Pesquisa e Extensão Diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

Page 1

Coordenadora da Licenciatura em Artes Visuais da UFPE

978-85-415-0756-1

Gabriela Santana, Marcondes Lima, Maria Acselrad, Maria Betânia e Silva (Orgs.)

Maria das Vitórias Negreiros do Amaral

Pesquisa e Extensão: diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

específicos em Artes Visuais como Abordagem das Temáticas Étnico-Racial e de Cultura Regional no Ensino de Arte em Escolas Estaduais do Recife e Somos Alfabetizados em Arte?; em Teatro com o Diálogos Pernambucanos: o teatro de Isaac Gondim Filho, à luz da ação renovadora de Hermilo Borba Filho e Encruzilhadas Dramatúrgicas: Peça BRASIL; em Dança com o Dança e Desconcentração – 2ª Parada: William Forsythe, polifonias deslizantes. Conhecemos ainda, projetos de extensão que mostram a práxis dos cursos de Artes Visuais, Teatro e Dança na qual apontam caminhos profissionais para os estudantes e interessados nessas áreas de conhecimentos, que passam pelas oficinas de Artes Visuais para idosos(as) com o Cores da Alma; projetos que tratam da interculturalidade na academia com os mestres de tradição com o Capoeira no CAC e ainda os que discutem sobre corpo e movimento com o CORPO-CONEXÃO: formação e criação em Dança e Teatro e Nas Salas, Telas e Terreiros do Corpo em Festa, trazendo a extensão e a pesquisa a interagir em um só trabalho acadêmico, ambos com aspectos de pesquisa e de extensão. Projetos de extensão em que os(as) professores(as) apresentam a intersecção entre o ser artista e o ser professor(a), com o Fabulações. O seminário de Pesquisa e Extensão que ocorre anualmente, é de uma riqueza interativa entre professores e estudantes de Artes Visuais, Dança e Teatro, entre os diversos saberes, aprenderes e viveres, vislumbrando as possibilidades de pesquisa e extensão nessas áreas de conhecimento, fomentando nos estudantes desses cursos o desejo de iniciarem/seguirem com suas práticas artísticas e de pesquisa.

Pesquisa e Extensão: diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

Gabriela Santana Marcondes Lima Maria Acselrad Maria Betânia e Silva (Orgs.)

O Seminário de Pesquisa e Extensão, do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, nasceu de uma ideia de com-par-trilhar, como diz Lucimar Bello, o que professores(as) e estudantes estavam realizando, inicialmente em pesquisa, no ano de 2011. Já em 2012, discutiu-se que, em muitos casos, pesquisa e extensão não se separam, principalmente, nas distintas linguagens artísticas, nas quais as vivências são por natureza extensionistas. O com-par-trilhamento, na efetiva participação dos três cursos: Artes Visuais, Dança e Teatro, foi o que gerou este livro, no qual divulgaremos os resultados obtidos nos projetos de pesquisa e extensão de professores(as) e estudantes do departamento. Cada um com as suas especificidades, apresenta as suas atividades, que não são poucas, em um rico escoamento de conhecimentos, descobertas, investimentos e envolvimentos. As salas de aula, os teatros, as histórias e as memórias foram palcos desses projetos, frequentemente citados e vivenciados por seus representantes, o que demonstra o quanto o arte educar está em toda parte e com uma qualidade impressionante. Projetos em comum dos cursos de Artes Visuais, Dança e Teatro, apontam aspectos de interdisciplinaridade ocorridos no departamento como o Conversas de Estágio, projeto de extensão através do qual professores(as) dos três cursos, juntamente com técnicos, estudantes e professores(as)/supervisores de espaços formais e não-formais, discutem o estágio curricular e o não curricular vivenciados pelos(as) estudantes; o PIBID, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, que os cursos de Artes Visuais e Teatro estão inseridos, complementa, de certa forma, as discussões sobre estágio na formação docente. São apresentados também projetos de pesquisa



Pesquisa e Extensรฃo: diรกlogos em Artes Visuais, Danรงa e Teatro



Gabriela Santana Marcondes Lima Maria Acselrad Maria Betânia e Silva (Orgs.)

Pesquisa e Extensão: diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

2016


Catalogação na fonte: Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748

Catalogação na fonte:

Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748

P474

Pesquisa e extensão : diálogos em artes visuais, dança e teatro [recurso eletrônico] / [organizadores] : Gabriela Santana... [et al.] – Recife : Editora UFPE, 2016.

Inclui referências. ISBN 978-85-415-0756-1

(online)

1. Arte – Pesquisa. 2. Dança. 3. Teatro (Literatura). 4. Extensão universitária. I. Santana, Gabriela (Org.). 707

CDD (23.ed.)

UFPE (BC2016-020)

Todos os direitos reservados aos organizadores: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial em qualquer sistema de processamento de dados e a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer programa juscibernético. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração.


PREFÁCIO A CIÊNCIA DAS ARTES Obra coletiva de altíssimo nível! É assim que compreendo esta publicação, sobre a qual tenho a honra de traçar uma ou duas palavras, por ter lido antecipadamente esse produto em seu estágio embrionário. O leitor tem em mãos o resultado das múltiplas reflexões ocorridas por ocasião do Seminário de Pesquisa e Extensão em Artes, realizado por professores atentos à produção em conexão direta com as atividades artísticas e sua intervenção na sociedade. Esta obra coletiva é produto do primeiro dos muitos seminários que virão a abrilhantar e realçar o compromisso de professores, estudantes, artistas e arte-educadores que investem nos campos da estética e ciência na Universidade Federal de Pernambuco. A criação artística, por si só, traz muitas vezes uma desordem às regras rígidas estabelecidas socialmente. Logo, produzir conhecimento científico nessa área é igualmente desafiador dentro do universo acadêmico. Mas, afinal, qual o papel da arte senão a crítica à razão, nem sempre pura, de uma ciência que pretende ser objetiva? Com esta publicação, o recado é bem dado. A arte deve ser vista, escutada e lida, da mesma forma que os outros saberes advindos da produção do conhecimento científico em física, química, etc. É isso que os autores dos artigos propõem. A educação pela arte, sendo ela própria o suporte, ou seja, meio e resultado de pesquisa. No avanço da leitura, percebemos que há uma sensibilidade estética visível nos artigos aqui expressos. Os autores não apenas falam de suas pesquisas,


projetos e intervenções a partir das diferentes linguagens artísticas, como também aprofundam a reflexão e o trato da análise teórico-científica. Além disso, eles dão um tom poético aos escritos de maneira sensível e ousada para dizerem que fazem ciência a partir das artes e que tem muito de artes nas ciências que fazem. A crítica ao paradigma enclausurado de ciência é bastante iluminada neste livro. Porque o que define a ciência não é o conceito, e sim o método. Mas, o que é a ciência senão criação metódica? Por outro lado, a política que envolve a circulação das ideias, da estética das artes, sobretudo visuais, ainda está por vir, para fazer o movimento dos pesquisadores atentos à produção do conhecimento numa área tão sensível e necessária quanto o próprio ser humano. Nos escritos que o leitor tem em mãos, a “boca de cena” é larga e a “rotunda profunda”. Cabem todas as linguagens das artes visuais e outras tantas que crescem e florescem no palco social da vida humana. Da capoeiragem na instituição universitária, enquanto drama histórico de afro-brasileiros, à literatura dramática de Hermilo Borba Filho, e ensino de artes com a abordagem étnico-racial. O debate encenado nos textos deste livro abre um leque de questões relacionadas à área de artes na densidade da inspiração poética, pois ressalta o trabalho na extensão universitária enquanto intervenção própria das reflexões sobre o diálogo que deve ser mantido a partir do ambiente acadêmico com os mais diversos segmentos sociais. A discussão trazida pelos autores é mesmo complexa, pois tudo isso colore a alma dos muitos atores sociais e outros artistas de diferentes idades e performances com suas conexões corporais na dança teatralizada. O debate aqui expresso também pontua a teoria da desconstrução enquanto estratégia de criação artística seja em qualquer personificação do desejo e beleza. Uma leitura desatenta levaria o leitor a uma encruzilha sem precedentes, mas isso não é possível, porque a emoção nos prende às narrativas coloridas


na estética e densa na cientificidade metódica dos pesquisadores ávidos pela veiculação de suas ideias e críticas. Aqui, as fabulações servem como objeto de investigação ou peça teatral, nas muitas salas espelhadas dos terreiros que fixam a identidade dos transeuntes e sua cultura. Aliás, Pernambuco contribui sobremaneira com uma estética da cultura popular bastante expressiva em muitas caixas cênicas, própria de uma dramaturgia nordestina para além de arretada, que acaba por alimentar uma economia criativa Brasil a fora. Contudo, considerando a visão estratégica dos autores, a conversa sempre atenta no campo de estágio dos nossos estudantes de teatro, e demais artes visuais, faz refletir a tensão nas instituições escolares como ambiente propício para muitos leitores. Afinal, para quem e o que foi dito e escrito neste excelente livro, somos mesmo alfabetizados em artes?

Edilson Fernandes de Souza Pró-reitor de Extensão da UFPE



ABORDAGEM DAS TEMÁTICAS ÉTNICO-RACIAL E DE CULTURA REGIONAL NO ENSINO DE ARTE EM ESCOLAS ESTADUAIS DO RECIFE: resultados parciais da pesquisa em andamento1 Adson Enrique da Silva Alves Georgina Santos da Silva Hayanna K. Saldanha Lima Pinto Renata Wilner

Introdução O projeto de pesquisa “A abordagem das temáticas de cultura indígena, afro-brasileira e popular no ensino de Artes Visuais”, desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa “Arte, Educação e Diversidade Cultural” do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE tem o objetivo de investigar os desdobramentos da Lei 11. 645, sancionada em 2008 pela modificação da Lei 10.639, publicada no ano de 2003. A Lei 10.063/2003 instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, principalmente nas áreas de História, Língua Portuguesa e Arte. Já a Lei 11.645/2008 incluiu, além da história e cultura afro-brasileira, o estudo sobre etnias indígenas no currículo escolar. 1 Este artigo foi publicado nos Anais do II ENPECPOP (2º Encontro Nacional de Pesquisadores(as) em Educação e Culturas Populares – de 18 a 21 de setembro de 2103 na Universidade Federal de Uberlândia, com autoria da estudante Hayanna Saldanha e co-autoria dos estudantes Adson Alves, Georgina Santos e da professora Renata Wilner. Participaram também do projeto de pesquisa, nas suas diversas fases desde 2010, os/as estudantes Paula Frassinetti Sampaio de Oliveira, Mariana Gama Chaves Lima, Fabiana Alexandre Peixoto, Sandro Drummond B. de Moraes, Clarissa Cardoso Clementino, Luana Alexandre de Miranda e Calvin Santana.


Em sequência, a Lei 12.287/2010 altera o Artigo. 26 § 2º da LDBEN nº 9394/1996, que passa a vigorar com a seguinte redação: “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (grifo nosso). O impacto destas três leis (10.639/1996; 11.645/2008; 12.287/2010) são o objeto de investigação que se dá nas escolas da cidade do Recife, integrantes da rede pública de ensino do Estado de Pernambuco. Ao considerarmos os temas pautados pela lei, percebemos, através de embasamento teórico, que se trata de um cenário complexo no mundo contemporâneo. Mesmo na sua trajetória histórica, os fenômenos artísticos e culturais envolvendo diversidade étnica e social são hibridizados e dinâmicos. Aspectos que são por vezes reduzidos a estereótipos e essencialismos, esvaziando sentidos e estéticas pelos próprios docentes. No ensino de Arte ainda há que se levar em conta o forte eurocentrismo que marca historicamente o currículo da disciplina. O embasamento teórico foi necessário tanto para elaboração dos questionários, como para interpretação dos dados, bem como para preparação geral dos estudantes bolsistas e voluntários que participaram e/ ou participam do projeto de pesquisa. Assim, propôs-se um levantamento e a análise das ações pedagógicas que estão sendo utilizadas para trabalhar esses assuntos nas escolas estaduais de Pernambuco. A pesquisa procura levantar problemas de infraestrutura, a formação inicial e continuada, o perfil dos profissionais responsáveis pelo ensino de Arte, acervo e fontes de referência dentro e fora das escolas, encaminhamento pedagógico e concepções dos docentes sobre os temas em questão. A pesquisa vem sendo realizada desde 2010, com participação de dez estudantes de graduação da UFPE (em momentos distintos), dos cursos de Artes Visuais; Artes Plásticas; Rádio, TV, e Internet; Filosofia. Os procedimentos metodológicos utilizados foram: levantamento bibliográfico, discussão de textos e filme (Nhô Caboclo e o elo perdido, dirigido por Hermano Penna), elaboração de questionários, distribuição


dos mesmos para preenchimento pelos professores das escolas das Gerências Regionais de Educação – as GREs - (Recife Norte e Recife Sul), tabulação das respostas, sistematização dos dados através da construção de gráficos e tabelas, pesquisa de campo (estudo etnográfico de casos através da observação em escolas, em andamento), análise e comparação do material recolhido (prevista para conclusão da pesquisa). Versaremos sobre o resultado da primeira etapa da pesquisa, referente aos dados coletados através de questionário. O questionário possui vinte e sete questões, contendo uma livre adicional para possíveis anexos. Essas vinte e sete perguntas são divididas em nove questões fechadas, doze questões abertas e seis questões mistas. No início, há um pequeno cabeçalho de identificação para preenchimento do nome da escola, o(s) nível(is) em que cada professor ensina, seu nome (opcional), sexo, local e data de nascimento. A informação sobre o local de nascimento é estratégica para o foco da pesquisa, já que alguns professores responderam que muitas referências sobre o tema ocorreram a partir de vivências nas suas cidades de origens: ora perto de quilombos, ora de aldeias indígenas, além das diversas tradições culturais populares existentes nos municípios e áreas rurais do interior do estado de Pernambuco. Após essa pequena apresentação, as quatro primeiras perguntas buscam apurar a caracterização da amostra, no que se refere à formação dos professores nos níveis de graduação e pós-graduação e às vivências artísticas (frequência de visitas a museus, artistas preferidos e experiência no campo das artes). Em seguida, o questionário abrange perguntas específicas sobre o assunto da pesquisa: se os temas de cultura indígena, afro-brasileira e cultura popular são abordados, de que maneira, quando (em data comemorativa ou como um assunto bimestral), qual a metodologia aplicada, onde os educadores buscam suas referências e quais os recursos didáticos. Das 139 escolas que compõe as GREs Recife Norte e Recife Sul (61 e 78 escolas, respectivamente) somente 76 questionários foram validados (27 da GRE Recife Norte e 49 da GRE Recife Sul). Não houve retorno de boa parte


do material enviado e alguns tiveram que ser invalidados por motivo de plágio entre as respostas dos professores. Após a tabulação dos questionários, inicialmente separada em dois lotes referentes a cada uma das GREs, foram elaborados gráficos e tabelas para a melhor visualização dos dados. Assim, o detalhamento do resultado do levantamento pelos questionários será demonstrado no decorrer do artigo.

Caracterização da amostra e reflexões sobre dados Iniciamos nossa análise dos dados obtidos através do questionário com uma identificação do perfil dos profissionais que atuam no ensino de Arte e que colaboraram com a pesquisa. Primeiramente com um levantamento sobre a formação2 dos docentes em Arte nas escolas estaduais. Os professores formados nas Licenciaturas em Artes Plásticas, Música, Desenho e Plástica, Artes Cênicas são relativos a 14,47% do total, ou seja, apenas onze profissionais do total de setenta e seis habilitados com diploma ao ensino de arte. Dos sessenta e cinco profissionais restantes, suas formações iniciais são em Licenciaturas em outras áreas, 35% em Letras; 17% em História; 12% em Pedagogia; 6% em Geografia; 3% em Matemática. Existe ainda uma percentagem relativa a 11% de profissionais exercendo a docência em Artes com formações que são, no mínimo, peculiares como: Direito, Jornalismo, Publicidade, Educação Física, Educação Religiosa, Economia Doméstica e Zoologia. A maioria destas últimas nem sequer com diploma de Licenciatura ou Pedagogia, que deveria ser exigido para o magistério em instituição formal de ensino.

2 Dentre estes professores que responderam questionário, foram contabilizados profissionais que possuem formação em cursos além da graduação. Dos 76 professores, 10 possuem especialização, destacando-se 3 em Arte/educação e História da Arte e Religião; 3 possuem mestrado, nenhum na área de artes; 1 curso de extensão em Educação para Relação Étnico-Racial.


Na sequência, examinou-se o gênero do professor, local de nascimento e média de idade deste público, com predominância feminina da amostra em 66% e 21% do sexo masculino. 13% dos profissionais optaram por deixar a resposta em branco. Quanto ao local de nascimento dos professores/as da rede estadual: 58% nasceram em Recife, 4% em Olinda, 12% em diversos municípios do interior do estado de Pernambuco (na região da Zona da Mata – Nazaré da Mata, Gravatá, Escada; no Agreste – Pesqueira, Arcoverde; e no sertão – Serra Talhada, Bodocó), 5% são provenientes de outros Estados do Nordeste (Fortaleza-CE, Itabaiana-PB, Patos Bons -MA) e 1% de outros Estados fora do Nordeste (um professor de São João do Meriti-RJ). Consideramos tais informações relevantes na análise das temáticas em tela, porém nos falta detalhamento a respeito de quanto tempo cada professor passou em seu município de origem ou em outros locais não informados, a fim de verificar as vivências culturais em suas histórias de vida.


Finalizando a caracterização da amostra, verificamos que 70% dos professores e professoras tem a idade que varia entre trinta e cinquenta anos; destes, metade é nascida a partir de 1980. Desse modo, foi obtido um perfil geral dos professores e professoras da região metropolitana do Recife: maioria acima de trinta anos, nascido/a e habitante da região metropolitana do Recife, cuja maioria feminina não tem formação adequada para lecionar Artes. A partir destas e de outras questões, a seguir, poderemos discutir como vêm sendo tratado os conteúdos inerentes à cultura afro-brasileira, indígena e regional. Sobre estes temas, mais da metade dos professores sente-se parcialmente preparado para lecionar conteúdos relacionados à Cultura Indígena (44), Cultura Afro-brasileira (48), Cultura Regional (44). Porém, o quantitativo é quase o mesmo quando afirmam trabalhar estes assuntos em datas comemorativas: Dia do Índio, Abolição da Escravatura, Dia do Folclore, Festas Juninas, Carnaval, Dia da Consciência Negra, entre outros. Um dos pontos chaves e, sobretudo, intrigantes da pesquisa em questionário, foi a vivência artística e cultural dos professores recifenses da rede estadual. Claramente, a cidade é inundada por movimentos de cultura popular, existem museus que promovem o acesso a estéticas e história local, como o Museu de Arte Sacra, o Museu de Arte Popular, o Museu da Abolição ou o Museu do Estado, entre outros. Já é sabido que a cultura plural é resultado da miscigenação/hibridização de matrizes culturais dos colonizados e colonizadores. Contudo, estas não se tornam anuladas, ao contrário, em Pernambuco, há uma forte ligação não só com a estética, mas também à luta secular por liberdade e direitos, presentes em toda a zona da mata e interior do estado. Na primeira pergunta da sequência inserida na questão 3:3 “costuma frequentar museus e exposições de arte?”, o choque foi inevitável com muitas 3 “Costuma frequentar museus e exposições de arte? Quais e com qual frequência? Apenas em excursões escolares? Qual a última vez que você visitou?” Esta questão possuía um teor “aberto”, ou seja, além de ser dissertativa, o participante poderia responder mais de um museu, por isso obtivemos quantidades relevantes de certos questionários e nenhuma menção em outros.


respostas. Do total, 11% não responderam, ou seja, podemos supor que não possuem vivência praticamente nenhuma com arte institucionalizada, 12% não especificaram ao certo ou deixaram a desejar na resposta (respostas incompletas e/ou nulas) e 77% afirmaram que costumam frequentar. Já na pergunta anexada, a qual eles teriam que especificar quais eram esses museus fica clara a procura por locais com mais visibilidade, foram citados 5 vezes o Instituto Ricardo Brennand, Santander Cultural, Museu do Homem do Nordeste, o Museu da Abolição, mas o grande expoente foi o Museu do Estado com 11 citações, a Oficina de Francisco Brennand ficou com 4 citações, enquanto todos os outros citados não passaram de 2 citações e alguns com apenas uma. Quatro docentes afirmaram não frequentar museus, um dado alarmante para quem tem o dever de debater e demonstrar interesse pelo tema. Quarenta docentes da rede não citaram nenhum espaço, respondendo sim: frequentam museus, no entanto na hora de citar esqueceram ou não souberam qual lugar costumam visitar para ter contato com arte. Alguns acrescentaram lugares que não são museus e sim feiras de arte ou artesanato, mas que são de interesse para as temáticas em questão, nem sempre presentes diretamente nos museus de arte. Portanto, foram citados locais relacionados aos temas da pesquisa, isso sugere um interesse pelos mesmos, ainda que sutil. Podemos identificar a predominância eurocêntrica dos locais visitados. Entretanto, podemos destacar os que interessam à nossa pesquisa: foram citados o Museu da Abolição e o Museu do Homem do Nordeste (5 vezes cada), Pólo Alto do Moura, Casa da Cultura e até a FENEARTE, referências em artesanato popular regional, citados 1 vez cada. Quantitativo modesto. Em contrapartida, ainda possuem um despretensioso investimento do Estado, embora sejam escassas exposições ligadas a estas temáticas no pólo cultural do centro recifense, de curta duração e não muito divulgadas. Ainda sobre as exposições visitadas, obtivemos pouquíssimas respostas (dentre o total, menos de cinco responderam ter visto exposições contemporâneas à época da pesquisa). Já algumas que foram citadas possuíam distância de no mínimo um ano que fora exibida, esta informação entrelaçada à visitação escolar, indica que, mesmo sendo uma


vez por ano, ainda pode ser considerada insuficiente. Contudo, mesmo não sendo o quantitativo necessário para desenvolver atividades curriculares e extracurriculares sobre este determinado assunto, consideramos que para enriquecer a prática em sala de aula, é preciso promover vivências artísticas e culturais, tanto para docentes como para discentes. Já na questão quatro4, tivemos muitos nomes de referências de artistas. Dividimos essa parte entre artistas nacionais e internacionais. Dentre os internacionais se destacaram: Monet e Salvador Dalí com 8 citações cada, em seguida Rodin e Da Vinci com 6, Van Gogh com 5 menções, Picasso com 4 citações, entre outros artistas amplamente conhecidos e considerados marcos canônicos na história da arte ocidental, o que é esperado. Foram citados um total de 26 artistas internacionais, mesmo assim 32 professores não citaram nenhum artista internacional. Dentre os nacionais, em destaque, Tarsila do Amaral citada 18 vezes, Portinari com 11 citações, Francisco Brennand e Di Cavalcanti com 9, depois Vitalino com 8. Os demais foram citados no máximo 3 vezes, poucos relacionados diretamente à temática pesquisada, ressaltando a presença do fotógrafo famoso por suas expedições ao continente africano Sebastião Salgado, citado 2 vezes; os xilogravuristas Samico, com 3 citações, e J. Borges, com duas; e o pintor que retratou a cultura popular Lula Cardoso Ayres, citado 2 vezes. A partir disso, podemos identificar que pelos números de nomes e citações, os professores se interessam mais pelos artistas nacionais e que dialogam com a cultura popular em seus trabalhos – no total foram 36 artistas e todos os professores/ as citaram ao menos um nome, mostrando mais conhecimento ou afinidade por parte dos docentes para com esses artistas locais. Estas informações só pontuam a importância fundamental do papel que a escola tem na construção de identidades, opiniões pessoais e sociais dos estudantes, os quais muitas vezes reproduzem valores de aparência e de posse, que rodeiam a hegemonia da globalização/capitalismo. Em datas vistas como feriados ou comemorações descontextualizadas sobre o 4 “Quais são os artistas visuais de sua preferência?”: esta pergunta não estipulava quantidade de artistas, pudemos ter uma variedade aceitável no total, entretanto, obtivemos dezesseis respostas nulas e em branco, uma quantidade relevante.


que realmente representam, o seu peso e questionamento, estas relações poderiam ser estabelecidas pelo olhar mais crítico e reflexivo da arte. A arte é um canal de relação com a cultura e os valores da sociedade, em mão dupla. Portanto, o intuito desta pesquisa direciona-se na averiguação deste olhar sobre a abordagem da cultura indígena, afro-brasileira e popular. Entretanto, o que foi percebido na amostra coletada pelo questionário é que conteúdos referentes a estes assuntos vêm sendo estudados da forma exibida na tabela abaixo. Forma da Abordagem

CULTURA INDÍGENA

CULTURA AFROBRASILEIRA

CULTURA POPULAR

Por ocasião do mês/data comemorativa

41

44

42

Como unidade didática (no mínimo um bimestre)

28

31

25

Como projeto envolvendo pesquisa

23

27

26

Não são trabalhadas em suas aulas

06

08

0

Constata-se na tabela acima que todos os docentes afirmam trabalhar conteúdos de cultura popular. O índice de rejeição é maior em relação à cultura afro-brasileira, o que surpreende, pois se considera o desconhecimento geralmente maior em relação às culturas indígenas, por se tratarem de comunidades rurais, ou seja, afastadas do cotidiano dos habitantes da cidade do Recife. No entanto, pode-se atribuir hipoteticamente uma aversão à cultura afro-brasileira motivada por questões de cunho religioso.5 Entretanto, percebe-se que a maioria aborda as temáticas por ocasião das efemérides, e que dentre elas a temática afro-brasileira é a mais abordada. 5 Por motivos de delimitação de uma temática bastante ampla, não foi inserida a variável religiosa no escopo da pesquisa. A realidade social brasileira demonstra um imbricamento entre as problemáticas étnico-racial e a religiosa que nos leva a tecer novas hipóteses acerca da rejeição das temáticas em tela.


Por conseguinte, soma-se a esse esvaziamento pedagógico a afirmação dos/as professores/as sobre os recursos didáticos que a escola possui serem insuficientes ou inexistentes, além de reivindicarem promoções de “capacitações” ou formação continuada por parte do Estado. Segundo nossa amostra, também foi possível detectar maior carência no material didático relativo à cultura indígena: quarenta docentes afirmaram que a escola não possui acervo bibliográfico e vinte não possuíam acervo audiovisual sobre este tema. Sobre os outros conteúdos, os dados não foram tão alarmantes, pois os professores participantes do questionário declararam que a escola possui um pequeno acervo bibliográfico. E um terço dos profissionais alega utilizar seu acervo bibliográfico pessoal em sala de aula. Em linhas gerais, o resultado das questões abertas do questionário foi categorizado a partir da confluência de vários índices nas respostas por extenso, que facilitaram a classificação do perfil dos/as docentes. Como exemplo, na questão 206, conceitos e palavras indicadoras da tipologia do professor participante foram categorizados a partir de referenciais teóricos da pesquisa.

6 “Como você definiria ‘cultura popular’? É importante abordar conteúdos referentes a essa temática nas aulas de arte?”


Categoria

Discriminatório/ Etnocêntrico

Essencialista/ exotizante

Multiculturalismo Crítico/ Hibridismo Cultural/ Visão Dinâmica:

Quantidade

Características

3

a. Hierarquias na produção b. Desvalorização inconsciente c. Desconhecimento da produção autoral e singular dos criadores de camadas populares d. Negação do valor artístico nas criações populares e. Concebidos como fenômenos isolados

38

11

a. Cristalização das formas culturais b. Discursos de legitimação e autenticidade c. Purista d. Visão da cultura como forma estática a. Prioriza as diferenças e/ou a miscigenação das culturas resultantes na cultura popular. b. Produção/criação de cultura em tempos atuais (mutável)

Palavras indicadoras e percepções da amostra

Artesanato Primitivo Naif (ingênua) Folclórico

Resgate Herança Folclore Raízes Exaltação

Produção cultural Miscigenação Diferença


Categoria

Quantidade

Características

Palavras indic. e perc. da amostra

a.

Utilização da cultura popular, como artefato científico b. Registro histórico Etnográfico/ Científico

Estético/ Descontextualizador

Negação das diferenças

c. 0

2

a. Negação de conceitos inerentes às obras b. Idealização da manifestação cultural exclusivamente como uma manifestação artística

Definição precária

10

-

Conceituar cultura como arte

a.

Alegação de uma unificação de cultura

Cultura de um só “povo”

a.

Respostas que se contradiziam, ora discriminatórios, ora com conceitos multiculturais implícitos

Características de “multiculturalismo/ hibridização cultural” juntas com a “negação de diferenças”

1 10

Não responderam

Não se atém a aspectos estéticos, considera documentos culturais de interesse científico. d. Tratamento de artefatos como “cultura material”

-

-


Está nos horizontes teóricos da pesquisa a perspectiva do multiculturalismo. A origem do discurso que envolve a compreensão de educação multicultural é localizada pelo viés histórico de origem anglo-saxã, em que houve o reconhecimento inicial da existência de culturas distintas num mesmo território. Apesar da fundamental importância desse momento de formulação multicultural, compreende-se que ainda é necessário que medidas mais ativas em relação à interação entre as diversidades identitárias sejam formuladas. Uma forma de reverter a reprodução das desigualdades e discriminações é a implementação de uma política curricular intercultural que introduz consequentemente a abordagem étnico-cultural e social. Podemos refletir que só existem diferenças porque elas são vistas como tal. Para a educadora Marina Lovelace (1995, p.12), a educação multicultural é necessária para enfrentar a complexidade do desenvolvimento das sociedades contemporâneas, tentando estabelecer equilíbrio entre o espaço das diversidades culturais e outros conceitos que sustentam e sistematizam sociedades. Entretanto, nas experiências de educação multicultural são recorrentes representações de concepções de um multiculturalismo mais geral, aquele meramente aditivo, pelo qual se adiciona referências a diversas culturas, muitas vezes distorcidas ou esvaziadas de uma compreensão aprofundada e crítica a respeito de suas realidades. O viés de um multiculturalismo crítico viria trazer à tona para reflexão e conhecimento a problemática das relações de poder que permeiam a diversidade cultural.7 Talvez o maior desafio tanto da vivência em sala de aula na disciplina Arte sobre o termo “multicultural” e “intercultural” ou mesmo na própria hibridização cultural (transculturalidade) seja justamente a “visão redutora de ‘arte popular’ como a de simples técnica manual para produzir objetos, que imbui perigosamente a palavra ‘artesanato’ apenas dos atributos de coisa feita à mão, pitoresca, ornamental e alienada de significado” (FROTA, 7 Torna-se bastante complexo averiguar através de questionário o teor da abordagem multiculturalista, no caso dela existir. Para tal fim o projeto de pesquisa desenvolve etapa complementar com estudos de caso em campo, com menos abrangência quantitativa, porém maior prospecção qualitativa.


2005, p. 20), o que concebe a expressão produzida na cultura popular como estática, morta ou antiga. Para o cientista social Ramón Flecha, o interculturalismo “é uma maneira de intervenção diante da realidade que tende a colocar a ênfase na relação entre culturas” (FLECHA, 1996, p. 27), ou seja, de fomentar a interculturalidade, a intervenção política, como forma de superar a assimilação e a coexistência passiva de culturas diversas para desenvolver a autoestima, o respeito às identidades e a compreensão mútua social.

Currículo, Identidade, Cultura e Arte Diante das problemáticas enunciadas acima, como se pode pensar em assuntos da pesquisa em questão, que trata das temáticas de cultura afrobrasileira, indígenas e popular no ensino formal das Artes Visuais, na região metropolitana do Recife? De que forma se pode lidar com um ensino que acaba descartando a própria identidade cultural e social? Falar de identidade cultural, pode muitas vezes ocasionar uma profusão de pensamentos, mas o sentido aqui abordado é de se pensar no ensino das artes visuais de acordo com os fatos socioculturais e históricos de um país multifacetado. Muitas vezes quando se pensa em abordagens dos temas afro-brasileiros e indígenas nas escolas, e não se refere somente às artes, no geral se pensa em situações pedagógicas que não contextualizam, e nem respeitam a história sociocultural na teia de relações e significados em que a nação brasileira se constituiu. Geralmente tais conteúdos são reduzidos a estereótipos reproduzidos nas datas comemorativas. Na questão cinco do questionário da pesquisa, onde se perguntava: “Você aborda conteúdos de cultura regional? Quais? com que frequência? De que forma?” As respostas, na maioria dos casos, de fato se remetiam a pensar em questões afro-brasileiras, indígenas e regionais somente em efemérides. Outra situação que chamou muito a atenção foi a questão do eurocentrismo. Esse impasse ocorre em vários aspectos da educação e


por consequência no ensino da arte. Reconhecemos que existe todo um contexto histórico de colonização que acabou de certa forma renegando parte de nossa identidade cultural, marginalizando as diferenças, encarando-as como algo estranho, impróprio. Percebemos com o retorno dos questionários que acontece muitas vezes uma “renegação” das marcas culturais e sociais do Brasil, ocasionando assim uma valorização dos referenciais europeus e uma desvalorização de encadeamentos africanos, indígenas e regionais. Entretanto, há não muito tempo atrás, as diferenças, que vão contra a hegemonia presente no currículo centrada nos valores e padrões do heterossexual, branco, europeu, único; são segregadas em nichos, zonas periféricas do currículo único. Tomaz T. da Silva, em sua construção de estudo sobre o currículo em diversos aspectos, vem galgando na perspectiva de um currículo como não-objeto, como algo vivo e/ou que é mutável através da vivência de representações culturais, que desejam, criticam, produzem e expressam. É por meio do currículo, concebido como elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade”. Mesmo que não tivessem nenhum outro efeito, nenhum efeito no nível da escola, da sala de aula, as políticas curriculares, como texto, como discursos são, no mínimo, um importante elemento simbólico no projeto social dos grupos no poder. Neste nível, a política curricular tem que ser lida, ao menos em parte, como representação de uma outra coisa, como um mito, no sentido de Barthes. Elas estão ali como signo, como um significante (SILVA, 2010, p.10-11).

Essas problemáticas do currículo são responsáveis pelas reformas e reestruturações educacionais, pois é proporcionalmente atrelado a hierarquias de poder sobre o currículo, já que a concepção de um currículo vinculado a uma única “verdade”, a uma unificação cultural deve ser questionada com significações diferentes. Ainda segundo MOREIRA e SILVA, o currículo nada mais é do que um processo cultural que está


concomitantemente envolvido com a educação promovendo a transmissão, criticização, da produção de sentidos, de significados, de sujeitos. Contudo, a visão tradicional da monocultura está arraigada nas relações disciplinares em que não é percebida, naturalizada sem distinguir diferenças. Excluir o diferente é impor a soberania da égide colonialista, colocando as demais culturas e povos como inferiores, primitivos, atrasados, pobres, validando o conhecimento europeu como o único legítimo. Ignorando conceitos fundamentais como o currículo oculto, que é o que se aprende além da estrutura de sala de aula, o que é da vivência do aluno sujeito, a cultura. O currículo/educação é um processo cultural e a cultura é o resultado da produção cotidiana de grupos sociais e classes sociais.

Considerações finais Podemos concluir que fatores como falta de formação docente adequada em Artes, utilização de datas comemorativas, falta de acervos bibliográficos e audiovisuais nas escolas, distanciamento dos locais de difusão artística como os museus, dificultam a implementação destas três leis 10.639/1996; 11.645/2008; 12.287/2010, somadas ao estigma dos conceitos e preconceitos já disseminados em relação à pluralidade cultural e étnicoracial na sociedade. Faz-se necessário compreender que não se pretende aqui apontar as falhas causadas por essas diversas situações e sim tentar compreender o contexto social, político e cultural, almejando avanços na inserção curricular das questões culturais afro-brasileiras, indígenas e regionais, especificamente na área de conhecimento da Arte. Trata-se, porém, de um processo longo e que contém alguns empecilhos da própria política escolar e cultural. Assim, a pesquisa se faz importante para reflexão destas temáticas, não só detectando a presença do eurocentrismo, mas problematizando e buscando refletir sobre as referências culturais afro-brasileiras, indígenas e regionais não só como conteúdo para a sala de aula, mas como parte do patrimônio vivo cultural. Nosso posicionamento não se opõe à utilização de referências históricas europeias e norte-americanas no currículo escolar


de Arte; contudo, estas não devem ser encaradas como fonte única de arte/ cultura, outras manifestações artísticas devem ser incluídas não somente como feriado ou festa popular, mas sim como a valorização de uma cultura viva, que cultiva o plural.

Referências BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm> Acesso em: 27 abr. 2011. BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 mar. 2008. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso dia:27 abr. 2011 Brasil. Lei nº 12.287, de 13 de julho de 2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12287.htm> . Acesso dia: 17 ago. 2013 CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo : Edusp, 2000. FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro, século XX. Rio de Janeiro : Aeroplano, 2005. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo : Atlas, 1999. MOREIRA, Antônio Flávio, SILVA, Tomás Tadeu da. (orgs.).Currículo, cultura e sociedade. 12.ed. São Paulo: Cortez,2011. ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas: cultura popular. São Paulo : Olho d’Água, 1992. RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. Campinas, SP : Mercado das Letras, 2003.


SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru, SP : EDUSC, 1999. SILVA, Lisa de Lisieux Dantas da. A construção dos saberes docentes: saberes dos professores de Arte das séries finais do Ensino Fundamental das escolas públicas em PE. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007. as: cultura popular. São Paulo : Olho d’Água, 1992. PENNA, Hermano. Nhô Caboclo e o elo perdido. [Filme de média metragem]. Brasil, 2003, dir. Hermano Penna. SILVA, Tomás Tadeu da. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular.1. ed.,4. reimp. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2010. SILVA, Tomáz Tadeu da(org); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença - A perspectiva dos estudos culturais - Coleção educação Pós-crítica- 12.ed., Petrópoles - RJ: Editora Vozes, 2012.

Sobre os autores: Adson Enrique da Silva Alves é Graduando em Bacharelado em Rádio, Tv e Internet pela Universidade Federal de Pernambuco. Georgina Santos da Silva é Graduanda em Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco. Hayanna K. Saldanha Lima Pinto é Graduanda em Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco. Renata Wilner é professora doutora em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professora adjunta da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenadora da Pesquisa “A abordagem das temáticas de cultura indígena, afro-brasileira e popular no ensino de Artes Visuais”.


DIÁLOGOS PERNAMBUCANOS: O TEATRO DE ISAAC GONDIM FILHO, À LUZ DA AÇÃO RENOVADORA DE HERMILO BORBA FILHO Amanda de Sampaio Alves Duarte Durval Cristovão de Santana Júnior Iago José Lima de Melo Jéssica Cristina dos Santos Jardim José Arilson de Siqueira Lopes Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis Milena Costa Marques Samara Corrêa Trajano Lacerda

Este texto tem o objetivo de apresentar o projeto de pesquisa “Diálogos pernambucanos: Hermilo Borba Filho e a moderna dramaturgia nordestina - Módulo 1: o teatro de Isaac Gondim Filho”, coordenado pelo professor Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis, do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, da UFPE, e vinculado ao grupo de pesquisa História, Teoria e Crítica do Teatro (CNPq), na linha de investigação Dramaturgias do Nordeste. Trata-se de um estudo sobre a moderna literatura dramática pernambucana, examinada a partir das ideias e das proposições defendidas por Hermilo Borba Filho (1917-76) desde meados da década de 1940. A pesquisa tem início, agora, com um levantamento crítico do teatro de Isaac Gondim Filho (1925-2003), autor que, como Hermilo, combinou a produção artística com as atividades de pesquisador e de professor de teatro durante a maior parte de sua vida, exercendo ainda a crítica teatral em jornais do Recife.


É a primeira etapa de um projeto amplo, a ser desenvolvido em módulos, buscando um melhor conhecimento do teatro produzido por alguns dos mais importantes dramaturgos pernambucanos – ou radicados em Pernambuco –, atuantes ao longo da segunda metade do século 20. Autores que, como Isaac Gondim Filho, embora tenham tido uma presença expressiva no movimento teatral no estado de Pernambuco, alcançando ainda reconhecimento em outras regiões do país, parecem hoje um tanto esquecidos, não somente pela crítica especializada, mas também pelos encenadores e pelos produtores teatrais. São nomes que, há poucas décadas, recebiam importantes prêmios em concursos nacionais de dramaturgia, viam suas obras encenadas em várias capitais brasileiras, e que tinham peças traduzidas para outros idiomas. São autores fundamentais para um entendimento mais claro do processo de modernização do teatro na região Nordeste e no Brasil. Portanto, estudos sobre a dramaturgia de José Carlos Cavalcanti Borges, José de Moraes Pinho, Aldomar Conrado, Jairo Lima, e Vital Santos deverão compor os módulos seguintes do projeto. Pretende-se, primordialmente, fazer um cuidadoso inventário das peças escritas por cada um desses dramaturgos, por meio de pesquisas em bibliotecas especializadas e em acervos particulares, sobretudo aqueles pertencentes aos próprios autores, ou aos seus familiares, mas também em acervos de artistas e de pesquisadores do teatro local. Tais obras serão analisadas, procurando-se identificar suas principais características, sempre buscando possíveis afinidades – ou diferenças – com o pensamento teatral de Hermilo Borba Filho, contemporâneo de todos esses renovadores da literatura dramática pernambucana. As peças, cujas publicações originais encontram-se quase sempre esgotadas – algumas delas, há décadas –, serão digitalizadas, em processador de texto, criando arquivos que poderão, quem sabe, eventualmente, gerar publicações de seletas, ou mesmo de obras completas, desses dramaturgos. Também, ao final de cada parte do projeto, será produzido um ensaio, detalhando aspectos estéticos e ideológicos identificados no teatro de cada um dos autores examinados. Esse texto, que servirá como apresentação da coleção digitalizada das peças estudadas, procurará explicar a relevância do dramaturgo para a


cena teatral pernambucana, inserindo-o ainda no contexto mais largo da transformação do teatro nacional no século passado.

Antecedentes A pergunta de pesquisa que norteia o projeto surgiu em 2009, quando o professor Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis, prestando assessoria ao Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo, órgão da Prefeitura do Recife, elaborou a proposta de um seminário intitulado “Diálogos Pernambucanos: Hermilo Borba Filho e a dramaturgia”. A ideia era investigar pontos de confluência, de afinidades, e áreas de contradição, de divergências, entre as proposições de Hermilo Borba Filho e o legado artístico de autores que tiveram destaque no panorama do teatro moderno em Pernambuco, sobretudo, a partir da década de 1950. Procuravase, assim, evidenciar a amplitude de formas e de conteúdos explorados por esses criadores, problematizando a visão um tanto simplista, ou generalizante, que outras regiões do país às vezes tendem a lançar sobre a literatura dramática nordestina; visão certamente fabricada, em alguma medida, a partir do rótulo “Teatro do Nordeste” – termo cunhado pelo carioca Paschoal Carlos Magno, em 1948, sob o impacto da descoberta do talento de Ariano Suassuna. Evidentemente, a dramaturgia pernambucana do século 20 não se limitou a um único estilo, muito pelo contrário, expressou-se em diversos gêneros, seguindo linhas estéticas variadas. No entanto, o merecido reconhecimento do teatro de Suassuna, sobretudo de suas comédias, parece ter gerado uma previsível, mas reducionista, expectativa de que os demais textos teatrais nordestinos pudessem, ou devessem, reproduzir mais ou menos os mesmos traços constitutivos de um Auto da Compadecida, por exemplo, para citar a peça mais famosa desse genial autor.

Feições A investigação, buscando ampliar o conhecimento da moderna literatura dramática produzida em Pernambuco, na segunda metade do século 20, pretende interpelar a compreensão um tanto limitada, ou mesmo enviesada,


que por vezes parece querer circunscrever o teatro feito no Nordeste a certos modelos, bem controlados, que supostamente definiriam, ou que reforçariam, uma identidade própria para a expressão teatral dessa região, tão vasta e culturalmente diversificada. Parte-se da hipótese de que tal percepção, em alguma medida gerada, talvez como uma espécie de efeito colateral, por leituras apressadas do Regionalismo de Gilberto Freyre, não encontra sustentação factual no conjunto da moderna dramaturgia pernambucana. O próprio Hermilo Borba Filho, provavelmente, quem melhor processou no âmbito teatral os ideais Regionalistas-ModernistasTradicionalistas do autor de Casa-grande & Senzala, produziu uma dramaturgia inventiva, experimentando vários gêneros, formas e conteúdos, como atesta a antologia de suas peças, publicada em três volumes pela Funarte, no ano de 2007. Igualmente, um exame atento da obra de Ariano Suassuna, cujo sucesso, sobretudo de suas comédias, certamente foi decisivo para a valorização do moderno teatro nordestino, e que paradoxalmente parece ter sido tomado como uma espécie de paradigma, quase impositivo, para todo o teatro da região, também se revela, na coerência de seu projeto estético, livre para se manifestar de maneiras variadas, indo do trágico ao cômico, do dramático ao épico. Nesse viés, um exame da prolífica e multifacetada produção teatral de Isaac Gondim Filho tem-se mostrado um auspicioso início para o projeto. Afinal, como sublinha Joel Pontes, em seu livro Teatro moderno em Pernambuco [1966], a diversidade foi mesmo um traço marcante do dramaturgo aqui estudado: Isaac Gondim Filho (Recife, PE, 1925) é um desses autores que se fazem dentro das caixas de teatro. Foi ator, é diretor e professor de Interpretação, já manteve conjunto próprio até que, desejoso de ordenar seus conhecimentos, frequentou cursos na Europa: Academia Sílvio D’Amico [Itália] e Teatro Marigny [França]. Tem, sobretudo, a atenção estética voltada para os intérpretes e para o público. Daí preferências estéticas variáveis e peças de circunstância: em sua obra tudo varia, como se fosse um ator a representar diferentes papéis. Essa espécie de instabilidade tem sido a sua estabilidade.


Conforme o que a vida lhe esteja sugerindo, escreve peças rurais ou sofisticadas, leva ao palco sertanejos famintos, num tratamento linear de enfabulação, ou alegorias ou, ainda, as confissões de membros da alta sociedade, como Priestley, arrancadas por via de um acontecimento misterioso. Todas as técnicas lhe servem, todos os assuntos, como se depois de tanto escrever continuasse a experimentar os próprios recursos (PONTES, 1966, p. 151).

Em seguida, nessa apresentação, Joel Pontes aprecia muito rapidamente algumas das peças de Isaac Gondim Filho, não se limitando apenas às que haviam sido até então publicadas e/ou encenadas, mas mencionando também alguns textos inéditos. Há referências às seguintes obras: Conflito na consciência (1950), A grande estiagem (1953), e A hora marcada (1955), entre as peças publicadas; Recalque (1951), O mundo é pequeno demais (1951), A vida continua amanhã (1952), Uma estrela correu no céu (1953), Senhorzinho de engenho (1954), Meus santos diabinhos (1955), entre as obras que foram encenadas, mas não publicadas; e Revolvendo cinzas (1951), Tara (1952), O fim (1951), e Um aperto de mão (1954), entre os títulos inéditos. Após essa relação, é destacado o reconhecimento artístico angariado por muitas dessas obras: Na maioria, estas peças foram distinguidas com prêmios – da Academia Brasileira de Letras, Secretaria de Educação de Pernambuco, menções honrosas do concurso ‘Peças para a juventude’ do Ministério da Educação, etc. – e traduzidas para o francês, inglês, alemão, italiano e holandês. A grande estiagem o foi para todas estas línguas, caso só comparável ao do Auto da Compadecida (PONTES, 1966, p. 152).

É oportuno observar que, entre as peças listadas por Joel Pontes, não há nenhuma que tenha sido escrita após Isaac Gondim Filho retornar de sua estada na Europa, onde por três anos, de 1957 a 1959, ele teve a chance de estudar em prestigiosas instituições dentro do universo da cultura teatral1; e onde certamente pôde atualizar o seu olhar de espectador, 1 Entre 1957 e 58, estudou direção teatral, na Academia Nazionale D’Arte Dramatica, de Silvio D’Amico, em Roma; no mesmo período, na mesma cidade, teve aulas de “educação da voz”,


assistindo a espetáculos de grandes encenadores franceses, italianos e ingleses. De fato, em um primeiro exame do conjunto de sua produção dramatúrgica, percebe-se que Isaac Gondim Filho passou a escrever com menos intensidade a partir da década de 1960. Por um lado, pode-se pensar que o aprofundamento de seus conhecimentos teatrais o tornava mais exigente com suas próprias criações; por outro, pode-se supor que a provável limitação de tempo imposta pelas obrigações de professor do Curso de Teatro da Escola de Belas Artes (contratado a partir de abril de 1960) impunha-lhe uma necessária redução no ritmo de sua atividade como dramaturgo. Mais adiante, sobretudo nas décadas de 1970 e de 1980, ele volta a produzir vários textos teatrais, a partir de então, porém, com uma característica predominante: escreve, na grande maioria, peças com temas religiosos, muitas vezes reinterpretando passagens bíblicas. O catolicismo, que na juventude o havia conduzido à formação quase completa como monge beneditino, reaparece com força na maturidade, por meio de ações teatrais, quando ele próprio encena, em ocasiões ligadas à Igreja, seus textos de franca inspiração apostólica. Culminando tal esforço criativo, Isaac Gondim Filho publica, em 1982, O drama do evangelho, pela Editora Vozes, prefaciado por Dom Helder Câmara, obra que recebe uma segunda edição em 1986. Desde seus passos iniciais no teatro recifense, ainda muito jovem, Isaac Gondim Filho despertou atenção dos intelectuais e dos criadores ligados às artes cênicas em Pernambuco. Um dos primeiros a se manifestar em público a seu respeito foi justamente Hermilo Borba Filho que, em sua coluna no jornal Folha da Manhã, no dia 25 de julho de 1950, comemora a estreia de Isaac Gondim Filho como crítico teatral do Jornal do Commercio, destacando a cultura, a sensibilidade e a capacidade realizadora do novo comentarista teatral. Saudamos o sr. Isaac Gondim Filho e desejamos que ele trabalhe pela crítica com o mesmo entusiasmo demonstrado no Centro Ortofônico La Parola; entre 1958 e 59, fez curso de condicionamento de personagem no Thêàtre Marigny, em Paris; e, ainda em 1959, estudou “playwriting” no London Country Council, em Londres.


à frente do Teatro Experimental do Recife. Ninguém desconhece a paixão que anima o jovem dramaturgo em relação às coisas do teatro em Recife. Ele está apto a prestar os maiores favores ao nosso movimento cênico, honesto como é, interessado em tudo quanto se relacione com atores, palco, cenários, peças. Sei que possui uma regular biblioteca e – o que é mais importante – lê constantemente os livros, procurando alargar os seus conhecimentos no ramo, aliando assim cultura especializada à sua natural vocação de homem de teatro (BORBA FILHO in Folha da Manhã 25/7/1950).

Pressentindo que encontraria em Isaac Gondim Filho um aliado em sua luta por um novo teatro no Recife, por um teatro de arte, e não apenas de entretenimento, Hermilo Borba Filho mostra aos seus leitores a relevância das primeiras conquistas obtidas por Isaac Gondim Filho nesse campo: “De uma só vez, o sr. Isaac Gondim Filho conseguiu duas coisas importantes no teatro: lançou sua peça ‘Conflito na consciência’ e criou uma coluna diária de crítica” (BORBA FILHO in Folha da Manhã 25/7/1950). A busca por um teatro renovado, livre das marcas formais do século XIX; um teatro em sintonia com as novidades que não paravam de chegar da Europa; mas, sobretudo, um teatro capaz de ecoar os princípios do Regionalismo de Gilberto Freyre, um teatro feito por gente da terra, tratando de temas e de valores da região, descobrindo formas dramáticas originais, modernas, mas geradas a partir das tradições, das raízes, regionais. Não era outro o esforço de Hermilo Borba Filho, à frente do Teatro de Estudante de Pernambuco - TEP, desde 1946. Foi em torno dessa determinação que vieram à cena, já na década de 1940, dramaturgos como Ariano Suassuna, Aristóteles Soares, e José de Moraes Pinho. Embora fora do círculo estrito do TEP, como Aristóteles Soares, Isaac Gondim Filho seguramente recebeu grande influência dessa movimentação em prol de uma nova dramaturgia nordestina. Não por acaso, talvez a primeira apreciação crítica de A grande estiagem, a peça mais conhecida e premiada de Isaac Gondim Filho, foi assinada exatamente por Gilberto Freyre. No Diario de Pernambuco do dia 30 de agosto de 1953, lamentando o estágio ainda pouco desenvolvido do drama


nacional, e destacando o significado dessa arte como indício prioritário do desenvolvimento cultural de uma nação, o sociólogo elogia a composição do jovem dramaturgo recifense, situando-o ao lado de nomes consagrados, como os de Rachel de Queiroz e de Nelson Rodrigues, na urgente busca pelo aprimoramento do teatro brasileiro. Destaca a pungência com que Isaac Gondim Filho retrata o sofrimento infligido aos sertanejos nordestinos pela seca, mas faz ressalvas à preocupação talvez excessiva com o realismo do relato, o que teria inibido, segundo sua apreciação, uma expressão poética mais simbólica, mais transcendente. Reconhece, no entanto, de modo inequívoco, as qualidades do autor, antevendo que essa peça despertaria interesse de outros centros teatrais, como de fato aconteceu: Trata-se [A grande estiagem], entretanto, de uma afirmação de sensibilidade dramática capaz de atrair para o jovem autor atenções brasileiras, além das pernambucanas. Já conhecido o sr. Isaac Gondim Filho por seus brilhantes experimentos da literatura dramática, sua nova criação dramática talvez o torne conhecido no Rio e em São Paulo, como um dos melhores talentos dos novos do Recife que se vêm especializando em escrever para teatro com seriedade e consciência (FREYRE in Diario de Pernambuco, 30/8/1953).

Nessa observação de Gilberto Freyre, pode-se ler a inescapável tensão gerada pela dialética margem-centro, província-metrópole, problema inscrito no próprio cerne do seu movimento Regionalista, a quase aporética situação em que se veem as culturas periféricas, lutando por reconhecimento – e por autorreconhecimento –, tentando processar as novidades que lhes chegam de fora, ao passo que se esforçam para se manter ligadas às suas tradições originais. Desse modo, portanto, estudar a moderna literatura dramática de Pernambuco, e do Nordeste, significa, antes de tudo, encarar essa condição, certamente incômoda, de uma dupla presunção de inferioridade: em relação à Europa, berço da modernidade teatral, e em relação aos centros culturais mais desenvolvidos do país, no caso, especialmente no que diz respeito à atividade teatral, o Rio de Janeiro e São Paulo, onde supostamente o novo


teatro europeu primeiramente deveria ser interpretado. Tal problemática, decerto verificável, com maior ou menor intensidade, em todos os dramaturgos selecionados para serem estudados no projeto de pesquisa aqui apresentado, assume especial relevo na trajetória artística de Isaac Gondim Filho, objeto deste módulo inicial da investigação, um recifense que obteve prestígio nas grandes capitais do Sudeste brasileiro, mesmo antes de estudar teatro na Europa.

Passos O estudo aqui apresentado estrutura-se por meio das seguintes etapas de trabalho: 1) Seleção dos orientandos, alunos da graduação; 2) Pesquisa bibliográfica: aprofundamento do referencial teórico, por meio de pesquisa e de fichamento de obras que tratem da moderna literatura dramática em Pernambuco, e no Brasil; 3) Localização e catalogação das fontes documentais, não somente os textos teatrais, mas também o maior número possível de informações sobre a recepção crítica desses textos, trabalhando-se prioritariamente nos arquivos pessoais do autor, preservados por sua família, e gentilmente postos à disposição de nossa pesquisa; 4) Digitalização das fontes documentais estudadas, transformando em arquivos tipo texto as principais peças escritas pelo autor; 5) Orientação de alunos, bolsistas ou voluntários, em estudos específicos, subprojetos, sobre determinadas obras do repertório inventariado; 6) Produção de ensaio crítico, apresentando o teatro de Isaac Gondim Filho, pondo em análise suas principais características, estéticas e ideológicas, procurando situar o autor no panorama do moderno teatro brasileiro; 7) Elaboração do relatório final, relatando os trabalhos desenvolvidos neste módulo, e reunindo arquivos com todas as peças digitalizadas, acompanhadas pelo ensaio crítico resultado do estudo.


No momento em que este texto é redigido, boa parte desse itinerário metodológico já foi percorrida. O grupo de pesquisa encontra-se, atualmente, trabalhando nas últimas três etapas propostas.

Diálogos Com orientação do professor Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis, cada um dos discentes que integram o grupo, coautores deste artigo, desenvolve um subprojeto individual, aplicando um recorte específico à proposta central desta pesquisa: um mapeamento crítico do teatro de Isaac Gondim Filho, à luz das proposições estéticas de Hermilo Borba Filho. Amanda de Sampaio Alves Duarte pretende identificar e avaliar a presença de algumas características formais da tragédia clássica – unidade de tempo, lugar e ação; nó e desenlace; peripécia e reconhecimento; terror e piedade; catástrofe e mito – na obra A Grande Estiagem, de Isaac Gondim Filho. Para a análise, ela toma como base teórica autores como Aristóteles, Raymond Williams e George Steiner. Por sua vez, Durval Cristovão de Santana Júnior desenvolve investigação intitulada “Representações do Nordeste na moderna dramaturgia pernambucana: um estudo da recepção das tragédias A grande estiagem, de Isaac Gondim Filho, e João sem terra, de Hermilo Borba Filho”, analisando o modo como essas duas obras, tão importantes no panorama da moderna dramaturgia pernambucana, foram recebidas na ocasião de suas principais montagens, procurando ainda verificar em que medida essas peças contribuíram, ou não, para uma visão estereotipada do Nordeste. Iago José Lima de Melo pretende empreender uma observação dos procedimentos dramatúrgicos empregados por Isaac Gondim Filho em seus textos de caráter evangelizador, nos quais se percebe um movimento em direção ao épico. Enquanto Jéssica Cristina dos Santos Jardim volta suas pesquisas às reatualizações de gêneros e conceitos teatrais na perspectiva do drama moderno, como a tragédia clássica (especialmente no drama A grande


estiagem) e às materializações dos elementos fantásticos no texto e na encenação dos dramas A hora marcada e Revolvendo cinzas, todos de autoria do dramaturgo pernambucano Isaac Gondim Filho. José Arilson de Siqueira Lopes desenvolve o subprojeto intitulado “Outras visões do Nordeste na moderna dramaturgia pernambucana: um estudo da recepção das peças A hora marcada, de Isaac Gondim Filho, e Um paroquiano inevitável, de Hermilo Borba Filho”. Apoiado, sobretudo, nos estudos do teórico Tzvetan Todorov, propõe uma investigação sobre os elementos fantásticos presentes nas obras estudadas. Já Milena Costa Marques interessa-se pelo exame do modo como a cidade do Recife é caracterizada por Isaac Gondim Filho, em especial na década de 1950, apoiando sua investigação na observação da tonalidade francamente realista impressa pelo autor em suas peças de temáticas urbanas. E, por fim, Samara Corrêa Trajano Lacerda desenvolve pesquisa sobre o cômico em Isaac Gondim Filho. Para isso, alicerçada nos estudos de autores como Henri Bergson, Vilma Arêas e Verena Alberti, analisa a peça Café Society’s Raio X, propondo um paralelo com uma obra de Hermilo Borba Filho, As Moscas. O desmascaro da sociedade burguesa e suas relações de poder são alguns dos assuntos enfocados. Na dinâmica do grupo, potencializam-se oportunidades de expansão, de complementação e de troca de diversos conhecimentos. Ao centro de tudo, as questões da dramaturgia, campo dos mais relevantes para os estudos teatrais na contemporaneidade, reconhecendo-se o texto teatral, simultaneamente, como vetor e como testemunha da modernização sofrida pelos palcos nacionais ao longo do século 20. Descobrindo, interpelando e contextualizando as possíveis aproximações estéticas e ideológicas entre Hermilo Borba Filho e Isaac Gondim Filho, têm sido particularmente recompensadoras as discussões compartilhadas entre os integrantes do grupo de pesquisa, cada qual com suas bagagens artísticointelectuais e com seus interesses específicos. É natural, portanto, que alguns primeiros resultados desse esforço já comecem a se tornar públicos, por meio de artigos e de comunicações orais, individuais ou coletivas.


Que este breve relato do projeto em andamento possa funcionar, então, como uma espécie de convite para que cada vez mais vozes, também interessadas pela moderna dramaturgia pernambucana, participem desses diálogos.

Referências BORBA FILHO, Hermilo. Hermilo Borba Filho: teatro selecionado. Organizado por Leda Alves e Luís Augusto Reis. Apresentação de Celso Frateschi. Prefácio de Luís Augusto Reis. Três volumes. Rio de Janeiro: Funarte, 2007. FREYRE, Gilberto. Prefácio à peça Sobrados e Mocambos. In ALVES, Leda; REIS, Luís Augusto (orgs.) Hermilo Borba Filho: teatro selecionado – volume III. Rio de Janeiro: Funarte, 2007 [1971]. _______________. 1996 [1976]. Movimento Regionalista, Tradicionalista e, a seu modo, Modernista do Recife. In QUINTAS, Fátima (org.) Manifesto Regionalista. 7ª Edição. Prefácio de Antônio Dimas. Recife: Fundaj / Edições Massangana. FILHO, Isaac Gondim. O drama do evangelho. Prefácio de Dom Hélder Câmara. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1982. MACHADO, Lúcia. MACHADO, Lúcia. (org). Hermilo, lembrança viva de um mestre. Prefácio de Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. _______________. (org). O diálogo como método: cinco reflexões sobre Hermilo Borba Filho. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2006. PONTES, Joel. O Teatro moderno em Pernambuco (2ª edição). Prefacio de Luiz Maurício Carvalheira. Recife: Fundarpe, 1990 [1966]. REIS, Luís A. da V. P. Fora de cena, no palco da modernidade: um estudo do pensamento teatral de Hermilo Borba Filho. Prefácio de Tania Brandão. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2009.


VIEIRA, Anco Márcio; LEITE, João Denys A., REIS, Luís Augusto da V. P. Diálogos pernambucanos: Hermilo Borba Filho e a dramaturgia. Apresentação de Lúcia Machado. Fundação de Cultura do Recife: 2010.

Sobre os autores: Amanda de Sampaio Alves Duarte, aluna do terceiro período de Licenciatura em Teatro, bolsista UFPE do programa Jovens Talentos para a Ciência (CAPES) – 2012/13. Durval Cristovão de Santana Júnior, aluno do terceiro período de Licenciatura em Teatro, bolsista PIBIC (UFPE-CNPq) – 2013/14. Iago José Lima de Melo, aluno do primeiro período de Licenciatura em Teatro, contemplado pelo programa BIA (Bolsa de Incentivo Acadêmico) da UFPE. Jéssica Cristina dos Santos Jardim, aluna do sétimo período de Letras – Licenciatura em Francês, bolsista PIBIC (UFPE-CNPq) – 2013/14, orientada pelo professor André de Sena. José Arilson de Siqueira Lopes, aluno do sexto período de Licenciatura em Teatro, bolsista PIBIC (UFPE-CNPq) – 2013/14. Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis, professor do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, UFPE, vice-coordenador do curso de Licenciatura em Teatro. Milena Costa Marques, aluna do sétimo período de Licenciatura em Teatro, UFPE, bolsista Santander 2013/14. Samara Corrêa Trajano Lacerda, aluna do sétimo período de Licenciatura em Teatro, monitora da cadeira de Elementos Visuais do Espetáculo.



DANÇA E DESCONSTRUÇÃO – 2ª PARADA: WILLIAM FORSYTHE, POLIFONIAS DESLIZANTES Cláudio Marcelo Carneiro Leão Lacerda

A pesquisa “Dança e Desconstrução” teve por objetivo relacionar a criação em dança à teoria da desconstrução de Jacques Derrida, investigando sobre os procedimentos dos coreógrafos Pina Bausch, William Forsythe e Meg Stuart, tecendo possíveis relações entre as estratégias desconstrutivistas e o modus operandi desses coreógrafos. Nessa “2ª parada”, discorreremos sobre a obra e os procedimentos de William Forsythe. William Forsythe é um dos mais provocadores criadores em dança da contemporaneidade. Escolhemos o viés da teoria da desconstrução de Jacques Derrida para poder tecer relações e investigar seus procedimentos com relação ao corpo dançante, à estruturação das obras e à relação com o observador/espectador.

Derrida e a teoria da desconstrução As ferramentas conceituais concebidas por Jacques Derrida formam um dos mais importantes arcabouços teóricos da contemporaneidade para pensar toda a construção logocêntrica ocidental. Seja na filosofia, na política, nas artes e em outros campos do conhecimento, oferecem uma ampla gama de aplicação. Derrida preocupou-se, principalmente, em dissolver polaridades que têm constituído o pensamento e a filosofia ocidentais. Em Força e Significação, Derrida (2008) critica o Estruturalismo e o privilégio que este concede à linguagem para ser um explicador universal dos eventos do mundo, tendo como foco a importância altamente desproporcional conferida à forma em detrimento da força, ou melhor, por separar a forma da força.


Derrida propõe uma desconstrução da estrutura, a qual “pode ser metodicamente ameaçada a fim de que possa ser compreendida mais claramente e revelar não apenas seus suportes, mas, também, aquele lugar secreto no qual não é nem construção nem ruína mas labilidade” (ibid., p. 5). A desconstrução surge como uma economia que escape a esse sistema de oposições metafísicas –– força-forma, duração-espaço, qualidade-quantidade, profundidade de significação-superfície das figuras, natureza-cultura, presença-representação, significante-significado, dentrofora, imagem-realidade, corpo-alma ––, na qual as diferenças examinadas seriam, simultaneamente, de sítio e de força. Para quebrar essa estrutura de oposições, proceder-se-ia através de certa organização, certo arranjo estratégico, que, dentro do campo da oposição, usa suas forças para virar seus próprios estratagemas contra ele, produzindo uma força de deslocamento, que se espalha através do sistema inteiro, fissurando-o em toda direção e delimitando-o completamente (ibid., p. 22). Derrida explica que a ideia de desconstruir, de descentrar, de pensar a estruturalidade da estrutura, não surgiu de um único evento, uma única doutrina ou um único autor; ela é parte da totalidade de uma era, a nossa. O espaço de tensão entre polaridades precisa ser habitado, diz Derrida (2006, p. 66) em Lingüística e Gramatologia. Um espaço de adiamento, de labilidade, de desestabilização, de devir, que não é valorizado pela filosofia e pela cultura ocidentais, justamente porque estas têm se baseado nessas polaridades — a escuridão (auto-esconder-se) e a luz (auto-revelar-se), mesmo antes de Platão — para se produzir. Derrida criou vários conceitos importantes para habitar esse espaço: rastro, espaçamento, diferência e centro faltante. Derrida nega que haja uma presença absoluta. Uma lacuna intransponível existe entre ter um pensamento e registrá-lo e entre experienciar um sentimento e sabêlo. O pensamento real (sentimento) já está desaparecendo enquanto é registrado; assim, seu registro pode ser imperfeito ou incompleto (SCHROEDER, 2005, p. 281).


Então, o que percebemos é o rastro, que é o próprio significante, o que é acessível da realidade. “A desconstrução da presença passa pela da consciência, logo, pela noção irredutível do rastro” (DERRIDA, 2006, p. 86). Com esse conceito, desafia a noção de uma origem absoluta ou um não rastro originário. O rastro não é somente a desaparição da origem, ele quer dizer aqui — no discurso que proferimos e segundo o percurso que seguimos — que a origem não desapareceu sequer, que ela jamais foi retroconstituída a não ser por uma não-origem, o rastro, que se torna, assim, a origem da origem. [...] a nãoapresentação ou a des-apresentação é tão “originária” como a apresentação (ibid., p. 76). O rastro é verdadeiramente a origem absoluta de sentido em geral. O que vem afirmar mais uma vez, que não há origem absoluta do sentido em geral. O rastro é a diferência que abre o aparecer e a significação. Articulando o vivo sobre o não-vivo em geral, origem de toda repetição, origem da idealidade, ele não é mais ideal que real, não mais inteligível que sensível, não mais uma significação transparente que uma energia opaca e nenhum conceito da metafísica pode descrevê-lo (ibid., p. 80).

Desfazer a ideia de origem, ideia fundamental para uma onto-teologia, implica em desfazer a ideia de passado absoluto e faz com que a ideia de passado, presente e futuro seja dissolvida, pois o tempo é considerado uma passividade fundamental. Derrida diz que os filósofos frequentemente se enganam porque eles tomam o presente como anterior à rede encoberta que o faz possível (SCHROEDER, 2005, p. 285). Espaçamento relaciona-se a pausa, branco, pontuação, intervalo, em geral, etc. São espaços de devir, de formação da significação. O espaçamento (notar-se-á que esta palavra afirma articulação do espaço e do tempo, o vir-a-ser-espaço do tempo e o vira-ser-tempo do espaço) é sempre o não-percebido, o nãopresente e o não-consciente (DERRIDA, 2006, p. 83).


Já diferência [differance] baseia-se em uma “proliferação interminável de contrastes que multiplicam significações” (SCHROEDER, 2005, p. 284). A diferência age numa dimensão temporal e numa dimensão espacial. Na primeira, a significação é adiada até que o próximo elemento na série emirja (entretanto, a série nunca termina); na segunda, produz novas possibilidades de significação, contrastando termos uns com os outros (ibid.). A diferência dissolve as polaridades, pois não é nem uma origem nem um resultado, é tanto ativa quanto passiva, tanto produto quanto produção; também quebra o fundamento cartesiano principal, a separação corpo/mente, pois descreve o funcionamento dos processos mental e físico. Derrida acrescenta que o número de termos que afetam a identidade de qualquer termo individualmente está em constante proliferação, nunca fixo, acarretando a noção de que “o significado de todo termo está constantemente sob revisão” (ibid.). A metafísica da presença, o logocentrismo, as ideias de estrutura, origem, passado absoluto, verdade, significado transcendental, todos eles, para funcionar, exigem um centro, uma presença central. O grande golpe desconstrutivista é a noção de que esse centro não existe; ele é faltante. A estrutura — ou antes, a estruturalidade da estrutura — apesar de ter estado sempre funcionando, tem sempre sido neutralizada ou reduzida, e isto por um processo de dar-lhe um centro ou de referir-lhe a um ponto de presença, uma origem fixa. A função deste centro foi não apenas orientar, equilibrar e organizar a estrutura –– não se pode de fato conceber uma estrutura sem organização –– mas, acima de tudo, certificar que o princípio organizador da estrutura limitaria o que poderíamos chamar de jogo da estrutura. Orientando e organizando a coerência do sistema, o centro de uma estrutura permite o jogo de seus elementos dentro da forma total. E até hoje a noção de uma estrutura da qual falta um centro representa o próprio impensável (DERRIDA, 2008, p. 352).

Barthes (apud PERRONE-MOISÉS, 2005, p. 98) afirmou que “descrever sistemas significantes postulando um significado último é tomar partido


contra a própria natureza do sentido”. A noção derridiana de centro faltante ataca de frente o significado último. Fizemos uma ligação desses conceitos de Derrida com as ideias de Homi Bhabha (1998) de “momento de trânsito”, “sensação de desorientação”, “emergência dos interstícios”, “temporalidade intervalar”, “entre-lugar”, as quais, entre outras, evocam esse lugar do entre, das lacunas, dos vãos, lugares onde novas significações surgem e se transformam na condição de vários “pós-” da contemporaneidade. Propomos que é nesses espaços que as criações de William Forsythe transitam. O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado refigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passadopresente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver (BHABHA, 1998, p. 27).

O trabalho de Forsythe é fronteiriço porque habita essa tensão entre polaridades (Derrida), esse entre-lugar (Bhabha).

William Forsythe: polifonias deslizantes Polifonia, multidirecionalidade, descentramento, desestabilização. São palavras que se ligam ao trabalho de Forsythe, usadas por outros autores para descrevê-lo e também usadas pelo próprio para falar sobre seu trabalho. Este é complexo por uma gama de motivos. Habita dois mundos aparentemente conflitantes: o do balé, das casas de ópera, das instituições mainstream que o acolheram (principalmente o Stuttgart Ballet e o Ballett Frankfurt), do público e dos críticos de balé; o dos experimentos radicais, tanto na proposta de movimento quanto na recepção das obras pelo público. O termo polifonia Forsythe encontrou em suas leituras de Barthes. Propomos que seu trabalho possui vários focos de polifonias, trabalhados


autônoma e entrelaçadamente: no corpo dançante, na estruturação das obras e na relação com o observador/espectador. A partir de informações de Servos (1999) e Nugent (1998; 2003), reunimos os três pilares sobre os quais o trabalho de Forsythe se desenvolveu: a) formação corporal no vocabulário do balé clássico; b) as teorias de Laban; c) leitura de autores estruturalistas e pós estruturalistas franceses. Durante sua formação no balé, Forsythe ficou bastante impressionado com o papel que George Balanchine teve na contribuição para o neoclassicismo no balé, tirando o peso do clássico e organizando-o de modo mais musical que visual (SERVOS, 1999). Em sua formação universitária, teve aulas com Nolan Dingman, ex aluno de Balanchine, que despertou sua curiosidade sobre a relação entre tempo e espaço e um entusiasmo pela coreografia do russo emigrado para os Estados Unidos (NUGENT, 2003, p. 43). Forsythe teve contato com as teorias de Rudolf von Laban durante um período em que teve que permanecer sem fazer atividades físicas, devido a um problema no joelho, em 1971. Aproveitou esse tempo para estudálo. É interessante que a ausência (um espaço de rastro, um espaçamento) da atividade de dançar promoveu um espaço para uma renovação de suas ideias e vontades para a dança. A ideia de Laban mais premente que o influenciou foi a de que qualquer movimento pode se tornar um movimento de dança. Além disso, na Corêutica, parte que trata sobre a Harmonia Espacial, ele descobriu que “o corpo dançante poderia ser liberado de sua organização centralizante e libertado para se mover através de cinesferas sem limites. Ele começou a gerar sistemas de movimento próprios, sistemas que, ao longo dos anos, têm se tornado crescentemente complexos” (ibid., p. 41). Percebemos, aqui, uma conexão muito forte com o conceito de centro faltante de Derrida, que se mostra uma ferramenta para novas possibilidades de investigação do corpo dançante, com a liberação do centro trabalhado na técnica do balé e também dos centros de gravidade e levitação, apontados por Laban (1978).


Quanto aos autores que Forsythe leu, Servos (1999) chama a atenção para os conceitos apontados por Barthes, nos anos iniciais, de desmontar e rearranjar e em sua visão de uma polifonia de signos e símbolos em ação na dança e no teatro contemporâneos. De fato, quando apreciamos algumas obras de Forsythe, vemos materializadas as ideias de desmontar e rearranjar. De Foucault, não sabemos dizer especificamente qual conceito o influenciou, entretanto, fazemos uma ligação muito forte de seu trabalho quando Foucault fala que o poder é onipresente, mas que este não é exercido de um ponto central, e, sim, da relação entre vários pontos, vindos de vários lugares e constantemente instáveis (FOUCAULT, 1988, p. 103). Com relação a Derrida, não temos certeza de que Forsythe o tenha lido, mas as probabilidades são muito grandes. Podemos estabelecer muitas conexões entre sua obra coreográfica e os conceitos derridianos de desconstrução, centro faltante, labilidade, rastro, espaçamento. Além desses três pilares, Forsythe também mostra interesse por áreas aparentemente não relacionadas (teoria literária, física, poesia, matemática, mito, ciência), justapondo-as em seus trabalhos (NUNGENT, 2003, p. 43). Essas influências e interesses estimularam Forsythe a formar algumas ideias norteadoras sobre arte e dança, como: o fato de ainda sermos um pouco reféns do sistema da Era do Iluminismo, no que concerne à recepção artística; a “mente coreográfica [ser], em algum ponto, uma mente organizadora”; o desejo de que “as fronteiras entre teatro como uma esfera artística e a esfera pública fossem mais embaçadas” (FORSYTHE apud SIEGMUND, 2001, pp. 73-74); e de que “o meio é a mensagem” (SERVOS, 1999). De acordo com Servos (1999), Forsythe vê o teatro e a dança mais como um projeto de pesquisa com resultados incertos. Um processo no qual as variáveis podem ser mudadas a qualquer momento em qualquer direção. O resultado disso é uma liberdade de escolha que funciona para o coreógrafo, para o dançarino e também para os espectadores. O objeto de sua pesquisa é a relação de um signo com outro, signos esses previamente explodidos em partes individuais e reorganizados puramente por princípios físicos de composição, não por uma narrativa ou por personagens. Desmontar e rearranjar.


Para falar sobre como opera a polifonia no corpo dançante no trabalho de Forsythe, já adentramos seu processo de trabalho. Nugent (1998, p. 27) esclarece que, a despeito da vastidão do que ele absorveu, de suas influências, seu ponto de partida é o seu próprio corpo. Servos (1999) aponta vários aspectos em que se baseiam seus procedimentos: a) decupando ao extremo elementos do vocabulário do balé, Forsythe formava séries em repetição infindas, que ele manteve refinando e estendendo, através de artifícios coreográficos como retroceder, adicionar, subtrair, etc.; através dessa estratégia, o conteúdo narrativo é dissolvido e a dinâmica do movimento sobressai; b) respeitar o tempo próprio exigido por cada evento faz com que se tenha maior liberdade na abordagem da música; c) o emprego de tempos musicais diversos e de dinâmicas diversas permite que percursos lineares de desenvolvimento sejam apagados; d) o uso do espaço é des-hierarquizado, conferindo igual importância aonde quer que se inicie o movimento ou onde o finalize. Assim como Laban, Forsythe aplicou as teorias da Corêutica ao corpo formado pelo balé, mas, então, descobriu que “se ele se desfizesse da coluna ereta e da rotação externa [o en dehors do balé] e eliminasse as hierarquias de partes do corpo, de dançarinos específicos e de espaços no palco, novas oportunidades entrariam em jogo” (NUGENT, 1998, p. 29). Aqui, podemos fazer duas conexões: uma, com Merce Cunningham, um dos pioneiros a des-hierarquizar tanto partes do corpo quanto locais no espaço de apresentação; outra, com o conceito de labilidade, utilizado tanto por Derrida quanto por Laban, para se referir a um estado de desestabilização. Assim como o conceito de centro faltante, a labilidade também se configura como uma ferramenta para o autoconhecimento do corpo dançante e para novas possibilidades de investigação para a criação em dança. Sua coreografia parte da proposição de que a linha torne-se multidirecional. “Suponha que a aresta externa torce em direção à aresta interna. Suponha que o centro forte a partir do qual todas as linhas do balé fluem é desestabilizado. O que pode emergir?”, propõe Forsythe (apud NUGENT,


1998, p. 26). Dessa forma, os corpos de Forsythe conectam curvas e ângulos em formas que surpreendem o observador. Do início como coreógrafo, Forsythe foi gradualmente saindo da orientação vertical, e arriscando-se cada vez mais na desestabilização, na labilidade. Assim como Laban havia enfatizado que o que importa não são os pontos no espaço, mas, sim, o caminho que se traça de um para outro, a transitoriedade, Forsythe experimenta várias possibilidades de se traçar esses caminhos. Apesar de seu trabalho estar enraizado no vocabulário do balé clássico, sua inteligente subversão da cruz tridimensional, sobre a qual o vocabulário do balé está fundada, resulta no movimento complexo, multidirecional, serpenteante que viemos a associar com Forsythe. Ele decentra o corpo do balé, distorce suas simetrias confortáveis, substitui o equilíbrio pelo desequilíbrio e, continuamente, subverte orientações espaciais. O corpo e o espaço que o rodeia abrem-se para um novo mundo de jogo intrincado e travesso (RUBIDGE, 1999, p. 46).

A pesquisa de movimento de Forsythe se dá em centros cambiantes. A noção de descentramento é levada ao ponto de se permitir considerar como centro qualquer parte do corpo. “Sua [de Forsythe] preocupação é que o corpo seja possibilitado a concretizar seu potencial total de movimento –– e que o papel do coreógrafo é continuar estendendo esta capacidade percebida” (NUGENT, 2003, p. 41). Com relação ao uso da teoria de Laban em seus processos criativos, Rubidge (1999, p. 46) identificou que a abordagem de Forsythe na Corêutica difere radicalmente da original: “Informado por princípios pós-modernistas, ela desestabiliza molduras de referências espaciais padrão, fragmenta unidades e desafia usos prescritivos de corpo-espaço. Em resumo, ele chuta a bola coreográfica para fora de área”. Uma boa visualização dessas características é ver o próprio Forsythe dançando. Em Solo (1995), percebemos todo o trabalho de isolamento de partes e de diversas relações entre estas, diversos percursos


espaciais iniciados pelas mesmas e executados tanto sucessiva como simultaneamente, diversas variações dinâmicas e a desestabilização do eixo e suas consequentes descobertas de percursos inusitados. Solo explora a liberação de uma fisicalidade centralmente controlada, mostrando como o desfazer-se de algo traz inesperados sistemas de equilíbrio, controle e alinhamento –– a performance enfatiza como a visão criativa está tão proximamente ligada à faculdade do movimento. Solo dá pistas, na minha visão, para todos os seus outros trabalhos (NUGENT, 1998, p. 27).

Em The The, um de seus trabalhos mais intimistas, duas dançarinas estão em cena, lado a lado, no nível baixo, na base sentada, na direita baixa do palco (ponto de vista dos dançarinos). O que mais chama a atenção é o contraste entre o desenho de suas pernas, trabalhadas pelo balé, estendidas e em ponta, cheias de “S”, em uma posição do cotidiano, desassociada do balé, do dia a dia. Nesse contexto, aquelas pernas “virtuosísticas” do balé podem ser percebidas como “aleijadas”, ainda mais quando o movimento isolado de seus troncos e braços “desconjuntam” o corpo, dando uma sensação vívida de fragmentação. Fortemente, o corpo –– desenho, forma e história de sua formação (aulas de dança, coreografias dançadas, experimentos realizados, etc.) –– é o próprio assunto da coreografia, o corpo como um rastro movente. Em One Flat Thing, Reproduced (2000), o observador/espectador é bombardeado por uma miríade de pontos energéticos em movimento: partes mínimas do corpo, partes maiores, o corpo como um todo, mesas sendo empurradas, mesas como suporte, mesas como divisores dos níveis espaciais por onde os dançarinos transitam. Os percursos percorridos por essas partes corporais e os corpos como um todo fazem da composição do trabalho um refinadíssimo quadro que desafia a percepção do observador. As relações de dinâmicas parecem átomos em ebulição, fenômenos se fazendo e se desfazendo, gerando ações que se alimentam sucessivamente.


Em Enemy in the Figure (1989), a escala é grande, assim como a carga de energia que permeia o trabalho. Com o uso cambiante de cenário e objetos de cena, utilizados de maneira não narrativa, insólita até, o descentramento trabalhado no corpo vem com uma energia raivosa, aliada à poderosa trilha sonora. É um trabalho mais sombrio, literal (pelas sombras no palco) e metaforicamente. In the Middle Somewhat Elevated (1987) foi comissionada por Rudolf Nureyev, quando diretor do Paris Opera Ballet, e criada no corpo de Sylvie Guillem. É um pas de deux cheio de tensão e contrapesos, no qual o vocabulário e o virtuosismo técnico do balé são celebrados, porém, em um contexto de labilidade, que fascina e intriga o observador. A trilha sonora eletrônica de Thom Willems –– colaborador longevo de Forsythe –– é um componente poderoso, soando como se os acordes metálicos iniciais de A View to a Kill de Duran Duran fossem postos em série numa composição erudita contemporânea. Muito do fascínio dessa obra devese à participação de Guillem, tanto no processo quanto na execução. Ela é virtuosística na técnica do balé e tem uma interpretação vigorosa, porém, seu talento para trabalhar com coreógrafos contemporâneos é uma característica que a difere de outras estrelas do balé, tendo a capacidade de entrar totalmente na proposta e no jogo desses coreógrafos. Tanto é que, na interpretação desse trabalho por outras dançarinas, apesar de possuírem a técnica que o trabalho demanda, não chegam às arestas que Guillem chega nas desestabilizações e não alcançam a ironia e a atitude blasé com que lida com seu material. Várias das obras de Forsythe são remontadas para companhias de balé e algumas são especialmente comissionadas por determinadas companhias. Em nossa opinião, o resultado não apresenta, em sua plenitude, a desestabilização trabalhada com seus dançarinos. A propósito, Forsythe atrai dançarinos de diferentes países e escolas de formação. Segundo Nugent (2003, p. 41), sob sua tutela, eles tornam-se extraordinariamente articulados em sua coreografia, interpretando-a com rigor, precisão e uma consciência de cada músculo em seus corpos. Não importa quão não convencional o movimento, eles o dançam como se fossem donos dele.


Isto se deve a toda uma gama de exercícios e tarefas improvisacionais que Forsythe foi construindo e acumulando ao longo dos anos e que repassa aos seus dançarinos. Uma maneira que Forsythe encontrou para repassar aos recém ingressos em sua companhia os seus exercícios de improvisação foi através de um tutorial hightech (Improvisation Technologies 1), desenvolvido quando diretor do Ballett Frankfurt (RUBIDGE, 1999, p. 46). Em uma versão com conteúdo e funções reduzidas, o tutorial foi produzido e lançado em formato de CD-ROM (Improvisation Technologies: A Tool for the Analytical Dance Eye, 1999) para comercialização, visando proporcionar a dançarinos, tanto iniciantes quanto com mais experiência em improvisação, a vivência de seus exercícios de improvisação e alargar sua gama de movimentação. Vemos as tecnologias de improvisação compiladas por Forsythe como um rastro dos seus processos criativos, que podem ser vivenciados por outros corpos. Forsythe estruturava seus trabalhos, inicialmente, revisitando o repertório do balé clássico, desarranjando-o através da técnica da colagem. Servos (1999) comenta que, gradualmente, isto foi dando cada vez mais espaço para a improvisação, entendendo-a como um sistema de possibilidades para se jogar. Em média, 70% da coreografia final é fixado e o restante, deixado a cargo da improvisação. Isto traz mais imprevisibilidade às apresentações e, também, certa fragilidade, o que confere um frescor ao trabalho, ao mesmo tempo, exigindo uma grande responsabilidade por parte dos dançarinos. A noção de transitoriedade ganha grande importância e torna-se inerente ao próprio trabalho. “É essa abertura à mudança que dá a cada apresentação a sua identidade.” (NUGENT, 2003, p. 43). A fluidez da dança sentida e vista em cena é também aplicada a tudo o que está em jogo no palco: iluminação, objetos de cena e cenário. Segundo Nugent (2003, p. 41), “a improvisação mantém os dançarinos altamente focados, garante que seus olhos e ouvidos estejam sintonizados aos acontecimentos no palco; na verdade, o estado de alerta deles às estruturas rítmicas otimiza a energia motora da dança”. Forsythe estrutura suas obras com várias atividades simultâneas e diferentes. Por vezes, torna-se difícil acompanhar tudo o que está


acontecendo no palco e, de tudo aquilo, fazer um sentido. Cada pessoa verá e perceberá diferentemente. Vários elementos podem estar justapostos: relações do próprio movimento dançado entre si ou do movimento dançado com outros meios, como música, elementos de cenário e objetos de cena, imagens projetadas, texto. Nugent (1998, p. 28) comenta que em Quintett (1993) a dança e a música referem-se a mundos diferentes, mas a justaposição faz um jogo entre presença e ausência, entre tempo e espaço. A noção de centro faltante que identificamos no trabalho de Forsythe, em atuação tanto na abordagem do corpo dançante quanto na estruturação das obras, também reverbera no espectador, ao qual são oferecidos vários eventos acontecendo simultaneamente, cabendo a este a escolha onde concentrar seu foco. Também cabe a este tecer as relações entre o que acontece no palco, pois nada é oferecido linearmente. Nessa relação de como mostrar a obra ao espectador, a questão da perspectiva e o ato de ver são assuntos de extrema importância para Forsythe, algo que ele pesquisou e a que dá atenção deliberada. “A percepção de uma obra de dança é modificada pelo contexto no qual esta é apresentada”, diz Forsythe (apud SIEGMUND, 2001b, p. 73). Em Artifact (1984), providenciou que a cortina descesse repetidamente no meio das cenas em andamento, o que causou um grande estranhamento e incômodo ao público. Estranhamento, porque não se sabia se o espetáculo havia terminado ou não. Incômodo, porque a expectativa de um espetáculo que valesse o dinheiro gasto no ingresso, com promessas de divertimento, de elevação do espírito, de belas atuações dos dançarinos –– ideias herdadas do Iluminismo –– foi atrapalhada. Artifact agora é vista como um clássico, opina Siegmund (ibid.), “ela quebrou com o nosso continuum de percepção e nos fez consciente de quão gananciosos nós fitamos o palco. Com efeito, Forsythe questionou o quanto a audiência queria assistir –– sem interrupções, por favor –– belos dançarinos ocupados com um pas de deux”. Sua subversão está apontada, principalmente, para o princípio composicional da perspectiva central, que originou-se na pintura


renascentista e, subsequentemente, veio a dominar outras formas artísticas, incluindo o balé. Rebecca Schneider, uma teórica da performance americana, analisou a perspectiva central como um constructo histórico e ideológico. Interferir neste sistema sempre também interfere na ordem simbólica de nossa sociedade. Na melhor das hipóteses, a representação de uma ordem predeterminada baseada na oposição de primeiro plano e plano de fundo, do poderoso ao empoderado, é suplantada pelo ato da visão e audição independentes dentro de uma matriz de diferenças individuais (SIEGMUND, 2001a, p. 21).

Siegmund (ibid.) nos esclarece que a perspectiva central presume um olho estático, liberto de um corpo físico, com linhas de visão sempre estáveis encontrando-se num ponto de fuga centralizado na parte ao fundo da composição. Um mundo hierarquicamente organizado se estende para um observador que domina a perspectiva central, que pode usá-la como um espelho para auto-reflexão. Escondido no ponto de fuga está o próprio olhar do observador, olhando de volta para ele. Não coincidentemente, o desenvolvimento da perspectiva central está associada à ascensão concomitante do humanismo. Os críticos iniciais da perspectiva central objetaram que o olho não é um foco de câmera estático, mas, sempre em movimentação. Forsythe aborda essa tradição de duas formas. Primeiro, em termos de estética de produção, ele subverte a identidade do balé e seus códigos de movimento, como vimos anteriormente, em sua relação com o corpo dançante e na estruturação das obras. Segundo, em termos de estética da recepção, Forsythe questiona o sujeito que olha: Estou basicamente mais preocupado com o espaço e o dobramento do espaço do que com a forma. O espaço te dá um timing. A distância que a plateia tem do palco determina a sua recepção. Eu penso que há um número de afetos humanos que automaticamente aparecem dependendo da proximidade da figura ou figuração humana. É claro


que todo tipo de espaço ganha significados de acordo com o que o emoldura. Então, o espaço teatral tem todas essas restrições, como as linhas de visão da audiência, que têm a ver com essa história. Toda vez que você entra em um teatro, você está sempre lidando com a história teatral. Não há como evitá-la. Em princípio, este é o projeto com o qual estou preocupado desde Artifact, mas nem toda dança precisa do espaço teatral para criar um projeto próprio. E, vice versa, nem todos os discursos sobre dança pública precisam do teatro (FORSYTHE apud SIEGMUND, 2001b, p. 73).

Servos (1999) aponta que Forsythe força e alarga a percepção do espectador para a dança, sua percepção e sua experiência, não sem excluir uma possibilidade de irritá-lo. Afinal, desestabilizar é um processo que pode gerar desconforto, mas, igualmente, descobertas, “desafiando o hábito do olho que observa” (NUGENT, 1998, p. 30). Comentamos, a seguir, algumas obras e suas respectivas relações de percepção com o espectador. Eidos: Telos (1995) foi desenvolvido ao longo de uma exploração de dois anos em cima dos mitos gregos, geometria e matemática. Forsythe explica que a chave para assistir a ele é o alinhamento. Uma vez entendido isto, torna-se possível ver todas as formas de alinhamentos passando através do tempo e do espaço. O alinhamento pode nem sempre estar ao longo (como na linha do balé), frequentemente estará através e envolverá tanto similaridade quanto diferença na movimentação, direção e ímpeto. Pode variar, também, em escala, do grande ao minúsculo (NUGENT, 1998, p. 30). Em Kammer/Kammer (2001), apresentado no Bockenheimemer Depot –– antigo depósito de bondes em Frankfurt, transformado em espaço artístico ––, o cenário compõe-se de quartos de hotel, com dois dançarinos vivendo personagens e o restante deles fazendo pequenas coreografias. Além do cenário, há telas projetando imagens editadas e ao vivo. O desfile de imagens fica em primeiro plano e as ações dos dançarinos, em segundo. As ações são parcialmente cobertas, nem tudo está visível, e o público, disposto pelo espaço. Portanto, os pontos de vista são cambiantes e o que é oferecido à


visão também difere para cada um dos espectadores; logo, a recepção e a construção de possíveis significados é um processo muito particular para cada um (SIEGMUND, 2001c, pp. 44-45). Endless House (1999) é composto de duas partes, cada uma realizada em um espaço diferente: o palco da Ópera de Frankfurt e o Bockenheimemer Depot. O primeiro lida com a perspectiva central e o segundo, com a visão multidirecional. O espetáculo é composto de coreografia, texto (com trechos de citações de Emily Brontë, Charles Manson, entre outros), trilha sonora para cada espaço, cenário com longos metros de tecido e iluminação com cores fortes. Propositalmente, os espectadores são levados a experimentar essas duas formas de recepção e fruição da dança (SIEGMUND, 1996, p. 46). Em The Bouncy Castle (2001), uma grande instalação em forma de castelo feita com material de espuma, os espectadores entravam e vivenciavam corporalmente a relação com esse lugar, com essa determinada textura. Sobre esse trabalho, Forsythe comenta que “se você não engajar o seu corpo, você não consegue entender. É um experimento cognitivo...” (FORSYTHE apud SIEGMUND, 2001c, p. 74). Aqui as polaridades entre espectador e executor são decididamente borradas.

Considerações finais Ter entrado um pouco no mundo coreográfico desestabilizador (e fascinante) de William Forsythe nos faz acreditar ainda mais na desestabilização como via de mudança e transformação, que é o que a desconstrução propõe. Acreditamos que sua contribuição é grande para nos percebermos em relação à contemporaneidade.


Referências BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. __________. Writing and Difference. Londres: Routledge, 2008. FORSYTHE, William. Improvisation technologies: a tool for the analytical dance eye. CD-ROM. 2000. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. HEUSLER, Dagmar-Lara (ed.) Körper und Raum, Wuppertal: Verlag Müller + Busmann, 1999. LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978. NUGENT, Ann. “Profile: William Forsythe”. In Dance Theatre Journal, vol. 19, nº 2, Londres: Laban, 2003, pp. 41-45. __________. “Eyeing Forsythe”. In Dance Theatre Journal, vol. 14, nº 3, Londres: Laban, 1998, pp. 26-30. PERRONE-MOISÉS, Leyla. “Aquele Que Desprendeu a Ponta da Cadeia”. In NASCIMENTO, Evando (org.). Jacques Derrida: Pensar a Desconstrução. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. RUBIDGE, Sarah. “‘Improvisation Technologies: A Tool for the Analytical Dance Eye’ reviewed by Sarah Rubidge”. In Dance Theatre Journal. Vol.15, nº 3, pp.46-47. Londres: Laban, 1999,. SCHROEDER, William R. “Philosophies of Dispersion”. In Continental Philosophy: a critical approach. Londres: Blackwell, 2005. __________. “William Forsythe”. In: HEUSLER, Dagmar-Lara (ed.) Körper und Raum, Wuppertal: Verlag Müller + Busmann, 1999


SIEGMUND, Gerald. “March into Death: William Forsythe Opens TAT with ‘Endless House’”. In Ballet Tanz. nº 12, Dezembro 1999, pp. 46. Seelze: Friedrich Verlagsservice, 1999. __________. “A 360-Degree View of Ballet’s Invisible Center: William Forsythe’s New Ballet ‘Woolf Phrase in Frankfurt”. In Ballet Tanz. nº 11, Novembro 2001, pp. 20-23. Seelze: Friedrich Verlagsservice, 2001a. __________. “Choreographic Thinking”. In Ballet Tanz Yearbook 2001. nº 11, Novembro 2001, pp. 72-75. Seelze: Friedrich Verlagsservice, 2001b. __________. “Frankfurt Blinds: ‘Kammer/Kammer’ by William Forsythe at the Bockenheimer Depot”. In Ballet Tanz. nº 2, Fevereiro 2001, pp. 44-45. Seelze: Friedrich Verlagsservice, 2001c

Sobre o autor: Dançarino, coreógrafo, professor e pesquisador. Possui o Professional Diploma in Dance Studies (1998) e o Independent Study Programme Certificate (1999)/Laban Centre, Londres. Bacharel em Dança/UFRJ (2007). Professor Assistente do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística/UFPE. Autor dos livros Representações de Masculinidade na Dança e no Esporte: um olhar sobre Nijinsky e Jeux (2010) e Pesquisa Trilogia da Arquitetura Desconstrutivista (2011). www.claudiolacerda. blogspot.com


CONVERSAS DE ESTÁGIO Francini Barros

Conversas de Estágio é uma ação extensionista da Comissão de Estágio do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística. A Comissão foi formada para garantir a implementação das ações do Programa de Estágio comum aos três cursos do Departamento, as licenciaturas em Artes Visuais, Dança e Teatro. Ela é formada pelos professores Elton Bruno Siqueira, Kalyna Aguiar, Maria Claudia Alves Guimarães, Vitória Amaral, tendo como coordenadora a professora Francini Barros e como secretária, Maria Goretti. O Programa de Estágio formaliza os estágios curriculares obrigatórios e não obrigatórios, segundo orientação da PROACAD/UFPE. Através de suas ações, o Programa propicia a regularidade regimental, a permanência e a continuidade das atividades dos estágios obrigatórios e não obrigatórios, que envolvem os corpos docente e discente vinculados ao Departamento. O projeto de extensão prevê o compartilhamento e a socialização de experiências de estágio através de três ações a serem desenvolvidas: a realização de encontros periódicos de trocas de experiência entre licenciandos, professores orientadores das disciplinas de estágio da Universidade e instituições parceiras, representadas por supervisores, coordenadores e diretores, a criação e constante atualização de um banco de dados único de campos de estágio que favoreça a transdisciplinaridade e, por fim, a realização de um seminário envolvendo as três linguagens em questão, da área de conhecimento da Arte. Até o presente momento, foram realizados quatro Encontros Conversas de Estágio entre a UFPE e as instituições parceiras e a Comissão realiza a produção e a formatação da programação do Seminário Conversas de Estágio, a ser realizado em 23 e 24 de janeiro de 2014.


A primeira questão surgida no processo de produção e elaboração dos Encontros foi relativa a seu formato. Uma das intenções acerca dos resultados a serem obtidos pelo projeto se refere ao fomento à transdisciplinaridade entre os campos da área de conhecimento da Arte, de que é constituído o Departamento. Ainda assim, foi de comum acordo entre os membros da Comissão, que, num primeiro momento das ações, seria interessante criar um ambiente de escuta e levantamento das peculiaridades de cada curso, Artes Visuais, Dança e Teatro, buscando semelhanças e distinções nos processos da cada campo em questão. Diferenças temporais e históricas caracterizam processos de inserção distintos dos cursos, tanto em relação à produção de conhecimento no ensino da Arte, quanto à sua real implementação no contexto escolar. O 1º Encontro Conversas de Estágio: Teatro, aconteceu em 26 de junho de 2013, de 9h às 12h, no Teatro Milton Baccarelli, no CAC-UFPE. Estavam presentes trinta e três estudantes, todos os membros da Comissão de Estágio, dentre outros professores do Departamento e cinco supervisores de campos de estágio: Maria Das Graças Vital, representando o NUPEPE/ UFPE, Marcone Bispo, do Espaço Criança Esperança, Breno Fittipaldi do SESC – Casa Amarela, Maria Creuza, do DEC/UFPE e Marcus Rodrigues do CAP-UFPE. Foram, então, evidenciados por parte dos supervisores, inúmeros aspectos referentes ao funcionamento de suas instituições e à inserção dos estudantes da UFPE nos ambientes de sala de aula. O papel do estagiário foi questionado no sentido da verificação dos desejos e necessidades do professor supervisor em relação à conduta do estudante junto às instituições. Os estudantes, por sua vez, manifestaram-se a respeito da não remuneração do estágio obrigatório, reivindicando melhores condições que viabilizem sua rotina de acompanhamento das aulas nos campos de estágio. Para o 2º Encontro Conversas de Estágio: Dança, ocorrido a 07 de agosto de 2013, no horário de 19h às 22h, no Teatro Milton Baccarelli, CACUFPE, a Comissão de Estágio contou com as observações realizadas no 1º Encontro, para a preparação prévia dos estudantes, das questões a serem discutidas e para a organização do evento. Estiveram presentes quarenta e


oito estudantes, todos os membros da Comissão entre outros professores do Departamento e sete supervisores dos campos de estágio: Mieja Chang, representando duas instituições, o Em Cena Arte e Cidadania e o Instituto Helena Lubienska, Orunmilá Santana, professor de dança da Escola ArcoÍris, Maria Aparecida de Araujo Brito de Andrade, da Casa de Apoio Vovó Bibia e Vicente Monteiro, Cristina Camarotti e Lúcia Inez Sá Barreto, do Integrarte – Centro Pró-Integração Cidadania e Arte. Os estudantes do 5º período, matriculados na disciplina Estágio Curricular em Dança 2, organizaram duas questões relativas a suas dúvidas, para serem debatidas com seus professores, orientadores e supervisores, no evento. Foram elas: Qual o papel do estagiário no campo de estágio? Que tipo de colaboração o supervisor espera do estudante? Além das questões citadas, os estagiários denunciaram a falta de comunicação das instituições e dos supervisores em caso de imprevistos que impossibilitaram, em algum momento, a execução da aula. Quem é o responsável pela comunicação, o professor ou a instituição? Os estudantes mencionaram ainda, as precárias condições dos espaços destinados às aulas de dança, a situação da mesma como componente não curricular nas escolas e os preconceitos sofridos pelos professores de dança dentro das instituições de ensino. Por fim, uma das alunas leu o texto A loucura das festas de fim de ano nos jardins de infância (GUTMAN, 2012, 221), da psicóloga Laura Gutman, como forma de inserir nas discussões os temas do estresse das crianças e do sub aproveitamento do professor de dança no contexto escolar, a quem é atribuída a tarefa de coreografar as festas comemorativas da escola, resumindo a esta finalidade, o papel da dança na educação. O 3º Encontro Conversas de Estágio: Artes Visuais foi deslocado para a sala Áudio 1, no CAC-UFPE, como forma de averiguação dos efeitos produzidos por outro tipo de espaço a ser empregado para a realização dos encontros, a saber, um espaço de sala de aula, em que a maior proximidade entre professores e estudantes pôde ser promovida. O Encontro aconteceu em 20 de agosto de 2013, e contou com a presença de trinta e quatro estudantes, e três supervisores de estágio, Beatriz de Barros de Melo e Silva,


Fabiana Vidal e Lucia Helena, todas do CAP – UFPE, além dos membros da Comissão. O público de discentes presente era, majoritariamente, de estudantes de 1º período que apresentaram muitas dúvidas relativas à implementação do estágio no currículo do curso, como carga horária, o atrelamento da experiência de campo às disciplinas de estágio curricular, a faixa etária prevista para cada disciplina. O Encontro promoveu um diálogo importante entre os estudantes e o principal parceiro do curso de Artes Visuais, o Colégio de Aplicação da UFPE. O quarto e último Encontro realizado em 24 de outubro de 2013, veio cumprir as expectativas iniciais de uma discussão transdisciplinar entre os cursos do Departamento. O evento aconteceu no Teatro Milton Baccarelli, no CAC-UFPE, das 15h às 19h, e contou com a presença de sete supervisores, Jaísa Freire do Colégio Apoio, Givaldo Tenério, da Escola Municipal de Arte João Pernambuco e do Colégio Marista São Luís, Vicente Monteiro e Cristina Camarotti, do Integrarte, Beatriz de Barros de Melo e Silva e Marcus Rodrigues do CAP-UFPE, dos professores da Comissão e de quinze estudantes. Atribuímos à escassa presença de estudantes no evento, o fato de o mesmo ter sido realizado na primeira semana de aulas, em que o índice de faltas é considerável. Como preparação para o evento, a Comissão de Estágio optou por propor um tema para o debate a ser realizado; nada mais propício do que uma conversa desenvolvida sobre a “transdisciplinaridade” no campo do estágio docente. Foram três as perguntas a que professores supervisores e estudantes foram submetidos como mote para as discussões: como pensar a transdisciplinaridade no ensino da Arte? A partir de sua prática pedagógica específica, como você imagina um trabalho transdisciplinar dentro da sua instituição? A partir de sua experiência em estágio, como você imagina um trabalho transdisciplinar entre as linguagens artísticas? Como de costume, primeiro foram realizadas as apresentações, tanto pessoais quanto das instituições representadas. A seguir, a professora Vitória Amaral, presidente da FAEB, realizou uma fala sobre as discussões realizadas em Brasília acerca do substitutivo do relator, deputado Raul Henri, ao Projeto de Lei 7032/10, do Senado. O texto do relator, até o Encontro


ainda não aprovado, mas no presente momento, já em vigor, amplia as outras linguagens da área de conhecimento da Arte, a obrigatoriedade de seu ensino nas escolas brasileiras. Foram, então, discutidas diferenças conceituais entre multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, e, tomando este último por referência, foram pensadas possibilidades práticas de fomento à integração das práticas artísticas dentro do ambiente escolar. É importante salientar o cuidado de todos em não confundir transdisciplinaridade com a prática tão comum e repudiada da polivalência do ensino das Artes. No presente momento, o projeto de extensão Conversas de Estágio encontrase na fase de preparação do seminário final, a ser realizado nos dias 23 e 24 de janeiro de 2014.

Bibliografia BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002. BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN-ARTE. Brasília, 1997. BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –LDB 9.394/1996. GUTMAN, Laura. A Maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro: BestSeller, 2012. MARQUES, Isabel A. Dançando na Escola. São Paulo: Cortez, 2010. MORANDI, Carla & STRAZZACAPPA, Márcia. Entre a Arte e a Docência: a formação do artista da dança. Campinas, SP: Papirus, 2006. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2003.


OSINSKI. Dulce. Arte, história e ensino – uma trajetória. São Paulo: Cortez, 2001. STRAZZACAPPA, Márcia. Educação Somática e Artes Cênicas. Princípios e aplicações. Campinas, SP: Papirus, 2012.

Fontes: http://pessoal.utfpr.edu.br/sant/arquivos/Transdisciplinaridade.pdf http://www.unifra.br/eventos/interfacespsicologia/Trabalhos/3062.pdf

Sobra a autora: Francini Barros é professora do curso de Dança da UFPE e presidente da Comissão de Estágio do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE. É graduada em Dança pela Faculdade Angel Vianna, mestra em Artes Visuais pela UERJ e doutora em Artes Cênicas pela Unirio. Foi professora do Instituto de Artes da UERJ e do curso de Artes Cênicas da Unirio. Como bailarina desenvolve, atualmente, trabalho solo.


FABULAÇÕES Francini Barros

Poderia afirmar que o início da pesquisa se deu durante a construção da dissertação de mestrado intitulada Andarilho – impulso e trivialidade1. O objeto, então, de pesquisa, é a performance Outdoor Piece, do artista taiuanês Tehching Hsieh. Por hipótese de arte, o referido artista se propõe viver como homeless pelas ruas de Nova York por um ano. É a partir da condição que impõe a si mesmo, de quebra de referenciais tanto externos quanto internos e o conseqüente abandono do que, a priori, poderia crer constituir sua subjetividade, que a contínua situação transitória entre-lugares foi escolhida como argumento metafórico e literal para pensar outra condição para a arte e sua escrita tanto poética quanto histórica. O diálogo com o filósofo Stanley Cavell forneceu os argumentos necessários para a transformação da condição andarilha2 do performer Hsieh em modelo “idealizável”, bem como para a nomeação das questões às quais estava me propondo tratar. O referido autor apresenta o ceticismo como a condição de dúvida intrínseca ao ser humano quanto a sua própria humanidade. Esse estado foi traduzido na pesquisa como um “duvidando” a respeito da linguagem artística, sobre sua capacidade de expressar a vida do movimento dançado. 1 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes pelo Instituto de Artes da UERJ, na área de concentração Arte e Cultura Contemporânea, defendida em fevereiro de 2007. 2 Difícil não realizar a aproximação de Hsieh à condição andarilha do personagem parisiense flanêur, abordado por Baudelaire. No entanto, a privacidade deste último os difere, na elegância e desenvoltura com que se move em meio à multidão parisiense em fins do século XIX. A condição extremada de quebra de referenciais de Hsieh, na dimensão do grande labirinto da cidade de Nova York, torna sua presença diluída em meio à imundície urbana; por hipótese de arte, qualquer possibilidade de glamourização de sua condição é afastada.


Cavell apresenta como possível saída para o ceticismo, a leitura do argumento da linguagem ordinária de Wittgenstein; argumento sob o qual me permito romper hierarquias com relação ao que pode ou não ser considerado imagem artística; retiro poética da trivialidade. Por fim, o autor defende a autobiografia como método filosófico, o que me possibilitou realizar a leitura da obra do taiuanês, que assim, passa a fazer parte da minha própria história. Traduzindo sua obra foi que assumi minha condição andarilha de quebra de referenciais perante o movimento dançado e Fabulações se apresenta agora, como a tomada de responsabilidade sobre as experiências vivenciadas ao longo do processo, uma vez que este não tinha por pretensão, a montagem prática. É das experiências de movimento realizadas ao longo da pesquisa para a dissertação e dos diálogos estéticos e filosóficos por elas exigidos, que sustento os argumentos de Fabulações. O projeto de pesquisa está vinculado ao doutoramento no Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UNIRIO, no Rio de Janeiro. A intenção inicial do projeto, Fabulações, de pesquisa coreográfica e tese homônimas, estava focada no uso performático de objetos, que, uma vez transfigurados de sua função habitual no mundo, cumpririam o testemunho do contágio dos afetos constituídos por relação. Transformados em metáfora da possibilidade de quebra de referenciais técnicos e estilísticos para o movimento dançado, ou seja, de significados a priori a eles consagrados, os objetos apresentariam a dúvida sobre as possibilidades da linguagem para a apresentação da vida do que enuncia. A apresentação de outros usos aos objetos, que não os que a eles foram atribuídos por nosso automatismo perceptivo, transformou-os em argumentos para um estado dito “performativo” para a dança, de referências transitórias e triviais. O início do Laboratório de Pesquisa, realizado com alunos da graduação em Artes Cênicas da UNIRIO, no primeiro semestre de 2009, coincide com o aprofundamento na obra de Merleau-Ponty. O conceito por ele desenvolvido da “carne” – tecido intersticial que nos mantém unidos no mundo, por relação – servirá de referência para a tese, norteando as demais relações surgidas.


Apesar de as intenções iniciais do projeto quanto ao emprego direto de objetos, para a materialização de seus argumentos, ser bastante clara e definida, a prática anuncia outros caminhos imprevistos. Desfigurados de seu uso, os objetos se estabelecem como fonte geradora de estímulos para o movimento cuja potência, muitas vezes, prescinde de sua presença em cena. Se num primeiro momento, os objetos pareciam o único foco de atenção da pesquisa, logo nossa atenção se desvia para as imagens que nos chamam o olhar, que cumprem com nossos sentidos a reversibilidade3 que suspende a dialética das relações estabelecidas e a partir delas, devolvemos nossas imagens artísticas. No momento ainda posterior, as imagens também perdem sua maestria em razão da própria função da transmissão no processo de significação dessas imagens. O termo “tradução”, bastante empregado no projeto é substituído por “cifração”, uma vez admitidas as impossibilidades da linguagem e o valor do universo simbólico para os processos de significação, pela manutenção das interrogações, dos enigmas. O sentido da proposição – no caso particular da dança, das palavras de movimento apresentadas – é sua fala, e refere-se à relação no mundo a partir da qual a proposição surge; o sentido é, no entanto, próprio à linguagem, inerente a ela e não anterior o que garante à palavra, autonomia simbólica. O arquivo4, lido por Derrida, é herança da dissertação. Trata-se de um conceito central para o desenvolvimento da pesquisa ao cumprir a denúncia das perdas inerentes aos encontros; estrutura que suspende a dialética ao não admitir registros, fruto do encontro anterior à reflexão, em que a freqüentação bruta do mundo é argumento para a percepção. Ao arquivo, aproximo as “marcas”5 de Benjamin, como estruturas que se elevam de nós, como próteses. Em oposição aos signos como estruturas de impressão, 3 A reversibilidade entre tocante e tocado, visível e vidente, entre significante e significado é possibilidade inaugurada por outro conceito desenvolvido por Merleau-Ponty, o “quiasma” (MERLEAU-PONTY, 2005). 4 Derrida distancia o “arquivo” do conceito da “memória espontânea”, desenvolvido por Freud como uma estrutura hipotética, impossível, no entanto, de ser atingida devido às influências internas, recalques, e externas, repressões, sofridas. O arquivo surgiria na relação e não admitiria registro; deixaria, no entanto, seus rastros. 5 Benjamin, 2000.


as marcas se sucedem, estabelecendo o testemunho de nossos encontros, como rubores, dos quais não temos escolha, nem controle. No segundo semestre de 2009, é realizada uma Prática de Montagem, na UNIRIO, com alguns dos alunos que haviam participado do Laboratório de Pesquisa em curso ao longo do primeiro semestre. Um primeiro resultado da pesquisa coreográfica é apresentado ao público em dois eventos, no II Engrupe e no XII Colóquio do PPGAC, ambos em 2009 no Rio de Janeiro, e em março de 2010, o trabalho estréia em versão solo no evento Solos de Dança no SESC, da mesma cidade. O objetivo principal da pesquisa Fabulações é averiguar as possibilidades para a dança de uma escrita performativa de seus argumentos, em que referenciais históricos, estilísticos, culturais ou mesmo os consagrados pelo uso como hábitos e automatismos perceptivos possam ser questionados quanto a seu caráter determinante para a construção cênica da dança. Tratase, para tal finalidade, de uma pesquisa teórico prática – de construção de obra cênica coreográfica e escrita de tese homônimas – que pretende estabelecer seus argumentos a partir das necessidades surgidas na prática em acordo com uma leitura contemporânea, tanto do corpo que dança em suas características híbridas desde a construção, até a cena, transdisciplinar e experimental. O processo de escrita da tese, concluído em dezembro de 2011, pretendeu aproximar e embater conceitos díspares de autores distintos, tais como, os conceitos da “carne” e do “quiasma” desenvolvidos por Merleau-Ponty, o “arquivo”, lido por Derrida a partir da obra de Freud, aproximado às “marcas” de Walter Benjamim, a leitura do processo de significação do ocidente realizada por Giorgio Agamben e a análise de Deleuze sobre as instâncias da proposição da linguagem. O processo visava o desenvolvimento de uma metodologia de escrita para a dança em que teoria e prática não estivessem em relação de subordinação, mas que pudessem apresentar uma autonomia crítica e artística em seus argumentos. Para a escrita da tese foi desenvolvida uma abordagem transdisciplinar, que contemplava outras vias possíveis de produção de trabalhos de arte,


que se utilizavam de diferentes processos de criação que os tradicionais modos consagrados por cada mídia artística em questão. Visando observar a produção de outros estados perceptivos e, consequentemente, a construção de um outro tipo de presença cênica condizente com a condição performativa proposta na pesquisa, foram analisados os processos de produção de dois volumes da revista Tatuí, bem como de quatro volumes da publicação Recibo, focadas em textos críticos e na produção artística editorial, respectivamente, ambas no contexto das artes visuais. Outro foco de pesquisa, dessa vez em dança, foi a ação do coletivo Núcleo do Dirceu, em Teresina, Piauí, e mais especificamente o programa de residências Colaboratório, desenvolvido conjuntamente pelo referido núcleo em parceria com o festival Panorama de Dança, no Rio de Janeiro. Tratam-se todos os trabalhos/coletivos citados, de iniciativas de residências artísticas realizadas para a produção de trabalhos pontuais e específicos. O que os processos citados têm em comum é o emprego de residências artísticas pontuais que valorizam o desenvolvimento de cada criação em questão, admitindo para a arte, certo grau de autonomia e para o artista, a necessidade de geração de estratégias de neutralização de suas escolhas e de seus automatismos. Ao estabelecer associações móveis, não estáveis entre artistas, outras rotinas de trabalho surgem e mudanças significativas nos aspectos da produção podem ser observadas: em vários processos, entre o tempo destinado à produção e o tempo “de vida” dos criadores envolvidos, não são estabelecidas hierarquias de valores, vida e arte se confundem, testando suas fronteiras; o espaço da sala de ensaio ou do atelier torna-se extensivo a espaços públicos ou privados. Através das alterações realizadas nas relações de trabalho, outras formas de criação são instaladas inaugurando modos de imersão que serão fundamentais para a criação de outros tipos de presença do performer em cena, e de apresentação da criação em arte. As subjetividades prévias referenciais à criação são substituídas por modos de individuação paradoxalmente posteriores e atrelados à criação das obras.


Quaisquer que sejam os argumentos, objetos, palavras, encontros, é através deles que Fabulações pretende apresentar nosso desejo insaciável de origem, um mal, segundo Derrida, a compartilhar com toda a humanidade, o “mal de arquivo”. Uma vez separados os mitos, as histórias que justificam nossos gestos, restam-nos os ritos, as ações com que cada intérprete apresentará ao espectador, jogos, que ele deverá com seu próprio gesto de significação, completar. A intenção é oferecer a esse espectador, campos de intensidade sem sujeito, para os quais o desenvolvimento de outras vias de apreensão seja necessário, e que para longe da relação de contemplação ele possa livremente transitar por triviais imagens, sem origem ou destino certos, absortos estejam no “flagrante delito de fabular”6. A pesquisa é realizada, nos dois primeiros anos, na cidade do Rio de Janeiro, cidade em que a pesquisadora residia nos anos de 2008 e 2009, e na qual se encontra a instituição de ensino ao qual o Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas está vinculado, a UNIRIO. É nessa cidade, também, que ocorrem as apresentações da primeira etapa do trabalho em grupo e a estréia da versão solo. A mudança para a capital pernambucana no segundo semestre de 2010 acarreta outros questionamentos inicialmente imprevistos. É tratando a dança como “linguagem” e não como língua constituída – “linguagem” sob a leitura de Deleuze – que um dos objetivos da pesquisa era averiguar as possibilidades de atualização do pensamento/cena, até então desenvolvido, para o contexto específico de Recife, capital pernambucana em que a alteridade cultural das manifestações artísticas atinge tamanha importância e determinância, e na qual a cena dita “contemporânea” caracteriza-se, em grande parte, pela construção de estilos norteados pela autoria. Para o processo de atualização do trabalho questões surgiram: quais seriam as características de uma cena performativa de dança no contexto pernambucano, que apresenta tamanha alteridade em sua identidade 6 Deleuze apresenta a expressão do cineasta canadense Pierre Perrault, através da qual ele aponta a possibilidade de formação de intercessores no interior de uma comunidade em que é impossível escapar de um discurso preestabelecido, ao menos… no flagrante delito de fabular (DELEUZE, 2008, 157).


cultural? O desenvolvimento dessa “performatividade” apresenta-se como uma necessidade local? Até que ponto é possível ao artista, tornar as referências que o constituem, por formação técnica ou hábito, parceiras e não determinantes em seu processo de leitura dos argumentos do mundo? Enfim, quais as possibilidades que o artista bailarino tem de tornar suas proposições, expressões de sentido e não adequações a códigos pré-estabelecidos? Assumindo a variabilidade da performance, desde sua definição como gênero artístico, até sua utilização como parâmetro referencial para o desenvolvimento da cena da dança, quais as conseqüências e a reestruturação necessária à atualização da pesquisa, no novo contexto? A pesquisa para o desenvolvimento dos argumentos a serem observados para a atualização do solo Fabulações no novo contexto e sua conseqüente montagem em Recife conta com o incentivo do Funcultura de 2011 para a categoria Pesquisa em Dança. O processo é realizado somente nos anos de 2012/2013, adiado pela circunstância de minha gravidez e do parto. Nos dias 8 e 9 de março de 2013, acontecem duas apresentações do solo no Teatro Hermilo. Após cada uma das performances, é realizada uma roda de conversa com os espectadores, com a participação do Coletivo Lugar Comum, um coletivo de performers sediado em Recife. A escolha do Coletivo como parceiro nesta etapa inicial de remontagem do trabalho, é justificada pela característica híbrida de sua formação, por abrigar artistas de distintas áreas de atuação no campo das Artes, pelas associações pontuais que os integrantes estabelecem para a realização de trabalhos específicos a serem desenvolvidos no Coletivo e pelo reconhecimento de diversos trabalhos por ele realizados. A principal questão surgida nas conversas, diz respeito à tradução inicialmente desejada, de um momento da performance em que faço uso de um “charm”, música e dança específicos do contexto carioca. Trata-se de uma Dança associada não à cena, mas ao cotidiano de um bairro do subúrbio, Madureira, onde são realizados bailes semanais, aos sábados, sob um viaduto. Como transpor este momento tão específico da vida de uma cidade, cuja apropriação para a cena pressupõe um reconhecimento por parte da platéia? Como me sentir à vontade dentro da nova realidade?


Que dança “popular” local poderia desempenhar, na minha leitura, papel semelhante ao que o charm vinha tão bem cumprindo? Das discussões realizadas em coletivo, vem a resposta: talvez qualquer tipo de apropriação em tão pouco tempo de convivência com a nova realidade da cidade, fosse arbitrária e inconsistente. O desejo herdado da dissertação de mestrado para a presente pesquisa, traduzido literalmente pela palavra “estrangeiro”, se materializa. Ser estrangeiro significa, para uma construção performativa da dança, renunciar às referências constitutivas do corpo, do movimento e da própria cena. Significa ter um rosto e não conhecê-lo, mas estabelecer diante do espelho uma relação de reconhecimento. Significa questionar a história, escolhendo as heranças, inaugurando o paradoxo da escolha das filiações próprias a cada pesquisa, a cada processo cênico a ser construído. Ser estrangeira, é, por hipótese de Arte, ser “nada”, e constituirme artista, a partir da instauração da obra e não anterior a ela. Estrangeira, se no início da pesquisa de forma metafórica, agora, de forma literal. Ressalto que, durante o processo de recuperação do material cênico, para a apresentação do solo, inúmeras modificações fizeram-se necessárias, como em qualquer processo de tradução. A essas duas, seguiram-se mais quatro apresentações, duas na Casa Mecane a 13 e 14 de julho, e outras duas no Hall do CAC-UFPE no dia 18 do mesmo mês, em dois horários distintos, todas no ano de 2013. Em todas estas ocasiões foram, realizadas conversas com o público, após as performances, com o intuito de questionar parâmetros de construção para outro tipo de presença cênica na dança, dita aqui, performativa. Paralelamente à tradução do trabalho para o novo contexto, outras metodologias, de improvisação para a construção cênica foram e vem sendo desenvolvidas junto aos alunos de graduação em Licenciatura em Dança da UFPE, durante as aulas mediadas.

Considerações Finais Vivemos num mundo de objetos aos quais reconhecemos apenas pelas ações humanas de que são o ponto de aplicação e, por hábito, julgamos esse


uso inabalável. A tarefa da corporeidade aqui investigada é a de conferir um corpo, um lugar ao que não o tem, tornando visível a invisibilidade, apresentando outras possibilidades para que os objetos, os movimentos, as relações, abandonem o lugar de previsibilidade em que os colocamos. Assim, podem nos revelar a natureza inumana sobre a qual nos instalamos, e a linguagem construída não pressupõe uma tabela de correspondências, mas torna-se mostração; desvela segredos. A linguagem, então, cumpre com a separação radical que destitui os hábitos enquanto referenciais para a percepção na busca por adequação. O mundo se dá a perceber sem as rígidas referências morais que enquadram a nossa visibilidade. Deleuze, em sua análise da linguagem, apresenta quatro instâncias inerentes à proposição: a designação, a manifestação, a significação e o sentido, este último referente ao objeto e ao mundo, mas próprio à fala, linguagem, e não anterior a ela. Admitir para a dança um caráter performativo para a escrita de seus movimentos – e também para sua escrita histórica e crítica – implica no desenvolvimento de outras construções possíveis para os corpos e a cena. Assim, as grandes escolas de movimento e os estilos autorais desenvolvidos ao longo do século XX e da modernidade deixam de ser as únicas fontes de referência. O bailarino criador torna-se, então, ativo e responsável pela escolha de suas heranças; a perda de linhagens possibilita uma construção híbrida do corpo e a dança adquire status de pensamento ao agregar, cada vez mais, valores simbólicos; torna-se via de expressão do criador no mundo. Do bailarino, é esperada uma visão crítica através dessa escolha de suas heranças a cada criação em questão. Admitindo parâmetros não generalizantes para uma construção performática, a linguagem é, então, desenvolvida, por necessidade. O único a priori aceito é poder não admiti-los e a construção se torna um lugar transitório que não constitui espaço definido e estabilizado. A dança abandona, assim, os modelos e inaugura um estado performativo. “Performando”, ela institucionaliza questões como identidade e essencialidade e já não se preocupa materialmente com o que lhe é de competência. A abertura à performatividade inaugura uma história que não se compromete a falar do passado, mas deixa falar as imagens transitórias,


captadas pelos possíveis enquadramentos realizados, oferecendo ao espectador/leitor, pontos de vista. Pela recepção das imagens do mundo, imagens sonoras, imagens de movimento, os referentes da criação artística esgarçam, perdendo a condição de modelo, o desconhecido pode, então, ser reconhecido em seu poder de afecção. O reconhecimento é feito pela escolha da palavra, que exigiu sua presença na experiência da relação. A palavra surge, então, pela vivência de seu sentido, e não pelos acordos prévios de significação conferidos pela linguagem; ela torna-se “meio puro”, destituída de uma finalidade anterior a sua apresentação. As reflexões sobre o movimento estabelecidas em Fabulações são realizadas a partir da premissa de que a experenciação bruta do mundo não deve ser negligenciada. Não se trata da inocente recusa às referências históricas, estilísticas ou mesmo daquelas constituídas por hábitos, mas da aceitação inocente do contágio estabelecido pelas imagens visuais, sonoras, táteis, enfim, das imagens percebidas que testemunham nosso mundo comum. É preciso, no entanto, estabelecer um reenvio constante entre a percepção e a reflexão, que permite cifrar a visão bruta abrindo a rede de significações a partir da qual surge a ordem do expresso. O tão desejado retorno à infância para a linguagem é precisamente o silêncio primordial em que as coisas ainda não são coisas ditas, que surjam nossos balbucios que exigirão a pronúncia da palavra, por necessidade. O silêncio é resultado da interrupção da ligação sensório motora diante do trauma sofrido no encontro com a imagem7. Jogos de improvisação vêm sendo desenvolvidos desde o início da pesquisa até o presente momento, tanto com os alunos de graduação em artes cênicas da UNIRIO, quanto com os alunos de Licenciatura em Dança da UFPE. O objetivo é desenvolver metodologias de criação e organização de 7 Deleuze conceitualiza esses momentos como situações óticas ou sonoras puras, quando a situação cotidiana ou extraordinária nos retira nossa capacidade de reação e as percepções já não se prolongam em ações. Tais encontros alterariam não só as ações e narrações delas decorrentes, mas a natureza das percepções e afecções. A percepção que já não se relaciona com a ação, o faz com uma imagem virtual, em espelho… o movimento passa a decorrer do tempo, e não o contrário (DELEUZE, 2008, P.68).


material cênico que não privilegiem técnicas já consagradas que pressupõe o desenvolvimento de linguagens específicas. Ao longo da história da dança, a improvisação vem se afirmando como importante instrumento técnico de criação de material para a cena, e também como veículo útil à criação em tempo real. Assim como qualquer outra técnica, a improvisação tende a ser aprimorada com a constância do treinamento e o conseqüente processo progressivo de desbloqueio da criatividade e da percepção. Torna-se premente, na situação presente em que a dança contemporânea se encontra, de variabilidade de suas técnicas e da transdisciplinaridade de seus argumentos, o treinamento intensivo e constante de alunos e criadores de dança em distintos jogos de improvisação, que valorizem não “o quê”, mas o “como” o material cênico está sendo construído e apresentado. A performatividade privilegia, sobretudo, a criação de um tipo, uma qualidade porosa de presença cênica que exige do performer respostas aos estímulos que, sensoriamente, o atingem, no mundo.

Referências AGAMBEN, Giorgio. Estâncias. A palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. AGAMBEN, Giorgio. Infância e História. Destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. ARCHER, Michael. Arte Contemporânea - Uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AUSTER, Paul. Cidade de Vidro. In: A trilogia de Nova York. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 7-147, p. 90. BAUDELAIRE, Charles. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas III. Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.


BENJAMIN, Walter. Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie. São Paulo: Cultrix 1986. BENJAMIN, Walter. Sur la peinture, ou: Signe et tache. In: Ouvres 1. Paris: Gallimard, 2000, pp.172-178. BRITO, Ronaldo, Experiência Crítica. São Paulo: Cosac & Naif, 2005. BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987. CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido. São Paulo: Perspectiva, 2002. CAMPOS, Álvaro de. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice através do espelho e o que Alice encontrou lá. São Paulo: Summus Editorial, 1980. CAVELL, Stanley. En busca de lo ordinario. Valencia: Frónefif, 2002. CAVELL, Stanley. Esta América Nova, Ainda Inabordável. São Paulo: Ed. 34, 2004.\ CAVELL, Stanley. The Claim of Reason. Oxford: Oxford University Press, 1979. DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008. DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2009. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Volume1. São Paulo: Editora 34, 1995. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Volume3. São Paulo: Editora 34, 1996. DERRIDA, Jacques. Adeus a Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2004.


DERRIDA, Jacques. Mal de Arquivo, uma impressão Freudiana. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001. DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, O Que Nos Olha. São Paulo: Ed. 34, 1998. FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança – teatro: repetição e transformação. São Paulo: Editora Hucitec, 2000. GIL, José. A imagem nua e as pequenas percepções: estética e fenomenologia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995. GIL, José. Movimento Total: o corpo e a dança. Lisboa: Relógio D’Água, 2001. GREINER, Christine. O corpo em crise. Novas pistas e o curto circuito das representações. São Paulo: Annablume, 2010. GREINER, Christine. O corpo. Pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. JEUDY, Henri Pierre. O Corpo Como Objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. JOYCE, James. Ulisses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. LACOUE-LABARTHE, Philippe. A Imitação dos Modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005. MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. SOARES, Bernardo. Livro do Desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.


Sobre a autora: Francini Barros é professora do curso de Dança da UFPE. É graduada em Dança pela Faculdade Angel Vianna, mestra em Artes Visuais pela UERJ e doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO. Atuou como intérprete criadora na Trupe do Passo, de Duda Maia, na Lia Rodrigues Companhia de Danças e com o coreógrafo Gustavo Ciríaco, entre outros. Desenvolve, atualmente, trabalho solo.


CAPOEIRA NO CAC: aspectos de um projeto de extensão em capoeira Gabriela Santos Cavalcante Santana

O projeto de extensão Capoeira no CAC configura-se como desdobramento do projeto de pesquisa, por mim coordenado, “Interfaces para Improvisação: Investigações sobre a Dança e a Capoeira Angola”. Ambos inseridos no Grupo de Pesquisa: Arte, Educação e Diversidade Cultural do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, da Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. Tal projeto desenvolvesse com o auxílio de três discentes do Curso de Licenciatura em Dança, uma discente do Curso de Artes Visuais e uma artista pesquisadora formada na área da dança1. Seu surgimento devesse a necessidade de estreitar o contato dos integrantes do projeto da pesquisa acima citado, com pessoas que vivem a capoeira cotidianamente, pois assim, acreditamos que o espaço alargado de vivência direta com capoeiristas, colabora expressivamente para a observação e o entendimento de ações e atitudes que delineiam valores e fundamentos desta prática cultural. Com isso, visamos substanciar a apreensão de determinadas lógicas que, algumas vezes, mostram-se “ilegíveis” para quem não conhece de perto a capoeira. E assim, seguimos no desenvolvimento da autonomia sobre o gerenciamento de conteúdos recriados em nossas ações artísticopedagógicas. Nessa direção, a pesquisa que até então concentrava-se na reflexão e prática sobre capoeira, um dos nossos objetos de estudo, tem passado a conviver mais intensamente com a fonte de nossos estudos, ampliando, portanto, o diálogo entre pesquisa e extensão. 1 Ana Carolina Montenegro, Gabrielle Conde y Martin Quirino e Tiago Ferro da Silva são discentes do Curso de Dança (UFPE). Gina Davis, discente do curso de Artes visuais (UFPE) e Thaynã Laís Mota de Gois, artista-pesquisadora formada pelo Curso de dança da mesma instituição.


Todavia, para que o referido projeto de extensão não fosse apenas uma forma de sustentar objetivos particulares de uma pesquisa artísticoacadêmica, tivemos nossos objetivos redimensionados para dialogar com as diretrizes da extensão universitária, elencadas no plano nacional de extensão, por sua vez, pactuado pelas instituições públicas do ensino superior. Os quatros eixos balizadores são: impacto e transformação; interação dialogada; interdisciplinaridade, e, indissociabilidade do ensinopesquisa-extensão. Aqui, salientamos esse último eixo, por entender que tal pensamento norteia consideravelmente, nossas ações enquanto pesquisadores e extensionistas envolvidos nessa iniciativa. Para tanto, trazemos algumas idéias lançadas pelo sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos. Seu estudo, de caráter epistemológico, faz uso de racionalidades alternativas para romper com o que este denomina como ‘monocultura do saber e do rigor científico’; conceito desenvolvido para expressar a idéia da alta modernidade e da ciência moderna como formas superiores de conhecimento. A sugestão do autor está no desenvolvimento do que ele denomina como ‘ecologia dos saberes’ que, em linhas gerais propõe: [...]vasta gama de ações de valorização, tanto do conhecimento cientifico, como de outros conhecimentos práticos, considerados úteis cuja partilha por pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades epistêmicas mais amplas que convertem a universidade num espaço público de interconhecimento onde os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser exclusivamente na posição de aprendizes. (SANTOS, 2004, p. 77).

Nesse viés, trabalhamos igualmente com base nas idéias de Santos (2007) sobre a função do segmento da extensão na universidade, pois segundo ele: a extensão convencional é levar a universidade para fora, a ecologia de saberes é trazer outros conhecimentos para dentro da universidade, uma nova forma de pesquisa-ação, em que a sociologia latino-americana tem tradições muito


fortes que infelizmente têm sido bastante descartadas pelas novas gerações de cientistas sociais deste continente (SANTOS, 2007, p.46).

Com isso não estamos desconsiderando a relevância de ações que priorizam o trabalho de campo em nichos sociais distintos da universidade, até porque, acreditamos que tais ações são de suma importância para os estudantes em formação e garantem experiências tão significativas quanto as propostas neste projeto; entretanto, temos na possibilidade de trazer o conhecimento popular para dentro da universidade, uma estratégia política necessária para diluir binarismos e hierarquias tão arraigadas e historicamente legitimadas pela academia. Dessa forma entendemos que nossas discussões modificam igualmente nossa forma de construir pesquisa acadêmica, convergindo para as provocações propostas pelo professor e pesquisador, Cássio Eduardo Viana Hissa. Ao discorrer sobre modelos e modos de se fazer pesquisa no âmbito acadêmico, Hissa problematiza valores e conceitos subjacentes aos modos de operar diálogos no trabalho desenvolvido em campo. Para Hissa (2013) é necessário revisitar a idéia de “dar voz” aqueles que muitas vezes são alvos de nossa pesquisa, pois, segundo ele, “Não se trata de dar voz ao sujeitos do mundo, às coletividades e aos grupos sociais, mas de construir vozes compartilhadas” (HISSA, 2013, p.132). Nessa perspectiva temos abertura para pensar pesquisa e extensão como ‘”bens coletivos” tal como é proposto por este mesmo autor. Seja pela apreensão dos sentidos que desenham o campo/objeto estudado, seja pela formulação e sistematização dos pensamentos e práticas articulados entre todos os participantes envolvidos. Tal argumento parece-nos caro, haja vista, a transformação da maneira como a capoeira tem sido difundida nos tempos atuais, após séculos de repressão e marginalização. Repressão esta, que silenciou parte de sua história e de tantas outras expressões populares colocadas à margem pelo modelo ocidental e colonizador estabelecido em nossa sistema político- educacional.


Todavia, não somente pelo silenciamento desta prática, manifestado outrora, pela penalização daqueles que praticavam a capoeira2, como ainda, pelo alto valor da oralidade nesta arte, chamamos a atenção para a importância de depoimentos e relatos realizados por mestres e professores convidados, como exemplificou Mestre Meia Noite em conversa com os participantes na edição realizada no mês de outubro, deste ano. Segundo o mestre: Tem a história com h que está na história dos livros e a estória com é, de pescadores e dos livros vivos que somos nós[...] As histórias que estão nos livros registrados, dos grandes mestres da Bahia, têm sua história “verdadeira” e suas estórias de incertezas e de “in-verdades” (Mestre Meia Noite, 20133).

Por todos esses motivos a proposta de desenvolvimento de uma ‘ecologia dos saberes’ formulada por Boaventura (2009), tem servido de norteador para elaborar nossa prática extensionista, de modo a detonar espaços e práticas de não silenciamento. Todas as questões até aqui discutidas contribuíram para a formulação dos nossos objetivos, sendo o geral: Proporcionar aos alunos, professores, técnicos, pesquisadores e demais interessados na capoeira Angola, a vivência, a fruição da roda e a troca de idéias acerca desse universo. Como objetivos específicos temos: Valorizar e difundir saberes contidos na prática da capoeira Angola; realizar rodas de capoeira Angola e promover o intercâmbio entre capoeiristas locais e acadêmicos; subsidiar o intercâmbio entre estudantes das diferentes linguagens artísticas e capoeiristas envolvidos no evento; fomentar nos alunos, professores e freqüentadores do CAC e dos demais centros envolvidos nesta ação, o interesse pela pesquisa e pela diversidade cultural e, por fim, promover a discussão acerca da capoeira Angola a partir de diferentes prismas. 2 Expressão maior da perseguição do estado aos capoeiristas se deu com a entrada da capoeira no código Penal Brasileiro, que proibia à pratica da capoeira pelo decreto n. 847 de 11 de outubro de 1890, capítulo XII, Art. 402 - Dos vadios e Capoeiras. 3 Depoimento concedido em bate-papo durante a participação do Mestre na data de 16 de outubro de 2013- Quarta edição do projeto Capoeira no CAC.


Tais objetivos foram nutridos por reflexões sobre a relevância da capoeira no âmbito universitário, levando em conta, o debate sobre o assunto realizado por Mestre Xaréu4, autor do livro A capoeira na universidade (2001). Neste livro, Mestre Xaréu informa-nos da inserção da capoeira na universidade por meio de projetos de extensão, movimentos estudantis, como os diretórios acadêmicos e, em maior escala, via disciplina curricular existente nos Cursos de Licenciatura em Educação Física. Nessa perspectiva, o espectro desportivo é evidenciado, sugerindo o motivo pelo qual grande parte dessas ações foram e continuam sendo lideradas por capoeiristas regionais, comumente integrados a eventos desportivos e jogos universitários. No mesmo livro, Mestre Xaréu relata: O Estado de Pernambuco, situado no Nordeste brasileiro, antigamente reduto escravista e de bons capoeiristas, parece não ter despertado para o valor da Capoeira como ferramenta de educação inserida no meio acadêmico. Segundo Cordeiro, apenas duas universidades mantém vínculo direto com a Capoeira. A UNICAP mantém há quinze anos um projeto de extensão universitária vinculada às artes, sob a direção do mestre Corisco. Na UPE, a capoeira está presente na Escola Superior de Educação Física, fazendo parte do elenco de disciplinas optativas de aprofundamento. Nas UFPE e UFRP, a capoeira se faz representar mediante os esforços de alunos e de capoeiristas que, ao longo de vários anos, têm utilizado suas instalações para realizarem aulas de Capoeira de maneira totalmente voluntária, portanto sem nenhum vínculo empregatício. (CAMPOS, 2001, p.101).

Após ler tal argumento, pude confirmar o papel significativo de ações informais que desempenharam importante papel de difusão e 4 Hélio Campos - Mestre Xáreu - é mestre de capoeira Regional formado pela Academia de Mestre Bimba. Professor Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia - UFBA - e livre docente pela Amerincan World University.


valorização, desde a década de oitenta na Universidade Federal de Pernambuco5 e que, contraditoriamente, não possuem registros e nem a merecida visibilidade. Em breve investigação sobre o assunto, fomos informados pelos próprios capoeiristas que aqui cito, dos seus respectivos trabalhos, sendo eles: Mestre Branco de Aruanda6, responsável por aulas ministradas ao longo de um ano na quadra do Núcleo de Educação Física e Desporto, na década de oitenta; Mestre Papagaio7, responsável por aulas ministradas entre os anos de 1992 e 1997, no mesmo núcleo de ensino, dentro do projeto Participe esporte e, contra-mestre Betão8 que desenvolveu com apoio do Professor Marco Camarotti, por volta do ano 2000, aulas no Centro de Artes e Comunicação, migrando posteriormente, para o CFICH e por último, para o Centro de Convenções, com o auxílio do professor de capoeira, já falecido, Daniel Silva. Considerando a importância de todas essas ações já desenvolvidas e outras em pleno andamento, como outros projetos de extensão coordenados na UFPE e na UFRPE, respectivamente pelos professores Henrique Kohl9 e 5 Vale lembrar que todas ações aqui citadas, foram informadas pelos próprio capoeiristas, com exceção do trabalho desenvolvido pelo Mestre Azeitona, integrante do grupo Chapéu de Couro, que não foi localizado, mas que teve seu trabalho levantado pelo contra-mestre Betão, em conversa pelo telefone no dia de 22 de novembro. Ademais compartilhamos que mesmo não sendo nosso objetivo, historicizar todas as ações de capoeira já desenvolvidas nesta instituição (o que requereria uma pesquisa mais aprofundada) ponderemos a relevância de veicular tais informações pela falta de registros das mesmas). 6 Mestre Branco de Aruanda (Raimundo Branco) é atualmente diretor e coreógrafo da Compassos Cia de Danças. 7 Mestre Papagaio (Ruy Bandeira de Vasconcelos Junior) do grupo Raízes do Brasil -PE, na época, aluno do Curso de Educação Física é hoje, Professor das faculdades: Maurício de Nassal e Autarquia de Ensino Superior de Arco Verde - AESA. 8 Contra-mestre Betão, (Roberto Henrique Campos Pessoa) é grupo Chapéu de Coro e hoje ministra aulas de capoeira na comunidade da Várzea. Todo trabalho apontado no corpo do texto foi desenvolvido ao longo de três anos. 9 Prof. Henrique Kohl (capoeirista) é responsável pela coordenação das aulas de capoeira, desde 2011, oferecidas pelo Núcleo de Educação Física e Desporto - NEFD e também, por atividades focadas no diálogo com mestres e professores locais, tais como mesas de debate e encontros.


Sérgio Senna10, o Capoeira no CAC se empenha para construir espaços de reflexão sobre questões artísticas11, estéticas, filosóficas e políticas da e na capoeira Angola, visando colaborar ainda mais para o combate do preconceito científico, do elitismo intelectual e do preconceito racial e social. Posturas e atitudes apontadas por alguns dos mestres entrevistados no livro escrito por Mestre Xaréu.

Nossos métodos e conceitos O projeto Capoeira no CAC foi iniciado em julho de 2013 e está em pleno desenvolvimento. Desde então, participaram os seguintes convidados: Professor Zoinho do Centro Esportivo de Capoeira Angola da Acadêmia de João Pequeno de Pastinha (Salvador-BA)12, Professor Caica do Grupo Herança de Angola (Olinda-PE), Mestre Jorge do Projeto de Estudos e Práticas da Capoeira Angola (Engenho do Meio/Recife -PE), Mestre Meia Noite, diretor da Cia de Dança Daruê Malungo (Chão de Estrela/ RecifePE) e Professora Mônica do Grupo de Capoeira Angola São Bento Pequeno (Olinda -PE). As estratégias metodológicas utilizadas foram pensadas para atender a forma como abordamos a capoeira, ou seja, como prática plural e portanto diversa e cabível de diferentes interpretações13. 10 Caica (Prof Sérgio Senna) é responsável pelo grupo de capoeira Herança de Angola- Olinda/ PE e coordena o projeto de Extensão de capoeira, em parceria com a Prof. Denise Botelho (NEAB), na Universidade Federal Rural de Pernambuco, desde março de 2013. As aulas são ministradas pelos professores Danilo do Vale e Marcelo Ragner Guerra da Silva, alunos do Prof. Sérgio Senna. 11 Sublinhamos o teor das questões artísticas, por este projeto ter vínculo direto com um projeto de pesquisa em dança, direcionando nossas observações para aspectos estéticos, plásticos imbuídos de valores culturais. 12 O Professor Everaldo Ferreira - Zoinho - diferentemente dos demais professores, desenvolve seu trabalho em Salvador -BA, contudo, mesmo não sendo professor em Recife -PE, participa deste projeto como consultor e colaborador. 13 Na dissertação de mestrado Sobre Capoeira e Dança Cênica: Tramas e mestiçagens culturais (2009), desenvolvemos uma discussão sobre a pluralidade da capoeira no sub capítulo intitulado Capoeiras: um plural necessário.


Nessa direção, a primeira etapa deste projeto foi pensada para a realização de 10 (dez) encontros ao longo de dez meses, com dez professores e mestres de capoeira Angola das cidades de Olinda e do Recife- PE. Na primeira etapa, mais extensa e de caráter mensal, - de julho a março de 2013 - podemos refletir sobre a relevância das atividades programadas a cada encontro; sendo o início das atividades sempre uma roda de capoeira no hall do CAC. Isto porque acreditamos que no evento, roda, temos implícitas questões tangentes ao processo de ensino-aprendizagem, tanto de quem participa jogando, quanto de quem assiste; como é argumentado no Inventário para registro e salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural (2007): A roda de capoeira, neste sentido, é a forma de expressão que permitiu o aprendizado e a expansão do jogo. Nela se encenam golpes e movimentos acrobáticos, cânticos antigos são reatualizados e outros são inventados, acompanhados por uma orquestra de instrumentos que produz uma sonoridade múltipla e, ao mesmo tempo, característica da arte. A roda é um momento determinante da prática da capoeira que não pode ser ignorado. Seja na capoeira angola, regional ou a que funde as duas vertentes, a roda é um espaço de criação artística e performance cultural em que se realiza plenamente a multidimensionalidade da capoeira. (Inventário para registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil, 2007).

Depois da experiência do jogo e da roda, ou melhor, da forma como cada profissional conduz este momento, todos os participantes comem um mungunzá e se preparam para novo momento com o convidado que, na maioria das vezes, divide a tarde em: momento de bate-papo e momento de práticas corporais e/ou musicais. Após as nove rodas, acontecerá no final do projeto, ciclo de palestras visando potencializar ainda mais o diálogo sobre as distintas facetas desta prática cultural, sempre com um pesquisador e um capoeirista.


Tais palestras acontecerão no Centro de Educação - CE, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFICH, no Centro de Ciências da Saúde CCS e no Centro de Artes e Comunicação - CAC, a fim de gerar reflexões respectivamente, sobre aspectos educativos, sociológicos, antropológicos, históricos e artísticos. Para além do conteúdo interdisciplinar, o diálogo entre capoeiristas, capoeiristas-acadêmicos e acadêmicos, converge, à nosso modo de ver, com as perspectivas de uma ‘educação contemporânea’ (Delors, 2009) que rediscute o conhecimento como construção colaborativa e intercultural, pois, nesse formato dialógico, discutiremos aspectos políticos da capoeira em Pernambuco. Todavia, sublinhamos que no Centro de Artes e Comunicação - CAC, para além do debate entre pesquisadores e capoeiristas, promoveremos uma oficina teórico-prática com questões que vêem sendo discutidas e praticadas desde o início do projeto de pesquisa em dança e capoeira, projeto “guarda-chuva” de nossas ações. O capoeira no CAC é aberto a comunidade com vistas ao compartilhamento de idéias entre pesquisadores, professores e estudantes interessados no diálogo entre os saberes acadêmicos e populares.

Considerações temporárias A ecologia de saberes parte da idéia que a eliminação desta desigualdades não é possível através da democratização do acesso à produção e consumo da ciência moderna. Embora esta deva ser prosseguida, não bastaria por si própria devido aos limites intrínsecos da intervenção científica no real. O uso contra-hegemónico da ciência assenta no reconhecimento desses limites e, por isso, na necessidade de, para os superar, recorrer a outros conhecimentos. (Boaventura de Sousa Santos, 2006).


Tendo em vista nosso objetivo de valorizar e difundir os saberes da capoeiragem, salientamos a importância da colaboração dos próprios capoeiristas para a efetivação deste projeto. Sendo assim, a epígrafe acima, tem-nos servido como idéia balizadora para ações focadas no reconhecimento de formas alternativas de conhecimento, como ocorre no universo da capoeira; uma prática orientada por modos e fazeres peculiares. Por isso, nossas principais considerações concentram-se, sobretudo, nos diálogos que abrem espaço para a discussão de questões particulares da capoeira pernambucana, na contemporaneidade. Ora participantes, ora capoeiristas têm compartilhado posicionamentos pessoais e até mesmo coletivos sobre aspectos políticos e filosóficos do universo da capoeiragem no referido contexto sócio-cultural. A cada encontro apresentasse uma diversidade de idéias que contribuem para a dinamização das relações entre escolas e grupos de capoeira das cidades do Recife e de Olinda, bem como entre artistas, pesquisadores e capoeiristas. A partir dessas dinâmicas, torna-se evidente a atualização dos saberes produzidos na academia. Sobre isto, finalizamos o presente artigo compartilhando reflexões que tem-nos servido para amadurecer conceitos, pensamentos e práticas que permeiam ações investigativas, metodológicas e criativas. Dentre as questões que foram levantadas até então, sublinhamos os debates que alinhavam desde aspectos focados no ensino-aprendizagem da capoeira Angola, - seus mecanismos de atualização, preservação e transformação - até aspectos que respondem pelo hibridismo cultural entre dança e capoeira. Nessa direção o diálogo entre os participantes tem sido de extrema importância para a análise das ambigüidades e ambivalências que constituem a capoeira Pernambucana. Mesmo estando este projeto em pleno desenvolvimento, consideramos não só avanços nos objetivos


traçados, mas, também, no reconhecimento por parte dos participantes, sobre a importância da capoeira na Universidade. Assim prosseguimos aprendendo a cada novo jogo promovido neste projeto.

Referências CAMPOS, Hélio. Capoeira na universidade: uma trajetória de resistência. Salvador SCT, EDUFBA, 2001. CAPOEIRA, Nestor. Capoeira: pequeno manual do jogador. 8 ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. HISSA, Viana E. Cássio. Entrenotas: Compreensões de pesquisa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política - 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008 (Coleção para um novo senso comum: v.4). SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria critica e reinventar a emancipação social /Boaventura de Sousa Santos; tradução Mouzar Benedito. - São Paulo: Boitempo, 2007. SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXi: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade/ 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção questões da nossa época, v.11). SANTANA. Gabriela Santos Cavalcante. Sobre Capoeira e Dança Cênica: Tramas e Mestiçagens Culturais. 190f. 2009. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.


Sobre a autora: É professora assistente do Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Possui mestrado em Dança pelo Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia e graduação em Dança (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Aluna do grupo de capoeira Centro Esportivo de Capoeira Angola - CECA -Academia de João Pequeno de Pastinha (Salvador-BA). Como artista-pesquisadora investiga processos de criação e improvisação em dança.


CORES DA ALMA: um projeto de extensão universitária que propõe o Ensino de Artes Visuais para a Terceira Idade Irani Garbuglio

Este trabalho relata uma experiência de ensino de Artes Visuais para a Terceira Idade, numa parceria Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT), Núcleo de Apoio ao Idoso (NAI) e Departamento de Teoria da Arte da Universidade Federal de Pernambuco. Buscamos somar um novo referencial para o ensino de artes visuais junto a um público que no tocante a esta categoria artística, que, em geral, só tem acesso a cursos de Pintura, artesanato ou encontros de Arte terapia. Destacamos através do relato da experiência vivida, a discussão de temáticas como: importância da aprendizagem continuada do adulto-idoso, seu processo de aprendizagem, a contribuição da arte através de seu ensino utilizando propostas instigantes para este público em questão e, principalmente, na formação de um arte/ educador voltado ao ensino do idoso; uma vez que nos cursos de licenciatura as práticas de ensino são direcionadas à educação básica e/ou educação de Jovens e Adultos (EJA). Através de um conteúdo programático que abordou os movimentos Impressionista e Pós-impressionista e utilizandonos da Abordagem Triangular, como base metodológica, fomos do fruir ao fazer, do fazer ao contextualizar em diferentes situações de ensino aprendizagem no ateliê de artes, como em espaços de arte localizados na cidade do Recife. “Não tenho idade, tenho vida”, essa frase determina o espírito dos alunos do projeto “Cores da Alma”, uma proposta de extensão universitária do ensino de artes visuais para a terceira idade, tendo como objetivo refletir sobre a relação ensino-aprendizagem para o adulto-idoso,


normalmente não contemplado na prática docente dos cursos de licenciatura em artes. Nessa iniciativa trazemos a arte-educação, utilizando-nos da Abordagem triangular, como metodologia pensada para a terceira idade, aliando o conhecimento de História da Arte, a Leitura de Imagens e a Produção Artística como caminho para construção de um conhecimento sobre Arte, além de ampliar a criatividade, permitir a livre-expressão, e contribuir com a socialização do aluno idoso, promovendo assim o resgate de sua autoestima, proporcionando a este melhor qualidade de vida.

Pensar o idoso Compreendemos educação como uma aprendizagem global, onde não há limites de idade, que surge da necessidade humana de acompanhar as rápidas transformações que acontecem no mundo pós-moderno, seja nos aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais. Neste panorama, importa que os educadores possuam conhecimento sobre as diferentes características biológicas, psicológicas e sociais específicas de cada faixaetária da vida humana e consequentemente na aprendizagem. Na observação do processo de envelhecimento na contemporaneidade, torna-se possível identificar o surgimento de novos hábitos, novas crenças, mudança de conduta, e de imagens que vem alterar de modo significativo os conceitos tradicionais associados ao envelhecimento; conceitos atrelados às imagens de descanso, quietude, inatividade e senilidade. Atualmente as imagens de envelhecimento passam a estar ligadas à atitude, flexibilidade, vitalidade, alegria de viver, satisfação pessoal, realização de sonhos esquecidos, ter qualidade de vida. Qualidade de vida que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define como: “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Desta forma há que se avaliar os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que determinam um aumento significativo na população mundial


de 6 bilhões para 10 bilhões em 2050 sendo que a população de idosos passará de 600 milhões em 2000 para 2 bilhões, ou seja, quase 25 % da população do planeta terá 60 anos ou mais e, com esses dados, repensar a forma de ver e tratar a velhice, o envelhecer. No Brasil em 2013 existem cerca de 21 milhões de pessoas com idade de 60 anos ou mais, aproximadamente 11% da população, de acordo com o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com isso o Brasil ocupará o sexto lugar no mundo no total de idosos, em 2025 seremos 32 milhões de cidadãos com mais de 60 anos (http://portalsaude.sude.gov.br/ portalsaude/noticias/7533/162/brasil-integrara-pesquisa-internacionalsobre-idoso.html). Identificamos o surgimento de pesquisas nas diversas áreas de conhecimento sobre o novo envelhecer, assim como notícias veiculadas com mais constância pelas mídias, informes que o idoso de hoje busca novas experiências de vida, em especial aqueles que em se aposentando buscam retomar estudos ou complementar o que em sua juventude não puderam fazer. Entre os conhecimentos mais procurados por este público especifico nos cursos de nível superior estão psicologia, turismo, informática, história, letras, geografia, e artes; além de cursos ou oficinas, de teatro, dança, natação, jogos e passeios turísticos, demonstrando que a socialização do idoso é pratica fundamental na preservação da sua saúde mental e física. Portanto, é um equívoco pensar que o idoso não é criativo, que não consegue aprender e apreender, ou que não é motivado, pois são inúmeros os casos que poderemos citar pela sua produção na vida após os 60 anos. Por exemplo, Pablo Picasso que produziu até os 92 anos, a bailarina Marta Grahan até os 97, Pierre-Auguste Renoir até 86, Pina Bausch até os 69, a poetisa Cora Coralina, o escritor Ariano Suassuna, a atriz Fernanda Montenegro só para citarmos alguns. Neste contexto de mudanças surgem as Universidades da Terceira Idade (UNATIs) a partir da década de 1990, com projetos numerosos e bem sucedidos, contando em seu projeto curricular com diferentes propostas de ensino adaptadas ao público com mais de 60 anos, promovendo a socialização deste, atividades geracionais, e o entrelaçamento com os


aspectos psicológicos (autoestima, afeto, emoções, predisposição em ter uma vida agradável). “A finalidade das UNATIs está na promoção e incentivo de ações para melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas, promovendo então atividades de atualização de conhecimento e integração, do público idoso no contexto da sociedade contemporânea. Mobilizam para isso, docentes, técnicos, alunos da graduação e de pós-graduação, voluntários externos, para que ministrem cursos e outras atividades aos idosos”. Mas, este processo de adaptação do idoso às novidades na área educacional vai depender de suas histórias pessoais de vida (saúde, doença, perdas afetivas, condições educacionais que enfrentou, o apoio familiar, social e recursos econômicos que lhe permitam ou não acesso às novas tecnologias). Essa evidência da terceira idade está nas discussões da sociedade mundial e brasileira, como na esfera familiar enfatizando os problemas da discriminação, do preconceito, da marginalização. Diante desta realidade, no Brasil, destacam-se as diferentes iniciativas públicas e privadas visando melhor inserir socialmente este grupo. Um conquista importante está no estatuto do idoso (Lei 10.741/030) que no artigo 20 prevê O idoso tem direto à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua condição de idade. Continuando no artigo 21, o poder público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias, e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

Reconhecemos também que lidar com a velhice ainda requer uma revisão de conceitos pré-estabelecidos na sociedade ocidental por muitos séculos, já que a velhice compreende grandes mudanças físicas, emocionais e neurológicas, e nem sempre a família está preparada psicologicamente, emocionalmente e financeiramente para criar um ambiente ideal ao idoso. Por isso o espaço das Unatis torna-se um lugar ideal para o idoso permitindo a este conviver, interagir, dialogar com jovens e adultos, professores e alunos universitários em rica troca de experiências.


Segundo Lopes (2012, p.29) - Universidade Federal do Acre: A Universidade, portanto, tem a oportunidade e o privilégio, por meio de trabalhos de extensão, de criar estratégias e mecanismos que contribuam para garantir ao idoso uma vida ainda mais ativa e saudável na velhice.

A possibilidade da educação permanente cria, portanto, novas metas de vida para os idosos, uma nova consciência de si mesmo, a percepção de seu próprio potencial de aprendizagem. Por isso entendemos a importância de se criar projetos na área da educação voltados a esse público específico, lembrando que é preciso identificar e analisar todas essas transformações provenientes do envelhecimento humano, estabelecendo propostas educacionais eficazes que venham a contribuir de modo significativo o suprir as necessidades específicas dessa população melhorando sua condição de vida. Concomitantemente há que se pensar e repensar a atuação docente, ou melhor, a preparação do docente que vai atender este público, inserindo nos cursos de Licenciatura e Pedagogia uma prática pedagógica voltada aos idosos, assim como os conhecimentos necessários para lidar com este público mais que especial. É dentro deste contexto que surge o projeto “Cores da Alma”, como resultado imediato de um projeto anterior, também do ensino de artes visuais, chamado “Projeto Quimera” que contemplou o público idoso em uma pesquisa de prática de ensino de artes visuais. Onde atuamos como professor convidado pela Coordenação de Artes Visuais do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.

O “Cores da Alma” Pensado como projeto de extensão universitária, o mesmo teve início em março de 2013 e fim previsto para novembro do mesmo ano. Consequência direta do projeto Quimera, que tratou da prática de ensino em Artes Visuais para idosos como cumprimento da disciplina de Prática de ensino II do curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Universidade Federal de Pernambuco.


O Quimera abre a porta pela primeira vez ao público idoso, proporcionando aos licenciandos que dele participaram a experiência de uma sala de aula alternativa, ainda não contemplada nos cursos de Artes Visuais. A resposta do público alvo é extremamente instigante levando-nos a pensar numa continuidade e em um aprofundamento na pesquisa acadêmica. Desta forma, pensamos uma nova proposta nos mesmos moldes, com uma denominação que encontrasse ressonância no público-alvo, assim surge o “Cores da Alma”, pensando nas cores que acompanham a vida e as experiências dessas pessoas tão interessantes e ricas de saberes. Contemplando uma carga horária de 4 horas semanais, num total de 80 horas divididas em dois módulos, teve como ponto de partida a História da Arte e nela os movimentos impressionista (abordado no primeiro módulo que transcorreu de abril a final de junho) e pós-impressionista (no segundo módulo, de agosto a novembro). Utilizando a Abordagem Triangular como metodologia escolhida para a experimentação do projeto, os conteúdos transcorreram da história da arte, para as técnicas do desenho à pintura, em diferentes suportes e com variados materiais sempre de caráter não tóxico. Somado às atividades teórico-práticas, valemo-nos de momentos de pura fruição estética em aulas-passeio a espaços culturais que apresentassem exposições artísticas na área de artes visuais com as mais diversas posturas da acadêmica à contemporânea. Em nossas observações no espaço do ateliê, foi possível constatar um constante crescimento técnico e emocional, alunos que a princípio chegavam tímidos e sem muita expectativa na aprendizagem com o passar das aulas demonstravam mais segurança quer nas habilidades técnicas, quer nas discussões geradas sobre os artistas estudados, posicionando-se e discutindo conceitos de arte, de beleza, de vida. Complementando as atividades buscamos trazer ao espaço do ateliê artistas plásticos com linguagens diferenciadas, para que além de exporem sua própria prática e processo criativo, estabelecessem junto aos alunos uma


relação próxima entre fruidor e criador de arte. Em dois momentos marcantes os artistas transmitiram seus conhecimentos técnicos em experimentações com os alunos que reagiram de forma excelente a este contato. Um dos artistas Emerson Pontes, pernambucano de Abreu e Lima, formado em Licenciatura em Educação Artística/Artes Plásticas, que atua na formação de jovens e adultos no município de Paulista/PE, é coordenador do educativo do Museu da Cidade do Recife, e ilustrador de livros infantis trabalhando, especificamente, com a técnica da aquarela. Foi na aquarela que ele envolveu nosso público idoso, conseguindo que o mesmo experimentasse com tranquilidade a técnica, e produzisse com consistência trabalhos relevantes. Nosso segundo artista convidado foi o professor Dr. Paulo Michelloto, cuja área de atuação é o teatro, mas apaixonado por Van Gogh trouxe ao ateliê sua paixão e conquistando os alunos levando-os a produzir intensamente com um material diferenciado (massa de modelar) a partir da leitura das obras de Van Gogh. Neste ínterim recebemos um depoimento oral de uma das alunas que vale a pena destacar neste relato. A aluna Helena, uma das mais dedicadas, após o termino dos encontros com o professor Michelloto nos relatou assim: “Eu tinha uma certa aversão ao Van Gogh, na verdade tudo que eu ouvi sobre ele, é que tinha problemas mentais, que isso estava presente nos seus quadros e que ele se matou, bem agora, depois destas aulas maravilhosas, reconheço que mudei completamente de opinião e posso dizer que estou apaixonada pelo trabalho de tão instigante artista”. Certamente nos enchemos de satisfação e alegria, pois foi evidente o ganho desta aluna, nas dimensões culturais e pessoais, pois sabemos o quanto é difícil ao idoso mudar conceitos estabelecidos, transformar posturas antigas em novas formas de ver. Desta forma nos certificamos da importância de uma especificidade a ser desenvolvida nas metodologias de ensino do idoso, pensando numa metodologia inclusa e eficaz. Salientamos que embora os exercícios na produção sejam comuns a todos, o acompanhamento é individual, buscando respeitar tendências, aptidão, tempo e limitação de cada um.


Simultaneamente à educação artística, ao conhecer a história da arte, ao realizar prático, e as discussões em sala de aula, realizamos conforme dito anteriormente diversas incursões em espaços de arte da cidade com um percentual de adesão considerável dos alunos, uma vez que estas aulas externas ocorriam em dia diferenciado das do ateliê. Nestes momentos os diálogos se repetiam, em colocações de admiração, de nunca ter tido oportunidade de conhecer tal ou qual museu, de pensar arte de uma única forma e estar revendo conceitos. Nesta oportunidade apresentamos questões levantadas pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) que fez uso do termo estética em sua Crítica da razão pura, referindo-se às formas puras da intuição sensível, de forma simplificada repassando aos alunos o entendimento de que juízo não se refere em absoluto ao objeto, nem mediata, nem imediatamente, mas, sim, à disposição de ânimo do sujeito. É subjetivo. Que o juízo estético é a forma de comunicarmos em palavras e conceitos um sentimento. Que ele exprime o que acontece quando temos uma experiência estética, e que Juízo de valor tem a ver com todas as convenções determinantes para se estabelecer que tal ou qual obra pode ser considerada “obra de Arte”. Nas explanações teóricas, buscávamos pensar sempre na capacidade de entendimento deste aluno, levando em consideração as diferentes formações dos mesmos; pois haviam dentre estes aqueles que possuíam uma formação superior e buscavam novos conhecimentos em área diferente de sua formação, aqueles que não possuíam formação acadêmica, mas tinham completado a educação básica, e alguns parte da educação básica. Esses momentos de fruição aconteceram no espaço Caixa Cultural em duas oportunidades onde aconteciam exposições da artista pernambucana Tereza Costa Rego, seguida de Aquarelas de Salvador Dalí. Também comtemplamos visitas a Galeria Capibaribe no Centro de artes e Comunicação da UFPE. A primeira com uma exposição de gravura dos alunos do curso de Artes Visuais, a segunda com a exposição do coletivo Bagaceira, que abrangia o universo da pintura, do grafite e da escultura. Uma visita ao Museu da Cidade do Recife, no Forte de São Thiago, com a exposição “O poeta dos Jardins” de Roberto Burle Max, e de fotografias do Recife dos anos 1940 pelo fotógrafo Alexandre Berzin.


Por último, visitamos a exposição: “Natureza-morta/Natureza quase morta, profusões fóbicas” do artista contemporâneo e professor adjunto do Departamento de Teoria da Arte da UFPE, Mário Sette, no Instituto de Arte Contemporânea (IAC). Uma experiência estética bem diferente para as ideias de beleza e arte de algumas, mas que certamente provocou muitas discussões nas aulas seguintes. Destacamos a questão dos conhecimentos e experiências acumuladas uma vez que pessoas em idade avançada trazem consigo uma bagagem de vivências, conhecimentos e conceitos que não podem ser desprezados pelo educador. Como também a questão da velocidade, o ritmo de aprendizado em geral mais lento, e que precisa ser respeitado a fim de não gerar insegurança e bloqueios. Somados a isto buscamos compreender as limitações físicas decorrentes da idade como dificuldades visuais, auditivas, de locomoção, de imunidade baixa, que podem interferir no transcorrer das aulas e requerem não só a atenção e cuidado, mas especialmente o carinho que esse público necessita. Os resultados obtidos a partir do primeiro módulo foram expressivos, uma turma com 22 alunos, numa variação média de frequência de 18 por aula. A divulgação entre eles, no Núcleo de Apoio ao Idoso (NAI) e dentro da universidade, fez acorrer ao espaço do ateliê, novos interessados incluindo menores de 60, além de parentes que vinham trazer os alunos mais velhos e acabavam por se interessar e desejar participar das aulas. Neste grupo destacaram-se alguns alunos cujo progresso no desenho foi visível, e outro em particular um senhor, aposentado do exército, que de tão empolgado, no meio do semestre letivo inscreveu-se para o Enem, fez o vestibular e passou no curso de Licenciatura em Artes Visuais, por isso o mesmo abandonou o grupo no segundo módulo. Uma aluna, fora da faixa etária solicitada, mas apaixonada por arte, que frequentava o curso de Pedagogia da UFPE foi outro referencial importante, pois extremamente motivada, impulsionava os mais velhos, incentivando-os a prosseguirem quando problemas de saúde ou família ameaçavam suas produções e participações em aula. No segundo módulo, por uma mudança no dia e horário de aula, devido a questões de segurança do campus, tivemos uma redução dos alunos


ficando com uma média de 10 a 12 alunos por aula. Mas, não perdemos em qualidade e intensidade dos debates. Também ocorreu uma troca do aluno bolsista, sem nenhum prejuízo ao processo pedagógico.

Conclusão O fenômeno do envelhecimento nos últimos anos tem sido abordado e pesquisado em diferentes ângulos e campos de conhecimento, seja na perspectiva educacional, no desenvolvimento humano, nas questões de saúde, de neurociência, na abordagem cultural nas mudanças psicológicas, passando pela perspectiva institucional realçando fatores sociais e econômicos. Especialistas em todo mundo têm insistido nas mudanças no setor educacional, principalmente nas instituições de ensino superior que possuem capacidade de transformar seus espaços em locais que promovam o crescimento humano, que estimulem a criatividade e a afirmação da cidadania ao adulto-idoso. É preciso redescobrir o idoso no processo educativo. Saber qual seu espaço, e como os espaços institucionais podem contribuir para oferecer uma melhora na qualidade de vida dos mesmos. Estão os profissionais dos vários setores da sociedade preparados para o desafio desta nova fase da população humana, a longevidade? E as instituições educacionais estão preparadas e preparando seus futuros educadores para esse desafio? Existem espaços na educação em congressos e seminários, para a discussão do tema “ensino para o adulto na terceira idade”. Todos esses questionamentos parecem indicar que ainda há muito a se fazer na área de educação, a fim de se oferecer respostas eficazes ao desafio contemporâneo, à importância da aprendizagem continuada. À conscientização do público, em geral, e do próprio idoso de suas potencialidades e das possibilidades de desenvolvimento de outras, colocando abaixo conceitos pré-estabelecidos e arraigados por séculos sobre velhice.


O terreno é fértil à pesquisa e à proposição de novos projetos para o ensino de Arte em suas diferentes linguagens (Artes Visuais, Teatro, Dança e Música). Em Pedagogia da Autonomia (1999) o insigne pensador e educador Paulo Freire assim expressa o seu pensamento sobre esta questão. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino... No meu entender, o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Visita à exposição Galeria Capibaribe Visita à exposição na Galeriana Capibaribe

Fotografias Irani Garbuglio/ acervo

Fotografias Irani Garbuglio/ acervo


a Galeria Capibaribe

No ateliê 01 do CAC-UFPE Fotos: Irani Garbuglio - acervo

rbuglio/ acervo

No ateliê 01 do CAC‐UFPE Fotos: Irani Garbuglio‐ acervo


Visita à Exposição no Instituto de Arte Contemporânea de Recife (IAC) -

Exposição Natureza Morta, Natureza quase morta, Profusões Fóbicas Visita à Exposição no Instituto de Arte Contemporânea de Recife (IAC) – Do Artista Mario Sette Exposição Natureza Morta, Natureza quase morta, Profusões Fóbicas Do Artista Mario Sette

Visita ao Museu da Cidade do RecifeExposição Recife da década de 1940, e Os Jardins de Burle Max Fotos: Irani Garbuglio/ acervo


Referências ARSLAM, Luciana M. Yavalberg, Rosa. Ensino de Arte. São Paulo: Cengage Learning, 2011. (Coleção ideias em ação/coordenadora Anna Maria P de Carvalho). BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. ____________. (Org.). Arte/Contemporânea: internacionais.2ª Ed, São Paulo: Cortez, 2005.

consonâncias

____________. A imagem no Ensino da Arte.8ª ed, São Paulo: Perspectiva, 2010. BARBOSA, Ana Mae. Cunha, Fernanda Pereira. (Org.) Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo:Cortez,2010. FISCHER, Ernest. A Necessidade da Arte. 9. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 13ªed.Rio de Janeiro: Paz e Terra,1999. SLOANE-SEALE, BILL KOPS. Relação entre aprendizagem dos idosos e envelhecimento bem sucedido. LIMA. Sidiney P. Ferreira de. Abordagem triangular: ziguezagueando entre um ideário e uma ação reconstrutora para o ensino de artes. “In” XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito MARTINS, Miriam Celeste F. Didática do ensino de Arte: a língua do mundo: poetizar fruir e conhecer arte. São Paulo:FTD,1998 VALENTE, Jose Armando. Aprendizagem continuada ao longo da vida o exemplo da terceira idade(2001).” In”: Longevidade :um desafio para a educação. Vitoria Karchar (Org.), São Paulo: Cortez, 2001, p. 27-44.


Endereços eletrônicos AZAMBUJA, Thais de.Uma oficina de criação para a Terceira Idade. Textos Envelhecimento. Rio de Janeiro,v.8,n.2,2005.Disponível em http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?=script_arttext&pid=S151759282005000200007&Ing=pt&nrm=iso. Acessado em 18 de abr.2013. Globo Educação. Abordagem Triangular: 25 anos de contribuição para o ensino da arte. 16/06/2012. Disponível em: <http://redeglobo.globo. com/globoeducacao/noticia/2012/06/abordagem-triangular-25-anos-decontribuicao-para-o-ensino-da-arte.html> Acesso em: 26/04/2013. JESUS, Barbara Borges: Docência: um olhar para a terceira idade. Universidade Católica Dom Bosco. Campo Grande.MS, julho,2012. dissertação-PPG em Educação da UCDB-área educação. Orientação: Mª Cristina Panagio Lopes Disponível em: <http://site.ucdb.br/public/mddissertacoes/8230-docencia-um-olhar-para-a-terceira-idade.pdf>. Acesso em 25/maio/2013. LOPES, Margarete E.P S.A velhice no século XXI: vida feliz e ainda ativa na melhor idade. Disponível em: <http//www.uem.br/acta/10.4025/ actascihumansoc.v34i1.16197>. Acesso em junho 2013. MACHADO, Leticia . Et all Pedagogia, Andragogia e Gerontogogia: utilizando objetos de aprendizagem ao longo da vida - Práticas em Informática na Educação: Minicursos do Congresso Brasileiro de Informática na Educação, Volume 1, Número 1, 2010. Acessivel em: <http//www.br-ie.org/pub/index.php/pie/article/view/1311/1142. Acessado em junho de 2013. MELO. Marilene Costa Melo. Desenhar na terceira idade: Qual o interesse? disponível em : <http//www.nupea.fafcs.ufu.br/pdf/monografiaMarilaneMelo. pdf> acessado em 28/ maio / 2013 ROLDÃO, Flávia D. Aprendizagem contínua de adulto-idoso e qualidade de vida: refletindo sobre possibilidades em atividade de extensão


nas universidades. Disponível em: <www.pucpr.br/eventos/educere/ educere2000/anaiseventos/arquivos/CI-042-05.pdf>. Acesso em abril, 2013.

Sobre a autora: Irani Garbuglio arte/educadora (artes plásticas) formada pela Universidade Federal de Pernambuco, com especialização no “Ensino de Arte” também pela UFPE e mestranda do PPGAV-UFPE/UFPB, na linha de pesquisa de Ensino de Artes Visuais. Lecionou por 12 anos na rede particular de ensino da cidade do Recife no Ensino Fundamental I e II, e foi professora temporária do Departamento de Teoria da Arte da UFPE, atuando em projeto de extensão universitária pela referida IES.


ENCRUZILHADAS DRAMATÚRGICAS: PEÇA BRASIL João Denys Araújo Leite

O Canto do teatro brasileiro 2: o texto teatral é um projeto em desenvolvimento que visa a criação de um texto teatral a partir de fragmentos da dramaturgia brasileira. Segue por uma via mais complexa, a senda aberta por outro texto que escrevi e encenei em 2005, denominado O canto do teatro brasileiro 1, criado especialmente para o Grupo da Quinta. A experiência do Grupo da Quinta buscou colaborar com uma formação mais abrangente do intérprete e do arte-educador. Propondo-se a trabalhar com canto, música instrumental e teatro, o grupo tomou corpo a partir de inquietações surgidas na disciplina Técnica Vocal, do Curso de Licenciatura em Educação Artística – Artes Cênicas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Tais inquietações se transformaram em objeto de estudos pós-graduados no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), cujo resultado se encontra publicado no livro A voz e a Palavra na Cena do Recife Hoje (MARTINS, 2004). A proposta do Grupo da Quinta logo foi incorporada por professores das disciplinas Interpretação, Indumentária e Maquiagem, da UFPE, juntamente com um grupo de estudantes de Artes Cênicas e de Música interessado na proposta. Essa conjugação de forças criativas resultou na criação de vários espetáculos, numa procura estética e educativa atravessada pela música, teatro e dança. A pesquisa teórico-prática do grupo, no âmbito da multidisciplinaridade das artes, respondia a uma análise feita na cena artística do Recife, em que se observou uma deficiência, ou limitação, quanto à uma formação mais abrangente do intérprete, ator, cantor, instrumentista. Numa tentativa de amenizar essa limitação, o Grupo da Quinta almejava


que esses artistas desenvolvessem não só a aptidão específica, mas também outras formas de expressão. Para tanto, suas práticas integram o canto, a execução instrumental, o teatro e as principais atividades do processo de trabalho referentes à formação cênica. Dentre as pesquisas desenvolvidas pelo grupo, destaca-se a que repertoriou canções compostas para o teatro brasileiro, a partir dos decênios de 1960/70, que resultou na montagem do espetáculo O Canto do Teatro Brasileiro 1, espécie de pequena cartografia do teatro brasileiro. Este trabalho constituiu-se numa performance que transitou no território fronteiriço da música e do teatro, por meio de canções e fragmentos dos textos teatrais Calabar (1973), de Chico Buarque (1944) e Ruy Guerra (1931); Arena conta Zumbi (1965), de Gianfrancesco Guarnieri (1934), Augusto Boal (1931) e Edu Lobo (1943); Morte e vida severina (1966), de João Cabral de Melo Neto (1920-1999); Gota d’água (1975), de Chico Buarque e Paulo Pontes (1940-1976); Roda viva (1969), e Ópera do malandro (1978), ambos de Chico Buarque, nos quais o Brasil é desvelado em seus aspetos históricos, políticos e socioculturais. Como já me reportei no início deste texto, a montagem contou com a dramaturgia de minha autoria e a encenação conduzida também por mim e pela professora Rose Mary Martins. A direção musical esteve sob a responsabilidade do regente, compositor, professor e bandolinista Marco César Oliveira. O Canto do Teatro Brasileiro 1 estreou representando o Brasil na 8ª Edição da Mostra Internacional de Teatro, no período de 25 a 29 de novembro de 2005, em Portugal, numa organização conjunta do ENTREtanto Teatro e da Câmara Municipal de Valongo, com o apoio do Ministério da Cultura Portuguesa – Instituto das Artes. Os estudos do Grupo da Quinta inseriram-se na linha de pesquisa Dramaturgias e Processos Artísticos, do Grupo de Pesquisa Estudos e Pesquisas em Artes Cênicas, do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística do Centro de Artes e Comunicação da UFPE, sob a coordenação do Professor Ricardo Bigi de Aquino. Iniciado em maio de 2009, o projeto, logo sofreu alterações no seu formato. O Grupo da Quinta passou a não mais investir na construção de um novo


espetáculo no modelo de O Canto do Teatro Brasileiro 1, devido a uma série de problemas estruturais do grupo e dos rumos da pesquisa por ele empreendidos. Isto posto, a pesquisa passou a priorizar a construção de um texto teatral sem, necessariamente, está atrelado ao processo de montagem nem às estruturas musicais dela decorrentes. O projeto atual atém-se ao texto, sem a preocupação com a música e as canções existentes no projeto anterior, buscando enfatizar o canto como lugar, morada deste teatro brasileiro revisto à luz de suas próprias peças. A delimitação temporal entre 1964 e 1980 foi determinante para a seleção dos textos, tomando como balizas os espetáculos analisados por Yan Michalski em O palco amordaçado (1979) e O teatro sob pressão (1985). Descortinar estudos e análises sobre o teatro brasileiro do século XX e realizar levantamento de textos teatrais relevantes, ou de maior impacto na recepção, montados no Brasil durante a ditadura civil-militar instaurada a partir de 1964, são objetivos gerais da pesquisa. Especificamente, selecionei cinco textos teatrais produzidos no período de 1964-1980, que foram alvo da censura do Estado e escrevo texto teatral a partir de microcélulas dramatúrgicas dos textos teatrais selecionados. A carência de estudos sobre processos de construção dramatúrgicos, a ausência de outras formas de conhecer a história do teatro brasileiro justificam esta pesquisa. Reler e dialogar com os textos em estudo é também uma forma de re-politizar uma escritura teatral, desvelando o local da cultura brasileira, em seus aspectos sociais, culturais e históricos. Na tentativa de traçar um mapa geral do teatro brasileiro produzido no período entre 1964 e 1980, constituíram-se referências teóricas os trabalhos críticos e historiográficos de Prado (1988), Magaldi (1997, 1998, 2006), Michalski (1979, 1985) Kühner (1971,2001), Arrabal & Lima (1980,1983) e Baccarelli (1994). A primeira seleção de dramaturgos brasileiros foi desentranhada das pesquisas de Yan Michalski, acima mencionadas, que tratam do palco brasileiro em anos de autoritarismo. Desses dramaturgos foram lidas as


seguintes peças: Os Azeredos e os Benevides, de Oduvaldo Viana Filho; O filho do cão, de Gianfrancesco Guarnieri; Vereda da salvação, de Jorge Andrade; A invasão, de Dias Gomes; Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues; Liberdade, Liberdade, Millôr Fernandes e Flávio Rangel; O santo milagroso, de Lauro César Muniz; O berço do herói, de Dias Gomes; Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar; O santo inquérito, de Dias Gomes; O homem do princípio ao fim, de Millôr Fernandes; O rei da vela, de Oswald de Andrade; Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos; Navalha na carne, de Plínio Marcos; A farsa do bode expiatório, de Luiz Maranhão Filho; Eu sou vida eu não sou morte | Matheus e Matheusa, de Qorpo Santo; Barrela, de Plínio Marcos; Cordélia Brasil, de Antônio Bivar; A construção, de Altimar Pimentel; O assalto, de José Vicente; Fala baixo, senão eu grito, de Leilah Assunção; À flor da pele, de Consuelo de Castro; Prova de fogo, de Consuelo de Castro; As moças, de Isabel Câmara; Odorico, o bem-amado, de Dias Gomes; Corpo a corpo, de Oduvaldo Viana Filho; Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde; Um grito parado no ar, de Gianfrancesco Guarnieri; Caminho de volta, de Consuelo de Castro; Papa Highirte, de Oduvaldo Viana Filho; Rasga coração, de Oduvaldo Viana Filho; Um elefante no caos, de Millôr Fernandes; Revolução na América do Sul, de Augusto Boal; Pano de boca, de Fauzi Arap; Abajur lilás, de Plínio Marcos; O voo dos pássaros selvagens, de Aldomar Conrado; Roda cor de roda, de Leilah Assunção; Ponto de partida, de Gianfrancesco Guarnieri; Patética, João Ribeiro Chaves Neto; Milagre na sela, de Jorge Andrade; Feira brasileira de opinião, contendo: Prefácio em forma de peça, de Décio de Almeida Prado; O Engano, de Carlos Henrique Escobar; Última instância, de Carlos Queiroz Telles; O túnel, de Dias Gomes; Janelas abertas, de Gianfrancesco Guarnieri; O quintal, de João das Neves; A zebra, de Jorge Andrade; O mito, de Lauro César Muniz; Sobrevividos, de Leilah Assunção; Contatos amazônicos do terceiro grau, de Márcio Souza; Cemitério sem cruzes, de Maria Adelaide Amaral. A base paradigmática do tipo de escritura que se pretende realizar continua sendo as peças de Millôr Fernandes, sobretudo, Liberdade, Liberdade (2006 [1965]), escrita em colaboração com Flávio Rangel; Um elefante no caos (1979 [1960]); O homem do princípio ao fim (1965); Flávia, cabeça, tronco e


membros (1977 [1963]); Vidigal: memórias de um sargento de milícias (1981 [1966]). Estas obras, portanto, foram lidas com maior acuidade. As etapas de realização do trabalho obedeceram a seguinte sequência: a) levantamento dos autores e obras dramatúrgicas com posterior seleção obedecendo ao critério de qualidade formal e relevância sociocultural; b) levantamento da fortuna crítica existente sobre os autores e obras selecionadas; c) revisão bibliográfica e fichamento das fontes de informação teórica do teatro e da história do teatro brasileiro; d) leitura e seleção de fragmentos das peças selecionadas; d) definição do eixo estruturador dos textos em estudo. Pensar o processo criativo, ter ciência e descrever cada procedimento, cada combinação, nos coloca na encruzilhada de nossas decisões. É um cálculo que se configura no experimento e no ponto cego, às vezes incognoscível, onde se cruzam os fragmentos arrancados de suas obras. Esse cálculo é a tentativa de fazer o texto aprofundar-se como arte e o artista aprofundar-se como artista, como poeta, pois, quanto mais a poesia se torna ciência, tanto mais também se torna arte. Se a poesia deve se tornar arte, se o artista deve ter profundo discernimento e ciência dos seus meios e fins, e dos obstáculos e objetos dela, o poeta tem de filosofar sobre sua arte. Se não deve ser meramente inventor e trabalhador, mas também conhecedor de seu ramo, e se deve poder entender seus concidadãos no reino da arte, também tem de se tornar filólogo (SCHLEGEL, 1997, p. 93).

Os aforismos de Schlegel nos dão a medida precisa dessa consciência rigorosa da práxis artística e do valor do fragmento como “uma pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundante e perfeito e acabado em si mesmo como um porco-espinho” (SCHLEGEL, 1997, p. 82). Nesse sentido, o lamento de Manguari, em Rasga Coração, é esse porco-espinho, um leitmotiv que atravessa a obra e pode criar outras obras: “Nena... Nena... quero descruzar minhas mãos... Nena, acorda... por que não descobrem a cura da artrite, ó senhor?” (VIANA FILHO, 1980, p. 50).


Na primeira fase da pesquisa, anteriormente mencionada, foram estudados 30 dramaturgos e 51 textos. Dos 30 foram selecionados os dez em mais evidência e destes, sete autores e uma obra de cada. Na segunda fase, a atual, os textos teatrais escolhidos estão sendo revistos como matéria prima de criação. Os estilhaços de textos e ações são sequestrados como poeira criativa, isolados, para posteriormente passarem pelo processo de reconfigurações textuais e semânticas. Os textos definidos para a montagem da nova obra são: Rasga coração (1979), de Oduvaldo Vianna Filho; Um grito parado no ar (1973), de Gianfrancesco Guarnieri; Vereda da salvação (1964), de Jorge Andrade; O berço do herói (1965), de Dias Gomes, Fala baixo senão eu grito (1969), de Leilah Assunção; Flávia, cabeça, tronco e membros (1970), de Millôr Fernandes e Abajur Lilás (1975), de Plínio Marcos1. A liberdade de fazer combinações e choques, muitas vezes absurdos entre autores, estilos, linguagens, com textos de um período ditatorial da história brasileira, permite dialogar com o que há de relevante na tradição dramatúrgica francamente intertextual, na trilha de Bertolt Brecht e Heiner Müller, sem, com isso, limitar-se à citação literária propriamente dita, mas a pontos de confluência e divergência de objetos-fragmentos reinventados. Nesse sentido, o procedimento criativo que estamos a fazer assemelhase ao trabalho de Heiner Müller, na década de 1970, quando, para ele, “o fragmento provoca a colisão instantânea de tempos heterogêneos, possibilitando a revisão crítica do presente à luz do passado” (RÖHL, 1997, p. 121). Esse procedimento com o fragmento tem no conceito benjaminiano de alegoria uma de suas moradas prediletas, pois o alegorista arranca um elemento à totalidade do contexto da vida. Ele o isola, priva-o de sua função. Daí ser a alegoria essencialmente fragmento e se situar em oposição ao símbolo orgânico. [...] O alegorista junta os fragmentos da realidade 1 As datas referem-se aos anos das primeiras montagens, o que não significa que todas conseguiram estrear. Abajur Lilás, por exemplo, foi proibida dias antes da estreia. Dez anos antes o mesmo ocorreu com O berço do herói.


assim isolados e, através desse processo, cria sentido. Este é, pois, um sentido atribuído; não resultado do contexto original dos fragmentos. [...] Também a esfera da recepção é considerada por Benjamin. A alegoria, que pela sua natureza é fragmento, apresenta a história como decadência (BÜRGER, 2008, p. 141-142).

O trabalho de produzir um texto com esses restos de história do nosso próprio teatro encontra equivalente no procedimento do encenador ao trabalhar para o texto ou com o texto. Como observa o autor de Queimar a casa, um texto pode ser desmembrado e reorganizado, numa forma que esteja muito longe daquela de origem. Corresponde ao processo de decomposição, descontextualização e recomposição dos materiais da dramaturgia de um ator, ou à montagem de um diretor cinematográfico quando entrelaça e provoca a interação de duas sequências de imagens diferentes. É pura técnica de direção teatral, que implica um modo de identificar e entrelaçar – através das ações – as trilhas do pensamento (BARBA, 2010, p. 181).

Os fragmentos extirpados das peças podem ser: a) falas curtas isoladas; b) frases soltas; c) pequenos monólogos; d) nomes de personagens e de obras; e) uma didascália longa; f) uma cena muda; g) uma cena curta; h) uma canção; i) uma indicação cênica; j) um lugar cênico; l) uma ação. O tratamento dado a esse material selecionado obedece, até o presente momento do experimento, a: a) utilização ipsis litteris dos fragmentos; b) uso da paráfrase; c) duplicação de fala ad libitum; d) inversão de papéis e falas; e) cortes abruptos; f) preencher com fala a cena muda ou emudecer a cena falada. O jogo com os fragmentos instaura-se de diversas maneiras. Pode-se seguir a instrução do texto (seu caráter didascálico) ou tomá-la como sugestão para a criação de outras ações. Pode-se, ainda, produzir brechas para a fantasia: modos de recriar as fabulações, quando estas existirem, ou reinventar as relações de poder:


O fragmento torna-se produtor de conteúdos, abrindo-se à subjetividade do receptor, correspondendo ao que Müller chama de “espaços livres para a fantasia”, em sua opinião uma tarefa primariamente política, uma vez que age contra clichês pré-fabricados e padrões produzidos pela mínida (RÖHL, 2003, p.34).

Um exemplo aleatório que vem sendo trabalhado na pesquisa é a cena sequestrada de Fala baixo senão eu grito, de Leilah Assunção, na qual o Homem faz a mímica da funcionária Mariazinha enredada na ordem kafkiana do trabalho. No jogo imposto na cena o Homem representa uma provável Mariazinha no escritório e ao mesmo tempo joga com a Mariazinha que ele está a conhecer. Seu texto transita de jogador para personagem e desta para jogador, podendo ser reestruturada como pantomima, acenando para um famoso lazzi da Commedia dell’arte: [...] (entra sonoplastia – mosca) (Zum... zum.. zum... zum...) (Tlec – tlec – tlec – tlec). Obrigada. Obrigada. O senhor já foi atendido? Um momentinho, por favor. Obrigada (espanta a mosca do ombro) (sonoplastia sempre). Pois não. Obrigada. Pois não. Obrigada. Pois não. Pois não. Pois não. Pois não. Pois não (espanta a mosca novamente). Pois não, pois não (zum zum zum zuuum zuuuumm, zzzzuuuummmm). Esta mosca me incomoda (espanta de novo, irritado) (sonoplastia mosca e tlec tlec). Olha ela aí em cima do seu joelho! (Mariazinha espanta a mosca) (ASSUNÇÃO, 1977, p. 59).

Neste instante o homem que fazia Mariazinha traz a mosca do seu jogo imaginário para o jogo com a personagem Mariazinha em seu quarto. No interno da fala o discurso passa a ser didascálico, dá instrução, e pode migrar para o texto novo a ser urdido, cruzando com cenas hilariantes do personagem Lorde Bundinha de Rasga coração (VIANNA FILHO, 1980) ou outra personagem ou cena que passe pelo centro da encruzilhada que estamos propondo. O texto, para além de suas proposições estéticas e de sua teatralidade embutida, conduz os que dele se acercarem a buscar por meio das notas,


chamadas e demais indicações textuais explícitas e implícitas o lugar do teatro brasileiro do qual estamos falando. Seguindo a rota didática estabelecida na escrita, ao modo empregado na exegética bíblica, os sujeitos em situações formativas podem contatar com os textos e autores do teatro brasileiro, localizar os fragmentos sequestrados de seus contextos originais ou serem enviados pela remissão constante a outras obras e outros contextos históricos, estéticos, culturais, teatrais, enfim. Esse é, até o presente momento da construção do texto, o aspecto didático-pedagógico que pretendemos imprimir à obra, embora outros possam surgir com o decorrer do processo criativo, a exemplo da delicada liberdade de experimentar o diálogo da açougueira de Flávia, cabeça, tronco e membros com a didascália final de Vereda da salvação: Doutor há tantos anos lidamos diariamente com carne, sangue, ossos, miúdos, bofes, coração, miolos: carne de boi, de porco de vitela, toda carne. É difícil, depois de tanto tempo, a gente ter horror a qualquer carne. A nossa é quase igual (Mostra o braço apertando-lhe a carne. Subitamente, ouvem-se de todos os lados, tiros e gritos. Enquanto as vozes gritam de fora e aumenta a fuzilaria, os agregados continuam rodopiando, cantando e arrancando as roupas, que voam no ar, confundindo com seus braços erguidos para o alto, numa súplica alucinada).

Peça Brasil está se tecendo num busca por um vasto horizonte de significações. A peça não se configura apenas como composição literária para a cena, texto ou roteiro teatral, mas com toda a carga semântica que a palavra envolve, iluminando o sentido mais evidente proposto pela escritura, ou seja, o sentido fragmentário posto em colagem e montagem. Mas, a peça também é parte de um todo que tem existência autônoma; é cada elemento ou unidade de um conjunto (a peça de uma engrenagem); um exemplar; um artefato; uma joia; divisões de uma edificação; logro, partida, ato que se pratica contra alguém; pessoa exótica, curiosa, incomum; um documento de um processo; obra musical ou literária independentemente de gênero; elemento de uma campanha publicitária; peça anatômica; peça


de artilharia; peça de museu; peça de resistência: prato principal de uma refeição, atração especial. A peça engendra o fragmento e o todo ao mesmo tempo, como na expressão peça de tecido. Uma quantidade considerável de pano que ainda não foi segmentada e separada do todo. A peça é um negócio se fazendo; é uma transgressão em encruzilhadas. Em Hamlet, a personagem título, pede aos comediantes que se apresentarão em seu palácio para que permitam que ele escreva um fragmento que será enxertado numa peça tradicional a ser mostrada à corte. A peça é uma armadilha, uma ratoeira para prender a consciência assassina de Claudio, padrasto e tio do atormentado príncipe da Dinamarca. “O negócio é a peça”, diz Hamlet. A lista de prováveis títulos é muita vasta. A definição do título levou em consideração a estrutura da obra mais que as temáticas a serem abordadas e identificadas. A ideia original do texto que antecede a feitura da peça atual, qual seja, O canto do teatro brasileiro, precisava ser preservado. O canto, também polissêmico, remete a locus, lugar específico desse teatro urdido no Brasil, região uterina em que a canção, a ação e a encenação eram gestadas num preciso intervalo temporal. Para entabular um diálogo frutífero entre as ideias do passado e do presente, “peça” é um equivalente de “canto” e é nesse canto do teatro brasileiro que a Peça Brasil está sendo tecida com suas encruzilhadas dramatúrgicas.

Referências ANDRADE, Jorge. Vereda da Salvação. In: _________. Marta a árvore e o relógio. São Paulo: Perspectiva, 1986. ARRABAL, José ; LIMA, Mariângela Alves de. Teatro: o seu demônio é beato. São Paulo: Brasiliense, 1983. ARRABAL, José ; LIMA, Mariângela Alves de.; PACHECO, Tânia. Anos 70: teatro. Rio de Janeiro: Europa Empresa Gráfica e Editora, 1980.


ASSUNÇÃO, Leilah. Fala baixo senão eu grito. In: _________. Da fala ao grito. São Paulo: Símbolo, 1977. BACCARELLI, Milton João. O teatro em Pernambuco: trocando a máscara. Recife: FUNDARPE, 1994. BARBA, Eugenio. Queimar a casa: origens de um diretor. Trad. Patrícia Furtado de Mendonça. São Paulo: Perspectiva, 2010. BORNHEIM, Gerd A. Brecht: a estética do teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992. BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Trad. Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. BÜRGER, Peter. Teoria da vanguarda. Trad. José Pedro Antunes. São Paulo: Cosac & Naify, 2008. DICIONÁRIO DO TEATRO BRASILEIRO: temas, formas e conceitos. Coordenação de J. Guinsburg, João Roberto Faria e Mariangela Alves de Lima. São Paulo: Perspectiva: Sesc São Paulo, 2006. ESCOBAR, Carlos Henrique et. alii. Feira brasileira de opinião. São Paulo: Global, 1978. FERNANDES, Millôr. Flávia, cabeça, tronco e membros. Porto Alegre: L&PM, 1977. GOMES, Dias. O berço do heroi. In: __________. Teatro de Dias Gomes, v. II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. GUINSBURG, J.; FERNANDES, Sílvia (Orgs.). O Pós-dramático: um conceito operativo? São Paulo: Perspectiva, 2008. JAMESON, Fredric. O método Brecht. Trad. Maria Sílvia Betti. Petrópolis : Vozes, 1999. KÜHNER, Maria Helena; ROCHA, Helena. Opinião. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. __________. Teatro em tempo de síntese. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.


LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Trad. Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007. MAGALDI, Sabato. Moderna Dramaturgia Brasileira. São Paulo: Perspectiva, 1998. __________ . Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: Global, 1997. MARCOS, Plínio. Abajur lilás. São Paulo: Global, 1975. MARTINS, Rose Mary de Abreu. A voz e a Palavra na Cena do Recife Hoje. Recife: Sesc PE, 2004. MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Avenir, 1979. __________. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. sob a direção de Jacó Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1988. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005. ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1997. RÖHL, Ruth Cerqueira de Oliveira. O teatro de Heiner Müller: modernidade e pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1997. RÖHL, Ruth Cerqueira de Oliveira. Heiner Müller na Pós-modernidade. In: KOUDELA, Ingrid (Org.) Heiner Müller: o espanto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 33-41. SCHLEGEL, Friedrich. O dialeto dos fragmentos. Trad. Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1997.


RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. Trad. Paulo Neves. São Paulo: M. Fontes, 1996. __________. Ler o teatro contemporâneo. Trad. Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: M. Fontes, 1998. VIANA FILHO, Oduvaldo. Rasga coração. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1980.

Sobre o autor: Dramaturgo, cenógrafo, encenador, professor de teatro do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística. Autor de peças premiadas nacionalmente, a exemplo de Deus Danado (1993) e Flores D’América (2005) e dos ensaios Um teatro da morte: transfiguração poética do bumbameu-boi e desvelamento sociocultural na dramaturgia de Joaquim Cardozo (2003) e Marcus Siqueira: um teatro novo e libertador (2012).



CORPO-CONEXÃO: FORMAÇÃO E CRIAÇÃO EM DANÇA E TEATRO Márcia Virginia B. Araujo

Considerando a necessidade atual de diálogo entre os registros vocais e de movimento entre os artistas das artes cênicas contemporâneas, os quais têm se situado na fronteira entre a dança e o teatro, tenho buscado possibilidades de entendimento desta relação, no sentido de contribuir para a experiência, a formação e a criação do artista-docente da dança e do teatro desta Universidade. Como numa via de mão dupla, o interesse constante em aprofundamentos e atualizações de minha prática na universidade tem me levado a realizar ações de pesquisa e extensão, as quais agora revelam ser voltadas para saberes, em grande parte não reconhecidos como acadêmicos ou científicos no Brasil. São saberes encontrados em longos cursos de formação, inclusive com nível superior, em países da Europa e Américas do Norte e do Sul, cuja difusão tem sido fundamental, não apenas no sentido de ampliar as possibilidades metodológicas de ensino e expressividade artística, mas também para reafirmar e legitimar tais práticas e conhecimentos junto à universidade, além de dar acesso à comunidade acadêmica e sociedade em geral. “Ideias de corpo-em-conexão: a relação entre o som e o movimento na formação e criação em dança” é o título da pesquisa inicial, que procura a aproximação com tais saberes e práticas, que puderam ser aprofundadas em dois PIBICs e vivenciadas nos seguintes cursos de extensão, realizados entre 2010 e 2013, os quais serão descritos mais adiante:


1. Formação em Danças Circulares Módulo I - 02 de março a 29 de junho de 2010 - 71 horas Módulo II- 29 de junho a 05 de outubro de 2010 - 55 horas Módulo 1 - 10/05/2011 a 28/06/2011 - 32h - Edital Fluxo Contínuo Módulo 2 - 09/08/2011 a 27/09/2011 - 32h- Edital Fluxo Contínuo

2. BMC (Body-Mind Centering) – 2013 -Edital Patrimônio, Artes e Economia Criativa 3. Euritmia Antroposófica – 2013 - Edital Fluxo Contínuo Os Sub-Projetos de Iniciação Científica PIBIC/UFPE/CNPq (de agosto 2012 a julho 2013) tiveram como pesquisadoras duas alunas do curso de Artes Cênicas (atualmente Curso de Licenciatura em Teatro), Rafaella de Mélo Cavalcante e Gabriela Wanderley de Holanda, respectivamente com os seguintes títulos: Estudo dos aspectos sonoro-gestuais da Euritmia Antroposófica e sua contribuição para a educação integral do corpo e para a expressão humana; A contribuição dos princípios de movimento Laban/ Bartenieff (LMA) e de expressão vocal de Bonnie Bainbridge Cohen (BMC) para relação voz e movimento na performance e na dança-teatro. Em resumo, os referidos cursos de extensão se propuseram fomentar os referidos projetos de pesquisa, dar subsídios para aprofundar as metodologias das disciplinas por mim ministradas nos cursos de Licenciatura em Dança e Teatro, além de difundir essas abordagens artístico-educativas para a comunidade acadêmica, dando acesso, ainda, aos profissionais interessados nos temas.

Danças Circulares Danças Circulares, Formação de Instrutores (focalizadores) em Danças Circulares - módulo I •

Este curso foi realizado no modelo antigo de extensão, entre 02 de março e 29 de junho de 2010, com a carga horária de 71h, distribuídas entre


teoria e prática. Teve como responsável a líder de Danças Circulares (DC), Mércia Xavier de Andrade, com a qual estabeleci parceria em outras instâncias acadêmicas e extra-acadêmicas. Foram inscritos 43 alunos e 25 finalizaram o curso. Entre os participantes, estavam pessoas de diversas áreas, alunos e funcionários administrativos da UFPE, os quais tiveram bolsas parciais ou integrais. •

Teve como objetivo principal introduzir o aluno na prática e conhecimento das Danças Circulares e capacitá-lo, através de focalização supervisionada, a utilizar as DC como ferramenta nas mais diversas atividades (educação, harmonização e integração de grupos, atividade lúdica, meditativa). A metodologia consistiu em vivência e conhecimento dos princípios organizadores das danças circulares, como por exemplo, os quatro elementos, a simbologia numérica e a origem e significado dos símbolos - o circulo, o triângulo, o quadrado, a espiral, sob a ótica da mitologia e da astrologia.

As aulas práticas de dança foram, em grande parte, complementadas pela teoria (distribuídas em apostilas), inclusive, sobre a notação dos passos e a história das Danças Circulares, considerando o repertório de nossas matrizes formadoras ancestrais indígenas e africanas.

As aulas aconteciam na Sala de Dança às terças-feiras à noite1, e a partir do segundo mês de curso, houve rodas quinzenais abertas ao público para a prática de focalização supervisionada, além de vários encontros para a filmagem do repertório estudado (DVD didático), no CAC (Hall e Sala de Dança).

A taxa da mensalidade custava R$ 140,00 (cento e quarenta reais), distribuída da seguinte forma: 50% (cinquenta por cento) para a focalizadora e os outros 50% para o Departamento de Teoria da Arte. O número inicialmente grande de participantes motivou o trabalho prático e teórico, tendo como resultados contábeis (material trabalhado

1 Havia horário disponível, pois o Curso de Licenciatura em Dança ainda estava com 2 turmas de alunos. A partir dos próximos módulos tivemos que alternar os espaços entre o CAC e o Centro de Convenções da UFPE.


e disponibilizado), 6 CD´s totalizando 81 músicas e 78 danças, 4 DVD´s com 78 danças registradas, mais as apostilas com o conteúdo abordado. •

Considero que os resultados deste primeiro curso foram muito positivos, tendo apenas um aluno especificado que esperava algo mais indicativo de cada dança. Por outro lado, todos os demais avaliaram o curso como tendo atendido e até superado as expectativas, alguns até relataram a utilização deste repertório diversificado das DC em seus trabalhos e grupos.

Uma equipe de 13 alunos participou voluntariamente do Programa MAIS do Hospital das Clínicas, atividade esta, suspensa precocemente por falta de participação do público alvo no HC. Vale destacar que esta ação influenciou a coordenadora deste projeto, Lennié Maia, a participar de um módulo do curso, que concluiu posteriormente.

Na avaliação feita em parte pelos participantes do curso, podemos destacar entre os pontos facilitadores da ação, as aulas terem sido ministradas de forma simples, prática e sucinta, o profissionalismo da equipe de coordenação e professora responsável, a boa organização, o tempo bem administrado, o bom relacionamento com os alunos.

Entre os pontos de dificuldade, destaco a questão estrutural do espaço físico, desde o descuido com a limpeza, a falta de climatização, e a ausência de cadeiras e bancos. Uma questão em relação ao conteúdo enfatizada por parte dos alunos foi a de que houve pouco tempo dedicado a repetição do repertório estudado, uma vez que a maioria não tinha disponibilidade para participar da roda aberta, espaço dedicado a focalização supervisionada.

De modo geral considero que o curso de formação de focalizadores cumpriu seus objetivos, inclusive o de possibilitar a expansão das DC em diferentes grupos e organizações. A avaliação deixou clara algumas modificações necessárias no que diz respeito à quantidade de danças, para que haja melhor compreensão e memorização das sequências


coreográficas. A continuidade previu, portanto, a necessidade de supervisão e mais tempo de partilha durante as aulas, prevendo a utilização do material de imagem elaborado durante o desenvolvimento do curso. Danças Circulares, Formação de Instrutores (focalizadores) em Danças Circulares - módulo II •

Este curso também foi realizado no modelo antigo de extensão promovido pelo nosso departamento, se realizando no período de 29 de junho a 05 de outubro de 2010, cujas 25 vagas foram oferecidas apenas aos concluintes do 1º Módulo. Foram inscritos 20 alunos, 15 finalizaram o curso, entre os quais, 4 bolsistas integrais.

Com o objetivo de aprofundar o conteúdo do primeiro módulo, retomamos o estudo simbólico/mitológico, ampliando a compreensão do significado e profundidade dos valores universais e arquetípicos expressos e vivenciados através das danças dos povos. O repertório do segundo módulo se constituiu de danças mais elaboradas, tanto no aspecto coreográfico quanto em seu conteúdo simbólico, ampliando e aprofundando o conhecimento dos participantes. Fez parte da programação a focalização supervisionada de cada aluno, nas tarefas individuais e em grupo.

Este módulo teve a carga horária de 55h, entre teoria e prática, as aulas aconteceram em parte na Sala de Dança do CAC e parte na Sala Azulão do Centro de Convenções da UFPE, além das rodas no Hall do Centro de Artes. Previsto para ser realizado entre 16 de agosto e 30 de novembro de 2010, as datas foram modificadas, devido a um acordo entre os participantes de que não seria necessário haver uma pausa. Todos entenderam a necessidade de haver uma continuidade entre os dois módulos. Assim, o término do curso (II Módulo) foi antecipado para 05 de outubro de 2010. O fato de que no semestre letivo 2010.2, as aulas não seriam mais na sala de dança, devido ao choque de horários com as aulas da licenciatura em dança, também contribuiu para


que o curso de Dança Circular aproveitasse o período de recesso da Universidade para garantir este espaço durante o mês de julho. •

Fizemos registro em vídeo de todas as danças vivenciadas (2 DVDs com 20 danças), acompanhas de 2 CDs com as respectivas músicas, distribuindo também apostilas com o conteúdo abordado. A carga horária foi completada com aulas às terças-feiras, no Centro de Convenções, e roda aberta ao público para prática de focalização às sextas-feiras quinzenalmente, no Hall do Centro de Artes. Em cinco de outubro de 2010 houve o baile dos concluintes no Salão Azulão do Centro de Convenções da UFPE.

Na avaliação da focalizadora Mércia Andrade, os objetivos alcançados puderam ser observados no crescimento do grupo em integração, confiança, harmonia, uma vez que os benefícios das DC atuaram na percepção e superação de dificuldades pessoais e coletivas. A compreensão de que as danças não são apenas passos, mas também um processo curativo e de autoconhecimento, se estendeu a todos os participantes. À medida que dançávamos símbolos, nos permitíamos sentir seus efeitos em nosso estado seja físico, emocional, mental ou espiritual, como mostra o depoimento de uma participante: “Pessoalmente o curso me enriqueceu em várias instâncias da vida, e destaco o fortalecimento da espiritualidade realizada através das danças. Foi um encontro de movimento, sons e pessoas maravilhosas, iluminadas, posso dizer.”

A continuidade do curso com o mesmo grupo permitiu a visualização da jornada como um todo, da mandala astrológica como modelo da criação do universo e caminho evolutivo para a humanidade. Compreensão e experiência da dança como elemento fundamental da conexão do ser humano consigo mesmo, com o outro e com todas as coisas, a interconexão com todos os seres.


Danças Circulares, Formação de Instrutores (focalizadores) em Danças Circulares - Módulo 1 - 10/05 a 28/06 de 2011 •

Realizado pelo Edital de Fluxo Contínuo do SigProj, este módulo teve a duração de 32h e apenas cinco alunos matriculados. Entre os participantes havia 2 professoras da UFPE, sendo uma psicóloga, e a outra médica, um astrólogo, uma estudante de psicologia, e mais uma psicóloga.

Decidimos realizar módulos mais simples e independentes para evitar a evasão de alunos e de ter a possibilidade de ingresso de novos alunos. Os objetivos de difundir a prática das danças circulares e capacitar focalizadores foram parcialmente alcançados, uma vez que algumas práticas ficaram prejudicadas pelo reduzido número de participantes. O pequeno número de participantes inscritos deveu-se ao fato de que não houve praticamente nenhum tempo para divulgação uma vez que o projeto foi aprovado uma semana antes do início do curso. Por outro lado, pela mesma razão, o repertório estudado foi ampliado oportunizando aos participantes finalizar o módulo com maior diversidade de danças em seu repertório.

Apesar do pequeno número de participantes, estes não perderam a motivação, visto que pretendiam incluir em suas áreas profissionais a prática de DC. Consideramos que um curso de extensão como este deveria ter um mínimo de 10 participantes, uma vez que as danças de roda tem o perfil de integração de grupos. Como de praxe, houve a elaboração de DVDs com os participantes como forma de criar acervos das danças aprendidas durante o curso.

Em relação à parte financeira, avaliamos que o trabalho foi intenso para o pouco recurso adquirido das inscrições, considerando ainda os impostos descontados na remuneração da professora ministrante. Após ter sido alocado cada percentual (FADE, PROEXT e Departamento de Teoria da Arte), o restante foi pouco para a excelente qualidade do trabalho realizado.


Danças Circulares, Formação de Instrutores (focalizadores) em Danças Circulares - Módulo 2 - Danças Circulares e os 4 elementos •

Também realizado pelo edital de Fluxo Contínuo da Proext, entre 09 de agosto de 2011 a 27 setembro de 2011, com carga horária de 32h, na Sala 44 do CAC, atendeu 15 pessoas, das quais, 12 concluíram o curso. Tendo como base os mesmos objetivos dos módulos anteriores, de difundir a prática das danças circulares e capacitar focalizadores, desta vez deu ênfase aos 4 elementos presentes nas danças circulares, através de caminhares, respiração, práticas e danças focadas nos elementos.

Houve mais atenção ao desenvolvimento de habilidades de ritmo, coordenação, percepção, atenção, concentração, memória e expressão. Alguns valores foram incentivados, como o senso de comunidade, a autoconfiança e a autoestima, a responsabilidade e liderança compartilhadas. A ênfase foi dada à harmonização do indivíduo para o trabalho em grupo, bem como a sua adaptação aos ritmos coletivos.

Os objetivos foram plenamente realizados e ampliados, uma vez que houve o acréscimo de conteúdos devido ao excelente nível da turma. Os participantes foram beneficiados ao vivenciarem as práticas, tanto no que se refere à saúde física e espiritual, quanto no que se trata aos conhecimentos adquiridos sobre as danças dos povos, o que permitiu ainda reflexões acerca de metodologias de transmissão das mesmas. O impacto científico ainda poderá ser observado com a defesa de dissertação de uma das participantes do curso, que está desenvolvendo uma pesquisa sobre os aspectos subjetivos e transformadores nos dançarinos das danças circulares.

No entanto, para que houvesse um resultado mais satisfatório, seria necessária a participação dos alunos do curso de Licenciatura em Dança, com o envolvimento no processo e realização do projeto. Devido ao fato do choque de horários entre o curso de extensão e o curso de Dança, concluímos que se tornou inviável a participação dos alunos. Este curso de extensão envolveu apenas a comunidade externa ao CAC, o que dificultou o diálogo entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Pude


perceber isso claramente por ocasião em que ministrei a disciplina Oficina 5 para os alunos do curso de Dança, dando ênfase às Danças Circulares. Como não tinham conhecimento prévio do conteúdo, considerei o mesmo como inadequado ao perfil da turma, que parece haver percebido apenas os aspectos formais e não a profundidade dos conteúdos. Apesar disso, para mim, o fato de coordenar e participar dos cursos de Danças Circulares foi fundamental para fortalecer os referenciais teórico-metodológicos da minha pesquisa. •

Assim como aconteceu no módulo anterior, observamos que as instâncias de tramitação do projeto são muitas e complexas, demandando muito tempo entre a submissão e a aprovação dos projetos, tendo em vista as dificuldades encontradas com o sistema do SigProj recém implantado. Parece valer a pena levar adiante um projeto quando este tiver um maior alcance em termos de comunidade acadêmica e público em geral beneficiado. Neste sentido houve falha em termos da divulgação das vagas gratuitas extensivas a ambas as categorias. Em termos financeiros, não houve a receita esperada nestes dois últimos cursos, e por este motivo, a professora ministrante desistiu de realizar os próximos módulos nesta universidade.

Introdução ao BMC – A dança da forma e seu conteúdo Submetido ao edital de Patrimônio, Cultura, Artes e Economia Criativa 2013, este minicurso, de 20h, aconteceu no palco do Teatro Joaquim Cardozo, e contou com recurso para convidar a educadora somática Adriana de Almeida Pees, que introduziu recentemente no Brasil, em São Paulo, uma formação específica no Sistema Body-mind Centering® (BMC)2. Entre os 13 participantes, tivemos atores, bailarinos e performers, fisioterapeutas, terapeutas corporais, professores do Curso de Licenciatura em Dança da UFPE e estudantes do curso de Licenciatura em Dança e em Teatro da UFPE. 2 O Body-mind Centering® foi desenvolvido pela americana Bonnie Bainbridge Cohen e vem sendo difundido em diversos países, mudando a visão, o entendimento, a exploração e a análise do movimento, além de ajudar a descobrir novas formas para a criação artística.


Houve ampla divulgação do minicurso pela produtora bolsista, Keline Macêdo, cujo tema abordado teve relação com o já citado projeto PIBIC da aluna Gabriela Holanda, sob minha orientação, auxiliando na coleta de dados e criação cênica da referida pesquisa. Um dos objetivos de produzir esse curso foi o de observar as maneiras de exploração da utilização da voz para a ampliação da consciência corporal e expressão cênica, quando da aplicação dos princípios à criação artística dos participantes. O contato com o sistema do BMC proporcionou a alunos, artistas e terapeutas corporais a redução das fronteiras entre criação artística e educação somática, voz e movimento. Atuando como capacitação complementar de três professores do departamento, espera-se que o minicurso tenha ampliado a prática pedagógica destes. Os participantes deste minicurso de introdução ao BMC sentiram a necessidade de aprofundar o estudo nesta abordagem e demonstraram interesse em dar continuidade, seja no Recife, ou em São Paulo, onde já acontece a formação. O minicurso realizado contribuiu para a realização de outro minicurso com o mesmo tema, com produção independente, com a professora Rossana Alves (Salvador). Esta última disponibilizou a tradução recente da apostila sobre os Padrões Neurológicos Básicos (vide bibliografia). O acesso à bibliografia, quase que exclusivamente de língua inglesa e a observação participante da abordagem BMC, permitiu o acesso das pesquisadoras a uma perspectiva mecanicista mais holística de entendimento da relação corpo-mente, fato melhor observado nas publicações referentes ao tema (PIBIC, CONIC, CONFAEB). A produção científica da pesquisa PIBIC de Gabriela Holanda acompanha uma performance artística inspirada nos princípios do BMC, intitulada Sopro d’água, construída a partir da memória corpo-sensorial da artista, em laboratórios de estudo do Sistema Laban/Barteniff e do Método BodyMind Centering. Tendo como base os questionamentos e atitudes de


Cordélia, personagem do Rei Lear, o sistema dos fluidos e a imagem da onda do mar tornou-se o fio condutor entre o mundo interior da artista e a obra Shakespeariana. A título de complementação de nossa pesquisa, nós, eu e a aluna Gabriela Holanda, participamos em São Paulo, do workshop em BMC com a fundadora do método, Bonnie Cohen, o que gerou em nós perspectiva de continuidade de estudos nessa área, considerando a ênfase dada na relação entre saúde e expressividade, interesse de ambas as pesquisadoras. O contato com profissionais que trabalham com o BMC foi ampliado, permitindo o acesso Body & Mind Estúdio de Movimento e GYROTONIC® (fundado em 2003 em São Paulo), representante da The School for Body-Mind Centering/ International Somatic Movement Education & Therapy Association. Ainda continua forte, portanto, o nosso interesse em dar continuidade no desenvolvimento dessa abordagem aqui em Pernambuco e na UFPE, em cursos de extensão de formação de educadores do movimento, em parceria com as referidas instituições estrangeira e paulistana.

Euritmia Artística Antroposófica Esta ação foi uma iniciativa do sub-projeto PIBIC da aluna Rafaella Cavalcanti, que investigou o Método da Euritmia desenvolvido pela Antroposofia de Rudolf Steiner (1861-1925), aplicado à Pedagogia Waldorf. Teve as seguintes atividades com os convidados Patrícia e Cláudio Bertalot (SP): 1. Apresentação do Espetáculo “Melisma” de Euritmia (Dança, Música e Projeção), 1.2. Minicurso em Euritmia Artística3 (O corpo: instrumento de percepção musical e poética), 1.3. Palestra demonstrativa em Euritmia. 1.4. Entrevista registrada em vídeo. Esta ação também se propôs difundir a Euritmia para a comunidade acadêmica, dando acesso ainda aos pais e professores da Escola Waldorf Recife. Registrada posteriormente no Edital de Fluxo Contínuo, esta ação contou com uma produção independente de nosso grupo de pesquisa e 3 Realizado no Ateliê 2 do espaço Benfica/UFPE.


da colaboração voluntária dos alunos Keline Macêdo e Eduardo Bringuel, respectivamente na produção e no design do material de divulgação, a qual, devido ao pouco tempo hábil, atingiu apenas 11 participantes, entre os quais, 2 professores do curso de Dança, além de mim. O contato com a Euritmia foi de fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa no PIBIC, cujos resultados foram apresentados no CONFAEB e no CONIC/UFPE, estabelecendo uma aproximação entre as técnicas/práticas, filosofias e teorias de corpo-conexão estudadas pelo grupo de pesquisadores bolsistas. Observamos ser de fundamental importância para os docentes e discentes da Arte Educação e pedagogos terem acesso e interesse pela prática da Euritmia em suas três dimensões (Artística, Curativa ou Terapêutica e Pedagógica), uma vez que os exercícios podem ser praticados como forma de autodesenvolvimento de quem os pratica. Por definição, o trabalho Eurítmico (eurythmia - do grego = ritmo harmonioso) visa um autoconhecimento através do movimento. Apesar de atuar em diferentes âmbitos sociais, a base de todo o trabalho eurítmico é de cunho artístico. A Euritmia torna visível tanto a palavra falada como a música, e revela, por meio dos movimentos, as qualidades interiores dos conteúdos poéticos e as leis contidas nos elementos musicais. Gestos corporais e formas percorridas no espaço adquirem vida e significado através dos fonemas, ritmos, sons e tons, intervalos e andamentos dessas duas artes temporais (poesia e música). O estudo eurítmico feito por Rudolf Steiner ganhou amplitude através de pesquisas realizadas nas áreas da educação e saúde ao longo dos anos. Atualmente, a Euritmia está presente em inúmeras escolas, clínicas espalhadas pelo mundo, fornecendo apoio para o desenvolvimento físico, intelectual e emocional de crianças e adultos, proporcionando uma maior flexibilidade e sensibilidade artística. A Antroposofia que fundamenta a Euritmia traz uma nova visão de integração capaz de superar as constantes formas de fragmentação da nossa


existência. Entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo. Centrando seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o científico, o cultural, o artístico e o antropológico, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação prática concreta. A abordagem da Euritmia não está situada no bojo das práticas da educação somática, mas podemos compreender que seu método atinge o mesmo objetivo de integralização do todo corporal do ser humano, fato que vem ampliando nossa visão e compreensão da noção de corpo-emconexão. Assim, relacionamos as teorias da Euritmia Antroposófica com as leis naturais do movimento encontras por Rudolf Laban e Desenvolvidas por seus seguidores (chegando às relações com a outra pesquisa PIBIC sobre o BMC - Body-Mind Centering), com o qual identificamos e comparamos os princípios e fundamentos (voz, corpo, sonoridade musical, movimento rítmico). Ampliamos nossa rede conceitual e nosso acesso à literatura antroposófica, encontrando, inclusive, relações entre a filosofia da Liberdade em Rudolf Steiner e a pedagogia da liberdade em Paulo Freire. Outro objetivo não explícito anteriormente, que nos damos conta de sua importância foi o de contribuir para que a Euritmia seja reconhecida enquanto Graduação na cidade de São Paulo. Uma vez que este curso possa oferecer um certificado aos ministrantes, estes poderão ser beneficiados em seus currículos, visando esta inserção no meio acadêmico, considerando a profundidade deste conhecimento. Em relação à parte financeira, como não houve apoio nem captação de recursos, não houve abertura de vagas gratuitas para a comunidade acadêmica, com exceção dos alunos envolvidos no projeto. Muito menos pudemos pagar o trabalho da equipe, que se constituiu essencialmente de voluntarismo. Apesar do prejuízo financeiro, cujos custos recaíram para mim, como coordenadora da ação e para a equipe de voluntários, que trabalharam meses antes, durante e após o evento, houve uma satisfação geral quanto ao acesso e divulgação dos conteúdos abordados durante o curso, a palestra e o espetáculo.


Este minicurso em Euritmia representou o final de um ciclo de abertura para novos conhecimentos, e nos permitiu compreender o fato de que o conhecimento quando é experimentado torna-se verdadeiramente incorporado e os resultados encontrados podem ser aplicados em novas situações e multiplicados em várias áreas da ciência, da pedagogia e da arte. Vale salientar, portanto, os desdobramentos que aconteceram quando dessa relação entre a extensão, o ensino e a pesquisa, sendo algumas destas iniciativas, provenientes do nosso pequeno grupo ao qual denominamos Corpo-Conexão.

O Corpo-Conexão tomando “corpo” O que tem despertado interesse em nós como pesquisadoras é a clara relação entre saúde e expressividade nessas abordagens, algumas delas incluídas na categoria da Educação Somática, que inclui técnicas de integração e autodesenvolvimento, abordagens psicossomáticas integradas de revitalização da energia vital. Muitos autores têm afirmado que os métodos de educação somática tem influenciado o ensino e a criação em dança e em teatro. Seria importante a inclusão destas abordagens nos currículos das graduações de uma maneira sistemática, uma vez que elas contribuem para o autoconhecimento de si e do outro, condição primordial para a atuação profissional nessas áreas das artes cênicas. A propósito do trabalho sobre si mesmo, cabe destacar o fato de que a partir da década de noventa apareceu a figura do dramaturgo na área de dança, colaborando para o trabalho do dançarino, que se tornou ao mesmo tempo intérprete e criador. Nesse sentido, ficou mais evidente esta necessidade de dançar o que se é, de ser intérprete de si mesmo, na medida em que o corpo tem sido construído no processo criativo. Por outro lado, a área de teatro tem proporcionado a cada participante o reencontro com a sua corporeidade. Uma proposta sintonizada com a pós-modernidade das artes cênicas permite a valorização de uma consciência corporal voltada para a construção de um vocabulário próprio de cada criador-intérprete. A ênfase tem sido dada sobre as relações entre o som e o movimento, investigados


anteriormente na tese de doutorado (ARAUJO, 2008) “Gestos Cantados: uma proposta em dança-coral a partir de princípios rituais”, cujo resultado demonstrou os benefícios das abordagens de educação integral do corpo, quando se trata da associação entre canto e movimento provenientes dos sistemas cênico/somático e ritual. Essas abordagens consideram o indivíduo em todo o seu potencial, revelando, por outro lado, a força da criação coletiva, do grupo, mudando o foco do indivíduo para as relações que formam uma rede, um “rizoma” (DELEUZE E GUATARRI, 1995) que liga os seres humanos entre si e aos outros seres, à natureza, à cultura, uma rede constantemente realimentada pelo fazer e sentir estético. Nesse caso, o princípio da interculturalidade tem permitido despertar o sentimento antropológico do conhecimento de si a partir da diferença e da alteridade. Assim, as práticas que envolvem dançar e cantar ao mesmo tempo seriam ainda mais abrangentes no que diz respeito à dimensão somática, como é o caso de grande parte do repertório das Danças Circulares Sagradas (DCS) dos povos e culturas. Uma das modalidades de Danças Circulares são as Danças da Paz Universal (DPU)4, cujas canções coreografadas são provenientes de mantras de tradições espirituais antigas. Este aspecto da pesquisa tem tido desdobramento em aulas de Dança Meditativa por mim ministradas atualmente no CEMEI Paulo Rosas, reunindo funcionários da creche e professores do Centro de Educação. 4 Nas danças circulares sagradas, mais recentemente intituladas “Danças Circulares dos Povos”, embora de tradição oral, as músicas foram coletadas e registradas, sendo as danças transmitidas com o acompanhamento de fitas cassetes ou CDs, sistematizadas pelo alemão Bernhard Wosien (1908-1986), que pesquisava danças folclóricas da Europa, adaptando-as à formação circular, influenciando a comunidade de Findhorn, na Escócia. Já as Danças da Paz Universal (DPU), movimento iniciado pelo americano sufi Samuel Lewis, influenciado por Ruth Saint-Denis, que trouxe para a dança moderna americana a cultura oriental, tiveram origem nas danças ghost dos índios Arapaho, tendo desdobramentos no movimento Sufi do Islã, bem como para tradições de outros países e etnias. Assim como os dançarinos nativos norte-americanos, os primeiros dançarinos da paz em São Francisco focaram seus movimentos e vozes para trazer paz e justiça para a Terra. Nas DUP, a dança é acompanhada pela voz cantada, sendo que o corpo atua nos dois registros, ao mesmo tempo sonoro e gestual. Ambas as modalidades de danças circulares são oferecidas em longos cursos de formação de líderes e mentores, em retiros e workshops distribuídos ao longo de cinco anos, aproximadamente.


Nesse sentido, pretendo registrar no edital de fluxo contínuo essa ação que tenho desenvolvido voluntariamente, desde 2012.2. Neste encontro semanal de 1h de duração, desenvolvo aspectos meditativos da dança, aliando educação somática (princípios do Sistema Laban/Bartenieff e BMC - Body-mind Centering) e Danças Circulares Sagradas. Essa prática está em consonância com outras iniciativas de inclusão das danças de roda como recurso educativo5. Vale salientar que as danças circulares vêm sendo utilizadas nos cursos de formação em Pedagogia Waldorf, especialmente pela sua identificação com princípios eurítmicos. Um retorno sobre a eficiência dessas ações que observo é a naturalidade como vem acontecendo os desdobramentos dessas ações, tendo como mais exemplos, no caso do estudo e vivência com as DCS e DPU, as aulas de Danças Circulares e da Paz no Curso de Especialização da Faculdade Angel Viana6, a orientação de monografia em Dança Circular, na UNICAP7, a focalização do Minicurso no CONIC/2012, em Dança Circular e a realização da roda de cânticos e Danças da Paz no II Seminário Voz na Cena (UDESC/UFSC/2012) e no II Encontro de Estudos em Movimento (UFBA/2011). Em termos de aprofundamento teórico e sistematização do conteúdo vivenciado, podemos citar os títulos dos artigos que resultaram dessa relação entre o ensino, a pesquisa e a extensão: O artigo Entre Laban e Steiner: Princípios Organizadores Somático-Performativos foi apresentado no CONFAEB 2013, em conjunto com as alunas PIBIC, onde fizemos comparações entre os princípios encontrados em ambas as abordagens pesquisadas. Voz e Movimento - Pedagogia do corpo mântrico tornouse um capítulo do livro Práticas e Poéticas Vocais II, publicação prevista 5 Vale citar o artigo de Luciana Ostetto (2010), sobre as Danças Circulares na Formação de Professoras e Professores, com o título “Para Encantar, é Preciso Encantar-se: Dança Circular na Formação de Professores”, mostrando justamente como as Danças Circulares têm sido utilizadas em termos educativos. 6 Pós-Graduação em Dança: Práticas e Pensamentos do Corpo. Convênio entre Companhia Compassos de Dança do Recife e Faculdade Angel Vianna do Rio de Janeiro. 7 Dança Circular na Escola: uma contribuição para um ensino qualitativo. Monografia de Simone de Fátima Vasconcelos Ferraz. Curso de Especialização em Arte-Educação. Unicap, 2012.


para 2014; Arte como Paz In-Corpo-Orada- artigo publicado na Revista Repertório Teatro & Dança, nº 18. O Sagrado como Método de Ensino, Pesquisa e Criação foi publicado nos Anais do Encontro de Educação e Espiritualidade, em, 20128. Esses desdobramentos justificam o nome CORPO-CONEXÃO sugerido pela aluna Gabriela Holanda para denominar nossas ações que tem se configurado como grupo de estudo, pesquisa, produção e criação. O CORPO-CONEXÃO tem atraído estudantes de áreas de Teatro, Psicologia, Artes Visuais e Pedagogia, todos dispostos a participar dos Laboratórios de criação cênica/ somática, nossa próxima ação de continuidade, onde poderemos aplicar os princípios estudados e mostrar os resultados expressivos.

Bibliografia ARAÚJO, Márcia V. B. Gestos Cantados: Uma Proposta em Dança-Coral a partir de princípios rituais. Tese de Doutorado. PPGAC, UFBA, 2008. ARAÚJO, M., HOLANDA, G., CAVALCANTE, R. Entre Laban e Steiner: princípios organizadores somático-performativos. CONFAEB 2013. BARTENIEFF, Irmgard e LEWIS, Doris. Body Movement: Coping with the Environment. New York: Gordon and Breach, 1980, Pp. 17-22. Tradução Demian Reis. Título em português: Arquitetura do Corpo. Cadernos do GIPE - CIT , Salvador: UFBA/ PPGAC, 1998, n° 7, pp. 8-14. CAETANO, Patrícia de Lima. Uma Introdução ao Body-Mind-Centering. In: Cadernos do Gipe-Cit Salvador: UFBA/PPGAC, 2008. COHEN, Bonnie Bainbridge. Sensing, feeling, and action. The experimential anatomy of Body-Mind Centering. Northampton: Contact Editions, 1993, p. 85-96. FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa artes cênicas. São Paulo: Annablume, 2006, 2ª. 8 Disponível em http://m40s.com/humanizacao/IEventoEE/6/Autor.html


FORTIN, Sylvie. Quando a ciência da dança e a educação somática entram na aula técnica de dança. Revista PRO-POSIÇÕES. Faculdade de EducaçãoUNICAMP. Vol. 09 Nº. 2, 1998. FOUNDATION DANCES & WALKS: Dances of Universal Peace. A Manual for Mentors, Certified Teaches and Mentees. Copyright 2001, PeaceWorks International Network for the Dances of Universal Peace, 3rd rev ed. FRANCES, Lynn e BRYANT-JEFFERIES, Richard. Dança circular sagrada e os sete raios. São Paulo: Triom, 2004. FROBÖSE, E. E. Euritmia – sua origem e seu desenvolvimento segundo indicações de Rudolf Steiner. Tradução Cláudio Bertalot. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2009. HACKNEY, Peggy. Making Connections. Total body integration through Bartenieff fundamentals.Amsterdam: Gordon andBreachPublishers, 1998, p. 201-216. Tradução: Djane de Almeida Bessa e Djanice de Almeida Bessa. KIRCHNER-BOCKOLT, Margarete. Elementos Fundamentais de Euritmia Curativa. São Paulo: Antroposófica, 2009. LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf. Caminho para um ensino mais humano. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2013. LEWIS, Samuel L. Spiritual Dance and Walk: An Introduction to the Dances of Universal Peace and Walking Meditations of Samuel Lewis. California, Peace Works, International Center for the dances of Universal Peace, 1993. MOGGI, Jair. O espírito transformador: a essência das mudanças organizacionais no século XXI. São Paulo: Antroposófica, 2005. PEES, Adriana. Almeida. Body-Mind Centering e o sentido do movimento em (des) equilíbrio: princípios e técnicas elementares, na criação em dança, pela Poética nas linhas dançantes de Paul Klee. Tese de Doutorado- Instituto de Artes, UNICAMP, Campinas, 2010. _______________________Body-mind centering® e algumas influências de grandes mestres no trabalho de Bonnie Bainbridge Cohen. Anais da abrace, 2012.


‘O Processo de Desenvolvimento do Movimento e da Percepção: Os Padrões Neurológicos Básicos segundo princípios do Body-Mind Centering®› (BMC) Copyright da The School for Body-Mind Centering. Tradução de Rossana Alves - 2013. Ilustrações de Janice Geller, Margaret Guay e Michael John Martin-Ridge. PORTO, Mary. O Ciclo das Mandalas – Uma metamorfose em sete passos. São Paulo: Antroposófica, 2009 RAMOS, Renata C. L. e outros. Danças circulares sagradas - Uma Proposta de Educação e Cura. São Paulo: Triom, 2002 RINPOCHE, Tenzin Wangyal. A Cura através da Forma, da Energia e da Luz. São Paulo: Pensamento, 2005. WERÁ, Kaká - Pajé de tradição tupy-guarani, Notas do Seminário “Trilhas da Evolução, as Dimensões da Cura”. Recife: 2010 WOSIEN, Bernhard. Dança, Um caminho para a totalidade. São Paulo: Triom, 2000 WOSIEN, Maria-Gabriele. Dança, símbolos em movimento. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004. _____________________. Dança sagrada - Deuses, Mitos e Ciclos. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2002.

Sobre a autora: Professora dos Cursos de Dança e Teatro da UFPE. Licenciada em Artes Cênicas (UFPE, 1989), Mestre em Antropologia (UFPE, 1999) e Doutora em Artes Cênicas (UFBA, 2008). Pesquisa e atua principalmente nas seguintes áreas: dança-educação, educação somática, imaginário. Associada à International Network for the Dances of Universal Peace, em processo de Certificação de Líder, sob a supervisão de Anahata Iradah.



NAS SALAS, TELAS E TERREIROS DO CORPO EM FESTA Maria Acselrad

O projeto de pesquisa O Corpo em festa - mapeamento de fontes e referências acerca do corpo em movimento das culturas populares e tradicionais1 encontra-se vinculado ao grupo interdisciplinar de pesquisa Arte, Educação e Diversidade Cultural do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, da Universidade Federal de Pernambuco. Dentre os seus interesses, encontra-se a busca pelas diferentes concepções, processos de preparação, fabricação e transformação do corpo, no campo das culturas populares e tradicionais, articulando métodos e conceitos próprios da antropologia do corpo e da dança (KAEPPLER, 1998; LE BRETON, 2011; CITRO, 2012; ACSELRAD, 2013), que favoreçam a construção de novos olhares sobre este universo. Acreditamos que a identificação de características universais nas danças populares e tradicionais aponta para um tipo de abordagem que leva ao risco de serem invisibilizados aspectos singulares que compõe a diversidade deste campo e reforça a necessidade de suas expressões serem compreendidas, em contexto. Por isso, uma característica que define a natureza do projeto de pesquisa em questão diz respeito à relação estabelecida com o campo, considerado como heterogêneo e, necessariamente, presencial. Todas as integrantes do projeto desenvolvem pesquisas, junto a diferentes tradições, de modo que a produção de conhecimento produzida coletiva e individualmente, venha a contribuir para uma visão mais complexa deste universo. A isso se soma o fato de que tais pesquisas têm como procedimentos metodológicos: o registro, a análise e o aprendizado, com base em trabalho 1 Na época da realização do I Seminário de Pesquisa e Extensão em Artes, o projeto contava com a participação das alunas Raíssa Fonseca e Uana Mahin.


de campo, favorecendo o contato direto e dinâmico com um universo cultural, que se encontra em constante processo de transformação. A reflexão que trazemos através deste artigo diz respeito aos projetos de extensão, ligados ao projeto de pesquisa O Corpo em Festa. Realizados com o intuito de promover um debate acerca da necessária interlocução entre diferentes contextos de produção de saberes sobre o corpo e a dança, tais projetos têm promovido o reconhecimento e a valorização de discursos, problematizado imagens e representações e estimulado a reflexão e a prática sobre a transmissão de saberes das danças populares e tradicionais. A pesquisa e a extensão são áreas que podem articular-se de forma extremamente dialógica, difundindo conhecimentos produzidos no âmbito da universidade, assim como: outros conhecimentos práticos, considerados úteis cuja partilha por pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades epistêmicas mais amplas que convertem a universidade num espaço público de interconhecimento onde os cidadão e os grupos sociais podem intervir sem ser exclusivamente na posição de aprendizes (SANTOS, 2004, p. 77).

Palavra de Mestre – reconhecendo discursos Os três projetos de extensão aos quais nos deteremos neste artigo encontramse interligados entre si. Para efeito de análise, no entanto, discutiremos um a um, chamando a atenção para as questões suscitadas por cada um deles. O primeiro deles, Palavra de Mestre – ciclo de palestras com mestres e aprendizes das culturas populares e tradicionais, foi realizado em novembro de 2011. Visando promover o debate e a reflexão acerca das danças populares e tradicionais, através da realização de uma série de encontros, com a participação de mestres e aprendizes de tradições populares, o projeto promoveu a discussão acerca das histórias de vida, processos de transmissão de saberes, preparação e construção corporal, escolhas estéticas, diálogo entre linguagens artísticas, mudanças e permanências no universo da tradição.


O ciclo contou com a participação de: Aguinaldo Silva, brincador do Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado, Jáflis Nascimento, passista de frevo e filho do mestre Nascimento do Passo, Paulinho 7 Flechas, puxante do Caboclinho 7 Flexas de Água Fria e filho do mestre Zé Alfaiate, Barachinha, mestre do Maracatu de Baque Solto Leão Mimoso de Upatinhinga, Beth de Oxum, conquista e coordenadora do Coco de Umbigada do Guadalupe, Mestre Meia Noite, mestre de capoeira e um dos coordenadores do grupo Daruê Malungo e Dona Marivalda, rainha do Maracatu de Baque Virado Estrela Brilhante, do Alto Zé do Pinho.


Dentre as principais questões levantadas durante a realização do projeto, mereceriam destaque as seguintes: que saberes são priorizados na construção do aprendizado do dançarino? Que processos históricos e culturais fizeram com que alguns saberes fossem preteridos em relação a outros? Qual é o papel da universidade neste processo de constante avaliação sobre o que deve ou não ser transmitido? Como pode ser promovido o acesso dos alunos aos saberes que não se encontram de forma expressiva dentro dos espaços de transmissão da universidade? Como a história de vida tem papel fundamental no processo de aprendizado de mestres das danças populares e tradicionais? Quanto da vida de um dançador atravessa seu processo de ensino e aprendizado? Quais são as possibilidades de atuação de mestres e aprendizes da tradição no mundo contemporâneo? Inevitável lembrar-se do depoimento de Jáflis Nascimento, passista de frevo e filho de Nascimento do Passo, que ao declarar sua satisfação com o projeto, confessou emocionado que até aquele momento “a universidade permanecera de costas para a memória e atuação do seu pai”. Ou ainda, depoimentos como os de integrantes do público ali presente: “Fico muito feliz em ver nossas referências de vida tendo o merecido espaço dentro da academia! Esse conhecimento não se aprende com giz. É a vida vivida!”, como afirmou o percussionista Guga Santos ou ainda: “Comunidades reconhecendo, enaltecendo os saberes de outras comunidades”, segundo Marcone Alves, coordenador do Ponto de Cultura Tecer e do Laboratório de Intervenção Artística Laia. A realização deste projeto contribuiu para o reconhecimento e a valorização dos discursos de mestres e aprendizes, acerca das suas formas de transmissão de saberes e processos de aprendizado. As danças populares e tradicionais são heterogêneas e precisam ser estudadas criteriosamente. É possível e necessário reconhecer o valor e a potência desses processos de ensinoaprendizagem. Essa experiência evidenciou o quanto a universidade pública precisa manter suas portas e janelas abertas para saberes que se constroem com base em diferentes fundamentações estéticas e pedagógicas. A possibilidade de estimular a troca de conhecimento entre a universidade e a comunidade significou vislumbrar possibilidades múltiplas para


esta relação. Reconhecer a transmissão de saberes fora dos muros da universidade, articulando-a ao conhecimento científico, sem estabelecer ou reforçar hierarquias historicamente construídas, possibilitou a difusão de outras visões e entendimentos sobre a dança, que nos parecem necessárias ao processo de formação de nossos alunos.

Piapaí - desconstruindo imagens O projeto Piapaí - mostra de vídeo e debate, realizado entre maio e dezembro de 2012, teve como objetivo mapear e difundir uma produção audiovisual ligada a temas que pudessem interessar às comunidades onde se situavam os grupos de dança ou de tradições populares que receberam o projeto, este de caráter itinerante. Através de exibições, seguidas de debate, buscava-se estimular a reflexão sobre a imagem e a representação das danças populares e tradicionais, difundindo um olhar contemporâneo sobre elas. Ao todo, foram realizadas cinco edições, em diferentes comunidades de Recife e Olinda. A primeira edição do projeto foi realizada na sede do Daruê Malungo, Chão de Estrelas, onde foi exibido o filme: “Balé de Pé no Chão - a dança afro de Mercedes Batista” (2005), de Marianna Monteiro e Lílian Santiago. Na segunda edição, foi exibido o filme “Artes da Capoeira” (2008), de Josias Pires Neto, no Centro de Capoeira São Salomão, no Pina. A terceira edição aconteceu na sede do Ponto de Cultura Coco de Umbigada, Guadalupe, coordenado por Beth de Oxum, onde foram exibidos os filmes “O Coco Alagoano” (1993), de Telma César e Elisabeth Menezes e “O coco, a roda, o pneu e o farol” (2007), de Mariana Brennand. A quarta edição foi realizada no Centro de Educação Popular Maílde Araújo, onde ensaia o grupo Deveras, em Brasília Teimosa, quando foi exibido “A Batalha do Passinho – o filme” (2012), de Emílio Domingos. E a quinta edição teve como objetivo exibir clássicos da produção audiovisual etnográfica, como “Tambores de Outrora” (1971) e “Mestres Loucos” (1955), de Jean Rouch, no Terreiro de Santa Bárbara - Ilê Axé Oyá Meguê, da Nação Xambá, Portão do Gelo, Olinda. Todas as edições contaram com a participação de debatedores da própria comunidade e da universidade. Foram eles, respectivamente: Vilma Carijós


(Daruê Malungo) e Rita Voss (Educação/UFPE), Mestre Mago (capoeira São Salomão) e Gabriela Santanna (Dança/UFPE), Beth d´Oxum (Coco de Umbigada) e Telma César (Dança/UFAL), Mika Silva (Balé Deveras) e Valéria Vicente (Dança/UFPB) e, por fim, Hildo Leal (Nação Xambá) e Camilo Soares (Cinema/UFPE).


Dentre as principais questões levantadas pelo projeto, nos chamaram a atenção as seguintes: quais são as imagens e representações das danças populares e tradicionais na produção audiovisual exibida? Que relações existem entre linguagem e identidade? Como são discutidas e representadas as origens, transformações e mediações entre as danças em foco? Quais as semelhanças históricas e culturais entre elas? Como podem ser potencializadas as ações e atuações de pesquisadores, realizadores, educadores e dançarinos para que a imagem e a representação acerca das danças populares e tradicionais sejam cada vez melhor refletidas nas telas? Os entendimentos obtidos a partir da exibição e da discussão dos filmes deram acesso a novas perspectivas sobre as danças em discussão. Desconstruir uma tendência naturalizante referente ao que nos condicionamos a chamar de dança afro, por exemplo, percebendo sua heterogeneidade e complexidade como gênero, relacionado às experiências


de desenvolvimento de uma dança moderna brasileira, assim como as suas características técnicas, tão peculiares como as das danças clássicas europeias difundidas no país, foi um dos impactos resultantes da realização da primeira edição, em Chão de Estrelas, com a exibição e discussão sobre o filme “Balé de Pé no Chão - a dança afro de Mercedes Batista” (2005), de Marianna Monteiro e Lílian Santiago. Há muito o que ser desestabilizado, no que diz respeito à produção e reprodução de hierarquias construídas historicamente, relativas a imagens e representações. Para além da realização da mostra, foram de enorme valor as discussões, questionamentos, entendimentos obtidos a partir da exibição e discussão dos filmes, compartilhados no debate, bem como a possibilidade de construir outras perspectivas sobre as danças, a partir do ponto de vista de quem a produz, alimenta e transforma.

Terreiros de Criação - incorporando práticas O terceiro projeto de extensão realizado pelo O Corpo em Festa aconteceu em abril de 2013. A realização de oficinas de dança com brincadores e artistas-pesquisadores das tradições populares da região nordeste do Brasil, se deu através de cinco encontros, em que foram oferecidas oficinas de caboclinho, frevo, cavalo-marinho, com brincadores destas tradições, assim como oficinas de coco alagoano, cacuriá e tambor de crioula maranhense com artistas-docentes e artistas-discentes de universidades públicas do país. Ao longo dessas oficinas foram apresentadas diferentes concepções estéticas, lógicas de organização corporal, princípios de movimento, possibilidades técnicas, fundamentações filosóficas, pedagógicas e metodológicas desenvolvidas nos mais distintos terreiros da tradição e contextos acadêmicos.


Identificar e experimentar processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos no contexto das tradições populares; apresentar possibilidades de relação artístico-pedagógica com este universo, desenvolvidas por artistas-pesquisadores cuja atuação é significativa nesta área; atender a demanda de alunos do Curso de Licenciatura em Dança e demais cursos do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, assim como da comunidade em geral por um espaço e tempo de aprofundamento técnico,


artístico e analítico sobre as danças populares e tradicionais foram alguns dos objetivos deste projeto. Somados ao desejo de mestres das culturas populares e tradicionais, por oportunidades que promovam conexões de saberes, sejam eles desenvolvidos em terreiros ou em salas de aula, ambos espaços legítimos de criação, representaram a coroação de uma iniciativa que teve início no projeto Palavra de Mestre. A programação contou com a participação de Aguinaldo Silva, do Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado, Telma César, dançarina, coreógrafa e professora do Curso de Dança da UFAL, Paulinho 7 Flexas, do Caboclinho 7 Flexas de Água Fria, Juliana Manhães, dançarina, pesquisadora e doutoranda do PPGAC/UNIRIO e Luciano Amorim, passista de frevo do grupo Brincantes das Ladeiras, de Olinda. Investigar, experimentar, compreender diferentes processos de ensino e aprendizagem das danças populares e tradicionais seja nas ruas, nas rodas, nos palcos, nas escolas, nas universidades, nos mais diferentes terreiros da criação, foi um dos principais resultados desta iniciativa. Dentre as principais questões levantadas pelo projeto, poderiam ser aqui destacadas: quais as características do ensino e do aprendizado nos terreiros? Quais as características do ensino e do aprendizado nos contextos formais da educação? Quais são as diferenças em relação ao tempo? E em relação ao espaço? Quais as semelhanças e diferenças entre o processo de aprendizado e o de transmissão? Quais as contribuições técnicas, pedagógicas e criativas que essas danças possibilitam? Que teorias e metodologias amparam as diferentes abordagens sobre essas danças? Quais as relações possíveis entre as diferentes formas de dança contemporânea e das danças populares e tradicionais? Qual a importância do trabalho de campo no processo de pesquisa e criação? Embora tais danças possam ser consideradas em constante processo de mudança, articulando um entendimento particular de tradição, que pressupõe também a criação, é preciso reconhecer a existência de métodos de ensino e aprendizagem entre as danças populares e tradicionais. Se a história de vida influencia diretamente na prática pedagógica, os processos


de interlocução com este universo também são bastante variados, envolvendo o interesse por passos, estruturas, lógicas, princípios, o que aponta para todo um universo de possibilidades relacionais.

Considerações Finais Assim como o aprendizado em dança envolve um processo de transformação do corpo, acreditamos que a este, deve estar relacionada uma mudança na perspectiva como estas danças costumam ser vistas e compreendidas. Através do reconhecimento de discursos e práticas, assim como de uma problematização e relativização da imagem e da representação que se costuma ter dessas danças, novas formas de se movimentar podem ser experimentadas. É impossível pensar tais danças sem uma reflexão prévia acerca da natureza do olhar que se lança para elas. Ao estudar e observar as danças populares, escapa ao olhar do estudioso o sentido que lhe dá o popular no contexto da festa no qual se articulam significados simbólicos e religiosos, compartilhados pela comunidade da qual ele faz parte. Existem códigos internos e nada subjetivos, a reger cada manifestação, e desconhecê-los impede a apreciação da expressão peculiar dessas comunidades. (MONTEIRO, 2011, p. 44)

A interlocução entre pesquisa e extensão é um aspecto importante das atividades desenvolvidas pelo projeto de pesquisa O Corpo em Festa. As questões que alimentam o grupo de pesquisa são difundidas nos projetos de extensão que depois retornam aos espaços de pesquisa, seja como conteúdo, abordagem teórica ou procedimento metodológico, num ciclo que se retroalimenta. Vale chamar atenção para o fato de que, nas iniciativas desenvolvidas pelos projetos aqui apresentados, o espaço dado aos mestres e aprendizes das tradições populares, permite com que eles possam, enquanto professores, compartilhar suas experiências de vida, tendo reconhecidos e legitimados, seus discursos e práticas, no âmbito de uma instituição de ensino pública e federal, através de um movimento de mão dupla, que envolve tanto a


ida de alunos aos terreiros da tradição, como é o caso das aulas de campo realizadas no âmbito do ensino, neste artigo não discutidas, como a atuação de mestres nos espaços da universidade. Outro aspecto importante que caracteriza essas iniciativas diz respeito ao poder de questionamento e contestação de estereótipos que, geralmente, recorrem à oposição criação-repetição, teoria-prática, contemporâneopopular para explicar as dinâmicas pertinentes a este universo cultural. A imagem e representação das danças populares e tradicionais precisa definitivamente passar por um processo que envolve “mover pensamentos e repensar movimentos” (CITRO, 2012). No entanto, se por um lado, essas iniciativas revelam interessantes e promissoras oportunidades de criar espaços e tempos para que outras formas de ver, compreender e fazer a dança sejam veiculadas na universidade, por outro lado, tais oportunidades carecem de continuidade e aprofundamento necessários. A falta de periodicidade dos editais, os escassos recursos, a inadequação de rubricas pertinentes à natureza dos projetos desenvolvidos, a ausência de apoio para as pesquisas coordenadas por professores mestres, faz com que muitas vezes, tenhamos a impressão de estarmos nadando contra a corrente, invadindo brechas e ocupando fendas. As zonas de fronteira podem ser espaços de intensa liberdade e experimentação, dada a sua permeabilidade (THRALL E RAMOS, 2007). Seja entre linguagens, áreas de atuação, contextos de produção de saber. Porém, somente quando discursos historicamente postos à margem forem amplamente reconhecidos, quando imagens e representações préconcebidas forem de todo desconstruídas e quando práticas significativas forem sensivelmente incorporadas aos nossos repertórios relativos a modos de ser é que de fato se constituirá um lugar para as danças populares e tradicionais na universidade.


Referências ACSELRAD, M. Viva Pareia! – corpo, dança e brincadeira no cavalomarinho de Pernambuco. Recife: Editora UFPE, 2013. CAVALCANTI, M. L. V. C. Cultura e saber do povo: perspectiva antropológica in: Patrimônio Imaterial, Tempo Brasileiro, n. 147. Rio de Janeiro: out.-dez, 2001, p. 69-78. CAVIGNAC, J. & CHIACCI, A. “Ouvir a cultura: Antropólogos, Memórias, Narrativas” in: Antropologia e Patrimônio Cultural: diálogos e desafios contemporâneos, (org.) Manuel Ferreira Lima Filho, Cornelia Eckert e Jane Beltrão, Blumenau: Nova Letra, pp. 319-342, 2007. CITRO, S. (org.). Cuando escribimos y bailamos – genealogias y propuestas teórico-metodológicas para uma antropología de y desde las danzas in: CITRO, Silvia e ASCHIERI, Patricia (org.) Cuerpos em movimiento – antropologia de y desde las danzas, Buenos Aires: Biblos, 2012, p. 17-64. GUILCHER, Y. “La danse traditionnelle entre manière d´être e façon de faire” in: Être Ensamble – figures de la communauté em danse depuis Le XX siècle. (org.) Claire Rousier, Pantin: Centre National de La Danse, 2003. KAEPPLER, A. A dança segundo uma perspectiva antropológica. (Tradução livre: Giselle G. A. Camargo [UFPA]; do original La danse selon une perspective anthropologique. In: Nouvelles de Danse 34 et 35: Danse Nomade – Regards d’Anthropologues et d’Artistes. Bruxelles: Contredanse, 1998, p. 24-46. LE BRETON, D. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011. MONTEIRO. M. F. M. Dança popular: Espetáculo e Devoção, São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011. SOUSA SANTOS, B. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. - 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010.


THRALL, K. e RAMOS, A. (org.). Artes cênicas sem Fronteiras, Guararema, SP: AnaDarco Editora, 2007. VIANNA, H. Tradição da mudança: a rede de festas populares brasileiras, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Patrimônio Imaterial e Biodiversidade. IPHAN, Rio de Janeiro, nº 32, 2005, p. 302-315.

Sobre a autora: Dançarina, pesquisadora e professora do Curso de Dança do Depto. Teoria da Arte e Expressão Artística, da UFPE. Bacharel em Ciências Sociais pelo IFCS-UFRJ, especialista em Etnomusicologia pela UFPE e mestre em Antropologia e Sociologia pelo PPGSA-UFRJ. Desde 2010, coordena o projeto O Corpo em Festa e os projetos de extensão a ele relacionados. Publicou Viva Pareia! – corpo, dança e brincadeira no Cavalo-Marinho de Pernambuco (2013).


SOMOS ALFABETIZADOS EM ARTE? Ronaldo da Silva Milena Leite de Azevedo Maria Betânia e Silva

Esse texto apresenta um conjunto de estudos que objetivou identificar experiências e contatos com a arte que, possivelmente, contribuiram para o percurso de alfabetização artística de crianças, adolescentes e adultos. O primeiro estudo está centrado em um grupo de estudantes que optou por sua formação profissional em Artes Visuais. Foram investigadas experiências e também contatos com a arte que esse grupo vivenciou desde a infância até o momento de entrada na universidade. O segundo estudo realizou uma intervenção em uma turma de adolescentes de uma escola pública, da região metropolitana do Recife, aplicando a visualização e discussão de filmes artísticos. O terceiro estudo se debruçou sobre um projeto pedagógico voltado às práticas em arte para crianças e adolescentes que circulavam no entorno da Universidade Federal de Pernambuco. Assim, os estudos dialogam entre si na busca de compreender se as diferentes experiências observadas trazem elementos que se agregam ao processo de alfabetização artística dos sujeitos. O foco, direcionado ao diálogo entre diferentes áreas de conhecimento, a educação e a arte, busca trazer à tona reflexões sobre o conceito de alfabetização, amplamente discutido no campo da educação. Nesse direcionamento, algumas indagações são evidenciadas como, por exemplo, é possível afirmar a existência de uma alfabetização artística? Experiências vivenciadas nas trajetórias de vida dos estudantes contribuem para um processo de alfabetização artística? Que elementos são significativos para a construção do capital cultural artístico dos estudantes? Quais aproximações


e vivências com a arte têm os estudantes antes de chegar à universidade? Por que escolheram o curso superior de artes visuais para sua formação profissional? Que elementos da alfabetização artística contribuem para uma leitura de um filme artístico e em práticas de atelier? A leitura de um filme artístico e a prática em atelier contribuem para o desenvolvimento artístico e estético dos sujeitos? Que aspectos se destacam no processo de compreensão e incorporação das imagens? Que compreensões têm os alunos ao visualizarem os filmes e exercitarem a prática artística? Diante dessas interrogações é possível pensar no conceito de alfabetização, na concepção abordada no campo da educação, também, para o campo da arte? É possível afirmar a existência de uma alfabetização artística? Qual é o código da alfabetização artística? É possível considerar um tempo necessário para o desenvolvimento de uma alfabetização artística e estética na escola? Que elementos do ensino são considerados para o processo de alfabetização artística e como eles são veiculados na escola? Alguns conceitos nos ajudam a refletir sobre os questionamentos postos como, por exemplo, alfabetização, alfabetização artística e educação do olhar. Nesse sentido, os estudos de Graff (1994), Soares (2009), Dondis (2007) e Pillar (2002) são alguns dos autores/pesquisadores que contribuíram para o debate. Os desafios trazidos, pela pesquisa, para o debate contribuem para ampliar o próprio conceito de alfabetização estudado, debatido e aprofundado no campo da educação e também no campo da arte, por se tratar de uma temática pouco explorada e estudada que é a alfabetização artística. Além disso, a busca se centra em diálogos e debates teóricos que contribuam para fundamentar, refletir e ampliar conceitos que perpassam diferentes objetos de investigação, em diferentes áreas de conhecimento. Assim, auxiliar e contribuir para ampliar a compreensão sobre os processos de formação artística de indivíduos; identificar o papel da escola no processo de alfabetização artística e estética; analisar os processos de transmissão e incorporação da arte construídos pelos sujeitos em seus percursos individuais, familiares e sociais são alguns dos objetivos a atingir que podem contribuir para o enriquecimento das discussões postas pelos campos.


Mas, o que significa alfabetização? Alfabetização é a ação de alfabetizar. Alfabetizar é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever, assim define Soares (2009). Porém, essa referência diz respeito à alfabetização verbal. Seria possível, então, pensar o uso do conceito para outras áreas de conhecimento? A autora explica que o sujeito alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever. Logo, conhecedor do alfabeto. O sujeito analfabeto é aquele que não conhece o alfabeto e que não sabe ler e escrever. Aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia: a de codificar em língua escrita e decodificar a língua escrita. Buscando ampliar e complexificar o debate trazemos o conceito para o campo da arte com o intuito de pensar se existe um processo de alfabetização artística e se, além disso, podemos dizer que existem sujeitos alfabetizados artisticamente e sujeitos analfabetos artisticamente. Existem sujeitos alfabetizados ou em processo de alfabetização artística? O que significa aprender a ler e escrever artisticamente? Que tecnologia é necessário adquirir para codificar a arte e decodificar a arte? Os conceitos e processos referentes à alfabetização verbal já foram e continuam sendo amplamente discutidos, especialmente, no campo da educação. Algumas tarefas abordadas como pressupostos básicos para o estudo e interpretação da alfabetização foram estruturadas por Graff (1995), historiador americano. Sendo um dos pioneiros das abordagens revisionistas da história da alfabetização na América do Norte e Europa, ele apresenta três tarefas dizendo que é preciso, primeiramente, uma definição consistente que sirva comparativamente ao longo do tempo e através do espaço. Níveis básicos ou primários de leitura e escrita constituem os únicos sinais ou indicações razoáveis que satisfazem este critério essencial. A segunda tarefa apontada pelo autor se direciona a ênfase na alfabetização como uma tecnologia ou conjunto de técnicas para a comunicação, a decodificação e reprodução de materiais escritos ou impressos. Por fim, a terceira tarefa necessária para o estudo e interpretação da alfabetização abordada por Graff (1995) é compreender que a alfabetização


é uma habilidade aprendida ou adquirida de uma forma que a habilidade oral ou os modos não-verbais não o são. Ele afirma que devemos reconhecer que não existe uma alfabetização, mas há necessidade de se fazer e de manter coerentemente distinções entre as diversas formas de alfabetização: a alfabética, a matemática, a gráfica, a visual, a musical, a física, a oral etc. Graff (1995) mesmo amplia o conceito de alfabetização afirmando existir uma pluralidade, ou seja, alfabetizações e não apenas uma alfabetização e, ainda, que a habilidade aprendida ou adquirida também é plural. Nesse sentido, uma pessoa pode ser capaz de ler, mas não ser capaz de escrever. Ou lê fluentemente, mas escreve muito mal. Os dois processos são completamente distintos. A leitura, como uma tecnologia, é um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas que se estende desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos. A leitura é um processo de relacionar símbolos escritos a unidades de som e é também o processo de construir uma interpretação de textos escritos. A escrita, como uma tecnologia, é também um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas, mas habilidades fundamentalmente diferentes daquelas exigidas pela leitura. As habilidades de escrita estendem-se da habilidade de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor potencial. A escrita é um processo de relacionar unidades de som a símbolos escritos e é também um processo de expressar ideias e organizar o pensamento em língua escrita. Trazendo a reflexão para o campo da arte, Dondis (2007) utiliza o termo alfabetização visual e diz que ela implica compreensão e meios de ver e compartilhar o significado a certo nível de universalidade. A realização disso exige que se ultrapassem os poderes visuais inatos do organismo humano, além das capacidades intuitivas em nós programadas para a tomada de decisões visuais, numa base mais ou menos comum, e das preferências pessoais e dos gostos individuais. Ao aprender a ler e escrever começamos sempre pelo nível elementar e básico, decorando o alfabeto. Esse método tem uma abordagem correspondente no ensino do alfabetismo visual. Conforme a autora, cada


uma das unidades mais simples da informação visual, os elementos, deve ser explorada e aprendida sob todos os pontos de vista de suas qualidades e de seu caráter e potencial expressivo. Seu reconhecimento ou sua utilização deve elevar-se a um nível mais alto de conhecimento que os incorpore tanto à mente consciente quanto à inconsciente para que o acesso até eles seja praticamente automático. Devem estar ali, devem ser percebidos, mas não soletrados como acontece com os leitores principiantes. Para que nos considerem verbalmente alfabetizados é necessário que aprendamos os componentes básicos da linguagem escrita, quais sejam as letras, as palavras, as frases, a ortografia, a gramática e a sintaxe. Se dominarmos a técnica qualquer um de nós é capaz de produzir uma infinidade variada de soluções criativas além de desenvolvermos um estilo pessoal. Logo, o alfabetismo pressupõe que um grupo compartilhe o significado atribuído a um corpo comum de informações. Ser alfabetizado é dominar o código da escrita e da leitura. E o domínio do código alfabético pressupõe o domínio de uma tecnologia específica. Então, existe também um código da escrita da arte? Existe um código da leitura da arte? Podemos fazer essa relação na mesma proporção que a alfabetização verbal? Mas, o campo da arte traz inúmeras complexidades e elementos que ultrapassam o simples domínio de um código. Em muitas situações, por exemplo, a atribuição de significados não necessariamente está condicionada ao domínio do código. Caso, que não pode ser direcionado à alfabetização verbal, uma vez que o significado está diretamente conectado ao domínio do código. Nessa direção, se utilizarmos o exemplo da experiência visual, podese atribuir infinitos significados ao visualizarmos uma imagem artística, mesmo sem dominar o código da escrita artística. Diferentemente da experiência verbal, pois se não sei ler, posso visualizar o texto escrito, mas não será possível atribuir significados ao que está contido nele apenas ao visualizá-lo. Para tanto, seria necessário que alguém o lesse e pelo processo auditivo poderia, então, atribuir significados. Nesse caso, já partiríamos para outra forma de alfabetização: a auditiva.


Pensando sobre a interligação de nossos sentidos biológicos e seu papel para a compreensão do mundo em que vivemos levantamos alguns questionamentos que se evidenciam ao pensar o visual: expandir nossa capacidade de ver significa expandir nossa capacidade de entender uma mensagem visual e também de criar uma mensagem visual? Para expandir nossa capacidade de ver é necessário percorrer um processo de educação do olhar? O que é uma educação do olhar? Isso se faz? Como? Para Pillar (2002) só quando se passa do limiar do olhar para o universo do ver é que se realiza um ato de leitura e de reflexão. Ver significa perceber o objeto em suas relações com o sistema simbólico que lhe dá significado. Ao ver é preciso decodificar os signos de uma cultura e compreender o sentido que criam a partir do modo como estão organizados. Porém, é importante ressaltar que os sentidos e os significados são dados por meio dos referenciais que possui o leitor. Assim, se entendemos o ver como um produto de uma inteligência humana, isto significa que ele é inerente a qualquer indivíduo, dotado ou não da capacidade biológica da visão, apesar das influências construídas e recebidas historicamente, culturalmente, geograficamente, entre outras. Uma educação do olhar pode, então, elevar nossa capacidade de avaliar acima da aceitação ou não, meramente intuitiva, de uma manifestação visual qualquer. Isso poderia, ainda, proporcionar uma compreensão mais fácil dos significados assumidos pelas formas visuais, aumentando o efeito da inteligência humana e ampliando o espírito criativo. Então, para o campo da arte não podemos considerar analfabeto um sujeito que não sabe escrever artisticamente. Pois, haverá sempre o processo de leitura, entendendo-a, neste campo específico, que ela parte de um repertório que o próprio sujeito já traz consigo. Sua leitura e compreensão imagética terão como ponto de partida os seus referenciais, previamente, acumulados. Essa reflexão compartilha com o que Graff afirma sobre a escrita e a leitura como processos completamente distintos. Como nosso estudo objetivou compreender por meio de que modos e processos se constitui o percurso de alfabetização artística de indivíduos,


buscamos refletir e investigar experiências significativas relacionadas à arte que ficaram registradas na memória de sujeitos tentando entender o papel da família, da escola e da rede de relações como instâncias iniciais que podem e ou puderam proporcionar o contato com a arte ou experiências artísticas. A primeira pesquisa citada no início do texto foi realizada com 43 sujeitos que optaram por sua formação superior no curso de Licenciatura em Artes Plásticas da Universidade Federal de Pernambuco. A escolha dos sujeitos se deu por meio de convite a duas turmas de estudantes da Licenciatura. A maioria deles está ainda cursando e encontra-se entre o quinto e o sétimo períodos. Outros já se formaram. O estudo coletou memoriais escritos pelos sujeitos que contêm suas experiências com arte vivenciadas em suas trajetórias de vida, desde a infância até a escolha do curso superior. Aplicamos também questionários com perguntas abertas direcionadas às experiências significativas com arte na escola. As categorias de análise utilizadas para os dados coletados foram as experiências com arte na família, na escola e extra-escolares; a rede de relações; a influência da TV; a escolha do curso superior e o significado pessoal da arte.

Experiências com arte na família Ao analisarmos os dados coletados, através dos memoriais produzidos pelos sujeitos da pesquisa, percebemos uma grande variedade de experiências relacionadas à arte que foram vivenciadas no interior das próprias famílias. Dos 43 sujeitos, 23 deles enfatizaram ter recebido muitos estímulos para desenhar quando crianças. Ora era o pai ou a mãe, ora era a avó ou um tio ou tia. Apenas dois deles destacaram a influência recebida de irmãos ou irmãs. Os estímulos evidenciados fazem referência às experiências de viagem realizadas com a família; presentes recebidos de materiais de arte; a possibilidade de acesso a diferentes instrumentos como lápis de cor, tinta, massa de modelar, argila, areia, madeira; a paixão de irmãos por história em quadrinhos; a guarda, pelos pais, dos desenhos produzidos e o acesso a livros diversos.


Outras vivências se uniram aos estímulos recebidos ainda na infância como, por exemplo, a biblioteca do pai que possuía livros sobre museus e arte. O pai que produzia bonecos com materiais recicláveis que estimulavam a imaginação; a mãe que confeccionava roupas e utilizava o jogo de cores e estampas continuamente; o gosto do pai pelo artesanato popular; a produção de quadros, com recortes geométricos, feita pelo pai; a mãe que estimulava a observação de imagens quando levava o filho à igreja; a criação de histórias e papéis feitos com objetos e indumentárias na casa da avó etc. Em alguns casos, os sujeitos tiveram, antes mesmo de chegar ao ensino formal, a possibilidade de experimentar aulas de dança, teatro e música. Dialogando com Dondis (2007) é necessário ultrapassar os poderes visuais inatos do organismo humano, além das capacidades intuitivas em nós programadas para a tomada de decisões visuais e das preferências pessoais e dos gostos individuais. Nessa perspectiva, no interior da primeira célula social que vivenciamos, o papel da família apresenta-se de forma extremamente significativa nos contatos iniciais com a arte ou experiências artísticas seja pela própria riqueza da vivência, seja pelos estímulos proporcionados ao desenvolvimento dos sentidos. Um dado importante a destacar é a identificação de que, pelo menos, em 13 famílias havia alguém envolvido com a arte, que trabalhava em atividades artísticas ou com artesanato ou, ainda, tinha algum membro que era profissional artista. Então, podemos dizer que essas experiências iniciais contribuem para o desenvolvimento de uma leitura da arte, entendendo a leitura, conforme Graff (1995), como um processo de relacionar símbolos escritos e construir uma interpretação de textos escritos?

Experiências na escola e extra-escolares Na educação formal muitos dos sujeitos apontaram o papel da escola como principal contato com a história da arte, a visita a outros espaços como museus, o estímulo ao uso das bibliotecas, as mais diversas experimentações no que diz respeito às atividades realizadas no interior das próprias aulas. Por exemplo, discussão sobre o visto; exercício da escrita sobre a própria


produção; leituras sobre artistas; atividades marcantes com diferentes materiais; a participação em concursos com todos os alunos da escola; a realização de feiras de arte; a produção de livro infantil com ilustrações em tecido; competições de desenho; experiências com a música, o teatro e a dança. Atividades de desenho, pintura, colagem, modelagem, dobradura, cartazes, carimbos foram alguns dos exemplos apontados. O contato com a tradição local, suas festividades culturais também se apresentou destacadamente, sobretudo, relativo à participação nas festividades populares, principalmente, juninas. Hobsbawn (2012) afirma que é natural que qualquer prática social que tenha de ser muito repetida tenda, por conveniência e para maior eficiência, a gerar certo número de convenções e rotinas, formalizadas de direito ou de fato, com o fim de facilitar a transmissão do costume. Desse modo, a vivência continuada, ao longo dos anos, nas festividades culturais da cidade possibilita o fortalecimento e ou manutenção de uma tradição e sentimento de pertencimento. A pluralidade de experiências vivenciadas, ao longo do tempo, mostra que após anos algumas experiências ficaram registradas na memória com uma riqueza de detalhes e expressões que remontam momentos vividos com intensa emoção e prazer. Um dos sujeitos descreve: “(...) o contato com a massa de modelar. Até o cheiro me conduz àquela época. Colegas e professores viviam pedindo pra desenhar. Meus cadernos eram repletos de desenho por toda parte” (R.A.)2. A descoberta e exploração das cores e das inúmeras possibilidades de experimentações também foi um dos exemplos destacados: “(...) lembro de várias técnicas com o giz de cera, a anilina, o nanquim, a água sanitária sobre o papel colorido” (M.M.). Com referência às experiências extra-escolares, identificamos uma série de participação em cursos promovidos por outras instituições. Seja cursos de desenho, escultura e pintura, seja de dança ou música. Além disso, curso de fotografia, de moda, de artesanato, de animação, de modelagem, de 2 Embora todos os sujeitos da pesquisa tenham autorizado utilizar suas identificações, optamos por preservar suas identidades fazendo referência apenas às iniciais de seus nomes.


estamparia etc. Ou práticas iniciadas que traziam algum retorno financeiro como, por exemplo, confecção visual de shows de rap, hardcore e punk, decoração de quartos infantis, igrejas, lojas, painéis para feira, pintura em camisas e cartazes. Assim, é possível afirmar que o contato e a vivência, das diversas experiências apontadas pelos sujeitos, nos espaços escolares e extraescolares contribuíram para uma aprendizagem e ou identificação de alguns dos componentes básicos dos códigos da arte. Se para a alfabetização verbal ser alfabetizado é dominar o código da escrita e da leitura, para a alfabetização artística ser alfabetizado é dominar o código da produção artística e da leitura da arte?

A rede de relações estabelecida A rede de relações estabelecida, no decorrer do tempo, se conecta com uma série de dependências que a vida em sociedade estabelece. No entendimento de Elias (1994) os seres humanos estão ligados, uns aos outros, por formas específicas de dependência recíprocas. Essas dependências variam de acordo com a complexidade de cada sociedade, portanto, quanto mais complexas forem as funções e a divisão do trabalho em uma sociedade, por exemplo, mais fortes serão as relações de interdependência. Ao ampliar a rede de relações pessoais os sujeitos tiveram a possibilidade de conhecer uma série de outros espaços onde se veiculava a arte. Além disso, o crescimento dos contatos com vizinhos, amigos, professores, permitiu o acesso a artistas plásticos contemporâneos ou desenvolver outras experiências que contribuíram para alargar o conhecimento e a proximidade com a arte e a presença dela em outras culturas. Por exemplo, S.S. relata que o grupo de amigos e vizinhos que possuía permitiu o acesso e despertou o interesse pela cultura afro-brasileira e popular. Além disso, o contato com artistas abriu portas para a participação em exposições, em associações e também em grandes eventos como a FENEARTE.


Essa ampla rede, que foi sendo tecida ao longo do tempo, possibilitou ainda a aprendizagem de outras técnicas e usos de outros materiais, o acesso a festivais de humor e publicação de produção em jornais. Um dos sujeitos destacou a importante contribuição de seus professores no processo de orientação para a tomada de decisões em sua vida.

A influência da TV Essa categoria de análise esteve fortemente presente nas falas de 15 dos sujeitos de nossa pesquisa. O destaque maior foi dado aos desenhos animados, programas infantis, filmes e o Sítio do pica-pau-amarelo. Vale salientar, ainda, que este grupo se apresentou com uma forte permanência solitária em suas casas. Ora porque os pais passavam o dia no ambiente de trabalho, ora porque quando estavam em casa colocavam seus filhos em frente à TV. Pillar (2002) destaca que só quando se passa do limiar do olhar para o universo do ver é que se realiza um ato de leitura e de reflexão. Ver significa perceber o objeto em suas relações com o sistema simbólico que lhe dá significado. Então, ao visualizar continuamente os programas na tela, os sujeitos da pesquisa afirmaram que a TV teve um papel importantíssimo para despertar o interesse pela arte, pelas cores, pelo desenho, pela imagem. A leitura, como uma tecnologia, de acordo com Graff (1995), é um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas que se estende desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos. Nessa direção, para ler a imagem, matéria-prima da arte, não necessariamente é preciso decodificar os elementos que a compõem. Embora a leitura em arte seja também o processo de construir uma interpretação, ela está, fundamentalmente, vinculada aos referenciais que cada um possui e não apenas a decodificação. Da mesma forma, a compreensão da imagem não necessariamente está vinculada ao domínio do código artístico. Assim, em arte, pode-se ler sem decodificar e pode-se compreender sem o domínio do código.


A escolha do curso superior Vários foram os motivos pelos quais os sujeitos estudados decidiram optar pela sua formação superior no campo da arte. As experiências pessoais com a arte vividas no decorrer da vida; o desejo em ampliar os conhecimentos no campo; a busca da realização pessoal; a paixão pelos trabalhos em quadrinhos foram motivos principais para decidir pela formação na área. Outros exemplos se referem a experiências bastante particulares que contribuíram para a escolha profissional como o filme Agonia e Êxtase. Além disso, o papel de professores na orientação da escolha do campo de formação superior teve um destaque na tomada de decisão. Mas, em algumas situações, essa escolha provocou fortes reações. T.A. comenta que para seus pais foi um choque escolher se profissionalizar nessa área.

Significado pessoal da arte Nas vozes dos sujeitos, plurais foram os significados atribuídos à arte e a escolha dela como campo profissional. Por exemplo, T.A. disse “hoje me sinto realizada com o curso que escolhi”. Já M.B. “queria estar mais perto do universo da criação”. A.C., por sua vez, exprimiu “estou aqui um curioso, tentando aprender algo diferente, criativo. É um desafio estudar e fazer arte”. Para M.P.: Tudo que vi, ouvi, toquei, senti, aprendi, desde os primeiros passos foi marcante e grande influenciador para que eu me tornasse o que sou hoje. Explorar o mundo, desenvolver uma percepção aguçada, educar os sentimentos para sentir o mundo, suas cores, suas formas, as coisas boas e desagradáveis..., toda e qualquer experiência é marcante, decisiva e inesquecível.

Outros continuaram discorrendo sobre o significado de suas experiências, o sentido da arte em suas vidas e refletindo sobre os motivos pelos quais decidiram trilhar o caminho da arte.


G.S. continuou “na visita a alguns museus tive a certeza que era com arte que eu queria me relacionar o resto da vida”. Para E.S.: Foi um encontro com minha subjetividade plena, a liberdade de criação, a versatilidade de suportes, mídias, a plasticidade, a observação de um processo transcendental, ou seja, a proteção da vida espiritual no mundo das substâncias da matéria. É dar alma as coisas. É a energia impregnada pelo artista em sua obra no momento de criação e que transfere para quem dela se aproxima.

“Posso exercer atividades que mais me engrandecem em minha humanidade: a música em minhas composições, a literatura nas letras e contos que componho e as artes plásticas nos cenários que imagino”, diz R.F. “Muitas são as experiências que possuo em minhas memórias relacionadas à arte. Porém, nestas memórias as sensações e sentimentos são mais fortes do que conceitos e pensamentos”, afirma M.V. Por fim, A.L. concluiu dizendo “a arte me entrou pelos olhos e saiu pelos poros”. Importante ressaltar que todas as experiências destacadas pelos sujeitos, seja na família, na escola ou em outros espaços contribuíram para o desenvolvimento de um olhar particular para a arte e, sobretudo, para a escolha desse campo como área de formação profissional. Além disso, foi possível perceber que as experiências com arte possibilitaram o uso contínuo dos sentidos, estimulando-os e aprimorando-os. Logo, em cada etapa da vida tanto a família quanto a escola e os espaços sociais, com suas especificidades, colaboraram para este desenvolvimento e para o processo de alfabetização artística, visual e sensorial. A segunda pesquisa citada no início desse texto compreende um estudo sobre o cinema como suporte pedagógico para o ensino de arte e como um elemento que pode contribuir no processo de alfabetização artística de sujeitos.


O estudo foi desenvolvido no Liceu de Artes e Ofícios de Pernambuco com uma turma de 7º ano do turno matutino, sendo composta por 20 alunos. Consistiu na visualização e debate sobre o filme expressionista alemão, O Gabinete do Dr.Caligari (1919). Após essas etapas, foi realizada uma oficina prática de nanquim com os alunos, explorando as principais características do expressionismo. Um dos aspectos principais que nos impulsionou na realização desse estudo foi pensar na possibilidade de utilização de outras mídias nas aulas de arte, para além de sua visualização, e que pudessem contribuir para a reflexão crítica, para a educação artística, estética e do olhar. Então, escolhendo o cinema, e um filme específico, trabalhamos com os alunos a estética expressionista tanto na pintura, quanto no cinema, expondo uma variedade de imagens e leituras dessas imagens, bem como novas possibilidades de como rever a indústria do audiovisual. No primeiro encontro com o grupo foi aplicado um questionário com o objetivo de captar que compreensões tinham os alunos sobre o expressionismo. Em seguida, fizemos uma breve introdução sobre a história do cinema e alguns conceitos básicos explorando as principais características do Expressionismo na pintura e no cinema. Durante o diálogo, muitos questionamentos foram postos pelo grupo e o debate foi muito enriquecedor e participativo. No segundo encontro, assistimos ao filme e, após essa etapa, debatemos sobre as principais ideias estéticas do mesmo e exibimos referências contemporâneas que exploram a estética expressionista. O grupo se mostrou extremamente interessado e várias questões foram levantadas sobre as cenas representadas. Esses questionamentos eram referentes, sobretudo, à estética, a maquiagem, a interpretação exagerada, além das características específicas do cinema mudo. Após aquela etapa apresentamos uma animação, do diretor Tim Burton, chamada Vincent (1982) que usava a estética do cinema expressionista ambientado na trama. Por fim, vimos, ainda, um videoclipe da banda Red Hot Chilli Peppers, intitulado Othersid para observarmos que muitas das características, deste tipo de filme trabalhado no debate, foram de certa forma, assimiladas pela cultura de massa e diluídas pelas mídias convencionais.


Othersid para observarmos que muitas das características, deste tipo de filme trabalhado no no debate, debate, foram foram de de certa certa forma, forma, assimiladas assimiladas pela pela cultura cultura de de massa massa ee trabalhado diluídaspelas pelas mídiasconvencionais. convencionais. No diluídas terceiro encontro fizemos uma oficina de nanquim com os alunos com o objetivo mídias

de explorar as principais características do expressionismo. A proposta de realização

Noterceiro terceiro encontro fizemos uma uma oficina oficina de de nanquim nanquim com com os os alunos alunos com o objetivo objetivo fizemos o No encontro terceiro encontro fizemos uma oficina nanquim com oscom alunos com dasNo atividades objetivou explorar algo vindo dasdeexperiências dos alunos com o tema

o objetivo de explorar as principais características Adoproposta expressionismo. A de explorar as principais características do expressionismo. de realização

de explorar as principais características A propostano de expressionismo realização angústia, tormento e tristeza, já que do sãoexpressionismo. temáticas recorrentes proposta de realização das atividades objetivou explorar algo vindo das

dasatividades atividades objetivou objetivou explorar explorar algo algo vindo vindo das das experiências experiências dos dos alunos alunos com com o o tema tema das angústia,temáticas tormento tristeza,nojá jáexpressionismo, que são são temáticas temáticas recorrentes no expressionismo, recorrentes incluindo os efeitosno daexpressionismo, luz e sombra. angústia, tormento ee tristeza, que recorrentes

com o tema angústia, tormento e tristeza, já que são incluindo osexperiências efeitos dados luz alunos e sombra. incluindoos osefeitos efeitosda daluz luzeesombra. sombra. incluindo

Fonte: Atividades realizadas pelos alunos do 7º ano Fonte: Atividades realizadas pelos alunos do 7º ano

Fonte: Atividades realizadas pelos alunos do 7º ano

Fonte: Atividades realizadas pelos alunos do 7º ano

Nessa direção, direção, vale vale evidenciar evidenciar que que aa arte arte na na educação, educação, como expressão pessoal e Nessa

Nessa direção, evidenciar que a arte educação, como expressão e Nessavale direção, vale evidenciar que ana arte na educação, como expressãoepessoal como éé um instrumento para aa identificação cultural como cultura, cultura, um importante importante instrumento para o pessoal comoimportante cultura, é uminstrumento importante instrumento para a identificação como cultura, é eindividual. um para a identificação cultural desenvolvimento Através desenvolver a percepção desenvolvimento individual. Através da da arte, arte, éé possível possível desenvolver ea e o cultural e o desenvolvimento individual. Através da arte, é possível

desenvolvimento possível desenvolver a percepção ea imaginação para apreender aaAtravés realidade do meio desenvolver a capacidade imaginação paraindividual. apreender realidade doarte, meioéambiente, ambiente, desenvolver a percepção e a da imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar

imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade


a realidade percebida e desenvolver a capacidade criadora de maneira a mudar a realidade que foi analisada (BARBOSA, 2005). Ao refletir sobre o processo de alfabetização artística é fundamental ressaltar, como afirma Graff (1995), que para o estudo e interpretação da alfabetização alguns pressupostos são considerados básicos. Portanto, é preciso que os sujeitos possuam níveis básicos ou primários de leitura e escrita; a alfabetização é uma tecnologia a ser aprendida, ou seja, um conjunto de técnicas para a comunicação, a decodificação e reprodução de materiais escritos ou impressos; a alfabetização é uma habilidade aprendida ou adquirida. Assim, o exercício de visualizar um filme, por exemplo, pode contribuir para estimular a leitura visual e auditiva. Contribui para exercitar o processo de alfabetização artística percebendo os elementos que compõem as imagens e os significados veiculados por elas, situando-os no tempo histórico. Pode ainda, proporcionar o desenvolvimento de habilidades técnicas já aprendidas ou adquiridas pelos estudantes ou mesmo aprimorálas estabelecendo significados e ou resignificando os fazeres. Por fim, a terceira pesquisa citada no início desse texto compreende um estudo sobre uma ação educativa no campo da arte que teve sua gestão e funcionamento no interior do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. O objetivo era compreender como ocorrem os processos metodológicos no ensino da arte e se esses contribuem para o processo de alfabetização artística dos sujeitos. Deparamo-nos, então, com uma série de documentos preservados pela coordenação do curso de Artes Visuais da UFPE sobre um projeto educativo de extensão realizado e desenvolvido no interior mesmo da UFPE, mas que objetivava a inclusão de crianças e adolescentes que viviam no entorno do campus universitário. Entre as fontes consultadas para a pesquisa utilizamos textos produzidos por professores colaboradores, cadernos de acompanhamento pedagógico, roteiros de atividades, slides, fotografias, atividades realizadas pelas crianças e adolescentes, entrevistas, relatórios de experiências. Além disso, um caderno de textos organizado em conjunto com a Fundação de


Cultura Cidade do Recife, a colaboração do Instituto Ricardo Brennand e da Universidade Católica de Pernambuco, onde identificamos relatos de experiências produzidos pela própria organizadora do projeto. Um dos importantes papéis que a arte exerce é destacado por Barbosa (2007), levando os indivíduos a estabelecer um comportamento mental que os conduzam a comparar coisas, a passar do estado das ideias para o estado da comunicação, a formular conceitos e a descobrir como se comunicam esses conceitos. Todo esse processo faz com que o aluno seja capaz de ler e analisar o mundo em que vive e dar respostas mais inventivas às situações e experiências com as quais se depara cotidianamente. Esse processo também contribui para que os sujeitos sejam alfabetizados artisticamente. O artista faz isso o tempo todo, seja para melhor se adequar ao mundo, para apontar problemas, propor soluções ou simplesmente para encantar, que é uma das formas de tirar o sujeito das mazelas do dia-a-dia. A arte possibilita importantes experiências de comunicação das vivências interiores e das concepções que os sujeitos têm de mundo e suas relações no cotidiano. Isso também é muito importante, particularmente, para as crianças que são rejeitadas na escola por terem dificuldade em aprender ou por demonstrarem problemas de comportamento. Na arte, eles podem ousar sem medo, explorar, experimentar e revelar novas capacidades. Participaram do projeto 83 crianças e adolescentes e, nos sete anos de sua existência, 78 alunos da graduação fizeram sua prática de estágio curricular nas atividades desenvolvidas pelo mesmo. Através dos dados de inscrição, os membros do projeto puderam traçar um perfil daquelas crianças e adolescentes que viviam a margem do que se conceituava como uma boa formação acadêmica e pessoal. Vários professores apoiaram o projeto, ao oferecerem diferentes oficinas. Nesses experimentos também foi possível explorar o fazer artístico de alguns estudantes de licenciatura, que desenvolveram pesquisas e inovaram em metodologias, a exemplo, de duas alunas que desenvolveram uma máquina adaptada para xilogravura com materiais mais acessíveis e práticos. Além disso, é possível observar que os exercícios e atividades propostas intencionavam um aprimoramento na educação do olhar e no


processo de alfabetização artística. Outra aluna também desenvolveu, a partir de suas investigações, um caderno de referências sobre pesquisa de papel reciclado com materiais diversos.

Fonte: Álbum de Atividades Meninos do Campus. Menina de 14 anos.

O modelo político pedagógico desenvolvido nesse projeto teve a intenção de introduzir o aluno como um agente social na luta por uma cidadania plena, através do ensino da arte. Esse ensino foi baseado no conceito de cultura freireana, no estudo da história da arte, na sintaxe visual dos elementos, na leitura, na compreensão de imagens e no fazer artístico, vinculando-os a uma dimensão utilitária e profissional, não obstante a cultura em que os alunos estavam inseridos. Segundo Vasconcellos (2008) a arte, em sua função de criar uma cidadania estética, implica a erradicação do analfabetismo estético, resulta, pois, de toda uma visão de mundo, que é ao mesmo tempo filosófica, política, econômica, social e cultural. As aulas aconteciam nos três turnos, com periodicidade semanal, tendo como previsão inicial duas horas de duração. As turmas possuíam um limite de trinta alunos, invariavelmente não alcançados. Existiam duas


turmas por turno. A partir do ano de 2002, o projeto passou a oferecer um dia a mais de atividades, onde aconteciam as oficinas específicas a elaboração das atividades com em a confecção reciclagempara de papel; encadernação e pintura tecido. de produtos que eram comercializados. Tais turmas eram reduzidas a 15 alunos e com o horário estendido para três horas. Essas oficinas eram de cologravura, xilogravura e de papel; encadernação tecido.história da arte, Nas aulasmonotipia; semanaisreciclagem eram desenvolvidos estudos ee pintura práticasemsobre

estendido para três horas. Essas oficinas eram de cologravura, xilogravura e monotipia;

Nas aulas pintura, semanaisgravura, eram desenvolvidos estudos e práticas história estética, desenho, manipulação de argila, alémsobre de visitas a algumas da arte, estética, desenho, pintura, gravura, manipulação de argila, além de

exposiçõesvisitas e passeios pela cidade fazendo desenhos deuso observação, a algumas exposições e passeiosuso pelade cidade fazendo de desenhoscom foco de observação, com foco evidente aspectos da artistas cultura de nossa região e evidente nos aspectos da cultura de nossanos região e nos que a ela pertencem. nos artistas que a ela pertencem.

Fonte: Atividades. Meninos do Campus. Vidas Vazias. Menina de 13 anos.

Sanharó F.C. Menino deVidas 13 anos. Fonte: Atividades. Meninos do Campus. Vazias. Menina de 13 anos. Sanharó F.C. Menino de 13 anos.

eram somadas possibilidade de reflexão de e questionamento dos A essas atividades A essas atividades erama somadas a possibilidade reflexão e dosoutro alunos. O quepara evidenciou outro desafio esse alunos. Oquestionamento que evidenciou desafio esse grupo, já que para as crianças e os grupo, já que as crianças e os adolescentes tinham grande dificuldade

adolescentes tinham grande dificuldade em se expressar, achavam constrangedor

colocar suas opiniões em forma de palavras escritas ou verbalizadas. Mas, foi possível

encontrar nas anotações dos estudantes/professores o amadurecimento dos alunos,


em se expressar, achavam constrangedor colocar suas opiniões em forma de palavras escritas ou verbalizadas. Mas, foi possível encontrar nas anotações dos estudantes/professores o amadurecimento dos alunos, que permaneciam sendo analfabetos gramaticalmente, contudo, conseguiam, pouco a pouco, construir um teor crítico a partir de toda a simbologia que os cercavam nas atividades. O projeto realizou anualmente exposições na Galeria Capibaribe, no Centro de Artes e Comunicação, e uma no hall do Centro de Educação, ambos na UFPE. Mas, essas realizações ultrapassaram os limites da UFPE. Por exemplo, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) encomendou um grande número de cartões comemorativos para presentear seus parceiros e colaboradores. A venda de toda a produção realizada no projeto era distribuída entre as crianças e adolescentes que participavam do mesmo. Mergulhar na história desse projeto de ensino de arte impulsiona o despertar do olhar para as muitas histórias vivenciadas em outros espaços pedagógicos e as contribuições que esses espaços e experiências podem possibilitar para o desenvolvimento da alfabetização artística. Possibilitando, assim, uma ampliação do ver, do entender as práticas e o universo de ações, desafios, descobertas e aprendizagens inseridas no mesmo, compreendendo melhor o lugar em que se está inserido, na tentativa de tornar significativa a própria existência e seu papel social viabilizando ações de acesso à arte a todos os sujeitos, sem distinção.

Considerações A falta de meios verbais que consigam expressar o significado da arte e suas formas de expressão reforça a discussão de que o campo da arte traz inúmeras complexidades e elementos que ultrapassam o domínio de um código, como discutimos, pensando sobre o conceito de alfabetização verbal. Em muitas situações, por exemplo, a atribuição de significados não necessariamente está condicionada ao domínio do código. Caso, que não pode ser direcionado à alfabetização verbal, uma vez que o significado está


diretamente conectado ao domínio do código. Logo, pensar o conceito de alfabetização para a escrita verbal da mesma forma para a alfabetização artística não é possível, pois esta vai além dos limites daquela. Isso reforça o que Graff (1994) evidenciou em seu estudo sobre a existência plural de alfabetizações. Assim, plurais são as alfabetizações, plurais são seus códigos, plurais são seus significados e compreensões, plurais são os modos, formas e práticas de alfabetizar. Evidentemente, o destaque ao entendimento de que a alfabetização ocorre dentro de um processo, precisa ser destacado. Além do mais, para pensarmos sobre uma alfabetização artística é fundamental sublinhar a existência de uma superação do próprio conceito por entendermos que, para esta, o significado não se restringe ao domínio do código. Podemos observar que a expansão da nossa capacidade de ver significa expansão da nossa capacidade de entender uma mensagem visual e também de criar uma mensagem visual. Os exercícios e estímulos recebidos ao longo da vida, e se enfatizados também na escola, possibilitam percorrer um processo de educação do olhar que não é estático e nem conclusivo, mas sim, rico, dinâmico e mutante. As experiências com arte possibilitam o uso contínuo dos sentidos, estimulando-os e aprimorando-os contribuindo para o processo de alfabetização artística e visual. Desse modo, atribuir infinitos significados ao visualizarmos uma imagem artística será sempre possível, mesmo sem dominar o código da escrita artística. A arte inserida no grande leque de saberes humanos, construídos e resignificados pela humanidade, continua nos ajudando a compreender o mundo a nossa volta e a interferir no mesmo. A arte inserida nesse grande leque continua nos ajudando, ainda, a refletir, transformando e re/ estabelecendo significados para a vida que permanecem dados-presentes na história. Pois, já dizia Freire (2000, p.86), “(...) Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente”.


Referências BARBOSA, Ana Mae. Arte educação contemporânea: Consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez Editora, 2005. DONDIS, A. Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. GRAFF, Harvey J. Os labirintos da alfabetização: reflexões sobre o passado e o presente da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. HOBSBAWN, Eric. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2012. PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002, p. 71-82. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. VASCONCELLOS, Rosa. [Relatos de experiência] Arte&Cidadania: Meninos do Campos da UFPE – Um projeto de inclusão social.In: Fundação de Cultura Cidade do Recife. Diálogos entre arte e público. Recife: Copyleft, 2008, p. 122 a 126.

Sobre os autores: Ronaldo da Silva é Graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco e Graduando em História pela UPE. Milena Leite de Azevedo é Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco e professora de Arte da rede privada de ensino da cidade do Recife. Maria Betânia e Silva é professora e pesquisadora da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPE.



Título

Pesquisa e extensão: diálogos em artes visuais, dança e teatro

Organizadores

Maria Betânia e Silva

Projeto Gráfico

Denise Simões

Capa

Revisão de Texto formato fontes

Série Relíquias 01 Técnica: Acrílica s/Tela Dimensão: 15,5cm X 22cm Augusto Barros

Maria Betânia e Silva 15,5 x 22,0 cm Minion Pro, Swis 721 Cn BT

Editoração eletrônica: Edufpe



Coordenadora da Licenciatura em Artes Visuais da UFPE

978-85-415-0756-1

Gabriela Santana, Marcondes Lima, Maria Acselrad, Maria Betânia e Silva (Orgs.)

Maria das Vitórias Negreiros do Amaral

Pesquisa e Extensão: diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

específicos em Artes Visuais como Abordagem das Temáticas Étnico-Racial e de Cultura Regional no Ensino de Arte em Escolas Estaduais do Recife e Somos Alfabetizados em Arte?; em Teatro com o Diálogos Pernambucanos: o teatro de Isaac Gondim Filho, à luz da ação renovadora de Hermilo Borba Filho e Encruzilhadas Dramatúrgicas: Peça BRASIL; em Dança com o Dança e Desconcentração – 2ª Parada: William Forsythe, polifonias deslizantes. Conhecemos ainda, projetos de extensão que mostram a práxis dos cursos de Artes Visuais, Teatro e Dança na qual apontam caminhos profissionais para os estudantes e interessados nessas áreas de conhecimentos, que passam pelas oficinas de Artes Visuais para idosos(as) com o Cores da Alma; projetos que tratam da interculturalidade na academia com os mestres de tradição com o Capoeira no CAC e ainda os que discutem sobre corpo e movimento com o CORPO-CONEXÃO: formação e criação em Dança e Teatro e Nas Salas, Telas e Terreiros do Corpo em Festa, trazendo a extensão e a pesquisa a interagir em um só trabalho acadêmico, ambos com aspectos de pesquisa e de extensão. Projetos de extensão em que os(as) professores(as) apresentam a intersecção entre o ser artista e o ser professor(a), com o Fabulações. O seminário de Pesquisa e Extensão que ocorre anualmente, é de uma riqueza interativa entre professores e estudantes de Artes Visuais, Dança e Teatro, entre os diversos saberes, aprenderes e viveres, vislumbrando as possibilidades de pesquisa e extensão nessas áreas de conhecimento, fomentando nos estudantes desses cursos o desejo de iniciarem/seguirem com suas práticas artísticas e de pesquisa.

Pesquisa e Extensão: diálogos em Artes Visuais, Dança e Teatro

Gabriela Santana Marcondes Lima Maria Acselrad Maria Betânia e Silva (Orgs.)

O Seminário de Pesquisa e Extensão, do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, nasceu de uma ideia de com-par-trilhar, como diz Lucimar Bello, o que professores(as) e estudantes estavam realizando, inicialmente em pesquisa, no ano de 2011. Já em 2012, discutiu-se que, em muitos casos, pesquisa e extensão não se separam, principalmente, nas distintas linguagens artísticas, nas quais as vivências são por natureza extensionistas. O com-par-trilhamento, na efetiva participação dos três cursos: Artes Visuais, Dança e Teatro, foi o que gerou este livro, no qual divulgaremos os resultados obtidos nos projetos de pesquisa e extensão de professores(as) e estudantes do departamento. Cada um com as suas especificidades, apresenta as suas atividades, que não são poucas, em um rico escoamento de conhecimentos, descobertas, investimentos e envolvimentos. As salas de aula, os teatros, as histórias e as memórias foram palcos desses projetos, frequentemente citados e vivenciados por seus representantes, o que demonstra o quanto o arte educar está em toda parte e com uma qualidade impressionante. Projetos em comum dos cursos de Artes Visuais, Dança e Teatro, apontam aspectos de interdisciplinaridade ocorridos no departamento como o Conversas de Estágio, projeto de extensão através do qual professores(as) dos três cursos, juntamente com técnicos, estudantes e professores(as)/supervisores de espaços formais e não-formais, discutem o estágio curricular e o não curricular vivenciados pelos(as) estudantes; o PIBID, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, que os cursos de Artes Visuais e Teatro estão inseridos, complementa, de certa forma, as discussões sobre estágio na formação docente. São apresentados também projetos de pesquisa


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.