessoal, se habilitava a anotar qualquer coisa que quisessem e imprimiam nos desenhos as características de suas aptidões – se para a pintura ou escultura ou gravura ou desenho propriamente .

A dinâmica do grupo era de coletividade. Eles dividiam o mesmo espaço no qual se transitava livremente. Alguns dos artistas que tinham atividades e trabalhos paralelos, em geral não relacionados à arte, frequentavam o atelier à noite e se reuniam para discutir sobre o trabalho realizado pelos outros artistas que haviam passado por lá durante o dia. José Cláudio lembra também que (1982, p.8): “Não havia regulamento nem disciplina imposta, mas quem tinha ido para ali era porque queria fazer alguma coisa. Eu posso falar porque peguei do Atelier a fase heroica e guardei aquele flagrante”. Figura 5 – Gilvan Samico, José Cláudio, Abelardo da Hora e Ionaldo Cavalcanti nos canaviais em Ipojuca.

Fonte: Silva, 1982.


Com os exercícios de desenho propostos por Abelardo, os artistas foram sendo formados. Realizaram viagens em busca de conhecer outras paisagens, expandir seus olhares em outros ambientes que pudessem servir como espaços para novas práticas de desenhos de observação, como podemos observar na imagem da época (Figura 5). O espírito de grupo era fomentado pela ânsia de aprender juntos. Poucos deles tinham passado pela Escola de Belas Artes. Muitos haviam deixado outros cursos e decidiram se dedicar ao campo da arte de forma autodidata. Sobre isso, acrescenta Durand (1989, p. 102) que: O aprendizado autodidata ou em ateliês coletivos, o ganho da vida por meio de ocupações extra-artísticas, ou nas artes ‘aplicadas’, o futuro incerto até que grandes iniciativas implantassem de vez a arte ‘moderna’ sobre o gosto conservador são traços de carreira de boa parte dos pintores e escultores [...].

As relações que se estabeleceram entre os artistas, por meio de troca suscitaram questionamentos e trouxeram resoluções para os problemas ou dificuldades com as quais deparavam. Sobre isso, o historiador Michael Baxandall (2006) assinala que, essa dinâmica envolve a aprovação das pessoas e o crescimento intelectual. Os artistas do atelier não tinham em mente vender nem comprar, mas aprender era o maior desejo comum entre eles. O Atelier Coletivo tendo desenvolvido suas atividades por cinco anos como laboratório de formação de artistas, foi de significativa importância para a cultura local. O grupo de artistas que o constituía buscava tratar em suas obras, questões ligadas à identidade do povo, manifestações culturais com características latino-americanas, procurando desenvolver seus trabalhos críticos como instrumentos que expressassem um reconhecimento da cultura popular. Valoriza-se uma arte mais figurativa com temas populares, exaltando figuras do povo.


Talvez a politização de Pernambuco tenha sido responsável por essa iconografia presente na maioria dos membros do atelier. Mesmo não dispondo de material de estudo como livros sobre artistas, os membros do atelier já tinham algum conhecimento. Alguns conheciam um pouco da obra impressionista de Edgar Degas, da obra fauvista de André Derain, da obra expressionista de Amadeo Modigliani. Entretanto, Silva (1982) diz que, num dado momento, o grupo parecia estar dividido em dois mundos: de um lado, a presença da obra do mexicano Diego Rivera; de outro, uns poucos filiados à Escola de Paris. De maneira que havia um descompasso entre o eixo hegemônico Rio/São Paulo e Recife. José Cláudio acrescenta que: [...] para Abelardo houve apenas coincidência entre os seus próprios ideais e dos muralistas mexicanos, mas para mim e outros creio que a história começou mesmo com o livro de Rivera, naturalmente incrementado pelo entusiasmo de Abelardo. Mesmo os mais próximos da tendência francesa, interessados em formalismo, não ousavam pintar outro assunto que não fossem figuras do povo [...] (1982, p.21).

O interesse por uma arte baseada na temática do homem do povo envolvia não apenas as manifestações culturais. Estavam também relacionadas às diversas atividades do cotidiano como espaços de feiras, trabalhos do campo, xangôs, vaqueiros, ambulantes, estivadores, crianças pobres, festas populares, como figuras de maracatu, caboclinho, passistas de frevo. Esse era o foco dos artistas. Essas discussões permearam os ideais de intelectuais e artistas que decidiam enfatizar uma revalorização das preocupações sociais. O artista Wellington Virgolino, relembrando o seu período de vivência no Atelier Coletivo comenta que:


[...] a problemática social nos chegou antes por influência mexicana que por Portinari quem, aliás, naquela época, andava brigando com o Partido e nós aqui não conhecíamos nada de Portinari, nunca víramos coisas suas. Em compensação chegara-nos às mãos, nem sei através de quem, um livro sobre Rivera, que muitos nos impressionou [...](SILVA, 1982).

Notícias referentes aos cincos anos de existência da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) e sobre o Atelier Coletivo, ambos fundados por Abelardo da Hora7, foram destaques nos principais jornais da época. Uma retrospectiva sobre o cotidiano do grupo como centro principal de artistas plásticos de Pernambuco, a repercussão dos trabalhos que eles desenvolveram com um “sentido puramente popular”8 e com uma temática que procurou: “[...] fazer arte para o povo, principal e preferencialmente baseada em motivos de nosso riquíssimo folclore”9. Os artistas do atelier também foram citados como “loucos”: “[...] as ‘deformações’ e os ‘monstrengos’ que tanto mal causam aos espíritos mais conservadores”, “[...] se entregam de corpo e alma à pintura dos contornos extravagantes”, comparando-os com artistas aristocratas. Em “Os Loucos da SAMR”, o artigo refere-se a: “[...] Homens

Artigo intitulado: “SOCIEDADE DE ARTE MODERNA”, sem informações sobre dia, mês e ano. 8 No Diário da Noite, de 1953, mês não identificado, com artigo intitulado: “Sociedade de Arte Moderna do Recife: Onde os Artistas e as Artes se Unem”. 9 Diário da Noite, de 10/09/1953, artigo intitulado: “Muito trabalho e entusiasmo no ATELIER COLETIVO DE ARTE”, com subtítulo: “Lutando com dificuldades de toda espécie, uma porção de rapazes trabalha em busca da verdadeira expressão de Arte – o atelier mais original do Recife”. 7


que talvez estejam escrevendo com linhas tortas a história certa da pintura dos nossos dias”10. Os artistas do Atelier Coletivo, movidos pelo desejo de aprender, focaram suas ideias e pensamentos e imprimiram em seus trabalhos o resultado de um sentido de coletividade, sem esquecer que o individual era reflexo do todo e tão importante quanto. As ideias trazidas, repensadas e discutidas formaram as características do grupo que segundo o artista Wilton de Sousa: “[...] onde transmitiam, vivamente, a pureza de suas linhas, cores e conteúdo, onde a vida brasileira se fingia a pernambucana”. Para ele o período vivido no atelier foi: [...] nossa melhor forma de vida, procurávamos através de estudos e pesquisas atender à nossa vontade; realizar uma arte sem subterfúgios, longe de quaisquer “ismos”, dentro de um rótulo, onde mostrasse a nossa forma humilde de ser, de viver entre os povos e suas raízes e influências. Aprendi a viver tendo o povo como melhor forma de inspiração.11

O livro sobre o Atelier Coletivo, do artista José Cláudio, apresenta relevantes relatos de alguns dos artistas que frequentaram o espaço. Percebemos o quanto a existência deste ambiente foi significativa para eles. Suas recordações, boas, marcantes ou frágeis, exprimem um grande reconhecimento pelos ensinamentos e trocas estabelecidas em função da necessidade de aprimoramento e da dedicação às artes. A história de José Cláudio, como artista, se entrelaça com a existência do atelier e do grupo dos artistas que com eles também se tornou rica, com um desenvolvimento de relação recíproca. 10 11

Jornal, Correio do Povo, de 05/08/1954. Entrevista com o artista, em 12 de janeiro de 2013.


A experiência consolidou o espaço conquistado pela arte moderna no cenário local e formou uma nova geração integrada de artistas, que deixou marcas e características de uma produção que refletiu conquistas e descobertas. Esse momento foi de grande importância para a história dos artistas recifenses, particularmente, para Pernambuco e consequentemente para a historiografia da Arte. Referências AZEVEDO, Neroaldo Pontes. Modernismo e Regionalismo: Os Anos 20 em Pernambuco. 2ª Ed. João Pessoa/Recife: UFPB/UFPE, Editora Universitária, 1996. BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. DURAND, José Carlos. Arte, Privilégio e Distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855/1985. São Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. OLIVEIRA, Ana Cláudia Mei Alves de; BRITO, Yvana Carla Fechini de. Semiótica da Arte: teorizações, análises e ensino. São Paulo: Hacker Editores,1998. SILVA, José Cláudio da. Memória do Atelier Coletivo. Recife 1952-1987. Recife: Artespaço: 1982. Acervo: Arquivo Público do Recife Jordão Emerenciano. Diário de Pernambuco PERNAMBUCO. Correio do Povo, 5 de agosto de 1954. PERNAMBUCO. Diário da Noite, 10 de setembro de 1953. PERNAMBUCO. Diário da Noite, 1953. (dia e mês não identificados). Acervo: Arquivo Bienal e MAM SÃO PAULO. Correio Paulista, 8 de outubro de 1957.


Notas de Fim Sílvia Maria Brandão Teles de Farias possui Graduação em Licenciatura em Desenho e Especialização em Ensino de Artes, ambas pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestrado em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais — UFPB/UFPE. Atuou como Professora de Artes na Rede de Ensino Municipal, Particular, Estadual e em ONGs nas cidades de Recife e Olinda/PE. Endereço para acessar este CV: http:// lattes.cnpq.br/5344747459736550. 1

Madalena de Fátima Zaccara Pekala possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco, bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Mestrado em História e Civilizações — Université Toulouse II e Doutorado em História da Arte pela Université Toulouse II. Pós-doutorado pela Escola de Belas Artes da Universidade do Porto. É Professora Associada II da Graduação e Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/1876676115790550.

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IMAGENS DA ARTE EM SALA DE AULA: A ABORDAGEM TRIANGULAR COMO ALICERCE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE UMA PROFESSORA DE ARTE DE SUMÉ / PB1 Líbna Naftali Lucena Ferreira1 Maria Betânia e Silva2

Introdução Esse texto é um recorte da pesquisa de Mestrado em Ensino das Artes Visuais desenvolvida no ano de 2011/2012 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor José Gonçalves de Queiroz, o Colégio Estadual, como é mais conhecido pela comunidade. Escolhemos a Escola por sua tradição e significante importância no decorrer da história educacional e cultural da cidade de Sumé/ PB. Ela também é considerada a maior em espaço físico da Região do Cariri Ocidental Paraibano2. No ano de 2011, a escola teve 1.299 alunos matriculados, sendo 706 alunos no Ensino Fundamental II, 453 alunos no Ensino Médio e 120 alunos no Programa de Educação de Jovens e Adultos 1

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Sumé é uma cidade do interior do Estado da Paraíba, com uma população estimada em 16.060 habitantes (BRASIL, 2010). Localizada na microrregião do Cariri Ocidental no sul da Paraíba a 264 km da capital, João Pessoa. A região do Cariri Paraibano divide-se em Oriental, composta por 13 municípios e Ocidental por 17 municípios. A região do Cariri Ocidental também é conhecida por Cariris Velhos, por ter sido povoada pelos Índios Cariris e Sucurú.


(P.E.J.A.). Nessa escola observamos a prática pedagógica da professora de arte, Alice3, com formação em Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas e uma turma de 9º ano que funciona no período vespertino, a turma C, com 30 alunos que reside na zona urbana, e possui uma faixa etária entre 14 e 15 anos de idade. Essa turma tem em seu currículo o ensino de arte, com duas aulas semanais de quarenta e cinco minutos de duração cada aula, sendo uma aula na segunda-feira e a outra na quarta-feira em horários intermediários. A escolha em desenvolver a investigação em uma turma de 9º ano se deu por compreender que o último ano do nível de Ensino Fundamental é uma etapa importante e fundamental na trajetória de adolescentes que estão concluindo uma fase da vida em busca da construção pessoal e cognitiva. Ponderando que os adolescentes são sujeitos ávidos pelo novo e, com frequência, disponíveis para novas descobertas. A pesquisa contou com observações in loco, aplicação de um questionário e uma entrevista com a professora Alice, também entrevistamos quatro alunas da turma e coletamos imagens veiculadas pela professora em sala de aula e diversas imagens produzidas pelos alunos(as); consultamos o plano de curso elaborado pela professora e os registros de suas aulas. Abordagem Triangular: novos paradigmas para o ensino de arte Na década de 1990 o ensino de arte passou por um processo de reformatação e transformação. Estavam surgindo novas discussões e paradigmas para o ensino de arte. Teóricos e defensores de uma educação através da arte buscavam a melhoria da qualidade do ensino de arte, enfatizando as questões relativas à presença ou não 3

O nome da professora pesquisada é fictício para preservar sua identidade.


da imagem na sala de aula. Questionamentos surgiram a respeito da prática educativa que vinha sendo desenvolvida baseada em distintas interpretações da proposta da livre expressão. Segundo Rossi (2003) foi nesta década que aconteceu a solidificação de um novo paradigma no ensino da arte, que adotou a formação estética como um objetivo primordial, ou seja, as novas abordagens para um ensino de arte questionavam os objetivos do passado: o desenvolvimento da criatividade, a percepção visual e a coordenação motora, além dos métodos adotados na qual priorizavam a produção desvinculada de qualquer análise e reflexão. Foi uma década na qual estavam surgindo estudos e publicações sobre o ensino da arte, tendo a imagem como campo de ensino/aprendizagem por meio da leitura e interpretação. Portanto, os novos paradigmas propõem abordagens de ensino baseadas no fazer, ver e compreender a arte, expressão e conhecimento. Enfatizam os conhecimentos específicos das linguagens artísticas e o resgate dos conteúdos próprios da arte. A professora, pesquisadora e escritora Ana Mae Barbosa, pioneira e desencadeadora de pesquisas sobre arte/educação no Brasil, desenvolveu a Abordagem Triangular, divulgada em seu livro A Imagem no Ensino da Arte, 1991. A Abordagem Triangular foi originalmente denominada Metodologia Triangular e posteriormente revisada para Abordagem ou Proposta Triangular pela sua própria sistematizadora, no final dos anos de 1980. Esta foi considerada a primeira iniciativa mais sistemática que aborda a importância da imagem no ensino de arte, além de difundir arte como área de conhecimento, cognição. Esta abordagem foi sistematizada no período de 1987 a 1993 no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP) e surgiu da necessidade de uma prática de ensino pós-moderno de arte, tornando-se um marco das repercussões e discussões das teorias pós-modernas sobre arte e ensino da arte no Brasil.


A imagem vem assumindo um papel essencial no ensino contemporâneo, ela retorna para ocupar lugar central nas aulas de arte. O ensino de arte contemporâneo caracteriza-se pela entrada da imagem na sala de aula na busca de compreendê-la e interpretá-la criticamente. A difusão da Abordagem Triangular propõe a articulação entre o ver, o interpretar e fazer, ampliando possibilidades de compreensão e reflexão sobre a arte. Mas, será que na escola que investigamos a utilização da imagem visa o desenvolvimento de sua compreensão e interpretação consciente dentro e fora da sala de aula? Será que a professora da escola investigada conduz seus alunos ao ver, interpretar e produzir imagens? Imagens da Arte: a prática pedagógica de uma professora de arte Sumeense4 Na pesquisa analisamos e relacionamos as falas da professora pesquisada com os fazeres, as imagens abordadas, a metodologia e os recursos utilizados. A análise desenvolvida integra posicionamentos da professora tanto durante a entrevista individual quanto no questionário, nas observações in loco, imagens e documentos coletados. Inicialmente identificamos que imagens a professora aborda e explora em suas aulas. A professora Alice mencionou na entrevista que escolhe as imagens de acordo com o conteúdo e temática que será ministrado, ou seja, as imagens que tem relação ou fazem parte daquele determinado conteúdo ou assunto que será veiculado em sala. A leitura de imagem trabalhada este ano (2011) com eles foi dentro da questão dos artistas brasi-

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Pessoa que nasceu no município de Sumé/PB, adota-se o gentílico Sumeense.


leiros. (...) Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Di Cavalcanti. Foram estas imagens que foram trabalhadas. (...) Se eu estou trabalhando a semana de arte moderna, semana 22, eu vou escolher as obras (Professora Alice)5.

Além disso, a professora considera imagens de reproduções de obras, de artistas consagrados na História da Arte com temáticas relacionadas com o contexto local, ou seja, aquelas que se aproximam do contexto e vivência do aluno, buscando pontos de discussão e reflexão da imagem a partir do cotidiano do aluno. De Portinari foi trabalhado Retirantes6 que achei interessante, que tem uma proposta bem voltada pra o que a gente vive na realidade aqui. Questão da seca, questão da fome (Professora Alice).

A imagem a seguir foi a obra escolhida de Portinari pela professora para um estudo mais profundo com os alunos abordando a leitura e releitura da imagem.

Entrevista realizada em 28 de novembro de 2011. Usaremos itálico para as falas da professora. 6 Cândido Portinari. Retirantes. Óleo sobre tela. 1949. 5


Figura 1: Retirantes. Cândido Portinari, 1949.

Fonte: artefontedeconhecimento.blogspot.com. br/2010/11/os-retirantes-candido-portinari. html.

A professora ao escolher a obra Retirantes de 1944 (figura 01) para um estudo mais profundo, desenvolveu na turma uma leitura e interpretação da obra por escrito e em sequência a releitura desta por meio de papel sulfite e lápis de cores. Podemos observar, em seguida, algumas das imagens produzidas pelos alunos tomando como ponto de partida a obra de Portinari visualizada e discutida em sala.


Figura 2: Releituras da obra Retirantes de Portinari produzida pelos alunos.

Fonte: arquivo da professora.

As imagens apresentam um leque de significados. Diante destas identificamos que nas interpretações dos alunos existe a presença da família, assim como na obra de Portinari, que migra da zona rural para a cidade. Porém, percebemos a influência contemporânea cultural nos desenhos: a família pequena com apenas um ou dois filhos, o estilo das vestimentas, roupas, calçados, cabelo, acessórios pertencen-


tes ao mundo contemporâneo e ao cotidiano dos estudantes como malas de rodinha, skate, o meio de transporte ônibus e automóveis. Percebemos que as interpretações e significados estão diretamente conectados às referências trazidas pelos estudantes. Conforme Gardner (apud ROSSI, 2003, p. 21) “os estudos contemporâneos vêm centrando-se na importância do contexto: a cultura em que a pessoa vive, os valores da família, tipos de escolarização, ambientes, objetos, etc”. O fazer como síntese. Tal fazer é normalmente relacionado ao trabalho artístico, entretanto, ele pode ser também relacionado à atividade crítica na qual fazemos interpretações. Deve-se notar que, depois de qualquer um desses fazeres — artístico e crítico — passamos a ver diferente, a contextualizar diferente, fazendo novas e diferentes sínteses, gerando, assim, um processo contínuo de aprendizagem (MOREIRA, 2011, p. 81).

A professora ainda pondera e respeita os interesses que os alunos despertam por determinadas imagens. Diante disto, percebemos a importância em considerar os conhecimentos prévios trazidos pelos alunos, suas experiências e contato com reproduções de obras de arte difundidas por meio da mídia e do cotidiano local e escolar. (...) veja só! De Tarsila do Amaral eu tinha escolhido aquela obra que tem a favela7, quando eu levei para sala de aula, achei tão interessante, quando eles (Alunos): “ôh professora! não pode ser Abaporu8 não? Ou então aquela imagem (Sol Poente9)”. Tarsila do Amaral. Morro da Favela. 1924. Óleo sobre tela. Tarsila do Amaral. Abaporu. 1928. Óleo sobre tela. 9 Tarsila do Amaral. Sol Poente. 1929. Óleo sobre tela 7 8


Por conta daquele trabalho lá no centro de saúde (da cidade) que tem o Abaporu (Mural de Mosaico reproduzindo a obra Abaporu e Sol Poente em locais diferentes na cidade) “não pode ser aquilo não?” Aí ficaram insistindo e eu fiquei. Aí assim, (...) já que eles estão sugerindo e querem trabalhar Abaporu, porque alguns tinham imagens (...) no livro de história, de português. Aí, eu voltei atrás e fiz em cima de Abaporu (...). A gente mostra as obras e aí eles têm a oportunidade de visualizar, com certeza vai haver uma escolha ali, né? Uma seleção queira ou não. Queira ou não eles fazem comentários. Não sei se foi pelo fato de Abaporu ser uma figura conhecida (Professora Alice).

A imagem a seguir foi a obra de Tarsila do Amaral escolhida pela professora para um estudo, uma análise e releitura, sendo substituída por Abaporu a pedido da aluna.


Figura 3: Morro da favela. Tarsila do Amaral, 1924.

Fonte: http://www.mestresdapintura.com.br

As imagens abaixo são as obras elaboradas por meio da técnica do mosaico em espaços públicos da cidade de Sumé, a partir de Tarsila do Amaral, na qual os alunos referem-se no depoimento. Figura 4: Reprodução da obra Abaporu por meio da técnica do mosaico (Sumé).

Fonte: Arquivo pessoal.


Figura 5: Reprodução da obra Sol Poente por meio da técnica do Mosaico (Sumé).

Fonte: Arquivo pessoal

A professora elucida ainda sobre a possibilidade de mudança do seu plano de aula previsto, levando em consideração e respeitando a solicitação dos alunos por determinados assuntos, conteúdos e imagens. Assim, instiga os alunos pela área tornando-a mais prazerosa e interessante para eles. Desta forma, busca promover um ensino de arte significativo para o aluno. É porque assim, neste caso, (...) eu tinha uma proposta para uma imagem, né? Mas aí levando a imagem, eles jogaram outra ideia. (...) como eles sugeriram Abaporu, em cima de uma reprodução que tem lá (na cidade) e eles sabiam e alguns não. “Oh, tem lá no centro”, (...) Aí, eles acharam interessante. Alguns que não conheciam foram lá ver e também lá no antigo fórum tem um trabalho com mosaico. Aí eu disse: não, se eles tão sugerindo é interessante que vá por aí, até porque é um despertar, né?


(...) Teve uma aluna até que disse: “eu quero — insistiu — eu quero trabalhar com este, desde pequena eu vejo esta figura”. Disse até assim. (...) usou estes termos: “desde pequena eu vejo esta figura e eu quero trabalhar com este porque eu tenho uma ideia em cima disto”. Até porque, esta turma de 9º ano que você acompanhou, eles já tinham passado né, pela releitura inclusive dos retirantes aí já tem uma ideia (Professora Alice).

Diante desta solicitação dos alunos a professora modificou o seu plano de ensino abordando a obra Abaporu, onde houve a leitura, análise, reflexão e interpretação da obra, seguida da contextualização sobre a artista Tarsila do Amaral e por fim a produção, o fazer artístico se concretizando na releitura da obra com a seguinte proposta: como gostaria que fosse o seu Abaporu? Os materiais utilizados na produção foram tinta guache, colagem, lápis de cor e hidrocor sobre papel sulfite. Figura 6: Releituras da obra Abaporu.


Fonte: arquivo da professora.

As releituras dos alunos apresentam um leque em detalhes, criatividade, diversidade de significados, ideias e reflexĂľes. Segundo Buoro (2003, p. 33), “ao expressar-se por meio da arte, o aluno manifesta seus desejos, expressa seus sentimentos, expĂľe, enfim, sua


personalidade”. Neste sentido, verificamos nas produções a presença forte da diversidade cultural e social, além da presença de contextos conhecidos do nosso País, como é o caso do Rio de Janeiro, onde o aluno em sua produção destaca locais característicos da cidade e a paixão pelo futebol. A presença da cultura hip hop com elementos que a identificam, o skate, o tênis basqueteira, as roupas largas. As produções dos alunos apresentam um país de todas as cores, raças, culturas, festas, enfim, uma riqueza e diversidade. Em outro momento da sua prática pedagógica, ela se reporta a outro acontecimento semelhante que a instigou a mudar o seu planejamento devido a uma solicitação de um aluno sobre um determinado artista. Vejamos o depoimento. (...) foi proposto nesta turma de 9º C, e se não me engano nas turmas de 1º ano, trabalhar vida e obra de Mestre Vitalino porque foi assim: não tava previsto este conteúdo, mas aí tinha um aluno que insistiu muito em Mestre Vitalino. Toda aula (enfatiza) que eu chegava com uma proposta esse menino falava em Mestre Vitalino. Aí eu disse: “não peraí”. Eu parei e disse: “Peraí é um momento, isto não acontece por acaso, se ele quer tanto, tá falando, se provoca uma discussão”. Eu dando outro assunto e ele provocando esta discussão então é o momento (Professora Alice).

Diante disto, constatamos que a professora também aborda artistas populares e regionais em sua prática, almejando enriquecer o conhecimento cultural dos alunos e despertar a valorização da cultura popular, revelando que tanto a arte erudita como a popular não tem distinção de valores, as duas são arte. Vejamos abaixo imagens veiculadas por meio de uma pesquisa sobre Mestre Vitalino realizada pelos alunos.


A professora Alice mencionou que trabalhou com a turma do 9º ano C e 1º ano do Ensino Médio o fazer artístico a partir da obra de Mestre Vitalino, primeiramente solicitou uma pesquisa sobre a vida e a obra de Mestre Vitalino para os alunos conhecerem e como forma de contextualizar fundamentar o fazer artístico por meio da produção de esculturas em argila desenvolvidas pelos alunos com orientação da professora. Abaixo podemos visualizar estas produções em argila. Figura 7: Esculturas em argila produzidas pelos os alunos.

Fonte: Arquivo da professora.

Constatamos, diante desta perspectiva, que as motivações de escolha de conteúdos e imagens da professora Alice para serem abordadas na sua prática pedagógica, também partem do interesse do aluno por determinados assuntos e imagens. Lembrando que durante as aulas que acompanhamos na turma do 9º ano C estava sendo estudada a vida e obra de Cândido Portinari, na qual a professora Alice utilizou como método a abordagem triangular e depois trabalhou com a mesma turma a vida e obra de Tarsila do Amaral utilizando-se do mesmo método. Identificamos


no depoimento da professora, sobre a aluna que solicitou para ser trabalhado o Abaporu e o aluno que em toda aula mencionava sobre Mestre Vitalino, que, de fato, corrobora com as teorias dos pesquisadores sobre o interesse que as imagens despertam e os significados e sentidos que elas produzem tanto para quem a constrói (emissor) como para quem a aprecia (receptor), sejam elas da Arte ou midiáticas presentes no cotidiano local e escolar do aluno. Ou seja, destaca-se a importância de instigar os alunos na interpretação das imagens e na experimentação da produção e construção das mesmas. Nesta linha de pensamento Terezinha Moreira reforça que, Uma das principais características das tendências contemporâneas do ensino de arte é exatamente buscar o desenvolvimento das potencialidades do aluno tanto como emissor, levando-o a experimentar as possibilidades das linguagens artísticas, quanto como receptor, estimulando a apreciação estética e sua contextualização no quadro escolar das referências pessoais e culturais do aluno (MOREIRA, 2011, p. 63).

As imagens utilizadas em sala de aula são obras de artistas populares, artistas consagrados, imagens do cotidiano. A professora Alice ressalta que trabalha com obras de artistas brasileiros. No entanto, estes são os consagrados na História da Arte, além disso, também, relata que trabalha com obras de artistas populares, como foi o caso de Mestre Vitalino e com imagens que evidenciam as manifestações populares. Desta maneira utilizando-as para trabalhar datas festivas e comemorativas, como no caso o São João, havendo uma apreciação, contextualização destas manifestações. Percebemos, ainda, por meio da coleta de dados que a professora abordou nas aulas de arte história e obras de Pablo Picasso e Van Gogh. Foi exibido um vídeo sobre a


vida e obra de Van Gogh, segundo depoimento da aluna entrevistada e um texto sobre a vida de Pablo Picasso. Nas aulas da professora Alice as imagens são veiculadas por meio do data show, imagens impressas e xerocadas, retiradas da internet e as que são pesquisadas pelos próprios alunos. Abordagem Triangular: os caminhos de uma prática docente A professora Alice é licenciada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas, 2003, pela Universidade Federal da Paraíba — UFPB, tendo vinte e dois anos de experiência como professora, sendo destes dezoito anos lecionando arte. Em sua concepção apresenta a arte como área de conhecimento que desenvolve nos alunos a percepção, sensibilidade e cognição por meio de um ensino que proporcione a educação estética e artística. A professora Alice reafirma que desenvolve o ensino de arte por meio da Abordagem Triangular. Para ela foi por meio da Licenciatura em Educação Artística que conheceu a abordagem facilitando o seu trabalho como professora de arte. Comenta ainda que o ensino de arte desenvolvido por ela passou a ser contextualizado e sistemático a partir da abordagem triangular, sendo o alicerce que faltava em sua prática. Para Barbosa (1998), a abordagem triangular foi uma forma de responder as necessidades de interpretação cultural em diálogo com as questões globais, assim como a entrada da imagem e suas potencialidades de interpretação na sala de aula, juntamente com a já conquistada expressividade. Entretanto, foi uma preocupação em instrumentalizar o professor de arte com uma abordagem que lhe proporcione meios para realizar uma leitura artística e humanizadora das imagens, ao mesmo tempo em que reflete uma concepção de ensino que compreende a arte na educação como conhecimento, expressão pessoal e como cultura (SOUSA, 2006).


Eu sempre trabalhei com a abordagem triangular, sempre. Me identifiquei muito quando fazia o curso. É interessante. Você conhecer um pouco da História, a questão do fazer artístico, dentro deste fazer todo, uma contextualização da obra com o momento atual com que eles estão produzindo. Eu me identifico muito com a abordagem, com a proposta triangular. E dá certo, porque aí junta o útil ao agradável, aí não fica uma coisa criar por, fazer por fazer. Tem que ter uma ponte, um eixo de ligação e estas três coisas caminham bem legal. (...) tem você como articulador do conhecimento naquele momento. Você tem que planejar bem suas aulas, você tem que ter estratégias porque se não! Não desperta não neles o interesse por esta área do conhecimento. Até porque existe uma discriminação muito grande, ainda existe né? Se você não se articular direitinho, não tiver estratégias. (...) tá, trabalhando em cima de vídeos também, de imagens, aí você se perde. As turmas de escolas públicas, você sabe, as turmas enormes né? Um público bem diversificado em termos de conhecimentos culturais, se você não constrói esta ponte, não tiver esta ponte, esta ligação, não usar estratégias, metodologias que faça com que arranque do aluno a atenção, aí você se perde. (Professora Alice).

Diante disto, arguimos a professora sobre os objetivos que ela almejava ao levar imagens para as aulas de arte. E ela, então, expressou: Olhe! Na verdade o aluno ele já chega aqui, a gente já recebe o aluno com uma leitura de mundo,


né? Ele tem várias leituras e aí, a imagem na sala de aula o objetivo é, principal é, fazer com que o aluno ele seja alfabetizado dentro da estética visual, porque até então ele tem aquela leitura de mundo, mas aí ele faz a sua leitura da imagem, mas não entende, né? Então, assim a nossa obrigação enquanto arte/educador é desenvolver bem, é qual o objetivo? Qual a intenção do artista? Dentro daquela obra, né? Quais são os elementos que ele usa, que ele utilizou? Eles tem que ser alfabetizados neste sentido, tentando fazer a leitura dentro da estética, né? E pra isso precisa da orientação do arte/educador, porque tem todo um conhecimento voltado dentro da área, não pode levar imagem por levar, existe uma intenção maior. (...) outra coisa é, uma intenção maior também é a melhoria na qualidade do ensino de arte (Professora Alice).

É explícito no depoimento acima a preocupação da professora em desenvolver um ensino de arte voltado para a alfabetização estética e visual, entendendo que o aluno só compreende a arte se conhecê-la. Assim, confirma Gombrich (apud MOREIRA, 2011, p. 62) “só vemos o que compreendemos”, ou seja, “estabelecendo esse vínculo existencial, cultural e histórico do conhecimento”. Pois, a tarefa do arte/educador se evidencia em sensibilizar e desenvolver a capacidade de leitura visual e estética crítica por meio de um ensino sistemático que tenha como premissa a imagem. Segundo Buoro (2002), para tornar a construção de leitores de imagem uma realidade no cotidiano do ensino/aprendizagem da arte, é necessário apresentar alguns caminhos para que a imagem da arte conquiste o espaço devido na sala de aula e no trabalho do professor.


Na primeira aula observada, a professora introduziu a leitura de imagem e a importância da compreensão de uma obra de arte. Explanou sobre a linguagem visual e a necessidade de conhecermos os seus elementos para uma possível alfabetização visual. Mencionou o artista a ser estudado Cândido Portinari, porém, não justificou a sua escolha. Em seguida, indagou os alunos sobre a diferença entre Ver e Olhar. Algumas respostas foram surgindo timidamente, e no silêncio instaurado na sala, a professora esclareceu a diferença. Portanto, conforme a sua explicação o Ver é superficial, fugaz, evanescente, já o Olhar é perspicaz e intenso. Enfatizou a importância de compreendermos esta diferença no desenvolvimento da leitura de imagem. Ao contrário, Pillar ressalta que começamos olhando para depois chegarmos ao ato de ver. Em geral, olha-se sem ver. Já Fusari e Ferraz mencionam sobre a importância de uma educação do ver e observar e expõem as suas diferenças. Ver significa essencialmente conhecer, perceber pela visão, alcançar com a vista os seres, as coisas e as formas do mundo ao redor. A visualização ocorre em dois níveis principais. Um deles se refere ao ser que está vendo, com suas experiências. O outro é o que a ambiência lhe proporciona. (...) Ver é também um exercício de construção perceptiva onde os elementos selecionados e o percurso visual podem ser educados. (...) Observar é olhar pesquisar, detalhar, estar atento de diferentes maneiras as particularidades visuais, relacionando-as entre si (FUSARI; FERRAZ, 2001, p. 78).

A professora Alice tentava motivar os alunos para importância de compreender uma obra de arte. Ainda mencionou que para entender uma obra de arte tem que passar por etapas. Discorreu sobre


a importância da contextualização, das temáticas presentes nas obras de arte e que “não é fácil fazer uma leitura de imagem, mas não é difícil quando conhecemos os elementos da linguagem visual, a linha, a forma, a cor, os códigos visuais.” Apesar, de a professora ter o conhecimento sobre a área e entender que a imagem é o principal objeto do trabalho do professor de artes visuais, por vezes, durante a sua aula ela fragiliza e limita a leitura quando a reduz a análise dos elementos básicos da linguagem visual, ou seja, os elementos formais da composição linha, forma, cor, equilíbrio, etc. Desta forma, desfavorecendo a expressão das ideias, teorias e intuições dos alunos sobre o que veem. Segundo Pillar (2011, p. 15) a leitura de uma obra de arte seria, como assim desenvolve a professora Alice, perceber, compreender, interpretar as tramas de cores, texturas, volumes, formas, linhas que constituem uma imagem. Perceber objetivamente os elementos presentes na imagem, na sua temática, sua estrutura.

Em uma das nossas observações in loco, a professora apresentou uma série de obras de Cândido Portinari na sala de multimídias por meio do data show e naquela ocasião ela instigava os alunos para uma leitura de imagem por meio dos elementos da linguagem visual. Observem as linhas, as formas, as cores. Qual a cor que predomina? Que tipos de linhas identificamos na obra? Observem os elementos da linguagem visual! Tentem identificar os elementos da linguagem visual.


Neste momento, fazia comentários sobre cada elemento. Ao mesmo tempo, que estimulava uma leitura intuitiva. Fazia algumas interferências por meio de indagações sobre as imagens, ao apresentar Paz e Guerra, indagou-lhes: Como encontraria a paz na pintura? Figura 8: Paz e guerra. Cândido Portinari, década 1950.

Fonte: servasbrasilis.blogspot.com.

Compreendemos que “o processo da leitura da pintura e do mundo vai nutrir de imagens a mente do aluno e ampliar seu repertório, possibilitando as recombinações e criações de novas imagens por meio da imaginação criadora” (BUORO, 2003, p. 137). E continuava a apresentar as imagens, por vezes deixava os alunos a vontade observando a imagem sem fazer nenhuma interferência ou comentário e por outras provocava os alunos com questionamentos instigando-os a pensar, refletir e analisar. Em uma das obras trazia como temática o carnaval, e ela os indagou: Por que Carnaval?


Dá para identificar a festa? Impressionante o silêncio instaurado na sala, não havia conversas paralelas toda a atenção dos alunos estava direcionada para as imagens ali apresentadas, as únicas conversas que surgiam entre eles eram comentários relacionados às imagens as quais destinava o olhar com curiosidade. Diante do questionamento da professora sobre a obra, respostas surgiram: Homem dançando frevo. Outra voz surgiu: o movimento das pessoas. E uma voz bem tímida: alguém tocando sax. Neste momento a professora aproveitou o ensejo e relembrou com os alunos a oficina de máscara desenvolvida no início do ano para abordar justamente esta temática das festas culturais e populares, neste caso o carnaval. A esse respeito ela relatou que devido a uma cobrança da coordenação para se ornamentar a escola em certas datas festivas, ela aproveita e trabalha o assunto de maneira contextualizada e depois parte para a produção. Os resultados desta servem para atender esta solicitação da coordenação sendo expostas nas paredes da escola desta maneira atendendo-a e expondo os trabalhos artísticos dos alunos. Vejamos alguns resultados.


Figura 9: Máscaras produzidas pelos alunos.

Fonte: Arquivo da professora

A professora propõe e proporciona aos alunos experimentar e trabalhar com diferentes materiais evitando o convencional, papelão, tinta guache, lápis hidrocor, gliter, retalhos de tecidos, papeis co-


loridos, pena, fita, cola, lantejoulas. Decerto, explorando a criatividade e imaginação deles. Identificamos que os formatos das máscaras são diferenciais e rompe com o convencional. É interessante o formato da primeira que lembra o mapa da Paraíba e o aluno se faz entender que uma máscara referente à Paraíba, pois além do formato do mapa o aluno pinta com as cores da bandeira do Estado, vermelho e preto. Surgem também algumas relacionadas com personagens tradicionais, como foi o caso do Drácula e a máscara representando a cara de um tigre, sendo as únicas formas estereotipadas. Outras imagens utilizadas em sala foram: Futebol e Meninos pulando carniça. Figura 10: Futebol. Cândido Portinari, 1935 e Meninos pulando carniça. Cândido Portinari, 1957.

Fonte: www.portinari.org.br.

Estas obras ocasionaram vários comentários entre eles mesmos e, por vezes, com a professora, durante a apreciação da obra Futebol (figura 14) surgiam frases soltas: “Olha! O tamaninho das pedrinhas que eles pisam!” referindo-se ao terreno na qual utilizavam para jogar bola. “Olha! o toquinho de gente jogando” !Olha! o cemitério lá atrás”. Em relação à obra Meninos pulando Carniça (figura 15), também surge um leque de comentários, entre eles: “Tão brincando


de estrela nova cela”. Este é o nome da brincadeira conhecida pelos alunos. Evidentemente que os comentários surgiram dos vários recantos da sala, inferimos este fato às temáticas das obras relacionadas, pertencentes à cultura dos alunos, ou seja, eles se identificaram e se reconheceram nas imagens. A interpretação da imagem está fundamentada no saber cultural e histórico dos alunos ocasionando significados diversos, uma vez que (...) o olhar do indivíduo sobre o mundo, olhar que não envolve só a visão, mas cada partícula de sua individualidade está profundamente colada a sua história, a sua cultura, ao seu tempo e ao seu momento específico de vida” (MARTINS, 1996, p. 25).

No entanto, a professora comentava sobre as temáticas das obras, provocava os alunos a refletirem, e por vezes, ressaltando os elementos da linguagem visual. Lembramos que a abordagem triangular ocasionou algumas interpretações errôneas, em relação a sua tríade: o fazer artístico foi reduzido apenas à releitura de imagem sendo confundida com cópia, tornando-se uma cópia “mal feita”. A leitura da imagem, alguns professores elaboravam questionários a respeito da obra para serem respondidos pelos alunos, restringindo o olhar e a interpretação do aluno em relação aos significados e sentidos que as imagens produzem. Por fim, a contextualização foi limitada a biografia do artista ou a história da arte, mas é importante esclarecer que não as negamos quando estas se fazem necessárias para facilitar a análise da imagem. Por vezes, percebemos que a professora Alice converge a esta interpretação errônea da abordagem triangular com relação à leitura da imagem, ao indagar os alunos sobre qual foi o objetivo e a intenção do artista, fazendo com que o aluno desenvolva uma leitura abstrata e imaginativa ao tentar desvendar o que o artista pensava em uma determinada


época. Essa leitura poderia ser amplamente desenvolvida ao observar, questionar e refletir sobre o que a imagem diz para cada um que a observa no momento. Quais são os sentidos que ela expressa? Quais são as relações estabelecidas a partir dela? Para além dessa particularidade no ato de leitura da imagem, a professora busca a melhoria no ensino de arte desenvolvendo a educação estética do aluno por meio da imagem. O ensino desenvolvido pela professora Alice é consonante, em parte, com as novas tendências e abordagens do ensino de arte que segundo Moreira (2011) vem valorizando essa dimensão dupla do processo comunicativo, na qual se percebeu que, para o aluno tornar-se um receptor (fruidor) mais eficaz do conhecimento em todas as áreas, deveriam ser estimuladas também suas potencialidades como emissor (produtor). Algumas Considerações A professora em sua prática pedagógica desenvolve uma apreciação da imagem com uma produção vinculada a uma reflexão e análise. Nesta perspectiva de ensino pretende-se não só desenvolver a criatividade através do fazer arte, mas também através das leituras e interpretações das obras de arte, (...) desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores, desenvolvidos pelo fazer e ver arte e fundamentos para a sobrevivência no mundo cotidiano (BARBOSA, 2000).

Desenvolve um ensino de arte sistemático e contextualizado, proporcionando aos alunos momentos de fruição, reflexão e experi-


mentos da produção criadora, trilhando pelos processos criativos. A sua concepção de ensino de arte está relacionada a uma educação estética e artística. Ela concebe o ensino de arte como conhecimento que possibilita ao aluno o desenvolvimento do saber estético e a construção de novos saberes artísticos, por meio da alfabetização estética, desta forma capacitando os alunos de apreender imagens e objetos, produzindo-os e significando-os. A abordagem utilizada é a triangular e esta se apresenta como alicerce da sua prática docente.

Referências BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. BARBOSA, Ana Mae. Arte na Educação para Todos. In: CONGRESSO NACIONAL DE ARTE-EDUCAÇÃO NA ESCOLA PARA TODOS E FESTIVAL NACIONAL DE ARTE SEM BARREIRA, V e VI, 2000, Brasília. Anais Brasília, 2000. Disponível em http:// www.arteducacao.pro.br/Artigos/anais.htm, acesso em 06/06/2011. BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. 5ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. BARBOSA, Ana Mae, CUNHA, Fernanda Pereira (Orgs.). Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010, 2011. BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Educ/Fapesp/Cortez, 2002. BUORO, Anamelia Bueno. O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2003. FUSARI, Maria F. de Rezende e, FERRAZ, Maria Heloísa C. de T. Arte na Educação Escolar. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2001.


FERREIRA, Líbna Naftali Lucena. Imagens da Arte: A cidade de Sumé/PB e o ensino das artes visuais. 2013. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais). Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal de Pernambuco. João Pessoa, 2013. MARTINS, Mírian Celeste F. D. “O Sensível Olhar-Pensante”. In: WEFFORT, Madalena Freire. Observação, Registro, Reflexão: Instrumentos Metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996. MOREIRA, Terezinha Maria Losada. A interpretação da imagem: subsídios para o ensino de arte. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2011. PILLAR, Analice Dutra. A Educação do olhar no ensino das artes. 6ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2011. PILLAR, Analice Dutra. Olhar e Ver. São Paulo: FACED/UFRGS, S/d. Disponível em http://www.riguardare.com.br/riguardare/texto04.html, acesso em 19/10/2012. ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam: leitura da arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2003. SOUSA, Márcia Maria. Leitura de imagens na sala de aula relações entre saberes, práticas de professores de arte e grupos de estudos. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira). Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2006.

Notas de Fim Líbna Naftali Lucena Ferreira é Mestra em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-Graduação da UFPB-UFPE. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba — IFPB, Campus Guarabira/ PB. 1

Maria Betânia e Silva é Doutora em Educação pela UFMG. Professora do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística do Centro de Artes e Comunicação da UFPE. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais UFPE-UFPB.

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PARADIGMAS TÉCNICOS E ESTILÍSTICOS NA ANIMAÇÃO NACIONAL Diego Gomes Brandão1 João de Lima Gomes2

Produtos da espectatorialidade colonizada Observando os aspectos compositivos da animação nacional em seu panorama, notamos que não apenas estas animações, mas nos últimos dez anos, a influência da cultura pop norte-americana, europeia e nipônica tem atingido nossas produções de forma a incorporar seus padrões técnicos e estilísticos visuais, comprovando na forma dominante e oligopólica euro-americana, a contaminação da imaginação do espectador/realizador nos países do Terceiro Mundo. Eis um fenômeno da globalização que proporcionou uma “espectatorialidade colonizada”, termo denominado por Robert Stam e Ellia Shoat, o qual explica que “a realidade atual da distribuição global de poder ainda tende a fazer dos países de Primeiro Mundo os transmissores culturais e a reduzir a maioria dos países de Terceiro Mundo à condição de receptores” (STAM; SHOAT, 2005, p. 396). Isto significa que o contexto colonial de recepção modifica o processo mesmo de identificação, causando até uma crise de identidade. Esta crise de identidade tem estimulado o sujeito colonizado a internalizar a Europa e os EUA como um ego ideal. É o exemplo citado por Stam e Shoat, no qual o teórico Gerima recorda a crise de identidade provocada numa criança etíope ao aplaudir o protagonista


do filme “Tarzan” por limpar o “continente negro” de seus habitantes (Ibid., 2005, p. 401). Os atos de “heroísmo” destes personagens norte-americanos, os repetitivos roteiros falando sobre “vencedores” da história, os clichês, o american lifestyle e os extravagantes combates coreografados dos animês nipônicos, têm penetrado nas telas de cinema e televisores através de padrões técnicos e estilos visuais hegemônicos. Estes paradigmas visuais adotados no cinema dominante colaboram ainda mais para que esta espectatorialidade midiática tenha um complexo impacto sobre a identidade nacional. Veremos que estes padrões se dividem em: técnica 3D — como modelo de produção nos estúdios; técnica tradicional e 2D — obsoleta no cinema ocidental, mas predominante no oriente; hiper-realismo; o estilo visual do cartoon televisivo; e o animê japonês — com sua influente visualidade ideogramática. Tais padrões enquadram-se, segundo o teórico Paul Wells1, como uma categoria denominada “animação ortodoxa”, a qual apresenta as seguintes características: ausência do artista, unidade de estilo, uso da forma narrativa, linearidade específica e dinâmicas de diálogo (WELLS, 1998). O autor contrapõe esta categoria à outra denominada “animação experimental”, a qual apresenta como características: presença do artista, multiplicidade de estilos, uso da forma interpretativa, não linearidade, dinâmicas de musicalidade e o fato de estar fora do contexto de produção em massa (idem., 1998). Estas duas categorias correspondem assim à polaridade entre o cinema industrial e o cinema independente, onde o primeiro tem transformado

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Professor e Diretor do curso superior de animação da Loughborough University, Reino Unido. Autor de livros que teorizam o aparato textual da animação, a exemplo da obra “Understanding Animation”; e a mais nova obra traduzida para o português: Desenho para animação (Drawing for animation).


os espectadores em consumidores atomizados2 por estes “produtos” crossmedia, e o segundo, tem se limitado à veiculação nos circuitos de festivais de cinema, sendo viabilizados através de concursos governamentais de fomento à cultura. Paradigmas técnicos e estilísticos na animação A história da animação nos aponta, em sua fase de industrialização, uma corrida por patenteamento de técnicas e tecnologias, uma necessidade dos empreendedores no início do século XX quando viram que aquela emergente arte poderia se tornar negócio. Não é a toa que o norte-americano Rudolph Bray “requereu a patente de todos os processos de animação conhecidos até aquela data” (BARBOSA JÚNIOR, 2002, p.64). Os irmãos Max e Dave Fleischer, patentearam a técnica da rotoscopia, em 1915. Apenas um ano antes, Earl Hurd que trabalhava com o Bray, também patenteou o desenho sobre folhas de celulóide transparente, que viria a ser a maior contribuição técnica para a animação tradicional até o advento da computação gráfica (BARBOSA JÚNIOR, 2002). Nesta estrutura de negócios se fixando na animação, padrões de estilo foram se consolidando em vista ao estabelecimento do cinema e da televisão como veículos de comunicação para a sociedade de consumo. O cinema hollywoodiano disseminara o Star System (sistema de estrelas do cinema) através de suas superproduções com altos custos e lucros exorbitantes, atores milionários, e um sistema de premiação para indústria cinematográfica criado em 1927, o Academy Awards, onde concordamos que “a audiência é global, mas o produto promovido é quase sempre norte-americano, e o resto do mundo é 2

STAM, Robert. Teoria do cinema e espectatorialidade na era dos pós. Trad. Fernando Mascarello. In: RAMOS, Fernão (Org.) Teoria contemporânea do cinema. v. 1. São Paulo: Editora SENAC, 2005. p.393-424.


confinado ao gueto do filme estrangeiro” (STAM; SHOAT, 2005, p. 395). Não obstante, é no resto do mundo, fora do território ianque, que tomamos conhecimento das mais insaturadas e belas obras de arte do cinema de animação mundial. Através dos 290 festivais de animação catalogados no site Animation-Festivals.com, destacamos: o Festival international du film d’animation à Annecy (França), o Ottawa International Animation Festival (Canadá), Animex (Reino Unido), TrickFilm Stuttgart Festival of Animated Film (Alemanha), AnimaFest Zagreb (Croácia), Seoul International Cartoon & Animation Festival (Coréia do Sul) e o maior festival da América Latina, o AnimaMundi (Brasil). O isolamento da mídia voltado ao Academy Awards norte-americano evidencia que “o cinema é herdeiro das estruturas assentadas pela infraestrutura imperial de comunicação” (STAM; SHOAT, 2005, p. 395). E vemos no cinema de animação experimental, o escape a esta hegemonia do eixo EUA e Japão. São nestes festivais citados que encontramos a diversidade de técnicas, estilos e a aproximação da animação ao estado de obra de arte e não de design. É aqui onde se aplica a distinção proposta por Wells (1998) entre animação ortodoxa e animação experimental. Conforme citamos no início, nesta segunda, ocorre a liberdade e “presença” do artista, pois este expressa sua visão de mundo por meio de uma multiplicidade de estilos, não obedece a linearidade do cinema clássico e está fora do contexto de produção em massa. Mediante esta distinção de “cinemas” de animação, vemos predominantemente nos longas e curtas brasileiros a animação ortodoxa nas salas de cinema e constantemente nos festivais. Se observarmos o último longa de animação brasileiro lançado no cinema, “O Grilo Feliz e os insetos gigantes” (START, 2009), o estúdio que antes utilizara a técnica 2D (Fig. 1) — hoje, extinta dos estúdios ianques — no longa “O Grilo Feliz” (START, 2001), seguem


agora esta tendência de produção em técnica 3D (Fig. 2). O que comprova que “a cultura de massa global não tanto substitui a cultura local como coexiste com ela, oferecendo-se como uma língua franca global” (STAM; SHOAT, 2005, p. 396). Fig. 1: O Grilo Feliz, 2D, 2001.

Fig. 2: O Grilo Feliz e os insetos gigantes, 3D, 2009.

Fonte: http://www.startanima. Fonte: http://www.ogrilofeliz.com.br/. com.br.

Os personagens são carismáticos, providos de um design de fácil recepção pelo público infantil, uma fórmula experimentada pelos estúdios Disney há décadas atrás, com a qual souberam criar muito bem os mecanismos para encantar este tipo de público através dos artifícios da linguagem dos desenhos. Isto nos direciona ao conceito de crossmedia22F3 que tem sido muito aplicado em animações norte-americanas direcionadas a crianças e adolescentes, como Toy Story (Pixar Animation Studios, 1995) — contando com atores como Tom Hanks. Esta não se limitou à 3

Estratégia mercadológica que ocorre quando serviços, produtos e experiências são distribuídos por meio de diversas mídias.


bilheteria do filme que foi de US$29.140.870,00 (site BoxOffice.com), potencializando os lucros com o lançamento de brinquedos, jogos eletrônicos, cards, livros e outras mídias, totalizando um lucro total de US$361.959.413,00 (site BoxOffice.com), garantindo uma sobrevida aos personagens desta animação. As produções nacionais parecem apostar neste modelo, investindo em projetos cinematográficos que envolvam artistas famosos. É o caso do longa em produção “Ivete Stellar e a pedra da luz” (Estúdio Cacomotion), que incorpora a tão saturada estrutura de monomito, seguindo o modelo de arquétipos herói/vilão comum na indústria de quadrinhos norte-americanos, somados a cantora baiana Ivete Sangalo. Vemos, então, a adaptação a este modelo dominante da indústria do cinema que visa o lucro através do consumo das massas, tendendo a uma linha de produção centrada no deslumbramento face às novas tecnologias, efeitos visuais e ao prosseguimento “crossmediático” nas diversas mídias, tornando apenas mais um filme com enredo composto por uma fórmula estruturalista “vogliana”24F4, também por clichês e gags. No Brasil, estúdios de animação chegaram ao ponto de adotar o padrão indiano Bollywood25F5, produzindo versões de superproduções estadunidenses recém-lançadas, pegando carona em sua bilheteria. É o exemplo do estúdio Video Brinquedo, que já lançou títulos 4

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O autor Christopher Vogler em seu manual “A jornada do escritor”, auxilia roteiristas cinematográficos na criação de enredos, apresentando elementos que normalmente surgem numa história e que estão presentes em nossos sonhos, estes são mapeados em doze jornadas: mundo comum; chamado à aventura; recusa do chamado; encontro com o mentor; travessia do primeiro limiar; testes, aliados, inimigos; aproximação da caverna oculta; provação; recompensa; caminho de volta; ressurreição; retorno com o elixir. Refere-se aos realizadores da indústria cinematográfica indiana que tem “tomado emprestado” enredos hollywoodianos (STAM, 2005).


como “Os Carrinhos”, uma versão de Cars (Pixar Animation Studios, 2006); “Ratatoing”, versão de Ratatouille (Pixar Animation Studios, 2007); “Robozinhos”, versão de Robots (Blue Sky Studios, 2005); “Abelhinhas”, versão de Bee Movie (Dreamworks Studios, 2007); e “Ursinho da Pesada”, versão de Kung Fu Panda (Dreamworks Studios, 2008) (Fig.3). Fig. 3: Produções norte-americanas (Margem superior); Vídeo Brinquedo (Margem Inferior).

Fonte: Infográfico feito pelo autor. Retirados dos sites: www.videobrinquedo.com.br/ e www.imdb.com.

Estas evidências nos direcionam a identificar estes padrões dominantes da indústria e refletir sobre essa questão, sendo indispensável conhecermos primeiro que padrões são estes. Desta forma, distinguimos os padrões que envolvem: Técnica, subdividida em Tradicional/Bidimensional e Tridimensional; e Estilos, subdividida em Animação Total e Limitada, UPA, Hiper-realismo e animê. Não citamos as demais técnicas existentes, a exemplo da “stop-motion”, pois resolvemos focar nestas que são estatisticamente


as mais utilizadas em produções nos últimos dez anos, tendo em vista um panorama mundial. Técnica: Tradicional e 2D Categoriza-se o termo “Tradicional” à técnica de animação que remete ao desenho sobre o papel, mais precisamente, a que se utiliza da tecnologia do desenho sobre folhas de celulóide transparente, estabelecido há aproximadamente um século. O período entre 1914 e 1928 foi marcado pelo surgimento dos primeiros estúdios de animação, por Raoul Barré e John R. Bray. E é no intervalo destes 14 anos que se inicia a disputa acirrada entre estúdios na criação de filmes com personagens antropomórficos que atraíssem a atenção do público. Dentre os destaques: o palhaço “Ko-ko” (Fig. 4), dos irmãos Fleischer; e o “Gato Félix”, do Otto Messmer e Pat Sullivan (SOLOMON, 1994). Estes estúdios produziam filmes de animação baseados em gags (piadas — focaliza as situações de comédia). Fig. 4: Felix, The Cat”, Otto Messmer.

Fonte: http://www.felixthecat.com/history.html.


A técnica tradicional de animação mantinha-se como modelo de produção em boa parte dos estúdios. Adquiriu potencial expressivo na era dourada dos estúdios Walt Disney, que para chegar ao padrão de qualidade, foram necessários intensos investimentos do estúdio em estudos (anatomia, movimento, atuação, composição, etc.), experimentações, criação de departamentos com novas funções (clean up men28F6) e o desenvolvimento de novas tecnologias que favorecessem a ergonomia (a barra de pinos na base da prancheta de luz; a câmara de múltiplos planos; pencil test29F7). Um mérito da visão empreendedora de Walt. “Alguns dos maiores artistas do século XX contribuíram com palestras nesse programa de treinamento que durou anos (a exemplo de Alexander Woolcort, H.G. Wells, Frank Lloyd Wright, Charlie Chaplin)” (BARBOSA JÚNIOR, 2002, p. 106). O primeiro produto deste esforço foi o longa animado “A branca de neve e os sete anões”, de 1937. Segundo dados do site Box Office, o orçamento do filme foi de US$1.499 milhões, e teve o retorno de US$66,596,803 milhões, no ano de 1937. Somando o seu Lifetime Gross — ganho bruto em vida útil — este obteve US$184,925,486 milhões entre 1937 e 1993. A partir deste salto de qualidade na animação tradicional potencializado pelo estúdio Walt Disney, consequentemente, exigia-se mais das produções dos estúdios concorrentes. A técnica de animação tradicional com uso da folha de celulóide passava a ser um padrão hegemônico. Mais tarde, a popularização do computador e o desenvolvimento dos softwares gráficos por volta de 1980, geraram transformações no, até então, vigente modelo de produção tradicional da animação. Os estúdios começavam a substituir as trucas de 35mm e 6 7

Arte-finalizador dos desenhos feitos pelo animador (THOMAS; JOHNSTON, 1981). Pré-visualização dos desenhos rascunhados por meio de uma câmera filmadora (THOMAS; JOHNSTON, 1981).


passavam a contar agora com o Scanner como o novo equipamento de captura de desenhos. A edição das animações deixava de ser feita pelas antigas mesas de montagem, as moviolas, e passavam a ser editadas em softwares de edição não linear no computador, o que agilizava consideravelmente o fluxo de trabalho. Todo este aparato tecnológico e técnico constituído a partir do advento do computador cunhou o termo “animação 2D”. Alguns autores associam este termo às animações produzidas por meio de softwares de animação bidimensional como o Toon Boom, ToonZ, Synfig, dentre outros (Fig. 5). Fig. 5: Software “Toon boom Animate Pro”.

Fonte: http://www.theepochtimes.com.

A animação “Josué e o pé de macaxeira” foi produzida através da técnica tradicional e 2D, usando a mesa de luz com barra de pinos e folhas de papel para execução dos desenhos (Fig. 6).


Fig. 6: Pencil Test de cena, “Josué e o pé de macaxeira”.

Fonte: http://diogoviegas.blogspot.com.br/search?updated-max=2009-07-25T23:22: 00-03:00&max-results=25.

Posteriormente foi realizado a digitalização das imagens por meio do scanner, sendo a colorização feita no software gráfico Adobe Photoshop (Fig. 7) e por fim o procedimento de transfer para formato de bitola 35mm. Fig. 7: Digitalização, Colorização e Finalização de cena, “Josué e o pé de macaxeira”.

Fonte: Retirado do curta “Josué e o pé de macaxeira” (Dir.: Diogo Viegas, cor,12min, 2009).


Técnica: Tridimensional (3D) Em 1980, a indústria de informática com forte polo de desenvolvimento científico nos Estados Unidos, chegou a moldar também técnicas de produção de animação a partir dos softwares 3D que emergiram como técnica de criação. Em 1982, o estúdio Walt Disney (EUA) lança o longa “TRON”, produzido em técnica 3D, e em 1994, o estúdio Pixar (EUA) lança o longa animado “Toy Story”. A partir daí, as animações tradicionais/2D passaram a ser descartadas pelos executivos norte-americanos que as consideraram técnicas obsoletas, como se a linguagem dos desenhos animados se expressasse melhor em apenas um de seus procedimentos técnicos (FIALHO, 2005). A tecnologia de softwares 3D proporciona um nível de realismo nas imagens produzidas, alcançando resultados que se confundem com a fotografia do cinema. Isto se deve ao desenvolvimento de algoritmos de computação gráfica desde o início dos anos 70, que automatizaram a perspectiva (oblíqua/cavaleira, paralela, aérea, cônica/central, ortogonal, etc.), a iluminação, sombra, textura, a física de objetos e fluidos, dentre outras particularidades encontradas na natureza. Um exemplo claro desta dicotomia entre o 2D e o 3D é a adaptação da série de quadrinhos “The Adventures of Tin Tin”, criado em 1929 pelo artista belga Hergé, tendo sido adaptado em animação para TV em 1991. Vemos a diferença plástica da imagem em relação a sua atual adaptação para o cinema, produzido por Steven Spielberg em 2011. Na antiga série de TV, a animação era produzida em técnica 2D, enquanto no filme recém-lançado no cinema foi produzido em técnica 3D (Fig. 8 e 9).


Fig.8: Série de tv “TinTin”, 1991. Fig. 9: Filme The adventures of TinTin, 2011.

Tecnologias como o Sub Surface Scattering, que simula a translucidez dos corpos e objetos naturais, conferindo-lhes uma iluminação convincente tal qual é no mundo real, a Oclusão de Ambientes, Iluminação Indireta e Global, que simulam a iluminação e sombreamento real de superfícies tal como é na natureza, diferenciam cada vez mais a plasticidade obtida nas animações produzidas em técnica tradicional da produzida em técnica 3D. Trata-se então, de mais um padrão hegemônico na animação, a utilização de softwares 3D para produção de filmes. É perceptível a desproporção de filmes em animação que são produzidos em média anual por meio da técnica 3D e 2D. A animação “Até o sol raiá” (Fernando Jorge e Leanndro Amorim, 2007) foi trabalhada através da técnica 3D, onde se utilizou o software tridimensional Autodesk 3D Studio Max para modelagem (Fig. 10), texturização, animação e a geração das imagens finalizadas — processo denominado de render (Fig. 11).


Fig. 10: Cenário modelado (esq.) e cenário renderizado (dir.), “Até o sol raiá”.

Fonte: Imagens disponibilizadas pelo diretor via email.

A animação “Three Little Birds” (Dir.: Estúdios Conspiração, Consequência e Seagulls Fly, 2003) também foi trabalhada através da técnica 3D, utilizando o software tridimensional Autodesk Maya (Fig. 12, à esquerda) e o Autodesk 3D Studio Max para modelagem e renderização (Fig. 12, à direita). Fig.12: Cena modelada e animada (esq.), e cena renderizada (dir.), Three Little Birds.

Fonte: http://gustavobraga.com/novoblog/?page_id=116).

Estilo: Animação Total e Animação Limitada Constata-se uma distinção de modus operandi em produções de animação direcionadas para televisão e para o cinema, que resulta em polos estéticos diferentes. De acordo com Furniss (2009), a animação pode ser descrita como uma oscilação entre estes dois polos estilísticos que a autora de-


nomina como: animação total (full animation) e animação limitada (limited animation). São duas tendências distintas que podem atingir diferentes resultados estéticos. Comparando estes dois estilos de animação, se distinguirão quatro critérios: o movimento das imagens, a metamorfose das imagens, o número das imagens e o domínio dos componentes visuais (FURNISS, 2009). Por padrão, a animação total prevalece nas produções cinematográficas, enquanto que a animação limitada prevalece nas séries televisivas. A animação total emprega um movimento constante com um mínimo de ciclos, enquanto a animação limitada tende a usar muitos ciclos ou até ser desprovida de movimento em grande parte do filme. A partir da era da animação industrial, boa parte dos estúdios usaram ciclos de movimento nas ações dos personagens como uma maneira de reduzir o número total de desenhos que precisam ser feitos em um filme. Uma característica predominante na animação limitada é a tendência de incluir movimentos extensos de câmera. O uso contínuo de panorâmicas cria a sensação de movimento enquanto reduz o número de desenhos necessários. Na verdadeira animação total, cada desenho numa produção é usado apenas uma vez porque as imagens tendem a ser altamente metamórficas. O processo do desenho é relativamente complexo. Os personagens em animação total mudam frequentemente de proporções devido aos movimentos de profundidade de campo (eixo z), na direção e longe do primeiro plano. Na animação limitada, verifica-se que há constante mudança de movimento em altura e laterais (eixos x e y) (FURNISS, 2009). A autora aponta que o som também é um elemento que desempenha papel fundamental na distinção da animação total e limitada. Na animação total, há a ênfase nos recursos de movimentação visual, já na animação limitada é dominada pelo recurso do som, em


que tipicamente é utilizado numa narração ou diálogo entre personagens e na trilha sonora para intensificar o clímax da cena. Às vezes, ocorre na animação limitada do enquadramento ser acima da boca, ocultando e assim economizando a animação de sincronia labial (lip sync). Na animação “Josué e o pé de macaxeira” (Diogo Viegas, 2009) utilizou-se o movimento de câmera com planos estáticos nos eixos vertical e horizontal para economizar o trabalho de animação de personagens ou cenário. A câmera locomove-se em movimento panorâmico de cima para baixo, enquanto que o cenário e personagens mantêm-se parados, durando em torno de 5s, o equivalente a 120 desenhos (Fig. 13). Fig. 13: Frames da primeira cena. Josué e o pé de macaxeira, 2007. (00:00:2500:00:30).

Fonte: Retirado do curta “Josué e o pé de macaxeira” (Dir.: Diogo Viegas, cor,12 min, 2009).

O mesmo ocorre na sequência seguinte, na qual através de um movimento de câmera do tipo travelling, vemos o título do filme e os créditos iniciais surgindo por trás das vegetações do cenário, e o cenário mantém-se estático, sem animação de linhas ou formas, apenas um deslocamento por interpolação. Esse trecho dura 1min35s, o que equivale a 2.280 desenhos (Fig. 14).


Fig. 14: Frames da terceira cena. Josué e o pé de macaxeira, 2007. (00:01:15 00:02:10).

Fonte: Retirado do curta “Josué e o pé de macaxeira” (Dir.: Diogo Viegas, cor, 12min, 2009.

Apesar desses dois trechos, o curta-metragem apresenta em grande parte o mais refinado uso da animação total. Os personagens nos passam de forma eficaz a comunicação nos seus gestos, tarefa que exige muito da laboriosa técnica de animação tradicional. Na cena da fuga do palácio, por exemplo, nota-se o esforço despendido na animação de corrida da galinha. O animador lançou mão dos princípios da animação37F8, em especial o uso da compressão/esticamento38F9 e exagero39F10 de sua forma oval e cilíndrica, e também a ação seWalt Disney e seus artistas sistematizaram doze princípios que permitem a comunicação convincente da imagem: comprimir e esticar, antecipação, encenação, animação direta e posição-chave, continuidade e sobreposição da ação, aceleração e desaceleração, movimento em arco, ação secundária, temporização, exageração, encenação, desenho volumétrico, apelo (BARBOSA JÚNIOR, 2002, p.115). 9 Trata-se da maleabilidade de um objeto/personagem comprimir e esticar. Qualquer coisa composta de carne viva, não importa o quão óssea seja, irá mostrar o movimento em sua deformação progredindo através de uma ação (THOMAS; JOHNSTON, 1981). 10 Consiste na caricaturização do personagem ou ação a fim de potencializar a caracterização, personalidade ou ação do mesmo. 8


cundária40F11 de sua crista e rabo que causam um ritmo cadenciado, fluido, e que para nossa percepção visual torna-se convincente, agradável e até cômico dependendo da característica física e psicológica do personagem (Fig. 15). Fig. 15: Pencil Test de cena, “Josué e o Pé de macaxeira”.

Fonte: Frames editados, vídeo retirado do site do autor: diogoviegas.blogspot.com.

Em “Até o sol raiá”, há o uso constante de animação total, pois os movimentos de câmera não se limitam ao eixo horizontal e vertical, utiliza a profundidade, o que confere um realismo tal qual é capturado pela câmara cinematográfica nos filmes de atores (Fig. 16). Acontece que os softwares utilizados na técnica 3D possibilitam, por meio da modelagem de um ambiente cenográfico, essa via de acesso

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São ações que complementam a ação principal desempenhada pela coisa animada. A ideia que está sendo posta em cena pode ser fortalecida por ações secundárias (THOMAS; JOHNSTON, 1981).


fácil à imersão tridimensional, poupando o esforço exigido pela técnica tradicional/2D na habilidade do desenho de perspectiva. Fig. 16: Frames capturados e editados de “Até o sol raiá” (00:01:22 - 00:02:27).

Fonte: Até o Sol Raiá (Dir.: Fernando Jorge e Leandro Amorim, cor, 10min53s, 2007.

Vale lembrar que, na primeira cena da animação, que há a narração do cordel, ocorre a animação limitada, pois é omitido e, por sua vez, economizado o uso de personagens em cena, destacando a atenção no som da locução para a ilustração da cena. Estilo: Hiper-realismo Seguindo fielmente as “formas universais de representação” da natureza, termo denominado por Wofflin (2001), outra característica dos padrões hegemônicos do cinema é a intensa busca pelo hiper-realismo. Ao longo de dez anos, produções têm experimentado disputar com o cinema de atores reais substituindo-os inclusive por atores produzidos em animação. Exemplos como os filmes: “Final Fantasy VII: Advent Children”, de 2004, produzido no Japão pela Square Enix, dirigido por Tetsuya Nomura; “Beowulf, de 2007, “O expresso polar”, de 2004, e “Os fantasmas de Scrooge”, de 2009, todos dirigidos por


Robert Zemeckis. Estes filmes apontam para uma visualidade pós-moderna, como suscita Schneider (2011), consequência do fenômeno de hibridização de técnicas gráfico/plásticas, mostrando-nos a situação em que se chegou o cinema atual. A animação “Até o sol raiá” é a única das analisadas que possui esta tendência de estilo visual. Em uma das cenas iniciais, no momento em que o artesão está trabalhando na confecção dos bonecos de argila, podemos perceber o nível de detalhes tanto do personagem quanto do cenário. A iluminação e texturas trabalhadas nesta cena desempenham um papel importante para a verossimilhança destes objetos de cena com a realidade (Fig. 17). Fig.17: Cena de “Até o sol raiá”, 2007 (Dir.: Fernando Jorge e Leandro Amorim).

Estilo: UPA

O design dos desenhos animados produzidos hoje para televisão atende a necessidade de mercado direcionado ao público infantil. O uso de cores bastante “fauvistas”, personagens quase reduzidos às formas geométricas básicas, uso excessivo de expressões faciais exa-


geradas para potencializar sentimentos44F12, dentre outros recursos narrativos, estabeleceram um padrão hegemônico nas séries animadas televisivas. Podemos encontrar indícios das primeiras influências deste estilo, que por ora, tem grandes traços herdados dos quadrinhos, mas que também remetem a estúdios de animação do século XX que resistiam aos padrões hegemônicos daquela época. No início dos anos 40, alguns dos animadores da Walt Disney entraram em greve, se demitiram e resolveram fundar a própria empresa: United Productors of America (UPA). Estavam revoltados com a “camisa de força” que mantinha o tradicionalismo do gênero e modelo de produção Disney vigente. Os animadores Stephen Bosustow, Saul Bass, Robert Cannon, John Hubley, Pete Burness, Ted Parmelee e William Hartz afirmavam que a animação não teria que ser uma realista imitação cuidadosa da vida real, desta forma “simplificaram o esquema de produção, desenvolveram um desenho linear, abordando uma problemática adulta em que o escapismo foi renegado.” (MIRANDA, 1971, p. 68). É perceptível a influência que os artistas tinham da obra de Picasso. Na série “Mr. Magoo”, observamos uma composição de cores e formas característica do cubismo, o qual explica Janson (2009, p. 366): “começamos a ver que a destruição é bastante metódica; tudo – as figuras, assim como seu ambiente – está quebrado em facetas angulares, as quais, como se pode observar, não são uniformes, mas sombreadas de uma forma que lhes confere uma certa tridimensionalidade”. Este modo de tratar as formas da natureza por meio de figuras geométricas tornou-se a identidade visual das animações da UPA. O claro-escuro perde sua função, e apesar da renúncia à perspectiva,

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Um exemplo claro é o efeito Super Deformed, utilizado nos mangás e animês japoneses, onde caricaturizam os personagens reduzindo-os a crianças e exagerando sua expressão facial.


o que permite a ilusão de profundidade agora passa a ser a representação do volume de forma colorida sobre superfícies. Várias características diferenciam a animação moderna do estúdio UPA da animação clássica Disney, dentre elas: na técnica, podemos perceber a espontaneidade no traço, que permitia possibilidades de manipulação e expressão plásticas mais soltas; na tecnologia, o advento da televisão contribui para a melhor exploração de cores; na estética, os movimentos limitados dos personagens são a marca do estúdio, que foca mais no Design — influenciado pela escola da Bauhaus — do que na própria atuação desses personagens; ainda na estética, além do cubismo citado anteriormente nas obras de Picasso e Rivera, predominam outras influências de movimentos vanguardistas como o abstracionismo geométrico e o fauvismo – pincelada violenta, espontânea, colorido brutal e manchas largas. A repercussão do design exposto pelo estúdio UPA no mundo, assim como ocorrera com estúdio Walt Disney, acabou por criar um modelo de cartoon moderno capaz de influenciar outros estúdios de animação como a Warner, Hanna Barbera, MGM, estúdios do Leste Europeu, e até o próprio Walt Disney. Hoje, muitos cartoons contemporâneos apresentam indícios desta influência estética da UPA. A Cartoon Network, Discovery Kids, Disney XD, Nickelodeon e Fox Kids, dentre outros canais televisivos, apresentam uma gama de personagens que dão continuidade a proposta feita pelos resistentes ex-animadores da Walt Disney e também por outros estúdios como Warner Bros e Hanna & Barbera. Estes desenhos absorveram características formais de alguns movimentos vanguardistas e adaptaram aos personagens e cenários: simplificação e economia do traço; contornos grossos e linhas internas finas; pouco detalhe anatômico nos personagens; e forma sem contornos. Alguns estúdios brasileiros têm conseguido entrar neste círculo fechado de produções de séries televisivas infantis. O projeto Ani-


maTV, primeiro programa de fomento à produção e teledifusão de séries de animação brasileiras, realizado pela Secretaria do Audiovisual (SAV) e a Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do Ministério da Cultura, tem selecionado séries infantis para veiculação na TV Cultura e também Cartoon Network, é o caso das séries “Carrapatos e Catapultas” (Dir.: Almir Correia, 2011) e “Tromba-trem” (Dir.: Copa Studio, 2011). A animação “Josué e o pé de macaxeira” apresenta uma grande influência deste estilo vanguardista moderno. Personagens com design geometrizados em silhuetas quadradas, elípticas, retangulares. Estilo: Animê O animê consolidou-se como um padrão visual desde o início dos anos 80, mediante seu estrondoso potencial na indústria da televisão e cinema mundial, tanto que estúdios norte-americanos começaram a firmar parcerias com estúdios japoneses. Era nítido que as animações nipônicas possuíam uma fórmula de atratividade, um diferencial em relação às produzidas nos EUA naquela década. Segundo Luyten (2000, p. 184), “O ano de 1987 marcou o início de grandes acordos entre editoras”. A autora cita o exemplo do acordo entre a First Comics de Chicago com editoras japonesas. Esta linguagem que diferencia a animação japonesa da ocidental iniciou com a genialidade do japonês Osamu Tezuka. Gravett (2006) nos explica que Osamu lançava mão de inovações nos quadrinhos como: alterar constantemente o ponto de vista do leitor, imitando os movimentos de uma câmera para gerar sensação de ação incansável; reconfiguração dos quadrinhos ajustando-os para livros com número de páginas elevada; linhas de movimento, distorções de velocidade e efeitos sonoros. Outra característica da estética do mangá reinventado por Tezuka seria os olhos grandes dos seus personagens. Segundo Gravett (2006, p. 30), Osamu foi contagia-


do com o hábito do pai de assistir aos filmes estrangeiros, colecionar filmes do Disney, dos irmãos Fleischer (Betty Boop, Popeye e outros) e comédias do Charlie Chaplin. De acordo com Almeida, o animê pode ter absorvido algumas características do teatro nipônico Kabuki e Bunraku, como por exemplo: “a ênfase dos personagens e sua vitalidade; os enredos ilógicos e cheios de fantasia; a ação fragmentada; o clímax da história centralizado no conflito corporal dos personagens.” (ALMEIDA, 2008, p. 2). Tanto o teatro Bunraku quanto o Kabuki, apresentam um foco dramático diferente do teatro grego, o qual influenciou o ocidente. Eles desenvolveram uma linguagem narrativa com “forte apelo à visualidade e identificação com os personagens, explorando os movimentos, expressões e gestos” (ALMEIDA, 2008, p.3). Outra característica que o animê, provavelmente, herdou do teatro Kabuki é o Tate, um movimento cênico composto por atuações grupais de lutas estilizadas com cambalhotas, saltos e acrobacias. Almeida (2008) afirma que o animê apresenta sequências de luta muito similares a essa coreografia do Tate, tendo o recurso da montagem como um grande aliado para potencializar o drama, explorando planos com diversos ângulos, ritmos e apresentando os vários pontos de vista dos personagens envolvidos. Interessante notar também a ligação das cenas de confronto entre heróis e vilões dos animês ao recurso do Tachimawari que são movimentos estilizados de luta com espadas e mão-a-mão muito usado no teatro Kabuki. O Tachimawari é percebido quando: o protagonista confronta-se com os oponentes em lados opostos do palco e ao ocorrer o encontro, os inimigos espalham-se em qualquer direção contra o herói; e em cenas de assassinato onde o uso da câmera lenta acentua a intensidade do tempo enquanto duração (ALMEIDA, 2008).


Considerações No estado de espectadores colonizados, estamos cada vez mais deslumbrados com os produtos midiáticos elaborados a partir de técnicas e estilos visuais já consolidados no mundo, invadindo nossas salas de cinema. Já como produtores, estamos limitados ao pouco espaço conseguido para veiculação na televisão, viabilizado apenas por meio de seletivos projetos de fomento governamental. No tocante as técnicas de produção, o 3D e os estilos visuais como o hiper-realismo no cinema, o cartoon modernista na televisão e a estética animê japonesa não são apenas uma opção dos estúdios, mas de repente a única saída ou certeza para o “sucesso” e aceitação do público. Talvez, o escape para essa constante saturação são as inovações narrativas dos roteiristas modernos e a infiltração do experimentalismo de animações independentes que vemos cada vez mais em festivais de cinema. Não acreditamos que estes paradigmas sejam um problema, talvez engessem um pouco o processo criativo de animação, mas demonstram a incansável capacidade humana inventiva de buscar soluções para melhor expressar seus desejos, ambições, manifestações e interesses diversos, através de um fantástico meio artístico que é a animação. Faz-nos refletir: será que já atingimos um estado excepcional de expressão nessa arte que não precisamos explorar mais nada? Referências ALMEIDA, Roberta Regalcce de. Bunraku e Kabuki: a linguagem das animações japonesas. BOCC. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, p.7, 2008. BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da Animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac, 2002.


FIALHO, Antônio. Desvendando a metodologia da animação clássica: a arte do desenho animado como empreendimento industrial / Antônio César Fialho de Sousa – Belo Horizonte: Escola de Belas Artes / UFMG (Dissertação de Mestrado), 2005. FURNISS, Maureen. Art in motion. Animation Aesthetics. New Barnet: JL, 2007. __________. Animation – Art and industry. New Barnet: JL, 2009. GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2006. JANSON, H. W. Iniciação a história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2009. LUYTEN, Sônia Maria Bibe. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Hedra, 2000. MIRANDA, Carlos A. M. Cinema de animação: arte nova. Arte Livre. Rio de Janeiro: Vozes, 1971. STAM, Robert; SHOAT, Ellia. Teoria do cinema e espectatorialidade na era dos pós. Trad. Fernando Mascarello. In: RAMOS, Fernão (Org.) Teoria contemporânea do cinema, v. 1. São Paulo: Editora SENAC, 2005. p. 393-424. WELLS, Paul. Desenho para animação. Porto Alegre: Booking, 2012. __________. Understanding animation. London: Routlegde, 1998. WOFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. SCHNEIDER, Carla. Visualidade pós-moderna no cinema de animação. Orson – Revista dos Cursos de Cinema do Cearte UFPEL, v. 1, p. 151-161, 2011. Disponível em: < http://orson.ufpel.edu.br/content/01/artigos/primeiro_olhar/150-161.pdf>. Acesso em: 15/12/2012 SOLOMON, Charles. The history of animation: enchated drawings. New Jersey: Wings Books, 1994.


THOMAS, Frank & JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Life: Disney animation. New York: Disney Editions, 1981. Notas de Fim Diego Gomes Brandão é Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE. É Técnico de Design Gráfico no IFPB e Professor da Pós-Graduação em Jogos Digitais na Faculdade Estácio. 1

João de Lima Gomes é Doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE.

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SINGULARIDADES DA PESQUISA EM ARTE E O DOCENTE COMO PESQUISADOR Clícia Tatiana Alberto Coelho (UFBB)1 Erinaldo Alves do Nascimento (UFPB)2

Experiência, por si só, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina, não é ela que é formadora. Formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa experiência (NÓVOA, 2001).

Introdução Este texto apresenta um “recorte” da dissertação, intitulada Imagens de celulares e práticas culturais juvenis no cotidiano escolar (COELHO, 2013), cujo objetivo foi analisar as narrativas imagéticas (fixas e móveis) e orais que um grupo de estudantes do 9º ano armazenava e transportava, diariamente, em seus telefones celulares, e como as professoras de Arte pensavam e reagiam sobre tais imagens. Esta discussão pretende analisar as escolhas metodológicas que balizaram a pesquisa mencionada, atentando para a inserção do docente no campo investigativo de viés qualitativo. O pensamento de António Nóvoa (2001), acima epigrafado, pronuncia a força motriz dessa discussão. Referimo-nos à persistência das indagações que vão se fazendo presentes na dinâmica da nossa prática pedagógica como professores de Arte. Falamos das inquietações e dos questionamentos acerca das escolhas que fizemos e que ainda podemos vir a fazer no processo de ensino e de aprendizagem


na dinâmica do cotidiano escolar. É uma oportunidade para refletir sobre as razões e os motivos que nos tornam ou que possam vir a nos tornar de um modo e não de outro, como docentes. Quando Freire (1996), Nóvoa (2001) e Alarcão (2003) falam sobre a importância da construção do perfil do professor-pesquisador e do professor-reflexivo na prática pedagógica, despertam o nosso interesse em repensar, de forma crítica e inventiva, as relações tensas e conflituosas presentes nos contextos educativos dos quais fazemos parte. Em uma entrevista concedida à Revista Nova Escola1, a educadora portuguesa, Isabel Alarcão, afirmou que o professor reflexivo “é aquele que pensa no que faz. Que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões”. O emprego do termo autônomo pode ser entendido como uma “autonomia relativa”, visto que o professor pode fazer escolhas que julgue pertinentes ao processo, podendo interferir, mudar ou abandonar currículos pré-estabelecidos caso seja necessário. Nesta perspectiva, o questionamento torna-se a base do trabalho docente, especialmente quando se leva em consideração as ponderações de Paulo Freire: [...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar e constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 32). 1

Disponível no endereço eletrônico: <http://www.firb.br/txts/txts14.htm>. Acesso em 07 nov. 2011.


Reconhecemos a importância e a necessidade de o professor possuir um perfil reflexivo e crítico, mas também detectamos — como sujeitos que vivenciam a docência — que esta experiência nem sempre assume tais características. Essa situação pode ocorrer por causa dos interstícios paradoxais e contraditórios, existentes nas interfaces inseparáveis entre teoria e prática. Em razão de tais circunstâncias, o profissional, em vários momentos, vê-se imerso, ora por comodidade, para não ‘dificultar’ o processo; ora por falta de qualificação e, outras vezes, porque a docência apresenta-se de maneira solitária em muitos momentos da ação. A respeito da “solidão docente”, Idália Sá-Chaves e Maria Amaral (2000) ressaltam que a prática pedagógica do ‘eu solitário’ ocorre quando o professorado não consegue ir além das “receitas” que lhes foram ‘prescritas’ durante a formação e/ou durante a sua experiência profissional. É importante considerar, também, as muitas outras receitas normatizadas e naturalizadas como “certas” por meio dos órgãos gestores, que lhe são dadas e quase nunca contestadas ou problematizadas. A solidão docente pode ser entendida, ainda, como uma ação diferenciada, mas isolada ou interditada, demarcada por um isolamento profissional. É a situação na qual o professorado não consegue partilhar com outros companheiros de profissão o que aprende quando ensina e o que ensina quando aprende. A solidão docente é um passado que insiste em permanecer no presente. Compreendemos a prática pedagógica como a expressão das atividades diárias desenvolvidas na escola e em todas as situações que demandam e complementam este fazer. São as “pequenas acontecências” (CERTEAU, 1994) do cotidiano, responsáveis por emanar as necessidades de se investigar e de buscar alternativas para que se possam construir outros olhares. Por isso, é importante vê-la de maneira crítica e suscetível de transformação, apesar da persistência de uma tradição, que, ao ser julgada improdutiva, precisa dar lugar para


outras sendas, trilhas e demais possibilidades de atualização. A prática pedagógica é “orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto” (VEIGA, 1992, p. 16). Trata-se de uma dinâmica que entende o exercício pedagógico como desdobramento da vida. Recorrer à trajetória de vida, num exercício autonarrativo pode estabelecer relações reflexivas entre a experiência com a docência e a necessidade de construir sentidos para a pesquisa no campo do ensino de Arte. A autonarração docente construindo relações e variáveis investigativas A dinâmica da autonarração pode ser entendida como uma modalidade de relato autobiográfico também conhecido como: autobiografia, memória e história de vida que podem gerar importantes fontes qualitativas de investigação (SOUZA, 2007). Em razão disso, apropriamo-nos brevemente do exercício da narrativa (auto) biográfica para tecer argumentos que possam elucidar as razões pelas quais um docente lança-se na empreitada de fazer pesquisa no campo do ensino das Artes Visuais. Exemplificamos com o relato de Clícia Coelho, a respeito do seu percurso profissional, transcrito em sua pesquisa de mestrado: Minha relação profissional com a docência iniciou quando concluí o ensino médio, em 1998, num curso de formação de professores, no Instituto de Educação do Estado do Amapá (IEEA), que na época chamava-se Magistério para as Séries Iniciais. Quando ingressei no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística, na Universidade Federal do Amapá, em 1999, já exercia a profissão, lecionando para as classes de 1º ao 5º ano do En-


sino Fundamental I (antiga 1ª a 4ª séries). Desde esse período, servia-me da prática e da vivência nos ambientes educativos para melhor compreender sua dinâmica e aprender a ser professora. Ao longo dessa trajetória, acumulei experiência como docente nas várias instâncias do processo educativo, como na educação Infantil, no Ensino Fundamental I e II, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), bem como no Ensino Superior, com a formação de professores de Arte. Durante este percurso fui servidora das redes de ensino pública e privada. Atuei ativamente como membro de entidades sindicalistas, associações de professores e cursos de formação continuada. Ressalto que toda a experiência acumulada durante esse percurso profissional, aliada à força pessoal de continuar sendo aprendiz, contribuiu decisivamente no desdobramento desta pesquisa, cuja problemática surgiu da experiência de ser professora de Arte e da necessidade de compreender algumas situações vivenciadas por professores e estudantes no cotidiano, relativas à presença do telefone celular na escola (COELHO, 2013, p.12).

Corriqueiramente, professores têm suas aulas interrompidas por sons de Mp3, ou campainhas de telefones celulares dos estudantes que, por descuido ou não, insistem em utilizar o aparelho na sala, causando conflitos e polêmica a respeito da permissão ou da proibição do dispositivo no interior da escola. De um lado, estão as regras e a disciplina escolar e, de outro, o fascínio que o telefone celular desperta nos estudantes, em especial, nos adolescentes. Essa situação


pode ser observada no diálogo2 abaixo, em que uma adolescente, de 13 anos, expõe a sua relação com o aparelho. Pesquisadora: Pan, qual importância você atribui ao telefone celular para sua vida? Pan: É muito importante. Ah... Eu acho que não conseguiria ficar sem ele nem uma semana, nem um dia... (risos). É muito importante professora! Pesquisadora: (risos) Já aconteceu de você esquecer o celular em casa? Pan: Já. Ah... Foi horrível professora! Eu fiquei desesperada porque eu não queria que minha mãe visse as coisas e lesse minhas mensagens... (risos). Só me acalmei quando lembrei que tinha colocado senha. Foi aí que eu melhorei um pouco. Mas, antes eu chorei, chorei! (risos). Compreendemos a sala de aula como um espaço educativo que se apresenta como um campo relacional fértil e de múltiplas possibilidades de interação, troca, conflito e tensões geradoras de processos de ensino e de aprendizagem. As vivências do cotidiano provocam e fomentam, cada vez mais, a necessidade de estudos focalizados nessa dinâmica, percebendo a importância do dia-a-dia, ouvindo e dando voz aos agentes formadores de opiniões, diretamente envolvidos no processo, como é o caso dos professores e alunos.

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Os diálogos e as falas dos colaboradores da pesquisa (sujeitos da pesquisa) foram destacados no documento pelo uso de caixa de texto, com fonte em itálico e espaçamento simples. E os nomes utilizados para identificá-los são fictícios. Essa prática visa “dar voz” aos sujeitos como forma de humanizar a investigação.


A importância da delimitação objetiva para a pesquisa Durante a elaboração da questão principal da pesquisa, observamos que, para contemplar, em magnitude, o escopo do problema não seria possível cunhar somente uma questão basilar e, sim, duas, que se complementavam. As indagações foram: como são as narrativas visuais (fixas e móveis) e orais que um grupo de estudantes do 9º ano da Escola Estadual Antônio Cordeiro Pontes, em Macapá/AP-BR, armazenam e transportam diariamente, nos seus telefones celulares e como as professoras de Arte desta escola se relacionam com tais imagens? A partir da pergunta principal, outras foram desencadeadas, a fim de delimitar e direcionar a averiguação, seguindo uma ordenação flexível e exploratória. As questões foram: como os estudantes de uma turma do 9º ano da Escola Antônio Cordeiro Pontes, em Macapá/AP, construíam sentidos a partir das imagens dos seus celulares? Como estes jovens estabeleciam suas representações sobre si e sobre os outros diante ou a partir das imagens? Como o professorado de Arte da Escola Antônio Cordeiro Pontes, em Macapá/AP, concebia a presença dos telefones móveis e demais modalidades de tecnologia informacional e comunicacional (TIC) no processo educativo formal? A partir da definição clara da questão-problema, os objetivos foram estrategicamente elaborados. Sendo que, para complementar as perguntas da pesquisa, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: identificar quais imagens e quais narrativas visuais os estudantes tinham armazenados em seus telefones celulares; situar o uso dos dispositivos de TIC, dando ênfase para o celular e seus desdobramentos na vida cotidiana dos adolescentes; inferir sobre os possíveis significados e as contribuições das narrativas visuais armazenadas nos celulares dos estudantes para os processos de ensino e de aprendizagem em Artes Visuais; e, analisar a relação das professoras de Arte da escola com os dispositivos de tecnologia, informação e comunicação.


Ressaltamos a importância do papel dos orientadores — geralmente professores — pois contribuem decisivamente com seus “olhares” especializados e experiência no campo da investigação para a construção dos procedimentos metodológicos e conceituais. O “estado da arte” e a pesquisa qualitativa Investigar as imagens que os estudantes armazenavam em seus telefones celulares surgiu a partir da necessidade de compreender as relações existentes entre este dispositivo e as vivências no contexto escolar. A recorrência de casos de “indisciplina” na escola, relacionados ao uso do telefone móvel e a observância da facilidade do uso das tecnologias multimídias pelos alunos, passaram a ser foco do nosso interesse. Coelho (2013) recorda uma situação bastante provocativa, ocorrida durante sua trajetória como professora de Arte na escola, local da pesquisa. O caso ocorreu no ano letivo de 2008 durante uma roda de conversa com um grupo de estudantes da 8ª série (atual 9º ano). No momento em que ela se aproximou do grupo, percebeu que falavam e riam bastante. Diante da situação, quis saber sobre o que falavam tão empolgadamente. A dinâmica extrovertida do relacionamento entre professora e alunos facilitou que expusessem suas motivações. A protagonista do caso relatou que se tratava de imagens gravadas com o telefone celular, nas quais ela aparecia em cenas íntimas com outro colega da escola, sendo que, ele mesmo, com o consentimento dela, gravou as cenas utilizando o celular. O que mais chamou a atenção foi perceber que não havia constrangimento de nenhum dos envolvidos no caso. Ao contrário, naquele momento, a jovem se mostrava confiante e satisfeita com a repercussão do ato no grupo, que também reforçava o feito com comentários engraçados, mas sem julgamento negativo.


Passamos a observar a ocorrência frequente de casos como esse a ponto de elegermos as imagens que os estudantes armazenam em seus telefones celulares como o foco do estudo. Compreender como estudantes e professores se relacionam com tais arquivos imagéticos tornou-se imprescindível para novas tomadas de decisão com relação às possíveis possibilidades de apropriação ou desapropriação que se possa fazer do aparelho celular no cotidiano escolar. Uma busca nos arquivos de periódicos brasileiros específicos sobre pesquisa científica — como CAPES, SCIELO, nos bancos de teses e dissertações de universidades como UNICAMP, USP, UFG, nos anais da ANPAP e da ANPED — no período de 01/04 a 31/05/2011, foi possível constatar a não ocorrência de estudos que abordem, especificamente, sobre a investigação das narrativas imagéticas de telefone celular no âmbito escolar. Contudo, a revisão evidenciou temas correlacionados como: o uso de tecnologia, informação e comunicação (TIC) na educação. A dissertação de mestrado de Angeles Cônsolo (2008), denominada Mobile Learning: o aprendizado do século XXI fez um levantamento do estado da arte dos dispositivos móveis, chamando a atenção para o potencial que apresentam para o desenvolvimento cognitivo e para a aprendizagem tanto informal quanto formal. Fez uma abordagem exploratória sobre os dispositivos móveis como: aparelhos celulares, games, MP3, MP4, Ipods entre outros. Também abordou conceitos como: mobilidade, portabilidade e conectividade. Por fim, apresentou uma análise reflexiva sobre as teorias de aprendizagem e os potenciais cognitivos acerca do uso dos dispositivos móveis. A investigação de Lidiane Dutra e Ana Maio (2009), chamada O ensino de arte diante das tecnologias contemporâneas, buscou ratificar a pertinência de um ambiente virtual capaz de contribuir para o ensino e a aprendizagem dos acadêmicos do Curso de licenciatura em Artes Visuais e para a formação continuada de professores de Arte da rede pública de ensino do Município de Rio Grande/RS. Apresentou


também, uma reflexão sobre as atuais práticas pedagógicas que caracterizam o ensino de Arte, aliadas às tecnologias contemporâneas. Outras pesquisas — realizadas em sites de busca na Internet — apontaram publicações sobre iniciativas envolvendo o uso pedagógico do telefone celular. Dentre elas, há a do professor Suintila Valiños Pedreira3, que utilizou pedagogicamente os recursos multimídias do telefone celular nas aulas de Física com estudantes de uma escola pública. Por meio de um aplicativo de computador, ele desenvolvia os questionários e, depois, baixava para o celular. O arquivo, então, era enviado por Bluetooth (tecnologia de comunicação sem fio por ondas de rádio) aos estudantes. Quando o estudante respondia a todos os exercícios, o sistema mostrava quantas questões ele tinha acertado. Os arquivos ficavam armazenados nos celulares dos alunos que acessavam quando podiam e quantas vezes quisessem revisar. O levantamento serviu de parâmetro para o conhecimento do “estado da arte” ou estado do conhecimento — pesquisas de caráter bibliográfico (FERREIRA, 2002) — e ressaltou a importância e a necessidade de conhecer investigações que ajudam a compreender a problemática. Conhecer situações do cotidiano dos estudantes e do professorado como foco de investigação, ampliou a possibilidade de melhor compreender e realizar o objetivo do estudo. O cotidiano escolar como um importante guia para as escolhas metodológicas Consideramos a fase da pesquisa de campo como um momento de grande importância. Entendendo-a como uma ocasião decisiva para toda e qualquer investigação empírica, exploratória e qualitativa, que lida com pessoas e seus universos sociais. Por isso, ex3

Professor e moderador do blog:<http://www.seraoextra.blogspot.com/>. Acesso em 20 nov. 2011.


planamos detalhadamente os procedimentos metodológicos adotados no referente estudo que foram, excepcionalmente, construídos a fim de conduzir com êxito o trato com os colaboradores. A pesquisa caracterizou-se, quanto à natureza e aos objetivos, como qualitativa e exploratória. Pode ser considerado, também, um estudo de caso, quanto ao seu princípio de delineamento. Em relação à geração e análise de dados, exploramos entrevistas semiestruturadas do tipo individual e uma discussão de grupo focal, bem como a análise de discurso, a partir de algumas contribuições da perspectiva da cultura visual, caracterizando-se como uma abordagem de métodos mistos. As pesquisas, que adotam esses vieses, “estudam as coisas nos seus cenários naturais, tentando entender ou interpretar, os fenômenos em termos de significados que as pessoas lhes conferem” (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 17). O caráter exploratório configura-se em um fato pouco explanado que apresenta dificuldade de formulação hipotética e operacionalidade. Aventura-se na intenção de fundamentar e analisar discursos de valor íntimo agregado a cada dado gerado (GIL, 1999). O estudo de caso por sua vez, “é uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, sendo que os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2001, p. 32). Por isso, merecem atenção e trato singular. A seleção do campo de pesquisa baseou-se em três fatores estratégicos: referência geográfica, histórica e a relação pessoal com a pesquisadora. O campo de investigação foi o ‘universo’ de uma sala de aula, do 9º ano do Ensino Fundamental, da escola da rede pública denominada Antônio Cordeiro Pontes (ACP)4, na cidade de Macapá/ AP — BR. 4

Blog da escola ACP: <http://eeantoniocordeiropontes.blogspot.com/>. Acesso em 03 jan. 2012.


A escola ACP é considerada uma instituição de referência histórica e tradicional no Estado e está situada na Av. FAB, nº 264, Bairro Central, numa área considerada nobre, porque dá acesso às outras áreas da cidade. Foi inaugurada em 1949 com o nome de Escola Profissional Getúlio Vargas. Atualmente, a instituição oferta o Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano e o ensino médio, funcionando em dois turnos (manhã e tarde). O colégio possui um contingente de aproximadamente 1.400 estudantes, atendendo a uma clientela diversificada vinda de todos os bairros da cidade. Além dos aspectos mencionados, a escola ACP também foi escolhida por causa da relação profissional da pesquisadora com a instituição. Aldo Victorio Filho (2007), no artigo intitulado Pesquisar o cotidiano é criar metodologia, ressalta que o professor-pesquisador investiga o “seu local”, onde “se vive” e de onde “se fala” com propriedade de conhecimento e de causa. Mesmo não sendo uma pesquisa de natureza autobiográfica ou participante, foi possível, estabelecer uma relação direta entre a pesquisadora com o foco investigado. Isso ocorreu porque “no espaço e no tempo da pesquisa [...] o pesquisador é inexoravelmente inseparável daquilo que investiga” (VICTORIO FILHO, 2007, p. 101). É possível dizer que, ser professora de Arte da escola ACP agregou à investigação um “olhar” de pesquisador mais participativo e, acima de tudo, familiarizado com o problema, sem deixar de preservar, evidentemente a ética e um processo de “desnaturalização” pertinente à realização da pesquisa. Um dos fatores mais importantes na investigação qualitativa é o tratamento dado aos participantes, que atuam na condição de informantes e de sujeitos colaboradores da pesquisa. Foram considerados colaboradores aqueles que cooperaram decisivamente para a realização da investigação. Foram selecionados dois grupos-chaves como unidades de análise: um constituído por quatro professoras e o outro por oito estudantes.


Para Barbour (2009), as pesquisas envolvendo o grupo focal, no qual o interesse principal é explorar profundamente os significados socialmente construídos, a transcrição de modo verbal ou de nota de campo deve ser literalmente respeitada. Por esta e outras razões, são indicados, no máximo, oito participantes por grupo, delimitação que além de favorecer a transcrição de todos os detalhes das entrevistas, também, favorece o cruzamento dos dados subjetivos. Com o grupo formado por professoras, investigamos as que eram formadas, no âmbito da Licenciatura, para atuar no ensino de Arte e que lecionavam a referida disciplina na escola escolhida. A despeito de somente uma professora ministrar aulas na turma selecionada, julgamos importante, para melhor compreender o problema da pesquisa, aproveitar a oportunidade para ouvir como pensava a equipe docente de Arte da escola. O outro grupo foi formado por estudantes de ambos os sexos que integravam uma turma do 9º ano. Este grupo de respondentes foi composto, seguindo os principais critérios: a) indicação das professoras de Arte da escola ACP – ao justificar que os estudantes precisavam ter uma faixa etária entre 12 e 14 anos, as docentes indicaram os estudantes do 9º ano, pois eram os que mais utilizavam o telefone celular na sala de aula. Eram, também, os que mais apresentavam casos de indisciplina pelo uso indevido do dispositivo móvel. Como na escola existiam seis turmas do 9º ano, a seleção da turma 811, do turno da manhã, foi feita por meio de sorteio; b) da turma selecionada, foram privilegiados os estudantes que possuíam telefone celular, com tecnologia multimídia e que aceitaram disponibilizar seus acervos imagéticos armazenados no dispositivo móvel, bem como fornecer entrevistas para a realização da pesquisa; c) os estudantes foram selecionados por meio de convite formalizado, após a exposição dos pontos chaves do projeto para toda a classe. É importante ressaltar que, para integrar a equipe de colaboradores da pesquisa, os responsáveis dos estudan-


tes autorizaram formalmente a participação dos menores de idade para garantir a legalidade da pesquisa. As pesquisas qualitativas são comumente alimentadas por diversas possibilidades de coletas de dados. Uma das suas características fundamentais é continuamente ser provocada pelo problema da investigação, exigindo flexibilidade e diversidade metodológica. A este respeito, Flick (2004, p.22) afirma: “a pesquisa qualitativa não se baseia em um conjunto metodológico unificado”. Em razão disso, essa flexibilização permite a utilização de uma abordagem metodológica mista, como a que foi adotada para a realização deste estudo. Os estudos guiados por métodos mistos são aqueles que empregam mais de uma abordagem para gerar e analisar dados. Permitem a combinação de métodos qualitativos ou quantitativos, de abordagens qualitativas diferentes como observação de campo, entrevistas ou grupos focais (BARBOUR, 2009). Neste aspecto, é útil encarar os grupos focais e as entrevistas individuais — ou de fato qualquer outra forma de coleta de dados qualitativa ou quantitativa — como produzindo bases de dados paralelas. Tal abordagem permite ao pesquisador aproveitar o potencial comparativo de várias bases de dados, em vez de ser capturado por tentativas de estabelecer uma hierarquia de evidências (BARBOUR, 2009, p. 73).

Orientados por essas ideias e, principalmente, guiados pelas características peculiares da problemática, optamos pela abordagem de métodos mistos: a combinação entre entrevistas individuais e discussões de grupos focais para a geração de dados e formar a base analítica do discurso de estudantes e professoras. Como o foco principal estava entrecruzado pela interação de saberes, ou seja, investigar as narrativas visuais (fixas ou móveis), armazenadas nos telefones


celulares dos estudantes e na compreensão de como os professores de Arte relacionavam-se com tais imagens, as fontes imagéticas, chamadas de arquivos, conseguidas durante a entrevista individual, foram consideradas como variáveis documentais de grande importância para a análise dos dados. Esta combinação de métodos é aconselhada por Barbour (2009), especialmente, quando se emprega um esquema de análise cujo objetivo é a triangulação que diz respeito às tentativas de comparar os dados obtidos por meio de métodos diferentes, ou seja, baseada na noção de corroboração ou validade trazida da tradição quantitativa. Atendendo a essas peculiaridades, os dados coletados nas entrevistas individuais e nas discussões com os grupos focais foram cruzados e comparados a fim da obtenção de resultados satisfatórios. Para isso, realizamos uma seção de entrevista individual com cada respondente e, posteriormente, uma reunião em grupos focais distintos (um formado por professoras e outro por estudantes) para ampliar a discussão sobre o foco da pesquisa. As entrevistas individuais e discussões nos grupos focais foram semiestruturadas. Servimo-nos de guias de tópicos que são conjuntos de questões ou direcionamentos gerais que antecipam as áreas a serem cobertas nas entrevistas e nas discussões dos grupos focais. Os roteiros foram construídos a partir de um estudo piloto. Tais procedimentos colaboraram para indicar se determinadas linhas de questionamento e terminologia seriam aceitáveis ou não para os participantes (BARBOUR, 2009). Segundo Gaskell (2002), a combinação das entrevistas em profundidade e as discussões em grupos focais, também são conhecidas como “enfoque multimétodo”. São modalidades de entrevistas qualitativas que apresentam várias vantagens, como acessar narrativas pessoais (arquivos armazenados no telefone celular) e poder levá-las para uma discussão em grupo. Ação que só é possível com a utilização de metodologias mistas.


A entrevista individual, também, conhecida como entrevista em profundidade, é uma conversa entre entrevistador e o entrevistado, uma interação em dupla. O entrevistador precisa estabelecer uma relação de confiança e segurança por meio do encorajamento verbal (GASKELL, 2002). Para o autor, a entrevista individual é indicada quando o objetivo da pesquisa é explorar em profundidade o mundo da vida do respondente, quando os tópicos se referem às experiências individuais detalhadas e quando o assunto em foco possa provocar alguma ansiedade. Tal situação é possível de ser percebida na fala de Brow, aluno colaborador, quando foi indagado sobre as suas experiências com o uso do celular na sala de aula. Brow: Já vi sim, ano passado, teve uma professora que saiu chorando da nossa sala de aula porque o menino estava usando o celular e enchendo a paciência dela. Ela expulsou ele de lá e disse que não ia mais dar aula na nossa sala. Ela ficou muito brava. A entrevista em profundidade possibilita estreitar laços de confiança e credibilidade entre o entrevistador e o respondente, além de fornecer dados importantes para a construção dos guias tópicos para os estudos posteriores. Foi, neste momento que tivemos acesso às imagens armazenadas no telefone celular dos estudantes. Arquivos que compuseram decisivamente o quadro amostral significativo. A discussão em grupo focal pode ser definida como um método de coleta de dados qualitativos que possibilita a análise de declarações e relatos sobre experiências e eventos. Pode ser utilizada, especialmente, quando se pretende discutir tópicos especiais sugeridos pelo pesquisador de forma interativa com o contexto e quando os tópicos da conversa são considerados delicados (BARBOUR, 2009). Em razão disso, foram adotados para nortear a discussão os arquivos pessoais armazenados nos telefones celulares dos estudantes selecio-


nados para a pesquisa. Faz-se pertinente a formação de um grupo focal quando a intenção é verificar a subjetividade dos participantes e como estes interagem com outros sujeitos e com o meio, conforme a exposição dos guias de tópicos e dos materiais de estímulo que são recursos materiais utilizados como instigo para provocar ideias e discussões. São estratégias para fazer com que as pessoas usem sua imaginação e desenvolvam ideias e assuntos (GASKELL, 2002). Na realização das discussões focalizadas foram utilizados recursos multimídias para expor imagens fixas e móveis com a finalidade de provocar a fala dos colaboradores sobre o assunto. Isso pode ser observado na fala de uma professora durante a realização da discussão: Fátima: Vejo vocês mostrando esse vídeo e associo com minha sala de aula. Eu tive um aluno, ano passado que todo o conteúdo que eu levava ele pesquisava na Internet pelo celular. E aquilo para mim era muito instigante. Ver o interesse dele, de querer saber mais me instigava. Então, eu não me incomodo quando o aluno usa o telefone na aula, desde que ele não escute alto, não incomode os outros colegas. Para mim não tem problema. Agora, tem um problema quando é época de prova. Eu percebi que eles passavam cola um para o outro por SMS. Então, no dia de prova eu peço para que eles guardem. É possível perceber que a discussão focalizada permite gerar dados particulares e pormenorizados bastante significativos para compreender como grupos específicos respondem a questões possíveis de uma generalização cuidadosa. No entanto, é importante ressaltarmos a fragilidade deste procedimento metodológico quando a intenção é obter narrativas pessoais. Isso ocorre porque a “natureza das discussões de grupos focais significa que as histórias, provavelmente, não


vão se desenvolver sequencialmente, tal como seria o caso em uma entrevista individual” (BARBOUR, 2009, p. 41). Como a intenção era termos acesso aos acervos imagéticos, considerados como narrativas pessoais dos estudantes, tornou-se imprescindível a ocorrência das entrevistas em profundidade com cada respondente. A proposição de um enfoque metodológico misto foi necessária por ser considerado um procedimento complementar, possibilitando o acesso aos dados subjetivos relativos à investigação. Tal atitude tornou possível posteriormente, o cruzamento e a comparação dos dados para a construção de conclusões condizentes. De acordo com Gil (2010, p. 120) “na maioria dos estudos de caso bem conduzidos, a coleta de dados é feita mediante entrevistas, observações e análise de documentos”. As orientações, apontadas pelos autores destacados, confirmaram e legitimaram a escolha pela abordagem mista para a condução das ações. A primeira fase da pesquisa foi compreendida como os procedimentos de agendamento inicial para a visita de campo, a revisão de assuntos preliminares, bem como a verificação de procedimentos de acesso aos documentos especiais relativos à pesquisa. A segunda fase destinou-se à seleção dos colaboradores e aconteceu por meio da exposição dos objetivos em foco e dos critérios necessários para o envolvimento dos informantes. Para garantir a confiabilidade e ética da investigação, foram utilizados documentos formais de autorização. A realização das entrevistas individuais com todos os colaboradores, de acordo com critérios pré-estabelecidos para cada grupo, incluindo o seguimento de guias de tópicos específicos para professoras e estudantes, caracterizou-se como a terceira fase. Com a posse da autorização dos informantes/colaboradores, as entrevistas tiveram o áudio gravado em um telefone celular, enfatizando mais uma das potencialidades deste dispositivo móvel. A quarta fase foi a realização de discussões com os grupos focais distintamente. Foram adotadas as rodas de conversas com os


grupos focais de professoras e de estudantes separadamente. As sessões aconteceram no ambiente da escola ACP, e contaram com uma preparação a fim de favorecer a geração dos dados como: materiais de estímulos, notas de campo e instalação de equipamento para registrar as discussões. As evidências geradas em cada entrevista ou discussão com os grupos focais foram analisadas e categorizadas parcialmente após cada sessão para depois serem usadas como elementos fundamentais na construção do relatório de análise. É importante ressaltarmos a dinâmica própria de cada pesquisa diante das diversas possibilidades investigativas e dos caminhos condescendentes e extraordinários acerca do seu desenvolvimento. A flexibilidade teve uma abertura eminente neste estudo, pois faz parte das características da pesquisa qualitativa não manter estruturas rígidas e fechadas em si. Desejou-se o contrário, deixar-se guiar pelas necessidades apresentadas pelos grupos de colaboradores. A análise de dados foi compreendida como o momento de cruzar e comparar informações geradas pela pesquisa de campo com as abordagens teóricas acerca da questão principal da pesquisa. Para Gil (2010), diferente dos outros procedimentos metodológicos de pesquisa, a análise e a interpretação dos dados de um estudo de caso ocorrem respectivamente à sua coleta; tarefa considerada delicada e que merece toda a atenção possível em virtude da multiplicidade de enfoques analíticos. Este autor também sugere uma ordem coerente para o cumprimento desta etapa que são: a codificação dos dados, o estabelecimento de categorias analíticas, a exibição dos dados, a busca de significados, a busca da credibilidade e a redação do relatório ou o texto da dissertação. O emprego da triangulação como um método de averiguação no estudo de caso busca basicamente, a convergência das informações e a estipulação de formas mais específicas de validação do estudo, o que ocorre mediante a manipulação dos dados. A triangula-


ção dos dados pode ser feita quando fontes diferentes de evidências convergem para o mesmo conjunto de fatos ou descobertas visando fortalecer as delimitações do construto (YIN, 2001). No entanto, essa ideia de convergência não pode ser confundida com anulação de dados contrários e divergentes que possam aparecer na análise. A triangulação também pode ser utilizada como um método para contestar “verdades” supostamente estabelecidas como forma de analisar evidências. O que se almeja não é discutir se os dados corroboram ou se anulam completamente ao fenômeno social investigado e sim “produzir um retrato do fenômeno em estudo que seja mais completo do que o alcançado por um único método” (DUARTE, 2009, p. 14). O esquema (figura 1) demonstra como os dados foram analisados segundo o método exposto. Figura 1 - Esquema dos métodos de análise e interpretação das evidências.

Fonte: Arquivo dos autores.

A redação do relatório final da pesquisa começou a ser executada simultaneamente com as fases de busca de significados e de credibilidade das evidências, ou seja, na pré-análise dos dados, ainda


na pesquisa de campo sob a perspectiva do método discursivo analítico como prática social. A análise do discurso preocupa-se com a ‘orientação da ação’ e a ‘função do discurso’, ou seja, compreende todo discurso como ação social onde a linguagem e seus meios de propagação não são vistos como unificados e coerentes. De acordo com Rosalind Gill (2002, p. 252) o ponto inicial mais útil da análise do discurso como prática social “é a suspensão da crença naquilo que é tido como algo dado. Isto é semelhante à regra de procedimento dos antropólogos de tornar o familiar estranho”. Essa lógica fundamenta-se em assumir uma postura crítica e cética sobre o conhecimento posto sem contra argumentação e reconhecer que as maneiras de ver o mundo são histórica e culturalmente construídas, específicas e relativas às práticas sociais. Servimo-nos das reflexões sobre leitura e interpretação de imagens pensadas por Fernando Hernández (2000) e Teresinha Franz (2003), entre outros autores, para analisar as imagens armazenadas nos celulares dos estudantes. As relações entre os artefatos visuais e suas representações culturais, compreendendo a cultura a partir do campo socioantropológico e enfatizando o cotidiano e as relações de poder nele construídas. Teresinha Franz (2003), fundamentada em pressupostos deflagrados por Hernández, esquematizou uma abordagem dinâmico-analítica de imagem, mediada pela compreensão crítica de cinco âmbitos não hierárquicos: o histórico-antropológico — que incide na ideia de que representações e os artefatos visuais não podem ser vistos, analisados e interpretados fora de um contexto histórico-social; o estético-artístico — que consiste na problematização das legitimações estéticas e artísticas instauradas em diferentes contextos históricos e sociais. Sendo que os questionamentos acerca destas compreensões precisam superar as ordens canônicas e restritas às Belas Artes; o pedagógico — que versa sobre as possibilidades de ensino e de aprendizagem desencadeadas a partir dos artefatos e de suas representações,


independentemente da sua situação educacional, quer seja formal, informal ou não formal; o biográfico — que compreende os aspectos identitários dos sujeitos envolvidos no processo de análise; e o crítico-social — que trata das contribuições que a análise de artefatos e suas representações podem promover para a construção de uma consciência crítica e social dos sujeitos. No intuito de abranger os diferentes âmbitos de compreensão, acima propostos, elencamos algumas questões flexivas para delinear, orientar e mediar de maneira direta ou indireta a análise das narrativas visuais: que saberes são validados pelas imagens? Quais saberes são produzidos na relação com as imagens? O saber de quem e para quem? Como as imagens mostram tais saberes? Quem são os sujeitos destacados ou excluídos na imagem? Quem fala ou quem está autorizado a falar? Como as imagens são mostradas? O que pode estar sendo ou não dito na imagem ou a partir dela? Como as imagens se relacionam com o que penso, vejo, ajo e digo? (NASCIMENTO, 2009). A análise dos dados coletados na pesquisa de campo, segundo estes parâmetros, auxiliou-nos na compreensão das razões pelas quais os estudantes armazenavam determinadas imagens em seus telefones celulares e não outras, bem como as relações que as professoras de Arte tinham com tais imagens. Considerações finais Iniciamos essa discussão evidenciando a construção do perfil do professor-reflexivo/professor-pesquisador para o processo educativo e os desafios desse ofício diante das problemáticas educacionais contemporâneas. Enfatizamos as singularidades da pesquisa em arte a partir da exposição e explanação dos percursos metodológicos de uma investigação qualitativa no cotidiano escolar que se deixou guiar pelas descobertas, principalmente, no trato direto com os colaboradores investigados.


Coelho (2013), dentre outras questões, constatou que as imagens armazenadas nos celulares dos estudantes são convites a repensar o currículo e a escola, pois, atuam neste contexto como modalidades de resistência ao poder instituído pela escola quando são proibidas, não valorizadas ou ignoradas. Se tomadas como dispositivos pedagógicos podem ser uma oportunidade para que os processos de ensino e de aprendizagem se tornem repletos de significação para sujeitos ativos, efetivamente, envolvidos e interessados. Com a pesquisa em arte acontece a mesma situação. Como um constante repensar sobre as escolhas metodológicas. Buscando significados que contribuam para responder e ou solucionar as problemáticas postas. O pesquisador precisa “estar aberto às descobertas e cultivar a simplicidade de saber que sempre é tempo de rever, recriar e repensar os motivos para se manter determinados modos de pensar, ver, dizer e agir” (COELHO, 2013, p. 157). Compreendemos essa tarefa como um desafio para aquele que se lança nesse devir, pois por conta das singularidades da investigação em arte, o desdobramento do pesquisador se potencializa diante das suas necessidades e objetivos. A tarefa de criar e relacionar métodos científicos de investigação requer, acima de tudo, saber que não estão postos como receitas a seguir. O que se tem são orientações e possibilidades de escolhas que se constituem em novas metodologias. É interessante notarmos que a pesquisa “ganha vida própria” a partir da formulação dos objetivos e as descobertas se dão com a prática da investigação a partir de um entendimento crítico da situação.

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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª Ed. Porto Alegre: Ed. Bookman, 2001. Notas de Fim Clícia Tatiana Alberto Coelho (UFBB) é Mestre em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE. É especialista em Metodologia do Ensino da Arte com complementação ao Magistério Superior pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão. Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amapá e professora de Arte da rede pública do Estado do Amapá. 1

Erinaldo Alves do Nascimento é Doutor em Artes pela USP. Mestre em Biblioteconomia pela UFPB e graduado em Educação Artística pela UFRN. É professor do Dep. de Artes Visuais (UFPB) e do Mestrado em Artes Visuais (UFPB/UFPE).

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Título Encontros e conexões em artes visuais — Vol. II Organizadores Madalena Zaccara, Maria Betânia e Silva, Robson Xavier da Costa Capa Robson Xavier Obra Sem título Técnica Acrílico sobre tela e colagem Diagramação Elvira de Paula Revisão de Texto Os autores Formato digital Fontes ClearlyGothic e ClearlyRoman



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