Revista #INCITARTE ABRIL 2020 - Laila Garin, a cara do novo teatro musical "made in brazil"

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CARTA AO E X P E D I E N T E Diretor de Redação: Paulo Fernando Góes Colaboradores: Bruno Cavalcanti Cacá Valente Claudio Martins Fabiana Seragusa Kyra Piscitelli Leonardo Torres Luís Francisco Wasilewski Marlon Zé Paulo Neto Sérgio Maggio Designers: Arthur Felippe Pedro Barbosa Rodrigo Almada Colunista Convidado: Rodrigo França Edição: Daniel Terra Mídias Sociais: Isabela Oliveira Marketing: Rodrigo Medeiros Produção: Wanderson Neri Agradecimento: Rodrigo Monteiro

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L E I TOR

O verbo do teatro era resistir. Agora, ele tem que reexistir. A pandemia do novo Coronavírus foi um duro golpe em um grupo já combalido, financeiramente falando. Artisticamente, quando mais o teatro apanha, mais forte e criativo ele fica. Mas o que fazer quando as cortinas estão fechadas e o público confinado em suas casas? Como o teatro irá se reerguer?

com ingressos populares para o público abraçar a classe teatral. Ainda que se fale na valorização do ingresso (que já não dá conta de pagar todos os custos do teatro e do espetáculo), há de se pesar que o público também teve suas rendas diminuídas com a pandemia e não terá dinheiro para ingressos caros. Se na Broadway, que vive sem leis de incentivo, os espetáculos com menor procura N o d e c r e t o p u b l i c a d o recebem maior desconto pelo governador do Rio de para venda na bilheteria da Janeiro, Wilson Witzel, no TKTS, localizada na Times dia 13 de março de 2020, Square, por que não aplicar salas de cinema, teatro e a mesma lógica às peças casas de show deveriam cariocas? A população está fechar para evitar aglome- s e d e nt a p a ra s e d e s e n rações e diminuir o risco de clausurar, o público quer contágio do Coronavírus. ocupar às ruas, passear, rir, Em uma cidade como o se divertir. Queremos ver Rio de Janeiro, não seria gente! E o teatro deve estar melhor começar fechando de portas abertas para nos os barzinhos e as praias? acolher e nos propiciar o O isolamento social faz-se mesmo prazer que sentem n e c e s s á r i o m a s p a r a a os ex-presidiários quando classe teatral que vive do redescobrem a liberdade. s e u ofí c i o , co m o s o b re - Tudo que queremos é viajar viver? Capitaneada pelo com as peças para lugares produtor Eduardo Barata, a mais protegidos do que APTR vem lutando para re- este onde estamos. ceber apoio governamental para a classe teatral, mas dessa vez, a luta é para todos, do pescador ao empresário. A crise é global. Para o teatro, novamente, a única saída que vejo é o público. Penso que esse momento deve ser aproveitado para trazer de volta os espectadores às salas de espetáculo. Nenhuma peça pode abrir as cortinas com cadeiras vazias. É a hora de uma grande campanha

Paulo Fernando Góes DIRETOR DE REDAÇÃO


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ÍNDICE 48 | HOLOFOTES

6 | ENTREVISTA A jornalista Fabiana Seragusa entrevista Elias Andreato, um dos maiores nomes do teatro paulistano.

10 | EM BOA COMPANHIA Conheça mais sobre a Velha Companhia, por Kyra Piscitelli.

17 | EVOÉ Confira as novidades mais quentes do teatro na coluna do Leonardo Torres, do Teatro em Cena. Estúdios Disney preparam gravação do musical “Hamilton” para distribuição em cinemas.

20 | NO FOYER Quem foram as celebridades que compareceram à estreia VIP de “A Hora da Estrela ou o Canto de Macabéa”, no CCBB-RJ.

22 | CINEMA “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues, ganha sua terceira adaptação cinematográfica.

24 | NA COXIA Artistas, produtores, técnicos e donos de teatro se articulam para sobreviver à pandemia do Coronavírus.

28 | MEU OFÍCIO Rico Vilarouca discorre sobre o recente ofício de videografista e Alonso Barros fala sobre seu despertar para a profissão de coreógrafo.

TV Grande Teatro TUPI: o feliz encontro da televisão e do teatro no Brasil.

TEATRO PELO MUNDO 50 | NEW YORK

Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick se reencontram em “Plaza Suite”, comédia de Neil Simon.

52 | LONDRES

18 | REGISTRO

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Conheça um pouco mais sobre Drayson Menezzes e Rodrigo Miallaret, dois nomes de destaque na cena teatral.

“4.000 Miles”, de Amy Herzog: espetáculo reflete sobre pontes entre gerações e escuta ativa.

54 | PORTUGAL Dirigido por Henri Pagnoncelli, “Os Impagáveis” ganha adaptação com elenco português.

57 | PARIS “Coup de Foudre Sans Gluten”: comédia mostra um divertido embate amoroso entre um açougueiro e uma vegana.

58 | BUENOS AIRES

“Late el Corazón de un Perro”: premiado espetáculo de Franco Gabriel Verdoia estreia no Espacio Callejón.

60 | TEATRO PELO BRASIL Sérgio Maggio traz um panorama sobre a cena teatral em Brasília.

62 | NAS REDES O que postam os principais nomes do teatro nas redes sociais.

64 | TEATRO NA WEB Canal no YouTube disponibiliza 55 vídeos do ensaio de “Grande Sertão Veredas”, de Bia Lessa.

66 | LEITURA DE PALCO O jornalista e dramaturgo Bruno Cavalcanti lista 10 peças inspiradas em publicações literárias.

72 | MÚSICA “Tudo Ao Contrário” e “Cazas de Cazuza” retornam aos palcos com parte da bilheteria revertida à Sociedade Viva Cazuza.

77 | ESPECIAL Com pandemia do Coronavírus, produtoras disponibilizam espetáculos on-line para entreter a quarentena.

85 | EM CARTAZ Confira alguns espetáculos que, antes da pandemia de Coronavírus, estavam programados para estrear em abril.

92 | VAQUINHAS

LAILA GARIN

A CARA DO NOVO TEATRO MUSICAL “MADE IN BRAZIL” Entrevista exclusiva com Laila Garin, estrela do teatro musical brasileiro, protagonista de “A Hora da Estrela ou o Canto de Macabéa”

Rede composta por 26 grupos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Frente Teatro RJ mantém vaquinha aberta após mostra.

94 | COLUNISTA CONVIDADO Rodrigo França escreve coluna sobre “o teatro nosso de cada dia”.

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UMA PEÇA QUE ME MARCOU Estrela do teatro musical, Kiara Sasso rememora “Mamma Mia!”, a peça que mais marcou sua carreira.


ENTREVISTA

ELIAS ANDREATO Gente é pra brilhar!

FOTO: Divulgação.

Por FABIANA Seragusa

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ENTREVISTA

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alar de Elias Andreato é falar de teatro. Desde sua estreia profissional em 1977, com a peça “Pequenos Burgueses”, o artista vem construindo uma carreira premiada e respeitada tanto por colegas como pelo público em geral, que o prestigia desde o início. Já trabalhou com nomes como Renato Borghi, Juca de Oliveira, Jorge Takla, Roberto Lage e Marília Gabriela, além de ter dirigido Paulo Autran (19222007) nos espetáculos “Visitando o Sr. Green” (2000) e “Adivinha quem Vem para Rezar” (2005). Se foi fácil chegar até aqui? Longe disso. Caçula de uma família de seis irmãos, o paranaense precisou ser forte para ir em busca dos seus sonhos e trilhar a profissão que fazia seus olhos brilharem, apesar da falta de incentivo e de ouvir que não tinha talento para os palcos. E é por isso que, hoje em dia, ele faz questão de estimular o máximo possível seus alunos de teatro, identificando as principais caracterís-

ticas de cada um e focando nisso, no que eles podem oferecer de melhor. O ator teve uma biografia lançada recentemente, chamada “Elias Andreato, A Máscara do Improvável”, escrita pelo jornalista Dirceu Alves Jr., e recentemente esteve em cartaz com duas peças em São Paulo: o monólogo “Arap” e a comédia “Amigas Pero No Mucho”. Aos 64 anos de idade e com 43 de carreira, ele observa uma mudança no fazer teatral ao longo dos anos, de quando começou até agora. Para ele, o tempo dedicado ao processo criativo e à preparação dos espetáculos era maior - e o público também comparecia mais. Além disso, avalia que os artistas estão cada vez mais desunidos, que vivem em guetos e não se misturam. Neste bate-papo exclusivo, Elias fala, ainda, de políticas públicas e sobre como a arte é fundamental para a formação e consciência da sociedade.

Além de estar sempre em cartaz, você vai constantemente ao teatro para ver peças de outros artistas. Você acha que é essencial prestigiar os colegas? Elias: Sempre que possível vou ao teatro! Gosto de fazer e de assistir teatro. É importante observar o olhar de outros artistas, aprendemos muito e nos tornamos mais generosos com o talento do outro. Elias Andreato dirigiu Paulo Autran em “Visitando o Sr. Green” (2000) e “Adivinha quem Vem para Rezar” (2005), com Claudio Fontanta. FOTO: Divulgação

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ENTREVISTA

Com Nilton Bicudo na comédia “Dona Bete”. FOTO: João Caldas Filho

Qual a principal diferença que você observa em relação aos espetáculos realizados atualmente e aos encenados quando você começou sua carreira? Elias: Mudou o jeito de fazer. O tempo dedicado ao processo criativo e à execução era maior. A produção sobrevivia com pouco e arriscava mais, porém, tínhamos mais público. Fazíamos apenas um espetáculo e tentávamos sobreviver dele. E isso, geralmente, era possível. Hoje tudo é muito caro.

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Sem as leis de incentivo, é inviável produzir. Todo mundo sempre fala que é muito difícil levar público ao teatro. Por que você acha que isso acontece? E o que fazer para mudar isso? Elias: Sempre foi assim, mas antes pensávamos mais no público. Existia o teatro do entretenimento com qualidade. Autor, produção, artistas. Pano d e b o c a , re c e p ç ã o d o público, tudo mais glamourizado. Fomos nos


ENTREVISTA despindo de tudo que criticávamos. Tudo era teatro burguês. Este público foi se afastando. A juventude não foi estimulada a nos conhecer. Fomos fazendo teatro para nós e para poucos. Você acha a classe artística unida ou desunida? Elias: A classe artística só foi unida quando todos estavam do mesmo lado. Hoje, vivemos em guetos (a maioria). Todo artista, todo grupo, todo produtor... todos são maravilhosos demais. Não nos misturamos! “Meus amigos são campeões em tudo. Nunca conheci quem tivesse levado porrada.” (Fernando Pessoa)

Alex Gruli, Norival Rizzo e Elias Andreato na longeva comédia “Amigas, Pero No Mucho”, sobre quatro mulheres que mantêm uma relação de amor e ódio. Foto: João Caldas/Veja SP

De qual forma as políticas públicas podem ajudar de fato o mercado artístico? O que mudar? Elias: As nossas leis existem e cumprem o papel de que precisamos. Todos devem ter o direito de usá-las e ser beneficiados por elas. Precisamos prestar contas, como todos os que usam dinheiro público. O que produzimos é, sim, de utilidade pública. Contribuímos, como a educação, para a fo r m a ç ã o e c o n s c i ê n cia de nossa sociedade. Através da arte, nos tornamos mais humanos.

“A Máscara do Improvável”, biografia escrita pelo jornalista e crítico de teatro Dirceu Alves Jr., lançada em 2019.

Você já disse que, no início da sua carreira ouviu de muita gente que o teatro não era coisa para você, para você desistir. Até que ponto você acha que vale a pena enfrentar as dificuldades e lutar por um sonho? Elias - A gente nunca deixa de ouvir estas merdas. Com a idade, nos tornamos mais calejados e cínicos. O que aprendi com isso? Quem sabe de mim so u eu! Ja m a is re p et i rei esse desserviço com alguém. Estarei sempre apoiando o outro e reconhecendo o seu talento ou dificuldade com empatia. Que tudo mais vá pra o inferno! Vamos sonhar sim!!! Gente é pra brilhar!

POR: FABIANA SERAGUSA É editora do site Culturice. Ganhou o Prêmio Folha de Jornalismo em 2015 pela avaliação dos teatros de São P a ulo e é j u r a d a d o Prêmio do Humor SP, do Prêmio Bibi Ferreira e do Prêmio Destaque Imprensa Digital.

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EM BOA COMPANHIA

VELHA COMPANHIA A tríade equilibrada do teatro Por KYRA PISCITELLI

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uando Maurício Marques (K iko Marques), Virgínia Buckowski e Alejandra Sampaio se cruzaram no Teatro Pirandello, entre 1994 e 1995, foi o começo da Velha Companhia – fundada quase 10 anos depois desse encontro. Na época, Kiko e Marco Antônio Braz tínham chegado do Rio de Janeiro e foram convidados a ocupar o teatro com a recém-formada companhia Círculo dos Comediantes. Juntos, criaram um curso para atores de onde vieram Alejandra e Virgínia. Na teia do destino, a dupla entrou como substitutas de “Perdoa-me por me Traíres”, de Nelson Rodrigues. Essa era a segunda montagem do Círculo que percorreu a obra de Nelson pela batuta de Braz, especialista no dramaturgo. O sonho de trabalhar dramaturgia própria uniu o trio em uma nova empreitada. Assim nasceu a Velha Companhia, em 2003. Como uma orquestra af inada, cada um é insubstituível. Kiko dirige, escreve e cria tudo a partir

Henrique Schafer e Alejandra Sampaio em “Sínthia”. FOTO: Lenise Pinheiro/ Divulgação.

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delas e com elas. Alejandra é a poesia, o olhar para o outro necessário à arte, enquanto Virgínia é a única com um real e poderoso senso prático. Enxerga o óbvio há quilômetros e costuma ter uma visão cirurgicamente objetiva dos caminhos. A primeira montagem assinada pel a Ve l h a C o m p a n h i a f o i “ B r i n q u e d o s Quebrados”, com texto e direção de Kiko. Depois, passaram para uma remontagem (“Crepúsculo”) e um reencontro com Braz (“Ay, Carmela”). Na terceira empreitada, “O Travesseiro”, a Cia. volta-se para a dramaturgia própria, caminho seguido até hoje. Em 2012, o trio monta “Cais ou da Indiferença das Embarcações”, considerado obra-prima pel a crítica, público e a primeira parte de uma trilogia seguida por “Sinthia” e “Casa Submersa”. No portifólio também está o monólogo “Valéria e os Pássaros”. Em entrevista exclusiva para a Revista #INCITARTE, o trio – inseparável – fala sobre trajetória, presente, futuro, e como é trabalhar com ideias que parecem sonhos.

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EM BOA COMPANHIA

O nome do grupo vem da palavra memória e da amizade de vocês. Qual o papel da memória no teatro de hoje ou qual deveria ser esse papel? Alejandra Sampaio: A memória é uma espécie de rio que corre e nos dá de beber. Fundamental para a sobrevivência, responsável pelo que permanecerá depois da morte. De forma primária, construímos nossa identidade margeando esse rio. Medo e coragem nadam no mesmo caldo desse processo cognitivo, afetivo e intuitivo onde a memória individual é ressignificada durante toda a vida. A memória coletiva tem o poder da atemporalidade, sua natureza primordial fomenta a sobrevivência da espécie. Quando o público e os artistas recordam sua humanidade, aconte ce a experiência do Teatro. Vivemos um tempo violento e anêmico de empatia. Violento com a construção de uma história oficial. Tempo de desconstrução. A resistência da memória coletiva é sinônimo de sobrevivência: dos povos indígenas, dos negros, das mulheres, dos LGBT's, dos trabalhadores, dos direitos ambientais, direitos humanos, do humano. Lembrando Carolina Maria de Jesus nas suas memórias: “Vi os pobres sair chorando. E as lágrimas dos pobres comove os poetas.

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“Cais ou da Indiferença das Embarcações”: espetáculo trouxe prêmios e reconhecimento à Velha Companhia. FOTO: Maringas Maciel

Não comove os poetas de salão. Mas os poetas do lixo, os idealistas das favelas, um espectador que assiste e observa as tragédias que os políticos representam em relação ao povo. Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê seu povo oprimido”. O papel da memória no Teatro hoje parece ser sobre a liberdade em seu sentido amplo e irrestrito. Memória que a falta de liberdade subjugou, oprimiu, dizimou. Memória do real sentido de democracia e humanidade. O trabalho feito pelo grupo seria possível de ser feito fora dele? Virgínia Buckowski: Acredito que não seria possível fazer o trabalho que fazemos fora da companhia. Ela é justamente o lugar dessa investigação. Trabalhamos com um processo

bastante fora dos padrões comerciais e chegamos a resultados também desligados desses balizadores. Existe um pacto de muita confiança, porque é o lugar do inusitado, do imponderável que precisamos trilhar. Realmente não sabemos aonde iremos chegar quando começamos um processo, por isso é preciso confiança, tempo de estrada e conhecimento humano e artístico do outro. A real e sincera comunicação entre as pessoas é um dos maiores e mais raros dons da vida. A companhia, se vivida com coragem e cuidado, nos proporciona isso. É possível fazer um balanço do que viveram enquanto companhia nesses quase 20 anos? Kiko Marques: Vimos um turbilhão político nesses últimos quase 20 anos. Como companhia, vivemos


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Espetáculo “Sínthia”. FOTO: Bob Souza.

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inseparáveis em alguns momentos. Noutros, não. Esse é o sentido de existirem e isso é democracia. Mas calar a arte é algo que ninguém, seja por qualquer ideia de bem ou contra qualquer conceito de mal, pode reivindicar. Não se cala os artistas. Quando isso acontece, morre quem é calado, morre quem manda calar. Há muitos tipos de morte. Nosso tempo é um tempo ga FOTO: Divul

boa parte desse período em que se acreditou que cultura e arte são elementos fundamentais da formação e identidade de um povo, que devem ser, de alguma forma, fomentados e cuidados. Foi um momento bom para a companhia em termos de patrocínios e apoios e isso possibilitou a criação de uma obra como a Trilogia das Águas, três de nossos espetáculos escritos e encenados entre o período de 2006 e 2019, com o auxílio de verbas públicas e que deram um enorme retorno em termos de empregos diretos e indiretos, bem como do bem artístico que devolvemos pra sociedade. Vivemos agora um momento em que artistas são novamente demonizados, a arte deixa de ser bem vista pelos veículos de comunicação e formação de opinião e a liberdade de expressão volta a ser duramente atacada. Um tempo de luta. A política e a arte nunca foram amigas eternas. São irmãs

“Não se cala os artistas. Quando isso acontece, morre quem é calado, morre quem manda calar”. KIKO MARQUES

de guerra. Fratricida. Como há muitos tipos de morte, também há muitos tipos de guerra. Estamos no momento de reaprender qual é de fato essa nossa guerra, pelo que vale a pena lutar, quem e o que somos e como devemos agir diante disso tudo. É um trabalho intenso e duro, interna e externamente. “Cais ou da Indiferença das Embarcações” pode ser considerado um marco em termos de crítica para a Companhia? Prêmio vale alguma coisa? KM: Sim, “Cais ou da Indiferença das Embarcações" é um marco. A partir dele, a companhia teve a visibilidade que não tinha até então. É a trajetória normal, arquetípica. Uma companhia de teatro, um artista... existe. E produz sua obra. Essa obra é reconhecida dentro de um círculo, às vezes, pequeno. Num determinado momento, por uma conjunção de fatores, aquele artista ou grupo de artistas alcança uma visibilidade que não tinha até então. "São descobertos". Os fatores que criam isso são muitos e inusitados. Pode ser que apenas estivessem no lugar certo, na hora certa, como diria Hamlet. No caso de “Cais ou da Indiferença das Emb a rc a ç õ e s " e s t áva m o s na nossa hora, plenos de hone s t id a d e p a ra com nossas vontades artísticas, não devíamos nada a

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“Casa Submersa” (2019): último espetáculo da trilogia marítima composta por “Cais ou da Indiferença das Embarcações” e “Sínthia”. FOTO: Nelson Kao.

ninguém e tínhamos uma conjunção artística muito potente. Houve isso em outras ocasiões, até com mais potência, mas como com Matraga, também penso que "todo mundo tem sua hora e sua vez". Quanto aos prêmios que ganhamos, eles são sempre menos do que parecem. Temos a sensação que, depois de recebê-los, basta ficarmos ao lado de nossos telefones para que sejamos convidados a realizar os nossos mais instigantes sonhos artísticos. Não é assim. A vida e a lida continuam como antes. Mas é claro que você e sua companhia passam a ter um selo. Esse selo é, ao mesmo tempo, um passa-

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porte diferenciado que faz com que você tenha algumas ferramentas a mais nesse mundo intrinsecamente competitivo, um carimbo de qualidade que lhe abre algumas portas, mas que também cria um monstro muito destrutivo dentro de você. O monstro da superação. Saber lidar e conviver com tal fera é das tarefas mais nobres de um criador honesto. A Companhia tem outros marcos? K M : Te m o s m u i t o o u tros. A visita de Denise Weinberg ao nosso processo de trabalho, a ida ao Retiro dos Artistas com nosso espetáculo sobre o s m o r a d o re s d e l á , a

morte do Walter Portella depois de ter sido nosso barco... Muitos e cada um num sentido. Há uma evolução e comunhão pelo tempo de existência do grupo? KM: A companhia surge de uma necessidade de produzirmos dramaturgia própria . Eu, como pro fessor de teatro, já prod u zi a d r a m atu rg i a n a s m o nt ag e ns que d iri gi a no âmbito da escola. Ali fui desenvolvendo um tipo de processo ao mesmo tempo comunitário e centralizado. Pesquisava muito com os alunos, improvisava, conduzindo-os pelos caminhos que meu olhar e minha in-


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tuição mandavam. Num determinado momento, dava essa fase por terminada e ia escrever o texto. Sozinho, no meu dito g a b i n ete. Q u a n d o vo ltava, sempre tinha uma obra com que a maioria se identificava, com elementos criados por muitos, escrita para cada um dos atores e atrizes, mas, ao mesmo tempo, uma obra reconhecidamente pessoal. Foi esse processo que levei para a Velha Companhia e que a cada espetáculo se desenvolve. Em "Sínthia", por exemplo, acrescentamos os observadores: pessoas que tinham interesse em algum tipo de troca com a companhia e que passaram a obser var e comentar o processo de criação. Em "Casa Submersa", esses observadores se multiplicaram e subiram ao palco conosco.

Parte do elenco de “Sínthia” (em sentido horário): Marcelo Diaz, Willians Mezzacapa, Kiko Marques, Marcelo Marothy e Denise Weinberg. FOTO: Lenise Pinheiro.

Quais são os planos para o futuro? KM: Queremos editar a Trilogia. Editar e pôr em cartaz as três peças juntas, com palestras, debates sobre dramaturgia. Os livros e as peças! Podendo, num dia da semana, ver às três, começando às 11 da manhã e terminando à meia-noite! Um sonho dentro do ambiente atual.

Mas sempre trabalhamos com ideias que parecem sonhos. Esse é nosso projeto do coração. Queremos também fazer um projeto nosso para crianças. Para nossos filhos e netos. Queremos estar vivos, plenos de amor e pensamento e sempre em cena.

POR KYRA PISCITELLI

Virgínia Buckowski, Alejandra Sampaio e Kiko Marques. FOTO: Lenise Pinheiro.

Jornalista formada pela universidade Metodista de São Pa u l o , p ó s - g ra d u a d a e m globalização e cultura pela Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo ( F ES P S P ) . E s c reve s o b re teatro e arte desde 2009. Integra os juris da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) - da qual é membro da diretoria - e do Prêmio Aplauso Brasil. Ávida por conhecimento, se não está em viagem ou estudo, só há um lugar para achá-la: o teatro!

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EVOÉ BEM ACOMPANHADO

FALANDO NISSO...

Ney Latorraca vai comemorar seus 55 anos de carreira com o espetáculo inédito “Seu Neyla”. Os atores Bel Lima (de “Bibi – Uma Vida em Musical”), Bruno Fraga (de “2 Filhos de Francisco”), Thainá Gallo e Emerson Espíndola (ambos de “Cássia Eller”) serão seus colegas de cena, dirigidos por José Possi Neto.

O espetáculo, produzido pela Aventura Entretenimento, captou R$ 2,5 milhões pela Lei de Incentivo à Cultura.

Ney Latorraca FOTO: Divulgação

POR: LEONARDO TORRES

Jornalista cultural, escritor e crítico teatral com mestrado em Artes da Cena. É fundador do site Teatro em Cena, redator do Portal POPline e jurado do Prêmio Brasil Musical.

JURY GARLAND

NÃO ESTREOU

Pegando carona no sucesso do filme “Judy”, que rendeu o Oscar a Renée Zellweger, a atriz brasileira Claudia Netto planeja remontar o musical “Judy Garland – O Fim do Arco-Íris”. Claudio Botelho deverá contracenar com ela, interpretando o amigo pianista da estrela Judy. A previsão de estreia é para o segundo semestre, no Rio de Janeiro.

Rodrigo Portella deveria ter estreado um espetáculo inédito no Brasil em março. Ele vinha ensaiando com o Teatro de Comédia do Paraná (TCP) para apresentar “TodoMundo!” no Festival de Curitiba, que foi adiado por conta da pandemia de coronavírus. Na peça, indicada ao Pulitzer, Deus está insatisfeito com os rumos da humanidade e dá ordem para que a Morte busque “todo mundo” para uma prestação de contas. Ranieri Gonzalez fazia parte do elenco.

FOTO: Divulgação

BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS O filme de 2004, estrelado por Jim Carrey, será adaptado para o teatro pelo diretor Jorge Farjalla. Quem vai encabeçar o elenco é o ator Reynaldo Gianecchini, revivendo o papel que foi de Jim Carrey no cinema. Antes do coronavírus, a previsão de estreia era para junho. Reynaldo Gianecchini FOTO: Cristiano Madureira

TEATRO ONLINE

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A produtora Palavra Z se destacou durante a pandemia de coronavírus, disponibilizando espetáculos infantis e adultos para streaming gratuito em horários determinados. Entre os destaques, estiveram “A Gaiola”, “Contos Partidos de Amor” e “Vamos Comprar Um Poeta” no segmento infantil e “Perdoa-me Por Me Traíres”, “Tudo o Que Há Flora” e “Ouvi Dizer Que a Vida É Boa” no adulto.

Dois espetáculos escritos pelo dramaturgo Gustavo Pinheiro também chegaram à Internet em meio à pandemia: “A Tropa”, com Otávio Augusto, e “Alair”, com Edwin Luisi. Estão no Youtube “para entreter a quarentena e para entendermos como chegamos a um desgoverno como este”, diz o autor.

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REGISTRO

ESTÚDIOS DISNEY PREPARAM GRAVAÇÃO DO MUSICAL “HAMILTON” PARA DISTRIBUIÇÃO EM CINEMAS

“ H a m i l t o n” é u m fe nômeno recente na Broadway, vencedor do Tony Awards de melhor musical de 2016. A obra, embalada pelas canções de Miranda ao estiVersão para os cinemas contará lo hip-hop, conta a histócom membros do elenco original ria de um dos patriarcas dos E s t a dos Un i dos , do espetáculo Alexander Hamilton. O Por CLÁUDIO MARTINS personagem é reconheDisney finalizou ra exibir a versão teatral cido como a principal a c o m p r a d o s na telona com o elenco mente por trás filosofia direitos para a original do espetáculo, econômica do país. distribuição do musical que inclui nomes como “Hamilton” em cinemas o do criador da peça, Além dos prêmios tea partir de 15 de outubro Lin-Manuel Miranda. A at r a i s , o s u c e s s o d e de 2021. Após intensas novidade foi divulgada Hamilton alcançou as negociações, os estúdios nos canais de redes so- paradas musicais, gede Mickey Mouse con- ciais da empresa com a rando reconhecimento no Grammy Awards, seguiram os direitos pa- hashtag #Hamilfilm.

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REGISTRO Disney levará versão teatral de “Hamilton” para os cinemas. FOTO: Divulgação

maior premiação da música nos Estados Unidos. A coletânea de faixas do musical foi vencedora na categoria de “melhor álbum de teatro musical” em 2016. O espetáculo já esteve em turnê nos Estados Unidos e também conta com apresentações em Londres atualmente. A novidade chega ao mercado após uma entrevista de Lin-Manuel Miranda à Variety sobre a possibilidade de um filme de “Hamilton”. Por hora, não há previsão para distribuição em cinemas brasileiros.

POR CLÁUDIO MARTINS J o r n a l i s t a fo r m a d o p e l a FACHA com MBA e m Comportamento do Consumidor pela ESPMRJ. É o criador do portal “A Broadway é Aqui!”, ded i c a d o a o te at ro m u s i cal . Também atua como Coordenador de Conteúdo no Mundo do Marketing, gerenciando projetos de clientes empresariais.

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NO FOYER

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o dia 9 de março, aconteceu no Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro, a estreia VIP do espetáculo “A Hora da Estrela ou o Canto de Macabéa”. Produzido pela Sarau Agência de Cultura Brasileira, o musical de uma das obras mais emblemáticas de Clarice Lispector (1920-1977), estreou no ano do seu centenário. A adaptação e direção é de André Paes Leme, as canções originais são de Chico César e, no elenco, estão Laila Garin, como a mítica protagonista do aclamado romance, Claudia Ventura e Claudio Gabriel. Confira algumas das presenças da badalada estreia. 2

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FOTOS: Daniel Barboza.

NO FOYER

FOTO: Silvana Marques/Divulgação

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1 Françoise Forton, Maria Siman, Guida Vianna e Stela Miranda. 2 Chico César e Zélia Duncan. 3 Geraldo Azevedo. 4 Paulinho Moksa e Larissa Bracher. 5 Paulo José́, Andréa Alves e Bel Kutner. ABRIL 2020

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CINEMA

“BOCA DE OURO” GANHA SUA TERCEIRA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA Clássico de Nelson Rodrigues é adaptado e dirigido por Daniel Filho, com Marcos Palmeira no papel-título Por REDAÇÃO

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scrita em 1959 por Nelson Rodrigues, o espetáculo “Boca de Ouro” estreou em São Paulo em 1960, com Ziembinski como diretor e ator, no papel-título. Reza a lenda que a atuação do diretor com seu sotaque polonês no papel do “Drácula de Madureira”, como é referido no texto, não convenceu o público. A história do bicheiro que nasceu em um reservado de gafieira e teve como seu primeiro berço uma pia de banheiro onde sua mãe o deixou, teve sua mais recente montagem teatral dirigida por Gabriel Vilela, com Malvino Salvador como protagonista.

No cinema, Boca foi vivido por Jece Valadão em 1963, em filme dirigido por Nelson Pereira do Santos e novamente em 1990, com Tarcísio Meira no papel-título e direção de Walter

Avancini. Agora é a vez de Marcos Palmeira ganhar as telonas com este clássico de Nelson Rodrigues, dirigido por Daniel Filho. O filme traz Malu Mader de volta ao cinema após 10 anos e,

O filme traz Malu Mader de volta ao cinema após 10 anos.

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FOTOS: Ique Esteves/Divulgação

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no elenco, estão ainda Lorena Comparato (Celeste), Thiago Rodrigues (Leleco), Silvio Guindane (Caveirinha), Fernanda Vasconcellos (Maria Luísa), Guilherme Fontes (Agenor) e Anselmo Vasconcelos (dentista). O longa-metragem foi exibido pela primeira vez na mostra Hors-Concours da Première Brasil do Festival do Rio 2019. Euclydes Marinho, roteirista do sucesso da TV “A vida como ela é”, também assina o roteiro do filme, uma produção da Lereby com coprodução da Globo Filmes

e do Canal Brasil. No filme, a vida perigosa e movimentada de Boca de Ouro acaba chamando a atenção do jornalista Caveirinha, que procura uma ex-amante do contraventor para colher material para uma reportagem sobre a sua vida. O ator Marcos Palmeira acredita que o que torna ‘Boca de Ouro’ relevante é o fato de que o Brasil mudou pouco em relação aos anos 1950, época em que a história é ambientada. “A diferença é que, hoje, tem a milícia. Mas sempre teve essa relação promíscua entre a bandidagem, a sociedade e os empresários. O Boca de Ouro é esse bicheiro que lida de uma forma paternalista e populista com a comunidade dele”, disse Palmeira ao portal de notícias G1.

A atriz Malu Mader já é íntima da obra de Nelson. Ela esteve no elenco de “A Vida Como Ela É” na televisão e, no teatro, encenou “Vestido de Noiva”, com Luciana Braga e Thelma Reston no elenco. Sobre o dramaturgo, Malu afirma: “O Nelson foi, é e será sempre relevante e atual. Suas falas são coloquiais, mas revelam com profundidade paixões, ódios, ressentimentos, morbidez, através de uma linguagem única, cheia de estilo e ironia. Ele é totalmente livre, não escreve para agradar, foge do senso comum e assim consegue nos revelar nosso lado mais obscuro e mais humano”.

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NA COXIA

A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS E OS PREJUÍZOS PARA O TEATRO Produtores, donos de teatro, artistas e técnicos articulam-se em busca de soluções para sobrevivência Por REDAÇÃO

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m razão da pandemia do Coronavírus, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), decretou o fechamento de teatros, cinemas e casas de show no dia 13 de março, em edição extraordinária no Diário Oficial. Em seu pronunciamento no dia do decreto, o governador afirmou: “O vírus se transmite muito rapidamente quando há aglomeração, e, se evitarmos as aglomerações, nós não teremos uma crise aguda e poderemos, assim, ter condi-

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ções para tratar aqueles que forem infectados”. A determinação que visa impedir a propagação do vírus foi prontamente respeitada pelos produtores desde a sexta-feira, dia de sua publicação. Mas já no sábado e domingo seguintes ao decreto, o que se observou foram filas em restaurantes, praias lotadas, aglomerações em cultos religiosos e na manifestação política realizada na Avenida Atlântica, em Copacabana. Inicialmente programado

para 15 dias, o fechamento dos teatros pode se estender por 3 meses, período previsto para o pico da pandemia no Brasil. Em encontro promovido pela APTR, realizado no Teatro Poeira no dia 15 de março e transmitido ao vivo pelo Instagram, artistas, produtores e donos de teatro contribuíram com ideias para que a cadeia produtiva das artes não entre em colapso. A produtora Maria Lucia Priolli sugeriu que os espetáculos voltassem ao cartaz ocupando as filas alter-


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Teatro Multiplan, no shopping Village Mall. FOTO: Divulgação.

nadamente, para que haja uma distância entre os espectadores, além da condução dos espectadores aos banheiros para lavar as mãos e usar álcool gel. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) recomendou a busca de linhas

de financiamento para realização dos espetáculos on-line, sem a presença do público presencial. A atriz Alexandra Richter propôs a elaboração de uma proposta de lei SOS para que empresas privadas colaborem e tenham alguma re-

dução de impostos, como acontece na atual Lei de Incentivo à Cultura. A atriz e dramaturga Cláudia Mauro sugeriu que peças patrocinadas tenham na prestação de contas uma rubrica permitindo que os pagamentos no período de tea-

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, e sua equipe, em anúncio do decreto 46.970, em 13 de março, que determinou o fechamento de teatros, cinemas e casas de show. FOTO: Reprodução.

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tros fechados sejam feitos normalmente, mesmo sem a realização das apresentações. E para peças que vivem de bilheteria, que o governo estadual disponibilize uma verba mínima para pagamentos. A pandemia de Coronavírus prejudicou a economia em nível global, mas quando se trata de um setor já combalido como as Artes Cênicas, a situação fica ainda mais grave. O produtor cultural João Luiz Azevedo teve de cancelar 17 shows e adiar outros 27. A cerimônia do 32º Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro, que seria realizada no dia 17 de março no Copacabana Palace, também foi cancelada

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de forma a reduzir riscos potenciais de contágio do Coronavírus. Foi a primeira vez que a noite de entrega dos prêmios não aconteceu, desde 1988, ano do início do Prêmio Shell de Teatro. O Festival de Teatro de Curitiba, que aconteceria em março, foi adiado para setembro de 2020, entre os dias 1º e 13. Em Nova Iorque, o governador do estado Andrew Cuomo restringiu reuniões públicas com mais de 500 pessoas, exceto escolas, hospitais e trânsito. Com a medida, os espetáculos da Broadway suspenderam suas temporadas por 1 mês. O prejuízo estimado é de 100 milhões de dólares.

No Rio de Janeiro, boa parte do público que frequenta o teatro é composta por idosos, grupo de risco letal para o Coronavírus. Não se sabe quando o público voltará a frequentar as salas de espetáculo sem medo de contágio. O prejuízo para todos os setores envolvidos direta e indiretamente com a realização de um espetáculo são inestimáveis. A classe artística, acostumada a resistir, agora anseia pelo controle deste inimigo invisível para reexistir.


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CORONA-ARTE Por CAIO BUCKER

“Irmão, tá todo mundo fazendo live!”. Essa foi a frase do Ivan Mendes, durante a nossa live. A quarentena não intimidou a maioria dos artistas. Muito pelo contrário. Mais uma vez a arte se mostra necessária e resistente. Com o cancelamento de shows, festas e espetáculos, e com o fechamento de salas de cinema e teatros, as redes sociais viraram palco de exibição e debate durante o confinamento geral da nação. O que antes era feito muitas vezes apenas como registro pessoal, hoje virou a única forma de acessar um evento cultural. O mais engraçado é que, antes, esses eventos eram ignorados pelos governos, e com a pandemia, a primeira providência tomada foi justamente fechar teatros e cinemas. Será realmente que, a maioria da população ocupa esses lugares? Na mesma noite em que produtores e artistas anunciavam o adiamento de suas temporadas e apresentações, os bares e restaurantes ocupavam sua lotação

com animação, iluminado pelo farol de transportes públicos abarrotados de trabalhadores. Sim, a situação é grave e a quarentena é necessária. Por isso, artistas do mundo todo se unem em shows e festivais online, principalmente em suas páginas do Instagram. A inspiração veio do festival português “Eu Fico em Casa”. Aqui no Brasil, os independentes e os consagrados se apresentam, muitas vezes à capela, confinados em suas casas. Espetáculos teatrais estão sendo disponibilizados na íntegra. Bate-papos em grupo com interação do público pensam o futuro do país e possíveis soluções para minimizar o prejuízo, além de novidades para quando acabar o apocalipse. Além das páginas online, a arte também reflete o impacto mundial da doença de outras formas, com grafites (como a imagem da mulher cobrindo o nariz enquanto espirra, feito pelo grupo senegalês RBS Crew), ilustrações online (como a do “iluztrador” Felipe Guga), música ao vivo na varanda (como o pocket show da cantora

FOTO: Felipe Guga.

espanhola Beatriz Berodia e a Varanda Party do DJ James B, em Maceió), e projeções em prédios e fachadas do país durante um panelaço contra o viral governo. A verdade é que, aconteça o que acontecer, a arte vai continuar resistindo. Já passamos por golpes, censuras e o constante descaso de quem deveria nos valorizar. No meio de tragédias, surgiram expressões artísticas e movimentos de extrema importância para o mundo. O poeta da Revolução Maiakóvski - disse que a arte é um grande instrumento para a revolução, pois fazer arte é reflexão, é um caminho para discutir e dimensiona diversos sentidos. A verdade é que a arte cria processos de resistência e entra na vida das pessoas. Então, que a luta continue. E que a arte resista, mais uma vez.

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Os irmãos Rico e Renato Vilarouca criaram o videografismo do elogiado espetáculo “Eu, Moby Dick” (2019). FOTO: Divulgação.

RICO VILAROUCA Designer & Videografista

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Te at ro e s co l h e você. E acredite, quem te diz isso é alguém que sabia o que queria fazer da vida muito antes dos quinze anos. Comunicação, design, redação, novas formas de narrativa – quando ainda nem haviam as novas formas de narrativa de hoje – tudo isso me fascinava. De alguma forma era ali que eu queria estar. Ainda ali pelos quinze anos, me inscrevi numa t u r m a d e te a t ro q u e abrira na minha escola. Na verdade, foi um desafio feito por uma gran-

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de amiga. Bobo nem nada, convenci mais uns quatro ou cinco amigos, porque eu detesto passar vergonha sozinho. Restamos apenas eu e a amiga e isso durou alguns anos. Sim, o Teatro escolhe você. Mesmo levando algum jeito pra coisa – e eu gostava de atuar – eu estava convicto da minha escolha, que eu achava ser a publicidade. No vestibular da UFRJ, em vez de acertar a publicidade, acabei no curso de Radio e TV por um décimo de ponto. Pra quem não sabe, a Radio e TV é um curso noturno da comu-

nicação social, que divide o prédio e as matérias básicas com o curso de... Direção Teatral. Sim, ele te escolhe sim. A direção teat ral me rendeu grandes amigos, minha esposa e, com a autorização dela na sua primeira montagem do curso, a oportunidade de fazer as primeiras experiências de projeção cênica numa montagem re a l . Na ve rd a d e , e u queria apenas um lugar pra experimentar todas as ferramentas que estudava à época: 3D, edição de vídeo, animação e até música. Ela, en-


MEU OFÍCIO

tretanto, queria um elemento que colaborasse de fato na encenação. Não à toa tive que refazer tudo algumas vezes. Sim, ela era uma encenadora exigente. A partir daí, uma amiga nos indicou pra uma montagem em que queriam fazer o cenário e personagens em desenho animado interagindo com os atores. Dá pra fazer? Claro. Ainda que eu soubesse que vídeo e animação já estavam sendo usados no teatro, principalmente lá fora, não era claro que estávamos percorrendo caminhos ainda novos por aqui. Não havia referência, bibliografia, tutorial de youtube... quase tudo era empírico. Essa segunda montagem levou seis meses… hoje levaria poucas semanas. Essa experiência de vida rendeu uma coisa que eu dificilmente vejo em colegas da minha área: Eu gosto de

teatro. Mais do que isso. Eu acho o teatro a mais importante e rica expressão artística já desenvolvida pelo ser humano, porque engloba quase todas as demais (até mesmo a música, a minha preferida de todas). Quando se inventou a perspectiva, lá estava um pintor em uma montagem. Quando se inventou a luz elétrica, alguém usou o dimmer pra dar mais “drama” a uma cena. Quando se inventou o projetor, lá estava um Svoboda pra criar um efeito até então nunca visto. Hoje, com mais de 200 montagens no currículo, nada me deixa mais feliz do que fazer as pessoas se emocionarem com uma projeção plenamente integrada à montagem – o espetáculo é soberano. Mas persistindo na busca constante pelo reconhecimento da proje-

ção cênica como linguagem teatral - já é cadeira em cursos de arte lá fora e tem sido elemento comum nos cenários mais elogiados e premiados aqui recentemente. No início de tudo, eu e meu irmão – e sócio até hoje – ainda estávamos em nossos empregos e tudo era feito nas horas vagas. Eu já perambulara pela publicidade e escritórios de design e vi que não era ali o meu lugar. Algum tempo depois, entendemos o caminho que havia ali e montamos a Vilaroucas Produções, já com mais de uma década. Hoje, além do teatro, estamos nas demais áreas do audiovisual e inaugurando uma área de imersão em VR. Mas se você perguntar qual o meu preferido, eu escolho o teatro. Tanto quanto ele me escolheu.

“A Última Aventura É a Morte” (2018): trabalho de Rico está presente em um dos espetáculos mais celebrados da Cia Pequod. FOTO: Divulgação.

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Musical “Peter Pan” (2019), coreografado por Alonso: coreografia no ar. FOTO: Chico Lima.

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ALONSO BARROS Coreógrafo

u tinha 13 anos e est ava p a s s a n d o e m frente ao cine Jequitibá em Campinas, quando vi o cartaz de um filme. Eu ja era cinéfilo na época. O título era “Amor, Sublime Amor”. Um filme já antigo na época, que tinha sido remasterizado para Cinerama 70 mm. Não me interessei nem um pouco pelo título até ver as fotos que acompanhavam o cartaz na vitrine do cinema. Com este título pensei: “Não estou disposto a mais um Love Story”. Mas as fotos me intrigaram. Eram fotos que “se moviam” e que realmente não tinham muito a ver com “Amor, Sublime Amor”. Pois bem, peguei o dinheiro da semanada, comprei o ingresso, uma Frutella na bomboniere e sentei na plateia. A tela Cinerama me deixava sem-

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pre ansioso. Segundos na escuridão e eu já sou surpreendido pelo primeiro acorde de uma “sinfonia” que ficaria na minha memória para sempre. Ali morreu “Amor, Sublime Amor”. Nascia “West Side Story”, a música era de Leonard Bernstein e a minha vida mudou, ou melhor, mudaria anos depois. Eu não tinha ideia do que a coreografia representava naquele momento, mas cada cena esculpida pelo coreógrafo/gênio Jerome Robins ficou comigo lá dentro, esperando para explodir anos a frente. Poucos anos depois, a capa da revista Manchete era uma troupe de atores liderados por Marília Pêra e Marco Nanini. O título era: “Pippin” no Brasil. Não sei porque mas o destino

me levaria de Campinas ao Rio de Janeiro para assistir a um jogo de futebol da Ponte Preta com o meu pai, que era um fanático pontepretano. Ele era uma pessoa curiosa e incrível. Assistimos o jogo (a Ponte perdeu de goleada) e eu, após o fracasso pontepretano, mencionei a ele sobre Pippin. O Alonso pai me surpreendeu e logo depois de uma viagem de táxi do Maracanã à Glória, estávamos em frente ao teatro Adolpho Bloch. O ingresso era caro, então entrei sozinho enquanto o Alonsão sentou no bar ao lado do teatro e pediu uma Brahma gelada, eterna companheira e, pacientemente, esperou até o fim do espetáculo. A música de Stephen Schwartz com a genialidade de Bob Fosse ali selaram o meu futuro. Eu poderia começar esta crônica dizendo que ser


MEU OFÍCIO coreografo é... mas eu não estaria sendo honesto, pois não teria me tornado um bailarino e coreógrafo sem a inspiração, inicialmente, destes gênios e mais tarde, de outros como Pina Bausch e Mats Eck. Eles foram influências distintas no meu trabalho, na procura da minha linguagem ou estilo, por assim dizer. Até hoje me perguntam por que “escolas” tão distintas podem ter me influenciado. A minha resposta é a mesma de Pina: “Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move”. Sempre achei teatro musical uma escola de estilos distintos, de coreógrafos que marcaram sua identidade dentro dele. Não posso esquecer de Michael Bennet e Gower Champion. Mas no final dos anos 90, explodiram espetáculos que buscavam outros caminhos para o trabalho de movimento. Vieram “Rent”,

“Spring Awakening”, “Hamilton”, entre outros. Para mim, tornar o teatro musical contemporâneo sempre foi fundamental e descobrir novas linguagens, valorizar o “teatro/ movimento”. O ofício de coreógrafo não é fácil, mas nunca deixa de ser estimulante. Para quem gosta de criar, é um prato cheio. Eu adoro criar. A inspiração vem das ruas, dos artistas com quem trabalho e, claro, do material que eu recebo. Mas acho fundamental ir atrás de histórias que me tocam e inspiram. Para mim, um dos conceitos de dança é a interpretação do movimento aliado a uma “técnica/linguagem” que m e l h o r e n c a i xe n o i n térprete. Tenho grande respeito pela obra, mas também por quem vai interpretá-la. Para criar, eu entro no trabalho. É uma grande responsabilidade

a de como passar a sua ideia para ser entendida e executada. Distribuo movimentos como um texto, uma história que vai ser dissecada e estudada pelo intérprete. Este jogo é fundamental para achar um diálogo com quem se está trabalhando. Sempre fui pelo diálogo corporal entre criador e intérprete. A relação coreógrafo/intérprete ou coreógrafo/diretor se baseia no trabalho conjunto do respeito pelo espaço de cada um. Para mim, coreografar teatro musical é sempre achar um conceito de movimento que vá ajudar a contar a história. A dramaturgia coreográfica e corporal para mim é fundamental. Cada trabalho é uma dramaturgia diferente, é um novo desafio, uma nova composição. Texto, personagem e música, tudo é inspiração. Nós, coreógrafos de musical, temos uma responsabilidade e um trabalho imenso em cada produção. Eu sou grato por ter a oportunidade de trabalhar em tantos espetáculos distintos aqui no Brasil. Todos diferentes em tema, linguagem, d ra m a t u rg i a e m ú s i c a . Mas temos um futuro difícil pela frente. Parece que nada deve ser fácil para a classe artística, mas acredito na união e na ajuda mútua para passarmos por mais essa. Somos feitos de Arte e a arte empodera. “Pippin” (2018): coreografia era um dos pontos altos do espetáculo. FOTO: Daniel Coelho.

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LAILA GARIN: “ESCOLHO MINHAS PERSONAGENS”

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FOTO: Daryan Dornelles.

Por LEONARDO TORRES

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multipremiada L a il a G a ri n fo i pega de surpresa em meados de março. Depois de uma semana e meia em cartaz com seu novo espetáculo, “A Hora da Estrela – O Canto de Macabéa”, a temporada teve que ser suspensa por tempo indeterminado diante da pandemia de coronavírus. “Foi um misto de alívio e frustração. Mas isso ficou pequeno ao longo dos dias, porque estamos vivendo uma questão muito maior”, ela avalia em entrevista por telefone, respeitando a recomendação de isolamento social, em sua residência no Catete, no Rio de Janeiro. Só sai de lá para ir à farmácia ou ao mercado. Laila e o elenco ensaiaram mais tempo do que ficaram em cartaz: foram três meses de preparação. O que vem pela frente, ela não sabe dizer no momento, mas o musical estreou no Rio com uma turnê programada por Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte até setembro. O espetáculo deverá retomar seu percurso quando for seguro para todos, com remanejamento das datas.

Esse é um ponto na curva da carreira da atriz, que pisou no palco pela primeira vez aos cinco anos, substituindo outra menina em uma adaptação de “Decamerão”, em Salvador. Laila Garin (se diz “Garrã”, e ela jura que é mentira o boato sobre ficar braba quando pronunciam seu sobrenom e e rrado) está bastante assustada. “Tenho parentes que moram na França, então eles estão alguns dias a frente de nós, em relação à pandemia e às medidas dos governos. Eu não estava querendo entrar nesse pânico, mas fui vendo o que acontecia na França e vendo que estava chegando até nós”, ela conta. Durante os 60 minutos de entrevista, a atriz se volta ao coronavírus diversas vezes, embora os assuntos sejam outros. Quando perguntada sobre prêmios, resp o n d e: “a g o r a e s s e s prêmios não ser vem, não dão o que a gente está precisando nesse momento”. Quando o assunto é estabilidade na carreira, diz que agora o mais rico é quem tem paz interior, uma casa para se enfurnar e comida ao alcance. É visível que está impres-

sionada, enquanto expõe a busca por maneiras de se manter sã. “Tenho limpado muito a casa, higienizado muito as coisas e arrumado minha cabeça para começar a fazer algo criativo. Perguntei às pessoas que me seguem o que gostariam de ver”, diz a ar tista, “meu trabalho é totalmente presencial... estou à beira da loucura! Não posso fazer teatro de casa. Estamos nos reinventando agora”. A produção de “O Canto de Macabéa” avalia fazer leituras online. Além disso, um single com a trilha sonora do musical foi lançado nas plataformas digitais. “A Hora da Estrela – O Canto de Macabéa” é uma adaptação do diretor André Paes Leme para o livro de Clarice L i s p e cto r, p u b l i c a d o em 197 7. A s c anções são originais e escritas por Chico César. Quem leu o livro pode imaginar a dificuldade que é transpô-lo para o palco. Macabéa, a protagonista, é uma personagem praticamente sem ação, que beira a passividade absoluta. Oca, segundo a própria autora. É quase como se não tivesse ABRIL 2020

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sangue nas veias. O desafio instigou Laila: - Descobri muitas coisas sobre mim interpretando Macabéa. Sempre fiz mulheres muito fortes no teatro e Macabéa é o oposto. Precisei achar um lugar de relaxamento muito grande. O mais difícil é: como alguém pode se inocentar e se “ingenuizar” depois de morder a maçã? Depois que você já pensou todas aquelas coisas - como diria popularmente, quando a gente já maldou - como se “desmalda” ? A gente tem um olhar tão maldado, malvado, que julga o tempo inteiro o outro e a si, e esse “desjulgar-se” e “desjulgar” o outro é um caminho muito profundo. O jeito que ela reaLaila Garin e Claudia Ventura, em cena da peça “A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa” (2020).

FOTO: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

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ge é muito diferente do jeito que as pessoas reagem. Uma pessoa bate nela e ela reage de outra maneira. Essa outra lógica dela me levou muito tempo. – conta a atriz e cantora, que percebeu que passou a entender melhor a obra de Clarice após a maturidade. Laila Garin é uma atriz que já pode se dar ao luxo de escolher seus trabalhos. Depois que estourou no teatro musical protagonizando a biografia de Elis Regina em 2013, emendou uma sequência de personagens complexas nos palcos: Selminha de “O Beijo No Asfalto – O Musical” e Joana de “Gota D’Água [a seco]”. Macabéa entra na lista de escolhas de-

safiadoras. “Nego trabalhos. Já fui chamada para muitos musicais, inclusive biográficos. Mas prefiro personagens que são desafios. Escolho sim. Acho que você às vezes escolhe ativamente e às vezes pela rede de prof issionais com quem trabalha. As pessoas já veem que você gosta mais daquilo...”, explica. Faz sentido: a produç ão de “A Hora da Estrela” é a mesma de “Gota D’Água” e de “Gonzagão: A Lenda”, alguns de seus espetáculos anteriores. Para entender melhor co mo ela chegou a esse nível na carreira, é preciso voltar ao início de tudo: Salvador.


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“TENHO MUITO RESPEITO PELOS MAIS VELHOS”

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aila Garin é filha de pais separados: m ã e b ra s i l e i ra e pai francês. Ela nasceu e cresceu em Salvador, com férias anuais na França, o que lhe rendeu fluência no idioma. “Sempre meio híbrida, pertencendo em um pedaço e em outro não”, pontua, “um pouco solitária também, por ser filha única”. A mãe, jornalista cultural, lhe proporcionou uma infância cheia de arte, assistindo a espetáculos e fazendo cursos na área para “sua formação como ser humano”. Desde pequena, vivia cercada de artistas e “humanistas”, como gosta de dizer. Foi criada sem preconceitos. Depois da separação com seu pai, sua mãe namorou mulheres, e Laila nunca enxergou aquilo como uma questão. Na casa, tocava Cida Moreira, Bibi Ferreira, Gal Costa e Maria Bethânia. Aos 11 anos, começou a estudar teatro efetivamente. Já sabia que queria ser artista, como alguns dos amigos da mãe. A única dúvida era se seguiria

Com Alejandro Claveaux em “Gota d’Água [A Seco]” (2016). FOTO:

Lenise Pinheiro/ Folhapress.

a carreira de atriz ou de cantora. Adolescente, apaixonou-se por Chico, Caetano, Gil e Milton – “ouvia muito Milton” – mas sobretudo por Edson Cordeiro. Também fundou um fã-clube da atriz baiana Rita Assemany. Teatro e música sempre foram seus interesses. Os pais a apoiaram desde o início. O único pedi-

do paterno era que ela fosse sua própria patroa. No fim da escola, Laila ficou dividida entre dois caminhos: estudar canto lírico na França ou prestar vestibular para artes cênicas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ficou com a segunda opção e logo começou a trabalhar. Chegou a fazer teatro com Wagner Moura e Vladimir Brichta, quando todos ABRIL 2020

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A faculdade foi muito importante para os primeiros passos da carreira de Laila. O curso lhe deu um panorama histórico que a situou melhor em seu ofício. “Tenho muito respeito pelos mais velhos. Você aprende que a roda já foi inventada. Você não acha que está inventando-a. Já fizeram lá atrás. Acho rico, um privilégio você ter um mestre te dizendo o que você vai ler”, divide, “mas considero importante você não perder o tempo da universidade, pegar a vaga e ocupar os professores, se você quer fazer TV e ser celebridade. Sou meio antiga nesse aspecto. Você tem muitos caminhos para ser ator, 36

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FOTO: Joana Mendonça.

estavam começando, em Salvador. Também trabalhou com José Possi Neto, em “A Casa de Eros”, espetáculo que a revelou para a classe na Bahia. Outros destaques foram “Roberto Zucco”, de Nehle Franke, e “Medéia”, em que foi protagonista, estabelecendo seu primeiro contato com o universo da tragédia da mulher abandonada que mata os filhos. Tragédia à qual se voltaria novamente no futuro, com “Gota D’Água [a seco]”.

não precisa necessariamente fazer uma carreira acadêmica”. Terminado o curso, Laila Garin viaj o u p a r a a Fr a n ç a e fez estágio por 15 dias no icônico Théâtre du Soleil, trabalhando com Ariane Mnouchkine. Ela não podia imaginar que, anos mais tarde, faria parte do elenco de “As Comadres”, primeira direção de Mnouchkine no Brasil. “Foi muito bom. Quando você se vê diante da mesma pessoa, em outro momento da vida, você acaba recebendo as coisas de outro jeito. Foi mais uma formaçãozinha. Curta, mas foi”, destaca a franco-brasileira.


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“ATORES DE MUSICAIS TÊM UMA VOZ MEIO DUBLADA, UNS GESTOS MEIO FAKES, MEIO IGUAIS”

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uando viajou para a França, o plano era viver um tempo lá, já que tinha o suporte da família paterna, mas Laila ficou só seis meses no país. De Paris voou para São Paulo, convidada para atuar em uma montagem brasileira de “Grease”, que não foi das melhores experiências que teve no palco. Era seu primeiro musical e ela se

sentiu um peixe fora d’água. Amanda Acosta e Afonso Nigro eram o s p ro t a g o n i s t a s d a produção dirigida por Cristina Trevisan. Laila nunca escondeu que não se identificou com o “formato Broadway”, tanto é que não voltou a trabalhar em um espetáculo assim. “Eu não sabia cantar daquele jeito e tudo bem, porque me aceitaram assim mesmo. Mas achei Com elenco da primeira direção de Ariane Mnouchkine fora do Théâtre du Soleil, “As Comadres” (2019). FOTO: Divulgação.

estranho”, admite, “eu gosto de fazer treinamento, improvisar e ali vi que era outro meio. É m u i to p re s e nte i s so do ‘protagonista’ no t e a t r o m u s i c a l . Te m uma hierarquia diferente, ao mesmo tempo que tem uma disciplina muito maravilhosa e bonita, principalmente dos dançarinos que fazem coro. Uma coisa mesmo de trabalhador”. Suas expectativas eram outras e não foram atendidas. Em 2 0 1 4 , L a i l a G a r i n deu uma entrevista ao programa “De Frente c o m G a b i ”, n o S BT e disse que tinha um pouco de preconceito com musical, porque achava algumas atuações falsas e padronizadas. Não agradou os fãs do gênero, claro. Perguntada se mudou de opinião com o passar dos anos, ela diz que não. “É um preconceito meu, porque não vejo todos os musicais em cartaz. Algumas coisas que vi achei tão frias... não acontece nada comigo quando assisto. Acho artificiais, ABRIL 2020

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no mau sentido, os atores da maioria dos musicais que vi. Tem uma voz meio dublada, uns gestos meio fakes, meio iguais. Alguns parecem que estão posando para frente em vez d e a t u a r e j o g a r com o parceiro do lado. Parece que são várias pessoas posando para frente, com seu lado mais bonito. Vejo isso. Por isso quando falam que sou atriz de musical, eu digo ‘err.... mais ou menos’. Mas é um preconceito, porque não conheço tudo. É sobre o que vi aqui. Nunca fui a Broadway ou a Londres ver musicais. Sou totalmente ignorante”, confidencia. Marcelo Mimoso e Laila Garin em “Gonzagão - A Lenda” (2012). FOTO: Ana Branco.

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CAPA No sucesso dirigido por João Falcão, “Gonzagão - A Lenda” (2012). FOTO: Cristina Granato.

sou a fazer o treinamento vocal diário dos atores. “Eu me desenvolvi muito com eles”, lemb r a . Pa r a “O H o m e m Provisório”, uma adaptação de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, o elenco ensaiou nove meses e passou 40 dias na casa de moradores no Cariri. Muito imersivo. Ela carrega consigo até hoje tudo que aprendeu com Cacá.

“ATOR COM CELULAR NA COXIA, PARA MIM, É INADMISSÍVEL”

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ão sentindo que ali era seu lugar, Laila saiu de “Grease” para o teatro de pesquisa de Cacá Rodrigues. Ficou cinco anos com ele na Casa L a b o r ató r i o, e m S ã o Paulo, direcionando sua carreira para um lado completamente distinto. Com o ator e diretor, fez “A Sombra de Quixote”, “O s Fi g u r a nte s” e “O

Homem Provisório”, tendo este terceiro marcado bastante a atriz. Tinha música, mas não era um musical. Cacá não se impressionava com o talento vocal de Laila, exigindo que o dom estivesse a serviço do texto, que passasse verdade, que comunicasse como atriz. Firulas vocais não bastavam. Era outra proposta. Ela pas-

- Eu carrego um gosto pelo treinamento, pela disciplina, pelo ritual, pelo sacerdócio. Eu carrego os princípios do teatro, que estão se perdendo um pouco. Ator com celular na coxia, para mim, é inadmissível. Carrego um gosto pelo estudo, de busca de referências, carrego uma crítica e uma insatisfação ferrenha, mas que me põem para frente. A Casa Laboratório é minha segunda faculdade, minha segunda formação. – reconhece a baiana, que se sente mais atriz do que cantora até hoje, por tudo que aprendeu, mesmo já tendo lançado dois ABRIL 2020

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FOTO: Ana Branco.

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álbuns e viajado com shows – Meu approach na música é de atriz ainda, mesmo quando canto um álbum sem cara. Fo i e s s a a b o rd a g e m que encantou outro diretor, João Falcão. Convidada para fazer teste s p a r a u m m u s i c a l sobre Carmem Miranda que ele queria montar, ela foi escolhida para o papel principal. O espetáculo acabou não saindo do papel, mas gerou frutos para Laila. Graças a esse primeiro contato, mudou-se para o Rio de Janeiro em 2009 para fazer outro musical, “Eu Te A m o M e s m o A s sim”, que teve supervisão geral dele. João 40

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Falcão também a levou para sua primeira aparição na TV, com uma ponta na série “Clandestinos”, da T V Globo. Ela nunca mais deixou o Rio. “É uma cidade muito bonita. A natureza e a possibilidade de sair daqui me fazem f icar. A possibilidade de poder sair para trabalhar e voltar”, explica. Com João, fez ainda “Gonzagão – A Lenda”, sendo a única mulher em um elenco inteiro masculino. O espetáculo encerrou sua trajetória com mais de 300 mil espectadores em 13 estados e foi o primeiro sucesso de Laila Garin nos palcos.

- João te m uma man e i r a m u i to p a r t i c u lar, que não tem nada a ver com esses musicais da Broadway. É música brasileira, não tem o jeito americanizado de cantar. É outra fonte. Desta vez, eu me senti em casa. A gente improvisou muito. Tive um retorno aos meus tempos de companhia. A gente se encontrava e Duda Maia, que fazia a direção de movimento, propunha muitas improvisações. A gente foi desenvolvendo o sentimento de grupo até que realmente se formou o grupo, A Barca dos Corações Partidos, da qual não faço parte mais. – relembra.


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ELIS E A ACLAMAÇÃO abandonaria a seleção. Mas o próprio Dennis ligou para ela e pediu que, pelo menos, fizesse os testes até o final. O resto da história todo mundo conhece: Laila Garin foi escolhida entre 200 candidatas e saiu dos palcos aclamadíssima. “Elis, a Musical” fez turnê nacional e temporadas sucessivas no Rio e em São Paulo. O público saía emocionadíssimo. Laila ganhou atenção da mídia e conquistou a crítica especializada. Recebeu nove prêmios ao todo, inclusive o Shell, o mais antigo d o t e a t ro b r a s i l e i ro . Ela ficou especialmente feliz com esse, por ser um prêmio de melhor atriz, sem segmentação por musical. “Eu percebia que era uma coisa grandiosa acontecendo na minha vida,

mas ao mesmo tempo não via tudo. Era muito trabalho. Era meio surreal: 40 solos. Era um trabalho físico mesmo. Braçal. No caso, ‘gargantal’”, ela brinca. Uma curiosidade é que, durante os ensaios para viver Elis Regina, o smartphone de Laila quebrou. Ela optou por não comprar outro imediatamente e passou aquele processo inteiro offline, mergulhada em Elis. Usava só um “tijolão” com SMS. “Abri mão da Internet”, relembra, “mas o mais doloroso foi abrir mão da minha cia. e do ‘Gonzagão’. Todo mundo me apoiou na época e disse ‘vai’. Foi lindo. Mas foi doído, porque estava

FOTO: Divulgação.

“Gonzagão – A Lenda” tinha agenda fechada por mais um ano quando Laila Garin soube dos testes para “Elis, a Musical”. Decidiu fazer apenas para ser vista por outros profissionais na cena carioca. No meio do processo de audições, chegou a desistir, porque achava que não tinha a menor chance. Os produtores haviam escolhido Dennis Carvalho, diretor de novelas, para estrear na mesma função no teatro musical. Ela imaginou que ele queria algo mais realista e que buscaria alguém parecida fisicamente com Elis. Ciente de que não tinha nada a ver com a cantora e não querendo tomar o tempo de ninguém, anunciou que

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indo para o desconhecido”. Antes da estreia, Laila também temeu a rejeição. O público entenderia que era uma homenagem e que ela n ã o e s t ava te nt a n d o imitar Elis? Após a estreia, porém, o medo foi outro: ficar marcada. Todo mundo queria vê-la de Elis. “A grande vantagem é não ter a cara dela, não ter nada a ver com ela. Acho que isso pode ter ajudado a não me limitar. Tem as vantagens e as desvantagens: por que não marcar? É uma memória tão boa”. Mais do que isso: Laila soube fazer escolhas. A visibilidade dos palc o s l h e re n d e u u m a série de convites e ela teve que avaliar todos muito bem. Choveram p ro p o s t a s p a r a u m a grande carreira de cantora. Havia empresários d i s p o s to s a l a n ç á - l a como “a próxima Elis Re g i n a”. Em vez d i s so, Laila montou sua banda e foi cantar para um público pequeno no Beco das Garrafas. G r avo u e l a n ç o u u m álbum de pouca repercussão, mas que a realizou como artista. “Não me parecia consistente aquela megalomania 42

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Como Elis Regina em “Elis, a Musical” (2015). FOTO: Felipe Panfili.

toda. Estava meio falsa. Queriam me levantar como a maior cantora do Brasil. Achei pretensioso”, posiciona-se. Mas ela aceitou o convite de Dennis Carvalho para fazer a novela “Babilônia”, na Globo, s e u p r i m e i ro g r a n d e trabalho na TV. A parceria rendeu fofocas maldosas em sites e revistas – afirmavam que ela tinha um caso com o diretor – mas ela levou tudo na esportiva. O mundo das celebridades não lhe interessou. - Foi a única vez que tive que lidar com isso. Acho que por ser mais conhecida do teatro ou

por ter ficado conhecida já mais velha... Com 20 anos você está de biquini nas revistas para as pessoas ficarem loucas por você e pularem no seu pescoço. Eu tive um reconhecimento relativo, no teatro, que não é a mesma coisa que na TV, já com 35 anos de idade. Nunca me senti muito invadida. Só essa vez aí. Mas meu marido deu risada e Dennis também deu risada. Eu vi que não estava ferindo ninguém, e a gente deixou quieto. – avalia a ex p e r i ê n c i a c o m o status de celebridade.


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Laila venceu o Prêmio Shell de Melhor Atriz pelo seu trabalho em “Elis - A Musical”. FOTO: Ag News.

NOVOS DESAFIOS

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a Globo, fez ainda a novela “Rock Story” e participações em “Sob Pressão”, “ Malhaç ão” e “ Hebe”. Mas a carreira de Laila Garin continuou nos palcos – seu lugar predileto. Terminados os compromissos com “Elis”, ela atuou na adaptação musical de “O Beijo no Asfalto”, dirigida por João Fonseca e idealizada por Claudio Lins, com quem contracenou também em “Elis”. Desta vez, el a interpretou Selminha, personagem v i v i d a p o r Fe r n a n d a Montenegro na mon-

tagem original da peça. Vale destacar que Nelson escreveu a história por encomenda e pressão de Fernanda. Fa ze r e s s e t r a b a l h o era um novo desafio e Laila se saiu bem novamente, ganhando o Prêmio Reverência de Teatro Musical . Virou oficialmente a queridinha da classe. - Com esses prêmios, senti que talvez o meu fazer fizesse sentido para outras pessoas que não eu, e isso é m u i to g r a t i f i c a n te . Acaba te dando, contraditoriamente, uma humildade, porque você n ã o fa z t u d o i s s o

que as pessoas sentem e ve e m . Ma s a p a r t i r do prêmio, você tem a confirmação de “que legal, isso que eu faço faz sentido”. Por que a gente pode viajar né? Fazer e só você achar lindo. – reflete a atriz. Enquanto “O Beijo No Asfalto” acontecia, Laila Garin preparava sua primeira produção no teatro musical: “Gota D’Água [a seco]”, uma adaptação dirigida por Rafael Gomes. A ideia inicial, em parceria com a Sarau Agência de Cultura, era transformar o espetáculo de Chico Buarque em um

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Com Claudio Lins em “O Beijo no Asfalto” (2015).

FOTO: Nó Produções.

monólogo. No desenro l a r d o p ro j e to , e l e s e t ra n s fo r m o u e v i rou diálogo, focado na dicotomia entre os personagens Jasão e Joana, eliminando todos os personagens orbitantes. O texto foi reformulado, enxugado, e algumas músicas foram acrescentadas – como “Cálice”.

- Gostei e não gostei de ser co-produtora. Gostei porque me envolvo tanto com as coisas que faço que achei bom dar um nome. Mas acho que jamais seria produtora. Só co-produtora mesmo. Não tenho a competência e o know how que a Andrea [Alves] tem. Era mais um complemento artístico. É bom, porque tenho um espírito de liderança, que é mais forte do que eu. Mas foi uma ótima experiência. – avalia Laila. O trabalho lhe rendeu mais sete prêmios, tornando-se invicta no Reverência por três edições seguidas. O

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troféu mais simbólico, porém, foi o do Prêmio Bibi Ferreira, já que sua personagem Joana foi vivida pela primeira vez por Bibi. “Minha mãe tinha o disco do musical, cantado por Bibi. Eu ficava impressionada com aquilo e com o texto todo rimado”, lembra Laila Garin, “não fiquei com medo de comparações, porque a gente fez outra coisa. A gente mexeu muito. Bibi é minha inspiração. Está em outro lugar”. As críticas foram super favoráveis e o espetáculo conseguiu rodar o Brasil – algo cada vez menos comum.


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A VILÃ MARCELA, RECONHECIDA INTERNACIONALMENTE

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á um nome conhecido no meio, Laila se viu diante de convites para TV, cinema e teatro, tudo ao mesmo tempo. Aceitou interpretar a mãe de Zezé Di Camargo e Luciano no musical “2 Filhos de Francisco”, viver Clara Nunes no filme do “Chacrinha, o Velho Guerreiro” de Andrucha Waddington, e estreou no streaming com a série de ficção científica “3%”, na Netflix. O programa se passa em um futuro cruel, no qual apenas 3% da população é escolhido para viver no conforto, enquanto o restante deve enfrentar todo tipo de adversidade. Laila Garin faz a vilã Marcela,

comandante do exército que abusa da manipulação psicológica e da violência contra seus soldados. “É maravilhoso ser vilã, a melhor coisa do mundo. Você perde o pudor de ser mau. E, no caso da Marcela, é muito divertido, porque posso ser tudo, até canastrona. É muito libertador”, diz Laila Garin. Pelo papel, ela já foi reconhecida nas ruas de Paris. Em 2019, a Netflix divulgou que metade do público de “3%” era de fora do Brasil. No mesmo ano, “3%” foi também a série de língua não-inglesa mais assistida nos Estados Unidos. Questionada sobre uma possível carreira interna-

cional, Laila admite que já pensou: na França, pela facilidade do idioma. “Pensei em ficar um tempo lá, mas não é fácil. É outro mundo, outro mercado. Tem que ser bem pensado”. E está cheia de compromissos no Brasil – além do teatro, tem seus shows. Ney Matogrosso assistiu a apresentações dela no Beco das Garrafas, deu feedbacks e acabou se tornando diretor musical de sua turnê. Quando surgiu a oportunidade de transformar o show em DVD, ele também assinou a direção. Com Ney, Laila aprendeu a se libertar de quaisquer limitações. “Ia discutir repertório e falava ‘isso aqui não pode, né’ e ele: ‘por que não?’. Tinha algo muito lindo”. Os dois se reencontraram, em seguida, na própria série “3%”. Ney Matogrosso se tornou seu colega de elenco. “Colega? Pelo amor de Deus! É um sei lá o quê! Em nenhum momento, você pensa ‘colega’”, ela diz sobre a parceria com o cantor, “ele é uma coisa maravilhosa! Muito singular. Tem uma autenticidade, sem maneirismo, sem afetação, sem coisa fake. Parece que ele só diz o que é mesmo, e o essencial”.

Como a vilã Marcela, da série “3%”, da Netflix. FOTO: Pedro Saad/Netflix

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Nos últimos meses, o grande desafio de Laila Garin pré-pandemia de coronavírus era conciliar as agendas de seus projetos. É música, é teatro, é cinema, é streaming.

São tantas áreas de atuação simultaneamente que ela precisa ter muito cuidado para conseguir ajeitar as datas. “Passei muitos meses planejando como seria meu cro-

nograma de fevereiro e março, por exemplo. Foi todo um quebra-cabeças, com muita gente envolvida. De repente, com a pandemia, tudo suspendeu”, ela conta.

ALTOS E BAIXOS DO OFÍCIO

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em tudo é glória, claro. Como todo artista, Laila vive momentos melhores e piores. “2 Filhos de Francisco – O Musical”, primeira produção nacional da produtora Time For Fun, não repetiu o sucesso do filme. “Alegria, Alegria”, outro espetáculo em que Laila Garin atuou, substituind o Zé l i a D u n c a n p o r duas semanas, também não colheu os melhores comentários na mídia especializada. Os dois tiveram vidas curtas e restritas a São Paulo. Não ser um sucesso, contu d o , n ão aba lo u Laila Garin. Não é uma obrigação que ela tenha consigo mesma. - “Alegria, Alegria” foram só 15 dias e foi uma experiência e tanto pegar tudo rápido. Com “2 Filhos de Francisco”, conheci o Breno [Silveira, diretor] e depois fiz uma série com ele. Não fi-

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cou frustração, não. É importante fazer coisas que não tenham sempre o mesmo reconhecimento, o mesmo sucesso de público e de crítica. Ali eu não tinha lugar de protagonista e acho importante ocupar lugares diferentes, ocupar posições diferentes. Eu estava precisando disso. Às vezes é bom dar uma recuada também. É fundamental passar por várias posições. – ela avalia. Hoje em dia, o desejo maior de Laila Garin é explorar o audiovisual, que ainda ocupa um espaço pequeno em seu currículo. “ Te n h o m u i to s sonhos. Quero fa ze r m a i s c i nema, mais série, trabalhar com um monte d e g e n te”, d i z . Voltar ao teatro falado também está em seus

planos. Desde que se mudou para o Rio de Janeiro, ela nunca mais fez uma peça não musical – não por desinteresse. “Tem uma força das circunstâncias. Teve o boom dos musicais, os patrocinadores, o desejo do público... Além disso, o trabalho que me projetou, ‘Elis’, foi um musical e ficou mais marcado”, explica.


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O DESEJO DE VOLTAR AO TEATRO FALADO

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Laila Garin e a Roda. FOTO: Divulgação.

s pessoas ainda querem vê-la cantando. Quando o público sabe de um espetáculo com Laila Garin, presume ser um musical, afinal tem sido assim há anos. Mas ela busca outros caminhos. Pouca gente sabe, mas “A Hora da Estrela – O Canto de Macabéa” não era para ser um musical. Ela conta que defendeu a proposta de um espetáculo sem canções, mas a produtora insistiu e, quando Laila descobriu que Chico César iria compor as músicas, cedeu. “Quando Andrea disse que poderia ser ele, fiquei ‘putz, quero muito!’”, lembra.

“A Hora da Estrela ou o Canto de Macabéa” (2020): temporada interrompida pela pandemia do Coronavírus. FOTO: Silvana Marques.

Para quem começou a carreira na dúvida se escolhia entre o canto ou a atuação, unir as duas artes foi um verdadeiro achado para Laila Garin. Não há como negar que é uma ótima solução. “A verdade é que minha cantora me rouba a cena. O poder da música é muito forte. Tem uma coisa sensorial, para além do entendimento”, teoriza a baiana, ressaltando que as portas não estão fechadas para o teatro falado. Ela acha importante retomá-lo, sim. Laila atrela sua seq u ênc ia de musicais também a outro ponto: - O canto é uma coisa mais concreta. Quando você canta e quando você dança, tem como medir: “é um bom cantor, é um bom dançarino”. O bom dançarino faz pirueta, espacate, faz isso, faz aquilo, coisas concretas.

A técnica do cantor e do dançarino é mais visível. Parece que qualquer um pode ser ator. Como você mede um ator? É diferente. A gente não tem um espacate para fazer. Para cada espectador é um. É bem subjetivo. Talvez por isso impressione mais a coisa do canto, mas quero fazer também espetáculos sem cantar. – conclui Laila Garin – é tão vital para mim cantar e atuar, que tenho certeza que vou dar um jeito.

POR LEONARDO TORRES Jornalista cultural, escritor e crítico teatral com mestrado em Artes da Cena. É fundador do site Teatro em Cena, redator do Portal POPline e jurado do Prêmio Brasil Musical.

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HOLOFOTES

DRAYSON MENEZZES

FOTO: Karen Gadret.

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tor, cantor e dançarino, Drayson Menezzes tem se destacado bastante na cena de 2020. O belo rapaz esteve em cartaz em três elogiados espetáculos: “Negra Palavra Solano Trindade”, “Oboró – Masculinidades Negras” e, em São Paulo, o ator viveu Malcom X no espetáculo “O Encontro - Martin Luther King e Malcom X”. Com formação em Teatro pela UniverCidade, Drayson tem como seus principais trabalhos nos palcos os musicais “Forever Young”, “2 Filhos de Francisco” e “CONSTELLATION – Uma Viagem Musical Pelos Anos 50”. O rapaz aprendeu com mestres como Camilla Amado, João Fonseca e Daniel Herz. A beleza e o talento do moço são de família: ele é irmão da atriz Sheron Menezzes. Os dois já dividiram a cena quando Sheron foi ler uma poesia de Solano Trindade no espetáculo “Negra Palavra Solano Trindade”, que esteve em cartaz no Teatro Poeira e na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema.

FOTO: Osmar Lucas.

RODRIGO MIALLARET

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ator, cantor, diretor e dublador Rodrigo Miallaret foi o escolhido para interpretar o Vovô Joe no musical ‘Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate’. Com quase 20 anos de carreira, Rodrigo se mudou de Minas para São Paulo em dois dias, quando foi convidado a cobrir um ator no elenco da primeira montagem brasileira de ‘Les Misérables’. Depois do clássico de Victor Hugo adaptado para os palcos, conquistou seu lugar no elenco de ‘A Bela e a Fera’ onde cumpria jornada tripla, como cover de Lumière, Din-Don e Maurice. Também é de Rodrigo a voz de Maurice, pai da Bella, na versão dublada do filme live-action baseado na animação da Disney. No filme ‘Aladdin’, dublou o Sultão e em ‘O Rei Leão’, foi Scar, seu primeiro vilão. Na primeira versão de ‘O Fantasma da Ópera’, além de cover de Mr. Firmin, foi assistente de Direção. Já na mais recente montagem do sucesso de Andrew Lloyd Webber, foi cover do mesmo personagem e assumiu, durante a temporada, a função de Diretor Residente. Como ator de teatro musical, Miallaret esteve ainda em ‘Jekyll & Hyde – O Médico e o Monstro’, ‘Crazy For You’, ‘Mudança de Hábito’, ‘A Princesinha’, ‘Uma Luz Cor de Luar’, ‘We Will Rock You’, ‘Castelo Rá-Tim-Bum – O Musical’ e ‘Forever Young’.


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APÓS 26 ANOS, SARAH JESSICA PARKER E MATTHEW BRODERICK SE REENCONTRAM NA BROADWAY Casal estrela “Plaza Suite”, comédia de Neil Simon

Sarah Jessica Parker e Matthew Brodrik. FOTO: Divulgação

Por BRUNO CAVALCANTI

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uando morreu em agosto de 2018, aos 91 anos, o dramaturgo nova iorquino Neil Simon experimentava o amargo gosto do ostracismo e do desprestígio da crítica moderna, que considerava suas comédias passadas e desinteressantes. Indicado quatro vezes ao Oscar e vencedor de dois prêmios Tony, Simon saiu de cena sem ter conseguido terminar de escrever nenhuma peça desde 2009, quando o revival de Brighton Beach

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Memoirs estrelando Laurie Metcalf se tornou um dos grandes fracassos de público e crítica da temporada (sua última peça foi Rose’s Dilemma, que não chegou a estrear na Broadway). Contudo, se as previsões da crítica de Boston se confirmarem, o nome de Simon retornará à Broadway com pompa e circunstância graças ao primeiro revival de Plaza Suite, comédia em três atos lançada pelo dramaturgo em 1968 e que, retornou em março à famosa

avenida tendo como estrelas o casal Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick após uma temporada de pré-estreia na capital de Massachusetts. Na comédia, a dupla dá vida a três casais em diferentes situações dentro de suítes do luxuoso hotel Plaza Suite. O espetáculo, em cartaz até 12 de julho no Hudson Theatre, marca o reencontro do casal em cena 26 anos após o revival de Como ter Sucesso na Vida sem Fazer Força,


TEATRO PELO MUNDO | NEW YORK

musical que deu a Broderick seu segundo prêmio Tony (o primeiro veio justamente da primeira montagem de Brighton Beach Memoirs, de Simon). O espetáculo marcará também o retorno de Parker à Broadway. A atriz esteve longe por 26 anos, quando deu vida à princesa Winnifred no revival do musical Once Upon a Mattress. No Off-Broadway, a atriz esteve nas produções de Wonder of the World (2001) e The Commons of Pensacola (2013). Vale lembrar que a obra de Simon também já ganhou uma série de montagens no Brasil, entre eles: Descalços no Parque (1964); O Estranho Casal (1967), com Lima Duarte e Juca de Oliveira; O Prisioneiro da Segunda Avenida (1973), com Ítala Nardini; Essa Gente Incrível (1981), com Eva Todor; Desencontros Clandestinos (1982), com Eva Wilma;

Na comédia, a dupla dá vida a três casais em diferentes situações dentro de suítes do luxuoso hotel Plaza Suite. FOTO: Joan Marcus.

Proibido Amar (1997); entre outros, além do mesmo Plaza Suíte, montado em 1970, protagonizado por Jorge Dória e Sandra Bréa. Mais recentemente, a dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho assinou a direção de Sweet Charity, musical de Simon montado originalmente em 1966, e que no Brasil foi estrelado por Cláudia Raia e Marcelo Medici em 2006.

Casal esteve juntos no palco pela última vez em 1994, na comédia “Como ter Sucesso na Vida sem Fazer Força”. FOTO: Joan Marcus.

Também sob a grife da dupla, chegou ao Brasil em 2018 Se meu Apartamento Falasse, musical baseado no filme homônimo de 1960, que estreou na Broadway, em 1968, e que no Brasil foi estrelado por Marcelo Medici, Marcos Pasquim, Maria Clara Gueiros e Malu Rodrigues.

POR: BRUNO CAVALCANTI Bruno Cavalcanti é jornalista formado pelo Centro Universitário FIAM FAAM. Colaborou em publicações como Revista BRAVO! e Sex Sites. Atualmente, é repórter da Folha de São Paulo, assina a coluna “Conexão Sampa”, no portal da jornalista Anna Ramalho e é repórter e crítico teatral no site Observatório do Teatro. É jurado do Prêmio Destaque Imprensa Digital, autor do livro “Porque a Gente é Assim - Música Popular e Comportamento” e da peça “Papo com o Diabo”.

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TEATRO PELO MUNDO | LONDRES

“4.000 MILES”, DE AMY HERZOG, REFLETE SOBRE PONTES ENTRE GERAÇÕES E ESCUTA ATIVA Por PAULO NETO

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eo tem 21 anos, mora com a mãe em Seattle (extremo oeste americano) e perde o melhor amigo em um acidente de bicicleta. Vera tem 91, uma cabeça cheia de memórias dificultosas e vive sozinha, em Nova York. Estas duas extremidades (geográficas e geracionais) se tocam quando o rapaz resolve cruzar as 4 mil milhas do título, que separam o oeste e o leste do mapa dos EUA, chegando até a casa da avó, sem avisar, numa madrugada.

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Estes dois mundos se mesclam: a avó enrijecida e o neto exasperado passam a conviver. Harmonia não é uma constante, mas há entendimento, há escuta ativa e vontade de interagir. O diálogo intergeracional (sete décadas os separam) é o mote principal da peça da jovem dramaturga americana Amy Herzog, finalista do Prêmio Pulitzer por este trabalho, em 2011 e casada com o diretor Sam Gold, vencedor do Tony


TEATRO PELO MUNDO | LONDRES

Eileen Atkins, veterana que tem 3 Olivier Awards na estante, mais 4 indicações ao Tony, vive uma avó endurecida. FOTO: Divulgação

FOTO: Divulgação.

pelo musical “Fun Home”. Aclamada por muitos críticos como uma dramaturga de ascendente talento, Herzog tem no currículo peças como “The Great God Pan” (2012), sobre abuso sexual, “Belleville” (2011), que mostra um casal e seu casamento despedaçado e “After The Revolution” (2014), que, curiosamente, já trazia a personagem Vera, uma nonagenária apegada às tradições marxistas. “4.000 Miles” foi montada pela primeira vez há 8 anos, também em Londres, em um circuito diminuto. Agora com nomes reluzentes como Timothée Chalamet (de “Adoráveis Mulheres” e “Me Chame Pelo Seu Nome”), que faz seu début no West End, e a veterana Eileen Atkins, que tem 3 Olivier Awards na estante, mais 4 indicações ao Tony. A remontagem chega

Timothée Chalamet (de “Adoráveis Mulheres” e “Me Chame Pelo Seu Nome”), faz seu début no West End em “4.000 Miles”. FOTO: Divulgação

ao Teatro Old Vic com grande visibilidade, pelas mãos do diretor Matthew Warchus, do musical “Matilda”. “4.000 Miles” constrói uma ponte de afeto entre um neto desesperado e uma avó endurecida, assim como une dois mundos distintos com ideias totalmente opostas em suas visões de mundo. Estreia dia 6 de abril para curta temporada.

POR PAULO NETO Jornalista, crítico de teatro e cinema. Colaborou com as revistas Drops Magazine e Aimé. Jurado do Prêmio Guarani de Cinema-RS e votante do Prêmio Cenym de Teatro.

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TEATRO PELO MUNDO | PORTUGAL

“OS IMPAGÁVEIS” Dirigido por Henri Pagnoncelli, espetáculo ganha adaptação com elenco português

FOTO: Nuno Fernandes.

Por CACÁ VALENTE

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epois de ter estreado no Rio de Janeiro, não era de se espantar que “Os I m p a g áve i s” ate r r a ss e m (é as sim que s e fala, aqui em Portugal, quando um avião aterriza) em Lisboa, no Teatro Independente de Oeiras. Afinal, a cidade tem recebido constantemente centenas de brasileiros, a todo momento. Com estreia prevista para 12 de março – adiada para 2 de abril por conta a pandemia do COVID-19 –, “Os Impagáveis” tem produção do próprio Teatro; encenação de Henri Pagnoncelli; texto, adaptação e figurino de Teresa Frota e um elenco todo português (ver ficha técnica).

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Ambientada nos anos 20, esta comédia musical faz referências e homenagens ao cinema americano e português – adaptação feita para o público em Portugal –, como por exemplo “Casablanca” e “O Pátio das Cantigas”, além de grandes comediantes como O Gordo e o Magro (Bucha e Estica), Oscarito, Os Três Patetas, entre outros. O cinema está tão presente que foi criado, especialmente para o espetáculo, um filme com a estética do cinema mudo, que divide o espaço com a cena ao vivo. A história é ambientada no famoso cabaré de Lisboa “Lulu’s Club”, que tem por donos o casal Luxúria (Paula Marcelo) e Carcaça (Carlos

d’Almeida Ribeiro). Os dois planejam roubar a Noiva, última boneca que resta na cidade, e, para isso, Carcaça não hesita em namorar Molly (Ana Sofia Gonçalves), a filha do policial Zé de Brito (Lourenço Henriques), devidamente disfarçado como Carlinho. Lourenço Henriques vive o inspetor de policia, um anti-herói inspirado na personagem Sam Spade de Humphrey Bogart em “O Falcão Maltês”, filme noir que marcou a estreia do diretor John Huston na cinematografia mundial. Na peça, essa estética noir é quebrada por números musicais coloridíssimos. Carlos d’Almeida interpreta seu Carlinhos, um rapaz


TEATRO PELO MUNDO | PORTUGAL

Curioso lembrar a personagem Molly, um pouco mimada, interpretada na produção brasileira pela atriz Heloisa Perissé, que alguns anos depois faria grande sucesso com personagens que girariam com esta característica, como o caso da adolescente Tati do filme “O Diário de Tati”.

“Os Impagáveis” regressa aos anos 20 com charme, sedução e humor. Uma ótima diversão.

FOTO: Nuno Fernandes.

Na versão brasileira, a dupla de amigos que era representada pelos retirantes nordestinos Severino e Sinfrônio tornou-se Manuel Joaquim (Pedro A Rodri-

gues) e Joaquim Manuel (Luís Viegas), oriundos do Norte. Mais do que confrontar mocinhos e bandidos,

FOTO: Nuno Fernandes.

quase ingênuo e meio bobão, disfarce perfeito para enganar pai e filha.

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TEATRO PELO MUNDO | PORTUGAL

FOTO: Divulgação.

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM HENRI PAGNONCELLI

A peça – produzida e encenada em 1996 no Rio de Janeiro – concorreu na categoria produção ao Prêmio Coca-Cola do CBTJ (Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude). Como foi adaptar a peça para o público português?

A peça entrou no projeto Coca-Cola para Teatro Jovem. Inclusive, levamos este espetáculo para alguns festivais como adulto, e como havia esta possibilidade de ser visto por jovens, também, não podíamos apimentar muito. Deixar muito sensual o espetáculo. O que aqui, em Portugal, nos permitiu mais, porque a idade mínima é de 12 anos (classificação etária para teatro). Pudemos deixá-lo mais sensual. Fizemos algumas adaptações e uma tradução para o português de Portugal. A nossa preocupação foi aproximar o espetáculo para o público português. Os atores são todos portugueses. As coreografias e as letras das músicas foram adaptadas para a realidade portuguesa.

Já faz alguns anos que você está em Portugal. Participou de telenovelas (TVI) e, no ano passado, esteve em cartaz, neste mesmo Teatro (Teatro Independente de Oeiras), com a peça “O Melhor do Millôr – um Sarau de humor” com um elenco de atores brasileiros. Além de você, Carolina Puntel e Ricardo Schöpke. Como é trabalhar em Portugal no teatro e na TV? Você vê alguma dificuldade, seja na língua ou mesmo na maneira como as coisas são conduzidas por aqui?

Estou aqui com a Teresa (Frota) desde o início de 2018. São idas e vindas. Me chamam para fazer novela, vou para o Brasil. Volto pra cá. Ah! Um filme… volto pro Brasil, retorno para Portugal. No final de 2018 e início de 2019, eu fiz na TVI, a telenovela “O Valor da Vida”, escrita por Maria João Costa. Foi muito legal esta experiência. Estive no teatro com o “Millor...” e agora estamos estreando esta peça. Mas não é a primeira vez que eu me apresento em Portugal. Eu já fiz, aqui, “Doze homens e uma sentença”, em 2012, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, que foi uma experiência maravilhosa. Com muito sucesso num teatro maravilhoso. E fizemos também, no ano seguinte, no Porto, no Teatro Nacional São João, “Bonitinha mas ordinária”, que foi uma interação com o público e uma emoção extraordinária. Trabalhar em Portugal é

POR CACÁ VALENTE Designer, Mestre em História da Arte, Gestor e Produtor Cultural por mais de 20 anos, tendo contribuído para Petrobras, Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. Atualmente mora em Portugal, onde desenvolve projetos de cultura, turismo e artesanato.

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diferente. É muito enriquecedor. É muito legal quando você “está a viver” – como eles falam – no país e trabalhar. É uma dádiva. Aumenta muito mais a interação e o conhecimento sobre o povo do lugar onde você está vivendo. E posso garantir uma coisa: há mais semelhanças do que diferenças. E cada experiência é muito enriquecedora. Esta, por exemplo, está sendo muito enriquecedora, pois é uma equipe toda portuguesa, com um elenco todo português… está sendo muito bacana, mesmo. Por fim, depois desta peça, alguma coisa que possa adiantar de futuros trabalhos na terrinha?

Eu devo ir ao Brasil, nos próximos meses, para fazer um trabalho, e já começar a preparar a minha próxima peça. A Teresa Frota, minha esposa, dramaturga premiadíssima no Brasil, fez uma adaptação, lindíssima e primorosa, do livro “Caim” do (José) Saramago para um monólogo. Então eu vou começar a trabalhar isto no Brasil e a minha intenção é estrear ainda este ano – se Deus quiser – aqui em Portugal, e depois levar para o Brasil. Caim do Saramago, monólogo, adaptado pela Teresa Frota. Já fiz algumas leituras e todo mundo que ouve fica maravilhado. Quer fazer… quer dirigir. Fica todo mundo doido. Este é o próximo plano.

OS IMPAGÁVEIS Elenco: Carlos d’Almeida Ribeiro, Lourenço Henriques, Paula Marcelo, Ana Sofia Gonçalves, Pedro A. Rodrigues, Jaime Soares, Luís Viegas e Gonçalo Lima. Autora: Teresa Frota Encenação: Henri Pagnoncelli Músicas Originais: Cacau Ferreira Castro Desenho de Luz: Aurélio de Simoni Figurinos: Teresa Frota Coreografias Originais: Marcelo Caridade

Cenografia Original: Lidia Kosowski PREÇO Bilhete Normal: 15,00€ Maiores de 65 anos: 12,00€ Menores de 25 anos: 12,00€ Classificação Maiores de 12 anos Quintas, sextas e sábados às 21h30 Até 30 de Maio


FOTO: Reprodução.

TEATRO PELO MUNDO | PARIS

“COUP DE FOUDRE SANS GLUTEN” “Amor à Primeira Vista Sem Glúten” é um divertido embate amoroso entre um carnívoro e uma vegana Por PAULO NETO

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expressão “coup de foudre” (umas das mais utilizadas pelos franceses) significa, literalmente, “um golpe de relâmpago”, ou uma descarga elétrica. Uma acesa metáfora para: amor à primeira vista. A comédia “Coup de Foudre Sans Gluten” narra o inusitado encontro entre Romain, um açougueiro e Camille, uma mulher cuidadosamente vegana. Eles são vizinhos de porta e, na noite de 31 de dezembro, ele perde suas chaves de

casa e não tem onde guardar suas carnes. Se não as colocar em um freezer, perderá tudo. Sem saída, ele toca na campainha da vizinha para pedir ajuda. Além de detestar açougueiros, Camille acaba de ser demitida e está em um momento de repensar sua vida.

e pessoas apaixonadas por carne vermeha. A dupla é interpretada por Célia Diane e Julien Barbier. A peça fica em cartaz até 31 de maio e tem atrativos ingressos que custam apenas 13 euros.

POR

Escrita por Adéle Esposito e Tristan Zerbib, “Amor À Primeira Vista Sem Glúten” é um romance com todos os elementos de humor cáustico que os franceses tanto adoram e faz um divertido deboche com o veganismo

PAULO NETO Jornalista, crítico de teatro e cinema. Colaborou com as revistas Drops Magazine e Aimé. Jurado do Prêmio Guarani de Cinema-RS e votante do Prêmio Cenym de Teatro.

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TEATRO PELO MUNDO | BUENOS AIRES

“LATE EL CORAZÓN DE UN PERRO” Premiado espetáculo de Franco Gabriel Verdoia estreia no Espacio Callejón Por MARLON ZÉ

Em uma cidade no interior da província de Santa Fé, uma aeromoça e um bombeiro têm 24 horas para convencer uma mulher a se separar de um acumulado

FOTO: Franco Verdoia.

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omo é o abraço entre mãe e filha que não se vêem há anos? Até que ponto uma mentira pode ser sustentada com o desejo de construir uma verdade que nos ajude a viver? Que lógica opera na vontade de uma pessoa que acumula compulsivamente todos os tipos de objetos? Como é possível desarticular esse universo sem que sua vida desmorone?

de móveis, objetos e lixo que a mantém cativa em sua própria casa. Enquanto a cidade deseja imitar o brilho de uma cidade moderna, dentro de Mabel, na calçada, apega-se estoicamente aos objetos que construíram a identidade de sua história e de sua família. Viver em uma espécie de vulcão latente, com a vida cotidiana reduzida à estreiteza de um corredor que se abre entre montanhas de móveis e lixo. FOTO: Franco Verdoia.

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Mabel se reúne com sua filha Ana depois de anos sem vê-la. Com a ajuda de Hernán, um amigo da escola e o primeiro amor da adolescência, Ana tenta tirar a mãe daquele território frágil e impenetrável. Como amar uma mãe que te machucou tanto? O amor desaparece com a distância? O perdão é permeável à passagem do tempo? “Late el corazón de un perro” (O coração de um cachorro bate) abre perguntas como alguém que abre as


FOTO: Franco Verdoia.

TEATRO PELO MUNDO | BUENOS AIRES

gavetas do antigo armário da casa dos pais. A condição extrema e irreversível de uma mãe, obrigam a convivência forçada entre a filha que se recusa a voltar e o menino que ainda hoje lembra do amor da escola com a força daqueles que não querem que o tempo passe. “Late el corazón de un perro” usa a lógica social que opera nas pequenas cidades do interior, e a partir da intimidade de um vínculo difícil constrói espelhos desconfortáveis; porque refletem o que evitamos ao longo de nossas vidas: refletindo o que realmente somos.

Late el Corazón de un Perro MENÇÃO HONROSA FUNDO NACIONAL DAS ARTES PRÊMIO ARTES CÊNICAS 2018 Dramaturgia e Direção: Franco Gabriel Verdoia Elenco: Mónica Antonópulos, Diego Gentile, Silvina Sabater Figurino: Cecilia Allassia Iluminação: Matías Sendón Música: Ian Shifres ESPACIO CALLEJÓN Humahuaca, 3759 - Buenos Aires Ingresso: $ 500 Todos os domingos de abril, às 20:30h

POR MARLON ZÉ

Ator, Diretor e Figurinista Brasileiro, atualmente mora na Capital Argentina e estuda Dirección Escénica de Ópera no Instituto Superior de Arte do Teatro Colón.

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TEATRO PELO BRASIL | BRASÍLIA

O TEATRO BRASILEIRO É UM CALDEIRÃO EM FERVURA Há muito para entender de Brasília em seus palcos Por SÉRGIO MAGGIO

Eros Impuro, Criaturas Alaranjadas. FOTO: Claudia Ferrari.

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rasília completa 60 anos no próximo dia 21 de abril de 2020. Seis décadas configuram um traço histórico dentro da linha do tempo do teatro mundial. A duas delas estou inserido como um fazedor das artes cênicas do Distrito Federal. Essa experiência aparenta ser legítima para que eu possa apontar ao leitor da Revista #INCITARTE caminhos para conhecer a cena teatral brasiliense. Na capital federal, cheguei como crítico e, no aqui e agora, reporto-me como diretor-dramaturgo do Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada, que desenvolve uma pesquisa sobre o Teatro Popular Musical

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Brasileiro (TMPB). Entre um personagem e outro, vi o teatro brasiliense se diversificar em seu modo de fazer. Hoje, em que pese o revés sofrido na política pública para o teatro brasileiro, é possível falar de um teatro feito em todos os territórios do Distrito Federal, formado pela Brasília monumental, dona de poder hegemônico, e pelas 26 administrações de cidades, periféricas a esse centro de poder e status. Não posso falar do vigor do teatro de Brasília sem visitar a diversidade dessas cidades administrativas. O Gama é um polo de teatro de bonecos (os grupos Voar e o Bagagem) e ainda tem o instigante Semente. Ceilândia cuja história flerta com a

resistência de O Hierofante e seu teatro ora na rua ora em espaços abandonados pelo poder público. Taguatinga efervescente de onde brotou o Celeiro das Antas, que hoje desenvolve uma instigante pesquisa sobre clown e comicidades. O teatro brasiliense, como espaço de experiência efêmera, é permeado por trocas e pesquisas. Em parte, porque está inserido numa cadeia alimentada por três cursos universitários de artes cênicas (UnB, FBT e Iesb). Um deles é histórico e foi criado em 1955 por Dulcina de Moraes, que, numa epifania ao visitar a nova capital nos anos de 1960, resolveu transferi-lo para Brasília. Em comum, esses centros de


TEATRO PELO BRASIL | BRASÍLIA Grupo Embaraça: dramaturgia negra e feminina. FOTO: Divulgação.

Cia. Andaime, Cia. Plágio, A Agrupação Teatral A Macaca, Embaraça, Grupo Cena. Em suas criações, jogam na cena elementos que ajudam a formar a identidade de um teatro ainda novíssimo.

Teatro do Concreto. FOTO: Diego Bresani.

saberes reforçam o mergulho no trabalho de pesquisa entre o ator e o corpo. Nas longas itinerâncias que fizemos com o Criaturas Alaranjadas, vimos o público se surpreender com a qualidade do corpo cênico dos atores e atrizes de Brasília. Talvez, esse traço seja uma das características do jovem teatro brasiliense. A mistura de linguagens é intensa. O teatro se mescla com o circo que se mescla com a palhaçaria que se mescla com a dança. Há ainda uma busca pela universalidade de temas postos no palco. O fato de sermos sufocados pelo poder nos faz pensar numa criação que o questione. A política

que surge em cena não é o simulacro do que testemunhamos diariamente nas tevês e nas mídias sociais, até porque já somos íntimas testemunhas diárias. Acredito que o teatro da capital federal põe a política pelo seu lado íntimo, da solidão às mazelas humanas. A comédia, que tem fortes representantes como Os Melhores do Mundo, busca misturar até em seus esquetes mais rasgados uma pitada dessa inquietação. Há uma busca de estarmos em coletivos. Eles brotam direto das universidades e dos encontros da vida. Há muitos inquietantes como Teatro do Concreto, O Grupo Tripé, A Cia. Vísceras, Sutil Ato, Teatro do Instante, O Liquidificador, SAI,

Nesse curto tempo histórico, algumas gerações de fazedores moldam em suas mãos um teatro de resistência. Cito alguns deles: Humberto Pedrancini, Hugo Rodas, Os Irmãos Guimarães, Alexandre Ribondi, Rute Guimarães, Ana Flávia Garcia, Guilherme Reis, James Fensterseifer, Túllio Guimarães, Zé Regino, Miqueia Paz, Luciana Martuchelli, Miqueas Paz, Miriam Virna, André Amaro. Todas as gerações que se misturam no caldeirão em fervura. Venha conhecer. Há muito para entender de Brasília em seus palcos.

POR SÉRGIO MAGGIO Mestre em crítica teatral pela Universidade de Brasília e pós-graduado em direção teatral pela Faculdade Dulcina de Moraes. Ao lado do ator Jones Abreu Schneider, comanda o Criaturas Alaranjadas que criou projetos de repercussão nacional como L, O Musical e Eros Impuro. Jornalista de formação, ganhou o prêmio Jabuti pelo livro-reportagem Conversas de Cafetinas.

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NAS REDES

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m Montreal, o ator Gustavo Vaz postou esse look gélido ao lado de Armando Babaioff, seu parceiro de cena em “Tom na Fazenda”. O espetáculo viajou até o Canadá, país de Michel Marc Bouchard, autor do premiado texto, para 8 apresentações na Usine C. Em razão do Coronavírus, a última apresentação foi cancelada, assim como a apresentação que aconteceria nos EUA no dia 20 de março. Mas as 7 apresentações que aconteceram foram um sucesso, com o público chamando os atores de volta ao palco com aplausos diversas vezes.

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postando em tema inédito, o ator Guilherme Logullo estreou o podcast “Eu Ator”, nas plataformas Spotify, Google Podcast e YouTube (versão em vídeo). Os papos são sempre leves, divertidos e cheios de curiosidades interessantes para quem ama teatro e quer saber mais sobre o mundo nada glamouroso do ator. Dentre os convidados, estão Deborah Evelyn, Luiz Fernando Guimarães, Hugo Bonemer, Paulo Betti, Totia Meirelles e os diretores Charles Möeller, Dennis Carvalho e Tânia Nardini. Confira, vale muito a pena.

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NAS REDES

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dramaturgo e produtor Eduardo Bakr postou foto com o d i r e t o r Ta d e u Aguiar, a atriz Vera Fischer e o elenco principal de “Harry Potter and The Cursed Child”, sucesso da Broadway que tem ingressos disputadíssimos! Bakr tinha estreia prevista de seu mais novo texto, “Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito”, para abril, no SESC Ginástico. No elenco, estão Vera Fischer, Larissa Maciel e Mouhamed Harfouch.

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ator Luís Lobianco postou foto com a e q u i p e d o B u ra co S h ow, e m re u n i ã o onde arquitetaram a comemoração dos 8 anos da Companhia. Com próxima apresentação prevista para maio de 2020, o Buraco Show acontece no Buraco da Lacraia, na Lapa, sempre com performances musicais irreverentes, ao estilo Dzi Croquettes. Fazem parte do coletivo nomes como Simone Mazzer, Pedroca Monteiro e Eber Inácio. Lobianco estava em cartaz no Teatro Prudential com “O Método Grönholm”, que também saiu de cena por conta do Coronavírus. ABRIL 2020

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TEATRO NA WEB

CANAL NO YOUTUBE DISPONIBILIZA 55 VÍDEOS DO ENSAIO DE “GRANDE SERTÃO VEREDAS” Série documental registra processo criativo de Bia Lessa Por BRUNO CAVALCANTI

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m dos grandes espetáculos de 2017, que rendeu a Bia Lessa os prêmios Shell e APCA de Melhor Direção e a Caio Blat o Prêmio Shell de Melhor Ator, “Grande Sertão Veredas” ganhou um canal no Youtube para dividir o processo de ensaios e concepção do espetáculo baseado no clássico literário de Guimarães Rosa. No canal, está disponível uma série de 55 vídeos com o processo de ensaios, exibidos durante as sucessivas temporadas do espetáculo em instalação geralmente sediada no hall dos teatros. Em post nas redes sociais, Lessa conceituou o lançamento:

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“O intuito de criar um canal onde compartilharemos o nosso processo criativo parte do desejo de que as pessoas estejam cada vez mais perto da obra do Guimarães Rosa e que também tenham acesso aos caminhos que trilhamos até chegarmos ao nosso Grande Sertão. O enfrentamento que o autor nos propõe é único, o que passamos, como passamos pode servir como caminho – uma das possibilidades de se entrar nessa obra, tão rica. Não porque seja um ensaio extraordinário, mas por ser um exercício, um diálogo com esse texto e esses personagens, sem concessões. Não facilitamos o texto, não o transformamos, decidimos enfrentá-lo. Estamos num momento em que o

diálogo é fundamental, aliás, nascemos para falar um com o outro. Travamos esse diálogo através do espetáculo e queremos travá-lo agora através do processo. Processo que cobrou de nós uma construção interior e exterior. Bem-vindos à nossa luta!”

POR

BRUNO CAVALCANTI

Bruno Cavalcanti é jornalista formado pelo Centro Universitário FIAM FAAM. Colaborou em publicações como Revista BRAVO! e Sex Sites. Atualmente, é repórter da Folha de São Paulo, assina a coluna “Conexão Sampa”, no portal da jornalista Anna Ramalho e é repórter e crítico teatral no site Observatório do Teatro. É jurado do Prêmio Destaque Imprensa Digital, autor do livro “Porque a Gente é Assim - Música Popular e Comportamento” e da peça “Papo com o Diabo”.


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LEITURA DE PALCO

10 PEÇAS INSPIRADAS EM PUBLICAÇÕES LITERÁRIAS Por BRUNO CAVALCANTI

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hega a ser sintomático uma peça de teatro ser adaptação de um romance, um livro de crônicas, um thriller ou qualquer outro gênero que apareceu, antes, numa publicação do ramo literário. Adaptações de publicações clássicas como Dom Casmurro

WICKED

(Machado de Assis), O Cortiço (Aluísio de Azevedo) e Senhora (José de Alencar), entre outras, ficaram de fora da seleção por seu caráter educacional, montado geralmente para projetos voltados a escolas. Confira abaixo nossa lista de 10 títulos adaptados de livros:

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Um dos maiores blockbusters da Broadway moderna, a história sobre os primórdios da terra de Oz (antes da chegada de Dorothy, em O Mágico de Oz) toma como base o livro Wicked – A História não Contada das Bruxas de Oz, de Gregory Maguire e narra a juventude de Glinda e Elphaba, a bruxa boa do norte e a bruxa má do oeste, respectivamente. Com canções como Popular e Defying Gravity, escritas por Stephen Schwartz, o espetáculo está há 16 anos em cartaz na Broadway e chegou ao Brasil em 2016, quando cumpriu temporada de sucesso em São Paulo, estrelando Myra Ruiz, Fabi Bang e Jonathas Faro.

LEITE DERRAMADO Romance que deu o Prêmio Jabuti a Chico Buarque de Hollanda em 2009, Leite Derramado quase virou monólogo pelas mãos de Marília Pêra. Contudo, foi pela direção de Roberto Alvim que o espetáculo chegou aos palcos paulistanos em 2015 (ano da morte de Marília). Com Juliana Galdino na pele do centenário Eulálio, o espetáculo passou a limpo a história do Brasil e seu histórico de corrupção. Em meio aos ânimos exaltados causados pelo pedido de impeachment da então Presidente da República, Dilma Rousseff, o espetáculo foi ovacionado e recebeu as principais indicações a todos os prêmios voltados a teatro, além de ter consagrado Alvim e sua companhia teatral, o Club Noir, frente a classe teatral.

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TUDO O QUE EU QUERIA TE DIZER Considerado um dos livros mais ambiciosos da cronista Martha Medeiros, o título, lançado em 2007, inspirou um monólogo estrelado por Ana Beatriz Nogueira sob a direção de Victor Garcia Peralta, em 2011, que, por quase sete anos, viajou o Brasil narrando as histórias de seis mulheres diferentes. Emílio Orciollo Netto levou à cena uma versão masculina do espetáculo, intitulado Também Queria te Dizer – Cartas Masculinas, também sob a direção de Garcia Peralta. Tudo o que eu Queria te Dizer foi uma das mais bem sucedidas adaptações dos livros da cronista porto alegrense, ao lado da excelente Divã (2007), protagonizado por Lília Cabral, e Doidas e Santas (2010), com Cissa Guimarães. Outros títulos da bibliografia da gaúcha chegaram a ir para os palcos, como A Graça da Coisa, Feliz por Nada e Simples Assim, mas sem o mesmo sucesso.

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04 JARDIM DE INVERNO O espetáculo Jardim de Inverno, protagonizado por Andréa Horta e Fabrício Pietro, é uma adaptação do livro Revolutionary Road, do romancista norte americano Richard Yates. O livro também deu origem ao filme Foi Apenas um Sonho, estrelado por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet. Sob a direção de Marco Antônio Pâmio, “Jardim de Inverno” é a primeira adaptação teatral para a obra literária, e narra a trajetória de um casal de jovens burgueses que tentam lutar contra as amarras e as engrenagens sociais para mudar de vida.

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VERGONHA DOS PÉS Primeiro romance da escritora multimídia Fernanda Young (1970 – 2019), Vergonha dos Pés ganhou adaptação da própria autora e teve direção assinada por Alexandre Reinecke (que já havia dirigido outra peça de Young, A Ideia, no qual a escritora estreava no teatro como atriz) em 2008, numa montagem estrelada por Priscila Fantin e Danton Mello. Na obra, a jovem Ana, envergonhada por calçar 33, inventa uma série de histórias que sonha ver transformadas em livro, enquanto enxerga com desconfiança o interesse amoroso do jovem Jaime. Essa foi a primeira adaptação cênica de um livro de Young, que, antes de morrer, pretendia ainda adaptar para os palcos Tudo o que Você não Soube, O Pau e Aritmética, três de seus livros mais festejados.

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MISERY A peça é baseada no suspense homônimo de Stephen King, adaptado para o cinema em 1990, que deu um Oscar para Kathy Bates. O livro foi adaptado para os palcos da Broadway em 2015 em controvertida montagem estrelada por Bruce Willis e Laurie Metcalf. A obra narra a história de um escritor que, após sofrer um acidente, vira refém de uma fã de sua obra, e tenta se safar antes que a admiração dela o leve a morte. No Brasil, o espetáculo deve estrear em 2020 com Tarcísio Filho no papel que foi de Bruce Willis nos palcos. Uma versão brasileira ganhou os palcos em 2005, com Marisa Orth e Luiz Gustavo como protagonistas.

FIM DE CASO

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Fim de Caso, adaptação de Thereza Falcão para o livro homônimo do romancista inglês Graham Greene, é um tratado sobre a construção dos estereótipos de relacionamento amoroso na metade do século XX, na qual um triângulo amoroso discute temas como ética, responsabilidade emocional, obsessão e o envolvimento tóxico. Sob a direção de Guilherme Piva, o espetáculo se apresentou no Oi Futuro Ipanema em 2019 com elenco formado por Vanessa Gerbelli, Eriberto Leão e Isio Ghelman. 68

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NELSON RODRIGUES POR ELE MESMO Baseado no livro homônimo editado por Sônia Rodrigues em 2012, com impressões de Nelson Rodrigues acerca de sua própria figura, o espetáculo nasceu como um possível monólogo que contaria com a direção de Fernanda Montenegro, mas, graças a problemas de agenda, acabou sendo protagonizado pela própria atriz, que promove uma leitura acerca da figura do clássico dramaturgo carioca.


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O LIVRO DE JÔ VOL. 2 Lançados em 2018 e 2019, os dois volumes das memórias de Jô Soares, O Livro de Jô, renderam um solo em que o ator, diretor, instrumentista, apresentador, escritor e romancista narra, ao lado do jornalista Mathinas Suzuki

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Jr. alguns dos melhores momentos das memórias que passaram a limpo a história teatral e televisiva do Brasil no século XX. O espetáculo ficou em cartaz em curtíssima temporada no Teatro FAAP, e deve retornar em 2020.

A CASA DOS BUDAS DITOSOS Há mais de 15 anos em cartaz, o solo de Fernanda Torres é uma transposição fiel do livro homônimo de João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) para os palcos. Sob a direção de Domingos de Oliveira (1936-2019), o solo traz para a cena uma baiana de 68 anos que narra suas aventuras sexuais ao longo da vida, e faz um tratado sobre sexualidade, moral, ética e a hipocrisia dos costumes sociais. O espetáculo rendeu à Fernanda Torres um Prêmio Shell de Melhor Atriz.

POR BRUNO CAVALCANTI

Bruno Cavalcanti é jornalista formado pelo Centro Universitário FIAM FAAM. Colaborou em publicações como Revista BRAVO! e Sex Sites. Atualmente, é repórter da Folha de São Paulo, assina a coluna “Conexão Sampa”, no portal da jornalista Anna Ramalho e é repórter e crítico teatral no site Observatório do Teatro. É jurado do Prêmio Destaque Imprensa Digital, autor do livro “Porque a Gente é Assim - Música Popular e Comportamento” e da peça “Papo com o Diabo”.

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TV

O GRANDE TEATRO TUPI O feliz encontro da televisão e do teatro no Brasil Por LUIS FRANCISCO WASILEWSKI

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oi em 1956 que a TV Tupi do Rio de Janeiro criou um dos programas mais exitosos de sua história. Faço menção ao Grande Teatro Tupi, que reuniu, em seu núcleo formador, artistas que se tornaram pertencentes ao rol dos grandes nomes da cultura brasileira. Eram eles: Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Nathalia Timberg, Ítalo Rossi, Flávio Rangel, Zilka Salaberry, Aldo de Maio e Manoel Carlos. Tanto Luís Sérgio Lima e Silva em sua obra TV Tupi do Rio de Janeiro: Uma Viagem Afetiva, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo em 2010, quanto Fernanda Montenegro em seu livro de memórias escrito em parceria com Marta Góes, Fernanda Montenegro: Prólogo, ato, epílogo, publicado pela Companhia das Letras em 2019, creditam Sérgio Britto como a célul a mater do Grande Teatro Tupi. Foram quatrocentos e cinquenta programas exibidos, dos quais quase a metade foi ao ar ao vivo. Entre as obras literárias que foram adaptadas para o programa, estão Os Espectros, de Henrik Ibsen; Helena, de Machado de Assis; Nossa Cidade, de Thortorn Wilder; Floradas na Serra, de Dinah Silveira

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Zilka Salaberry e Aldo de Maio em ‘As Medalhas da Velha Senhora’, em 1959. FOTO: Cedoc/Funarte

de Queiroz; Breve Encontro, de Noel Coward, e muitos outros. Um repertório do maior quilate. Fernanda Montenegro comenta que “Só não fizemos Shakespeare e os gregos”. E, abordando o programa como instrumento catalisador da cena teatral brasileira, foi, a partir da parceria de Fernanda, Fernando, Ítalo e Sérgio que aconteceu a gênese do Teatro dos Sete. Em 1959, os quatro, tendo Sérgio como líder, passam a usar o


TV

Fernanda Montenegro e Sérgio Britto em “Vivendo em pecado”, de Terence Rattingan, peça televisionada pela TV Tupi em 1959. FOTO: Cedoc/Funarte

Nathalia Timberg, Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Fernanda Montenegro e Manoel Carlos: formadores do Grande Teatro Tupi. FOTO: Divulgação.

espaço do intervalo do Grande Teatro Tupi para a venda de assinaturas, cujo resultado alcançado foi a criação da companhia. Sérgio Britto comentou para o livro de Luís Sérgio de Lima e Silva: “Conseguimos dez milhões de cruzeiros, o que possibiltou estrearmos as primeiras produções do Teatro dos Sete: Mambembe, A Senhora Warren e Cristo Proclamado”. Com uma trajetória que honra o melhor do teatro brasileiro, o Teatro dos Sete criou encenações históricas como O Mambembe,

de Arthur Azevedo, sob a direção de Gianni Ratto e a primeira montagem de O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, dirigida por Fernando Torres.

POR LUÍS FRANCISCO WASILEWSKI Pós-Doutor pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, Doutor em Literatura Brasileira pela USP e autor de “Isto é Besteirol - O Teatro de Vicente Pereira”.

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MÚSICA

MÚSICA NO TEATRO EM PROL DA SOCIEDADE VIVA CAZUZA Previstos para abril, “Tudo ao Contrário” e “Cazas de Cazuza” destinam bilheteria à ONG Por REDAÇÃO

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apitaneada por Lucinha Araújo, mãe do c a ntor Cazuza (1958-1990), a sociedade Viva Cazuza dá assistência a crianças e adolescentes carentes portadoras do vírus da AIDS, doença que o levou a um choque séptico e encerrou a carreira do poeta aos 32 anos. Previstos para abril, dois eventos destinarão parte da sua bilheteria à organização. Nos dias 9, 10, 11 e 12 abril, volta ao cartaz no Vivo Rio, 20 anos após sua estreia, o musical “Cazas de Cazuza”. A montagem original estreou em 2000, idealizada por um grupo de jovens paulistanos, em sua maioria amadores, que acabaram realizando a primeira grande homenagem à sua obra. Escrito e dirigido por Rodrigo Pitta aos 22 anos, “Cazas de Cazuza” virou uma febre, lotou o Canecão e o Tom Brasil, as maiores casas de show da época, e

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participou de programas como Faustão, Jô Soares e Hebe. A ópera-rock nacional ousou ao transformar canções de rock emblemáticas em um musical estilo Broadway, muito antes do Brasil ter se transformado em um polo consumidor e criativo de espetáculos do gênero. Sobre o musical, Lucinha Araújo afirma: “Cazas de Cazuza foi a primeira grande homenagem feita a Cazuza e agora 20 anos depois ainda é tão atual,

eu fui ver todos os dias no canecão e a cada dia era uma nova emoção. Não é uma biografia, não é um filme, são variações sobre um mesmo tema falando das várias facetas do Cazuza, é um musical muito bonito e vocês não podem perder, corram para comprar os ingressos”. Até o fechamento desta edição, as datas da apresentação estavam mantidas, apesar da pandemia do Coronavírus, e ainda haviam ingressos disponíveis


MÚSICA Atrizes do teatro musical em performance de “É uma partida de futebol”, música do Skank que foi trilha do musical “Samba Futebol Clube”, de Gustavo Gasparani. FOTO: Divulgação.

Novo elenco de “Cazas de Cazuza”: musical que virou febre nos anos 2000 retorna ao Vivo Rio para 4 apresentações. FOTO: Robert Schwenck.

“Tudo ao Contrário - A Cena em Prol da Vida”: apresentação de números musicais com inversão de gênero terá toda renda destinada à Sociedade Viva Cazuza. FOTO: Divulgação.

para os dias 10, 11 e 12 de abril, a partir de 100 reais. Já no Teatro Riachuelo, está previsto para 21 de abril a quinta edição do evento beneficente “Tudo Ao Contrário”. Com apresentações musicais com inversão de gênero, o show, dirigido por Reiner Tenente e João Fonseca conta com a apresentação de vários artistas conhecidos do segmento musical. Inspirado pelo evento anual Broadway Backwards e autorizado

pela Broadway Cares / Equity Fights AIDS, ONG americana responsável pelo evento beneficente em Nova York, “Tudo ao Contrário - A Cena Em Prol da Vida” conta com repertório de musicais brasileiros e americanos que tem como sua principal característica a celebração da diversidade e da vida. Nas quatro edições anteriores já passaram pelo palco nomes como Marcelo

Serrado, Tiago Abravanel, André Dias, Kelzy Ecard, Claudio Lins, Helga Nemetik, Thati Lopes, Ícaro Silva, Gabriel Staufer, Kacau Gomes, Soraya Ravenle, Evelyn Castro, Saulo Segreto e Tadeu Aguiar, entre outros. A única apresentação do evento terá toda a verba arrecadada destinada à Sociedade Viva Cazuza. Em razão do Coronavírus, sugerimos confirmar a data do evento em seu Instagram oficial: @tudoaocontrariomusical. ABRIL 2020

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UMA PEÇA QUE ME MARCOU

MAMMA MIA! Após maternidade, Kiara Sasso rememora musical que marcou sua carreira Por KIARA SASSO

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musical que mais me marcou foi o ‘Mamma Mia’, realmente. Não só pelo fato de eu ter feito ele, há 10 anos, mas porque antes dele acontecer na minha vida, as pessoas sempre me perguntavam qual era o musical que mais tinha feito isso, o que mais tinha amado fazer, e eu nunca conseguia escolher um, mas aí veio o ‘Mamma Mia’, que é um musical extremamente especial – e não que os outros não sejam também, mas pra mim foi muito bacana. Foi a primeira vez que um diretor realmente me deu uma personagem que não era uma princesa, que não era uma mocinha, que não era aquela coisa que todos já estavam acostumados a me ver fazendo. Eu era, inclusive, jovem para a Donna, não tinha uma filha, não tinha passado pela experiência que aquela mulher passou, então realmente teve

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Amizade das personagens se estendeu à vida real. FOTO: Dede Fedrizzi

uma aposta em mim. Eu fiquei muito preocupada de me sair bem porque estava tocando em um lugar que eu não havia tocado antes, com uma personagem que passa por tantas coisas na história. A Donna é realmente uma mulher muito forte, de muita fibra, e que, ao mesmo tempo, tem sua comicidade, seu drama, tudo isso embalado pela trilha do ABBA... Muito icônico! Tiveram muitas coisas especiais, inesquecíveis, que aconteceram durante toda a temporada, período em que a gente quase mora dentro de teatro e acaba virando uma família. Tínhamos um time de criativos, de diretores,

extremamente talentosos, além de serem muito humanos – pois não é sempre que a equipe que vem de fora é assim -, eram pessoas cuidadosas com relação ao artístico, mas também com a gente, eles se interessavam por nós, enquanto pessoas, de verdade. Foi muito, muito, muito especial para mim. Eu acho que posso dizer por todos, ou praticamente todos. Foram muitos acontecimentos e encontros especiais, como o fato de ter ficado muito amiga das atrizes que faziam as amigas da Donna. Quem fazia a Rose era a Andrezza Massei, que já era muito minha amiga desde ‘A Bela e a Fera’, e a Rachel Ripani,


UMA PEÇA QUE ME MARCOU

que fazia a Tanya e eu fiquei conhecendo melhor no processo. Nós ficamos tão amigas que elas acabaram sendo madrinhas do meu casamento. A gente realmente criou uma amizade muito forte, nós três, e era muito divertido. Era uma coxia muito divertida, o nosso elenco era muito coeso, todo mundo se dava bem, não tinha drama, era muito bom mesmo, uma reunião de muita gente talentosa e bacana. A gente foi muito feliz ali... Eu lembro que quando faltava uns dois meses para terminar, depois de um ano e um mês em cartaz, todos já estavam se emocionando, tristes que estava acabando, e eram todos, todos mesmo.

‘Mamma Mia’ foi especial desde o começo. Quando começamos os ensaios e fizemos nossa primeira leitura, me lembro de um momento em que comecei a cena cantando ‘Slipping Through My Fingers’, que é a música emocionante que a Donna canta enquanto está arrumando a filha para o casamento, e depois cantava ‘The Winner Takes It All’ (‘Tudo ao vencedor’), e ver o elenco emocionado. Eu não podia olhar para os meus colegas, nenhum deles, porque estava todo mundo com os olhos cheios de lágrimas. Me lembro também do último dia, no último espetáculo. Precisei tomar dois beta blockers para tentar controlar um pouco as emoções, porque eu sabia que iam ser muito fortes. E foram. Quando eu cantei ‘Tudo ao Vencedor’, que era um marco, meu Deus do céu... Saí de cena urrando, não estava nem chorando, eu estava urrando de tamanho choro, foi muito emocionante. A plateia veio abaixo no meio dela, foi absolutamente sensacional, catártico. Os fãs ainda organizaram uma ação, com ‘palitinhos’ de luz neon, e usaram durante a nossa cena do ‘Super Trouper’.

Ver aquela plateia inteira abanando as luzes no ar, no clima da cena, foi realmente incrível. Mas nem só de lágrimas emocionadas nós vivemos, tivemos outros momentos de muita risada, como uma vez que eu cantei metade de uma letra em inglês, sem nem perceber, em uma cena com o Saulo Vasconcelos, que fazia o Sam, e foi quem percebeu (risos). Ou quando ‘fui vítima’ dos nossos cenários giratórios, duas paredes grandes que andavam para frente e para trás montando vários cenários diferentes. Em todas as cenas que se passavam no quarto da minha personagem, as paredes viravam, e tinha uma escada no meio por onde, quando eu estava na coxia, eu subia e, quando entrava em cena, descia. Até que, um dia, FOTO: E3 Fotografia.

MEMÓRIAS

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FOTO: Dede Fedrizzi

UMA PEÇA QUE ME MARCOU

Nessa corrida para subir, tropecei e fui ‘catando cavaco’, quando cheguei na hora de descer os degraus, rolei escada abaixo, entrei em cena rolando, e a plateia teve aquele momento sonoro, de ‘ohhh’. Todo mundo percebeu que aquilo não estava certo. As meninas jogaram para cima tudo que tinham nas mãos e foram ao meu resgate para ver se eu ia estar viva para seguir a cena (risos). No fim, viram que eu estava bem e continuamos dali mesmo.

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Sem dúvida, eu não poderia escolher outro musical como o mais marcante, tinha que ser ‘Mamma Mia’. Nossa, me toca demais! Acho que ele tem essa coisa de tocar as pessoas, seja pela música já fazer parte da história delas, pela história ser bonita e interessante, ou por ter personagens muito divertidos e bem delineados. Quem olha

FOTO: Dede Fedrizzi

em um momento que eu tinha que entrar correndo, perguntando para as minhas amigas onde estava a Sophie - porque tinha acabado de me deparar com os três possíveis pais dela e que eu não via há vinte anos (risos) -, eu ‘perdi o chão’.

para ele muitas vezes pode pensar: ‘Nossa, é muito legal, muito divertido’, mas não é só isso, sabe? É um espetáculo que realmente reúne tudo, tudo de bom que se pode ter, e quanto a Donna Sheridan, tá aí uma personagem que eu ia amar reprisar, tenho muitas saudades. Amo, amo, amo…


ESPECIAL

TEATRO EM CASA PARA ENTRETER A QUARENTENA Com pandemia do Coronavírus, lives congestionam Instagram e produções liberam íntegra dos seus espetáculos Por REDAÇÃO

A

pandemia do novo Coronavírus obrigou o público e os artistas a ficarem em casa e como consequência, mais conteúdo on-line passou a ser produzido e consumido. Com temporadas de espetáculos e gravações de novelas suspensas, atores e atrizes promoveram transmissões ao vivo pelas redes sociais para falar sobre o Coronavírus, cantar, atuar, fazer entrevistas ou simplesmente mostrar mais sobre sua intimidade. No Instagram, o Cantágio Musical (@festivalcantagio) reuniu nomes do teatro musical como Tiago Barbosa, Jullie, Analu Pimenta, Hugo Kerth, Cássia Raquel e Marcela Bartholo para lives onde interpretaram canções de teatro musical e dos seus ídolos. São 6 artistas por noite cantando 3 músicas cada, com apresentações

intermediadas por Rodrigo Naice e Tauã Delmiro, dupla indicada ao Prêmio Cesgranrio de Teatro 2018 pelo par cômico em “70? Década do Divino Maravilhoso - Doc. Musical”. A poeta Maria Rezende, que estaria em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim com o recital “Mulher Multidão”, decidiu manter as apresentações pelo Instagram @amariadapoesia. Já Frederico Reder e a Brain+, empresa gestora de 6 teatros e 1 circo, entre eles o Teatro Claro (antigo Theatro NET), promoveu a campanha #OShowVaiContinuar, que buscou conscientizar as pessoas a respeito da importância de optarem pelo reagendamento dos eventos ao invés do reembolso dos ingressos. Junto com essa proposta, os live shows #OShowVaiContinuarLiveFestival trouxeram artistas como Jullie, Adriano Ferreira, Magno Navarro e

o canal de contação de histórias “Brincando de Imaginar” para apresentar pocket shows acústicos direto de suas casas nas redes sociais da Brain+. O cineasta e produtor audiovisual Eduardo Chamon, dono da produtora de vídeos Chamon Audiovisual - a mais atuante no registro de espetáculos do Rio de Janeiro -, criou o site www.espetaculosonline. com, onde disponibilizará não só registros realizados por sua empresa, como de outras produtoras. É uma oportunidade para quem não teve a chance de assistir ao espetáculo in loco conferir a peça mas também um material de estudo para atores, diretores e dramaturgos. Selecionamos 10 ótimos espetáculos disponibilizados na íntegra para entreter sua quarentena no mês de abril. Aponte a câmera do seu celular para o QR Code e confira.

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ESPECIAL

7 - O Musical

FOTO: Divulgação.

tes eram bruxas e princesas eram suburbanas. Vale a pena assistir pelas músicas, pela história, pelo elenco e, principalmente, para matar a saudade de Rogéria e Ida Gomes.

Assista:

FOTO: Divulgação.

Primeiro trabalho autoral da dupla Claudio Botelho e Charles Möeller, “7 - O Musical” estreou em 2007, com música escrita especialmente por Ed Motta. O espetáculo foi protagonizado por Alessandra Maestrini e tem uma continuação chamada “14”, prevista para 2021. O musical reuniu elementos de conhecidas histórias dos irmãos Grimm, especificamente o drama de Branca de Neve, com uma visão contemporânea em clima noir e adulto – a história foi levada para um Rio de Janeiro de contos de fada, onde fazia frio nas ruas (e nas almas), onde havia mais noite do que dia, onde cartoman-

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FOTO: Divulgação.

ESPECIAL

FOTO: Divulgação.

O Vendedor de Palavras - Teatro Mototóti Espetáculo de rua, a peça se apresenta desde março de 2009 em ruas, parques, escolas e eventos. Com texto de Rodrigo Monteiro, criado a partir da crônica homônima de Fábio Reynol, o espetáculo conta a história do garoto Milho, que parte do interior e vai para a capital, onde lê para as pessoas nas ruas e lhes ensina o significado das palavras, porque “cada palavra vale um pensamento”. É encenado pelo Grupo Mototóti, interpretado por Fernanda Beppler (autora das canções) e por Carlos Alexandre. A direção é de Arlete Cunha.

Assista:

MÚSICA PARA CORTAR OS PULSOS A peça teatral que fez sucesso nos circuitos de São Paulo e em boa parte do Brasil desde 2010 recebeu o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) de melhor peça jovem de 2010 e marcou a estreia da companhia Empório de Teatro Sortido, que o diretor Rafael Gomes criou com o também diretor e dramaturgo Vinicius Cal-

deroni. A peça apresenta em dez cenas curtas os universos particulares de três jovens em torno dos 20 anos: seus sentimentos íntimos, anseios, frustrações e dúvidas. Isabela sofre de um coração partido, Felipe quer desesperadamente se apaixonar e Ricardo, seu melhor amigo, está apaixonado por ele. “Música para cortar

os pulsos” também está disponível em livro e filme.

Assista:

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FOTO: José Renato.

ESPECIAL

Hollywood and Broadway

FOTO: Carol Pires.

Dirigido por Carlos Alberto Serpa, a produção da Cesgranrio mesclou sucessos da Broadway e de filmes clássicos de Hollywood, com números musicais costurados por Carlito, personagem de Charles Chaplin. No elenco, Alan Hauer, Aline de Barros, Julia Nogueira, Santiago Viallal, Raí Valadão, Ricardo Knupp, Suzana Felske, Tamara Trindade, Tatty Caldeira e Bruno Torquato.

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Assista:


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A Tropa

FOTO: Elisa Mendes.

Um pai doente recebe a visita dos quatros filhos no hospital. Mas, o que seria apenas um encontro em função de um parente debilitado se revela um acerto de contas familiar, permeado de humor e afeto, tendo como pano de fundo a história brasileira, dos tempos da ditadura militar à Operação Lava-Jato. Vencedor do sétimo concurso Seleção Brasil em Cena, promovido pelo Centro Cultural do Banco do Brasil, o texto de estreia do jornalista Gustavo Pinheiro comemorou os 50 anos de carreira do ator Otavio Augusto, foi lançado em livro pela editora Cobogó e, recentemente, também foi roteirizado para virar série na televisão.

A Vida Não é um Musical Senha para acesso: quasecia “A Vida Não É Um Musical – O Musical” tem texto e trilha 100% originais, com um universo bastante particular que mescla a maneira americana de fazer musicais com a diversidade da música brasileira contemporânea. O ponto de

partida é um universo real de uma cidade fictícia, inspirada no Rio de Janeiro, imperfeito, cru, violento. A peça satiriza o universo dos contos de fadas da Disney e o atual cenário político. As canções originais são de Fabiano Krieger, coreografias e direção de movimento de Carol Pires, cenário de Nello Marrese e figurino de Carol Lobato. No elenco, Daniela Fontan, Thelmo Fernandes, Augusto

Assista:

Volcato Ester Dias, Flora Menezes, Ingrid Gaigher, Joana Mendes, Marcelo Nogueira, Nando Brandão e Udylê Procópio. Assista:

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ESPECIAL

Chacrinha, o Musical Grande sucesso dos palcos em todo o país desde 2014, “Chacrinha, o Musical” marcou a volta de Stepan Nercessian ao teatro, emocionando com sua interpretação do velho guerreiro. Em cena, personagens emblemáticos do Cassino, como Russo, Elke Maravilha, Pedro de Lara, Boni e, claro, as Chacretes. Produzido pela Aventura Entretenimento, com texto de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, o musical conta com direção de Andrucha

Waddington, estreando no teatro depois de quase três décadas de carreira dedicada à produção cinematográfica. A montagem já foi assistida por mais de 2 milhões de pessoas no teatro e na exibição do espetáculo no Canal VIVA. As temporadas contaram com a participação especial de artistas que batiam ponto nos programas do Chacrinha, como Xuxa, Fábio Jr, Paulo Ricardo, Biafra e Wanderléa.

Os Sertões - A Terra A Cia de Teatro Oficina Uzyna Uzona encenou o espetáculo “Os Sertões”, a saga narrada por Euclides da Cunha no livro homônimo e transposta para os palcos pelo dramaturgo, diretor e ator José Celso Martinez Corrêa. A histó-

ria é contada em 5 partes: "A Terra", "O Homem 1", "O Homem 2", "A Luta 1" e "A Luta 2". Somadas, são 27 horas de espetáculo. O link do QR Code corresponde somente à primeira parte da pentalogia, “A Terra”, com 3 horas

e 16 minutos de duração. “Os Sertões” relata os episódios da Guerra à luz da história passada e presente do Brasil e em relação à batalha do grupo Oficina contra o apresentador Sílvio Santos.

Assista:

FOTO: Divulgação.

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FOTO: Divulgação.

ESPECIAL

Assista:

Cabeça - um documentário cênico Oito homens em cena, numa formação que alude a uma banda de rock, executam todas as canções do álbum Cabeça Dinossauro, dos Titãs, permeadas por cenas e projeções que desenham um painel dos acontecimentos emblemáticos nacionais e mundiais dos anos 1980 e dialogam com imagens e referências do Brasil e do mundo nos tempos atuais. A dramaturgia e direção são de Felipe Vidal e, no elenco, além do próprio diretor, estão Felipe Antello, Guilherme Miranda, Gui Stutz, Leonardo Corajo, Lucas Gouvêa, Luciano Moreira

FOTO: Ricardo Brajterman.

Assista:

e Sergio Medeiros. O espetáculo foi indicado aos Prêmios Shell e Cesgranrio, ambos nas categorias “Melhor Texto” e “Melhor Direção Musical”. ABRIL 2020

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FOTO: Rodrigo Turazzi.

EM CARTAZ ESPECIAL

Euforia Dividida em dois solos, um homossexual de 87 anos e uma mulher paraplégica, a peça trata do desejo. Um desabafo de personagens que socialmente são olhados como seres assexuados, invisíveis aos olhos do prazer comum. O espetáculo tem texto de Julia Spadaccini, direção de 84

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Victor Garcia Peralta e atuação de Michel Blois. A peça estreou no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto em setembro de 2017 e, de lá pra cá, já cumpriu diversas temporadas entre Rio e São Paulo, colhendo críticas positivas e aplausos efusivos ao final de cada sessão.

Assista:



EM CARTAZ Por conta da pandemia do Coronavírus, todos os espetáculos sofreram adiamento ou cancelamento da temporada. Consulte a programação atualizada em queroteatro.com.br/emcartaz.


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EM CARTAZ

Baseado no livro que deu à Alice Walker o prêmio Pulitzer e no filme de Steven Spielberg, o musical foi produzido na Broadway por Oprah Winfrey e Quincy Jones e recebeu 11 indicações ao prêmio Tony. Trata de uma saga familiar inspiradora que conta a inesquecível história de uma mulher que, através do amor, encontra a força para triunfar sobre a adversidade e descobrir sua voz no mundo. Uma história universal de esperança, um testemunho do poder de cura do amor e uma celebração da vida com atitude afirmativa e de empoderamento da mulher na sociedade. Texto: Marsha Norman Músicas: Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray Versão brasileira: Artur Xexéo Direção Geral: Tadeu Aguiar Direção Musical: Tony Lucchesi Elenco: Letícia Soares, Sérgio Menezes, Lilian Valeska, Flavia Santana, Jorge Maia, entre outros. Produção Geral: Eduardo Bakr Teatro Riachuelo Rua do Passeio, 40 – Centro Metrô: Cinelândia Até 12 de abril de 2020 Sexta e Sábado às 20h, Sábado às 16h e Domingo às 17h Ingressos: De R$ 50 (balcão) a R$ 150 (plateia VIP) Vendas on-line: sympla.com.br Duração: 180 minutos Classificação: 12 anos

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A VIDA PASSOU POR AQUI

FOTO: Divulgação

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A COR PÚRPURA – O MUSICAL

Texto: Claudia Mauro Direção: Alice Borges Elenco: Claudia Mauro e Édio Nunes A peça conta a história de uma profunda e sólida amizade entre uma mulher e um homem de estratos sociais diferentes – Silvia (Claudia Mauro), professora e artista plástica, que viveu grande parte da vida às voltas com as crises em seu casamento e um enorme sentimento de solidão, e Floriano (Édio Nunes), boy e faxineiro, de hábitos simples e inteligente por natureza, que sempre levou sua vida com leveza e bom humor. Depois de quase meia década de convivência, Silvia é uma mulher solitária que se recupera de um AVC, e Floriano o único amigo ainda presente. Aos poucos, ele contagia Silvia com sua alegria de viver e senso de humor, que acabam devolvendo a saúde e os movimentos à amiga. Juntos, se divertem e rememoram os altos e baixos de quase 50 anos de amizade. Teatro Petra Gold

Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon Até 28 de abril Terças-feiras, às 20h Ingressos: R$ 60 QueroTeatro.com.br: R$ 35 Duração: 90 minutos Classificação: 14 anos


EM CARTAZ

A HORA DA ESTRELA OU O CANTO DE MACABÉA FOTO:Silvana Marques

FOTO: Fernanda Machado

IELDA - COMÉDIA TRÁGICA

Da obra de Clarice Lispector Adaptação e Direção: André Paes Leme Canção Original: Chico César Direção Musical e arranjos: Marcelo Caldi Com Claudia Ventura, Claudio Gabriel e Laila Garin Músicos: Fábio Luna, Pedro Aune e Pedro Franco Adaptação da obra de Clarice Lispector com trilha original de Chico César, o espetáculo conta a história de Macabéa (Laila Garin), imigrante nordestina cuja vida no Rio de Janeiro é marcada pela ausência de afeto e poesia. Vista pela sociedade como uma mulher desprovida de qualquer atrativo, ela se contenta com uma existência medíocre: ganha menos do que um salário, divide um quarto com quatro pessoas, sofre com um chefe rigoroso e não atrai a atenção de ninguém. Na obra literária, tal história é contada por um escritor, que vê Macabéa na rua e resolve narrar a vida de uma pessoa tão invisível, comum e sem brilho, em um exercício de alteridade. Para esta nova versão teatral, o diretor André Paes Leme propõe uma inversão e esta figura do escritor se transforma em uma atriz. Desta forma, Laila Garin tem o desafio de se alternar entre a Macabéa e a Atriz, que não somente narra, mas também comenta e lança uma série de questões ao longo da encenação. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil R. Primeiro de Março, 66 – Centro Até 10 de maio Quintas e sextas, às 20h; Sábados e domingos, às 19h Ingressos: R$ 30 Vendas on-line: eventim.com.br

Texto e Direção: Renato Carrera Elenco: Ângela Câmara, Carolina Ferman, Fernanda Sal, Marcel Giubilei, Ricardo Lopes, José Karini, Renato Carrera e Jean Marcel Gatti. Um grupo de amigos, que não se via há bastante tempo, resolve se encontrar para assistir ao último capítulo da novela “Vale Tudo” e assim, matar as saudades. Um deles é assassinado. Ielda, a empregada, é considerada a principal suspeita. Ielda mora com seu marido Marco Antonio e seu filho Cleyton num beco ao lado da Praça da Apoteose, no Sambódromo. Acompanhamos então o cotidiano de Ielda nestes dois universos distintos durante todo o ano. Seja enquanto trabalha na cozinha do grupo de amigos preparando a ceia de natal ou em sua casa durante o desfile das escolas de samba. O dia a dia da família de Ielda também está abalado pelas dificuldades enfrentadas com a falta de dinheiro, os conflitos com o filho adolescente e com o tráfico local. Com bom humor e alegria, apesar do sofrimento, as duas classes sociais levam a vida entre desconfianças, suspeitas, fofocas, histórias pessoais e comentários ácidos. Comédia e tragédia se misturam tendo como pano de fundo os acontecimentos que transformaram o país e o mundo durante o fatídico ano de 1989. Teatro Petra Gold Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon Até 8 de abril Quartas-Feiras, às 20h Ingressos: R$ 70 Quero Teatro: R$ 35 Duração: 140 minutos Classificação: 16 anos

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MARCELO JORGE É MARWEM HD

Gênero: Comédia Musical Texto e Atuação: Marcelo Jorge Direção: Patrícia Vilela O ator curitibano Marcelo Jorge interpreta “Marwem HD”, um comediante que traz em seu repertório personagens cômicos como cantoras de funk e líricas, vendedoras de produtos inusitados e polêmicos, Madonna, personagens de reality shows, cenas de novelas mexicanas, além de interpretar canções clássicas de artistas como Doris Day, Angela Maria, Maria Callas, Nat King Cole, Julie Andrews, Dalva de Oliveira, Lola Flores e Liza Minelli. Teatro Cândido Mendes Rua Joana Angélica, 63 – Ipanema Até 30 de abril Quartas e Quintas, às 20h Ingressos: R$ 50 Vendas on-line: ticketmais.com.br Duração: 60 min Classificação: 16 anos

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FOTO: Divulgação

FOTO: Emerson Brandt

SEU NEYLA

Texto: Heloísa Périssé Direção: José Possi Neto Com Ney Latorraca, Bel Lima, Bruno Fraga, Thainá Gallo e Emerson Espíndola. Direção musical e arranjos: Tony Lucchesi Aos 75 anos de idade, o ator Ney Latorraca levará aos palcos – com muito humor, música e humanidade – a história de sua infância pobre em Santos, a relação com os pais – artistas que trabalhavam em Cassinos – o início da carreira e o registro de 55 anos de uma das mais bem sucedidas trajetórias do cenário artístico do país. Personagens, novelas, peças, seriados, filmes que marcaram várias gerações e famílias brasileiras: Barbosa, seu Quequé, Mederix, Irma Vap, Ópera do Malandro, Tv Pirata, entre outros. Teatro Clara Nunes Rua Marquês de São Vicente, 52 – Shopping da Gávea Até 26 de abril Sextas e sábados, às 21h e domingos às 20h Ingressos: De R$ 70 (balcão superior) a R$ 120 (plateia) Vendas on-line: tudus.com.br


EM CARTAZ

A ESPERANÇA NA CAIXA DE CHICLETES PING PONG

Texto, Interpretação, Direção Geral: Clarice Niskier Supervisão de Direção: Amir Haddad Direção Musical: Zeca Baleiro Inspirada pelas músicas de Zeca Baleiro, Clarice vai revelando, diretamente ao público, sentimentos e pensamentos sobre o país, sobre a vida, o sucesso e o amor, expondo a ‘viagem’ que faz dentro de si enquanto a trilha vai se desenrolando. Memórias, sensações, desejos, reflexões, fantasias, opiniões e crônicas se encadeiam de forma lúdica, formando um painel social do Brasil e, ao mesmo tempo, do mundo individual da atriz, há 40 anos em cena. Teatro Petra Gold Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon Até 26 de abril Sexta, sábado e domingo, às 20h Ingressos: R$ 80 Vendas on-line: sympla.com.br Duração: 100 minutos Classificação: Livre

FOTO: Bob Sousa

FOTO: Divulgação

A HORA E VEZ

Texto: Jô Bilac Direção: Antonio Januzelli Com Rui Ricardo Diaz Depois de cair na emboscada liderada por Major Consilva, Nhô Augusto é dado como morto. Socorrido por um casal, consegue sobreviver. Quando se recupera, vai viver longe do Murici e decide dedicar sua vida ao trabalho, à penitência e à oração. Depois de anos de reclusão, no povoado do Tombador, decide partir. O destino o leva ao Arraial do Rala-Côco, onde o reencontro com o amigo e poderoso cangaceiro, Seu Joãozinho Bem-Bem, provoca nova reviravolta em sua vida. Teatro Poeirinha Rua São João Batista, 104 – Botafogo Até 12 de abril Sextas e sábados, às 21h e domingos às 19h Ingressos: R$ 60 Vendas on-line: tudus.com.br Duração: 55 minutos Classificação: 16 anos

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O BATERISTA

Direção: Diego Molina Direção musical: Marcio Lomiranda e Pedro Coelho Texto: Celso Taddei Atuação: Antônio Fragoso A história se passa durante uma aula de bateria ministrada por um músico excêntrico, que vive um relacionamento afetivo em crise. Ele é obrigado a encarar uma aula repleta de alunos exigentes pouco tempo depois de se separar da mulher. Com a cabeça na lua, ele se esquece da aula e se surpreende com a quantidade de pessoas que aparece na sua garagem – sua sala de aula improvisada. Mas o dia não vai ser fácil: sua bateria está completamente desmontada; e o lugar, todo bagunçado. Durante a aula, o baterista organiza as coisas, ao mesmo tempo em que se vê às voltas com a ex-mulher, com quem troca diversas mensagens nas redes sociais. Como ainda é apaixonado por ela, o baterista transborda todas as suas emoções diante dos alunos, usando seu instrumento musical para expurgar suas desventuras e decepções, em cenas ora divertidas, ora comoventes. Teatro Poeira Rua São João Batista, 104 – Botafogo Até 22 de abril Terças e quartas, às 21h *Sessão com intérprete de libras no dia 15 de abril

Ingressos: R$ 60 Vendas on-line: tudus.com.br Duração: 1 hora Classificação: 14 anos

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FOTO: Taiane Brito

FOTO: Daniel de Jesus

DUAS FRIDAS

Gênero: Teatro performativo Dramaturgia: Maíra Oliveira Direção: Gizelly de Paula Orientação cênica: Ana Kfouri Atuação, texto e pesquisa: Dayene Ruffo e Paula Lom Atravessadas pela vida e obra de Frida Kahlo, duas performers dialogam sobre suas forças e fragilidades, ora narrando seus medos, ora encontrando neles um apoio para falar sobre suas angústias urgentes. Através de suas próprias memórias e do legado deixado pela artista, surge a necessidade de revelar os seus sentimentos mais profundos. “Duas Fridas” não é uma biografia, mas sim o pulsar da artisticidade feminina latino-americana. Parque das Ruínas R. Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa Até 12 de abril Sábados e domingos, às 16h Ingressos: R$ 30 Duração: 60 minutos Classificação: 12 anos


EM CARTAZ

LUPITA

Texto: Jô Bilac Direção: Paulo Verlings Elenco: Carolina Pismel, Isaac Bernat, Orlando Caldeira, Pedro Henrique França e Ruth Victor Mariana A trama de “Pá de Cal (Ray-lux)” parte do suicídio de um personagem central, ou seja, ele está ausente. O mesmo acontece com suas irmãs que mandam representantes para a reunião “familiar” na qual irá se definir o destino do pai dessa família e também o destino da mãe do morto (uma antiga empregada), que também manda seu representante. O morto também é representado por uma pessoa com quem conviveu em terras estrangeiras. Além de uma morte traumática a peça lida com a terceirização de responsabilidades e de como essas representatividades interferem na boa condução das questões. Toda a ação se desenrola na casa onde mora o patriarca, local que é foco de uma disputa pela posse, revelando interesses divergentes entre as partes. Conflitos inesperados emergem a partir desse encontro. Com o passar do tempo, as relações entre pai e seus filhos – representados – se revelam aos espectadores cada vez mais límpidas e latentes. Centro Cultural Banco do Brasil – Teatro II Rua Primeiro de Março, 66 – Centro Metrô: Uruguaiana Até 20 de abril De quinta a segunda, às 20h Ingressos: R$ 30 Vendas on-line: eventim.com.br Classificação: 14 anos Duração: 70 minutos

FOTO: Rogrigo Menezes

FOTO: Paula Kossatz

PÁ DE CAL (RAY-LUX)

Gênero: Infantil Dramaturgia e Direção: Flávia Lopes Direção Musical: Karina Neves e Jonas Hocherman Atuação: Aline Marosa, Caio Passos, Gabrielly Vianna, Marcio Nascimento, Maria Adélia e Marise Nogueira. Em um México imaginário, a menina Lupita, de 10 anos, faz parte de uma família muito parecida com tantas outras famílias. Ela vive com a sua mãe e seu avô, que também é o seu melhor amigo. Lupita adora ouvir as histórias dele, principalmente de quando ele era bem pequeno do tamanho de um botão que cabe na palma da mão. Com seu avô, ela aprendeu a ouvir e contar histórias. Aprendeu também que tudo é música, até o silêncio, e que nada é impossível para quem tem imaginação. A sua jornada começa com a tradicional festa do Dia Dos Mortos, que acontece todos os anos no Vilarejo de San Miguel del Corazon, mas que aquele ano seria diferente e mais especial por ser o primeiro ano da partida de seu avô. A encenação é uma viagem pela memória de Lupita com seu avô e suas aventuras. O público torna-se cúmplice da menina que conta e vive suas lembranças entre presente e passado. Centro Cultural Oi Futuro Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo Até 12 de abril Sábados e Domingos, às 16h Ingressos: R$ 30 Vendas on-line: ticketplanet.com.br

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PEÇA DO CASAMENTO

FOTO: Guto Muniz

FOTO: Divulgação

EU COMIGO MESMO

Texto: Edward Albee Adaptação e direção: Guilherme Weber Elenco: Eliane Giardini e Antonio Gonzalez Edward Albee faz do embate entre um marido e uma esposa um jogo de metalinguagem e desconstrução do gênero “peça de relacionamento”, nesta sua ácida comédia “Peça do Casamento.” Após trinta anos juntos, uma crise obriga um casal a revisar suas vidas e os embates que se seguem os obrigam a aprender algo sobre si mesmos e sobre o outro. Teatro Poeira R. São João Batista, 104 – Botafogo Até 26 de abril Quintas, sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 19h Ingressos: R$ 60 Vendas on-line: tudus.com.br Duração: 1h Classificação: 16 anos Foto: Guto Muniz

Se você acha que já riu de tudo, vai se surpreender com Rafael Portugal. O ator do Porta dos Fundos apresenta no seu espetáculo inédito ‘Eu comigo mesmo’. A rapidez do stand up aliada à criatividade na composição de um personagem inusitado em um show de humor e comédia no ritmo. Gênero: Stand Up Comedy Com Rafael Portugal Theatro Bangu Rua Fonseca, 240 – Bangu Shopping Até 26 de abril Sábados e domingos, às 20h Ingressos: R$ 100 (camarote) R$ 80 (plateia) R$ 60 (balcão) Vendas on-line: sympla.com.br Classificação: 14 anos Duração: 60 minutos

Acesse queroteatro.com.br/emcartaz

e confira a programação completa do teatro carioca!

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VAQUINHA

FRENTE TEATRO RJ MANTÉM VAQUINHA ABERTA APÓS MOSTRA Rede composta por 26 grupos da Região Metropolitana foi indicada ao Prêmio Shell na categoria Inovação Por REDAÇÃO

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Frente Teatro é uma rede composta por 26 grupos de artes cênicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que se uniram no final de 2018 - a partir de um chama-

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do de Leandro Romano, diretor do Teatro Voador Não Identificado - para enfrentar os desafios da cultura na atualidade. Dentre as pautas da Frente, estão intercâm-

bios, formações, experimentações dramatúrgicas, compartilhamento de tecnologias, sustentabilidade, fortalecimento de espaços alternativos e ampliação do público que hoje frequenta


VAQUINHA

cidade de Paracambi, na Baixada Fluminense, e marcou a inauguração da Casa Uivo, sede do Uivo Coletivo, e do Anfiteatro Leandro Romano - construído pelos próprios integrantes da Frente -, e que presta uma homenagem ao idealizador da rede, falecido em julho de 2019. O projeto contou com 12 horas de atividades, incluindo espetáculos de teatro, performances, intervenções, vídeos, oficinas, debates e batalha de slam.

os teatros. A iniciativa foi indicada ao Prêmio Shell de Teatro no segundo semestre de 2019 na categoria Inovação. Participam da rede os grupos Aquela Cia, Artefatos Luminosos, Brecha, CETA - Centro Experimental de Teatro e Artes, Coletivo Egrégora, Sala Preta, Coletivo Transarte, Coletivona, Complexo Duplo, Cia. Cerne, KarmaCírculus Teatro, Companhia Teatral Queimados

Encena, Contágio Coletivo, Dragão Voador, Foguetes Maravilha, Gestopatas, Grupo Código, Miúda, Multifoco Companhia de Teatro, Peneira, Probástica Companhia de Teatro, Teatro Comercial, Teatro de Extremos, Teatro Inominável, Teatro Voador Não Identificado e Uivo Coletivo. A primeira edição da Mostra Frente Teatro aconteceu em setembro do ano passado na

A 2a edição da Mostra contou com 36 trabalhos apresentados por mais de 100 artistas, totalizando mais de 15 horas de espetáculos, performances, oficinas, instalações, leituras e debates. A meta da vaquinha não foi atingida, mesmo com todos os artistas trabalhando sem cachê. Aos que quiserem ajudar a Frente Teatro RJ a cobrirem seus custos, o ID da vaquinha no site vakinha. com.br é 864689. Confira em: https://www.vakinha.com.br/ vaquinha/2a-mostra-frente-teatro-rj

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COLUNISTA CONVIDADO

SOBRE O NOSSO TEATRO DE CADA DIA Por RODRIGO FRANÇA

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screvo para aqueles e aquelas dentre os quais eu estou inserido. Aos que se colocam como progressistas, abertos à diversidade, democráticos, subversivos, plurais - ARTISTAS. Vivemos em uma sociedade racista, machista, classista, homofóbica, transfóbica e xenofóbica (pra quem não é norte-americano ou europeu). Nós do TEATRO somos uma instituição dentro dessa mesma sociedade com todas e mais algumas mazelas citadas. Não podemos nos iludir, pois é fácil reproduzir tais valores, pois são hegemônicos. Como se dizer progressistas e, ao mesmo tempo, fazer campanha contra o politicamente correto. Debochando de pautas, onde grupos exigem dignidade. A sociedade avança e, nós? Precisamos fazer um simples teste a fim de sabermos qual é a re-

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al máscara que colocamos: quantas profissionais trans estão envolvidas em nossas produções, como artistas e técnicas/técnicos de criação? Quantas mulheres são oportunizadas como diretoras, autoras e técnicas? A nossa cadeia de produção frequenta os espetáculos que produzimos? Porque a profissional que costurou o figurino deveria assistir à conclusão do seu trabalho. Aos poucos, fomos nos afastando de tanta coisa. Ouço muitas queixas sobre a escassez do público. Mas com qual teatro estamos comprometidos? Sei, muitas perguntas. Algumas respostas eu tenho, outras fico divagando. Nós, negros e negras, somos 56% da população brasileira. Esse número estatístico está longe de ser realidade nos palcos, até mesmo nos bastido-

res. Agora sem a velha desculpa que não há profissionais qualificados ou que eles não existem. Muitos querem encenar temáticas sobre a mulher, sobre a negritude, sobre as travestis... E suas pautas são respeitadas? Um dos mecanismos para reverter a desigualdade tão sistêmica é a econômica. Não há nada mais digno do que um trabalho remunerado. Ninguém é obrigado a inserir tais questões em suas produções teatrais, mas que se tenha coerência. Assuma que, de progressista, o seu trabalho não tem nada. O ser humano é contraditório por natureza, mas existem valores tão básicos que o nosso discurso não pode fugir da prática.


Rodrigo França: Ator, produtor, diretor, dramaturgo e apaixonado pelo teatro negro. FOTO: Gabriel Monteiro/ Agência O Globo

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