Alberto Caeiro - Análise

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – FAFICLA Letras - Literatura portuguesa: poesia moderna Profº Carlos Eduardo Siqueira

Análise: O guardador de rebanhos XXVI – Alberto Caeiro

Renata Cristina Pereira

RA00052435

São Paulo, 25 de novembro de 2010


A partir de estudos sobre o projeto poético do heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, pretende-se neste trabalho analisar o poema de número XXVI da obra “O guardador de rebanhos”: “Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, em que as coisas têm toda a realidade [que podem ter, pergunto a mim próprio devagar porque sequer atribuo eu beleza às coisas. Uma flor acaso tem beleza? Tem beleza acaso um fruto? Não: têm cor e forma e existência apenas. A beleza é o nome de qualquer coisa [que não existe que eu dou às coisas em troca do agrado [que me dão. Não significa nada. Então porque digo eu das coisas: são belas? Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver, invisíveis, vêm ter comigo as mentiras [dos homens perante as coisas, perante as coisas que simplesmente existem. Que difícil ser próprio e não ver senão o visível.”

Nesse poema, Alberto Caeiro questiona a atitude dos homens de dar à natureza o título de bela por meio do uso da linguagem, quando na verdade, de acordo com o modo de vida do poeta, a natureza somente existe. Na primeira estrofe do poema o mestre dos heterônimos apresenta a imagem de uma natureza que não se esconde, que em dias de luz perfeita (que podemos entender como dias ensolarados) é quando a natureza mais se mostra à visão do homem, é quando ela tem toda a realidade que pode ter. Para Alberto Caeiro, é essa a realidade que realmente importa, diferente da suposta realidade que é formada pelos pensamentos e pela linguagem dos


homens dos homens, que insistem em nomear as coisas do mundo, nesse sentido, não existe interioridade para o poeta da natureza, somente o sentido. É possível perceber a existência de uma contradição, quando o poeta pergunta a si próprio porque ele também atribui beleza às coisas, ele está, neste momento refletindo, ou seja, pensando, porque ele também vê a beleza que existe na natureza e, principalmente, porque atribui essa beleza à natureza. Logo depois, Caeiro questiona a beleza das flores e dos frutos, e afirma que tais elementos não possuem beleza, mas existência apenas, e cabe aos homens enxergarem essa existência para alcançarem a realidade tal como ela se apresenta ao mundo. Percebemos, então, a proximidade que há entre Alberto Caeiro e a filosofia Zen quando nos leva a enxergar as coisas como são, e não pensar no que elas poderiam ser. O poeta, com seu espírito que rejeita sentidos ocultos, mistérios e símbolos, e que busca a objetividade e a simplicidade, aponta que a beleza das coisas nada mais é do que um nome de qualquer coisa que não existe, ou seja, uma abstração criada pelo homem em troca do agrado que a natureza lhe proporciona. Trata-se aqui de um agrado, não de sentido intelectual, mas sensorial, pois são sensações o que a natureza oferece aos homens por meio de seus cheiros, suas cores e suas formas. Dizer que uma flor é bonita não significa nada para Caeiro. Mesmo para o mais radical dos heterônimos, que vive só de viver (e aqui há uma proximidade com a experiência zen, com um modo de viver o real sem complicá-lo com idéias, segundo Perrone-Moises, p. 155) é difícil não ser atingido pelas mentiras dos homens perante as coisas que simplesmente existem, ou seja, de não ser atingido pelos signos, pela abstração que faz com que o homem se torne cego diante da realidade que o rodeia, pois não se vê a beleza, mas sim a flor. Para finalizar, o poeta ainda nos coloca diante de uma afirmação em que admite ser difícil não ver senão o visível, ou seja, aquilo o que realmente se mostra à visão do homem. Para chegar ao nível de ver o que a natureza é, em sua essência, é necessário buscar e cultivar a arte da naturalidade existencial, segundo Perrone-Moises, p. 157. Eis o grande ensinamento do mestre dos heterônimos.


Bibliografia: PERRONE-MOISES, Leyla. Fernando Pessoa Aquém Do Eu, Além Do Outro. São Paulo: Martins Fontes, 2001. PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. Porto Alegre: L&PM, 2009.


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