Ruas e Cores

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e d a d i c a te viva n

r a o m o c grafite

Fernanda de Faรงanha



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cida a n a v i v e o art


Trabalho de Conclusão de Curso 2017.1 Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza - Unifor Centro de Comunicação e Gestão (CCG) Diretora do CCG Profa. Candice Nobrega Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Wagner Borges Texto Fernanda de Façanha Fotografia Arquivo Acidum Project, Arquivo Seuma, Emerson Pereira, Fernanda de Façanha, João Dijorge e Rafael Limaverde Orientadores Profa. Alessandra Oliveira e Prof. Eduardo Freire Projeto gráfico e diagramação Ravelle Gadelha Revisão Larissa Menezes e Ravelle Gadelha Impressão Gráfica da Unifor


Fernanda de Faรงanha

e s a Ruores c

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co o grafite

Fortaleza 2017


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Agradeço à Deus, à Alessandra Oliveira pela orientação deste trabalho e ao grupo Jucom pelas leituras, discussões de textos e vivências na cidade. À Ravelle Gadelha e ao professor Eduardo Freire pela diagramação deste livro. À minha família pelo amor, à Larissa Meneses pelas correções dos textos, aos meus amigos e ao Bruno pelo carinho e apoio de sempre. Também não poderia deixar de agradecer aos entrevistados, grafiteiros e instituições públicas, por me acolherem e concederem entrevistas que foram muito importantes para a elaboração deste trabalho e para a minha prática profissional.


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o r v i Ol m e g a t r o p e r por que escrever e pesquisar sobre grafite? Observar a cidade, suas ruas, suas avenidas, seus transeuntes e suas intervenções começaram a ser algo que passei a fazer ao perceber que ela pulsa e está viva todos os dias. Fortaleza é minha cidade natal, onde nasci, cresci, amo e vivo. Fortaleza nos expulsa. As ruas, com calçadas em condições escassas, os comentários sobre a violência e os assaltos frequentes sempre me fizeram repensar, diversas vezes, sobre onde eu vivo. Eu, cotidianamente, utilizava os transportes públicos para fazer meus trajetos diários. Casa, faculdade, estágio e lugares para lazer. Atravessar a cidade em um

ônibus, com a companhia de vários transeuntes, me fez pensar na cidade, antes de começar a pesquisá-la, sem pretensão ou objetivos definidos. De janeiro a julho de 2015, fiz intercâmbio acadêmico para a Universidade Fernando Pessoa em Porto, Portugal. Vivenciar o cotidiano do Porto fez-me perceber os grafites, as intervenções e o interesse que eu tinha por aquele assunto. Andar, vagar pela cidade, conhecer lugares novos, perder-me entre ruas, vielas e travessas e perceber os sons que Porto carregava como o das gaivotas, os sotaques estrangeiros e o barulho do metrô que fizera 7


parte do meu cotidiano. A fotografia foi a minha saída para conseguir registrar o que Porto e as cidades européias expressavam. Os seis meses de viagem renderam muitas fotografias e histórias memoráveis que contribuíram para o meu amadurecimento. Ao voltar para Fortaleza, comecei a perceber que aqui eu também tinha aquele mesmo sentimento de ‘cidade viva’ que o Porto me revelava. Meu olhar foi modificado sobre Fortaleza. Logo depois, em março de 2016, entrei para o grupo de pesquisa Jornadas Urbanas e Comunicacionais, Jucom, na Universidade de Fortaleza, a Unifor. No Jucom, com a aproximação e o estudo das temáticas sobre grafite e intervenções urbanas, elaborei dois artigos que foram apresentados em eventos acadêmicos. “O olhar estrangeiro: uma análise de fotografia de viagem”, artigo apresentado no Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste 2016, em Caruaru, Pernambuco, e “O olhar expressivo-incidental: uma análise de fotografias do Beco do Batman”, apresentado no XXII Encontro de Iniciação à Pesquisa na Universidade de Fortaleza. Como tema de Trabalho de Conclusão de Curso, decidi continuar os estudos sobre grafite e focar em Fortaleza, já que diversas ações envolvendo a temática têm acontecido nesta cidade. A escolha do formato livro-reportagem se deu principalmente 8

A escolha do formato livro-reportagem se deu principalmente devido às possibilidades de detalhes nas informações, à liberdade de escrita”

devido às possibilidades de detalhe nas informações, à liberdade de escrita. Assim, proponho a você, leitor, que caminhe pela cidade com um olhar mais atento às intervenções urbanas e que comece a pensar sobre a questão do grafite debatida aqui. O livro possui três capítulos que descrevem e informam aspectos diferentes sobre o grafite em Fortaleza. Inicia-se com o olhar dos grafiteiros e, depois, aborda os eventos e festivais. Por fim, falo sobre o patrimônio público. Boa leitura!

Fernanda de Façanha


o i r á Sum Capítulo 1

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O grafite e os grafiteiros.................................... Capítulo 2

Encontros entre arte e cidade ..........................

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Capítulo 3

78 Um longo percurso ........................................ 104 Referências ...................................................... 106 De quem é o patrimônio? ..................................

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Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


Capítulo 1

e e t i f a r g O s o r i e t i f a r os g Um panorama sobre o grafite em Fortaleza a partir do olhar dos grafiteiros que compõem a cena na cidade atualmente Parede branca. Lisa. Sprays de tinta no chão. Tinta preta. Olham um para o outro. Abrem a tampa. Balança. (cloc,cloc,cloc,cloc). Pronto para usar. Linhas avulsas no muro. (shhhh). Um passa o spray e o outro o rolinho. Formas. Objetos. Animais. Pássaros. Livros. Mãos. Pipas. Nuvens. Olhos. Param. Sentam. Bebem água. Passam protetor solar. Sol forte. Calor. Pintam. Mais cor. Risca. Afina o traço. Aumenta. Diminui. Pronto. Se afastam. Olham.

Antes de começarem a fazer um grafite, os dois conversam perto do carro, aonde estavam as tintas e sprays. Cada um pega um galão grande de tinta e leva para mais perto da parede, ainda sem riscos e desenhos. “Dizer que é grafiteiro é muito fácil, todos dizem. Pegar tinta, pintar no sol quente, nem todos fazem, mas querem o status de serem chamados de grafiteiros”, diz um deles enquanto faz o caminho de volta para o bagageiro a fim de carregar mais material.

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Perfil

Marquinhos Abu profissão: Artista Visual em graduação pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) idade: 40 quanto tempo grafita: desde 1989 onde mora: bairro Jangurussu (Fortaleza)

Thyago Cabral profissão: Artista Visual e professor universitário idade: 38 quanto tempo grafita: desde 2009 onde mora: bairro parangaba (Fortaleza) 12

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Capítulo 1

Marquinhos Abu e Thyago Cabral iniciaram o grafite, que faz parte do projeto “Telas da Cidade”, com as marcações de spray preto num muro branco de quase 200 metros de comprimento na Avenida Presidente Costa e Silva em Fortaleza, local onde existia uma empresa de água. A dupla, parceria firmada por grafites e por uma amizade de longa data, pintam juntos cidade afora, principalmente quando os muros são grandes. Um ajuda o outro para o trabalho ser mais leve, mesmo embaixo do sol quente de meio-dia. Os dois, que não são os únicos artistas que trabalham em parceria, revezam os pincéis, os sprays, o banco do descanso e a aprovação positiva de cada obra acabada. Além dos grafites, a dupla compartilha viagens e conquistas na cena do grafite em Fortaleza. Marquinhos, de vez em quando, fala das conversas que já teve para Thyago entender melhor como o cenário do grafite cresceu na cidade, mas Abu argumenta que ainda é algo visto, por algumas pessoas, como uma atividade marginalizada. Segundo Thyago Cabral, o Thyagão, 38, formado em Ciências Sociais, com especialização em Design, o tema central do muro é o ar. “Por isso os pássaros. O céu é verde, porque azul é uma cor muito óbvia para céu”, explicou ele que, assim como os pássaros, migrou entre várias cidades. Nasceu em Minas Gerais, morou durante a infância e adolescência em Recife e atualmente reside em Fortaleza.

De roupas pintadas, tênis e calças, os artistas ajudam uns aos outros para completar o desenho. Escadas e cavaletes ajudam os grafiteiros a grafitar

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Os pássaros na parede, pintados de laranja, foram um por um contornados de preto. Asas, bicos e olhos com um traço reto são as principais características dos grafites de Thyago Cabral, assinados como ‘Thyagocnc’. Ele grafita pelas ruas de Fortaleza, em diferentes bairros, com o projeto “Histórias sem quadrinhos”, com o intuito de fazer conexões entre as pessoas e a cidade a partir da criação de diversas tirinhas que estão espalhadas pelo espaço urbano. Cada parte da história possui uma fotografia salva por ele no Google Maps, onde o internauta pode olhar aonde estão todas as histórias. “Eu usei a cidade como as páginas. Aí vou desenhando as histórias que podem ser percebidas como independentes ou podem ser parte de um conjunto”, explicou. Seus personagens, a maioria com celulares na mão, recebem mensagens de texto que explicam sobre o lugar em que o grafite está. Por exemplo, na Rua Costa Barros, próximo da Avenida Dom Manuel, a mensagem diz: “O nome do cadeirante é Seu Marcos”. Ao ser questionado sobre o atual cenário do grafite em Fortaleza, Thyago considera que nunca esteve em tanta efervescência, já que há vários grupos, alguns até novos, pintando e experimentando na rua. O artista visual, que grafita há oito anos, destaca o reconhecimento: “Existem grupos mais antigos que já estão tendo um reconheci14

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mento nacional e internacional. Desde que eu estou em Fortaleza, há 15 anos, é o período em que mais vi não só o envolvimento de artistas, mas também da própria sociedade reconhecendo. Existem até empresas patrocinando e dando condições dessa produção local”. Entrevistas feitas com grafiteiros que conheceram o grafite de formas diferentes guiarão a continuação dessa história. Quem são esses artistas? Qual o contato deles com a arte urbana? Como veem o grafite em Fortaleza?

Eu usei a cidade como as páginas. aí vou desenhando as histórias que podem ser percebidas como independentes ou podem ser parte de um conjunto”

Thyago Cabral

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pessoas não entendam. Abu, abreviação de abutre, um personagem de desenho animado cujas costas são envergadas, sobrevive exclusivamente do grafite há seis anos. Trabalhou como mecânico de refrigeração durante 18 anos e prestava serviços à grandes empresas. Decidiu ingressar no curso de artes visuais no Instituto Federal do Ceará (IFCE) e deixar sua caixa de ferramentas para seus irmãos continuarem o serviço. Marquinhos adentrou no grafite a partir do movimento hip hop nos anos 1980 no Ceará. Segundo ele, o hip hop possui quatro elementos: o break (dança), Dj, rapper

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Mesmo o cenário aumentando, Marquinhos, o parceiro de Thyago, alerta para uma questão importante: “Fortaleza não consegue entender o grafite ainda. A galera entende o grafite como algo que é para enfeitar e não para questionar a cidade”. Respondendo a pergunta sobre a aceitação do grafite na cidade, Marcus Venicius Martins, conhecido como Marquinhos Abu, 40, grafiteiro há 28 anos, informou que quando grafita algo questionador é possível que muitas


No cruzamento das Avenidas Godofredo Maciel e Presidente Costa e Silva, Marquinhos Abu e ThyagĂŁo terminaram o grafite em um muro de 200 metros

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cor e passava as mesmas dificuldades, mas fazendo uma coisa muito legal”. Conforme a vivência e a experiência de Marquinhos, no Ceará, o Movimento Hip Hop Organizado do Ceará (MH2O), foi desenvolvido durante o período de 1980 a 1996. Para ele, esse movimento é considerado um dos pioneiros do hip hop no Ceará. O MH2O realizava formações sobre os quatro elementos do hip hop para os participantes. “A sede era no Conjunto Ceará e todo mundo ia para as rodas de break no bairro. Mas em 1996 aconteceu

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e o grafite. O movimento une a música, desde seu ritmo e composição, à dança, por movimentos corporais característicos, e ao desenho: “São essas quatro coisas que fazem o hip hop acontecer, porque é o corpo se movimentando na cidade por várias linguagens: as linguagens visuais, físicas e motoras e a linguagem musical, através do som”. O motivo que o fez conhecer e entrar no grafite foi a identificação com os outros meninos que faziam a arte: “Você tinha alguém exatamente como você. Da mesma


uma separação porque já existiam algumas tendências políticas dentro do movimento. Algumas pessoas concordavam e outras não. Acabou separando”, completa. Segundo o grafiteiro, o surgimento do grafite em Fortaleza advém principalmente do movimento hip hop: “Mas ele chega em Fortaleza de outra forma: através da tag. É o que as pessoas chamaram e naturalizaram como pixação”. Para Abu, a tag é a assinatura do grafiteiro. Ela é o nome ou o pseudônimo do artista, mas entende-se como a maneira que o grafiteiro se identifica dentro da cidade. Segundo Marquinhos, o Brasil é um dos poucos países em que há a separação do que é grafite e pixação: “Então, o que no Brasil se chama de pixação, no resto do mundo são chamados de tags. É um discurso que tenho ouvido muito na produção do Festival Concreto, do qual faço parte. Tenho contato direto com artistas internacionais e eles ficam impressionados com a quantidade de tags que tem em Fortaleza. A gente só perde praticamente pra São Paulo”. Além disso, Marquinhos declarou que o grafite possui sublinguagens com diferentes formas de escrita e de desenho. Elas são utilizadas de acordo com a escolha e a preferência do artista, pois, na cena, uma não sobressai à outra: “A tag é a assinatura. Tem o throw up, o peace, o wild style, os personagens. Tem o 3D e o abstract que são grafites 18

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com características diversas. É uma questão da escolha do artista”. Ao ser questionado sobre o motivo pelo qual pessoas decidem pixar, Marquinhos diz acreditar que é uma forma de resistência, mas que a motivação não é consciente. Para ele, isso ocorre porque é através do pixo que os indivíduos, que vivem à margem da sociedade, marcam um espaço que não é deles: “Nem todos eles têm a dimensão do que é isso na cidade. Não acho que estão pensando na cidade. Mas, de certa forma, é um jeito de você resistir. É uma reação natural de sobreviver e existir na cidade”. De acordo com Celso Gitahy, em “O que é Grafitti”, o grafite surgiu a partir das artes plásticas; e a pixação através da escrita de palavras ou de letras. Para Gitahy, no Brasil, inicialmente a pixação possuía um caráter exclusivamente político. Com a popularização do ato, houve palavras de ordem nos muros, declarações de amor, piadas ou apenas o nome dos artistas. No livro, publicado inicialmente em 1999, Gitahy enfatiza que os escritos nos muros nem sempre foram tolerados ou permitidos no Brasil. O autor revela que tanto o pixo quanto o grafite carregam características transgressoras e, por isso, não combinam com ditaduras: “Durante os anos da ditadura militar, em meio à censura e ao clima autoritário, quase não se viam paredes rabiscadas em São Paulo”.

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janelas paralelas

Em São Paulo, a Rua Gonçalo Afonso, no bairro Vila Madalena, se transformou em uma galeria a céu aberto com grafites feitos por diversos artistas desde meados dos anos 80. As pinturas são renovadas de tempos em tempos com a autorização do último artista que fez a obra. Assim, os visitantes sempre encontram novas obras artísticas no local. Mesmo com o programa ‘São Paulo Cidade Linda’, instituído em 2017 pela prefeitura de São Paulo no mandato do prefeito

João Dória, o Beco do Batman resiste, já que não foi “limpo” (pintado de cinza). De acordo com informações do site da Prefeitura de São Paulo, o programa tem o objetivo de revitalizar locais degradados como pichações, faixas e cartazes da cidade. A Avenida 23 de Maio, que possuía uma grande extensão de murais de grafites, foi pintada de cinza em janeiro de 2017, o que tem causado revolta e indignação dos artistas e de parte da população.

No local há obras de todas as formas e com reflexões, desde grafites que questionam algo a outros que nos mostram portas do lugar transformadas em telas de arte

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Beco do Batman


os artistas vão trocando os sprays de tinta de uma cor para outra. As caixas de papelão são os depósitos temporários dos sprays que já acabaram e dos que ainda estão cheios

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Capítulo 1 Após um dia longo pintando os passarinhos, para testar o spray, Thyagão fez o desenho similar ao dos seus quadrinhos em um poste

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janelas paralelas

Hip Hop foto: reprodução

Mundialmente, o movimento hip hop surgiu nos Estados Unidos entre as décadas de 1970 e 1980 no subúrbio de Nova York. Naquele período, o poder público não fazia tantos investimentos nesses locais, o que causava revolta dos moradores. A partir do grafite eles reivindicavam a falta de espaços de lazer, por exemplo. Os meios de comunicação e o governo reconheciam a população do South Bronxs, jovens negros e imigrantes, como problema social para a cidade. De acordo com os autores Alessandra Oliveira Araújo, Tarcísio Bezerra Martins Filho, Lucas Marinho, no artigo “Muros que falam: a comunicação na cidade”, publicado pela Revista Humanidades de 2015, as ruas também apresentavam outras elaborações artísticas, como a dança e a música, contribuindo para a formação dos quatro elemen-

tos do movimento hip hop: “As ruas eram usadas como espaço para festas. Apresentações de dança aconteciam nas calçadas e o grafite ocupava não só os muros, mas também o sistema de transporte urbano”. Além disso, para os autores, os escritos nas paredes e em vagões de metrô que percorriam toda a cidade, eram incompreensíveis para a maioria dos indivíduos: “Mais do que transmitir uma mensagem por palavras, esses grupos queriam mostrar suas identidades, representar um novo estilo, que vai do sujo ao belo, da periferia ao centro”. Já que não podemos voltar no tempo, séries explicam melhor a realidade desse período. “The Get Down” e “Hip Hop Evolution” contam com romances e séries de entrevistas com artistas que iniciaram o movimento hip hop nos anos 1970 nos Estados Unidos.


Hoje o grafite é produto, mas o grafite que é produto não é o grafite real. O grafite não vai pra galeria, o grafite é pra estar na rua”

Marquinhos Abu

tava uma escola abandonada no bairro Jereissati em Maracanaú. Para ele, o lugar apresentava a cena do hip hop, pois havia um grupo de pessoas dançando, outro riscando as paredes e outro tocando com outro alguém rimando. Ele observa que, atualmente, os motivos para os indivíduos entrarem no cenário do grafite são outros e não estão necessariamente ligados ao movimento inicial. Marquinhos garante que os artistas que fazem o grafite nos dias de hoje possuem uma outra formação que não advém necessariamente do hip hop.“Em 96 a gente teve um hiato de quatro anos, até a geração YouTube. A geração YouTube no ‘boom’

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Entretanto, o grafite, além de ser visto como um enfeite na cidade, também tem sido considerado um produto, já que empresas e comércios pagam por uma “pintura” em seus muros, dentro ou fora dos estabelecimentos. Com isso, os autores Glória Diógenes, Ricardo Campos e Cornelia Ercket, no artigo “As cidades e as artes de rua: olhares, linhas, texturas, cores e formas”, publicado pela Revista de Ciências Sociais (2016), observam que a arte urbana tem sido gradualmente institucionalizada e mercantilizada: “Com um maior reconhecimento por parte dos poderes públicos e com uma ligação crescente ao mercado da arte”. Marquinhos considera que o mercado, não só em Fortaleza, mas também a nível nacional, transformou e separou os quatro elementos do hip hop, já que o grafite deixou de ser um estilo de vida e passou a ser algo com capacidade de compra e venda: “Hoje o grafite é produto, mas o grafite que é produto não é o grafite real [do movimento hip hop]. O grafite não vai para a galeria, o grafite é para estar na rua. Ele só consegue ir para galeria quando é fotografia ou vídeo, aí é o grafite na galeria . Agora pintar na galeria [dentro ou um quadro] é uma técnica do grafite sendo utilizada. É outra coisa completamente diferente”. Atualmente, o grafite tem sido mais aceito socialmente. Na época em que começou a grafitar, em 1988, Abu frequen-


O sol já estava perto de se pôr e a dupla já finalizava o trabalho daquele dia 24

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A forma que a maioria das pessoas que grafitam no brasil geralmente tem um traço e um personagem que vai replicando em várias situações diferentes. No Capítulo 1

começo, eu tentei fazer isso. Mas, na medida que fui desenvolvendo, tirei as cores e fiquei com o traço mais realista e outros surrealistas também”

Artur Bombonato

dos anos 2000, com a internet, aprendeu a grafitar. Muita gente que faz o grafite hoje aprendeu a fazer vendo a galera pintar no YouTube”, esclareceu. Entrevistas feitas com grafiteiros que conheceram o grafite de formas diferentes guiarão a continuação dessa história. Quem são esses artistas? Qual o contato deles com a arte urbana? Como veem o grafite em Fortaleza?

Novos traços do grafite

Ir ao Centro de Fortaleza: de dia um lugar cheio vida e de noite sem correrias. Ruas movimentadas, carros passando, semáforos que dão ritmo ao trânsito intenso de 7h até 18h, horário em que os comércios fecham. No cruzamento das ruas Sena Madureira e Visconde Sabóia, onde se avista a Igreja da Sé, está a Praça dos Leões, tombada em 1991. A praça abriga a Igreja do Rosário e estátuas

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Perfil

Artur Bombonato profissão: formado em comércio exterior, mas trabalha atualmente como artista urbano idade: 27 quanto tempo grafita: desde 2012 onde mora: bairro cocó (Fortaleza)

Josué Peixoto profissão: estudante idade: 15 quanto tempo grafita: desde 2014 onde mora: bairro edson queiroz (Fortaleza)

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de não poder fazer um trabalho criativo me sufocava muito e eu sofri muito com isso. Por isso voltei a desenhar”. Iniciou com grafite à mão livre e, após conhecer outras técnicas e desenvolver seu próprio traço, passou a utilizar rolinhos, tinta látex nos muros e criar telas a tinta óleo. Para ele, o cenário da arte urbana em Fortaleza vem crescendo e há muitas pessoas fazendo essa arte com diferentes estilos e influências. Bombonato considera que, apesar de haver poucos grafites, um importante influente para a produção e divulgação do grafite em Fortaleza tem sido o Festival Concreto, ocorrido nos anos 2013, 2015 e 2016: “Tem muita gente massa fazendo grafite em Fortaleza com estilos diferentes. O Concreto criou uma rede muito grande de contatos, de fora [internacional] e no Brasil todo. Em 2013, eu trabalhei na produção de apoio aos artistas. Tive a oportunidade de conhecer e entender o processo para ser artista urbano, o processo de criação”. Bombonato estudou artes durante um ano em Roma, na Itália. Lá, fez cursos e foi influenciado por artistas como René Magritte e Caravaggio. Nesse período, começou a pintar a óleo, em telas. Fora do país, ele já grafitou na Argentina, Itália, França e Marrocos. Com pinturas cheias de ilusões e traços que se transformam em outras formas, as obras de Artur, características nas cores

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peculiares, como a do General Antônio Tibúrcio e da escritora Rachel de Queiroz. Em seu entorno estão o Palácio da Luz e o Museu do Ceará. No início do ano, durante o período de volta às aulas, a Praça dos Leões se transforma. As calçadas abrigam comerciantes de livros novos e usados para vender ou trocar material didático. Em meio a esse turbilhão, timidamente, Artur Bombonato cria seus desenhos de pessoas que darão vida as cores preto e branco, característica do artista urbano de 27 anos. Sentado à beira dos degraus do bar situado na praça, o Bar Lions, o artista posiciona a câmera para que os transeuntes não percebam suas intenções. Ele fotografa as pessoas que passam na praça e depois cria desenhos e traços que carregam a cidade. De olhos atentos, fala mansa e orelha com uma pincelada de tinta preta por causa da obra que ele se dedicava antes da entrevista, Artur explicou que começou a grafitar há cinco anos. Na época, deixou de trabalhar com Comércio Exterior, profissão da qual se formou, por não ter se identificado durante sua formação acadêmica: “O colégio empurra para você de cinco a dez carreiras, todas acadêmicas. Eu não me identificava com nada e acabei fazendo Comércio Exterior porque envolvia Administração e Economia. Mas aquele negócio de escritório, formalidade,

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preto e branco, chamam a atenção de quem passa. Rostos deformados, corpos de homens fazendo diferentes atividades cotidianas, como sentar em uma cadeira, capinar e andar na rua. Bombonato afirmou que uma das suas maiores influências no grafite é o espanhol Gonzalo Borondo, cujas obras também retratam humanos com cores em tons pastéis, preto e branco. Contudo, Artur Bombonato disse que a relação entre a arte e a cidade se dá a partir dos contrastes vistos e percebidos no meio urbano: “Fortaleza e qualquer cidade, tem muito contraste e muito estímulo para criar e se inspirar. O meu maior estímulo é a cidade, as contradições e eu relaciono meu trabalho a isso, às relações das pessoas, não a pessoa em si”. Quando pinta em muros, Artur aproveita as imperfeições, cores e texturas das paredes para transformar a obra em algo que vai além da busca da perfeição. Nos trabalhos em tinta a óleo, ele tem utilizado uma espátula ao invés do pincel. A escolha foi definida porque a ferramenta facilita trabalhar com camadas e sobreposições, possibilitando uma outra composição à obra. Para ele, essa forma de pintar assemelhase com o desenvolvimento de Fortaleza: “Comecei pintando na rua e depois em tela e percebi que na tela faltava algo, estava muito perfeitinho. Comecei a pintar só com espátula, tiro e boto tinta. Tirando camada e 28

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CapĂ­tulo 1 O grafite e os grafiteiros

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A obra que abrange o muro lateral do Salão das Ilusões, no Centro, foi uma das maiores que Bombonato já trabalhou 30

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incompletos e embaçados. Artur diz que inicialmente não foi algo intencional, mas tornou-se uma forma dos transeuntes se identificarem com a obra: “É uma forma que eu tenho de tentar universalizar um pouco mais o sentimento. Se eu coloco um rosto, claramente o rosto da pessoa, pode ficar parecido com alguém conhecido de alguma pessoa que vê a obra. É para mais pessoas se identificarem com as obras”. Mas afinal, quem percebe a obra na rua e os significados que ela pretende passar? De acordo com o artigo “As cidades e as artes de rua: olhares, linhas, texturas, cores e formas”, dos autores Glória Diógenes, Ricardo Campos e Cornelia Ercket, o grafite é considerado como uma forma antiga, tradicional e universal de comunicação. Assim, a arte urbana é apontada como uma expressão subversiva e inusitada de ocupar o espaço e paisagem urbana. Diógenes, Campos e Ercket acreditam que cada indivíduo tem um olhar diferente sobre a cidade. Para os grafiteiros, artistas urbanos, o modo como cada um enxerga a cidade influencia na criação e na produção da técnica utilizada para grafitar, desde o traço, os personagens ou letras. “O modo como olhamos para a cidade constitui uma experiência subjetiva que nos conduz à construção de memórias, imaginários e afetos muito particulares. Se a cidade comunica visualmente de múltiplas formas, também é

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botando camada, o que tem tudo a ver com o processo de desenvolvimento da cidade: o que é Fortaleza senão uma cidade que foi construída, destruída e reconstruída? Cheia de falhas e imperfeições, o que está refletindo no meu processo agora”. Para o sociólogo português, Ricardo Campos, no artigo “Visibilidades e Invisibilidades Urbanas”, as cidades estão em constante mudança, pois não querem estar “paradas no tempo”. Elas transformaramse em territórios dinâmicos: “As cidades são uma alegoria dos novos tempos, marcados pela rapidez, pela conectividade, pela invenção, pela metamorfose, pela imagem. As cidades, de forma a tornaremse atrativas, são alvo de operações plásticas constantes que visam tornar a sua figura mais agradável”. “A forma que a maioria das pessoas que grafitam no Brasil geralmente tem um traço e um personagem que vai replicando em várias situações diferentes. No começo, eu tentei fazer isso. Mas, na medida que fui desenvolvendo, tirei as cores e fiquei com o traço mais realista e outros surrealistas também. O traço foi ficando mais maduro. Eu me interesso por cor, mas o que eu quero passar é que nem sempre a cor é o mais importante”, garantiu o artista. Outra característica clara na composição dos grafites de Artur são os rostos dos personagens, que estão escondidos,

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O Salão das Ilusões, fica nos cruzamentos das Ruas Visconde Sabóia e Coronel Ferraz, no Centro próximo a igreja Pequeno Grande

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verdade que os diferentes territórios possuem características singulares que se expressam na paisagem”, esclarecem os autores.

do papel ao muro

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Magro, moreno e de estatura média, ele ainda possui um sorriso de criança. Josué Peixoto, 15, é grafiteiro desde os 13 anos. Quando aprendeu a andar de skate, ia constantemente à Praça da Juventude, no bairro Edson Queiroz, perto de onde mora, para treinar manobras. A pista de skate onde treinava tinha grafites. Curioso para saber o que eram aquelas pinturas e o que significavam, perguntou aos amigos e aos outros meninos que estavam por ali e, assim, foi apresentado à uma nova arte. Josué contou que sempre gostou de desenhar. Começou copiando outros desenhos que via na televisão, como o Dragon Ball Z e, com a prática, foi criando os seus próprios personagens: “Depois de muito tempo desenhando no papel, fui começar a pintar na parede”. Além disso, passou a frequentar eventos e minicursos que aconteciam no bairro onde reside. Nestes locais, grafiteiros que Josué já tinha como referência, como o Tubarão e Crash, ministravam as oficinas e ajudavam os iniciantes. O adolescente passou a perceber o grafite como uma forma de expressão, uma arte para a comunicação com a cidade. Josué também notou que os seus grafites 33


podem passar interpretações diferentes de seus sentimentos: “Eu gosto muito de me expressar através dos meus desenhos. E, pela parede, eu posso me comunicar com as pessoas que passam. Não é só uma coisa para mim. Às vezes eu posso colocar uma coisa na parede e uma pessoa pode entender diferente do que eu quis passar”. No futuro Josué quer se especializar profissionalmente: “Espero crescer no grafite. Não só no grafite, mas também em outros tipos de arte. Eu não quero ser limitado à nisso. Ao desenho ou ao grafite. O grafite, quando eu conheci, foi para sair só do desenho no papel. Eu quero me especializar em pintura. Fazer curso de Design Gráfico”. Para os autores Diógenes, Campos e Ercket, as ruas possuem características peculiares nos centros urbanos, de acordo com a intensidade e velocidade de cada local. Assim, as imagens e escritos que estão na cidade também acompanham esse ritmo: “As imagens que se multiplicam nas cidades, nas intervenções consideradas legais e ilegais movimentam-se, também, entre visualidades que se dispõem nos contextos urbanos, nas argamassas materiais da cidade e outras que se deslocam e desdobram-se entre esse âmbito e as esferas do ciberespaço”. Para Josué, a cidade influencia diretamente no grafite, já que os descasos são motivadores em temas como o grafite, o que causa incômodo a quem vê: “Descaso 34

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Josué de 15 anos deseja futuramente fazer um curso de design gráfico e continuar seguindo como ilustrador

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na saúde, por exemplo, ou algo do dia a dia todo que todo mundo vê. Agora, quando está em um grafite mostrando para a população, incomoda”. De acordo com Ricardo Campos, em seu artigo “Visibilidades e Invisibilidades Urbanas”, os espaços habitados pelo homem são modificados em função aos interesses e desejos humanos. O autor contextualiza também que todo ato realizado em um contexto cultural possui um sentido. Assim, a paisagem vista por nós é a acumulação das intervenções humanas. Dessa forma, o autor considera que a cidade é feita para ser vista: “A cidade é, em muitos sentidos, feita para se ver, e o olhar sempre foi um dispositivo essencial de orientação neste meio, como aliás alguns dos autores clássicos em ciências sociais assinalaram nas primeiras décadas do século passado”. Josué também explicou que, atualmente, participa de uma crew, a Matilha Crew, junto com amigos e grafiteiros que já eram suas referências. Ele denomina crew como um grupo de pessoas que possuem ideologias semelhantes sobre o grafite. Sendo assim, junto com um amigo, Rafael Fernandes, 17, Josué criou o Sentimentos Concretizados Crew: “Sentimento a gente não pode concretizar, o sentimento é aquilo que está dentro da gente, mas no grafite a gente pode concretizar na parede”. 36

Fernanda de Façanha

Sentimento a gente não pode concretizar, o sentimento é aquilo que está dentro da gente, mas no grafite a gente pode concretizar na parede”

Josué Peixoto Nas paredes Josué é ‘Blef ’, nome que escolheu por gostar da sonoridade e da possibilidade de escrita das letras. Os desenhos e bomb’s, uma linguagem de escrita do grafite, que Josué faz, estão espalhados pela cidade, nos bairros Edson Queiroz, Caça e Pesca e Cidade 2000. Na escola pública onde estuda, o garoto já propôs às professoras de arte aulas ou oficinas sobre grafite, mas elas nunca ocorreram. Em casa, os dois irmãos mais velhos apoiam o caçula a continuar pintando nas paredes das ruas. A mãe se preocupa com os acontecimentos negativos que a rua pode trazer ao filho, mas Josué alega que “é só preocupação de mãe”, já que toma cuidado em sempre grafitar em muros autorizados pelos donos.

Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


Perfil

profissão: tatuador idade: 27 quanto tempo grafita: desde 2014 (no período da copa do mundo em fortaleza, quando o chamaram para fazer caricaturas dos jogadores de futebol) onde mora: joaquim távora (Fortaleza)

Capítulo 1

Carlos Edinardo Lucas (Lápis de Lata)


rabiscos e pinceladas

De olho aberto “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém queria entrar nela não…”. Lápis de Lata entrou. A velha casa duplex, com o registro de imóvel datado no início do século XX, está localizada próxima ao Centro de Fortaleza. A residência, sem um nome especial, é apenas identificada como “casa da Dom Manuel” pelas pessoas que já moraram lá. Hoje, só abriga livros em uma das salas. O lugar já foi um consultório odontológico e, na imaginação das crianças que ali já viveram, seus corredores eram passarelas de modelos e palco para brincadeiras. Em uma conversa informal sobre o lugar, Pedro, o dono da casa, contou que o imóvel foi construído na época do plano diretor da cidade. O plano buscava o embelezamento da cidade com a ideia dos bulevares parisienses: “Na escritura consta uma casa de porta e janela”. Pedro havia comprado as tintas, como combinado para uma nova pintura. A casa é recuada, com um portão de grade preta na frente e paredes brancas nas laterais. Ele estava ansioso para a chegada de um, até então, desconhecido, conhecido por ele apenas pelas paredes grafitadas no bairro Joaquim Távora. Assina como Lápis de Lata, mas, para os que já o conhecem, é o Edy. Edy chegou. A gritaria dentro de casa com o aviso “ele chegou” ecoou pelas paredes que há tempos não ouviam tantos murmúrios. Pedro abriu o portão e logo Edy entrou com uma caixa de sprays de tinta junto com um ajudante. A chegada foi rápida e repentina. As tatuagens nos braços esclareceram como Edy gostava de desenhar e se comunicar através de desenhos. Logo, apanhou um spray de cor preta e esboçou um livro na parede. Pedro não sabia qual desenho Edy havia pensado em fazer. Tudo estava sendo uma surpresa. Depois de alguns rabiscos, o esboço de uma mão saindo do livro foi surgindo e dando forma ao desenho. Paralelamente, Edy pediu um som para escutar músicas e assim deixar o “ambiente em equilíbrio para as ideias fluírem”. Ouvindo reggae a criatividade


CapĂ­tulo 1


rabiscos e pinceladas

do grafiteiro fluiu. Logo o livro foi pintado de preto, com as bordas brancas e a mão pintada de bege e sombreada com a cor marrom. “Onde está a escada?”, perguntou Edy a Pedro que prontamente trouxe. O artista foi até o último degrau. Mas a altura ainda não era suficiente para o que ele queria fazer. Sozinho, com apoio apenas no muro, Edy subiu no portão. Ficou ali em pé, desenhando com spray de tinta preta um olho. O contorno, a íris, a pupila e os cílios. Para finalizar, Edy colocou uma lágrima descendo do olho. Pedro perguntou qual motivo para a lágrima e Lápis de Lata explicou que é o lamento, pelo descaso às questões políticas e sociais que vêm acontecendo no Brasil: “A questão do olho é que todo mundo viu o que o Dória fez com a arte em São Paulo. Covardia. Artista nacional e internacional sofreu. Foi uma paulada na arte.” Rapidamente a pintura foi feita. Depois de uma parada para o almoço, Edy voltou e finalizou a obra. Jah e as energias positivas foram trazidas pelo reggae que ecoava na rua. Os transeuntes arregalaram os olhos, perguntavam “o que está acontecendo aí?” ou apenas paravam para ver o grafite sendo feito. Pedro conseguiu uma escada maior para Edy assinar o nome ‘Lápis de Lata’ no topo do muro. O dono viu a cena e ficou ali observando em silêncio com um sorriso nos lábios. “Tá lindo”, falou baixinho. Acabou. Edy guardou as tintas, pincéis, e os sprays de tinta na caixa onde vieram. “Tchau Seu Pedro, até a próxima”, exclamou o artista que logo se foi. Pedro, que é escritor, ficou ali observando, pensando e imaginando os possíveis significados para aquela obra tão expressiva. O sol se pôs, Pedro se foi e a casa dormiu mais um dia, mas agora com um olho bem aberto.


CapĂ­tulo 1 O grafite e os grafiteiros

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Fernanda de Faรงanha

Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


A partir de eventos e encontros, grafiteiros realizaram grafites e discussões que movimentam Fortaleza Criar, reunir e formar uma "nova cena" ou novas paisagens em Fortaleza têm sido os objetivos de eventos e festivais de grafite e arte urbana que a cidade já acolheu e ainda recebe. Com novos personagens, artistas, criações e cores, novas programações sobre grafite trazem mais beleza à cidade, mas também abrem discussões sobre essa temática, às possibilidades, às interpretações e às informações que uma obra ou seu artista podem comunicar.

Nos últimos anos, o evento de arte urbana que tem colorido muros e prédios de Fortaleza é o Festival Concreto. Ele reúne artistas locais, nacionais e internacionais para pintar, debater e trazer novos olhares para nossa cidade. O Concreto ocorreu nos anos 2013, 2015 e 2016 e tem esse nome por ter o intuito de ser algo criado e concretizado. Em cada ano, os artistas convidados trouxeram aos muros, ou a outras estruturas (a caixa d’água, por exemplo), algo a ser

Encontros entre arte e cidade

Capítulo 2

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foto: João dijorge

e r t n e s o r t n o c n E e d a d i c e e art


Perfil

Narcélio Grud profissão: Artista urbano Quando participou de um evento: foi curador dos eventos “Festival Concreto”, nas edições de 2013, 2015 e 2016, e “Semana do Graffiti” nos mesmos anos

Alberto Gadanha profissão: formado em publicidade e propaganda, trabalha com design gráfico e é professor na “Opa! Escola de Design” Quando participou de um evento: Trabalhou 44

Fernanda de Façanha

no “Festival Concreto” em 2015 e 2016 Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


arte urbana em Fortaleza e a criação de ficções pela cidade”, a autora atribui possíveis definições ao que se conceitua como arte urbana. Carla Galvão denomina como arte urbana uma série de manifestações artísticas feitas e pensadas no espaço urbano, dentre elas há o grafite, a performance, o sticker, o lambe-lambe e a pichação, que dialogam com a arte contemporânea: “Um dos aspectos desse diálogo é o hibridismo da arte urbana, pois um artista urbano pode relacionar uma série de linguagens em uma mesma intervenção, como a pintura, a colagem, o vídeo, a música, etc”. Sobre arte urbana, Narcélio Grud pensa que é uma linguagem que está em desenvolvimento e que abrange diferentes formatos artísticos, desde o grafite, o muralismo e as performances, por exemplo: “A arte urbana hoje bebe de várias fontes, mas é principalmente na rua. O artista urbano tende mais a utilizar o suporte da urbe como um apoio. Ele intervém ali, seja num poste, seja no chão, numa lixeira ou numa árvore”. A cada ano, novas ferramentas e maneiras de pensar a cidade são acrescentadas nas atrações do Concreto. Com a proposta de inovar, o grupo Mobiliário Urbano, desde 2015, busca unir artistas, arquitetos e designers para pensar ações criativas a serem feitas na cidade. Segundo Grud, que é um dos componentes do grupo, em 2015 uma arquibancada foi feita no espigão da Praia de Iracema com 80

Encontros entre arte e cidade

Capítulo 2

Capítulo 2

refletido e pensado. O grafite tem sido uma das formas utilizadas a fim de trazer uma expressão artística para a cidade, já que o festival propõe a arte urbana como foco, incluindo, assim, outras intervenções como instalação de cadeiras, placas, sacos plásticos, equipamentos sonoros e performances. Segundo o curador do evento, o artista Narcélio Grud, a ideia para a criação do Concreto surgiu a partir de sua participação em outros festivais internacionais, como o Meeting of Style nas edições na Argentina, na Itália e no México; o Festival de Arte Pública (FIAP) em Cancun; e o Asalto na Espanha. Assim, ele percebeu que poderia modificar e melhorar a cidade onde vive por meio da arte urbana. Além disso, Grud explicou que o Concreto também propõe trazer diferentes linguagens e se preocupa com questões além da arte, que são profissionalizar novos artistas, promover um intercâmbio entre os participantes e trabalhar a arte urbana de forma aprofundada: “Em todas as edições, a gente teve um cuidado com a questão formativa, de trazer também uma arte urbana de ponta, uma arte urbana mais contemporânea, não só a questão do grafite, mas também a gente sempre procurou trazer artistas que trabalham com linguagens outras e que tenham ali uma coisa de inovação”. Para Carla Galvão Farias, mestre em artes, em sua dissertação de mestrado com o título “Um passeio enativo com Acidum:

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janelas paralelas

Festival colore e diverte Zaragoza Alguns eventos influenciaram outros festivais e programações em que o artista Narcélio Grud participou na edição de 2016. O Asalto, um festival de arte urbana que acontece desde 2005 em Zaragoza, na Espanha, é um deles. Conforme informações do site do evento, o Asalto desenvolve propostas artísticas feitas por artistas urbanos e coletivos artísticos dentro e fora da Espanha, onde todo o processo artístico e produção é desenvolvido na cidade. O festival propõe reunir diversos tipos de formas artísticas que interajam com a cidade e seus transeuntes. Algumas delas são pinturas de mural, estêncil, performance, projeção de vídeo, grafite e fotografia, por exemplo. Durante os anos de festival, o Asalto conquistou alguns prêmios, como o Prêmio de Melhor Espaço de Exposição da Associação Aragonesa de Críticos de Arte e o Prêmio Artes & Letras Difusão Cultural e Inovação (Heraldo de Aragón) em 2015 e 2016, respectivamente. Conforme informações do site do evento, esse é o festival de arte urbana mais antigo da Espanha.

cadeiras nas cores amarelas e vermelhas, disponibilizadas nas pedras ao longo do local. A ação teve como objetivos dar conforto aos visitantes que vão ao espigão e incentivar novos transeuntes a experimentar e ver o pôr do sol na Praia de Iracema. Já na última edição, o Mobiliário Urbano fez uma intervenção nas caixas d’água da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), no cruzamento das ruas General Sampaio e Antônio Pompeu, no bairro Centro. “A gente pintou, colocou mobiliário, fez um jardim, colocou um balançador, fez um trabalho de restauração”, contou o Grud. A festa de encerramento da terceira edição do festival foi no local que teve intervenções e performances artísticas. O estudante de jornalismo, Gabriel Borges, 21, compareceu à festa motivado pela curiosidade de ver o local após a reforma, já que tinha visitado o lugar antes e percebido que havia sinais de abandono: “Eu tinha visitado o local antes da revitalização e, por isso, para mim, de certa maneira, foi uma experiência incrível. Vi a forma como eles conseguiram converter um espaço que estava abandonado com ferrugem, lixo jogado por toda parte e mato crescendo em um lugar de convivência tão agradável”, relembrou Gabriel que, pela primeira vez, participou do Concreto e analisou o evento como algo positivo para Fortaleza. O festival é definido como internacional, porque, segundo Grud, a partir de cin-


O Concreto é interessante por ser um festival internacional, obviamente vem de gente de vários países, mas esse mix de pessoas geram encontros, ações, e momentos que não teriam como acontecer se fosse de outro jeito”

Alberto Gadanha Capítulo 2

co participantes de fora do país, o evento já atinge essa categoria. Durante as três edições, artistas de fora do Brasil, oriundos de países como Espanha, Grécia, Itália, México, Alemanha, e também de outras cidades brasileiras, como São Paulo, vieram à Fortaleza para participar do Concreto. Conforme Grud, a ideia é trazer artistas com diferentes experiências para um acrescentar conhecimento ao outro: “Nas viagens que eu fiz, conheci vários artistas de fora e um me levou ao outro. A gente faz um esquema para poder nivelar. Então, por exemplo, a gente traz artistas internacionais que são tops mundiais, artistas em ascensão e artistas mais novos, para equilibrar”. Conforme o site do festival, em 2016, o Concreto contou com 110 artistas de 10 países que realizaram 80 ações. A produção desse evento implica também numa organização de logística para o festival acontecer, pois, conforme o designer gráfico e professor, Alberto Gadanha, que participa da produção do Festival Concreto desde 2015, sua contribuição maior foi no relacionamento com os artistas: “O Concreto é interessante por ser um festival internacional. Obviamente vem gente de vários países, mas esse mix de pessoas gera encontros, ações, e momentos não teriam como acontecer se fosse de outro jeito. É uma coisa muito intensa, acontece ali em poucos dias, mas deixa um legado muito grande para a cidade”.

Antes de trabalhar no Festival Concreto, Alberto disse que não havia trabalhado especificamente com a produção de eventos, mas já tinha realizado alguns em diferentes temáticas e em menor proporção. Para ele, lidar com as pessoas e obstáculos durante o desenvolvimento do evento é tão importante quanto o planejamento anterior: “Comunicação é a palavra mais importante. É a coisa que eu mais tentava fazer com que acontecesse de uma maneira suave”.

Encontros entre arte e cidade

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O designer também comentou sobre as preocupações que o festival possui na idealização e na produção das obras, ligando o que ela comunica ao local onde está implantada: “Em arte urbana existe essa preocupação do posicionamento. A colocação, o placement, aonde é que você vai colocar aquela obra e, às vezes, não é nem o desenho em si, mas é onde ele foi colocado que fez todo o sentido. São todos os relacionamentos que acontecem no festival e que são essenciais para o evento atingir o potencial que ele pode ter”. Além dos artistas, o público também é essencial para o desenvolvimento do evento. Ao ser questionado sobre o assunto, Narcélio respondeu que o festival abrange pessoas presentes em diferentes pontos da cidade e de idades distintas, já que as obras estão nos muros e em vários locais de Fortaleza: “Está na rua, né? A criança vê, o idoso vê, o deficiente, que não é o visual, vê. Amplia bastante, porque como não estamos em um espaço fechado, em galeria ou museu que teriam de ir até lá, fica mais fácil de atingir um público maior”. A programação abrange, além da pintura de muros e intervenções urbanas, oficinas, palestras e apresentações musicais com artistas nacionais e internacionais. Em 2016, uma atração que chamou atenção do público foi a dos artistas e irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS. Na 48

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A obra de Hyuro retrata o abuso e violência sexual sofrido pelas mulheres. O outro muro, abaixo da intervenção, mostra também outros escritos que podem ser interpretados como uma forma de indignação e insatisfação da população

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CapĂ­tulo 2 Encontros entre arte e cidade

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Perfil

Isabela Arrais profissão: estudante de jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) Quando participou de um evento: participou do “Festival Concreto” como ouvinte em 2013 e 2015. Em 2016, a estudante trabalhou como voluntária na produção do evento

Emerson Pereira (Tubarão) profissão: Grafiteiro e educador social Quando participou de um evento: Junto com a VTS Crew, organizou o evento “Encontro de 50

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Graffiti de Fortaleza” de 2007 a 2011 Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


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palestra, os irmãos contaram como iniciaram no grafite em São Paulo e como começou o desenvolvimento do trabalho até a fama. Mostraram, também, para o público, alguns de seus trabalhos já produzidos. Para a pesquisadora Virna Benevides, 22, a iniciativa do Festival Concreto de trazer pessoas de fora do Ceará para uma palestra foi interessante, mas ela acredita que os artistas nativos deveriam ter mais destaque. Entretanto, Virna enfatizou que gostou de conhecer a história de OSGEMEOS: “A iniciativa de trazer OSGEMEOS foi massa. Eu tinha curiosidade de conhecer os caras melhor, mas a história deles me surpreendeu muito, da conexão mesmo de irmão que eles têm”. Outro grupo que também palestrou na terceira edição do festival foi o casal Baixo Ribeiro e Mariana Martins, fundadores da galeria Choque Cultural, localizada em São Paulo. Na oportunidade, a dupla conversou com o público sobre trabalhos que já fizeram e sobre as oportunidades e os recursos do mercado artístico brasileiro. Ao olhar os muros da cidade, alguns deles coloridos, principalmente nos bairros Centro, Praia de Iracema, Benfica, intervenções do Concreto de 2013 até 2016 ainda resistem nas paredes. Em 2013, o artista espanhol Gonzalo Borondo deu olhos, narizes e bocas à caixa d’água na Avenida Leste Oeste, próximo a Escola de Aprendizes-Ma-

Na década de 80, a caixa d’água da Praça da Imprensa recebeu uma pintura de uma árvore com copa completa. A obra, feita em 2015, é uma crítica ao tratamento às árvores atualmente

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Produção cultural: É o que eu quero fazer na vida Além de colorir Fortaleza, o Concreto possibilita estudantes e profissionais a aperfeiçoarem seus conhecimentos técnicos e levarem aprendizados em suas bagagens acadêmicas e na carreira profissional. A estudante de jornalismo, Isabela Arrais, 21, participa do Festival Concreto desde 2013, quando acompanhou como ouvinte, e, em 2016, quando trabalhou como voluntária na produção do evento. Na primeira edição, Isabela fez uma cobertura telejornalística para uma disciplina da faculdade de jornalismo, o que foi um primeiro incentivo para sua continuação nos outros anos no festival. Ela esclareceu que em 2013 ficou mais próxima do evento. Chegou a conhecer artistas que acompanhava o trabalho, como o de Borondo: “O clima da galera que tava envolvida com o festival era surreal. Todos os artistas envolvidos se davam muito bem. Eles terminavam os murais e, no mesmo dia, iam pro Dragão do Mar, combinando de fazer algo. O festival trouxe um intercâmbio também aos próprios artistas”.

O Festival Concreto foi uma oportunidade que Isabela teve de descobrir algo que, segundo ela, pretende fazer para o resto da vida, que é trabalhar com produção cultural. Em 2016, ela se inscreveu para participar como voluntária na produção do evento. Ela já havia tido outras experiências profissionais em coberturas de eventos, mas seu primeiro contato fora da faculdade com produção cultural foi no Concreto: “O Concreto foi a primeira oportunidade que eu tive fora da faculdade. Foi o que me deu a chance de fazer um evento para um público da cidade como um todo e não só restrito à estudantes universitários”. A futura jornalista explicou que, durante os nove dias de trabalho voluntário, desempenhou diversas tarefas que contribuíram para sua experiência profissional e para o desenvolvimento do festival: “Tive que levar materiais para cantos de pintura, tinta, rolo, tudo. Levava os artistas. Botei a mão na massa mesmo. Tinham artistas que ajudei a fazer a intervenção. Fazendo junto e pintando o muro”.


tou um resgate à árvore, discutindo um pouco da “incapacidade de ter árvores”, como ele mesmo explica na matéria. O estudante de publicidade e propaganda, Raul Soares, 20, acompanhou, na segunda edição do festival, a realização da intervenção do Coletivo Muda no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e outra feita por um coletivo de artistas no Centro de Humanidades I da UFC. Raul contou que ver pinturas e intervenções serem feitas na cidade é observar momentos únicos na cidade: “Eu gosto muito da palavra tatear que a [socióloga] Glória Diógenes fala muito. Tatear a cidade seria tocar a cidade e estar incorporado, de corpo nela. Quando você está acompanhando essas pinturas e essas intervenções são como se você estivesse observando esses momentos de pessoas tocando a cidade, colocando o corpo ali, de alguma forma, e colorindo”. O Centro de Fortaleza também foi palco para obras enigmáticas e que, provavelmente, demorarão a serem esquecidas pelos transeuntes que por ali passam. Nos cruzamentos da Rua São Paulo com a Rua Barão do Rio Branco, há um prédio com um anjo em cima de algo redondo: um globo com asas que dá a impressão de chifres, porque está logo atrás da cabeça do ser, o que chama a atenção do público. O anjo assopra uma bala da sua mão direita. A obra foi feita pelo artista grego Ino, na edição de 2015, e titulada como “Heaven

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Capítulo 2

rinheiros do Ceará. O local tornou-se um ponto de referência para pessoas que vivem e trabalham nas imediações. Já no bairro Benfica, um destaque do festival ainda presente, de 2015, é a obra da Hyuro, artista vinda da Espanha. São duas meninas com fitas de cores listradas preto e amarelo amarradas aos seus corpos. Ficam situadas na lateral do prédio da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará na Rua Juvenal Galeno. Conforme informações das redes sociais do festival, a artista tem como destaque principal, em suas criações, os seres humanos. Hyuro retrata cenários nostálgicos que abordam o medo, a busca de identidade e a liberdade com um olhar crítico e político sobre a humanidade. Ainda em 2015, outra obra que coloriu a cidade foi a do reservatório da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) na Praça da Imprensa, no bairro Dionísio Torres. Conforme a matéria “Pintura dá novo olhar a espaço após 30 anos”, publicada no dia 19 de novembro de 2015, no jornal Diário do Nordeste, o espaço havia sido pintado pela primeira vez em 1984 no Projeto Arte Urbana II, organizado pela Prefeitura Municipa,l e pretendia “transformar patrimônios públicos em obras de arte”. No local, foi pintada uma árvore estilizada idealizada pelo pernambucano José Cláudio da Silva. Inspirado nisso, o artista cearense Rafael Limaverde que realizou e idealizou a intervenção, pin-

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O “Heaven and Hell on Earth” fica na rua Barão do Rio Branco, na direção sertão/ praia. É possível visualizar a obra em diferentes pontos do Centro. 54


Cada edição são novos artistas que se lançam. a gente do festival também tem uma prática de convidar artistas para ir para a rua, tanto os da velha guarda quanto artistas mais novos que nunca pintaram na rua. O festival é um plantio que a gente vem fazendo sempre para que seja uma colheita coletiva”

and Hell on Earth”, traduzida como “Céu e Inferno na Terra”. A comunicadora Graziele Barros, 24, comentou que, ao passar pelo local, fica impressionada com o tamanho da obra, mesmo que esteticamente não seja algo que a agrada: "Você vê o anjo de alguns pontos do Centro. É uma área que tem toda a questão da forma como a gente, que mora em Fortaleza, se relaciona com ela, porque é uma área muito comercial. Enfim, você está ali passando e vê um negócio daquele tama-

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Narcélio Grud

nho e quebra um pouco o padrão do que você espera ver naquela região". Na terceira edição, em 2016, o viaduto da Avenida Raul Barbosa, a parede da TV Jangadeiro no bairro Dionísio Torres, o muro do Instituto Primeira Infância (Iprede) na Avenida Domingos Olímpio, o Centro Cultural Bom Jardim e as mediações da Praia de Iracema foram os locais coloridos pelo Festival Concreto. No interior do Porto Iracema das Artes, o artista de São Pau-

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lo, OZI, fez um grafite que lembra a obra “A Criação de Adão” de Michelangelo. De acordo com informações do festival, OZI é um dos artistas pioneiros de grafite no Brasil. Iniciou suas atividades em 1985 em São Paulo. Atualmente, ele participa da cena de arte urbana em São Paulo e de exposições em galerias, museus e instituições culturais no Brasil e no exterior. Sobre essa mistura, Narcélio Grud enfatizou como o Festival Concreto pretende trazer diferentes artistas, desde suas criações até as suas experiências, para, assim, o trabalho final ser completo à todos: “Cada edição tem novos artistas que se lançam. A gente do festival também tem uma prática de convidar artistas para ir para a rua, tanto os da velha guarda quanto artistas mais novos que nunca pintaram na rua. O festival é um plantio que a gente vem fazendo sempre para que seja uma colheita coletiva”. Sobre as futuras edições do festival, Grud informou que a proposta é seguir em um formato menor, continuar com uma data específica, e desenvolver atividades de menor porte durante o ano para manter o festival vivo. “A gente quer mudar o formato, porém essas três edições foram interessantes para dar esse start. A gente preferiu diluir o evento durante o ano e em novembro ter ele menor, no sentido do número de artistas, mantendo a qualidade que o festival já possui, porque nessas três edições, 56

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onde todas as edições tiveram mais de 100 artistas, a gente teve problemas de produção”, explicou o curador. Em março de 2017, o Festival Concreto lançou o aplicativo Arte Urbana Fortaleza que é uma ferramenta gratuita para dispositivos móveis. Segundo uma publicação nas redes sociais, o aplicativo mapeia as obras para conectar o público, os artistas e os muros, com rotas, sugestões de obras e doações de muros.

Voltando no tempo

De 2007 a 2011, um grupo de grafiteiros iniciou o primeiro Encontro de Graffiti de Fortaleza com o objetivo de reunir os grafiteiros da cidade e fazer intervenções pelos muros. Mesmo com um tímido início, o evento se expandiu na cidade e tornou-se presente, em 2010, no calendário nacional dos eventos do grafite. Emerson Pereira, o Tubarão, grafiteiro desde 1999, após formar uma crew, a Viciados em Tinta Spray Crew (VTS Crew) junto com mais três grafiteiros, percebeu a necessidade de promover um evento sobre grafite em Fortaleza, já que, em outras regiões do Brasil e até no Nordeste, aconteciam encontros de grafite. Depois de ter uma experiência no Encontro Nordestino de Hip Hop em 2006, Tubarão junto com sua crew e outros contatos organizou, em 2007, o primeiro Encontro de Grafite de Fortaleza. “A gente fez

Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


janelas paralelas

Por uma arte democrática Com os anos, os moradores que, em geral, nunca entraram em um museu, já entendem de arte, elegem os seus artistas preferidos e acompanham os seus trabalhos pelas redes sociais”

Site do MOF que pode ser pintado e até para encomendar o tipo de pintura que gostariam de ter decorando as suas paredes. Ao final, os muros formam um grande painel, como uma exposição de grandes obras em progresso. Em 2016, o MOF completou dez anos. O Governo do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Cultura e a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro apoiam a iniciativa.

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Desde 2006, o Meeting of Favela (MOF) reúne artistas nacionais e internacionais para pintarem na Vila Operária, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Conforme informações do site do evento, o MOF foi criado após o evento Meeting of Styles (MOS) ocorrer na mesma cidade, em 2006. Entretanto, o MOS permitia apenas a participação de artistas convidados, o que motivou dois grafiteiros a realizarem a primeira edição do MOF com o objetivo de ser totalmente democrática. O evento propõe um dia em que cada artista bate na porta de um morador para pedir licença e autorização a fim de realizar uma pintura no muro do imóvel. Conforme informações do site, os muros pintados formam uma exposição das obras. Na primeira edição, a iniciativa abrangeu mais de 50 participantes, e, em sua décima edição, em 2015, o MOF reuniu mais de três mil pessoas e 900 artistas. Durante todo o dia do evento, cada artista e grafiteiro procura os moradores e pede licença e autorização para pintar o muro ou a parede do imóvel. Os moradores têm completa liberdade, e a exercem bem, para permitir ou não, para sinalizar o local


De acordo com Tubarão, seu grafite é feito principalmente junto com sua crew, marcado pela criação de letras e personagens

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Fernanda de Façanha

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CapĂ­tulo 2

TubarĂŁo iniciou no grafite em 1999 e atualmente participa da VTS Crew. Para ele, o grafite surgiu a partir da necessidade de protesto e da vontade do jovem se expressar

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O Encontro do Graffiti aconteceu de 2007 a 2011. A linha do tempo abaixo apresenta os registros dos eventos pela visão do grafiteiro tubarão

2008

2007

Nos dois primeiros anos, em um tempo em que a internet não era Tão acessível, tubarão se impressionou com o número de pessoas que compareceram aos econtros do graffiti


2011

Em 2010, o evento entrou na programação nacional de grafite. No último evento, em 2011, a ideia do evento era circular a cidade.

Em 2009, o evento ganha proporções nacionais. Grafiteiros de Rio de Janeiro, Recife, Teresina e São Paulo vieram para Fortaleza a fim de participar do 3° Encontro de Graffiti de Fortaleza

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2009


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foto: João dijorge

no antigo muro do Beco da Poeira. A gente não tinha nada. Não tinha autorização da parede. Não teve apoio e nem patrocínio. Naquela época, a internet não era acessível para todo mundo. Então a gente ligou para várias pessoas e um foi chamando o outro. A gente esperava 12, 15 pessoas no máximo e deram 25. Algumas pessoas a gente nem conhecia”, relembrou o grafiteiro. “Para começar, a gente já tinha a liberação da parede [para o segundo encontro]. Eu toco nesse ponto porque, em 2007, o grafite não tinha tanta aceitação como tem hoje. A sociedade costuma temer ou rejeitar o que ela não conhece. Então, como as pessoas não conheciam o grafite, não tinha aceitação. Era difícil você conseguir um muro, principalmente um muro extenso demais para várias pessoas, mas, no segundo, até pela experiência do primeiro, conseguimos organizar de uma forma com mais qualidade”, contou Tubarão. Em 2008, o evento prosseguiu com uma estrutura mais organizada e com as devidas autorizações. Conforme Tubarão, o segundo encontro teve o antigo muro do Instituto de Educação para pintura e o apoio da instituição. Além disso, o grupo conseguiu também uma parceria com uma marca de spray que contribuiu com uma quantidade de tintas em spray para serem utilizadas no evento. No ano seguinte, em 2009, grafiteiros de outras cidades vieram participar da

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CapĂ­tulo 2 Artista finaliza sua obra na Avenida 13 de Maio, no bairro de FĂĄtima em Fortaleza

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Fernanda de Faรงanha

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foto: João dijorge

fotos de divulgação da Coordenadoria da Juventude que por meio da Semana do Graffiti busca dialogar com os artistas urbanos e interessados no assunto


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foto: João dijorge

terceira edição do Encontro de Graffiti de Fortaleza. Vieram pessoas do Rio de Janeiro, Recife, Teresina e São Paulo: “A gente fez ele em dois dias. Aí [foi] um dia com seminário debatendo o tema ‘O papel social do grafite’. O muro do evento foi o do Terminal da Messejana”. De acordo com Tubarão, em 2010, na quarta edição, o evento estava no calendário dos eventos do grafite nacional. Entretanto, a última edição do Encontro de Graffiti de Fortaleza ocorreu em 2011, já que, no ano seguinte, o apoio e o patrocínio não foram suficientes para o evento acontecer: “Ele entra no calendário nacional. Muitos grafiteiros de outros estados queriam vir, mas na época a gente não conseguiu apoio. Alojamento, alimentação para essas pessoas durante os dias de evento, uma quantidade de spray para todo mundo, a estrutura mesmo, a logística, a gente não conseguiu”. Contudo o grafiteiro analisou, que mesmo o encontro não acontecendo mais, possivelmente tenha sido um primeiro passo para outros eventos serem realizados em Fortaleza: “A partir desse evento surgiram outros eventos. O evento que a gente fez sem estrutura nenhuma e sem autorização, lá no Beco da Poeira, foi o primeiro passo para que o poder público desse um incentivo ao grafite. Então, é um processo de construção contínuo”.


Perfil

Robézio e Terezadequinta profissão: robézio marqs e tereza braga são integrantes do acidum project Quando participaram de um evento: idealizaram

foto: arquivo pessoal

e organizam do evento “além da rua”

Júlio Brizzi profissão: secretário de juventude Quando participou de um evento: contribui para a realização da “semana do graffiti”

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Como uma forma de dialogar com os artistas urbanos, a Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de Fortaleza criou a Semana do Graffiti. O evento surgiu em 2013 e teve como curador Narcélio Grud. A semana busca desenvolver atividades a fim de enaltecer o grafite nas ruas da cidade e os artistas que, para a Coordenadoria, representam uma parcela significativa da juventude. De acordo com o Secretário da Juventude de Fortaleza, Júlio Brizzi, os objetivos do evento são: promover oficinas, debates e rodas de conversa e construir grandes painéis coletivos entre os participantes. Assim, a proposta é valorizar o grafite e os artistas cearenses: “A Semana do Graffiti permite que cerca de 40 jovens, que utilizam o grafite como formas de expressão, possam demonstrar isso por meio [da pintura] de um grande painel. Obviamente, a Semana não é só isso. Essa é a culminância da semana. Nós temos debates, nós trazemos palestrantes de fora, nós fazemos oficinas. Enfim, debatemos o grafite, e outras formas de arte urbana nas cidades, de forma a enriquecer e a valorizar essa manifestação da juventude”. Segundo Narcélio Grud, que também foi o idealizador e o curador do evento nas três edições, em 2013, 2015 e 2016, a Semana do Graffiti foi elaborada antes do Festival Concreto com o intuito de receber artistas convidados de fora do Ceará. “A ideia foi ar-

rumar a casa para poder receber a galera de fora. Essa foi a intenção de realizar a Semana do Graffiti. [Foi]uma semana que a gente recebeu dois artistas, um de Recife e outro de São Paulo, na primeira edição. Foi uma semana de informação, com palestras e com ações da galera pintando na rua”, concluiu. Na segunda edição da Semana do Graffiti, o muro pintado foi o do quadrilátero da Rua Solon Pinheiro com a Avenida Duque de Caxias, Rua Clarindo de Queiroz e Rua Assunção. Já em 2016, o muro escolhido foi da lateral do Centro de Humanidades I na Avenida 13 de Maio. Júlio Brizzi também explicou que há outros projetos desenvolvidos pela Coordenadoria da Juventude, como aulas e oficinas, desenvolvidas na Rede Cuca, e o projeto Mais Cor Mais Amor. Para ele, essas ações são oportunidades dadas para os jovens e para a cidade: “Essa forma de atender os jovens, e fazer com que eles possam se encontrar e desenvolver sua habilidade, no caso da arte, é através do grafite. A gente faz atividades de grafite nos equipamentos e usamos essa forma de linguagem em várias atividades com os jovens. Fazemos oficinas. Outro projeto é o Mais Cor Mais Amor que [realiza] oficinas de formação e deixa muros pintados na cidade, nos espaços. Os próprios jovens que fazem”. Para a Semana do Graffiti são escolhidos 40 participantes a partir de uma avaliação

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Uma semana para a juventude

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foto: João dijorge

feita por uma comissão composta por representantes da coordenadoria. Dessa forma, os critérios de seleção são a qualidade artística do candidato e o histórico com base nas atividades e aos objetivos da Semana do Graffiti.

Além de tudo: evento sobre arte

Paralelamente a esses eventos, o grupo Acidum Project, formado por Terezadequinta e Robézio, criou o festival Além da Rua que ocorreu em 2010, 2011, 2015 e 2016, abrangendo a cada ano diferentes formatos e públicos. O festival traz artistas locais, nacionais e internacionais para contribuir com intervenções e palestras, cujas realizações proporcionam trocas de experiências com os novos artistas. Segundo Robézio, o movimento surgiu a partir da necessidade de trazer conhecimentos da arte urbana para Fortaleza. Em 2008, o Acidum Project, na época com mais integrantes, realizou a exposição Entregue às Moscas, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. De acordo com a dupla, essa foi a primeira exposição de arte urbana de que existem registros em Fortaleza e no Dragão do Mar. Após a exposição Entregue às Moscas, o grupo iniciou o Laboratório Acidum, que pretendia ser um espaço de troca de informação sobre arte urbana. “Não é bem uma oficina [o Laboratório Acidum], mas 70

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Mulheres também participaram da intervenção feita na Avenida 13 de Maio em agosto de 2016

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CapĂ­tulo 2 Encontros entre arte e cidade

CapĂ­tulo 2

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Foto de divulgação da Coordenadoria da Juventude, mostrando os participantes da terceira Semana do Graffiti APÓS INTERVENÇÃO na avenida 13 de maio

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Fernanda foto: João dijorge de Façanha

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foto: acidum project

O mural CABIDELA é de autoria de Bozó Bacamarte e foi feito no Além da Rua de 2015

é uma troca de informação sobre arte urbana, onde a arte urbana vai nortear o assunto, mas a gente fala de arte contemporânea, história da arte, mercado, galeria, rua e transgressão. Enfim, todo esse universo”, esclareceu Robézio. Robézio considera que o Além da Rua surgiu após uma série de ações do Acidum Project. O evento nasceu e, a cada nova edição, tem um novo formato ou contempla algo diferente: “Foi muito disso, das ações que a gente fez no Cariri, em 2007, e da exposição Entregue às Moscas no Dragão do Mar, em 2008. Esse convite [surgiu] das pessoas para que a gente conseguisse fazer o Laboratório Acidum”. Em 2010, na primeira edição, o artista paulista Zezão e o mestre de xilogravura do Cariri, Carlos Henrique, participaram do Além da Rua. Outros coletivos e artistas também participaram do evento, como Narcélio Grud e o Selo Coletivo. A segunda edição, em 2011, iniciou-se no Cariri, com ações feitas em Juazeiro e Crato. Depois vieram para Fortaleza, na qual foram realizadas ações na Praia de Iracema e no Dragão do Mar. Nos anos seguintes, o Acidum Project recebeu convites para trabalhar fora do Ceará, em cidades como Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, e em outros projetos internacionais. Mas, em 2015, a proposta do festival foi reformulada para envolver arte de rua,


incluindo influências do teatro e do circo, por exemplo. “A gente concentrou muito no Centro. Uma semana intensa com várias ações, intervenções, peças de teatro na rua, circo e música de rua. A concentração ocorreu no Teatro Carlos Câmara e as pinturas principais no Centro”, explicou Robézio. Ao rever questões de formulação do evento, Robézio e Terezadequinta decidiram pensar em outras possibilidades em 2016. Assim, o Além da Rua realizou a Caravana Além, definida pelo Acidum como um “braço” do evento. A Caravana Além aconteceu na Prainha do Canto Verde, local que, segundo a dupla, é uma reserva ecológica e ambiental, mantida pela própria comunidade. Robézio disse que a caravana parte da ideia de “quebra da noção do urbano” com o objetivo de sair de Fortaleza e ir para locais mais distantes. Terezadequinta explicou que, em 2016, a tentativa foi fazer algo menor e mais intenso. O casal frequenta a Prainha do Canto Verde há mais de dois anos e, por já a conhecerem, o local foi escolhido para sediar o evento: “A gente alugou a casa de um pescador, contratou a Marília, que trabalha na Associação das Merendeiras de lá, compramos a maioria das comidas num mercadinho lá perto e fizemos uma parceria. Os peixes a gente comprava do pescador local. Então, assim, tentamos usar tudo que o local oferecia para a gente”. 76

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Não é bem uma oficina [o Laboratório Acidum], mas é uma troca de informação sobre arte urbana”

Robézio Marqs

Na entrevista, Terezadequinta contemplou que, na cena artística no Ceará, e consequentemente no grafite também, o número de homens é, na maioria das vezes, superior ao de mulheres. Entretanto, nos eventos produzidos pelo Acidum, há a tentativa de equilibrar o número de artistas convidados entre homens e mulheres: “A gente preza muito pela igualdade. No Caravana, em 2016, tínhamos sete artistas e metade eram mulheres. No Além da Rua, em 2015, a gente não conseguiu trazer mais artistas mulheres, mas tinham as oficineiras, as que davam as oficinas”. Atualmente, Fortaleza possui movimentos relacionados ao incentivo e à discussão das mulheres na arte, como o grupo Mulheres no Graffiti, que surgiu em novembro de 2014, formado por estudantes de Artes Visuais.

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foto: acidum project

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muro localizado no Centro da cidade, em uma rua próxima a Catedral de Fortaleza. A imagem possui o questionamento escrito no lado superior esquerdo: “Quando Deus quis assim é assim???” 77


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é m e u q e D ? o i n ô m i r t a op Muitas vezes há discussões e debates sobre a memória de Fortaleza. Você já foi no Centro? Conhece ou já viu os prédios históricos que lá habitam? O Teatro José de Alencar, o Museu do Ceará, o Passeio Público, a antiga Cadeia Pública e a estação Ferroviária João Felipe são alguns exemplos de locais que fazem parte do patrimônio da nossa cidade. Entretanto, outros locais tombados são, muitas vezes, invisibilizados e permanecem com a falta de cuidados das instituições responsáveis.

Sobre essas questões, após alguns encontros e desencontros, os arquitetos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ramiro Teles e Célia Perdigão, concordaram em conversar sobre a relação entre o patrimônio, a cidade de Fortaleza e o grafite. Em entrevista ping pong, a dupla respondeu atentamente como arquitetos do Iphan e, no final da conversa, também explicaram as suas opiniões pessoais.

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Você já reparou na sua cidade? Cada uma carrega consigo sua história, seu povo e as possibilidades dessa mistura


depoimentos Do mesmo jeito que a arquitetura histórica, em forma de arte, servia de expressão do tempo antigo, o grafite é do nosso tempo – e ia ser interessante, no futuro, você poder olhar para prédios históricos e ver como eles foram passando pelas diversas mudanças temporais mesmo – contudo, eu acho que essas alterações não deviam interferir na função estética e individual primordiais daqueles prédios justamente pelo motivo da expressão citado acima”.

Átila Paraguassú, Estudante Eu vejo o grafite como arte, então seja em espaços públicos ou privados, acredito que ele some à história da nossa cidade, que ele transmite um pouco da nossa cultura, sobretudo da periferia. O grafite em prédios históricos é uma combinação perfeita para contar a história da nossa cidade, que tem muito da periferia. A própria história de Fortaleza teve início na Barra do Ceará, que hoje é considerada periferia. O grafite é uma forma de dar voz aos muitas vezes isolados e esquecidos povos que têm tudo a ver com a nossa história”.

Giovânia de Alencar, Jornalista

A sede do Iphan em Fortaleza está localizada na Rua Liberato Barroso, ao lado do Teatro José de Alencar. O prédio fica meio escondido. É recuado e possui diversas árvores ao seu redor que o sombreiam e deixam o ambiente mais agradável. Por dentro, as salas são grandes e possuem janelas por toda sua extensão. Foi neste ambiente que Célia e Ramiro concederam uma entrevista, que teve um tom de conversa, e debateram algumas possibilidades do grafite em Fortaleza. Fernanda de Façanha: Como pode-se definir patrimônio? Célia Perdigão: Normalmente as sociedades do mundo ocidental e oriental elegem determinados bens como sendo representantes de algum momento histórico, de algum momento artístico, de alguma coisa que aconteceu. O objeto faz enriquecimento de memórias. Elas elegem esses bens como representantes das memórias daquele lugar. Isso tudo pode ser a memória local, se for um patrimônio da cidade, estadual se for do estado, e patrimônio nacional se for da União. Esses bens são elencados e estudados. São selecionados e inscritos em um livro que a gente chama de Livro de Tombo. A partir de então, a instituição que tomba esses bens é que passa a fiscalizar como é que eles estão sendo conduzidos. Ramiro Teles: O Iphan ultimamente tem ampliado bastante o seu entendimento do


FF: Em relação a pintar, com grafites ou intervenções, esses tipos de monumentos, como o Iphan se posiciona? RT: No momento que um bem é inscrito no Livro de Tombo e passa a integrar o Patrimônio Nacional, estamos falando de patrimônio nacional e nós representamos o órgão Federal que tomba a nível Federal. A Constituição Federal prevê que a responsabilidade de preservação desses bens é concorrente entre os três entes: a federação, município e estado. Em Fortaleza, a grande maioria dos bens tombados não é pelo Iphan, a grande maioria é pelo estado e prefeitura. Tombados pelo Iphan em Fortaleza temos sete, mas prédios temos seis. São eles: o Palacete Carvalho Mota [o Museu das Secas], o Teatro José de

A arquitetura por si só ela é o bem. Você não precisa aplicar mais nada sobre ela para valorizá-la”

Ramiro Teles

Alencar, o Museu do Ceará, a Fortaleza [Fortaleza Nossa Senhora da Assunção - o Forte], o Passeio Público, a casa José de Alencar e a coleção arqueológica que são peças indígenas. Então, é um recorte bastante reduzido. Com relação a esses seis bens, que nós temos em Fortaleza, todos eles são regidos por um decreto chamado Decreto Lei 25 de 1937, que é o mesmo que criou o Iphan. Diz o que: coisas tombadas não poderão ser mutiladas, pintadas, reformados, modificadas, sem a prévia autorização do Iphan, para os que são tombados pelo Iphan. Na Teoria do Restauro de Cesare Brandi, vai falar que um bem cultural tem duas instâncias: uma instância física, que é a matéria, do suporte dele [do bem] e a instância imagética, o que ela desperta em você. Então um quadro, a instância física do quadro é a armação de madeira e o pano da

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que é patrimônio. O patrimônio é também imaterial, que são as manifestações, os lugares de expressão. Um prédio, por exemplo, pode ser tombado enquanto edifício e registrado enquanto lugar de expressão de determinada manifestação cultural, que seja considerada patrimônio imaterial, por exemplo. Há terreiros registrados e muitas vezes não são um prédio, [são] terreiros de candomblé, por exemplo. Mas existem alguns que são tombados e outros que são registros. O Iphan também trabalha com patrimônio arqueológico, como painéis de pinturas rupestres em cavernas muitas vezes depredadas com pichação, carvão, enfim.


tela. O que está colocado sobre ele, que é a pintura que o artista fez, misturou tinta, pensou o desenho é essa outra instância. Então, não tem como pensar essa obra de arte, esse monumento, de maneira dissociada. FF: E a questão em relação aos prédios, como se analisam as instâncias? RT: A mesma coisa é um prédio. Um prédio cria um marco visual para a cidade, para o entorno. Quem está passando e olha para esse prédio já absorveu essa imagem da cidade. A pintura entraria como essa coisa que está sobreposta a ela da qual não pode ser dissociada. Você pode romper com essa imagem que ele causa ao transeunte, as pessoas da cidade, se você subverte a lógica dessas coisas. Então, essa coisa do grafite, na minha leitura entraria, mais aí. A arquitetura por si só ela é o bem. Você não precisa aplicar mais nada sobre ela pra valorizá-la. Em muitos casos, esse é o discurso para a aplicação de grafite em bens tombados: dizem que vai valorizar, revitalizar, que uma obra de arte precisa chamar atenção pra ele, mas ele [o monumento, o prédio] já é a obra de arte em si. Ele não precisa receber uma superposição de uma outra camada pra dizer que ele existe. FF: Em Fortaleza, há algum exemplo de bem grafitado? Quais e como o Iphan respondeu à eles? 82

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Antes de chegar no Farol, o local de passagem de carros e transportes possui pouco tráfego em uma das faixas

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Até hoje a obra de Rafael Limaverde ainda está lá, mas possui escritos e outras intervenções feitas com o tempo. Mesmo com toda a polêmica, o Farol resiste 84

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tombado por ser uma obra de arquitetura, não uma tela para receber pinturas. CP: Como ele falou antes, quando você tomba, você cristaliza um momento. É claro que, quando você vai fazer trabalho nesses bens, eventualmente você pode fazer modificações. Existem outras coisas a pensar, mas aquele momento é um momento cristalizado que você sempre pensa que vai ser daquela forma. Quando você coloca alguma coisa, você descristalizou no ato. Vai ter uma relação completamente diferente com ele porque essa coisa [algo externo colocado ali] vai chamar muita atenção. Quando você tem um elemento que está destacado, está tombado, ele é o bem importante, o resto tudo é menos. Em Cannes [na França] tem um caso. Como em Cannes tem uma motivação grande de cinema por causa do festival [o Festival de Cannes], o cinema lá é uma coisa que está sempre em evidência, independente do festival. Tem umas fachadas [grafitadas] em determinados lugares, com coisas muito delicadas. Não são tão grandes, o que de fato é uma coisa que é mais integrada [integrando os prédios, a cidade] com o grafite. RT: Novamente a coisa da unidade, a cidade [de Cannes] respira o cinema, o que é que Fortaleza respira? É uma cidade totalmente desconstruída! Você não consegue ter uma identidade ou de fato um elemento que possa agregar ao redor dele. Acaba

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RT: Um exemplo eu te dou e que o Iphan foi consultado: houve uma discussão sobre o Farol do Mucuripe, que é tombado pelo Estado, não é pelo Iphan. O que acontece com o Farol do Mucuripe: altamente degradado, não tinha mais porta, reboco caindo. Abandonado ainda está, infelizmente. E aí veio intervenção de grafite nele. Pra quem não se aprofunda, não vai estudar, não entende o que é aquilo, acha que aquilo é um nível [maior] de degradação. Se você tem uma coisa super bem cuidada, aí sim você cria ali um elemento novo. Provisoriamente, aí sim você chama atenção. Mas em um ambiente já totalmente degradado fica muito difícil discernir… CP: Chamar atenção de alguma coisa... RT: E chamar a atenção positivamente. Isso pode vir a piorar a situação por um grande público no caso. Quer criar algo do tipo? Por que não criar painéis na vizinhança desse bem pra chamar atenção e aí faz as aplicações de grafite ou de outras artes? Mas não sei se necessariamente na parede do prédio, até porque existem elementos decorativos que dão sentidos a obra de arte [ao prédio]. Frisos e outras elementos todos eles têm uma função, seja estética ou funcional. O grafite ocupa grandes superfícies e, muitas vezes, não se limita aos enquadramentos dos prédios. Você acaba subvertendo essa lógica compositiva da arquitetura e o motivo pelo qual ele foi tombado. Ele foi


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sendo tudo muito dispersivo e não montando um discurso coeso que possa de fato apropriar dentro do processo de preservação dos monumentos da cidade. Um outro detalhe é que Fortaleza pelo Iphan tem seis bens tombados. Da prefeitura deve ter cerca de 30. [Isso] numa cidade com quatro milhões de habitantes. Numa cidade com uma das maiores manchas urbanas do país e com a periferia altamente degradada.

Por dentro, o Farol possui muitos escritos, desenhos, pinturas e papéis colados na parede. O local atualmente é utilizado pela comunidade como um ponto de encontro

De acordo com Célia e Ramiro, um caso que gerou discussão e diferentes posicionamentos em Fortaleza, foi o Farol do Mucuripe, localizado no Cais do Porto, próximo a comunidade Serviluz. Durante a primeira edição do Festival Concreto, o Farol, conhecido como Farol Velho, foi um dos locais que recebeu intervenção de artistas. O prédio é tombado desde 1983 pela Divisão de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura do Estado. Conforme a matéria “Grafite em Farol gera polêmica”, publicada no site do jornal O Povo no dia 22 de novembro de 2013, durante aquele período, o Farol apresentava características de abandono. Segundo a matéria, o fato ocorria pela “indecisão sobre a quem cabe os cuidados sobre o equipamento”, possibilitando a responsabilidade entre a Secult, a Setur, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) ou a Marinha do Brasil.

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o velho farol


A matéria também traz opiniões divergentes. Dentre elas, há a do arquiteto Romeu Duarte. Ele se posiciona contra a pintura no bem, já que a ação se caracteriza como crime ambiental e pode ser prejudicial para a alvenaria do Farol. No texto, há a constatação de que a coordenação do evento fez um levantamento dos locais onde o Festival pretendia fazer intervenções. A autorização foi pedida aos responsáveis de cada prédio, pela Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Juventude, da Prefeitura de Fortaleza. Mas, conforme a matéria, houve um impasse, pois existia uma indefinição de qual instituição é responsável pelo Farol: se a Marinha, o Governo do Estado ou a União. No jornal Diário do Nordeste, a matéria “Intervenção no Farol gera polêmica”, publicada dia 21 de novembro de 2013, também relata que a questão levantada era sobre a legalidade da ação. A publicação traz a opinião de um morador do Serviluz, identificado como Mad, que contou sobre ter vontade de pintar o Farol de preto como uma forma de protesto e luto da comunidade ao abandono do bem histórico. Em entrevista com a secretária da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Águeda Muniz, ao ser questionada sobre a polêmica do Farol, ela considera que ocorreu uma falta de comunicação, mas que, no fim, houve pontos positivos: “Aquilo ali eu acho que foi muito mais 88

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RECORTES DOs JORNAis “DIÁRIO DO NORDESTE” (21/11/13) E “O POVO” (22/11/13), RESPECTIVAMENTE

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depoimentos Não acho que deva haver grafite em prédios históricos porque isso acaba com a beleza do lugar. Nem deveria haver grafite em ambiente histórico, mesmo que o prédio/ parede/objeto seja moderno. Tem que haver a beleza dos dois, do novo e do velho, cada um com seu espaço. Não acho que pichação possa ser comparada com o grafite. Pichação na verdade estraga a arte. O grafite deve ser sempre renovado, já que ele é algo contemporâneo, não precisa ficar estragado, manchado, pichado... E acho que pra tudo tem limite. Grafite em todo canto é poluição visual”

Marcela Maia de Assis, Trabalha com Turismo Primeiro eu acho que existem dois tipos de grafite. Se a gente está falando de grafite sem intuito de arte, eu considero como poluição visual. Sem esse intuito de arte, expressão. Agora se é aquele grafite que a gente vê sendo feito na cidade, estilo do Kobra, eu penso que é extremamente válido e que merece estar lá, mas não em todos os cantos”

Thaís Vieira, Estudante

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uma falta de comunicação do que propriamente de que poder [pertence] ou não. De uma certa forma, foi até interessante porque chamou atenção para um bem histórico tombado. Fazia tempo que ninguém discutia. Então assim, na verdade, tem que ter [a discussão]. Mas será que, se todos os envolvidos tivessem conversado sobre pensar em fazer grafitagem, mas fazer painéis internos e externos para que as pessoas possam ir vendo, e aí fixar seus painéis naquele talude natural, naquela grama natural que tem [no Farol], chamaria atenção do mesmo jeito?”. Dessa forma, percebe-se que há pessoas que pensam contra e a favor da intervenção de grafite no Farol, formando assim um diálogo importante para a cidade. Conforme a entrevista com Célia e Ramiro, os arquitetos acreditam que a intervenção no Farol poderia ter sido diferente, não sendo feita diretamente no muro do monumento. Eles entendem também que o grafite é uma alternativa para esconder as “feiúras” da cidade. Em contraponta, o artista visual, Rafael Limaverde, um dos três grafiteiros que realizaram a intervenção no Farol, entende o grafite é uma forma de manifestação e protesto. Assim, a obra feita por ele no Farol, intitulada de Mater Lacrymosa, pretende construir um diálogo entre o Farol e os usuários de droga que iam ao lugar em 2013. “Eu fiz uma obra pensando nas mães desses usuários, elas enquanto um farol choroso,


Perfil

Rafael Limaverde profissão: Artista visual ação: realizou um dos grafites em uma intervenção no Farol do Mucuripe

Águeda Muniz profissão: Secretária Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza ação: desenvolve e incentiva na Seuma projetos que envolvem o grafite 90

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temente, a ação não causaria “um rebuliço tão grande”, visto que o prédio estava abandonado. Para ele, a interferência de grafite no Farol, e também outras intervenções, é principalmente estética e não há a intenção de danificar o bem: “Uma das coisas que se discute é o seguinte: o grafite ele não interfere na estrutura do prédio. O grafite é uma camada de tinta, só. Ele interfere esteticamente. Isso se pode levar em consideração já que, segundo as regras do patrimônio, tem que preservar a aparência original do prédio”. De acordo com Rafael, um curto período depois de a polêmica gerada sobre o Farol passou a ser vista e comentada, a comunidade criou um coletivo chamado Servilost. Segundo informações da página das redes sociais, o coletivo tem o objetivo de “intervir na comunidade do Serviluz nos aspectos sociais, ambientais, culturais e artísticos”. Para o artista, o grupo passou dar mais atenção ao local: “Foi como se assumissem a gestão e a manutenção do Farol. Primeiro fizeram uma faxina total e criaram uma programação cultural no Farol. Eles puxaram um fio de energia, aí quarta-feira tem o reggae, tem sarau, projeção de filme, cinema no Farol. Mas é assim, a partir de uma ação simples, que é tinta na parede, uma pintura na parede, que gera uma apropriação da comunidade no prédio”.

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porque não conseguem salvar os filhos. Os filhos como barcos navegando em um mar meio cadavérico, e ela com seu coração de farol”, contou o artista. Conforme Rafael, a polêmica iniciou quando uma matéria foi publicada no jornal O Povo em que os jornalistas, Jocélio Leal e Fábio Campos, e o arquiteto, Romeu Duarte, comentaram nas redes sociais a situação do Farol durante o Festival Concreto: “A partir desses três dispositivos começou a rolar uma discussão bem interessante sobre o Farol. Eu fiquei, de alguma maneira, atento, mas não entrei nos embates. [Só] fiquei muito atento aos embates que iam rolando. [Houve]até arquitetos defendendo a ideia”. Rafael esclareceu que o convite para pintar o Farol do Mucuripe veio do Festival Concreto. Após ir ao local para estudar a área, o artista concordou em realizar a intervenção. Antes disso, ele havia ido ao Farol poucas vezes, já que considerava o lugar com um clima tenso para ser visitado: “Uma parte só da comunidade usava [o Farol], que era para consumo de droga, mas a maioria da moçada não ia lá e me foi dada essa provocação. Ele estava tão abandonado. Não foi uma idéia minha, mas acolhi com mais três grafiteiros. Cada um ficou com uma face e a gente foi lá para fazer essa ação”. O artista contou que ficou impressionado com a repercussão, já que, aparen-


Rafael também foi sensibilizado com as discussões vindas a partir dessa primeira experiência em fazer um grafite em locais históricos e principalmente abandonados. O artista passou a ter um olhar especial para prédios e ambientes esquecidos da cidade. Assim, criou o projeto Arte, Rua e Memória, que pretende chegar a esses espaços por meio do grafite. Depois do Farol, Limaverde fez intervenções no casarão da Guaiuba e no Mara Hope. “O Mara Hope é um projeto do Grud, eu fui só de carona e de gaiato. Enquanto ele estava fazendo a ação, tinha uma estrutura de ferro pequena, aí eu fiz um grafite nela. É um grafite dentro dessa lógica de lugares de abandono”, explicou. O projeto que Rafael cita como “de Grud”, que aconteceu no Mara Hope, um navio naufragado na orla marítima de Fortaleza, foi o “Para ver o Mar”, em 2015. O projeto propõe intervenções urbanas e artísticas voltadas para a região marítima da cidade. Segundo o artigo “Para ver o/do mar” do curador Herbert Rolim, publicado no livro “Para ver o mar” organizado por Maíra Ortins, o projeto está além das intervenções dos artistas Maíra Ortins, Diego Santos e Narcélio Grud. O curador atentou para as possibilidades que as obras podem atingir: “O que é o projeto Para Ver o Mar, senão um convite às relações de convívio, como estratégia de proximidade, nos modos como se assentam as práticas artísticas na atualidade? Dos encon92

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foto: rafael limaverde

Aqui está abandonado?

intervenção feita em um casarão abandonado no município de Guaiúba, no Ceará. A obra faz parte do projeto “Arte, Rua e Memória” de Rafael Limaverde

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foto: rafael limaverde

Os elementos feitos, desenhados e elaborados por Rafael, muitas vezes são considerados seres fantásticos que habitam os muros, prédios e outros muitos lugares da cidade. A imaginação para tentar entender a obra também faz parte da composição dela


depoimentos Na minha percepção pessoal sobre o grafite, que não é a do arquiteto do Iphan, eu a acho uma arte incrível. É uma arte que expressa as mazelas da sociedade e é altamente democrática. Tá na rua pra quem passa e você não precisa entrar em um museu [para ver]. Mas é muito tênue o limite entre onde ela pode enriquecer o ambiente urbano e onde ela pode criar algum ruído visual quando aplicada em determinados ambientes que são protegidos”

Ramiro Teles, Arquiteto As pessoas não têm muita informação. [Tem] tanta gente que não conhece nem o Centro e não dá valor à essas coisas. Eu passava pela reitoria e tinha umas imagens pintadas. [Isso] sempre me incomodava. Fiquei aliviada no dia em que o muro foi pintado. Aquele prédio é tão interessante. É uma referência na cidade. O limite entre onde é bom ou não é bom [grafitar] é muito importante, senão a gente vai estar fazendo uma cidade, cada vez mais, caótica”

Célia Perdigão, Arquiteta

tros presenciais [passeios, reuniões festivas, palestras, oficinas] às relações virtuais em espaços eletrônicos [cyberspaces]”. Na intervenção no Mara Hope, na qual Grud coloriu a lateral do navio naufragado, também houveram comentários conflituosos, o que, segundo Rafael, foram divididos em duas opiniões: “Isso gerou dois conflitos. Um foi a questão da poluição. Alguém entrou nessa questão porque derramarram tinta na água. Caiu tinta na água [do mar] e estava poluindo. E o outro conflito questionava que fazer a intervenção é como se você tirasse uma visão de um lugar da cidade que já estava enraizado na cabeça das pessoas. Era ferrugem e agora está colorido. É como se você mudasse um cartão postal da cidade”. Entre esses embates, ele reflete sobre a influência da cidade em uma intervenção urbana: “A arte urbana é isso. O trabalho nunca está sozinho e sempre tem uma interferência direta das pessoas. É a cidade. Você não está no papel e vai colocar numa tela que vai para uma galeria. Você está na cidade e, quando você está cidade, você está passível das pessoas gostarem ou não gostarem, das pessoas interferirem”.

Outros projetos

Utilizando o grafite como comunicação com a cidade, seus habitantes e o espaço urbano, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) vem ela-


foto: seuma

De quem é o patrimônio?

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o viaduto da Avenida Raul Barbosa também recebeu intervenção de grafite durante a segunda edição do Festival Concreto em 2016


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Fernanda de Faรงanha

Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


De quem é o patrimônio?

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foto: seuma

O túnel da avenida Padre Antônio Tomás sob a Via Expressa também recebeu intervenção de grafite apoiada pela Seuma


borando e realizando projetos que utilizam a arte. Em parceria com o portal de notícias Vós, a secretaria realizou a criação de seis murais utilizando o grafite como expressão artística. Assim, conforme a Seuma, a iniciativa propõe, a partir dos grafites, alertar a população para problemas ambientais e da importância da preservação dos recursos naturais. Além de lembrar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dever de todos, isso estimula a criação de valor socioambiental e reconhece o trabalho de artistas locais: “São seis grafites na cidade, onde o próprio Fundo de Desenvolvimento do Meio ambiente, o Fundema, no sentido de melhorar a paisagem urbana da cidade, está apoiando o Vós na execução desses grafites, que são feitos por grafiteiros locais. Você passa ali, na Santos Dumont com Virgílio Távora, e é um apoio nosso [da Seuma], e um na Washington Soares”. Além desse projeto, a secretária informou que, obras de mobilidade urbana, como viadutos e ruas da cidade, também recebem grafites. É o incentivo da Seuma, como no túnel Barros Pinto, na Avenida Santos Dumont, no túnel Prefeito Dr. Juraci Vieira de Magalhães, na Avenida Padre Antônio Tomás e na Rua da Esperança, próximo a Associação Peter Pan. A secretária atentou que a lei atual não permite que grafites tragam propagandas, 100

Fernanda de Façanha

A busca ativa é quando um fiscal está na rua e vê alguém pichando e autua, mas é muito difícil hoje você autuar a pichação (...). Tem que ser mais uma denúncia do proprietário para com o poder público”

Águeda Muniz

onde a marca de patrocínio, por exemplo, não pode estar exposta. “A nova lei está permitindo você modificar um prédio com a fachada feia, um prédio antigo. Se o cara diz que não tem dinheiro para fazer, mas uma marca de tintas vai patrocinar um artista para fazer, ele não pode colocar que foi a marca de tintas que patrocinou. A proposta de lei que vai vir permite isso. A pichação é que a gente fala que é crime. Não constitui como prática de grafite”, informou Águeda.

Ruas e cores: O grafite como arte viva na cidade


depoimentos Quando ouço o termo “grafite”, logo me vem à mente uma forma de expressão mais artística. Nesse tipo de comunicação visual, percebo que o artista tenta se comunicar de forma a despertar no expectador algum sentimento. Mesmo tendo surgido e se estabelecido nos subúrbios das grandes cidades, tratando sobre temas como o abandono e o descaso para com os mais pobres, o grafite ganhou destaque e hoje atinge os mais diversos públicos. A pichação funciona como uma forma de comunicação mais particular entre seus praticantes. Sua extensão funciona através de códigos gráficos intrínsecos e se direciona àqueles que subentendem seus significados. Não concordo inteiramente em como a pichação é trabalhada por seus praticantes, pois sou contra este tipo de abordagem em que se acaba degradando tanto ambientes públicos quanto privados. Neste ponto é como se o pichador se apropriasse de um bem para deixar algo de uso particular, já que a linguagem utilizada não é de domínio aberto. No entanto, sob o ponto de vista social, podemos compreender que os indivíduos que praticam a pichação, pelo menos em sua maioria, são justamente aqueles que não tiveram acesso a uma educação formal plena”

Álvaro Freitas, Biólogo

Capítulo 3

Muniz também disse que a Seuma trabalha na busca ativa, autuando pichação, mas ela contextualiza as dificuldades da prática: “A busca ativa é quando um fiscal está na rua e vê alguém pichando e autua, mas é muito difícil hoje você autuar a pichação. A gente trabalha 24h aqui por dia e também a gente atende denúncias. É muito difícil você fazer esse tipo de autuação porque ela é, e não deixa de ser, um crime ambiental, mas ela acontece também nos muros de propriedades. O muro é do proprietário. Então, tem que ser mais uma denúncia do proprietário para com o poder público”. Sobre o grafite, Águeda afirma que é uma forma de embelezar e de criar um cenário na cidade. Como exemplo, ela falou sobre a Rua Agerson Tabosa, próxima ao Centro Universitário Sete de Setembro no bairro Edson Queiroz. O local possui intervenções de grafites e, segundo Águeda, a rua é utilizada pela faculdade para atividades em períodos festivos como no São João, carnaval e natal: “Então, quando acontece isso, é bom pra cidade. É sinal de que as pessoas estão curtindo a cidade. O grafite faz isso. Ele embeleza a cidade. Ele cria um cenário. Ele faz com que isso se torne um ponto de encontro, de passagem. Ele alegra o ambiente”, disse a secretária, concordando com a prática dos grafites em locais públicos. Ela acredita que esta seja uma forma de expressão artística.


rabiscos e pinceladas

Tijolos envelhecidos, telhados caindo Eu observava todos que passavam por ali. Faz anos que estou parada, imóvel. Minhas entranhas já estão velhas e não habito mais ninguém além do meu próprio desgaste feito pelo tempo. De vez em quando, alguém se aventura a adentrar aqui. Olha, observa e vê que não assombro ninguém. Preciso de alguém aqui dentro. Entra, despretensiosamente, como se fosse a casa de sua avó, ou de algum ente querido que já se foi. No meu interior, as paredes ainda possuem as fotografias antigas dos tempos áureos das famílias que já habitei. Risadas e brincadeiras das crianças aconteciam aqui na minha frente, na rua. Os pais, de dentro de mim, gritavam algo do tipo: “Sai da rua, menino, que ainda está muito quente”, antes do sol se pôr. Era tradição da família que aqui vivia se encontrarem todos os domingos. Traziam caranguejos, bolos e faziam comidas que o cheirinho vindo da cozinha deixava os vizinhos e quem estava na calçada com água na boca! Hoje, meu cheiro já não me agrada mais. Um ou outro transeunte deixa seus resquícios aqui. Isso não me agrada nada. Meu muro já não é pintado há muito tempo. Era amarelo, já foi rosa também. As minhas portas eram verdes, um verde bem escuro. As janelas eram da mesma cor. Eu gostava quando uma senhorinha, que aqui já morou, abria a minha janela da frente e ficava ali por horas observando a mesma vista que eu: a rua, a praça, as pessoas que passavam e a igrejinha. Meu telhado já está ficando incompleto. A cor já não é mais aquela cor viva de telha. Os fungos estão tomando conta. Meus tijolos estão fragilizados. Talvez não sejam nem tijolos que me completam. É uma alvenaria antiga, não sei especificar. Eu gosto quando alguém me colore, me pinta e me alegra com cores. Já deixaram essas marcas em mim, não acho ruim, não. Já me fotografaram também, entraram aqui com equi-


Casas derrubadas na Vila Vicentina, no bairro Dionísio Torres em Fortaleza. O local é uma das Zonas Especialis de Interesse Social (Zeis) e, por causa disso, houveram discussões acerca do caso

Capítulo 3

pamentos, gravaram, mas já se foram. Minhas portas e janelas estão desgastadas. Os bichos roedores tomaram de conta. Eu sou uma herança. Não me derrubam, não me habitam. Parece que não sabem o que fazer comigo. Não quero ser derrubada. Mas não quero ser esquecida. A família, que aqui já morou, mudou de cidade e me deixou. Levaram muita coisa de dentro de mim: os móveis, o criado-mudo e a poltrona de um dos meus moradores. Deixaram-me aqui, aos pombos, aos mendigos, aos transeuntes e às poucas pessoas que ainda me dão atenção.



o g n o Um l o s r u perc qual A Importância do grafite em fortaleza? Com o fim deste trabalho, percebi que Fortaleza possui um grande cenário que envolve o grafite, mas esta cena tem grupos diferentes e cada um deles tem sua especificidade. Assim, cada grupo pensa e realiza o grafite de forma diversa e produzem, na maioria das vezes, independente um do outro. Conforme Tubarão, um dos grafiteiros entrevistados, entre crews, essa diferença se dá pela ideologia que cada uma possui. Assim, utilizando este exemplo, percebe-se que em Fortaleza há grupos, comparados com crews, onde cada um produz e vive do

grafite de maneiras diversas. Eles podem se encontrar, já que, de um modo geral, todos estão envolvidos com grafite. Ruas, bairros, muros e instituições são frequentemente conhecidos por serem referências de contribuição ao grafite na cidade como, por exemplo, o bairro Centro, a Praia de Iracema, os muros do Centro Cultural Dragão do Mar, os muros da proximidade do bairro Benfica, a formação feita pelos Cucas e pelo Porto Iracema das Artes. Elas são essenciais para o fortalecimento desse cenário. Os primeiros encontros de grafiteiros iniciaram antes dos festivais e even105


este trabalho precisa ser continuado ao longo dos anos para abranger os acontecimentos frequentes na cidade envolvendo a temática. a cena está em um processo de produzir e de entender os novos muros e quais caminhos que fortaleza vai nos levar ”

tos atuais. Mesmo que hoje não possuam uma continuidade, contribuíram para uma maior aceitação e um maior apoio público, popularizando os eventos atuais. Entretanto, o assunto ainda continua visto, por uma parcela da sociedade, como algo marginalizado, algumas vezes até proibido, mas sempre respeitado pelos integrantes da cena. Contudo, o poder público e algumas instituições públicas, ainda enxergam o grafite com a função de embelezar e tirar as feiuras da cidade. Mas, ainda assim, os grafiteiros consideram o ato de grafitar e como uma ação de resistência. O embate entre grafite e arte, mesmo que não seja tão claro como o que ocorre entre grafite e pichação, é frequente e confuso, visto que as intervenções, muitas vezes com pretensões 106

de gritos políticos e sociais, passaram a ser vistas como arte. Este trabalho também pretende abrir a discussão sobre os diferentes olhares que podem incidir sobre o grafite em Fortaleza, desde quem os produz aos indivíduos que vivem na cidade. Devido à cena de Fortaleza ser muito ampla, este livro é um recorte temporalizado, já que este trabalho precisa ser continuado ao longo dos anos para abranger os acontecimentos frequentes na cidade envolvendo a temática. A cena está em um processo de produzir e de entender os novos muros e quais os caminhos que Fortaleza vai nos levar.

Fernanda de Façanha


s a i c n ê r e f Re ARAÚJO, Alessandra Oliveira; FILHO, Tarcísio Bezerra Martins; MARINHO, Lucas. Muros que falam: a comunicação na cidade. Revista Humanidades, Fortaleza, v. 30, p. 99-114, jan./jun. 2015. BELTRÁN, Sergio et al. Festival Asalto. Disponível em: <https://www.facebook.com/festivalasalto/>. Acesso em: 16 mar. 2017. BELTRÁN, Sergio et al. Festival Asalto. Disponível em: <http://www.festivalasalto.com/ que_es_asalto/>. Acesso em: 20 mar. 2017. CAMPOS, Ricardo. Visibilidades e Invisibilidades Urbanas. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza,v. 47, n. 1, p. 49-76, jan./jun, 2016. DIÓGENES, Glória; CAMPOS, Ricardo; ECKERT, Cornelia. As cidades e as artes de rua: olhares, linhas, texturas, cores e formas. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 47, n. 1, p. 11-24, jan./jun, 2016. GITAHY, Celso. O que é graffiti? São Paulo: Editora Brasiliense, 2011. Intervenção no Farol gera polêmica. Diário do Nordeste, Fortaleza. Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/intervencao-no-farol-gera-polemica-1.797002 >. Acesso em: 08 abr. 2017. 107


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