Gloria ferreira org critica de arte no brasil tematicas contemporaneas

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de text.


PRESIDENTE DA REPUBLICA

Luiz [Mob Lula da SilVa MINISTRO DA CULTURA

Gilberto Gil PRESIDENTE DA FUNARTE

Antonio Grassi DIRETORA EXECUTIVA

Myriam Lewin DIRETOR DO CENTRO DE ARIES VISUAIS

Critica de Ade no Brasil: Temoticas Contemporoneas

Francisco de Assis Chaves Bastos (Xico Chaves)

Organizacao: Gloria Ferreira DIRETOR DO CENTRO DE PROGRAMAS INTEGRADOS

Vitor Ortiz GERENTE DE EDIOES

Maristela Rangel DEDALUS - Acervo - MAC COORDENADOR DE ARTES VISUAIS

Ivan Pascarelli

1111111 11111111111111 1 111

PRODUTORA EXECUTIVA

Eliane Longo

r i narte

ii

UNDAVA0 NACIONAL DE MITE

Rio de Janeiro, 2006


Critica de Arte no Brasil: Ternaticas Contemporaneas

Copyrigth O 2006, by Fundagao Nacional de Artes — Funarte Gloria Ferreira (Organizacao) Fernanda Lopes e Izabela PUCCI (Pesquisadoras colaboradoras)

Surnario

Todos os direitos reservados a Fundacao Nacional de Artes — Funarte Rua da Imprensa, 16 — Centro — 20030-120 — Rio de Janeiro — RJ Tel.: (21) 2279-8053 / (21) 2262-8070 numep@funarte.gov.br Proibida a reproducao no todo ou em parte, atraves de quaisquer meios.

Apresentacao

13

ANTONIO GRASS! Presidente da Funarte

Producao Editorial Jose Carlos Martins

Prefacio

15 Producao Grata Joao Carlos Guimaraes

17

I XICO CHAVES Diretor do Centro de Artes Visuais/Funarte Introducio

Assistentes Editorials Naduska Mario Palmeira e Sonia Oliveira Lima

GLORIA FERREIRA

In dice Onomastico e Bibliografia Josiane Ferreira dos Santos e Marisa Colnago Coelho (colaboradora) Projeto Gralico e Capa Carlos Alberto Rios e Robson Lima

A tradicao construtiva 41

I

0 destino flincional da pintura, 1946 MARIO PEDROSA

Gerencia OperacionaUCentro de Pro gramas Integrados Anagilsa Franco, Adriana Machado e Roberta Castro

43

I

Ainda o Abstracionismo, 1949 WALDEMAR CORDEIRO

Coordenador da Redo Nacional de Artes Visuals Nelson Ricardo Martins

Entre o Abstrato e o Figurativo, 1955

45

Setor Administrativo/Centro de Artes Visuals Lisiane Brito, Oswaldo Alves Silva Jr., Valeria Soares, Alvaro Maciel, Reginaldo Santos e Carlos Reis

SERGIO M1LLIET

Arte concreta: objeto e objetivo, 1957 ' Dtc:0 PIGNATARI Ciencia e Arte, vasos comunicantes, 196o

47 49

A reproducao dos textos man teve-se fiel aos originals, salvo con-ace- es de erros tipograficos.

MARIO PEDROSA

55

j

Arte neoconcreta uma contribuicao brasileira, 1962 FERREIRA GULLAR

Catalogagdo na fonte

73I

Funarte / Coordenacao de Documentacao e Informacdo Critica de ale no Brasil : temdticas contempordneas / organizadora: Gloria Ferreira — Rio de Janeiro : Funarte, 2006.

As ideologias construtivas no ambiente cultural brasileiro, 1975 RONALDO BRITO

83

580 p.; 18 x 25 cm.

I

Duas linhas de contribuicao: concretos em Sao Paulaneoconcretos no Rio, 1977 ARACY AMARAL

lnclui Indica

89

ISBN 85-7507-079-7

A vinganca de Aracy Pape, 1977 DECIO PIGNATARI

1. Critica de arte — Brasil. 2. Arte — Apreciaodo — Brasil. I. Ferreira, Gloria. COD 701.18

93

A raids) de uma zanga, 1977 FERREIRA GULLAR

97

Na hora de se fazer a avaliacao, 1977 MARIO SCHENBERG


icn I A vocasao construtiva da arte latino-americana, 1978 FREDERICO MORAIS II I

0 que engendra Athos Bulcao, 1986 EVANDRO SALLES

n5 I

Construtivismo no Brasil, Concretismo e Neoconcretismo, 1992

'sit Manifesto da precariedade do NAC, 1986 RAUL CORDULA 183 I

REYNALDO ROELS JR. E JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS 1911

HAROLDO DE CAMPOS 127 I

Mane e transfiguracao da arte nos programas das vanguardas artisticas, 1993 MARILIA ANDRES RIBEIRO

Modernos fora dos eixos, 1998 PAULO SERGIO DUARTE

A arte do Al-5 hoje, 1986

195 I

Do Corpo a Terra,

2001

FREDERICO MORALS

Vanguarda/experimentalismo No limiar de uma nova estetica, 1965

13 7

Critica da critica de arte

PEDRO GERALDO ESCOSTEGUY

1391

Liberdade de opiniao, 1965

2031

HARRY LAUS

I Realismo ao nivel da cultura de massa, 1965

141

WALDEMAR CORDEIRO 1

431

Arte ambiental, arte pOs-moderna, Hello Oiticica, 1966 MARIO PEDROSA

MURILO MENDES

207 I Do porco empalhado ou os criterios da critica, 1968 MARIO PEDROSA

211 1

1 Situasao da vanguarda no Brasil (Propostas 66), 1966

147

Declaracao de Principios Basicos da Vanguarda, 1967

49

217 I

Aviso: Rex Kaput, 1967

221 1

GRUPO REX

157 1

1 63 1 16 7

1

A genealogia do (nao) artista, 1983 FREDERICO GOMES

1731

I Transformasilies na esfera da critica, 1999 SONIA SALZSTEIN

235 1

Manifesto, 1976 GRUPO N.O.

169f

227

Arte Correio, 1976 PAULO BRUSCKY

Dez anos de experimentasao, 198o FRANCISCO BITTENCOURT

A axle e sua mediasao na cultura contemporanea, 1999 MONICA ZIELINSKY

Teoria da guerrilha artistica, 1967 DECIO PIGNATARI

Critica: a palavra em crise, 1997 FERNANDO COCCHIAFtALE

ANTONIO DIAS E OUTROS

1 511

Reflexoes sabre a responsabilidade social da critica de arte na America Latina, 1980 ARACY AMARAL

HELIO OITICICA 1

Saudasao a Manuel Bandeira, 1952

0 ardsta como curador,

2001

RICARDO BASBAUM

241

I Chat Mostra Rio Axle Contemporanea Gloria Ferreira para jailton Moreira, 2002 JAILTON MOREIRA

243 I

Notas sobre a jovem critica de axle, 2005 GUY AMADO


t

Circuito 249

253

321

A Primeira Bienal, 1951 mAruo PEDROSA

325

Cruzeiro do Sul, 1970

327

Salao de Verao: dois depoimentos, 1970 333 I

Analise do Circuit°, 1975

337

Mamie Belas-Artes, 1977 345 I

Do ouro ao poder, 1978 351 j

Brasil Diarreia, 1981 359 J

Arte "brasileira" nao existe, 1981

Barnett Newman: o que é pintar?, 1994 CARLOS ZILIO

365

No dorso do quadrnpede, mas corn liberdade de voar, 1982

Monocromos, a autonomia da cor e o mundo sem centro, 2000 PAULO HERKENHOFF

373 I

CARLOS ZILIO

289 I

A festa acabou? A festa continua?, 1988 MARCUS DE LONTRA COSTA

ANTONIO DIAS

285

Possibilidades de pintura: dais exemplos, 1985 RONALDO BRITO

HELIO OITICICA 281

18a Bienal Internacional de Sao Paulo, 1985 SHEILA LEIRNER

GRACE DE FREITAS 277 J

Entre o passado e o futuro, 1985 ALBERTO TASSINARI

JOSE RESENDE E RONALDO BRITO

275 I

Expressionismo vs. Neo-Expressionismo, 1983 JORGE GUINLE

RONALDO SAITO 269

0 choque inevitivel entre duas tendencias, 1982 MILTON MACHADO

WALMIR AYALA 261 I

Panorama confirrna novas tendancias da pintura, 1979 FREDERICO MORAIS

CILDO MEIRELES 255 I

Retorno/permanencia da pintura

Pintura reencarnada, 2005 ANGELICA DE MORAES

A experiancia do Centro-Oeste. Arta e identidade cultural, 1985 ALINE FIGUEIREDO

295 I

lmagem e midias

Os saloes de arta sao espacos contraditorios, 1986 ICLEIA BORSA CATTANI

299 I

Situagoes-Limite, 1989

383 I

PAULO VENANCIO FILHO

30 3

WALDEMAR CORDEIRO

Arta em transit°, x999 385 I

MOACIR DOS ANJOS

309

Chat Mostra Rio Arte Contemporanea Luiz Camillo Osorio para Lisette Lagnado,

2002

Bolsa Pampulha: o meio e a formacao do artista hoje, 2004 LISETTE LAGNADO

Algumas ideias em torno a Expo-Projecao 73, 1973 ARACY AMARAL

391 I

Audiovisuais, 1973 (2006) FREDERICO MORAIS

LISETTE LAGNADO 3" I

11 0001 101001 roono noroI (significa arte, em linguagem binaria), 197o

395 I

Poeticas visuais, 1977 JULIO PLAZA


397 j

Videoarte: Uma poetica aberta, 1978 (2003)

4991

WALTER ZANINI

Alma. Uma fracfio da fotografia contemporinea no Brasil, 1984

40 7 I COTO &

ROBERTO PONTUAL 413 I

0 novo livro do mundo. A imagem pos-moderna e a arte, 1989 RODRIGO NAVES

42 5 I

429 I

Historia, cultura periferica e a nova civilizacao da imagem, 1998 PAULO VENANCIO FILHO

435I

A fotografia sob o impacto da eletr么nica, 1998 ARLINDO MACHADO

443 I

Artefoto,

Corpo e video em tempo real, 2003 (2006) CHRISTINE MELLO

Situasoes transitivas 467 Discurso aos Tupiniquins ou NambIs, 1975 IVIARIO PEDROSA 473 I

0 destino nas ruas: intervencoes no espaco urbano, 1984 WILSON COUTINHO

477 I

Regressao e tradicao na arte contemporAnea, 1987 PAULO SERGIO DUARTE

481

Evento acha cidade morta dentro da cidade atual, 1997 LORENZO MAMMI

485 j

Arte & Cidade, 1998 NELSON BRISSAC PEIXOTO

493

Urn panorama e algumas estrategias,

A arte da presenca, 1999 MARCIO DOCTORS

2001

LUIZ CAMILLO OSORIO

513 I

As politicas do gesto,

2001

WALTER SEBASTIA0

517 I

Colecionadores em movimento livros, olhos, exercicios de leitura, 2001 MARfLIA PANITZ

525 I

Faxinal das Axles no Faxinal do Ceu,

2002

AGNALDO FARIAS

531 J 0 corpo na axle contemporfinea brasileira, 2003 VIVIANE MATESCO 54 1 I

Fronteiras MOveis,

2005

MARISA FLORIDO CESAR 549 I

Referencias bibliograficas

553

Sobre os autores

567

fndice onomastico

2002

LIGIA CANONGIA 457 I

509 I

0 deserto das paixiies e a alma tecnologica, 1998 DIANA DOMINGUES

449

FERNANDO COCCHIARALE

A fotografia contaminada, 1994 TADEU CHIARELLI

Da adversidade vivemos, 2000


Apresentacao

ANTONIO GRASSI PRESIDENTE DA FUNARTE

Critica de Arte no Brasil: Ternaticas Contemporcineas, organizado por Gloria Ferreira, representa para a Funarte a retomada de publicagaes de contend째 reflexivo sobre nossa historia recente. A publicacao nos revela significativos momentos e passagens do embate estetico e ideologic째 vivenciado pelas artes visuais a partir da decada de 1950. Estao, ainda, reunidas nesta obra, opinthes de criticos e artistas sobre a arte contemporanea brasileira, desde as primeiras polemicas e rupturas ate a multiplicidade de linguagens compreendidas na expressao artistica do seculo 21. Ao pesquisar textos criticos e manifestagoes diversas e disponibiliza-los ao leitor, a organizadora nos conscientiza do significativo papel desempenhado pelas artes visuals na construcao de uma sociedade diversificada, em urn pals multicultural, sensivel a influencias e em busca de sua autonomia.

A


Prefacio

XICO CHAVES DIRETOR DO CENTRO DE ARTE5 VISUAIS DA FUNARTE

m 2003, no inicio desta gestao, o Centro de Artes Visuals procurou

reestabelecendo o dialog° necessario entre duas visoes e abordagens complemen-

uma diretriz para reiniciar urn projeto editorial capaz de situar e debater as principais questoes da arte contemporanea. 0 tempo havia passado, levando corn ele as publicacoes da Funarte dos anos 70

tares que constituem a base da nossa arte contemporanea — o artista e o critico.

e So, ja esgotadas. A partir dal, a producao artistica havia se desdobrado e expandido, incorporando linguagens e procedimentos esteticos mais complexos. Seria necessario urn ponto de partida, uma publicacao referencial que nos desse uma leitura hist6rica desta diversificada prodkao. Solicitamos a professora e pesquisadora Gloria Ferreira uma pesquisa sobre critica de arte no Brasil que nos servisse de orientacao e nos apontasse as passagens mais significativas, corn vistas a uma publicacao. Esta sugestao deu ongem ao atual projeto editorial da Funarte, no campo das artes visuais, tambem elaborado por ela, resultando nas colegoes Pensamento Critic° e Pala do Artista, apontando ainda para a reedicao, ou reimpressac>, de outras publicacaes pontuais realizadas anteriormente. Estariamos, assim,

Somente agora, apes o lancamento das colecaes, foi finalizada a pesquisa solicitada, sob o titulo Critic° de Arte no Brasil: Temciticas Contemportineas, resultando em uma contribuicao fundamental para o pensamento plastic° e visual brasileiro. A autora nesta edicao, textos de criticos, artistas e poetas-criticos, a partir dos anos so, divididos em 7 grandes grupos ternaticos, em urn percurso que compreende os principais debates, desde a tradicao construtiva ate os dias de hoje. Crftica de Arte no Brasil: Temoticas Contemporiineas e as colegOes que deram origem a sua concekao representarao, certamente, urn marco na producao critica brasileira, ao mapear e apresentar o universo de opinioes e ideias que dao suporte as artes visuais produzidas no Brasil. A publicacao traz a tona as diversas polemicas ocorridas neste campo, que a cada dia incorpora mais tendencias e conceitos ao transitar em móltiplas margens interterritoriais.


I ntrodusao

GLORIA FERREIRA ritica de arte no Brasil: Tematicas Contempordneas apresenta urn amplo conjunto da critica de poetas-criticos, criticos e artistas, estruturado em sete grandes nacleos tematicos, como urn debate em processo sobre questoes que se revelaram recorrentes e constitutivas da cena artistica brasileira desde os anos 50: tradicao construtiva; vanguarda e experimentalismo; critica da critica de arte; circuito de arte; retorno e permanencia da pintura; imagens e midias e, finalmente, questaes da arte atual, aqui referidas como situagoes transitivas. Certas problematicas, como a tradicao construtiva, a questao do circuito e o questionamento critico da propria critica, perpassam as diferentes momentos; o intenso debate sobre a vanguarcla e o experimentalismo tern seu momento exponencial nas decada de 196o e 1970; outras surgem em contextos particulares de transformacaes de linguagens, como as interrogagoes sabre a imagem e as novas midias, corn forte presenca a partir dos anos 70, ou ainda o retomo/permanencia da pintura e as situacoes transitivas da arte atu-

al, que constituem questfies mais recentes. Sem davida, cada tematica representa, em si, urn universo de pesquisa e coloca como exigencia horizontes de tratamentos pardculares, do mesmo modo que indica a necessidade de publicacoes por autores. Agrupd-los, em ordem cronologica, como indicadores de refiexaes teorico-criticas, permite, espero, que se desvelem dialogos e interrogaceies presentes ao longo do desenvolvimento histOrico da arte brasileira contemporanea. Apesar de alguns textos jรก terem sido reproduzidos em livros de autores aqui representados ou em outras antologias, revelaram-se indispensaveis em sua articulacao corn possiveis dialogos nesta coletanea. Comportando varios ensaios, de artistas e criticos, como prospeccao de momentos histaricos ou de questaes esteticas, a maioria compee-se de documentacao factual da producao artistica brasileira, encontros criticos corn obras de artistas, em geral dispersa e de dificil acesso. Em sua multiplicidade de abordagens, com inflexoes de varias ordens, de dobra em dobra, manifesta o tecido de ideias sobre a arte contemporanea.


Sem pretensao de ser urn panorama exaustivo da critica no Brasil; Crftica de arte no Brasil: Temciticas Contemportineas abrange producaes criticas de diversos contextos brasileiros. A presenca de urn expressivo conjunto de textos de artistas indica a sua crescente participagan no debate critic°, quer seja como mecanismo operatorio interno a genese da obra quer seja como reflexao concemente a critica, a teoria e a hist6ria da arte. Sao, sem chavida, variadas as modalidades historicas dessa escrita, como os manifestos e textos marcadamente te6ricos dos artistas modernos que, paralelamente a formulacao dos destinos da arte visava, igualmente, a urn contato sem intermediacao corn o public° em geral. Em particular a partir dos anos 6o, esses textos evidenciam uma nova articulacao entre os campos verbal e visual, tomando-se inseparaveis do ato de avaliacao e interpretacao do pr6prio trabalho - as de Hello Oiticica ou de Waldemar Cordeiro, por exemplo, ou, mais recentemente, os textos que revelam o "transito do artista atraves de fungi:5es que ultrapassam a sua posicao coma simples produtor de obras de arte", como assinala Ricardo Basbaum em, "0 artista como curador", aqui reproduzido' Embora ainda rarefeito, o campo editorial brasileiro encontra-se em expansao, corn tradugoes de obras significativas da literatura classica e atual sobre arte e, especialmente, corn edicoes de monografias sobre artistas refletindo a ampliagao da pesquisa e o debate a respeito das artes visuais em nosso meio. 18

No que diz respeito a critica de arte, publicacoes de varias ordens comecam a constituir urn corpus importante. Em breve levantamento, ressaltam-se o livro de Luiz Camillo Osorio,RazOes da critica (Jorge Zahar Editor, 2005), as coletaneas sobre a critica como Fronteiras. Arte, critica e outros ensaios, esta organizada por Monica Zielinsky (UFRGS, 2003), e Os lugares da Critica de Arte, corn organizacao de Lisbeth Rebollo Goncalves e Annateresa Fabris (ABCA, 2005);_quanto as antologias de criticos, destacam-se o excelente trabalho de edicao da obra de Mario Pedrosa, desenvolvido por Otilia Arantes, e o seu livro Mario Pedrosa: Itinerorio critic°. (Cosac&Naify, 2004); a reedicao dos livros de Gonzaga Duque, pela Fundacao Casa Rui Barbosa, corn pesquisas de Vera Lins e Francisco Hardman, e tambern pela editora Mercado de Letras, corn organizacao de Tadeu Chiarelli; a antologia Arte Contempordnea Brasileira. Texturas-Dicgoes-Ficceies-Estrategias, organizada par Ricardo Basbaum (Contra Capa, 2001); os recentes lancamentos, pela Funarte, dos livros de Paulo Sergio Duarte, Frederico Morais e Icleia Cattani, no ambito da colegan Pensamento Critic() e a antologia de textos, Experiencia critica, de Ronaldo Brito (Cosac&Naify, 2005)2 . Infelizmente, o projeto anunciado em 1981 pela Associacao Brasileira de Criticos de Arte de edicao de uma Antologia da critica de arte no Brasil, em tres volumes, abrangendo de modo exaustivo o mais extenso period° cronologico (desde o seculo 16 ate a decada de 197o), ainda n5o se realizou. A "Amostragem

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INTR000cA0 - GLORIA FERREIRA

resumida" publicada como nUmero especial da Revista Critica de Arte, no mesmo ano, é uma referencia cam textos importantes, entre eles, de Angelo Agostini, AraUjo Porto Alegre, Gonzaga Duque, Mario de Andrade, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Joaquim Cardozo e "A decada da experimentacao", de Francisco Bittencourt, aqui reproduzido.

Diante das transformacoes em suas ambicoes esteticas, suas modalidades de atuacao, de inscricao social e sua reconhecida situacao de crise, o "vasto e terrivel ponto-de-interrogacao" lancado por Baudelaire, na abertura do seu Salon de 1946, continua atual: "a quoi bon la critique?" Interrogacao sem fim, que se revela no procedimento critic° permanente da propria critica e que nao é dissociavel dos contextos hist6ricos, das relacOes que essa esfera de atividade entretern corn a hist6ria da arte e as transformace es de linguagens artisticas que, par sua vez, exigem novas relacoes cam as enunciados criticos. No Brasil, particularmente corn a entrada em cena de Mario Pedrosa, a critica tera urn papel decisivo no deslocamento do debate artistic° do terreno ideologic° - no qual se conjugam a atualizacao artistica e a exigencia de fazer aflorar uma identidade propria - para o estetico-formal, em prol de uma linguagem universal da arte, nao regionalista ou subordinada as tradicaes nacionais, comprometida, contudo, corn a construcao do pais.3 0 surgimento dos primei-

ros micleos de artistas abstratos, no final dos anos 40, e a estruturagao de um sistema de arte em consonancia corn o projeto de modemizacao do pals tern como contraponto a defesa da emancipacao do pensamento estetico e, cam ele, o da critica, de toda forma de dominio que nao a da propria arte em suas intencees mais profundas. Esse deslocamento, no sentido de operar uma leitura critica da hist6ria da arte moderna, nao como modelo para uma atualizacao ou tentativa de encontrar as tracos nacionais das obras do passado, mas como compreensao de sua dinamica, caracteriza a critica e as movimentos dos anos 5o. Sao exemplares nesse sentido as analises de Ferreira Gullar e as releituras de Hello Oiticica da tradicao construtiva, indicando, em particular; uma singular apreensao da peetica de Mondrian, por exemplo, (n5o comum na critica formalista americana ou mesmo em artistas como Barnett Newman, Frank Stella e Donald Judd). Mario Pedrosa, em seu pequeno Panorama da Pintura Moderna, de 1952, nao se atem a uma declinagdo de ismos, m as a apresentack) de questOes centrais da arte modema, considerada, par ele, uma "revolucao espiritual de maior profundidade". Pedrosa trata, entre outras problematicas, da dissolucao do naturalismo, das exigencias da nova ordem cromatica e do novo espaco, anunciando, em forma de epilog°, como possivel saida do impasse em que a arte modema se encontrava, "uma nova especie de arte cujos meios tecnicos serao sobretudo de ordem

CMTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS INTRODUCAO - GLORIA FERREIRA

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mecanica e instrumental". Ainda no "Epilogo", o critic° anuncia, em unza pequena nota, que "na Bienal de Sao Paulo um jovem artista brasileiro, Abraham Palatnik, apresentou uma versa° sua do novo genera da pintura da luz".4 Essa acuidade em desenvolveruma critica da histOria e, assim, uma hist6ria critica do movimento modemo se fare presente, por exemplo, no livro Neoconcretismo. Vertice e Ruptura do Projeto Construnuo Brasi1eiro,5 de Ronaldo Brito, e se toma, de certa maneira, urn horizonte estetico-teorico do pensamento sobre arte no Brasil. Movimento que se conjuga a postulagao de uma historia critica da arte brasileira, de que, entre outros estudos, o referido livro de Ronaldo Brito e A Querela do Brasi1, 6 de Carlos Zilio, sao exemplares. Espelhando os movimentos simultaneos e contraditerios de cada momenta historic°, a evolucao temporal das reflexOes criticas sobre cada problematica aqui proposta, tece relacoes sincronicas cord as outras questOes, seja em abordagens dos mesmos autores ou corn a entrada em cena de outros interlocutores e novos temas. A presenca de diverSOS textos de Mario Pedrosa indica sua i influencia ntelectual e erica no cenario da arte brasileira. Cruzam-se textos diretamente relacionados corn certos contextos e outros de carater mais analitico, por vezes abordando urn periodo historic° do qual o critic° tambem foi atuante, por exemplo, o referido "Dez anos de experimentagao" de Francisco Bittencourt, sabre os anos 1970, ou "Videoarte: 20

uma poetica aberta", de Walter Zanini. Alguns, sobretudo em criticas publicadas em jomais, como textos dentro de textos, transcrevem entrevistas e depoimentos, como "A arte do AI-5", de Reynaldo Roels e Joaquim Ferreira dos Santos. Nocleos tematicos

"0 destino funcional da pintura", de Mario Pedrosa, abre a coletanea e o raicleo "a tradicao construtiva". Nesse texto, de carater mais programatico, escrito pouco depois de seu retomo ao Brasil e do inicio de sua coluna no jomal Correio da Manhti, Pedrosa afirma que a funcionalidade da arte é "uma exigencia da necessidade formal e criadora". Contrap5ese, assim, mesmo sem mencionar, ao atrelamento da arte aos conteoclos sociais entao em yoga, defendendo, em termos universals, a possibilidade da arte e de suas transformagOes - mesmo que ela se tome "individualista", diz ele, "exprimirá a mais solida das virtudes sociais, isto é, a solidariedade humana na sua essencia". No texto "Ern ciencia e arte, vasos comunicantes", de 1960, tambem de teor analitico, o critic°, para o qual a arte concreta dera "disciplina no nivel da forma"; remete a um novo momento do debate critico, que wee concretistas paulistas e neoconcretos cariocas, afirrnando a relagao indissociavel entre "o elemento consciente, o elemento intelectual e o elemento impulsivo no processo criador". Diante da relativa disponibilidade dos manifestos e outros textos classicos do

construtivismo brasileiro em diversas publicacoes, foram privilegiadas criticas de epoca de menor acesso e que explicitam as questoes em pauta, como o debate sobre a abstragao em textos de Waldemar Cordeiro e Sergio Mullet, e os de Ferreira Gullar e Decio Pignatari sobre o concretismo e o neoconcretismo. Uma caracteristica do percurso da presenca das ideias construtivas no Brasil é o amplo processo de reavaliagao dessa experiencia no meio dos anos 70, refletindo a necessidade de se repensar criticamente o solo a partir do qual a arte contemporanea se constituira. Ou, coma diz Mario Schemberg, é "hora de se fazer a avaliagao" sobre "um acontecimento de extraordinaria importancia na vida cultural brasileira". Sao, assim, praticamente concomitantes a incontomavel analise de Ronaldo Brito sobre o Neoconcretismo e a mostra Projeto constmtivo brasileiro na arte (1950-1962), realizada no Rio e em Sao Paulo, em 1977, e organizada por Aracy Amaral e Lygia Pape. Segundo Ronaldo Brito, resultando da crise do projeto construtiVo, o Neoconcretismo, em sua candied. ° de ponto de ruptura da arte modema no Brasil, abre urn novo ciclo, com uma acao residual decisiva para a producao contemproanea. Por sua vez, o catalogo/antologia que acompanhava a exposicao Projeto construtivo brasileiro, corn traducOes de textos historicos e reflexees sabre o surgimento dessas tendencias no meio de arte latino-americano, embora esgotado ha decadas, é ainda uma referencia decisiva sobre o assunto (sendo aqui re-

produzidos os de Aracy Amaral e Ronaldo Brito). Data desse periodo o retorno das polemicas entre concretos e neoconcretos, como expressa o enfatico texto "A vinganca de Aracy Pape", de Decio Pignatari, e, tambem, a analise de Haroldo de Campos, "Construtivismo no Brasil, Concretismo e Neoconcretismo", de 1992. 8 Cabe ressaltar, ainda, a exposicao Geometria sensivel, corn curadoria de Roberto Pontual, cuja ambicao, utilizando palavras de Frederico Morais, era apresentar "a vocacao construtiva da arte latino- americana". 0 catalog°, com colaboracao de criticos de varios 'Daises, representa uma real contribuicao para urn dialog° que quase sempre passara pela Europa. Seu desfecho, no entanto, corn o incendio do MAM-RJ, nao so destruiu as quase 200 obras que a compunham, entre elas a restrospectiva de Torres Garcia, coma desorganizou o centro de aglutinacao das manifestacoes artisticas contemporaneas no Rio de Janeiro, representado pelo museu e sua Area Experimental, depois transformada em Sala Experimental. De outro teor é a analise da obra de Athos Bulcao, que, segundo Evandro Salles, atravessa "em sua trajethria a experiencia, rara para os artistas desse seculo, de ver sua obra envolvendo todo o corpo de uma cidade, Brasilia" — cuja construed- o, como é notorio, guarda Mumeros pontos de contato corn as ideologias construtivas. No conhecido e excelente texto, "Modernos fora dos eixos", sobre artistas como Sergio Camargo, Mira Schendel, Volpi, entre outros, que

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

INTROOKAO - GLORIA FERREIRA

INTRODUcA0 - GLORIA FERREIRA

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compOem a colegao de Adolfo Leimer, Paulo Sergio Duarte analisa "obras que nao se enquadram nos capitulos que ajudarn a ordenar a historia", mas participam de um solo comum, de urn "tempo em que se acreditava na insergao da cultura local no sistema do mundo atraves da busca de valores universals, de idiomas artisticos que, sem escapar das idiossincrasias de autor e de sua origem, fossem capazes de transcender o chao particular e se elevar a urn ideal de comunicagao".

Embora o legado construtivo se mantivesse em um horizonte fertil - nao so pela continuidade e novos desdobramentos da produgao de artistas como, por exemplo, Oiticica, Cordeiro, Willys de Castro, Lygia Clark, Amilcar, Lygia Pape, como tambem por ser repotencializado por artistas mais jovens dissipou-se o chamado projeto construtivo brasileiro na arte. Aliados as questoes esteticas introduzidas pela pop e pelas novas figuragOes, pelas novas midias e pelo esgargamento das fronteiras entre os ganeros, o impacto e a violancia trazidos pelo golpe militar de 1964 transformaram o panorama politico-cultural. Guerrilha artistica, coma teoria da "vanguarda consciente de si mesma", n as palavras de Decio Pignatari, ou na exigencia de uma nova estetica "positiva de protesto e dernancia", segundo Escoteguy, (la atom dos debates e formulacoes esteticas sobre o programa de vanguarda que alia experimentalismo e embate ' Is.

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politico em uma situagan de perseguigaes, censura, tortura e exflio. 9 Essas questoes foram expressas, tambem, na "Declaragao de principios basicos da vanguarda", assinada por Antonio Dias, Vergara, Gerchman, Lygia Clark, Carlos Zilio, Escoteguy, Lygia Pape e outros artistas. Mas tambern, cabe assinalar, pelos criticos Frederic° Morais e Mario Barata. As experiencias das novas relagOes entre criticos e artistas dao origem a Nova critica, trabalho de Frederico Morais, apresentado na Galeria Agnus Del, em 1970, como "exposigao-comentario" adotando as mesmas estrategias de Cildo Meireles, Theresa Sin-16es e Guilherme Vaz em exposicao anterior, na mesma galeria. Segundo Francisco Bittencourt, mais do que inaugurar uma nova critica, nao opressora, ou do que diluir as barreiras entre "as duas classes", "estava au o colega de luta, atuante e irreverente para chegar ao melhor entendimento do fenameno artistico". As novas relacoes corn a critica, a presenga do artista nessa esfera em confronto corn "a maioria das nossas ilustres vacas de presepios da critica podre e fedorenta", como diz Hello Oiticica em "Situagao da Vanguarda no Brasil", soma-se a decisiva analise de Mario Pedrosa em "Arte ambiental, arte pOs-moderna, Hello Oiticica". Pedrosa enfatiza a premencia de novos criterios criticos diante do novo ciclo, em cuja vocagao antiarte - "arte pos-modema" - "os valores propriamente plasticos tendem a ser absorvidos na plasticidade das estruturas perceptivas e situagoes".1° No conhe-

cido ensaio "Contra a arte afluente: o corpo é o motor da `obram, de 197o," Frederico Morais afirma: "Obra é hoje urn conceito estourado em arte". Questoes retomadas pelo critico, como analise hist6rica, em "Do Corpo a Terra", para o catalog° da exposigao Do Corpo a Terra — Marco Radical na Arte Brasileira, de zoor, realizada no hall Cultural, em Belo Horizonte. Marcado por uma leitura singular da arte conceitual, o amplo campo de atuagao de cunho transgressivo e experimental expressa-se em manifestagoes de varias ordens, como as exposigbes Opiniao 1965 (comentada em roteiro de Harry Laus), Propostas (acontecidas em 1965 e 1966), atuag5es/happenings do grupo Rex, nos saloes — da Blissula, de Vera°, entre outros na Bienal da Bahia, no Corpo a Terra, em Belo Horizonte, e, no final da decada de 76, com formacao do Nervo Otico, em Porto Alegre, e Nucleo de Arte Contemporanea, na Paraiba.x 2 Nesse contexto, volta a tona a especificidade da producao nacional, mas que, segundo Waldemar Cordeiro em "Realismo ao nivel da cultura de massa", nao pode ser precisada em fungao de "regionalismos misoneisticos". Nao se quer, tampouco, epigono das tendencias internacionais, diz Oiticica, no texto acima referido, mas fen8meno tipico brasileiro de construgao de novos objetos perceptivos "onde nada e excluido, desde a critica social ate a penetracao de situacOes-limites". 0 Grupo Rex (atuante de junho de 1966 a maio de 1967), de acordo corn Femanda Lopes, "se apropria de

referencias externas, mas a partir de uma postura antropofigica" e "propEie uma revisao de valores oficiais ao recuperar movimentos e artistas brasileiros ate entao deixados de lado pela leitura oficial da arte brasileira".x 3 Em outro ambito, mas igualmente experimental, Paulo Bruscky — que desenvolve entan uma intensa troca cam artistas intemacionais, em particular corn o grupo Fluxus — enfatiza o carater "antiburguas, anticomercial, anti-sistema, etc." da Arte Correio. Em "A genealogia do (nao) artista" e em "Morte e transfiguracao da arte nos programas das vanguardas artisticas", textos abrangendo um universo historic° mais amplo, Frederico Gomes e Maria Andres Ribeiro, respectivamente, localizam o refluxo das vanguardas, mas tambem seulegado, que pode ser resumido na celebre afinnacao de Mario Pedrosa do "exercicio experimental da liberdade".

No nocleo tematico "critica da critica de arte", reflex5es de diversas ordens e contextos hist6ricos sobre a critica de ate e seu exercicio evidenciam a permanente interrogacao sobre seus criterios e funcoes que pautam a atividade critica. Reflexoes que, no ambito desta coletanea, representam, de certo modo, urn instrumento de avaliagao para o leitor deste proprio corpus de textos criticos e das transformagaes do estatuto da critica de arte. "Saudacoes a Manuel Bandeira", de Murilo Mendes, revela as condicoes da

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

INTROOKAO - GLORIA FERREIRA

INTRODUCAO - GLORIA FERREIRA

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critica desenvolvida pelospoetas ou pela tradicao do poeta-critico no meio brasileiro. Sua propria entrada na pratica da critica, segundo ele, pode ser atribuida perspectiva de uma "fantastica alteracao de pianos", em urn pals comparavel ao mundo de Alice no Pais this Marctuilhas, em que tudo é possivel. Segundo o poeta, o interesse do escritor por uma variedade major de assuntos de cultura fere ao seu espirito um registro mais amplo" e, possibilita ver, "pela misteriosa via da intuicao", as "textos plasticos" corn major acuidade do que os analistas (sistematizadores de °pinkies e correntes esteticas) ou mesmo os pr6prios artistas. Sua defesa da primazia do olhar dos poetas/escritores/criticos inscrevese na longa linhagem da critica de arte que, consistindo essencialmente em julgamento de valor, se demarca das ariaUses historicas, tecnicas ou pedag6gicas, enfim, dos "protocolos" de atelia. No contato corn a arte e em sua pratica de critic° de arte,m a visualidade, para Murib o Mendes, toma-se "urn olho armado" para perceber poeticamente o mumdo. Nesse sentido, prolonga igualmente a tradigao dos poetas-criticos para as quais, como assinala Claire Brunet em relacao a Baudelaire, a critica de arte, como embate entre linguagem e experiencia, "toma-se urn meio de invengao poetica, uma matriz da escrita".'s Outros sao os contextos e as injung8es de "Do porco empalhado aos criterios da critica", texto de Mario Pedrosa, que se refere ao celebre "happening da critica", coma ficou conhecida a inter-

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pelacao pablica, pot Nelson Leimer' 6 , ao jari do Salao de Arte Modema do Distrito Federal, de 1967, sobre as criterios que levaram a aceitacao de sua obra Porco (um porco empalhado dentro de urn engradado e atado a urn presunto, que logo foi roubado pelo pablico). Essa Ka° se inscreve no questionamento e na critica ao sistema de arte, que pautam a producao do artista, e, naquele contexto, a do Grupo Rex, mas tambim na longa e, poderiamos dizer, permanente hist6ria dos conflitos entre os artistas e os criticos que se reportam ao surgimento da critica. Conflitos que deram origem a diversas tomadas de atitudes par parte dos artistas, a comecar pelas exposicties individuais, par exemplo, as de Coubert e de Manet, mas tambem de ag8es de ordem coletiva, coma a criagao do Salao dos Independentes, e a sua propria entrada no terreno da critica, como já assinalamos. 0 fato de Nelson Leimer, a partir da aceitagdo de seu trabalho, interpelar criticos identificados e comprometidos corn a arte contemporanea, como Mario Pedrosa e Frederico Morais, anuncia a rede complexa de agenciamentos que doravante faz parte da obra, coma processo e situagao. Pedrosa já enfatizara em diversos textos anteriores (coma em "Arte ambiental, arte p6smodema, Hello Oiticica") a inevitabilidade de novos criterios criticos em face das mudangas de valores que norteavam a producao artistica. Parafraseando a palavra de ordem trotskista, afirma: "0 critic° vive, pois, em revolugao permanente". Sabre a autoridade do jari para

aceitar o porco empalhado, ele anuncia uma das condiceies da critica em sua reiterada crise: "Tinha, porem, o Jan i toda autonomia para aceiti-la no Salao, uma vez que o porco empalhado havia de ser para ele conseqUencia de todo urn cornportamento estetico e moral do artista. Na Arte pos-modema, a idea, a atitude por tras do artista é decisiva." Referindo-se a responsabilidade social da pratica critica na America Latina, Aracy Amaral remete a uma serie de questees relativas aos contextos sociopoliticos e economicos ern urn momento de plena expansao do mercado de arte. Responsabilidade social que diz respeito igualmente as atitudes politicas de criticos, bem como de artistas, em face da censura e da perseg-uigao das ditaduras militares em diversos paises do nosso continente, expressa, par exemplo, na declaracao de Mario Pedrosa, assinada sob o pseud8nimo de Luis Rodo1ho, 17 "Os deveres do critico na sociedade", de 1969. 18 Mais recentes, os textos de Manica Zielinsky, Senia Saltzstein, Guy Amado e Fernando Cocchiarale . problematizam, a partir de horizontes teoricos e criticos distintos, a situacao de crise da critica de arte. Em "Transformag8es na esfera da critica", Sonia Saltzstein analisa a profunda modificagao do lugar da critic°, tendendo esta a se confundir corn a producao artistica, perdendo seu universo pablico e universalista, "para vincular-se mais imediatamente as demandas profissionais, setorizadas e corporativas, do universo contemporaneo de arte". A dificil tarefa de situar e avaliar a produ-

cao atual diante da singularidade das obras e a diluicao dos limites entre os generos e entre as artes nao impossibilita, segundo Fernando Cocchiarale, o julgamento nem toma dispensavel a necessaria mediagao critica entre o carater singular das produgees e seu sentido coletivo. Como assinala o autor, em"Critica: a palavra em crise", o discurso já nao consegue fixar o estranhamento generslizado causado pela identidade transitiva das coisas e situagoes. A mediagao critica do curador, distinta daquela exercida pelo critic°, respaldado apenas pelo discurso, se di, ainda segundo Cocchiarale, na esfera da visualidade, produzindo "questees, quase sempre extra-esteticas, tematicas, que emprestem sentido, ainda que provisorio, a dispersao aparente em que nos encontramos". As reflexees de Jailton Moreira e Ricardo Basbaum versam sabre a presenca dos artistas em diversos campos de atuagao, como critic°, membro de jari ou curador, e a relacao corn suas produg oes artisticas. Corn uma extensa e significativa reflexao sobre as diversificadas fung8es do artista que ultrapassam a producao de obras, Basbaum, em "0 artista como curador", afirma que "a presenga de diversas estrategias coordenadas por artistas no atual momento da arte no Brasil" explicita que "esti em curso urn auto arranjo poetic° da cultura — urn penado de invengdo de estruturas de pertencimento e narrativas legitimadoras".

A questa° do circuito da arte, guardando sempre suas intrinsecas relaceles

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INTRODUcA0 - GLORIA FERREIRA

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corn a destinagao e inscrigeo da arte no mundo, remete as politicas culturais para as artes visuais e, no caso brasileiro, a descontinuidade que caracteriza a politica do Estado, em geral casuistica e marcada pela mistura do public° corn o privado, que fazem as classes dominantes e seus representantes politicos. ja em 1853, Araajo Porto Alegre, em "Apontamentos sobre os meios praticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro", criticava as "ideias do provisorio"l9 que marcaram a historia da Academia das Belas Artes. "Ideias do proviserio", que nao deixam de se fazer presentes mesmo em urn momento de expanse° do sistema de arte (incluindo as novas modalidades introduzid as pela internet e pela atuacao dos artistas ern outros territorios que nao os das instituicoes) e a crescente participacao de artistas brasileiros no mercado de arte internacional. Questeies que perpassam o pensamento e a produce° de arte em nosso meio e que, corn inflexoes diversas, estao presentes nesse nacleo tematico. Sao claros os comentarios de Mario Pedrosa sobre a primeira Bienal e o contato inicial com obras centrals da arte moderna: "0 impacto foi terrivel e direto". 0 contexto, como é conhecido, era de articulacao de outras realizacoes culturais em Sao Paulo, corn a criaceo do MASP e do MAM-SP e a influencia, igualmente notoria, nos rumos das linguagens plasticas, decorrentes da presenca de Max Bill. Do ponto de vista da atividade da critica de arte, confluem no BB

period° os novos criticos, digamos, especializados, e os poetas-criticos, como Sergio Milliet, que, apesar de reticente em relacao aos novos rumos da arte no sentido da abstracao, tern intensa atuage° no meio de arte, sendo, por exemplo, diretor do MAM-SP, de 1952 a 1957. 20 0 Sala° Nacional de Arte Moderna conhecera diversificados momentos de intenso debate sobre sins fungoes, seus criterios e atualidade.2' Nos anos 8o, em grande pane fomentado pela democratizacao e pela at-Link nacional da Funarte, entao recem-criada, o debate em torno do Salao mobiliza e representa, de certa maneira, uma reflexao sabre uma politica para as artes visuais, como indica o texto de Icleia Cattani "Os sallies de arte sao espacos contraditorios". Da mesma maneira, sao crescentes e significativos os debates e reflexoes sobre as praticas contemporaneas em diferentes regibes do pals, como expressam os textos de Aline Figueiredo, sabre o CentroOeste, e Grace de Freitas, sobre o context° artistic° de Brasilia. Em resposta a Luiz Camillo Osorio, em "Chat Mostra RioArte Contempanea, em 2002, Lisette Lagnado assinala que, se ainda prevalece a hegemonia do "eixo Rio/Sao Paulo", este "nao é mais hegemonico". Moacir dos Anjos, corn uma consistente reflexao sobre as relacties entre o local e o globa1,22 em "Arte em transito", analisa a ideia de "Nordeste" como "construct° ficcional", assinalando que "o contato e a case° entre discursos e imagens diversos sobre o mundo - somados a liberdade estilistica e de assunto conquis-

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tada pelos artistas - tern gerado (...) .respostas de afirmagao ou reconstrucao identitaria e desenvolvido urn generalizado fascinio pela diferenca". Sao e tern sido, porem, muitos e diversificados os Salaes, embora todos guardem parametros similares de julgamento e de funcionalidade. Os depoimentos dos criticos Antonio Bento e Roberto Pontual sobre o Salao de Verao de 1970, publicados porWalmyr Ayala em sua coluna no Jornal do Brasil, sao reveladores dos conflitos em pauta. Os manifestos de Artur Barrio contra a critica e contra as jaris, apresentados e aceitos como trabalho, eram uma das questoes centrais. Antonio Bento considera "esse tipo de protesto" (...) "andrquico e negativista". Para Pontual, "o jari soube ser mais sutil e pratico, contestando par incorporacao, uma contestacao que nada contestava realmente". Entre diferentes experiencias que buscam apontar possibilidades de apresentacao da produce° artistica, em particular de artistas joyens, em novos modelos que nao os do salao, cabe ressaltar a Beilsa Pampulha do Museu de Arte da Pampulha, iniciada em 2002 e aqui analisada par Lisette Lagnado em texto abrangendo as questoes relativas a formacao do artista hoje. 23 a partir dos meados dos anos 70, contudo, que o grande debate sabre a lunge° da arte no ambiente cultural brasileiro se faz fortemente presente cam a entrada em cena de jovens criticos atuantes em jornais, como Opiniclo e 0 Beijo, e o surgimento de diversas revistas de artistas e criticos, como Mem, Malasartes, Corpo

Estranho, entre outras. Editada por artistas e criticos do Rio e de Sao Paulo (corn apenas ties nameros entre 1975 e 1976), a revista Malasartes é uma referencia por sua exemplaridade no debate sabre "a politica das artes", "sobre o papel que a arte desempenha no nosso ambiente cultural e o que ela poderia desempenhar", conforme seu primeiro editorial. Em "Analise do circuito", publicado em 1975, no primeiro namero da revista, Ronald° Brito postula duas grandes linhas de atuace°, uma no campo da pratica e a outra no campo da teoria, para tomar viável "uma estrategia de intervencao no circuito brasileiro de modo a torna-lo atuante nilturalmente": urn programa comum de age° dos artistas dentro do circuito e a formulagao de uma Historia Critica da Arte Brasileira. 24 Em "Mamae Belas-Artes", de 1980, Jose Resende e Ronaldo Brito, utilizando metaforicamente a logica do sintoma segundo Freud, sao categoricos: "0 meio de arte brasileiro resiste a produce° contemporanea e a sua mais grave exigencia: a liquidacao definitiva do sistema de Belas-Artes". Helio Oiticica, em "Brasil Diarreia" afirma que no Brasil, "uma posicao critica universal permanente e o experimental sao elementos construtivos. ludo o maisé diluicao na diarreia". Corn o humor e o rigor que o caracterizam, Carlos Zilio, artista e urn dos editores da revista Malasartes, reafirma em "No dorso do quadnapede, mas corn liberdade de voar", publicado em um cademo de textos da revista Modulo em homenagem a Mario Pedrosa, em 1982, a necessidade de adequageo entre as formas

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INTROOLKAO - GLORIA FERREIRA

INTRODKA-GLFERIA

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de lutas e a producao, e a atuagao dos artistas "junto aos diversos segmentos do sistema de arte visando sua alteracao e, conseqiienternente, a circulacao da producao contemporanea". Urn outro aspecto do circuit° de arte brasileiro é a crescente insercao da producao contemporanea no circuito internacional nas ültimas decadas, ainda que em uma relagao assimetrica. Conscienda critica que se revela no conhecido text° de Cildo Meireles, "Cruzeiro do Sul", publicado no catalog° da quase planetaria exposicao de arte conceitual Information (MolVIA, 1970): "Quero algum dia que cada trabalho seja visto nao como urn objeto de elucubracifies esterilizadas, mas como marcos, como recordacoes e evocacti es de conquistas reais e visiveis". Partindo de sua longa vivencia na Europa e da andlise sobre as precariedades do circuito e da formacao de artistas no Brasil, Antonio Dias afirma: "Arte 'brasileira' nao existe". Paulo Venancio Filho, no texto de apresentagao de uma exposicao de Tunga e Cildo Meireles, na Belgica, introduz o produtivo conceito de lateralidade coma condicao para se perceber a producao local em sua tensa relacao, e nao polarizacao, corn a tradicao da historia da arte modema: "Foi essa lateralidade que permitiu os lances mais interessantes da arte brasileira. Essa lateralidade representa uma posicao estrutural, nao propriamente uma identidade".

Tema polemic° e explosivo — corn os sucessivos amancios de morte da pintu28

ra ou sua dissolucao em uma arte do futuro e, todavia, sua constante permanencia, tanto em seus meios classicos quanto transmutada, o chamado "retomo" generalizado da pintura, em particular nos anos 8o, como feneimeno cultural da Opoca, foi alvo de profundos e diversificados debates em todo o mundo. 25 Nesse micleo, situam-se alguns textos diretamente relacionados a momentos-chave desse retomo, tais como o de Frederico Morais, de 1979, "Panorama confirma novas tendencia. s da pintura", no qual assinala que "modificagOes que vem ocorrendo na arte brasileira: a redescoberta da pintura e, corn ela, a euforia da core do gesto"; o balanco da exposicao Como vai voce, Geracao 8o?, festa acabou? A festa continua?", de urn dos seus organizadores, Marcus Lontra; a apresentagao da i8 Bienal de Sao Paulo, 1985, e da controvertida Grande Tela por sua curadora, Sheila Leiner; a analise, por Alberto Tassinari, da producao pictorica dos artistas que entao formavam a Casa 7, cujo torn, segundo o autor, evocativo e muitas vezes tragic°, busca "aumentar a sobrevida de um passado e seus simbolos, que ja nao poderiam, pm- si mesmos, falar a linguagem do presente"; e o classic° "Expressionism° vs Neo-expressionismo", de Jorge Guinle, reconhecido pela qualidade de sua obra, em que pratica e teoria sao indissociaveis, e tambern pela agudeza de suas analises dos aspectos teoricos da nova pintura. A analise de Ronaldo Brito de uma tela de Eduardo Sued e outra de Jorge Guinle, em "Possibilidade de pintura: dois exemplos", dis-

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tinta do teor do debate de entao, revela o acirrado embate dessas .pinturas corn a histOria e, no caso de Guinle, sua resistenda "ao ecletismo, dito pOs-modemo". Com uma abordagem poetico-filosofica sobre a producao artistico-cultural na contemporaneidade, Milton Machado, em "0 choque inevitavel entre duas tendencias", discute as exigencias contraditorias de o artista fortalecer ou desmascarar a chamada "convencao da arte como coisa finita".26 Em "Barnett Newman. 0 que é pinta?, Carlos Zilio, discute as refleldes e as possibilidades abertas por Newman, elaboradas a partir da consciencia de que a pintura estava "morta" (como se jamais tivesse existido) e sua referencia ao sublime, cujo acento é a questa° da relacao corn a obra enquanto totalidade, saindo, assim, do dualism° sujeito/objeto. Partindo da apresentacao dos "monocromos como um dos extremos absolutos da modemidade no campo visual" no Nude° Historic° da XXIV Bienal de Sao Paulo, em 1998, da qual foi curador, Paulo Herkenhoff, ern "Monocromos, a autonomia da cor e o mundo sem centro", tece acirrada andlise de varias obras, em particular das paisagens brancas do pintor ReverOn. Em texto para a exposicao Pintura Reencarnada (Paco das Arles, 2004), Angelica de Moraes interroga o papel da pintura na arte contemporanea e afirma a ampla presenca do pensamento pictorico em diversas formas de expresseies da producao atual: "a pintura é hoje um rico acervo de conceitos que passou a ser exercitado e expandido tambem em outros materiais e pi-ocessos".

As analises criticas sobre as transformagees na producao artistica, sua circulacao e recepgao introduzidas pelas imagens de reproducao tecnica, pelos meios eletronicos, a informatica e os modernos meios de comunicacao adquirem diferentes matizes relativos a crescente adocao pelos artistas das novas midias, em constante processo de evolucao tecnologica.27 A discussao sobre os novos meios traz a marca de urn constante "pioneirismo", como nas experiencias de Waldemar Cordeiro, desenvolvidas no inicio da decada de 1970 corn signos matematicos da linguagem computacional, considerando, entao, o computador como "sistema ideal para a comunicacao". Julio Plaza, reconhecido por sua producao artistica e seus escritos sobre os novos meios multimidias, afirma, em "Poeticas visuais", que "a passagem do mundo das coisas para o mundo dos signos caracteriza esta producao". Organizada por Aracy Amaral, a Expo-73 marca epoca pela apresentacao do que esta critica chamou de explosao, pm- todo lado, de "experimentacoes (ou e realizacoes) de filmes, audiovisuais, pesquisas corn som". 0 Super-8, como nova linguagem, é, entao, considerado por Lygia Pape "a pedra de toque da invencao". Como assinala Frederico Morais em "Audivisuais", abre-se urn cam0 ilimitado para os artistas com a imagem projetada. As experiencias corn videos sao objeto de intenso debate, incluindo, por exemplo, acusacaes de os artistas tra-

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balharem corn urn "modelo de expressao importado e nao relacionado corn a nossa realidade" — questa° rebatida por Paulo Herkenhoff, Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale em "Tres artistas se defendem criticando quern os acusa", de Alberto Mara 28 . Em "Videoarte: uma poetica aberta", Walter Zanini, cuja acao no MAC-USP foi decisiva para essa producao, analisa as injuncties da nova midia e traga urn amplo panorama das advidades dos aertistas. Mais recentemente, Christine Mello, em "Corp° e video em tempo real", aborda "o corpo como experiencia de arte, em obras realizadas no contexto brasileiro por intermedio do video". A crescente introducao da fotografia como suporte da obra, na entao chamada fotolinguagem, é apresentada por Roberto Pontual em texto sobre a exposicao Corpo&Alma — Fotografia Contemporanea no Brasil, realizada no Espace Latino-Americain, em Paris, 1984. Tadeu Chiarelli, corn extensa pesquisa sobre a fotografia e as apropriagOes das imagens,29 traga, em texto de 1994, urn panorama da "fotografia contaminada pelo olhar, pelo corpo, pela existencia de seus autores e concebida como ponto de intersegao entre as mais diversas modalidades artisticas, como o teatro, a literatura, a poesia e a pr6pria fotografia tradicional". Corn diversos e importantes trabalhos publicados sobre as novas tecnologi as, Arlindo Machado analisa o impacto sobre o conceito tradicional de fotografia corn o aparecimento da fotografia eletr8nica e dos ininneros recur30

sos de conservacao, armazenamento, modelagao da imagem no computador: "Uma vez que se encontra sujeita a todas as transformacoes, a todas as distorcoes e anamorfoses, a imagem fotografica, sob a egide da eletronica, converte-se agora no meio por excelencia da metammfose." Ligia Canongia, corn longa atuagao junto a producao corn os novos meios e, de maneira pioneira, sobre o cinema de artista no Brasi1,3° afirma em texto para exposicao ArteFoto (CCBB, 2003), corn sua curadoria, que, "Quando a fotografia esta a servigo da chamada 'aventura' artistica, ela é parte desse fenomeno". No amplo e diversificado camp0 da reflexao sobre as novas tecnologias, a artista multimidia e pesquisadora Diana Domingues discute, no texto "0 deserto das paixOes e a alma tecnologica", as interacees do corpo corn as tecnologias desenvolvidas em sua serie de trabalhos TRANS-E. A presenca generalizada dessas imagens e o seu estatuto sao tratados por Rodrigo Naves e Paulo Venancio Filho. Discutindo a progressiva predominancia e hegemonia da imagem, que transforma ate mesmo a figura do artista, que hoje "parece resumir-se a um operador e tecnico das imagens", Paulo Venancio Filho, em "Historia, cultura periferica e a nova civilizacao da imagem", considerando a relagao desigual entre centro e periferia, analisa a constituicao da modemidade no Brasil. No ensaio "0 novo livro do mundo. A imagem pos-moderna e a arte" Rodrigo Naves aborda a relevancia da discussao sobre o papel da imagem no

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processo cultural, tecendo relacoes enire a presenga da imagem, suas declinacOes na tipografia, no design e na propria cidade, e trabalhos, como os de Richard Serra, que, embora as plessuponham, revertem essas tendencias: "Se o novo livro do mundo é o reconhecimento do real por imagens que o reproduziam tautologicamente, vemos agora que ele tambem uma tentativa kitsch de humanizar o mundo contemporaneo, por meio de urn cbtidiano aparentemente familiar".

0 nude° "situagOes transitivas" toma emprestado o titulo de urn texto de Fernando Cocchiarale de 1995, no qual o critic° analisa corn grande pertinencia as novas praticas artisticas em que as fronteiras entre as generos sao diluidas e as repertorios plastico-formais, contraditorios. Segundo o critico, "desse lugar indefinido, refratario a definicao de significados precisos, brota urn sentido mudo que transita e se transforma entre e atraves das °bras' de arte".3 , QuestOes que aqui reverberam. Em "Manifesto para Tupiniquins e Nambas", de 1975, Mario Pedrosa, analisand° a crise da arte, sua situagdo nos paises perifericos e seu futuro, que lhe parecia cada vez mais incerto, afirma: "Nao é a mudanca de estilo, como nas grandes epocas, o que se verifica no domini° das artes plasticas, é antes a estilizagao ou o processo de modemizaceles que se comemora todos os anos nas feiras e saloes de autornoveis nas grandes

capitais da Europa e da America". Em "Regressao e tradigao na Arte Contemporanea", de 1987, Paulo Sergio Duarte discute os limites da modemidade na esfera da arte e de sua histOria, assinalando a "estagnagao e desencanto" presentes na base do fenomeno chamado de p6s-modemismo e seus compromissos corn os valores da sociedade de consumo. Ao longo destas taltimas decadas temos presenciado uma disseminagao de arte pablica, ou arte em espagos pUblicos, das mais diversas naturezas, como as intervencOes urbanas, os trabalhos corn as comunidades, que introduzem novos procedimentos do fazer artistico. Wilson Coutinho, em texto para a exposicao Intervengoes urbanas, 32 discute a relacao da arte corn a cidade, afirmando: "E natural que sobre a individualidade despojada a obra de arte no espago urbano proponha a sua afirmagao". Organizador e curador do Arte/ Cidade, projeto de intervengoes urbanas que se realiza em Sao Paulo desde 1994, Nelson Brissac-Peixoto analisa a relacao de confrontacao espacial, na qual o local de atuacao é redefinido e nao representado: o trabalho de artistas corn linguagens e suportes diferentes "procura converter esse locals de transito, tipicos de nossa dinamica urbana moderna, em locais de experiencia". E tambern sobre o Arte/Cidade em "Evento acha cidade morta dentro da cidade atual", que Lorenzo Mammi discorre sobre o trabalho artistic° da cidade invisivel coma objeto visual, que "faz corn que ela seja percebida como

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS INTRODIKAO - GLORIA FERREIRA

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algo que esta aqui e agora, nao so como signo do passado ou possibilidade do futuro". Sabre o projeto "A Forma na Floresta", do Museu do Agude, que ha mais de anos vem constituindo urn importante acervo de instalagoes permanentes inseridas na paisagem da Floresta da Tijuca, Marcio Doctors, seu curador, enfatiza que nao se trata de urn parque de esculturas tradicionais ao ar livre, mas "denota uma outra relacao entre o artista e a realidade". Agnaldo Farias, coordenador do Faxinal das Arles, realizado no Parana em 2002, reunindo roo artistas de varias regi5es no "primeiro grande projeto de residencia artistica do pals", assinala a sua importancia "coma urn forum de debates entre as artistas, uma fonte ampla de informag5es diversas e matizadas, envolvendo aspectos internos e extemos ao universo estrito das artes visuals". A ampliacao dos canals de circulacao para o trabalho de arte, como estrategia de grupos e organizageles de artistas, é analisada por Luiz Camillo Osorio em texto publicado no catalog° do Panorama da Arte Brasileira, de 2001, em que o critic° afirma que "o enfrentamento do circuito, a procura de microcircuitos, retoma certos vinculos politicos que he muito haviam sido negligenciados". Marilia Panitz apresenta as questoes partilhadas pelos artistas Ana Miguel, Chico Amaral, Elder Rocha, Ge Orthof e Ralph Gehre, reunidos na exposigao Gentil Reversao, como uma "investigagao sobre as possibilidades de di32

alogo e de entrelagamento de trabalhos resultantes de ideias que vem se construindo em conjunto ao longo dos anos". Abordando o trabalho de Marcelo Cidade, Marisa Florid° Cesar discute, em "Fronteiras moveis", a perda da promessa de uma comunidade universal conciliada, estetica ou etica e politica: "A arte coma fronteira e uma superficie de contatos e fricgoes: urn entre-dois, urn entre-outros multiplos". Walter Sebastiao, em texto de apresentagao da mostra "As politicas do gesto", reunindo varios artistas em Belo Horizonte, chama atengao para essas politicas "- este minimo da historia artistica tao apagada na producao recente - que insistent em apontar dilemas, problemas, prazeres, conhecimentos, iluminac5es, etc.". Em uma perspectiva ampla sobre as expressoes artisticas do imaginario do corpo na arte brasileira desde os anos 6o, Viviane Matesco analisa as "varias facetas que a relagao corpo/arte pode assumir: corpo e performance, corpo em imagens e midias eletrenicas, corpo e sexualidade, corpo fragmentado e hibrido e corpo como projegao psiquica ou corporeidade". Partindo da analise da constituicao da modernidade no Brasil, sua relacao corn a America Latina, a tensa insergao no panorama politico, econamico e social mundial, Fernando Cocchiarale, referindo-se a celebre declaracao de Hello Oiticica, "Da 'adversidade vivemos", traga urn lucid() diagnostic° dos entraves para o desenvolvimento das artes visuais no Brasil.

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INTRODUcA0 - GLORIA FERREIRA

Circulasao da critica

Os textos aqui reunidos provem de circunstancias diversas. Suas proprias origens de inscrigao indicam as transformacees da critica de arte e tambern o embate que marca a relacao dos artistas cam a critica e corn os agentes do circuito.33 Nas decadas de 1950 e 1960, os textos foram publicados, em sua maioria, em jomais. Os textos posteriores sao oriundos, sobretudo, de catalogos ou folders de mostras individuais ou de retrospectivas de artistas em instituicoes pablicas ou em galerias, de exposicoes coletivas e ternaticas e, mais recentemente, de revistas universitarias como Porto, Ars, Nurnero e, Arte&Ensaios. Da concomitancia historica do surgimento, no seculo 18, da critica, da histOria da ante e da esteticam corn o postulado, por Lessing, da separacao entre as artes do espaco e do tempo, a atual e crescente presenga da palavra no interior da obra, assim como a incursao do artista no dominio da critica, sao profundas as transformagoes na relagao entre os enunciados criticos e as artes visuals. Mutacees que se evidenciam nos proprios espacos de veiculacao desse discurso, decorrentes, em ültima instancia, das transformac5es das relagoes produtivas do sistema de ante. Da critica nos jomais voltada para uma ampla audiencia, e com amplo poder, ou, mais proximo de nos, a acusagao de "Paranoia ou mistificagao", de Monteiro Lobato em relacao a Anita Malfatti, ou, ainda, a critica/divulgagao, aos catalogos dirigidos, sobretudo, a um public° especializado,

o proprio estatuto da critica, sua relagao corn a produgao artistica e corn a historia da ante que tern se transformado.3 5 Urn dos sintomas apontados para a perda da importancia do discurso critico 6 essa acentuada restrigao dos espacos regularmente dedicados a essa advidade na imprensa dirigida ao grande public°, em particular nos jomais, restringindo-se esta a segutentos estreitos e definidos canto as textos para exposigees.36 Em Finada critica [Feu la critique], Rainer Rochlitz, afirma que a critica de ante, mais do que a critica literaria ou cinematografica, é um genera ameagado, por ter se transformado em promogdo, e o public° ser reduzido aos atores do mundo da ante: "E em nome do consenso implicito desse mundo que o critic° se exprime, nal° em nome do grande public°, nem para esclarece-lo. E o ponto de vista do artista que o critic° é chamado a adotar, nao o do espectador surpreso ou decepcionado, conquistado ou revoltado".37 Quest5es que, alem de ressaltarem a crise da critica de ante, langam interrogagoes sobre suas mudangas e seus possiveis papeis hoje. E, certamente, remetem a sua histeria. Da necessidade de estilos variados que respondam a variedade de pinceis, coma forrnulado por Diderot, a "mnemotecnia do belo", segundo Baudelaire, ou aos textos de curadores atuais, a oposicao entre o visivel e o dizivel, o que se mostra e o que se diz, nao é separavel das transformagoes de linguagens, da posigao do artista, do tear de referencia da tradicao, mas

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tambem das mudancas profundas introduzidas pelas tecnicas de reprodugao de imagens. A Clara fungao descritiva da tradigao do genero do Salao - fazer ver na ausencia do visivel desenvolvida a partir do seculo iS nas colunas de jomais, contexto historic° no qual as exposicOes de arte se intensificavam, corn um public° cada vez mais significativo, é crescentemente delegada a reprodugao fotografica. Reprodugao esta que nao adquire uma fungao de registro mecanico, mas se apresenta cada vez mais como uma das situnees de visibilidade da obra de arte, inscrita de modo especifico na imagem, sobretudo quando esta se toma veiculo e suporte para sua propria constituicao. 38 Do controle do acesso a carreira de artista pelas guildas e, posteriormente, pelas Academias, instituicaes legitimadoras de competencias praticas, ao poder do salonnier de distribuir, como disse Philibert Audreband, em 1890, "a maneira de urn deus, a gloria e o desdern, a reputagao e o esquecimento, a vida e a morte",39 aos propositos nao so de informar, mas tambem de orientar o gosto do public° em geral e do proprio artista, aos criticos militantes, sobretudo a partir do seculo 19, contribuindo para a aceitacao das obras inovadoras, ou ainda aos curadores atuais, presenciam-se certamente profundas transforrnagOes da critica. Revela-se, no entanto, fundamental que nesse processo sejam levados em conta a crescente intelectualizagao do artista (nao necessariamente de teor academico) e o questionamento, 34

pelo vies conceitual, das bases morfologicas e estilisticas da arte, enfim, da valorizagao da forma como principio intern°, que inscreve a interrogagao sobre o devir da arte como enunciagao da poetica e desloca o fazer artistic° da produgao de objetos para a constituigao de uma rede de significagoes, em que se agenciam dispositivos visuais e discursivos - reiterando as palavras de Mario Pedrosa, "na arte pos-modema, a idea, a atitude por tras do artista e decisiva". Situagao que exige da atividade critica, nao a renancia ao julgamento, mas a constituicao de urn espaco de confronto de ideias e disseminagao de sentido em face das transformagoes da arte, de seus novos processos e materializag5es - como "testemunha".4° • Em urn contexto em que a historia da arte ocidental, escrita a partir dos centros hegem8nicos e corn pretens5es ao universalismo, se ye questionada pelas producoes e representagoes extra-ocidentais e pela desconfianga em relacao a discursos totalizantes e homogeneos, as campos de intervengao da critica tornam-se ampliados e incertos.41 E, como signos de recepgao, nao deixam de nos interrogar sobre o universo de tessituras entre o texto e a imagem, que perpassa a historia da arte. 0 estatuto da critica de arte em face da e em relacao a hist6ria e, assim, entie o conhecer e o julgar, tern-se transformado sobretudo pelo trabalho curatorial que participa de urn quadro de redefinigees de categorias artisticas, esteticas e histOricas. Trabalho que combi-

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na, em urn fragil campo de associacoes, as obras e o discurso, funcionando, segundo Harald Szeemann, como "urn mediador de inteng8es", 42 e que é constitutivo da producao contemporanea, marcadapela perda de importancia do objeto auto-referencial em prol do contexto de apresentacao. Se as condic6es de percepgao e apreciagao do trabalho de arte sao indissociaveis dos discursos, convencoes e regras implicitas ou explicitas que as regem, a pluralidade de pontos de vista e a singularidade de situnbes abordadas em diferentes modalidades de circulagao da critica presentes nesta coletanea estabelecem nexos entre os fatos artisticos e as descricoes, avaliagees e interpretagees que contribuem, espero, para explicitar rein 6- es entre o trabalho critico e a hist6ria critica da arte brasileira. A pesquisa para esta coletanea foi realizada nas bibliotecas e centros de documentacao do Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas-Artes, Fundagao Casa Rui Barbosa, Centro Cultural do Banco do Brasil, Biblioteca Nacional, Fur-mina° Bienal de Sao Paulo, Museu de Arte Modema de

Sao Paulo, Paco Imperial, PUC-Rio, Centro de Documentacao da Funarte, Jornal do Brasil e em acervos particulares de criticos e artistas. A todos, os nossos agradecimentos. Nossos profundos agradecimentos aos autores e herdeiros pela autorizagao de publicagao dos textos e receptividade a essa pesquisa. Agradecemos igualmente, aos artistas, criticos e amigos que nos auxiliaram corn pistas valiosas para localizar autores e seus representantes. Agradego a Funarte, aos editores Maristela Rangel e Jose Carlos Martins e, em particular, a equipe do Centro de Artes Visuais, Xico Chaves, Ivan Pasquarelli e Eliane Longo, o convite para elaboracao desta coletanea, bem como o apoio ern todo o seu percurso. Se, parafrasendo Holio Oiticiea, da adversidade "ainda" vivemos, cabe ressaltar o esforco dessa equipe na reestruturacao da Funarte na area das artes visuals. Critica de arte no Brasil: Temdticas Contempordneas nao teria sido possivel sem a colaboragao, efetiva e generosa, tanto na pesquisa do material quanto em sua elaboragao conceitual, de Femanda Lopes e Izabela Pucii. A elas, o meu reconhecimento.

Notas r. Para os textos publicados nesta coletfinea nao sera° indicadas, ao longo da "Apresentacao", as referencias bibliograficas encontram-se no final do volume. A reproduce° dos textos manteve-se Eel aos originals, salvo correcees de erros tipograficos. 2. Cl: Luiz Camillo Osorio. "Os caminhos da critica. Escritos de Mario Pedrosa e Ronaldo Brito mostram os desafios de se pensar a arte". 0 Glob°, 18/0612oo5.

3. A tense° entre o projeto estetico e o projeto ideologico pie caracteriza a critica de arte no Brasil desde as ultimas decadas do seculo 13, claramente em oposicao aos cfinones da Academia Imperial e compromefida corn a "construcao de urn projeto nacional de cultura", nas palavras de Mario de Andrade, de origem a diversas formulacoes de uma visa° de conjunto, histerica, das artes

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plasticas no pais, como, por exemplo, Arte Brasileira, de Gonzaga Duque, em 1888 (reeditado,.em 1995, corn introducao e notas de Thdeu Chiarelli, pela editora Mercado das tetras, Campinas). 0 tom marcadamente nacionalista se expressa, par exemplo, no panorama, traced° por Manuel Bandeira, da artepre-cabralina ao movirnento modemista em "Artes Plasticas no Brasil" em que o p0eta afirma: "Nao me interessa muito saber a posigao de urn Portinari, urn Cicero, urn Villa-Lobos em relacao ao estrangeiro: importa-me o que des representam pan nOs - interpretes das forces mais profundas da nossa alma coletiva" (reeditado in Poesia Complete e Prosa. Rio: Aguilar, 1983, p. 666 (sem indicacao de data da publicacao original). Cf. Tadeu Chiarelli. Um jeca nos vernissages. Sao Paulo: Edusp, 1985. 4. Mario Pedrosa. Panorama da pintura modema, Rio de Janeiro: Ministerio da Educacao e Saüde, 1952. (Agradego a Guilherme Bueno a indicacao desse livro.) 5. Ronaldo Brito. Neoconcretismo. Vertice e Rupture do Projeto Construtivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1985 (2a, edigao, Sao Paulo: Cosac&Naify, 1999). 6. Carlos Zilio. A Querela do Brash: a questa° da identidade via arte brasileira. A obra de Tarsilia, Di Cavalcanti e Portinari, 7922-1945. Rio de Janeiro: Funarte, 1982 (2a edicao, Rio de Janeiro: Relume-Dumard, 1997). 7. Fernando Cocchiarale; Anna Bella Geiger. "Mario Pedrosa" in: Abstracionismo geometric° e informal. A vanguarda brasileira nos anos cincplenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987, 2a edigeo, 2005. 8. 0 Centro Universitario Maria Antonia, em Sao Paulo, desenvolveu recentemente o ciclo de exposicoes Arte Concrete Paulista, corn edicoes de catalogos relevantes. 9. Entre as publicacoes sobre os anos 6o e 70, ressalto os livros de Paulo Sergio Duarte (Anos 6o. Transformagaes da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais/Globo, 1998), Daisy Peccinini (FiguragOes Brasil anos 6o: neofiguragoes fantesticas e neo-surrealismo, novo realism° e nova ob jetividade. Sao Paulo: !tau Cultural/Edusp, 1999), Ligia Canongia (0 legado dos anos 6o e 7o. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005), Paulo Reis (Arte de van guarda no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. e o catalog° Situacaes Arte brasileira anos 70. Rio de Janeiro, Casa Franga-Brasil, z000. Remeto aos textos de Otilia Arantes "Mario Pedrosa diante da arte pOs-modema" e "Depois das vanguardas". in: Arte em Revista, n. 7, agosto de 1983. x. Frederico Morals. "Contra a arte afluente: o corpo é o motor da 'obra'", Revista Vozes, jam/fey. de 1970. 12. Em 2004, foram lancados pela Funarte, no 'ambito da colegao Fala do artiste, as livros Nikko de Arte Contemporanee da Paraiba / NAC, corn organizagao de Dyeigenes C.

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Comes, e Espago N.O. Nervo Optic; organized° par Mn Maria A. de Carvalho. Femanda Lopez. "Eramos o Time do Rei": A Experiencia Rex. Rio de Janeiro: Programa de POs-Graduacao em Artes Visuals, EBA/UFRJ, 2006. Tese de Mestrado em Hist6ria e Critica. 74. Segundo Argan, "Para Murilo Mendes a critica de arte era urn genero literario, urn capitulo do seu trablho poetic°. Por vezes o texto critico conserve a metrica da poesia; mais freqfientemente nasce como fato poetic°, e, depois, numa segunda versa°, configura-se como prosa que se serve corn discrete e espontanea propriedade da terminologia tecnica" in: "Olho do poeta ou les eventails de murilo Mendes", Folha des. Paulo, xi de maio de 1997, reed. in: Murilo Mendes: Aceruo, cat. Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Merides, 1999. Ver: Marta M. Nehring. Murilo Mendes Critic° de Arte -A invengao do finito. Sao Paulo: Nankin Editorial, 2002; Gloria Ferreira. "Ver, rever, vet, raver, in: Microligees de coisas. cat. Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes, zoos; Vera Lins: tradicao do poeta critico", in: Poesia e critica: uns e outros. Rio de Janeiro: 7 letras, zoos. 15. Clare Brunet. "Presentation", in: Charles Baudelaire Critique d'art suivi de Critique musicale. Paris: Gallimard, 1992. Cf. Francoise Coblence (org.). Art de la proximite distance critique at la fonction critique de Part. Paris: Sens aTonka, 2002. 16.Nelson Leimer, "Qual o criterio ?" in: Jomal da Tarde, 27 de dezembro de 1967. 17. Mario Pedrosa (Luis Rodolho). "Os deveres do critico", in: Correia da Manha, 10/07/1968, rep. in: Orilla Arantes (org.). Mario Pedrosa. Politica das artes - Textos Escolhidos I. Sao Paulo: Edusp, 1995. r8. Frederic° Morals trace urn panorama historic° da critica de axle contemporinea no Brasil e dos seus enfrentamentos corn a censura in: Sabre a Crftica de Arta. Rio de Janeiro: Soraia Cals Escritorio de Arte, 2004. 19. Manuel de AraUjo Porto Alegre. "Apontamentos sobre os meios praticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Betas Artes no Rio de Janeiro", reed. in: Revista Critica de Arte, n. 4, dezembro de 1981. 20. Cf. Lisbeth Rebollo Gongalves (org.). Sergio Milliet zoo anos 7'rajetOria, Critica de Arte e Aga° Cultural. Sao Paulo: ABCA/Imprensa Oficial, 2005. Segundo Mario Pedrosa, "A critica profissional veio corn a Bienal de Sao Paulo e foi so a partir dai qua se comegou a falar em linha, piano, cor e luz, como elementos que se podiam analisar em si mesmos, para depois coordena-los num conjunto". in: Anais do II Congresso Nacional de Criticos de Axle, realizado em Sao Paulo, pela secao nacional da AICA, entre

e 15 de desembro de 1961. Apud Frederico Morals. "Harry Laus, critic° de arte". in: Zahide L. Muzart Tempo e andangas de Harry Laus. FlorianOpolis: UFSC, 1993. 21.Cf. Angela Luz Ancora. Uma breve hist6ria dos Sallies de Arte. Rio de Janeiro: Caligrama, zoos. 22. Cf. Moacir dos Anjos. Local/global Arte ern transit°. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 23.Iniciativa que se ye atualmente interompida, nao nos deixando esquecer as "Ideias do provisorio", e é objeto de mobilizagao por parte dos artistes e do meio de arte mineiro e nacional. 24. Remeto ao texto de Paulo Venancio Filho. "Lugar nenhum: o meio de arte no Brasil", in: Cademos de Textos x, Espago ABC/Funarte, 7980, rep. in: Ricer do Basbaum (org.). Arte contemportinea brasileire: texturas, diccoes, ficgoes, estrategias. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2001.

25. Cf. Ricardo Basbaum. "Pintura dos Anos 8o: algumas observacoes", in: Cauca, n, 6, 7988. E, do mesmo autor, "E Agora", in: Arte&Ensaios, n. 9, 2002. Distante dessas polemicas, a Ultima edicao da Bienal do Mercosul, corn curadoria de Paulo Sergio Duarte, apresentou a ample exposigao Persistencia da Pintura, na qual se tomava evidente o vigor e renovagao da pintura. Cf. cat. Histories do arte e do espago. A Persistencia do Pintura. Porto Alegre: Fundagao Bienald de Artes Visuais do Mercosul, 2005. 26.Entre os diversos textos de Milton Machado, remeto a sua conferencia "Para achar o micterio tern que descer a escada (em dois lances de 8 ou 8o)", realizada por ocasiao do Ciclo de Debates sobre os anos 8o, organizado par Guilherme Bueno, em agosto de 2003, no MAC de Niteroi. 27.Desde os anos so, sao imameras as reflexOes de Mario Pedrosa sobre as inevitaveis transformacoes na arte introduzidas pela Teoria da Informacao,"esse terrivel acelerador sensorial", pelo computador e novas midias. Ver: Otilia Arantes. "Mario Pedrosa diante da arte pOs-modema", op. cit. 28.Alberto Mara, "Video - Arte em Debate, Tres artistas se defendem criticando quem os ataca", 1977, 0 Globo, xx de junho de 1977. 29. Cf. Tadeu Chiarelli. Arte Internacional Brasileira. Sao Paulo, Lemos Editorial, 1999.

30.Cf. Ligia Canongia. Quase Cinema. Cinema de Artiste no Brasil, 1970-1980. Rio de Janeiro: Espago ABC/Funarte, /981. 3r. Fernando Cocchiarale. "Situacoes transitivas". Rio de Janeiro: Galeria Joel Edelstein, iggs. 32.Intervencoes no Espaco Urbano, Rio de Janeiro, Galeries Sergio Millet e Espago Altemativo / Funarte, 1984. 33.cf. Gloria Ferreira; Cecilia Cotrim. Escritos de. artistas 07105 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. 4. Cf. Hubert Damisch. "0 autodidata", in: Gloria Ferreira ; Cecilia Cotrim (org.). Clement Greenberg e o Debate Critico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar Editor, 1997 (2a edigao 2002). 35. Cf. Giulio Carlo Argan. Arte e critica de Arte. Lisboa, Editorial Estampa, 1988; Monello Venturi. History of Art Criticism* 936). Boiton: E. P. Dutton, 1984. 36.Como assinala Elizabeth Gilmore Holt, as apresentacOes de obras diretamente para o public° comportavam, desde o inicio, descricoes, resenh as, criticas, ou catalogos acompanhando a exposigao, como o pioneiro catalogo-manifesto de William Blake, em 1809. In: Elizabeth Gilmore Holt (org.). The Triumph of Art for the Public x81848. The Emerging Role of Exhibitions and Critics, Princeton: Princeton University Press, 1983. 37.Rainer Rochlitz, Feu la critique. Essais sur Fart at la litterature. Bruxelas: La Lettre volee, 2002. 38.Remeto a meu texto "Alteridades reciprocas", in: Gloria Ferreira (org.). cat. Wilton Montenegro Notes do obseroaten°. Arte Brasileira Contemporanea. Rio deJaneiro: Arco/ arquitetura&produgoes, 2006. 39. Denys Riout (org.). Les ecrivains devant l'impressionnisme. Paris: Macula, 1989. 40. Cf. Thierry De Duve. Du nom au nous. Paris: Dis Voir, 1995; "Reinterpretar a modemidade. Entrevista de Thiany De Duve a Gloria Ferreira e Muriel Caron". Arte&Ensaios, n° 5, dezembro e 1998; Luiz Camillo Osorio. Raziles do critica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, zoos. 41. Round Table: "The Present Conditions of Art Criticism" [corn Rosalind Krauss, Hal Foster, Benjamin Buchloh e outros]. October, n. roc), primavera 2002. 42. Harald Szeernann, Ecrire les expositions. Bruxelas: La Letrre volee, 7996.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

INTRODUcA0 - GLORIA FERREIRA

INTRODUcAO - GLORIA FERREIRA

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A tradicao construtiva

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0 destino funcional da pintura MARIO PEDROSA espiritos inquietos que, dedicados a pintura, temem pelo seu futuro. Admitem todas as audacias, e sao familiares corn a chamada pintura moderna como gozam da intimidade da arte antiga.Tanto admiram urn Picasso como urn Rafael, urn Matisse como um Rembrandt. A ideia que os morde, no entanto, corn a tenacidade de urn remorso, é a de que a pintura vai perdendo a sua "funcionalidade". Outrora, as pintores faziam os retratos dos grandes de sua epoca, ou cantavam nos murais os grandes misterios da religiao, preocupagao primordial do tempo. A evolucao da pintura desde Cezanne, que foi o grande primitivo dos tempos novas, nao os tranqiiiliza, embora participem sinceramente dessa evolucao. Lies veem os monstros picassianos, a simplificacao crescente de Matisse, os abstracionistas, os cubistas, os surrealistas, e conquanto compreendam a elaboragdo de toda essa mitologia, constatam, entre melancolicos e apreensivos, que o pintor modemo nao serve para, decorar nem os palacios nem as igrejas do presente (nao ha mais palacios; e quanto a igrejas, Pampulha nao valeu). Tambem nao serve mais para fazer os retratos dos grandes. 0 retrato? Ora, a maquina o faz extraordinariamente bem, incomp aravelmente exato.

A arquitetura moderna, corn sua estrutura cada vez mais volatil, seus muros frageis, seus vaos crescentes, sua reduzida imponencia, tudo animado poruma feroz 16gica funcional, nao faz espaco para a pintura; o arquiteto modemo não cria lugar, nas suas construcaes, pan o pintor. Este se fecha cada vez mais no seu isolamento, como urn esquizofrenico. 0 povo, o povo — esta tao distante das preocupacoes do artista modemo! A verdade é que ele sofre corn os "progressos" realizados, pois estes o obrigam a amanhecerna fila, a esgotar-se na fila. Amanha, talvez tenha que nascer na fila. E o povo quer é descanso, ou poder divertir-se, sem esforco de qualquer especie, pelos meios mais simples: o barulho, a velocidade ou o apaziguamento ffsico cornpleto — o sono. Ou, tambem, pela evasao: a embriaguez. A civilizacao progressivamente totalitaria de nossos dias nao deixa em paz, e os seus lazeres, quando ela os dá em compensagao os controla, dirige e define de antemao. Na Alemanha hitleriana ou na Russia stalinista, o Estado, isto é, o Comite central ou o Fuebrer do panido ünico expressao guia e consciencia do Estado, vem e dita aos artistas o que devem escrever, o que devem cantar, pintar, esculpir etc. Ai do que resistir, Cu recusar-se! ,

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TUdo, pois, parece confirmar que a pintura, como as outras artes plasticas, perdeu a sua funcionalidade. 0 pintor ou o escultor ja nao teriam razao de ser. Ao povo sempre restarao o teatro, a milsica e o cinema. 0 pintor tenderia assim a set urn anacronismo em nossos dias. E dal a sua "irresponsabilidade", ou, por outra, a impossibilidade de "solucionar o seu problema". Cair no convencionalismo descritivo das cenas oficiais como quer o govern° russo, retratar os tipos raciados, coma na Alemanha, ou continuar no seu caminho solitario, ao risco de ser incompreendido e de jamais encontrar o contato enire ele e o pablico, tal o seu dilema. Mas a ideia da funcionalidade é, apenas, uma preliminar indispensavel ao artista modemo. Ela nao pode ser transposta ao domini° do social. No pintor e no escultor, a funcionalidade é uma questao de escolha do material, do conhecimento interior de suas leis, das inclinagoes e da estrutura desse mesmo material e da felicidade corn que o pi- 4d° artista obedece as profundezas de seu pr6prio eu. E, em suma, uma exigancia da necessidade formal e criadora. Isso significa que essa funcionalidade é determinada pelas exigencias formals da obra, e jamais pelas solicitagaes extrinsecas ao impulso criador do artista. Nao é o homem que existe para a sociedade, mas o contrario. A solicitacao artistica existe ou se faz

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sentir a despeito da sociedade. 0 artista nasce, esti acabado. A pintura $6 poderia desaparecer se falecessem as pintores. Ela podera tomar-se, é verdade, uma arte para minorias, para pequenos grupos. Alias, coma em parte já o é hoje. Essa especie de confinamento podera concorrer para mudar o estilo da pintura, mas tal modificacao nao sai do ambito estetico. De qualquer forma, nao deixara a pintura de ser uma atividade artistica tao legitima quanta qualquer outra. E, no fim de contas, o fato de vir a ser assim uma arta quase de individuos, cujos meios exigem que o pintor se isole em casa, pan criar, coma já é o caso para a gravura, pode dar ao seu testemunho, a forca do seu depoimento, carater mais permanente e profundo do que o de outras mais populares. A obra criada seria, em tgclo caso, resultado direto de urn temperamento individual ultra-sensivel as realidades mais profundas de sua pr6pria epoca. E desta forma havera sempre uma funcionalidade por assim dizer extra-artistica, social tambem para arta tao extraordinariamente vital quanto a pintura. Coletiva, adstocratica e burguesa, ela já o foi.Tomar-se-d, entao, simplesmente, individualista, mas entao o seu "individualismo" exprimira a mais solida das virtudes sociais, isto é, a solidariedade humana na sua essencia irredutivel e etema.

CREFICA DE ARTE NO BRAZIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS 0 DESTINO FUNCIONAL DA PINTURA - MARIO PEDROSA

Ainda o Abstracionismo WALDEMAR CORDEIRO ova forma de arta é a abstracionista, que resulta de uma modificacao - na reflexao dos valores de forma, na qual a complexidade da natureza visivel torna-se uma forma simples que tende ao conhecimento do valor das linhas e da cor na vida do homem. Para a pintura figurativa tridimensional o valor da forma é urn misterio, enquanto que para nos, abstracionistas, é urn problema; pois a expressao da primeira se (la pelas vias imediatas, enquanto que para nos o problema da primeira se resolve corn a forca do intelecto. Como decorrencia, existe sempre na arta figurativa tridimensional uma participacao adstrita a razao. Por isso mesmo, artistas que se servernHdesta forma, jamais trabalham em estado hicido e sua obra nunca podera ser continua, unida, mas se desenvolve em saltos, que sempre resultarao em transcendencias intransponiveis. E a imprecisao, a ausancia de controle faz destes quadros obras ilegiveis, porquanto se colocam alem cu aquem do terreno critico, naquela zona de penumbra das presencas inefaveis e contatos misticos que demandam urn sexto sentido desconhecido aos pobres mortais. Somente objetivando, despersonalizando-se uma forma pode-se fazer dela materia de reflexao, determinando a

inteligibilidade da obra. Mas, nao se pode objetivar quando se esta empenhado na expressao, pois a cada esforco para objetivala, a forma escapa, encerra-se, refugia-se n.a zona desconhecida. Sempre havera na pintura tridimensional alga do imaginario, uma zona desconhecida, uma forma que nao podera ser conhecida porque nunca se logrará representar num quadro plano, todas as faces de urn corpo sOlido.' Defendemos a linguagem real da pintura que se exprime corn linhas e cores que sao linhas e cores e nao desejam ser nem peras nem homens. E preciso compreender a tela como um plano so, corn urn espago de finido, onde a composicao é uma prova de dependencia, e onde so nao é valor o que nao corresponde a relagao corn outros elementos, porque o valor é urn so, e todos os elementos devem ser equivalentes na quantidade e na qualidade. Antes de terminar, direi algumas palawas a respeito de certa forma muito em yoga de classificar o abstracionismo. Algumas pessoas estao de tal forma habituadas a so considerar quadros - como as outras coisas - atraves de imagens verossimeis (o que alias é modo de pensar bastante ineficiente) que tudo quanto nao possa assim ser representado, parece-lhes ininteligivel.


Acredito ainda que todos os que desejam fazer uso dos sentidos, para compreender o abstracionismo, procedem como agueles que para ouvir e sentir servem-se dos olhos. E preciso que tais pessoas compreendam que a imaginagao nao podera ja-

mais certifica-las do que é valor, sem a intervengao da informagao e do entendimento. Por "tais pessoas" queremos significar certo public° e certos "criticos" que so sabem lidar corn formas que tern algo de obscuro e confuso.

Entre o Abstrato e o Figurativo

Nota E ante a importancia, a impostura, o artiffcio desta pseudo-arte, nos os abstracionistas, denunciamos a insociabilidade e o solipsismo da arte figurative. i.

SERGIO MILLIET erta vez diverti-me corn mostrar, mediante esquemas das obras celebres, a passagem do classic° renascentista ao barroco dentro dos mesmos temas religiosos que se impunham aos artistas. Procurava assim demonstrar que nada tern a ver a expressao corn o assunto e, mais ainda, que a emogao estetica transborda, quaisquer peias se lhe oponham. Os esquemas entao estabelecidos eram quase todos de Virgens corn o Menino Jesus. Suprimam-se os pormenores do rosto, da indumentaria, da Paisagem; conservam-se as linhas apenas, a grafia da obra: embora o assunto desapareca, qualquer olho sensivel percebe de imediato uma diferenga de sentimento e ate de atitude filosofica entre as doces curvas de Rafael e a austeridade olimpica de Piero de La Francesca. Abolido o tema, tern-se a alma nua do artista. 0 tema é pan os que nao sentem a pintura em si. E, conquanto possa nao prejudicar a expressao, e mesmo constituir urn elemento a mais a disposigao do pintor para dizer sua mensagem, em absoluto nao é o assunto necessario. Estas reflexoes me voltam ao espirito cada vez que me encontro corn urn artista em crise de passagem do figurativismo para o abstracionismo ou vice-versa. Tenho sempre

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CMTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS AINDA 0 ABSTRACIONISMO -WALDEMAR CORDEIRO

a impressao de que nada mudou, e lhe reconheco as caracteristicas, se as tern, em qualquer de seus trabalhos. Foi o que senti na ültima exposigao de Maria Leontina no Museu de Arte Modema. El-la seguramente a caminho do abstracionismo e ate, em certos quadros, desde já abstrata. No entanto, nao hesito um segundo, e ao primeiro golpe de vista, em verificar que essa artista, embora haja progredido tecnicamente, em nada modificou seu estilo, continuando a mesma lirica de sempre. Mas se nao mudou, e no entanto progrediu, em que consistiu esse progresso? — Na major seguranga de realizagao. A core limpa agora e os valores mais acertados. Ha uma unidade raramente alcangada antes e, no trago, solugees expressivas muito puras. A artista afirma-se dentro de uma evolugao normal. Sua personalidade se enriquece sem tropegos, nem recuos. Contudo alga surge inteiramente novo nesta exposigao, algo que ainda nao se integrou par completo na pintura de Maria Leontina, mas vai assumindo, em seus desenhos, uma importancia capital; o esforgo de disciplina na composigeo. Nao se tomara ela menos lirica, se enveredar por esse atalho, e nao vird o jogo das compensacoes de linhas e forrnas destuirlhe a espontaneidade?


E possivel, mas entao tera havido, nela pr6pria, uma mudanga. Nao sera o abstracionismo que a tera levado a transformacao; esta é qua a tera empurrado para as solucoes geometricas e puns. Suponhamos, urn instante, que Maria Leontina se houvesse mantido fiel ao figurativismo. Nao se veriam em sua pintura vestigios dessa disciplina invasora e prestes a dominar-lhe a arte? Creio qua seria exatamente igual o resultado. Veriamos da mesma forma uma pintura, menos desconjugada, mais serena, mais assentada, mais estruturada. Tarsila considerava o cubismo uma especie de servico militar. Sai o artista do cubismo corn uma nogao de dever e disciplina que nao se dissipa nunca mais e se reflete permanentemente em sua obra. Mas ha tam-

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bem quem se compraza na carreira militar e nela continue. Poderiamos dizer o mesmo do abstracionismo, grande escola de conhecimento do oficio e de compreensao precisa do que seja realmente pintura. Qualquer incursao do pintor pot esses dominios s6 the sera ail, habitue-se ele ou nao a se exprimir sem ajuda do tema. A obra de Maria Leontina nunca nos deixa indiferentes. Sua inteligencia dos meios pictericos, sua vontade de realizagao plena e sua sensibilidade muito aguda nao se satisfazem facilmente. Ademais sua honestidade artistica nao admite concessoes, e se podemos critica-la em pormenores, se podemos sentir mais ou menos tal ou qual solugao, nunca deixaremos de apreciar o alto nivel de sua obra.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ENTRE 0 OBSTRATO E 0 FIGURATIVO - SERGIO MILLIET

Arte concreta: objeto e objetivo A proposito da mostra de Arte Concreta

IDEcio

PIGNATARI

ela primeira vez, as concretistas bra- pejorativamente tudo o que é mecanico. Isto sileiros tern a oportunidade de se nos leva as relagoes entre geometria e pinreunir corn presenga imediata de tura geometrica: a pintura geometrica esrealizagoes e como postulagao de principios. tá para a geometria como a arquitetura esta 0 concretismo visual A fez suas primei- para a engenharia. A logica do olho é sensiras provas, circula, se apura no debate sane- vel e sensorial, artistica; a da geometria, ador, leva avante o qualitativo rigoroso ba- conceitual e discursiva, cientifica enfim. seado na informacao e na consciencia critica. Nem foi por outro molly° qua, recentemenA poesia concreta, depois de urn perio- te, o arquiteto Eduardo Corona lembrava a do mais ou menos longo de pesquisas — pan necessidade de um cantata mais estreito determinar os planos de clivagem de sua dos arquitetos corn as artes visuais, como a mecanica interna (Mallarme, le Coup de Des pintura e o desenho. "0 aprendizado dessas — Pound, Joyce, Cummings, algumas expe- artes deveria ser levado muitissimo a sent) riencias dadaistas e futuristas — algumas em nossas Faculdades, pan formar arquipostulagoes de Apollinaire) entra agora na tetos mais completos, mais conhecedores sua fase polemica. A mostra de poesia con- da Arte, enfim". Por outro lado, os concretistas tambem creta tern urn carter quase didatico: fases da evolugdo formal, passagem do verso ao • sentem a urgencia de urn contato mais intiideograma, do ritmo linear ao ritmo espacio- mo corn a arquitetura: o fato de varios deles temporal: novas condigOes para novas serem — quando nao arquitetos ou estudanestruturagaes da linguagem, numa relacao tes de arquitetura — decoradores, paisagisde elementos verbovocovisuais — como tas ou desenhistas de esquadrias — atividades ligadas a afte arquitetenica — atesta essa diria Joyce. Uma das principais caracteristicas do necessidade e essa urgencia, se A nao basconcretismo é o problema do movimento, es- tante, par si mesma, a sua presenca numa trutura dinamica, mecanica qualitativa. E revista de arquitetura e decoracao. Quanto nao se estranhe falar aqui em "mecanica": A a poesia, ela nao este alheada da questao, Norbert Wiener (Cybernetics: the human use of como pode parecer a primeira vista: os apahuman beings) nos adverte do equivoco e do rentamentos isomorficos das diversas mainail saudosismo individualista de tratar nifestacOes artisticas nunca sera° urn tema


de somenos. Abolido o verso, a poesia con- letica da formacao da cultura. Ao contrario, creta enfrenta muitos problemas de espa- a atitude critica do concretismo o leva a abco e tempo (movimento) que sao comuns sorver as preocupacoes das demais correntanto as artes visuals coma a arquitetura, tes artfsticas, buscando supera-las pela sem esquecer a masica mais avancada, empostagao coerente, objetiva, dos probleeletremica. Alem disso, por exemplo, o ide- mas. Todas as manifestagaes visuais o inteograma, monocromo ou em cores, pode ressam: desde as inconscientes descobertas funcionar perfeitamente numa parede, na fachada de uma tinturaria popular, ou interna ou extema. desde um anancio luminoso, ate a extraorFinalmente cumpre assinalar que o condin5ria sabedoria pictorica de urn Volpi, ao cretismo nao pretende alijar de circulacao poema maxim° de Mallarme ou as macaneaquelas tendencias que, par sua simples tas desenhadas par Max Bill, na Hochschule existencia, provam sua necessidade na dia- far Gestaltung, em Ulm.

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ARTE CONCRETA: OBJETO E OBJETIVO - DECIO PIGNATARI

Ciencia e Arte, vasos comunicantes MARIO PEDROSA A Genoa matematizada, extremamente tecnicizada, toma-se social e filosoficamente isolacionista. Ela veda o universo aos sentidos, e logo a imaginacao dos leigos, quer dizer, dos homens nus, desarmados em face dos misterios da natureza. Renunciando a ciencia a uma imagem total intuitiva, ou realmente sensivel do mundo, proclamando a insuficiencia e a impotencia dos sentidos para apreender o mundo ideomatematico que ela construiu, a humanidade encontra-se pela primeira vez na sua curva de desenvolvimento sem uma concepcao cosrnogOnica intuitiva ou mesmo cosmologica do universo. Pode ela, no entanto, viver sem uma cosmogonia nao transitoriamente propostai Diante dessa ausencia vertiginosa e sombria de formas intuitivamente inteligiveis do universo, o homem vacua. Suas maos tateiam em vao nas trevas, e sua cabeca nao se conforma ao vacuo informe. Ainda mais agora quando a hora inevitavel se aproxima de embarcar para a viagem interplanetaria. Nao é extravagancia, pois, se todo urn grupo de artistas se levanta para a construcao dessa imagem forgosamente visionaria par que temos nostalgia. Alias, dentro desse grupo geral se diferenciam dois tipos de visionarios — os cegos e os de olhos infantilmente abertos.

E estes sao em primeiro lugar os matematicos, hoje mais do que nunca identificados aos artistas, pals o reino deles é o da pura criacao, inteiramente desligado de quaisquer amarras corn o mundo grosseiro onde tern os pes, entregues ao purO prazer das especulagoes. Entre as artistas propriamente, os visionarios cegos' criam empiricamente pelo tato, pelos contatos que ainda mantem de certo modo e indiretamente corn a paisagem exterior. Tern confianca na boa estrela, munidos de antenas que os mantem virados para os bons ventos. Sao veiculos, instrumentos operat6rios, encostos medionicos. Os outros, de olhos abertos, clao diretamente expressao as intuicOes da imaginacao. Expressao em simbolos-objetos, vivencias e realidades apenas em potencial. So visionarios podem criar ou configurar cosmogonias. Possa ou nao possa, queira ou nao queira a ciencia, essa tarefa cosmogonica é mais do que uma missao socioexpressiva, é necessidade da ordem mais elementar, de funcoes biopsiquicas do homem. 0 poder, a maneira de visualizar num todo as impressaes fugidias do mundo exterior, essa incoercivel funcao organizadora da percepcao no primeiro contato do homem corn a natureza, incluindo nesta o outro homem, já al o obriga a construir na mente uma sintese, urn


modelo, uma imagem geral e primaria do universo. Dessa especie de primeiro lugar cognitivo, nascem os mitos, nascem as cosmogonias. A descricao ingenua fenomenologica é desde o inicio uma elaboragao mitica. 0 mundo nao pode viver sem mitos, nem o cerebro pode cessar no seu processo fabulador.lbdo indica estarmos agora nos comecos de nova elaboracao coletiva desse genero. A arte moderna, consciente ou inconsc -ientemente, refaz os mitos como fez toda a arte do passado. Alias, a formacao dessas vastas concepc6es imaginarias foi em todas as grandes epocas uma das mais altas atividades dos artistas, se nao a mais alta; que cultura ou que arte nao teve suas imagens, seus mitos sobre o fim ou sobre o nascimento do mundo: o juizo final, as tones de Babel, o ditavio, a ressurreicao apOs a morte, etc.? De todos os povos e culturas, os do Isla- 0, alem dos judeus, foram talvez as onicos monoteistas a nao permitir a representacao de Deus, inteiramente para alem da perceptibilidade, par urn modelo descritivo-sensorial ou reduzido a figura particular. A geometria era a ciencia grega por excelencia; a algebra, a clancia por excelencia arabe; corn algebra nao se fazem cosmogonias, mas corn geometria essas se formam quase que espontaneamente. Entretanto, apesar de uma consciencia geometrica pouco desenvolvida comparada a sua consciencia algebrica, o pensamento mitico na cultura islamica nao foi contido, embora tenha sido talvez aguado pela influarida crescente do pensamento grecohelenistico, já bem distante do pensamento grego-arcaico ou mesmo do dos filosofos pre-socraticos. Hoje, como já vimos, ate a geometria escapa as suas longinquas fundagfies percep50

tiveis. Nada mais dificil, corn efeito, de visualizar em abstrato do que certos complexos do repertorio topologic°. Diante dessa realidade geornetrica inacessivel aos sentidos, o homem de hoje se encontra paradoxalmente numa posigao paralela a do homem primitivo diante da natureza. Nasceu, provavelmente, dessa analogia de situacEpes a nostalgia do pensamento mitico taco acentuada nos tempos modemos desde o advento da revolugao impressionista, mas sobretudo do p6s-impressionismo e dos contatos corn as artes das culturas arcaicas passadas e dos povos primitivos nao-europeus. Os filosofos pre-socraticos, preocupados sobretudo corn suas cosmogonias, deixaram ao desenvolvimento cientifico e logic° ulterior o cuidado de discriminar o que era erro do que era intuicao verdadeira. Democrito nos deixou a nocao do atomo, de cuja existencia jamais teve provas. Assim houve noticia da existencia de certos fenamenos do universo como os proprios atomos, antes de terem sido descobenos pela ciencia, antes de esta ter formulado leis para seu comportamento. Numa mesma ordem de ideias, podemos apontar para o que se passa no campo da maternatica de hoje. Al as lucubrac5es mais fantasistas resultam ser geralmente aproximag6es do real antes insuspeitadas, ao mesmo tempo que redutiveis a entidades espadais geometricas imaginaveis ate entao, sem contudo deixar igualmente de encontrar utilizacao para decifrar fenomenos e leis fisicas desconhecidas. Se, desde Newton, a geometria e a mecanica tern sido consideradas as bases indestrutiveis da fisica e das demais ciencias naturais, para os meios do seculo XIX, porem, essas bases comecaram a ser postas ern dirvida corn o advento de uma nova dencia, a

termodinamica. A segunda lei da termodinamica relativa a transformagao da energia, passagem do calor a outra energia Cu viceversa, juntamente corn a ideia da entropia, /Dos em destaque uma intuigao fundamental da mentalidade cientifica modema: a distingao capital entre processes reversiveis e irreversiveis. A influencia dessas ideias passou entao a dominar cada vez mais o espinto dos cientistas. A luta entre os partidanos da energetica encheu todo o resto do seculo ate principios deste. Mas já entao Planck, o criador da teoria quantica, podia escrever, generalizando o alcance daquela disfingao entre processo reversivel e processo irreversivel, para lhe dar a importancia de urn traco basic° de todo acontecimento na ordem natural, o seguinte: "Esta distincao, corn mais direito do que qualquer outra, podia ser tomada como base preeminente para a dassificagao de todos os fen6menos fisicos e poderia ainda eventualmente desempenhar o papel principal em qualquer cosmologia da fisica do futuro" (Conferencia em Leyden, em 1908, citada por E. Cassirer). Simultane amente, a teoria da eletricidade conhecia enorme desenvolvimento, desde que Faraday e Maxwell introctuzem a teoria do campo eletromagnetico. Corn todos esses acontecimentos no piano cientifico, novas conceitos sao transplantados para o dominio especulativo da teoria do conhecimento e outros ramos da filosofia, pois as propriedades geometricas, as trims que restavam para traduzir os fen6menos do mundo sensivel e fisico, desde o abandono das velhas nocoes metafisicas provenientes ainda da fisica aristotelica, provaram ser insuficientes para a complexidade crescente da realidade exterior. Novas qualidades sao entao chamadas em au-

xilio para definir as estranhas concepcfies objetivadas da visa° cientifica atualizada. Suas propriedades tern como caracteristicas principais um dinamismo intrinseco que as toma ainda menos acessiveis a percepgao imediata do que as geometricas; superagao do dialog° energia-massa pelo de dinarnizacao da massa, descontinuidade da materia etc. Por coincidencia, deliberada ou inconsciente, os artistas contemporaneos passam tambem a fundar suas pesquisas nesse dinamismo novo, nessa visa° em movimento, de que Moholy-Nagy foi urn dos grandes teOricos e urn dos exploradores mais hicidos. Cubistas e futuristas, expressionistas e p6s-impressionistas, Klee, Mondrian, Kandinsky, Malevitch, Moholy-Nagy, Doesburg, Arp, Pevsner, suprematistas, vorticistas, raionistas, neoplasticistas, construtivistas, abstracionistas, expressionistas, todos recorrem corn maior ou menor propriedade a essas nocaes para explicar as concepc6es que os movem. Klee, que alem de artista visionario foi professor eminente e um fino teorico, dividiu o seu livro de Esbogos PedagOgicos, resumo das liçöes na Bauhaus, ern quatro partes bem sintomaticas: Linha Proporcionada e Estrutura; Dimens6es e Equilibrio; Curvas de Gravitagao; e Energia Cinetica e Cromatica. A sutileza de seu pensamento e de sua imaginacao plastica vai muito alem do puro mecanico e da simples geometria metrica, como tambem da projetiva:partindo do simples ponto em progressao para a linha, ele eleva esta Ultima de medida de toda proporcao a nocao eminentemente energetica das linhas de forca, abstracees vitalmente atuantes nas estruturas dinamicas coma as correntes de agua, por exemplo.Tratando de dimensees e equilibrio, substitui a velha no-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS CIENCIA E ARTE, VASOS COMUNICANTES - MARIO PEDROSA

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gao estatica de simetria pela de "igualizacao • to a ciencia como a arte estao descobrindo e das partes desiguais, mas,equivalentes" (A nos fazendo conscientes do fato de que o arte de Calder). Ao abordar a seguir o proble- tempo é urn processo de intensificatdo, uma ma da posigao do homem e do objeto no es- evolucao do individual para o universal, do pago, em relagao a forga de gravidade, ou di- subjetivo para o objetivo; para a essencia das namica natural das coisas determinada pela coisas e de nos mesmos (...) Atraves da incurva gravitacional, o artista é sobretudo tensificacao podemos criar sucessivamente sensivel as "regi5es onde diferentes leis e pianos cada vez mais profundos (...)" (Plastic novos simbolos permitem urn movimento Art And Pure Plastic Art). mais livre e uma posigao mais dinamica". Na Esses conceitos de forga, de energetica, Ultima parte, dedicada aos fenomenos ener- de dinamica, intensificagao etc. vieram dageticos, ele introduz, para compreensao e quelas ciencias provavelmente via psicolodefinicao dos fenomenos naturais, um ele- gia modema, sobretudo as varias escolas homento extern°, mas fundamental, que e o listas, como a Gestalt e a variante organisquantum humano, isto 6, a idea, uma forma mico-dinamica de Kurt Lewin. 0 pintor e simbolica. Para Klee, a "composigao" so exis- teOrico Allen Leepa (The Challenge of Modem te como "coordenacao cinetica" ou "solucao Art) a proposito escreveu: energia psiquide infinitude cinetica". A energia, como num ca de urn period° tern influencia marcante sistema termodinamico, se resolve entao sobre as tipos de forma e imagens usadas. por uma "intensificagao da cor!' pie se move Fundamental a atividade do homem é o alientre o extremo negro e o extremo branco. vio de tens5es que sac) causadas por probleEm Kandinsky, os objetos nao sao outra coi- mas sociais e pessoais." Kurt Lewin, o emisa sena° um campo de energia-tensao, e, nente fundador da psicologia topologica, que quanto a composigao, é urn simples arranjo procurou definir os conceitos psiquico-dinade linhas (Punkt und Linie zur Flaeche). 0 que micos corn os topolOgicos (A Dynamic Theory ele ensinava aos alunos na Bauhaus era ob- of Personality), cid coma causa do comportaservar, nao a aparencia externa do objeto, mento, sob todos as seus aspectos, "os sistemas os seus elementos estruturais e o que mas de energia e tens5es interims" que reele chamava de forca logica e tens5es. Para sultam das necessidades do individuo. Sua Mondrian, o ritmo é tudo, pois sua fungao é temia se baseia essencialmente no conceito expressar o movimento dinamico atraves de de campo, transplantado da teoria eletrouma continua oposigao dos elementos da magnetica para a psicologia. "Todo comporcomposicao. Pot- este meio, a obra de arte, tamento (inclusive a agao, o pensar, o deseuma pintura, é uma especie de campo ele- jar, o esforgar-se, o avaliar, o realizar etc.) é tromagnetico onde forcas contraditOrias, concebido coma mudanga de algum estado mas organizadas, exprimem o que ele desig- de urn campo em determinada unidade de na por agao, quer dizer, vida. A acao é criada tempo" (Field Theory in Social Science). No piapela tensao da forma, da linha e da intensi- no psicologico individual, essa nogao é equidade das cores. Na sua arte, o mestre holan- valente ao que Lewin chama de "espago de des s6 distingue oposicees de posigao e di- vida" do sujeito. 0 conceito de campo ajusmensoes. Em outra ocasiao, escreveu: "Tan- ta-se perfeitamente ao da sensibilidade con52

temporanea, feita de oposicees diretas de direcao e de movimentos, de intensificagao e de tensOes, num meio bem-delimitado. Os processos tradicionais de criar espago como a perspectiva, o esforco, os pianos em diagonal, on inclinados, o claro-escuro, nos davam do espago uma imagem passiva, nao criando o que é essencial a mentalidade e a sensibilidade modema: urn sentido de forga espacial. A relacao de pianos numa superficie cria tensao, cria forga, enquanto o espago em si nao cria. Para Leepa "o espago que os pianos criam se toma ativo pot- associagao corn as relag5es de emocao-tensao e o sistema de energia psiquico fundado nessa oposigao de tensoes". A forga é mais intimamente ligada corn o piano da tela do que corn o espago realistic° retratado (...) A reacentuacao da superficie pela pintura contemporanea plana traz esse trago essencial do trabalho criador. A tensao-emocao parece ser intimamente ligada ao deslocamento e oposigao das formas na superficie da tela. 0 deslocamento das formas controla na realidade a diregao da emocao-tensao: é o elemento mais poderoso corn que trabalha o artista. Isso nao quer dizer que o espago nao funcione nesta emocao-tensao, mas que é criado coma elemento mais espontaneamente sentido do que compreendido intelectualmente enquanto o artista pinta" (Allen Leepa). fundamental para a compreensao da pintura modema, e, portant°, da sensibilidade contemporanea, distinguir entre o espago que para existir depende que o reconhegamos na tela e o espaco sentido, ou melhor, esse sentiment° de urn espago circundante que entra como fator indispensdvel a evidenciagdo das forgas componentes da tensao formal.

Assim, artistas e te6ricos nos falam cada vez mais dessas qualidades dinamicas tensao, energia, forca, vibracao, atracao - e cada vez memos dos velhos termos surrados das receitas academicas. A ideia de balanceamento tende pot- isso mesmo a set- substituida pela de relagOes espaciais; a de cornposigao pela de campo de forgas; a de desenho pela de inter-relagOes de linha e pianos etc. A nogao academica de composigao era de ordem essencialmente estdtica, visando sobretudo chamar a atengao do observador para as figuras ou forrnas colocadas privilegiadamente nos pianos centrais do quadro. As composicoes ditas triangular, piramidal, circular etc. tinham grande cotagao e ainda hoje sao minuciosamente descritas nos manuais compositivos. Numa passagem, muito interessante, sobre, por exemplo, o problema do balanceamento e composicao, Allen Leepa, corn a dupla autoridade de artista em exercicio e escritor, descreve corn precisao o processo criador do artista, movido sempre e insistentemente (Kandinsky!) pela ideia de forga e de equilibrio num campo definido. 0 sentiment° de forga e o sentimento de equilibrio, diz-nos Leepa, andam sempre confundidos, embora sejam diferentes ainda que relacionados. 0 iMtirno, isolado, como na pintura tradicional, é como um "sentiment° de gangorra": massas de urn lado da tela, massas do outro lado; urn canto de tela vis-à-vis de outro canto. Ora, o sentiment° de forga, a sensacao de equilibrio de formas numa tela produzem sempre no pintor, quando trabalha, intensa experiencia emocional, de que depois participa o espectador de modo ativo.'ll-ata-se, continua ele, descrevendo sua prOpria experiencia, de uma reacao emocional para corn uma relacao de partes que se

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CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTE MPORANEAS

CIENCIA E ARTE, YAWS COMUNICANTES - MARIO PEDROSA

CIENCIA E ARTE, VASOS COMUNICANTES - MARIO PEDROSA

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opeem umas As outras e que o artista sente tra comb sao indissoluvelmente fundidos o A medida que avanga no trabalho. Mas o sim- elemento inconsciente e o consciente, o elepies ato de balanceamento de forrnas na tela mento intelectual e o elemento impulsivo mio requer necessariamente grande intensidade no processo criador. emocional. E, prosseguindo, nos dá a razao Uma coisa porem se destaca corn darepela qual o sentimento de forca e o de ba- za: o artista ye, sente, relaciona e coordena lanceamento sao tao freqiientemente con- simultaneamente; e todas essas experienfundidos: é que "ambos os processos funcio- cias sao ao mesmo tempo funcees intuitivas, nam ao mesmo tempo durante a atividade sensiveis e logicas. As relagoes de espago, de criadora, a medida que o artista trabalha, forma, de oposigao de diregoes, de linhas de desenvolve toda a sua pintura, opondo e forga, de intensificacao, de repulsa e atragao, balanceando uma forma contra a outra. Em de tensao e distensao, de diferenciagao e outras palavras, é passive' experimentar integragao e essa vigila'pcia continua, incesequilibria sem intensidade emocional, mas sante, pan nao ver, nao sentir, nao comprenao é passive' sentir intensidade emocional ender nada unilateralmente, tudo isso que sem equilibria; emogao-tensao nao pode ser é especifico da atividade criadora artistica criada sem equilibrio - ela incorpora o balan- mostra as afinidades que irmanam o procesceamento numa experiencia mais intensa e mais so mental de urn sabio como Helmholtz e o profunda (...) Uma pintura balanceada nao é de urn artista como Cezanne; de um matenecessariamente uma pintura de criagao. 0 matico como Klein e de urn pintor como Kanartista pode sentir balanceamento em sua dinsky. Alias, nesse ponto, é oportuno lemtela e ainda nao experimentar nenhuma brar que uma autoridade insuspeita, como intensidade emocional. A vitalidade expres- a do grande teorico da semantica modema, siva de uma pintura nao é determinada pela W M. Urban, pee os desprevenidos em guarjustaposigao passiva de formas na tela, mas da contra uma excessiva simplificagao quanper uma relagao profundamente sentida to a essa "popular divisao do simbolismo" dessas forrnas". Procurando definir corn mais que coloca de urn lado arte, poesia e reliprofundidade esse misted oso binornio, giao e de outro a ciencia. Isto, diz ele, "pt -esequilibria dinamico-emogao-tensao, Leepa supoe uma distingao entre arte e ciencia, recorre a autoridade de Mondrian, o auste- que, pelo menos nessa forma extrema, praro e formidevel mestre da dialetica das opo- ticamente nao existe. Mais e mais a pr6pria sigoes de diregao e posigao, que assim o ciencia tende a negar o absoluto desta disdescreve: "(...) o equilibria de qualquer as- tincao e a insistir sobre o parentesco entre pecto da natureza se ap6ia na equivalen- a imaginagao artistica e a cientifica" (Language cia de seus contraries". Essa descrigao mos- and Reality). Nota 1. Depths de escritas estas linhas, Vedova, o laureado pintor italiano, me confessou, em conversa, que seu desejo era uma "pintura cega". (N. do A., I960)

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CRETICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS CIENCIA CARTE. VASOS COMUNICANTES - MARIO PEDROSA

Arte neoconcreta uma contribuisio brasileira FERREIRA

Introd Lisa°

arte concreta nao resultou de uma atitude simples em face da arte contemporanea, nao foi tampouco a mera reagao de urn grupo de artistas a deterrninada tendencia estetica dominante. Trata-se de fato, de uma atitude que se insere numa visao geral dos problemas artisticos modemos, numa especie de filosofia da arte, que se esboca inicialmente no pensamento do grupo De Stijl e, mais completamente, no manifesto da Bauhaus. Essa atitude implica, portant°, de urn lado a vontade de uma expressao estetica objetiva e critica e de outro uma compreensao da atividade artistica coma intimamente ligada aos novas meios de produgao, As novas tecnicas e nocees cientificas. Ac contrario das tendencias individualistas ou nillistas da arte contemporanea - expressionismo, dadaismo, surrealismo, tachismo -, a arte concreta deriva de urn compromisso corn a epoca modema, corn a sociedade industrial, dentro da qual o planejamento, o conhecimento tearico e a divisao do trabalho contam como fatores relevantes. Do movimento De Stijl e particularmente de Mondrian, a arte concreta herdou algumas ideias criticas basicas

A

G ULLAR acerca da linguagem da pintura. Da Bauhaus, a visao social da arte, o ideal de integragao da arte na cidade, na vida coletiva e ao mesmo tempo certo sentido experimentalista implicito no ensino bauhausiano. _ ,e que as artistas concretos tenham Nao pacificamente herdado aquelas ideias e aqueles problemas. Tanto no campo da expressao individual, como no campo da arte industrial e do ensino artistica, a posigao de Max Bill nao coincide exatamente corn a de seus antepassados culturais - Mondrian e Bauhaus. Mas o que os lip - alem dos pontos em comum - é que seus pensamentos, preocupagees e atividades prendem-se a uns mesmos problemas fundamentais. Se Bill discorda da tese de Mondrian, segundo a qual o despojamento estilistico tinha por Em dissolver a pintura na arquitetura, reconhece que sua obra abriu urn novo caminho para a arte e que seu ideal de integragao se vai processando em nossos dias. No que se refere a Bauhaus, Bill recolheu-the as ideias centrais, mas criticando-as e atualizando-as. Ao fundar a Escola Superior da Forma, em Ulm, preferiu urn matodo de ensino menos experimentalista e ao mesmo tempo mais


t.

preocupado corn a formagao individual. ProEssa submissao se manifesta de modo curou desvencilhar o industrial design da nomais evidente na pintura concreta do que cao restritiva de forma como produto da fun- na escultura. cao mecanica e incluiu a beleza no conceito 0 tratamento objetivo dos elementos vide funcao. suals - e a sua reducao a fatos perceptivos Ao adotar a denominacao de arte concreta, sem transcendencia - conduziu a uma atiMax Bill procurava delimitar a seu campo de tude analitica que deveria ser levada as Ulexperiencias em contradicao corn as manifes- timas conseqiiencias sob pena de se deter a taco- es ecleticas de arte abstrata as quais falexperiencia na mera utilizacao de efeitos tava, no seu entender, nao apenas a necessaeticos. Já desde a Bauhaus esse perigo se ria objetividade critica - reclamada por Mon-. anunciava, mas au i tais experiencias nao se drian e pela Bauhaus - como uma orientacao apresentavam coma urn fim em si mesmas: e urn objetivo. Na Bauhaus, aprendera a des- eram a preparacao para urn trabalho pratipojar as formas de toda e qualquer aderen- co - o desenho industrial, a arquitetura cia subjetiva, e descobri-la diretamente nas dentro da qual o artista já encontraria alqualidades imediatas dos materiais. Apren- guns determinantes formais e expressivos. dera a lidar corn as cores comofatos da per- Ora, no campo da expressao individual, cepgao, focos de energia que agem no campo como é o caso da pintura, as formas (e as visual, dinamizando as areas, criando goes cores) tern que trazer consigo uma signifie reacees entre si. Era esse vocatiulario puro, cacao que transcende o nivel perceptivo. recentemente descoberto, que deveria servir A simples "producao de campos de enerde base para uma nova linguagem estetica. gia, corn a ajuda da cor"- que para Bill consMas a reducao das formas e das cores a tituia uma das caracteristicas basicas da simples veiculos da dinamica visual nao era pintura concreta - limita excessivamente o suficiente para a estruturacao de uma nova campo da expresso do artista e torna as linguagem artistica, expressiva. 0 outro ele- varias obras apenas variageies de urn mesmemo de que Bill se valeu foi a matematica mo problema, de urn mesmo fenomeno fisie, quero crer, menos como meio de elabora- co. Mas nao seria justo admitir que as artiscao de suas obras do que como uma especie tas concretos ignorassem essa verdade elede mito tematico. A matematica passou a de- mentar da arte. Na realidade, partiam de sempenhar, na arte concreta, urn papel equi- urn conceito de forma - avalizado pelos valente ao de verdadeira realidade. Era, no psicologos da Gestalt - que identifica as leis fundo, a motivacao e a justificacao daqueda percepgao corn as leis do mundo fisico e las formas que surgiam sem qualquer refe- que procura explicar a percepcao segundo rencia a realidade natural. E a decadencia da aquelas leis. A Gestaltheorie nao distingue arte concreta se manifesta exatamente entre forma fisica e estrutura organica, enquando, invertendo-se as termos da ques- tre forma como acontecimento exterior ao ta°, passou-se a buscar uma aproximacao homem, sujeita as leis do campo em que ela major entre os dais campos - o da arte e o da se situa, e a forma coma significacao que o ciencia - o que, fatalmente, resultaria, como homem apreende. Maurice Merleau-Ponty resultou, no predominio dos principios des(La Structure du Comportement, Presses Unita sobre as daquela. versitaires de France, 1953, Paris), ao fazer a 58

critica daquela teoria, mostra claramente qual a distingao que existe entre a forma fisica e a estrutura organica, entre o comportamento da forrna no meio fisico e o seu cornportamento na percepcao. "A forma fisica diz ele - é urn equilibrio obtido corn relacao a certas condicaes exteriores dadas, quer se trate, como na divisao das cargas eletricas num condutor, de condigoes topograficas, ou, coma no de uma gota de Oleo no meio de uma massa de agua, de condigoes já por Si dinamicas". Sem clUvida, certos sistemas modificam por sua evolucao anterior as condicoes de que eles dependem, como mostra a polarizacao dos eletrodos no caso da corrente eletrica, e pode-se imaginar que sejam capazes de deslocar suas panes moveis de modo a restabelecer urn estado privilegiado. Mas a acao exercida de fora tern sempre par efeito reduzir urn estado de tensao, orientar o sistema para o repouso. Nat) se dill o mesmo das estruturas organicas, onde o equilibrio obtido nao corn relagao a condigoes presentes e reais, mas a condigOes apenas virtuais que o proprio sistema toma existentes. Nao caberia aqui expor par inteiro a critica de Merleau-Ponty a Gestaltheorie, embora isso pudesse tornar mais claro o nosso pensamento. Basta dizer que ele demonstra como as psicalogos da forma invertem os termos do problema da percepcdo e, embora nao o pretendam, reafirmam a contradicao homem-natureza. No que se refere a forma privilegiada, dizem as gestaltistas que ela o é par ser mais simples. Merleau-Ponty demonstra que pelo contrario, a forma é mais simples por ser privilegiada, isto é, nos a julgamos mais simples pelo fato mesmo de que ela se adequa harmonicamente a nossa percepgao.

0 conceito gestaltiano da forma aplicada a consideracao dos problemas esteticos tende a urn dogmatism°, porque, se as formas se reduzem a sua condicao fisica, se sao as mesmas leis que regem a forma fisica e forma na percepcao, entao é possivel estabelecer o privilegio de certas formas sobre outras. De um ponto de vista cientifico, podese dizer, par exemplo, que a gota de agua, por realizar o principio do maxima de materia no minim° de espaco, é uma forma perfeita. Mas, no camp° da estetica, a forma é perfeita em relagao ao que ela exprime e coma o que o artista exprime nao pre-existe a sua expressao, a "perfeicao" da forma 6 encontrada ao mesmo tempo que a forma: é a expressao mesma. Encarando a forma apenas coma fenomeno fisico - que ela tambem o e, sem chivida - a Gestaltheorie relega para segundo piano o problema da significacao. Mas a forma significativa é a materia mesma das artes visuais. Nao se pretende corn isso negar totalmente a Gestaltheorie - culas descobertas sabre as leis da percepgao sao definitivas mas, sim, adotando o ponto de vista de Merleau-Ponty negar a interpretacao teorica dos principios descobertos. A importancia dessa critica para a arte esta em que ela reabre o problema da percepgao ao inlet de oldlo como esgotado e decifrado. Se os teoricos da Gestalt estivessem corn a razao, nao restaria para a ante outro caminho senao aquale adotado pelos pintores concretos: se o fenameno da percepcao esta decifrado, se já sabemos coma se percebe, nao nos cabe mais que ilustrar esse conhecimento. E nao é outra coisa que faz Max Bill, par exemplo, no seu quadro Quadrado Branco, no qual urn quadrado branco, colocado assimetricamente numa estrutura de quadrados de

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Si


uma s6 cor, quebra a unidade estatica e logi- nos perceptivos imediatos pan lidar corn ca e lhe empresta dinamisrno. 0 que nos diz significaceies. A limitagao da arte este em esse quadro? Diz-nos que a mudanga de urn que, ao atingir esse ponto, ela se deteve, essimples elemento numa estrutura modifica quecendo-se da natureza critica de sua proa estrutura inteira. Mas como essa nao é se- blematica. 0 caminho a seguir era levar adiquer uma unidade nova, a obra se restringe ante a critica da linguagem visual: resolver. a ilustragao de urn problema perceptivo. a contradigao figura-fundo pela desintegraA redugao dos elementos pictoricos e cao e eliminacao da figura, da forma-objeto e plasticos ao nivel dos fatos perceptivos ime- reencontrar, noutro piano, o vazio malevidiatos foi uma necessidade real no processo tchiano. Do vazio nasce a significacao, ou nao critico da pintura moderna, e esta ligado, nasce nada. Mas o homem nao suporta o como o problema da representagao da natu- vazio e,porisso, ao defrontar-se corn ele, gera reza, a evolugao dessa arte pan uma lingua- de si um mito novo. . gem nova, independente, sem alusao a apaNo Brasil, sobretudo, o conceito purarencia do mundo. Se corn o Impressionismo mente visual da forma assumiu entre as arcomega a demoligao da linguagem tradicio- tistas concretos (particularmente, os paulisnal que explode definitivamente , no Cubis- tas) urn carter radical. Por isso mesmo, talmo, é corn Mondrian que o problema é posto vez, tambem aqui, surgiu a reagao a esse conem toda a sua evidencia• a representagao do ceito e urn movimento de revisao da teoria mundo é reduzida a linhas e pianos de cores concretista. Essa reacao se exprime nas ideipuras. Sao esses elementos que se fragmen- as e nas obi as do Grupo Neoconcreto, que tarao mais tarde nas experiencias bauhau- estudaremos aqui. sianas e na pintura concreta. Mas enquanto A arte neoconcreta ainda nao tern hist& em Mondrian e Malevitch aquelas formas ria, pois esta praticamente nascendo. Alem geometricas eram, na verdade, simbolos - re- de urn punhado de obras realizadas, ela é, ferencia a uma realidade abstrata - na arte sobretudo, uma experiencia estetica que se concreta elas se reduzem a fatos fisicos, a vai desenvolvendo dialeticamente a forga de materia sem mito e sem hist6ria. No entan- indagagOes e respostas. Vindos de experiento, o problema da representagao, al, nao s6 cias pessoais, ate certo ponto isoladas, mas permaneceu, como se agravou. Essas for- trabalhando as mesmas proposig6es gerais mas, em que pese o seu carater nao-alusi- da ante concreta, os artistas que integram vo, estao sabre um fundo de representagao esse movimento, encontram-se, ern cm -to - e assim continuam a desempenhar o pa- ponto, pela afinidade das solug6es que iam pel de figura. descobrindo. Essas solug5es permitiramColoca-se, de maneira crua e imediata, o lhes uma reformulagao de alguns problemas dilema figura-fundo. Mas no nivel da pura basicos da arte contemporanea. Em margo de percepgao, esse problema é insoluvel, porque 1959, realizaram no Museu de Ante Moderna tudo o que se percebe esta sobre urn fundo: do Rio de Janeiro urn Manifesto em que defia contradigao figura-fundo só e vencida tam a sua posigao. Sete artistas participariquando nao é colocada, quero dizer, quando am da I Exposigao Neoconcreta, que reuniu o artista deixa de defrontar-se corn fenome- trabalhos de pintura, escultura, gravura, poe58

sia e prosa. Estes artistas sao: Amilcar de Castro (escultor), Ferreira Gullar (poeta), Franz Weissmann (escultor), Lygia Pape (gravadora), Lygia Clark (pintora), Reynaldo Jardim (poeta) e Theon Spanudis (poeta). 0 Manifesto Neoconcreto - inserto no catalog° da Exposicao e publicado pelo SDJB em 21.3.1959 - afirrnava que a expressao neoconcreta define uma tomada de posigao em face da arte nao-figurativa geornetrica (Neoplasticismo, Construtivismo, Supremativismo, Arte Concreta), e particularmente, em face da direcao tomada no Brasil pela arte concretista. Passa, entao, o documento a examinar o desenvolvimento da arte construtiva (dita geometrica), corn o objetivo de explicar historicamente a exacerbagao racionalista a que essa tendencia foi levada e que terminou por sobrepor os conceitos objetivos da ciencia nos problemas esteticos propriamente ditos. Sendo na sua origem uma reagao a linguagem impressionista, a cuja dissolvencia opunha urn nova sentido construtivo, a arte dita geometrica se deixaria influenciar pelas novas concepcoes da Fisica e da Mecanica, tendendo naturalmente para racionalizagao cada vez major dos prop6sitos esteticos. A influencia da ciencia sobre a ante, na primeira metade deste seculo - diz o Manifesto Neoconcreto - n5o se fez apenas sobre a realizagao das obras, mas, sobretudo, sobre as teorias e a critica da ante que, a falta de uma terminologia nova e precisa, adotou a linguagem e o ponto de vista cientificos, colocando-se muitas vezes numa posigao que traia a complexidade do trabalho criador. Dal resultou uma orientagao limitada da experiencia em alguns casos e noutros a simplificagao dos problemas colocados por alguns grandes artistas e a incompreensao das ideias e prop6sitos contidos em suas obras.

Assim, os neoconcretos propunham uma revisao, de Mondrian, de Malevitch, de Pevsner e outros, partindo da conviccao basica de que a obra de ante nao pode ser a mera ilustracao de conceitos aprioristicos. A essa convicgao tinham eles chegado Por suas pr6prias experiencias e - o que é mais importante - depois de trabalharem dentro da area concretista. Foi o pi-4d° trabalho (e o pensamento sobre esse trabalho), que os levou a urn ponto em que as ideias formuladas da ante concreta já nao eram suficientes para a compreensao do que faziarn nem se harmonizavam mais corn seus propositos. Essa situacao levou-os a uma critica das ideias concretistas e, naturalmente, a necessidade de urn reexame do processo que conduziu a ante construtiva do Cubismo ao grupo da Escola de Ulm. Como vimos, a arte concreta chegara a uma concepcao teorica da forma que terminou por limita-la a determinados esquemas perceptivos. Corn isso, a experiencia do artista tambem teve de restringir-se a colocacao de problemas objetivos de composicao, de reacoes cromaticas, de desenvolvimento de ritmos seriados, de linhas ou superficies. Da impessoalidade pregada por Mondrian -o que pretendia na verdade era eliminar da obra as confissees individualistas, os efemeros .equivocos individuais - chegou-se a eliminagao da propria objetividade do artista, que foi substituida por uma objetividade exterior a ele, .ditada pela fatalidade das leis fisicas. 0 exame da problematica da ante construtiva nos ensina que esse fenOmeno conseqiiencia de urn trabalho critico que constitui o cerne mesmo dessa arte, mas ensina tambern que essa critica se liga igualmente ao aspecto significativo das formas e que so o esquecimento desse outro lado do problema deteria a ante concreta do ponto

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em que se encontra hoje. Chegado a esse escia, direta, novas significagoes. "E porque a Ogle de significacao formako artista concreobra de arte transcende o espno mecanico te deveria levar avante o processo critic° de que, nela, as nocOes de causa e efeito perque se fez herdeiro, ao inves de conforrnardem qualquer validez, e as nage- es de temse corn a coincidencia entre suas experienpo, espace, forma, cor, estao de tal modo incias e os principles teoricos da percepgao tegradas - pelo fato mesmo de que nao pre-. • descobertos pela Gestaltheorie. Nao $6 esses existiam, coma nocOes, a obra - que seria principios no esgotam o problema da perimpassive! falar delas como de termos decepgao, como a sua pun e simples existencomponiveis." Tais afirmagoes poderiam cia ja torna desnecessaria aos artistas prolevar a crer que os artistas neoconcretos varem o qUe esti formulado. A arte neoconpretendem fugir a toda e qualquer objeticreta pretende ter reaberto a questa° fundavidade para se lancarem no caos subjetivo. mental colocada pela arte contemporanea: Mas, na verdade, refutando a objefividade a questa.° de uma linguagem visual autonoexterior ao individuo, afirmam uma objetima nao-representativa. vidade mais profunda resultante da intima Por isso mesmo, as neoconcretos rejeitam integragao das faculdades mentais e sensequalquer formulacao que considere a obra dais do homem. Apenas rejeitam o primade arte como maquina ou como objeto, para do da razao sobre a sensibilidade, pan coaproxima-la antes de uma nocao organica. locar a percepcao estetica (percepcao da forSe é certo que se pode decompor a obra de ma) como uma faculdade capaz de apreenarte, em partes, pela arrange, nao é menos der e formular, sinteticamente, as complecerto que esse tipo de abordagem tern muixas experiencias humanas. E se assim pento pouco a ver corn a sua verdadeira realidasame por terem do corpo a nogao de totalidade, que se se rende ao espectador pelo concle simbOlica e simbolizadora; que a tudo apretato direto, pela apreensao fenomenolegica. ende como significacao, reage e transfere. "Acreditamos - diz o Manifesto - que a obra Assim a experiencia visual nao se limita de arte supera o mecanismo material sobre nem ao orgao de que se utiliza nem as coo qual repousa, e nao por alguma virtude notagoes limitadas a esse tipo de contato extraterrena: supera-o por transcender escorn o mundo. Na verdade, como diz Mersas relacees mecanicas (que a Gestalt objetileau-Ponty, "os sentidos se simbolizam", a va) e por criar para si uma significacao tacipercepgao de qualquer de nossos Orgaos ta. (M. Ponty) que emerge nela pela primeisensoriais respondem experiencias de tora vez". Trata-se, portant°, de urn problema dos os demais - tateis, auditivas, visuals, de significacao e nao meramente de percepgustativas etc. - e todas essas experiencias cao. Ao contrario dos concretistas, que trarepousam em nOs como significnoes na balham corn elementos explicitos, decifrados simbologia tacita do corpo - do corpo que, - que partem de urn suposto conhecimento par sua vez, nao se limita a ser um mecado que seja a forma, a core ate mesmo as leis nismo de relacees espaciais. E aqui tocamos que a regem os artistas neoconcretos preurn outro equivoco da arte concreta que ferem mergulhar na natural ambigiiidade do supOs chegar, pela depurnao dos elemenmundo para descobrir, nele, pela experientos visuais de tudo aquilo que nao fosse es-

BO

tritamente otico, as matrizes mesmas da visao. Mas como a visa° se constitui exatamente da soma das experiencias do corpo todo, o que certa arte concreta fez nao foi mais que criar artificios 6ticos, desligados da simbelica geral percepfiva e, por isso mesmo, destituidos de significacao. Evidentemente, nem todas as obras concretas podem ser acusadas dessa especie de alienacao. Devemos acrescentar ainda que, se esses objetos Oticos especiais conseguem certo cheque significafivo em quem os ve por quebrarem a norma perceptiva, logo sao eles assimilados, decifrados pelo corpo, passando a ocupar aui uma funcao significativa restritiva. Nao e preciso dizer que, na origem desse despojamento, este Mondrian, em Malevitch essa intencao esta sempre presente. 0 problema significative é deslocado.quando, em 1930, Doesburg estabelece um paralelismo entre as formas pict6ricas e as formas naturais, atribuindo aquelas uma concretude identica a destas. Enquanto para Malevitch o quadrado preto sobre fundo branco era "a sensibilidade da ausencia do objeto", para Doesburg o quadrado é um objeto tao real quanto uma pedra. Essa condicao de realidade esti implicita em qualquer signo e, mais importante que ela, é a significacao que ele carrega. A posicao adotada por Doesburg - que influenciou a arte concreta em sua engem - conduziu a uma relacao de objetividade mitre o artista e a forma equivalente a do cientista em face da natureza. Desligada do contexto significative geral, a forma foi submetida a exame de laboraterio, analisada e desintegrada como uma particula fisica. Despojada de todas as aderencias, naovisuais, por urn olho que quer atingir a especializacao de um aparelho mecanico, a forma reduziu-se a urn ato puro de percep-

cao, sem historicidade. E aqui se revela o fundo idealista da arte concreta que se pretende suspensa acima do devir, fora da Historia e da contingencia. A percepcao se faz no tempo. 0 que percebo é apreendido, selecionado e decifrado espontaneamente, segundo o que percebi antes. 0 mundo fluiria docilmente, atraves de seu corpo se, por baixo desse surdo murmune, eu nao percebesse uma estranheza que me leva a pensar o mundo, a me situar nele individualmente. A sua espontaneidade me nega e a minha interregna° me isola, porque eu me furto ao mundo para pensa-lo. Mas nao me furto o suficiente para nao lhe ouvir o nostalgic° murmririo. E preciso pensar espontanearnente o mundo, integrar o pensamento no fluir, pensar corn o con po. A arte concreta, para se livrar da espontaneidade natural que nega o homem, extirpou das formas a casca alusiva que as tornava faceis de apreender. Criou dificuldades percepcao, como toda arte o faz. Mas gando as forrnas da simbolica geral do corpo, chegou a urn extremo em que o homem é negado tambem. A arte neoconcreta reconhece a necessidade de uma reintegracao dessas formas num contexto de significagees. Volta a impregna-las das conotacoes mais imediatas que se realizam num nivel anterior as associagoes explicitas. A arte neoconcreta rompe cam a visa° especializada, estanque devolvendo as formas a sua multivocidade perceptiva. Essas ideias se tornarao mais claras quando examinarmos, adiante, as obras dos artistas neoconcretos.

II A arte neoconcreta nao é o resultado da pura e simples rejeicao dos postulados concretistas, nao e uma rend° exterior a eles:

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um aprofundamento da experiencia implfcita neles. Se termina pot contradize-los é porque busca, pot detras dos postulados,

A importancia da sena de obras realizadas por Lygia Clark, entre 1954 e 1958, reside no fato de ter ela, atraves dessas obras, uma intengao fundamental, anterior a pro- libertado o quadro de suas conotacoes trapria arte concreta, e quo, atraves do desen- dicionais, rompendo corn o espago de reprevolvimento da arte contemporanea, orien- sentacao que se mantinha ao longo da evotou o trabalho de artistas como Mondrian, luck pictOrica nao-figurativa, de Mondrian Tatlin, Malevitch, Sofia Tauber-Arp, Calder, aos concretistas. Teve ela a intuigao de que, Pevsner e outros. A rigorosa disciplina conlivre de todo intuito figurativo, era o quadro cretista originou a reagao tachista que pre- mesmo - a pintura - quo se punha em questende afirmar, no outro extremo, a ausencia tao. A eliminagao da figura e dos recursos extotal de ordem e disciplina. Os artistas neopressivos da pintura tradicional - ainda preconcretos, porem, sem negar a experiencia sentes mesmo no Cubismo - no significava passada abrem-na a novas possibilidades. apenas uma evolugao, urn elo a mais de uma Os problemas se recolocam. Os neocon- cadeia, mas a ruptura da cadeia. Uma corncretos, retomando a questao daforma signifi- posigao de formas geometricas em cores

cativo,

que os concretistas abandonaram vol- puras era ainda pintura? Se essas obras se tados para puros problemas de estrutura e desligavam totalmente do tipo de significatensees cromaticas, rompem corn o concei- gao quo definia a pintura, caberia ainda to tradicional de quadro e escultura e pro- vota-las a mesma fungao da outra pintura? poem uma linguagem efetivamente nao-fi- Essas perguntas Lygia Clark possivelmente gurativa, isto é, cuja expressao dispensa um nao as teria formulado aquele tempo, mas a esforgo metaforico para se realizar. A obra direcao que, a partir de entao, imprime a seu neoconcreta realiza-se diretamente no espa- trabalho, revela a presenga desses problego real, sem os apoios semanticos convencio- mas: preocupa-se corn a integragao da pinnados na moldura (para o quadro) e na base tura na arquitetura e realiza uma serie de (para escultura). maquetas de salas, quartos, halls, utilizanpasso decisivo para a colocacao explicido as linhas de jungao entre parede e porta ta desses problemas foi dado por Lygia Clark, como elemento diretor da decoracao. desde os trabalhos que realizou por volta de ja vimos, ao tratarmos do Neoplasticis1954, quando, rompendo corn a tematica mo, que a preocupacao dos pintores desse concretista, enfocou o quadro como urn todo movimento estava tambern voltada para a organic°, significativo, no qual a moldura tiintegragao da pintura na arquitetura. Acrenha tambem uma significacao. Se era certo dito que essa preocupacao, tanto ern Monque, para o artista, as relagoes entre quadro drian como em Lygia Clark, nasce do fato de e moldura, entre esta e o espaco interior e exquo o quadro, desligado de sua significacao terior, nao eram claras, isso nao impediu que, tra dicion a I, perde seu lugar no mundo, intuitivamente, levasse a experiencia adiandonde pensar o artista em dissolve-lo na arte, ate o ponto em quo tais relacoes já se ma- quitetura. Sucede, entretanto, quo se na nifestavam e 'he abriu novas perspectivas epoca de Mondrian, quando a arquitetura de trabalho. moderna comegava a se formular, tal uto82

pia ainda era possivel, hoje, a realidade a proibe. A arquitetura evoluiu para uma autonomia quo repele a superposicao de expressoes. A policromia arquitetonica tern sido realizada, mas polo proprio arquiteto, quando julga ele necessario o uso d a cor para completar a plasticidade da construgao. Colocada a questa° nestes termos, e verificada a impossibilidade da integracao, terfamos de concluir pela morte da obra de expressao individual. Esta seria, porem, uma conclusao teOrica, porque de fato Lygia Clark levou a experiencia adiante e encontrou uma resposta que, se destrOi o quadro reafirma a possibilidade da expressao individual sem ele. Lygia Clark enfrentou o quadro nao mais como urn apoio para a representacao, mas como um objeto-simbolo. Inverteu-lhe as relacoes - estendeu a cor ate a moldura, pos a moldura dentro dele - mudou-lhe a natureza e o sentido. Limpou-o das conotagees antigas e o trouxe de volta a percepgao impregnado de outra dinamica, de outros propositos. Já o quadro (se ainda era quadro) nao preexistia ao trabalho do pintor. Noutras palavras, o trabalho do pintor nao estava mais desligado da preparagao do suporte onde deveria depositar a expressao: o trabalho incluia - e nao artesanalmente apenas a prOpria criagao do quadro como realidade material existente: quadro e expressao se confundiam, ambos, nasciam de urn mesmo movimento formulador. Lygia Clark eliminou a contradicao entre o fundo representativo e a forma-signo: o quadro inteiro tornou-se a forma-signo, cujo fundo é o espaco real mesmo - o mundo. Corn isso, Lygia Clark abriu urn caminho para sua expressao. Das superficies moduladas (1956 a 1958), constituidas de placas pretas

e brancas pie parecem vir de fora pan se articularem no quadro e o construir, passou ela aos contra-relevos, em quo essas placas já se superpeem, mantendo, entretanto, sensivel a sua independencia individual, o quo lhes empresta uma especie de transparencia virtual. Urn novo problema de tempo perceptivo se esboca nessas obras, dando-se, tambem, um enriquecimento da percepcao visual contaminada de conotagees tateis peculiares. Mas esses contra-relevos, muito embora sejam expressaes completas e autonomas, eram ainda uma etapa nesse caminho de Lygia Clark para construcao no espaco. Continham eles, em germe, as possibilidades quo ela iria desenvolver plenamente nos sous nao-objetos mOveis, a quo den o nome metaforico de bichos. Aqui, Lygia Clark abandona a madeira e passa a utilizar o metal, em chapas que se articulam corn dobradigas as quais funcionam como a espinha dorsal da estrutura. Os elementos primeiros da construgao sao, em geral, duas placas sobrepostas, subdivididas e articuladas pot dobradigas, sendo que a placa de cima e a de baixo, prendem-se uma a outra num ponto qualquer. 0 movimento quo se faz corn qualquer das panes de uma das placas promove o desdobrar progressivo das outras, de modo que a estrutura toda se levanta e vai se transformando a medida que coritinuamos a movimenta-la. Esses movimentos implicam o deslizar das placas umas nas outras, no aparecer e desaparecer de formas, planas e vazias como se se desse o nascimento e a elaboragao sucessiva do espago e da forma. Detida em determinada posicao, a estrutura nos comunica aquela mesma sensacao de transparencia e de tempo acumulado quo sentimos nos

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contra-relevos. Aqui, entretanto, as conotagoes tateis se somam a solicitagao motora e, se atendemos a essa solicitacao, se movemos a estrutura e a transforrnamos, já uma segunda contemplacao se nos oferecera mais rica de conotacoes: a nossa prOpria experiencia motora aderiu a estrutura e é como se nOs tivessemos verficlo nela; contemplamo-la agora, nao mais como uma coi sa exterior a n6s, mas coma um produto tarnbem do nosso esforco, de nossa agdo: a obra toma-se, ate certo ponto, tambein obra nossa. E nisso reside outro aspecto importante e nova desses nao-objetos de Lygia Clark. E que, corn eles, a relacao entre o espectador e a obra se modifica. 0 espectador, que entao nao é o espectador imovel - é chamado a participar ativamente da obra, que nao se esgota, que nao se entrega totalmente, no mew ato contemplativo: a obra precisa dele pan se revelar em toda a sua extensao. Mas aquela estrutura /novel possui uma ordem intema, edgencias, e por isso nao bastard o simples movimento mecanico da mao para reveld-la. Ela exige do espectador uma participagao integral, uma vontade de conhecimento e apreensao.

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Ill A I Exposicdo Neoconcreta, de margo de 1959, recolocando as problemas da arte geometrica, teve efeitos beneficos sobre alguns artistas ligados a essa tendencia. A critica da forma seriada, tao comum nas obras concretistas, vinha libertar a pintura construtiva desse tipo de concepcao e reabria perspectivas para uma arte de expressao em que a forma significante retomava o lugar dos jogos 6ticos que haviam conduzido a arte concreta a urn impasse. Em lugar das composicOes vibrateis, da exploracao 'Mica de elementos cromaticos e

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formais, os neoconcretos propunham uma compreensao da forma coma duracao, o que implicava a interiorizacao dos ritrnos visuais, a busca de uma significacao mais profunda, mais complexa. Libertos dos principios aprioristicos que tinham desligado a forma visual de toda contaminagdo, as neoconcretos, par assim dizer, fizeram-na baixar de novo a terra pan torna-la veiculo de sua vivencia pessoal. Nao se tratava de uma ruptura corn toda a experiencia da arte construtiva, iniciada no Cubismo, mais radicalmente, por Mondrian. Tratava-se, antes de uma retomada dessa experiencia exatamente no que ela possufa de mais revolucionario. Na sua origem, a pintura geometrica nao tinha o sentido cientificista que se lhe atribuiu depois: era a busca intuitiva de uma nova linguagem simbolica, de significacao direta, que vinha substituir a linguagem iconica da pintura tradicional. Aquela pintura tinha, coma intuito fundamental, a eliminacao da representacao, e essa eliminagao se foi fazendo, passo a passo, atraves desse meio seculo de arte dita abstrata. Das formas significativas chegava-se as formas geometricas puras, mas essas formas se desenhavam, ainda sabre urn espago preexistente que continuava a afirmar seu carater de figura, de representacao. Foi esse espago que a arte neoconcreta destruiu. Já vimos de que maneira Lygia Clark enfrentou esse problema e as conseqiiencias que teve, pan sua evolucao pessoal, a solucao que encontrou. Outros artistas se acercaram dele e tambem, procuraram, par sua vez, resolve-lo. to caso de Aloisio Carvao e Hello Oiticica. Aloisio pertenceu ao grupo de pintores que constituiram o Grupo Frente, tendo sempre se caracterizado pelo esmero no acabamento e harmonia sutil dos elementos lineares e cromaticos. 0 contato corn as obras

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e ideias dos concretos paulistas, na I Exposictio Nacional de Arte Concreta (1956-57), levouo a um despojamento major da forma, a rejeicao integral das combinaceies tonais, don: de evoluiria para urn tipo de construcao em que forma e fundo se entrosam num so movimento. 0 melhor exemplo dessa fase de sua pintura é o quadro Ritmo Centripeto Centrifugal, exposto no Sala° Moderno de 1958. Já nesse quadro, Carvao se livra da composicao segundo elementos seriados e busca a duracao da forma em lugar de sua dinamica exterior. A exposicao neoconcreta de margo de 1959, viria ampliar nele essa divergencia cam a concepcao concretista o que the permitiu voltar, já dentro de outra visa° espacial, a exploracao da cor, que o rigor concretista o fizera abandonar. Mas nao se trata, aqui, de mera volta, e sim, de redescoberta, uma vez que a cor ressurge livre de qualquer funcao figurativa ou demarcativa, para se tomar o elemento fundamental, significante, da obra. Tampouco pode-se dizer que se trata de car subjetiva, no sentido de que esteja ela presa as tonalidades pr6prias a car atmosferica, de fundo figurativo e sentimental. A con das Ultimas obras de 'Cana° (19591960), é a urn tempo clara e densa, nem se expOe totalmente a percepcao nem se refugia em dissimulagoes e truques. Ela dun diante de nos. A vista a penetra, mas nunca ate a decifragao total, coma se se alojasse no ceme da car, na polpa da car, la onde a percepcao ja nao encontra a resistencia do objeto e onde tudo e apenas tempo de perceber. Nesses quadros de Carvao, já n5o se encontra uma composicao sobre urn fundo, mas, apenas, faixas de car que parecem vir de fora da tela e que all se justapOem. Essa nova concepgao espacial - nova no sentido

de que é, agora, explorada conscientemente, dentro de uma problematica expressiva - nos revela urn sentido inusitado da superficie que nao mais se submete a funcao de fundo e urn nova sentido da forma que já nao é figura (mesmo geometrica). A forma aqui, é por assim dizer, a espacializacao de urn tempo cromatico, resultado de urn movimento interior Unico que ali se exterioriza diretamente. Hello Oiticica, o mais jovem dos artistas neoconcretos, partindo tambern dessa visa() organica da forma-cor, realiza uma experiencia muito pessoal, audaciosa, que o levou a romper corn a superficie bidimensional e corn o suporte ortogonal. Primeiramente, reduziu seu interesse cromatico ao branco, variando-o, apenas, na textura e na intensidade. Seus quadros dessa fase continham, apenas, duas ou tres faixas de branco que nos convidavam a uma contemplacao silenciosa e ascetica. Mas se em Carvao o motor principal é a cor, em Oiticica é a forma, ou pelo menos urn sentido espacial da cor que nao se satisfaz na bidimensionalidade. Já vimos como o problema da ruptura corn a bidimensionalidade esti presente na obra de Malevitch, de Tatlin e Rodchenko. A pintuna do passado, anterior ao lmpressionismo, era dotada de uma tridimensionalidade virtual, isto é, dada pelo aprofundamento em perspectiva dos pianos e dos valores cromaticos. Era uma tridimensionalidade representada e que se projetava para dentro da tela. t natural que uma pintura que rejeite a representacao - que se queira uma realidade em si mesma - tenda ao espago tridimensional, uma vez que esse é o espaco organic° par excelencia. Compreende-se, portant°, a solucao pretendida par El Lissitzky, quando tentando conciliar o quadro e a ne-

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cessidade de espacializacao da pintura, criava urn espago virtual tridimensional para fora, numa inversao da perspectiva tradicional. Mas se tratava, ainda, de um espaco representado, insatisfatorio, portanto, ja que o problema estava em romper corn a representacdo, mesmo abstrata. Por isso, Tatlin e Rodchenko construiram contra-relevos (expressdo intennediaria entre a pintura e a escultura) e Malevitch suas arquiteturas suprematistas. Esse e o caminho retomado por coincidencia e necessidade, por Lygia Clark elio Oh ticica - cada um ao seu modo - quando rompem corn o quadro e constroem diretamente no espago. Depois dessas superficies pintadas corn formes faixas de branco, Oiticica pintou urn conjunto de quadros de dupla superale que se dispOem no espaco segundo uma organizagao determinada. 0 espectador deve caminhar em torno das placas e entre elas, a fim de apreender a cor, ja nao como uma pele esticada em determinado ponto do espago, mas como relacao dinamica espacial - de apreende-la como espaco, urn novo espago criado pela luminosidade da con Penetra-se, assim, numa concepeao arquitetonica da cor. 0 passo seguinte de Oiticica foi romper corn a forma retangular do suporte, buscando uma unidade major entie a forma e a cor entre a forma-cor e espago: o suporte tornaria a forma exigida por uma visa() dinamica da car no espaco. E o caso do Branco 16, exposto no Sala° Moderno deste ano. No obstante, sentiu o artista a necessidade de uma integracao major entre as duas superficies que constituiam as seus nao-objetos. An inves de duas visoes frontais, mutiladas, era preciso oferecer ao espectador uma visa° continua da estrutura-cor, donde viria, tambern, major entrosamento dessa estrutura no espago. Dal pas-

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sou aos nao-objetos mais recentes, onde, inclusive, ja se verifica urn interesse mais acentuado pela explorae5o das multiplas direg5es do espago: a estrutura, nao apenas resulta da acumulagao de placas de cot -, como se abre em labirintos, em cavidades ambiguas, onde a cor parece ressoar em contraponto a superficie deflagrada na luz. Aonde irk dar tais experiencias? E impossivel dizer. Mas se essas obras sao experiencias no sentido de que convocam novos problemas, novas preocupacoes, novas relagoes dentro de nosso vogabulario visual, sac) tambem, obras, expressao realizada, cuja decifragdo plena so se dara corn o tempo. Por ora, elas falam, talvez, apenas, a um grupo restrito, inconformado, e s5o, tambem, a expressao desse inconformismo. Admito que a maioria das obras neoconcretas se situa num limite extremo de nossa cultura visual, quase desligada da sintaxe geral que enlaca, explica e absorve as obras de arte contemporaneas. Mas, pot- isso mesmo, tern essas experiencias o direito de reclamar para si a qualidade de uma nova sensibilidade. Tanto mais qUando a situacao da arte contemporanea nao deixa davida quanto a dissolugao das formas de expressao vigentes no campo das artes visuais. nr 0 problema da escultura na arte neoconcreta colocon-se de modo semelhante ao da pintura, muito embora guardando suas caracteristicas prOprias. Tambem neste campo, a forma significante substituiu a forma (idea e, conseqiientemente, passou-se do ritmo seriado a uma concepc5o mais cornplexa da escultura. Os dais escultores que participam do movimento neoconcreto - Franz Weissmann e Amilcar de Castro - vieram ambos da expe-

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riencia concretista, mas, tanto um como outro, sempre mantiveram certa distancia corn respeito aos principios ortodoxos da arte concreta. Ambos sofreram uma influencia inicial de Max Bill e dela partiram para a descoberta de sua expressao pessoal dentro do vocabulario construtivo. A arte concreta encontrou, no campo da escultura - ou da construed° no espago real - terreno mais propicio para seu desenvolvimento do que na pintura - espaco bidimensional - onde se limitou, na maioria dos casos, a ilustraeao de problemas perceptivos. 0 interesse dos artistas concretos pela ex, .ploracao de novas relagoes espad-tempoo rais - o problema das superficies sem-fim, das maltiplas diregees do espago etc. - nao poderia, na pintura rir alem da representacao de tais problemas, enquanto que na escultura, lidando corn elementos reais, era mais livre a invengao e maiores as possibilidades intuitivas. A superioridade das esculturas de Bill sobre suas pinturas nao indica simplesmente que Bill é melhor escultor que pintor mas, sobretudo, que as ideias concretistas nasceram de preocupae5es ligadas a construgao no espago real. Weissmann era ainda urn eScultor figurativo quando, em fins de 1951, conheceu a Unidade rflipartida, de Bill, exposta na I Bienal de Sao Paulo. Aquela epoca, esculOa figuras onde os elementos naturalistas se reduziam a uma combinagdo de retas e curvas: encontrava-se, portant°, a urn passo da abstracao, mas vacilava em dar esse passo. Bill revelou-lhe urn novo cam inho, que Weissmann procurou seguir sem se desligar inteiramente das experiencias anteriores. Passou a trabalhar corn metal - chapas e cilindros ora pintando-o, ora conservando-o a mostra, já sem qualquer alusao aos objetos naturais.

Por volta de 1953, Weissmann comeca a Se libertar da innuencia vocabular e tematica de Bill. Abandona o problema das superficies continuas e nao-orientaveis, para se interessar sobretudo pelo vazio, isto é, pelo espago. Sao dessa epoca as primeiros trabalhos que realiza corn delgadas barns de aluminio que se desenvolvem no espago explorando-lhe a ambigaidade e acentuando-lhe a indeterminacao. A forma al se reduz a urn desenho no interior do espago, como mero sinal, indicacao ou sugestao que serve apenas para revelar o espago em sua plenitude, uma linguagem propria, despojada em sua fecunda delimitagao. Durante os anos subseqiientes, Weissmann aprofunda essa expressao, encontrando ritmos cada vez mais economicos e mais diretos para mostrar o vazio. Chega enfim a estruturas de grande leveza, ricas de perspectivas que se impunham ao espectador como um milagre de captacao dessa coisa impalpavel e fugidia que é o espago. Chegado a esse limite, Weissmann passa a enriquecer de novo suas construcoes já agora visando mais a uma orquestrag5o desses ritmos de linhas e vazios, de que sao exemplo a Torre e a Ponte, expostas no VII Sala° Nacional de Arte Moderna. Mas essas obras, em que pese ao toque pessoal inventivo que Weissmann conseguiu incutir-lhes, ainda eram urn prolongamento do vocabulario concretista. Foi por volta de 1958 que sua escultura ganhou um sentido mais organic°, de ritmos descontinuos e repousados, e o espaco, por eles captado, assumiu uma expressao mais inferior, de repercussaes mais amplas. A qualidade e o carater pessoal da obra de Weissmann advem sobretudo de set- ele urn artista predominantemente intuitivo,

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que busca in experiencia direta da forma e do espago a estrutura de suas obras. Suas ideias nascem diretamente do trabalho, como problernas imediatos aos quais c1á ele solucao: a teoria nao entontra campo para se formular. Nao obstante, afirmou Weissmann, certa vez, que "a escultura deve nascer do chao como uma arvore"; afirmagao que, alem de acentuar-lhe a natureza organica do pensamento escultorico, toma evidente sua preocupagao em eliminar da escultura o prop6sito representativo ou ilustrativo. Reside nesse carter organic° de sua obra a afinidade que o liga ao movimento neoconcreto. Amilcar de Castro, depois das primeiras obras que realizou dentro da area concretista em 1952, entregou-se a uma dura e solitaria indagacao, de que emergiu, finalmente, amadurecido e já dono de uma linguagem pr6pria, despojada e intensa. Amilcar é um artista de muitas e complexas indagacoes, de modo que sua obra evolui, pausada e densamente, como o produto de uma experiencia mais geral de que a obra que busca a expressao exata e definitiva. Sua passagem para a linguagem nao-alusiva fez-se sem vacilagoes, e uma vez situado nesse novo campo, comecou a dabalhar e a indagar na procura de sua significagao profunda, de algo que tomasse essas formas puras veiculos de significados que transcendessem a mera percepgao fistca. E possfvel que tais problemas nao se colocassem, entao, para Amilcar, corn essa dareza, mas as obras que realizou nessa epoca (como o trabalho que exp6s na II Bienal de Sao Paulo) nao deixam clinrida quanto a vontade de alijar de sua linguagem qualquer residuo de gratuidade. Na I Exposictio Neoconcreta, em 1959, Amilcar voltou a expor depois de sete anos de BB

aparente silêncio, e as obras que mostrou entao eram ja uma linguagem poderosamente significativa. 0 ponto comum de todas etas estava na expressao de uma forga interior contida pelos ritmos implacaveis e decisivos da estrutura. Havia, entre elas, uma em chapa de ferro que se abria em dois pianos inclinados, para cima e para baixo. Tratava-se, na verdade, de uma so chapa cortada ao meio submetida a uma torgao precisa e expressiva - que, por assim dizer, deflagrava um dinamismo novo no espago, transfigurando a forma e a materia. Essa obra seria a fonte de uma serie de outras que Amilcar realizou de lá para ca, des das quais foram expostas no IX Saldo Moderno, em 1960. Nessas oltimas obras, Amilcar amplia o alcance obtido na primeira, e apenas pela orientagao dos tortes e dobras, a que submete a plata retangular de que partiu. Os ritmos conseguidos pelo levantamento de algumas panes da plata, pela toredo de outras, pelas diferencas de pianos, pela tensao e distensao da superficie, emprestam-lhe uma validade explosiva, urn dinamismo virtual de gesto detido na iminencia da atualizacao. Por isso mesmo, esse movimento, que jamais se atualiza, jamais se perde e, deddo, converge para o interior da pr6pria forma, para o interior de si mesmo, e nos leva consigo pan a intimidade da obra. E a sua obra uma linguagem essential, realmente nao-alusiva e na qual nao se descobrem sequer as referencias a "problemas" geometricos ou matem autos. Que suas obras possam implicar uma organizagao matematica qualquer - ou sejam redutfveis a ela - é questdo que nao diz respeito a sua natureza significativa de obra de arte. E a importancia do trabalho de Amilcar - como

em geral dos artistas neoconcretos - reside precisamente na tentativa de formular o mundo pela primeira vez, de capta-lo numa sintese intuitiva. Trata-se de uma experiencia dramatica em que a liberdade total se op6e uma vontade de ordem, mas uma ordem que brote da liberdade mesma. Dal a necessidade de urn rigor, de uma disciplina intema que nenhum principio a priori pode suprir. 0 artista esti entregue a si mesmo e a sua linguagem potential que, antes da obra nascer, é apenas urn marnero indeterminado de possibilidades formais. E a prOpria ordem nao é entao mais que uma possibilidade - estariamos no caos nao fosse a vontade de significageio que é a origem e o termo do trabalho criador. Mas essa significagito, por sua vez, nao é passive' de formulacao - de existencia - sena° al, de modo que ela e a obra se fundam mittua e simultaneamente. A obra é o lugar da obra. Por isso mesmo, as obras de Amilcar de Castro sao nao-objetos, nao tern base, suporte, nem precisam ter, uma vez que, na sua origem mesma, esta esse desamparo essential que e a condicao da experiencia estetica. Para o artista e para o espectador. V Foi na II Exposicao Neoconcreta realizada em novembro de 1960, no salao de exposicOes do antigo Ministerio da Educagao, que pela primeira vez, tive uma visa° de conjunto das obras dos varios artistas, podendo assim confronta-los, formular identidades e diferencas. Nesta altura do movimento neoconcreto, quando os artistas individualmente definiam já o seu rumo, era oportuno deixar-se de lado toda e qualquer conceituacao anterior e tentar uma nova abordagem do fenomeno, pat-Undo das obras mesmas.

Dentro da problematica geral da arte neoconcreta, pode-se distinguir, atualmente, nao direi duas tendencias, mas dois tipos de expressao diferentes embora afins: um que tende a diluicao das formas no movimento e outro que busca apreender o movimento pela forma. A primeira expressao alimenta-se do devir, da metamorfose, e quer se manter nele; a segunda quer incorpora-lo a obra, ultrapassando-o - criando uma imobilidade aberta. Os bichos nao-objetos de Lygia Clark, exemplificam o primeiro caso, enquanto as obras de Amilcar de Castro exemplificam o segundo. A apreciagao das obras desses dois artistas nos revela, de inicio, uma diferenca basica: as de Amilcar, embora suscetiveis de serem colocadas em varias posicoes, nos dao, em cada uma dessas posigoes, uma visao instantanea de sua totalidade. E certo que somos obrigados a girar em torno da obra para apreender todos os fingulos de determinada posted°, mas nesse girar somos orientados pelo primeiro golpe de vista que já inclui a necessidade dos demais. E depois de girarmos a sua volta já podemos, de qualquer angulo, apreende-la integralmente: ela esti au totalmente, au explicitamente aberta no espago. A soma dos angulos de visa° se deposita toda na forma presente. Outra coisa se passa corn as obras de Lygia Clark, pelo menos corn a maioria dos seus bichos. A primeira visa° é perturbadora e o nosso movimento em torno da obra nao é suficiente pan apreende-la: pianos de diferentes formas se interpene tram, mergulham uns nos outros em direcees contraditOrias, perdem-se e reaparecem noutro ponto, numa aglutinacao de petalas que solicita nossa intervened°. Intenrimos; nos-

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so trabalho é de andlise, é de separar para apreender, mas o movimento que fazemos corn intuito de desentranhar determinada forma, se de fato o explicita, esconde outras, e dal essa sensagao de fuga que se observa nos "bichos". 0 movimento do espectador sabre o bicho transforma-o (na medida em que ele quer ser transformado), cria novas aspectos, mas destr6i outros e, em alguns casos, e tao complexo cada aspecto criado e destruido que $6 o seguinte completa a apreensao do anterior e lucra dele, de modo que todos os aspectos se_diluem uns nos outros incessantemente e a experiencia do espectador, par sua vez, nao se fecha numa forma explicita mas resulta precisamente essa sucessao de miragens que se prometem e se furtam: as formas se diluem no movimento e o que resta em n6s é a experiencia da metamorfose. Lionello Venturi, ao ver algumas dessas obras, disse que sentia nelas qualquer coisa de diabolic°. Talvez guisesse ele referir a essa estranha capacidade dos bichos de se darem a urn s6 tempo como realidade e como miragem - o objeto que nao é um modo do nao-objeto. Aproveito essa diferenciagao fundamental - constatdvel por qualquer pessoa que faga a experiencia dessas obras - para reforgar minha tese de que esses nao-objetos de Ligia Clark nao sao esculturas. Eles nasceram, de fato, da pintura, e se ocupam o espago tridimensional - que é sua afinidade cam a escultura - continuam a participar tambem da expressao pict6rica já que negam a tomar uma existencia espacial definida, do corpo. Por outro lado, limitam o seu parentesco corn a pintura quando rejeitam a condigao de imagem para serem miragem. Muito mais perto da escultura estao as obras de Amilcar, que tambem sao nao-

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objetos porque já nao possuem alguma das caracterfsticas essenciais da escultura. A compreensao dessa afirmativa se toma mais clara se se admite que a denorninagao de escultura para as obras de Gabo, Pevsner, Vantongerloo e Bill já nao tinham mais que uma fungao de comodidade. Essas obras sao de fato, antiesculturas, porque na sua criacao este o proposito de libertar-se das qualidades essenciais da escultura: a figuracao, a massa, o volume, o peso. Enfim, de libertar-se tambem da condigao espacial, para integrar em si o tempo. Nao mais o tempo exterior, nascido do movimento do espectador a volta da obra, mas o tempo como elemento inferior a obra, constitutivo dela. Em Amilcar de Castro, a diferenca com a escultura tradicional se amplia, ele nu° apenas elimina a posicao privilegiada (suas obras podem ficar em qualquer posigao), como parte do piano para a criacao do espaco profundo, o que é inverter totalmente o procedimento escultorico. Alem do mais, essa inversao nao se limita ao procedimento do escultor porque ela este na expressao mesma da obra, que reside exatamente na tensao entre volume criado pelo corte e torcao da superficie original e a propria superficie que quer se reintegrar no piano. Esse conflito - que é tempo - entre a superficie e a profundidade espacial - a perspectiva, a verticalizacao do espago cezanniano, a afirmacao do piano no piano de Mondrian etc. - é urn velho problema da pintura. Assim temos aqui, inversamente, num escultor, a mesma convergencia de problemas

pict6ricos e escult6ricos que encontramos em Lygia Clark. 0 fato de tais obras nao se enquadrarem nem no conceito de pintura nem no de escultura nao significa que elas sejam meras

experiencias ou expressoes hibridas, a me : nosqueprtdami nure escultura sao categorias eternas... Já os nao-objetos de Hello Oiticica estao mais perto do segundo dos tipos de expressao a que nos referimos acima: neles o movimento é usado para criar a forma. 0 espectador, que gira em tom° da obra, tern no fim, num dos aspectos, a imagem sintetica da estrutura total. E certo que, nele, a estrutura nao se dá com a mesma explicitude, corn a mesma clareza que em Amilcar. E isso precisamente porque Hello Oiticica vem da pintura, e, se chega ao espago organic°, é para afirmar nele a con a estrutura nao vale sena° coma velculo cromatico - o meio atraves do qual a car invade o espago, situase nele e o modula. Nao se trata mais da cor alusiva nem da cor local nem da cor-sfmbolo: é a cor-estrutura cuja significagao emotiva emerge da forma em que se dd. Tambem aqui estamos entre a pintura e a escultura, fora das duas e mais proximo da primeira pela persistencia da imagem cromatica. Willys de Castro apresenta objetos-ativos corn que procura eliminar a superficie basica da pintura reduzindo o piano frontal da obra ao fib da superficie, a sua espessura. A cor que ocupa de alto a baixo esse exiguo piano rompe-se de repente em determinado ponto e o fragment° da cor, que falta au, desliza para o piano lateral, indicando uma continuidade da superficie fora do piano. 0 problema colocado nessas obras é interessante e nova, porque repoe noutros termos o conflito entre a superffcie bidimensional e o

espaco de profundidade real; o tempo - o movimento do espectador- recupera a bidimensionalidade do espaco tridimensional. Alofsio Carvao, Decio Vieira e Hercules Barsotti mantem-se menos afastados dos procedimentos usuais, o que nao impede naturalmente de alcangar uma expressao pessoal: pelo contrario, é justamente essa possibilidade que os situa au. Carvao, que j1 vem demonstrando em seus Ultimos quadros expostos um extraordinerio dominio da cor - que nele atinge uma densidade perceptiva nova -, apura cada vez mais a sutileza de seus tons, deixando agora que a sua pintura se enriquega de uma luminosidade imanente, que surge da prepria pigmentagao sem nenhum recurso facil. Como urn simbolo de sua concepgao cromatica, de sua vivencia da cor, expo's ele tambem um bloco de cimento pintado de vermelho, que é ao mesmo tempo urn gesto de audacia e humor. Decio Vieira continua a apurar seus acordes baixos de brancos e cinzas, eth que as vezes introduz a nota fina e vibrante.de uma linha de cor. Barsotti aspira a dinamizar amplas zonas vazias, pela introdugao de uns poucos elementos de intensa vibragao 6tica. Seus trabalhos atuais sao, ao que tudo indica, caminho para experiencias mais complexas em que esses grandes planos vazios ganhem maior expressao interior. Por essa visao panoramica do trabalho dos artistas plasticos pode-se avaliar a forca do movimento neoconcreto que cada vez mais amplia suas perspectivas colocando novas problemas e diversificando-se em express5es individuais e autonomas.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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ARTE NEOCONCRETA UMA C0NTRIBUIcA0 BRASILEIRA - FERREIRA GULLAR

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As ideologias construtivas no ambiente cultural brasileiro RONALDO BRITO _ A'

analise do movimento concreto bra, sileiro (e nao apenas a de sua producao visual como a que iniciamos acima) . só pode ser feita produtivamente quando localizada num campo mais amplo: o da penetragao das ideologias construtivas no Brasil e o seu desenvolvimento como talvez a Unica forma organizada de estrategia cultural que, ao longo dos anos 50 principalmente, se opos as correntes nacionalistas, intuitivas e populistas que culminaram coin o CPC (Centro Popular de Cultura). Nessa direcao ampla, concretismo e neoconcretismo formam sem dovida urn par, sao indissociaveis como respostas de cellos setores questa() do desenvolvimento social e cultural do Pais. E no bastara nunca recalca-las sob o Haul° de "vanguardas aristocraticas", nem obviamente acusa-las de alienadas politicamente. Porque, como resposta cultural, a vanguarda construtiva brasileira frac) abrigou apenas liberais esclarecidos e cosmopolitas, mas tambem dissidentes do projeto cultural da esquerda dominante, coma era o caso de Mario Pedrosa. E se o concretismo tinha

*Texto publicado no Catalog° Projeto Constirutivo Brasileiro ( Referencias no final deste volume) IN. 01

uma crenca ingenua e afinal capitalista na tecnologia em si, e tendia ate para uma visa() tecnocrata de cultura, e se o neoconcretismo era opaco politicamente e operava nos limites estabelecidos pan a pratica da arte na sociedade sem uma visao critica de uma insercao social, ainda assim seria simplesmente leviano considera-los reacionados e algo no genera Tiveram, é claro, uma inscricao politica no ambiente cultural brasileiro, cuja analise é extremamente cornplexa. Este estudo é apenas uma pequena parte dessa investigacao teorica. As ideologias construtivas estao organicamente ligadas ao desenvolvimento cultural da America Latina no period° de 194o a 1960. Encaixavam-se coin perfeicao os projetos reformistas e aceleradores dos paises desse continente e senriram, ate certo ponto, como agentes de libertacao nacional frente ao dominio da cultura europeia, ao mesmo tempo em que significavam uma inevitavel dependencia a ela. A pergunta obvia é a seguinte: de que maneira poderiam servir a emancipacao cultural desses paises frente as suas tradicoes colonizadas? Uma resposta possivel diz respeito a aspiracao dpicamente construtiva de planejar o ambiente social segundo os moldes de uma racionalidade modernizadora que entrava sis-


tematicamente em choque corn a mentalidade vigente e colonizada: E, mesmo que essa modemizacao tivesse urn carter basicamente capitalista, implicava a formagao de quadros nacionais, aptos a equacionar as solucoes adequadas a realidade local. Apenas o combate relativamente anticolonizador promovido pelos agentes das tendencies construtivas ocorria no piano de urn "know how" cultural e tecnico, fora do campo propriamente politico. Diante das evidentes limitacoes da proposta nacionalista, corn sua pouca lucidez ideologica, os agentes construtivos pareciam set poder agir abdicando do politico, colocando-se no terreno neutro da culture e da economia no caso dos concretos, cu no terreno neutro da culture e dafilosofia, no caso dos neoconcretos. 0 estudo dos efeitos da penetracao das ideologies construtivas no ambiente cultural brasileiro, dos residuos que ainda hoje impregnam esse ambiente, das realizagOes praticas e das questees te6ricas que permitiram esse estudo superam amplamente os limites desse ensaio. Mas a analise do trabalho visual do movimento neoconcreto parte integrante desse estudo e 56 dentro desse campo, acreditamos, tera urn interesse teorico e historic°.

Neoconcretismo A nossa tese é que o neoconcretismo representou a urn so tempo o vertice da consciencia construtiva no Brasil e a sua explosao. E urn objeto de estudo complex° exatamente por causa disto: em seu interior est5° os elementos mais sofisticados importados da tradicao construtiva e tambem a critica e a consciencia implicita da impossibilidade da vigencia desses elementos como projeto de vanguarda cultural brasileira. E 74

urn fato hist6rico que o neoconcretismo foi o ultimo movimento plastic° de tendencia construtiva no Pais e que, inevitavelmente, encerrou urn ciclo. Corn ele termina o "sonho construtivo" brasileiro como estrategia cultural organizada. Como consequencia do movimento eoncreto, e mais amptamente como seqiiencia da penetracao das esteticas construtivas, o neoconcretismo movia-se corn facilidade em seu campo de age°. Formado por artistes de classe media alta as vexes, desligado de pressees de mercado e, de certo modo, isolado pela defasagem cultural do ambiente onde operava, foi sobretudo uma serie de experiencias de laborat6rio: havia um passado construtivo local que lhe permitia uma seguranca suficiente pare que se colocassem as questaes mais avancadas e produtoras de ruptures da epoca. Ela é claramente o segundo movimento de uma sincronia, dal talvez sua major liberdade em relacao as matrixes (o concretismo stag) e a escola de Ulm, par exemplo) e sua exigencia de uma produce° nacional mais especifica. A grosso modo: o concretismo seria a fase dogmatica, e neoconcretismo a fase de ruptura; o concretismo a fase de implantageo e o neoconcretismo os choques da adaptacao local. Foi em tomo da linguagem (visual e literide) que se estabeleceram os pontos centrais da polemica concretismo-neoconcretismo. De certo modo, o Ultimo deslocou o eixo das preocupacees concretistas nesse sentido. Passou-se da semintica sexanica (Peirce) e da Teoria da Informacao (Norbert Weiner) pare uma filosofia mais especulativa (MerleauPonty e Suzanne Langer), passou-se do ambito da rigorosa manipulacao de elementos discretos pare uma area que, sem renegar de todo esses postulados, recolocava questoes

ontologicas no centro das teorizacees sobre a linguagem. Como notou Frederico Morais, o neoconcretismo fez urn retomo ao humanismo frente ao dentificismo concreto. Em tei-rnos de linguagem visual, as criticas neoconcretas a produce° concreta eram andlogas as investiduras de Merleau-Ponty, no terreno da filosofia, a Teoria da Gestalt. Estas nao saberiam, dadas as suas extremas limitacaes filos6ficas, extrair todas as consec/Mendes conceituais de suas prOprias descobertas cientificas. Faziam delas urn uso pobre, redutivo, aned6tico, quando nao dogmatic°. Atraves das criticas de Merleau-Ponty ao realismo e ao causalismo da psicologia behaviorista e da teoria da Gestalt é possivel localizar algumas das principais divergencies te6ricas (e talvez mais do que isso de formagao intelectual) entre os agentes concretos e neoconcretos. Uma passagem de Structure du Comportement pode set extremamente elucidative nesse sentido:

sont pas tine fonction de certaines variables physiques. La Gestalttheorie a cm qu'une explication causale et merne physique restait possible a condition qu'on recommit dans la physique, mitre les actions mecaniques, des processus de structuration. Mals les lois physiques ne fournissent pas, avons-nous vu, une explication des structures, elles representent une explication clans les structures. Elles expriment les structures les moms integrees, celles ou des rapports simples de fonction a variable peuvent etre etablis. Déjà elles deviennet inadequates dans le domaine 'acausal' de la physique modeme. Darts le fonctionnement de l'organisme, la structuration se fait selon de nouvelles dimensions, - Factivite typique de l'espece ou de l'individu, - et les formes privilegiees de Faction et de la perception peuvent encore bien moms etre traitee comme le resultat summatif d'interactions partielles".

"C'est Fame qui voit et non pas le serveau, c'est par le monde percu et ses structures propres qu'on peut expliquer la valeur spatiale assignee dans cheque cas particulier a un point du champ visuel. Les axes de coordonnees du champ phenomenal, les directions qui a cheque moment recoivent la valeur de everticale' et d"horizontale', 'direction frontale' ou 'direction laterale', les ensembles qui sont affectes de l'indice 'immobile' et par rapport auxquels le reste du champ apparait 'em mouvement', les stimuli colores qui sont vus comme 'neutres' et determinent la distribuition des couleurs apparentes dans le reste du champ, les cadres de notre perception spatiale et chromatique ne resultent pas a titre d'effets d'un entrecroisemente d'actions mocaniques, ne

Ha no neoconcretismo uma critica semelhante ao pensamento mecanicista em arte e mesmo uma preocupacao com os procedimentos "abertos" da deride contemporenea (veja-se as especulacees em tom° das geometrias nao euclidianas e, mais precisamente, a atracao que a cinta de Moebius exercia sobre Lygia Clark e Lygia Pape, por exemplo). A vise() neoconcreta no campo de percepcao, e o tipo de fruicao que prescrevia para o trabalho de arte, considerava ate certo ponto irris6rios os dados puros da Gestalt. Voltava de certo modo a urn vetor imponderavel - a expressao, algo que nao podia ser determinado pela estrita manipulacao de informagees visuais. Corn Merleau-Ponty, pare Guitar o principal instrumento te6rico de suas manobras

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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AS IDEOLOGIAS CONSTRUTIVAS NO AMBIENTE CULTURAL BRASILEIRO - RONALDO BRITO

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anticoncretas, vinha nao apenas a fenomenologia, mas ate urn certo existencialismo. Enquanto a episteme concreta incluia'o homem sobretudo como agente social e econOmico, apesar da propalada autonomia da cultura, o neoconcretismo repunha colocac5es do homem como ser no mundo e pretendia pensar a arte nesse context°. Tratava-se de pensa-lo enquanto totalidade. Era o retomo das intencoes expressivas ao centro do trabalho de arte. Resgatava-se a nocao tradicional de subjetividade contra o privilegio da objetividade concreta. Hoje parece daro que, diante do reducionismo tecnicista, o grupo neoconcreto encontrou apenas a saida do humanismo, em duas vertentes amplas: na ala que aspirava representar o vertice da tradigao construtiva no Brasil (Willys de Castro, Franz Weissmann, Hercules Barsotti, Aluisio Carvao e ate certo ponto Amilcar de Castro) esse humanismo tomava forma de uma sensibilizagolo do trabalho de arte e significava urn esforgo para conservar sua especificidade (e ate sua "aura") e para fomecer uma informagao qualitativa a produgao industrial; na ala que, conscientemente cu n5o, operava de modo a romper os postulados construtivistas (0iticica, Clark, Lygia Pape) ocorria sobretudo uma dramatizagtio do trabalho, uma atuagao no sentido de transformar suas fungoes, sua razao de ser, e que colocava em xeque o estatuto da arte vigente. Ambas tinham em comum, é claro, uma posicao critica frente ao empirismo concretista (que se manifestava atraves de urn teoricismo ate, mas que nem por isso deixava de ter uma ideia mecanica da produgao de arte) e temiam especialmente a perda da especificidade (e da "aura") do trabalho. Atraves da sensibilizagdo e da dramatios neoconcretos procuravam escapar 76

ao reducionismo concreto, lutando contra a esterilizacao das linguagens geometricas. Esses conceitos, sac) entretanto, insuficientes para explicar a razao da dissidencia neoconcreta dentro do ambiente cultural brasileiro. De alguma maneira, é licit° supor, havia uma diferenga no modo coma os dois movimentos se inscreviam nesse ambiente e projetavam seus lances no real. E preciso estudar em que medida a "politica" desses dois movimentos presos ate certo ponto a um mesmo quadro de referencia inicial - a tradicao constmtiva - gliferiam e ern que medida as suas producees tinham efeitos diversos, colocavam questa- es diversas, abriam caminhos diversos. Nao resta dUvida quanto a estreita ligagdo entre a penetracao construtiva e o projeto desenvolvimentista brasileiro. Nesse sentido, concretismo e neoconcretismo eram partes de uma mesma estrategia cultural. Mas, evidentemente, nao formavam urn bloco e o fato de se oporem formalmente n5o deixa de set esclarecedor quanto as possiveis diregeies para onde apontavam. 0 concretismo, pot exernplo, pretendia intervir diretamente no centro da producao industrial e se preocupava explicitamente em levar adiante o "sonho suico" de transformat o ambiente social contemporaneo. Estava aberto e avid° pelas transformagoes culturais que os mass-media, por exemplo, podiam promover. Como já dissemos, ele integrava-se ao esforgo de superagao do subdesenvolvimento e atacava frontalmente os arcaismos do poder humanista tradicional no ambiente cultural brasileiro. Mobilizavase totalmente no sentido de se estabelecer uma dinamica progressivista no campo cultural do Pais. A ideia de cultura do concretismo era simetricamente oposta a mentalidade academica vigente e sua concepg5o

do campo cultural como lugar das verdades espirituais imutaveis. Mas, notemos. Os concretistas citavam Marx e Engels, mas estavam sem chavida longe da maxima proposta por Walter Benjamin: politizar a arte. A sua verdadeira teoria da producao, as delimitacOes conceituais de seus esquemas de leitura do real, podiam ser encontradas no racionalismo positivista - no pragmatismo progressista de Wiener, corn sua concepgao cibemetica das relaceies sociais, no formalismo de Bill e Maldonado e suas ideias acerca da civilizacao contemporanea. Os concretos estavam fora de chivida muito mais perto de estetizar a polftica. A sua arte buscava eficacia sobretudo no piano das informagOes de massa - como criadora de matrizes e coma metodo de investigacao de processos semi6ticos ligados a esse piano - e acreditava acriticamente na positividade desse piano. A famosa manipulacao dos massmedia pelo sistema, a necessaria correlagao entre a ideologia das classes dominantes e os massmedia, nao eram preocupag5es concretas. 0 neoconcretismo, por sua vez, obedecia as prescrigOes de sistema acerca da atividade cultural: era praticamente apolitico, mantinha-se no terreno reservado, era timido e desconfiado coin relagao a participagdo da arte na producao industrial. Comparados aos agentes da arte concreta, investidos muitas vezes de fur-10es praticas enquanto publicitarios e designers, os artistas neoconcrews eram quase amadores - pot mais que projetassem transformacees sociais a partir do seu trabalho permaneciam necessariamente no terreno especulativo, no terreno da arte enquanto pratica experimental autOnoma. A insercao neoconcreta se dava num espago menos abrangente e mais tra-

dicional do que a concreta, levando-se em conta estritamente a participacao do artista na producao social. Na verdade, essa diferenca neoconcreta, embora circunstancial, era significativa. Indicava, no minimo, que para um grupo de vanguarda construtiva situado no Rio de Janeiro, predominantemente, nao havia possibilidade de exercer os seus postulados construtivos numa area social mais ampla. Dado o nivel de exigencia estetica do movimento, passava simplesmente ao largo de qualquer projeto nesse sentido. Colocado, porem, nesses termos o processo esta mais ou menos invertido: o que houve ern verdade e que o pr6prio surgimento do neoconcretismo nos moldes em que se deu resultou dessa situagao. Ocorreu, entao, esse paradoxo fao brasileiro e tao pr6prio do subdesenvolvimento: uma vanguarda construtiva que nao se guiava diretamente pot nenhum piano de transformagao social e que operava de urn modo quase marginal. Essa marginalidade, melhpr, essa lateralidade neoconcreta é uma de suas principais especificidades. Ela permitiu a explosao dos postulados construtivos e abriu caminho para uma critica ao pr6prio estatuto social da arte, critica que estava sistematicamente ausente dos movimentos construtivos. E tornava hibrido esse movimento que "existencializava" e que "desracionalizava" ate certo ponto as linguagens geometricas. Dal porque Max Bense definiu o movimento como "grupo que se distingue do noigandres sobretudo pelo fato de que seu construtivismo admite, ao lado dos racionais, tambem elementos irracionais e toma em consideragao o folclorismo do Pais". (Pequena Estetica - Ed. Perspectiva - Colegtio Debates).

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Crise da arte construtiva brasileira 0 quadro hist6rico em que se movia o neoconcretismo era o do saber, isolado praticamente de suas relacOes politicas corn o conjunto da sociedade: arte, ciencia e filosofia eram os pontos de referencia exclusives. vaatava-se de ter uma producao pertinente nesse sentido. Do trabalho dos artistas neoconcretos é possivel extrair uma posicao explicita frente a Historia da Arte, a filosofia e mais vagamente frente a ciencia, nunca frente a sociedade como lugar de urn cornbate politico. Mas o apolitismo neoconcreto precisa ser analisado no registro correto: a rigor ele apenas segue o apolitismo comum as tendencias construtivas. 0 que tomou a sua inscricao cultural tao marcadamente aristocratica foi a sua posicao obrigatoriamente lateral num circuito muito arrasado. Por um lade, ele se beneficiava da ausencia de press5es por parte do mercado, permitindo uma concentracao na elaboracao de trabalhos e o descaso pela producao de obras. Face a distincao: por obras entenda-se a serie de objetos fisicos que resultam a rigor de urn mesmo trabalho, de urn mesmo dispositivo que pode ser reproduzido indefinidamente. 0 neoconcretismo, como dissemos, tinha uma dinamica de laboratorio e isso s6 era possivel pela ausencia de confronto corn urn mercado. Talvez seja legitimo especular que, por outro lado, o apolitismo e ate o idealismo neoconcretos, em sua ague coma mouimento, estao parcialmente relacionados corn a falta de urn contato sisternatice corn o mercado. Na medida em que operava fora do alcance do mercado, nao sofria sua acao, digamos, alienadora - nao era solicitado a reproducao mecanica dos trabalhos, nao era pressionado pan adaptar suas descobertas aos esquemas formais vigentes. Mas nao ha Et78

vida que o relacionamento corn o mercado (representante do "real" para assuntos de arte) é em Ultima instancia politizador. Revela a verdade da posicao do artista na sociedade - a contradicao entre o tempo e a qualidade de seu produto enquanto trabalho cultural e o circuito comercial em que é inserido o resultado desse trabalho. Ao escapar ileso da dura vivencia dessa contradicao, o neoconcretismo poole talvez conservar residues idealistas acerca do estatuto da arte. Mais ou menos livres pan seguir o seu trabalho sem interrupgees de ordem econ5mica, os agentes neoconcretos relacionavarn-se entre si muito menos coma profissionais (e, como tal, submetidos ao regime de competicao) do que como "homens de cultura". A troca de informagoes se tomava fluente e ocorria num piano afetivo - havia e persiste em alguns artistas membros do neoconcretismo o orgulho da marginalidade, a ideia do artista como as "antenas" (Ezra Pound) da sociedade, a vanguarda dos processos de transformacao social. 'nick , do processo de rompimento da tradicao construtiva, momento de crise dessa tradicao no Brasil, o neoconcretismo retomou elementos da ideologia romfintica de arte e a aproximacao progressiva de alguns artistas do movimento para corn o dadaismo é prova disso - o culto I marginalidade é urn cornponente dessa ideologia e é por definicao estranha ao projeto construtivo. 0 lance neoconcreto é resultado de uma crise local: a impossibilidade dos agentes culturais brasileiros continuarem pensando no interior do quadro de referencia construtivo exclusivamente. Corn o final dos anos 50 e inicio de 6o, o neoconcretismo esta no centro dessa crise e representa urn conjunto de operacoes que tenta on renovar, ora ultrapassar esse quadro de referencia. A partir

dessas considerag5es pode-se sacar duas hip6teses de trabalho que orientem urn discurso em tome das questees neoconcretas: 1. Como seqiiencia na penetracao construtiva no Pais, o neoconcretismo foi uma tentativa de renovacao da linguagem geometrica, contra o carater racionalista e mecanicista que a dominava entao. Mais especialmente, uma tentativa de revitalizar, no sentido quase estrito do termo, as propostas construtivas, dando enfase aos aspectos experimentais da pratica artistica. E uma singularidade neoconcreta a de, coma movimento construtivo, privilegiar o momento de concepcao do trabalho em detrimento de sua insercao social. 2. Apesar de seu manifesto apolitismo (e sua tendencia liberal e as vezes anarcout6pica latentes), o neoconcretismo foi uma importante manobra da producao de arte brasileira no sentido de conquistar uma autonomia mais ampla frente aos modeles culturais dominantes. Como vertice de um movimento que comecara cerca de dez anos antes, a dquirira a consciancia necessaria para tentar estabelecer uma dinamica especifica de producao. 0 neoconcretismo fixou - e isso pode ser verificado pela propria pratica dos artistas contemporaneos no Rio de Janeiro, pelo menos - alguns conceitos decisivos acerca da significacao do processo da arte no Brasil e colocou a disposicao dos interessados um arsenal de operagoes criticas frente a arte entendida como instituicao. Deu a partida em direcao a uma producao contemporanea local desligada já dos pressupostos construtivos dos quais era inicialmente resultado. Vertice e ruptura da tradicao construtiva brasileira (permita-se o uso dessa expressao tao discutivel), o neoconcretismo em

suas duas vertentes basicas tinha um projeto comum: reorganizar os postulados construtivos dentro do ambiente cultural brasileiro. 0 projeto era renovar a vanguarda construtiva. Uma exposicao neoconcreta aparecia, entao, como o ponto mais avancado e "line" da pesquisa de arte no Pais. Representava, é claro, uma conquista local corn respeito a especificidade do trabalho de arte: alga nao submetido a injuncoes politicas imediatas, nem a urn plane ligado diretamente ao processo desenvolvirnentista do Pais. Os agentes neoconcretos prescreviam, assim, o terreno de sua pratica e se dispunham a analisar os seus elementos de modo autOnome: a arte nao podia ser instrumentalizada, e sim compreendida como atividade cultural globalizante, que envolvesse o conjunto da relacao do homem corn o seu ambiente. 0 desejo neoconcreto ia, talvez, alem do desejo tradicionalmente em jogo nas tendancias construtivas. 0 seu recuo humanista e idealista frente aos postulados teericos mais rigorosos dos concretes pode ser analisado como uma recusa do empirismo e uma insatisfacao corn o modelo de trabalho implicito nesses postulados. A consciencia perceptiva concreta era por demais reducionista para o desejo neoconcreto de uma arte corn intengoes fenomenolegicas mais amplas. 0 causalismo gestaltico soava mecanico, quase pavloviano, para quem pensava trabalhar corn as complexas articulacoes dos comportamentos superiores. Para quern especulava em tom° de uma "filosofia" da forma. A diferenca de perspectiva entre o concretismo e neoconcretismo resulta do cheque entre concepgao empirista do trabalho de arte e suas significacees sociais e humanas e outra ligada ao idealism° especulativo. Ou entre urn tipo de positivismo e uma variante do idealismo classic°. E &vie que

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essa diferenca nao se manifestava sob essa forma filos6fica, mas por intermedio de uma polemica artistica que deixava transparecer daramente essa diferenca geral. Tomemos, por exemplo, uma polemica que sempre esteve no centro das divergencias: a questa° do trabalho de arte como producao ou como meio de expressao. 0 estudo das manobras em tomo dessa questa° é elucidativo. Mao ha davida que ao concretismo cabe o merito historic° (a ele e nao as tendencias ditas marxistas) de compreender a necessidade de atacar o centre do reduto idealista em materia de arte: o chamado processo criador. Sobre a valorizacao mitica desse processo, sua opacidade enquanto trabalho intelectual, sua irredutibilidade aos dados racionais, esta montada a ideologia vigente de arte. E é evidente ate mesmo a necessidade de sua manutencao pan a sobrevivencia do mercado de arte: a "criacao" e so a "criagao" pode justificar a especulacao comercial empreendida pelo mercado, garantir a sua funcao de distribuidor de status e assegurar a validade de um jogo financeiro capaz de oferecer lances mirabolantes. 0 concretismo parece ter compreendido que o deslocamento da funcao social da arte, a tentativa de transforma-la num instrumento social mais eficaz, passava obrigatoriamente pela concepcao expressivista da arte. Contra a arte como meio de expressao ele a propunha como producao especifica, informada por conhecimentos objetivos e manipulada de modo inventivo (nao inspirado, e logico). 0 concretismo entretanto nao radicalizou a proposta. Ao inves de seguir corn uma teorizacao materialista da arte, tornando- a como urn processo de conhecimento especifico, mas envolvido no campo ideologic°, parou num determinado momento - no moBO

mento em que o trabalho de arte tomou-se apenas mais urn meio de informacao na rede de processos informacionais que caracterizam o "ambiente" contemporaneo. No limite, a eficacia social da arte estaria nas operagoes semioticas que colocasse em acao, especialmente atraves dos massmedia, de modo a produzir efeitos renovadores e a constituir algo proximo a uma nova estetica coletiva. Exatamente conforme a tradicao construtiva dentro da qual toma lugar, o concretismo era presa de uma crenca ingenua no progresso que o levava a pensar os mass media como instrumento de uma penetracao cultural pertinente as "necessidades espirituais" do homem modem°. A custa, evidentemente, de ignorar o seu carter de.dispositivo ideologic° dos estados. Na base de atividade concretista, de sua pratica e de sua teoria, esta a ideia do jogo cultural como set autonomo - e isso s6 poderia inibir a seqiiencia de urn pensamento materialista em arte. Interessados numa insergao diferente do trabalho de arte na sociedade, os concretistas nem por isso conseguiram escapar de todo a posicao tipicamente pequeno-burguesa (idealista) frente o campo cultural. Desligada dos processos de transformacao ideolOgica, a atividade cultural s6 pode set canonizada: resultard sempre da seqiiencia de lances geniais que, por sua vez, serao contribuicees ao patrim8nio cultural da humanidade. Veja-se a progressao concreta: a literatura moderna é a historia de lances semioticos a partir de Mallarme, passando porJoyce e Pound e culminando corn a poesia concreta; as chamadas artes plasticas obedecem ao mesmo esquema, so que os nomes sao os de Mondrian e Max Bill. E facil, portant° perceber que a "producao" envolvida na teoria da arte concreta, corn

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toda sua lucidez historica, só o é numa certa medida: por um lado, é demasiado mecanicista em seu projeto de insergao social, confundindo-se corn uma manipulacao inverttiva de tipo publicitario, e aspirando a uma funcionalidade sujeita no conjunto da sociedade; par outro, revela um idealismo corrente ao respeitar na historia da arte uma autonomia mitica, urn todo construido a golpes de genialidade. A leitura concreta da arte e da poesia tecnicista, pensada a partir de transformagoes sintagmaticas no interior das linguagens, excluindo-se as relacoes dessas linguagens enquanto formas institucionalizadas (elas ocorrem sempre dentro de praticas reconhecidas: a arte, a literatura, a mir-

sica, nao sao obviamente expressees "naturals") com o campo social onde operam. Esse tecnicismo, na medida em que ignora o local material de sua insergao, acaba par se tornar uma especie de idealismo. Resulta dai urn aparente paradoxo: ao mesmo tempo em que tentava extirpar do trabalho de ante qualquer transcendencia ontologica - substituindo no dizer de Max Sense a antiga estetica interpretativa, ligada "tematica do ser", por uma estetica "abstrata e exata" que trata da estruturacao material da "informacao"- o concretismo mantinha-se preso ao estatuto humanista da ante e da cultura. No proprio cerco que a metafisica ocidental tragara em torno dessas manifestacees.

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Duas linhas de contribuipo: concretos em Sao Paulo / neoconcretos no Rio ARACY AMARAL "E importante observar que as artist as concretos do Rio, embora sempre em cantata tins corrros outros, entregaram-se a uma pesquisa intuitiva e diferenciada, en quanta as de Sob Paulo, desde o inkio, tenderam a uma posted° dogmatic°, que culminou numa especie de sistematizacdo dos processos e valores expressivos. Par ocasido do I &posted() Nacional de Arte Concreta (1956/57),a diferenca entre as dais grupos mostrou-se flagrante. Essa exposigdo lancava as prime Was experiandas dos poetas concretos que, par sua vez, tambern apresentavam duas posicdes diversas em face do trabalho criador, cabendo ao trio Augusto e Harold° de Campos-Decio Pignatari, paulistas, a mesma posicao racionalista, objetivista, dos pintores liderados par Waldemar Cordeiro. Mats tarde, urn manifesto assinado par Reinaldo jardim, Oliveira Bastos e pot mim,

publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (23.6.1957), explicitava a diferenca entre os poetas concretos de Sao Paulo e do Rio, afirmando estes, em contraposicao ao dogmatismo dos paulistas,uma posicao adogmatica e repondo a intuicEia no centro do trabalho poetico." Ferreira Gullar, 1959'

revelacao enriquecedora deste estudo foi, sem sombra de dovida, a ,- Y ` 2 possibilidade de disceinir bem raidamente as posturas diversas dos grupos de Sao Paulo e do Rio e poder, hoje, distinguir sua valiosa contribuicao para o desenvolvimento das artes e da comunicacao visuais em nosso pals. bem dificil escrever sobre concretos/ neoconcretos sem cair no já dito, percebido e refletido por uma personalidade excepcional como o teorico das tendencias construtivas no Brasil, Ferreira Gullar, que surge ao lado, e de inicio, como discipulo do critico Mario Pedrosa, o grande estimulador dessas tendencias entre nos nos anos 50.

De fato, a partir da "descoberta" dos suicos abstrato-geometricos, antes mesmo de sua revelacao na I Bienal de Sao Paulo, ou seja, a partir da exposicao de Max Bill no Museu de Arte, os paulistas abandonam a observagdo de Mondrian e dos neoplasticistas que os tinhorn orientado (no caso de Sao Paulo, Cordeiro e Sacilotto) em seus primeiros passos na abstragao geornetrica por volta de 49, muito malrealizados, par sinal, para partir para urn outro tipo de especulacao, ja no espago infinito, de invencao de formas, trabalhos seriais, modulados e, no caso de Sacilotto, como no de Wollner desses primeiros anos, formas virtuais e reais, ambigiiidade figura-fundo etc. Sera no entanto de tal


indole o impacto da delegagao suica na I Bienal, que quase instantaneamente todos deixam a tela pintada a oleo e, seguindo as observacOes dos suicos (e Richard Lohse é urn exemplo, trabalhando sobre "pavatex"), passam a pintar sabre "eucatex", recorrendo logo ao esmalte para a mais rigorosa pinturn das superficies, aos poucos abandonando o pincel pela pistola, evitando portant°, nao apenas o material de reminiscencia artesanal, coma a sua manipulacao, por urn processo mais diretamente relacionado com a indirstria. Na verdade, quer-me parecer que a diferenciacao the evidente entre o grupo Sao Paulo-Rio esta muito na polemica realismo versus idealismo. A frase famosa de Ortega y Gasset "eu sou eu e a minha circunstancia" esta aqui bem claramente expressa: em Sao Paulo ha a ligacao corn a indostria, a tecnologia, a aplicacao do trabalho do artista in vida pratica Carte como produto" como diria o texto-manifesto de Cordeiro em 1956). Nao é por acaso que o grupo paulista publica seus manifestos numa revista intitulada Arquitetura e Decoractio, pois eles tinham acesso tanto ao setor da arte grafica, como ao da arquitetura e ao da publicidade local. Elaborando-se uma relacao dos artistas que participaram do movimento em Sao Paulo, constata-se corn facilidade a vinculacao de todos (corn excecao pan Judith Lauand e Charoux) corn o meio _empresarial paulista: quimico industrial, desenhista tecnico, publicitario, arquiteto, paisagista, artista grafico, ilustrador, industrial textil, cartazista, fot6grafo, cromista diagramador, vitrinista, desenhista industria12. Sao as atividades profissionais a que se dedicam para ganhar a vida, que continuam exercendo durante os anos efervescentes da polemica concretista, paralelamente a sua producao artistica, bem 84

come posteriormente a vaga concretista. Mesmo os dois paulistas que aderem aos neoconcretos do Rio, Willys de Castro e Barsotti, nao deixam de ter esse comprometimento corn a realidade industrial: seu trabalho se desenvolve, concomitantemente, junto a arte grafica e marcas, e na indUstria textil. Freqiientemente — e é o caso de Waldemar Cordeiro — muito mais as suas pinturas ilustrando as suas ideas, as suas teses e, diferentemente, no case de Sacilotto, que se expressava fundamentalmente atraves da pintura, porem corn o rigor do desenhista tecnico transparecendo no processo de sua producao artistica. Alias, todo o grupo paulista procedia da classe media e media-baixa: alguns tinham se formado em escolas profissionalizantes, como Fiaminghi e Sacilotto e outros, como Wollner, Maluf, Maurfcio Nogueira Lima e Geraldo de Barros, junto aos novos cursos do jovem Museu de Arte de Sao Paulo. Mas ja em seu texto-manifesto3, Cordeiro se refere a arte, como nao sendo "expressao" mas "produto", "objeto de uma expressao", e que "a arte se diferencia do pensamento puro porque é material e das coisas ordinarias porque é pensamento", ou seja, relacionando a razao corn a materia na conquista do objeto artistico, o que, todavia, nao o impede de expressar seu conceito de obra de arte "como objetos que tern valor hist6rico na vida social do homem". No fundo, esse texto é claramente de tendencia realista ("o conceito da arte produtiva é urn golpe mortal no idealismo") e visa a integracao do artista no processo social, pois a nova arte "emancipa a arte da condicao secundaria e dependente a que tinha sido relegada"4. Nao podemos nos esquecer que esta é uma geracao forrnada dentro do clima que precede a II Guerra Mundial e a liberacao

institucional no Brasil, politizada, e que a euforia desenvolvimentista por que passa nosso Pais no pos-guerra, corn a alta dos precos internacionais do café, investimentos de capitais, novos meios de comunicacao, implantacao da inchistria autornobilistica, novos mercados de trabalho, euforia que culminaria corn a construcao de Brasilia; enfim, par todos esses fatores congregados se instaura urn clima propicio a participacao do artista nessa nova sociedade pretendida. Lie passa, corn efeito, de decorador de um ambiente a possivel "construtor de urn novo mundo" e nesta direcao se estabelece, sem dtivida, uma atmosfera comparavel aquela usufruida pelos construtivistas russos... mantidas as proporcoes! Já no Rio, alem da ausencia de dogmatismo (que em Sao Paulo se originava da lideTanga de Cordeiro), notava-se, como assinala Gullar, uma autonomia individual respeitada, do trabalho isolado, pura investigacao desvinculada do utilitarismo que caracteriza as pesquisas do grupo de Sao Paulo. Os artistas cariocas — ou adidos aos neoconcretos do Rio — tampouco tinham as vinculacoes profissionais corn a inthistria, observadas em Sao Paulo (fazendo-se excecao a Amilcar de Castro, que é diagramador do Jornal do Brasil, porquanto Palatnik nao é concretista e muito menos neoconcretista r apesar de sua adesao ao grupo por suas experimentacoes ineditas). Procedem da classe media e media-alta e em nenhum momento seu trabalho é absorvido pelas solicitacoes profissionais do meio. Ao contrario: seja Lygia Clark, Oiticica, Lygia Pape, e mesmo Amilcar de Castro,Weissmann ou Serpa, trabalhando individualmente, sobretudo a primeira, que chegaria da total liberdade formal ao rompimento do quadro e deste a sua integracao

no espaco real, rompendo corn o virtual (no qual ficariam, entretanto, os de Sao Paulo, apesar de todo o "cientificismo" de que se revestia seu trabalho), nunca desejaram reivindicar, como as de Sao Paulo, o artista integrando urn novo projeto social, "revoluci°nano posto que justo" etc., ou uma nova funcao do artista. Fazem arte, especulam. A contribuicao dos cariocas, ao consumar o rompimento do espaco tradicional da obra de arte, conforme nos chamam a atencao os textos de Gullar— e nisto foram, ao contrail° do que talvez este autor pensara, antecedidos pelos argentinos do Grupo Midi, como se pode ver pela obra esculterica de Kosice de 1952; sem pedestal, peca em metal, articulada, ou as obras em relevo desse grupo—, ao se inserirem organicamente no espaco real atraves de sua mobilidade no espaco, assumem cada vez mais o relacionamento corn o meio ambiente, antecipando no Rio a abertura para a chegada do objeto na era "pop", ern meados dos anos 6o, como tambem JO o . escreveu Ferreira Gullars. Porque, se em Sao Paulo os escultores faziam escultura, os pintores nao sairiam da bidimensionalidade do quadro, ao passe que no Rio se cla o desenvolvimento da pesquisa de uma Lygia Clark, per exemplo, da pintura ao relevo, do relevo ao nao-objeto, deste ao trepante e dal as experiencias corpo-tato, ate desembocar na nao-arte, na auto-expressao, na integracao totalizadora da artista corn a realidade envolvente. A mesma trajetoria poderia ser descrita sobre a obra de Oiticica cu de Lygia Pape, anos depois, nesse se abrir para o meio circundante, passando do objeto ao corpo, deste ao relacionamento corn o outro, ao filme (L.P.), ou aos labirintos e destes a palavra dita, escrita, registro (H.0.), assim como em Ferreira

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS PAULO/ NEOCONCRETOS NO RIO - ARACY AMARAL

DUAS LINHAS DE CONTRIBUIcAO: CONCRETOS PM SAO PAULO / NEOCONCRETOS NO RIO - ARACY AR1ARAL

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Gullar do poema a palavra, ao "poema enterrado" ao livro-poema, a revisao, ao poema-vida participante ate o Mesmo Amilcar de Castro, que se mantern isolado em seu trabalho, produz em 1959 pegas de tendencia que, em 1966 somente seria veiculada em Nova Iorque, urn "minimal" antes da existencia dessa denominacao, trabalhando corn estruturas primarias. Alias, esse é urn mal correnfe na America Latina, já sucedido corn Goeritz, no Mexico, fazendo, como Amilcar de Castro, em 1957, "minimal" antes do mercado norte-americano poder assimilar a emergencia dessa tendencia ern meados da decada de 6o e engloba-lo nas antologias, o que tambem n5o ocorre com o nosso mineiro de Paraisopolis. Mais uma vez isso ocorreria corn Fiaminghi, que explora a reticula, talvez antes, ou simultaneamente a Lichtenstein, a partir de 1959, e que somente poderia realiza-la em processo litografico a partir de 1962, ao passo que Jacquet traria, pela Franca, essa experiencia a Bienal de sao Paulo, somente em 1966... Alias, a abertura para as novas experimentagoes surgiria mais naturalmente, como urn desdobramento de sua atuagao, para os artistas do Rio. Em Sao Paulo elas surgem tambern, mas menos ligadas ao procedimento dos artistas e mais a informagdo intemacionalista veiculada, sobretudo atrayes das Bienais, como no trabalho de Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Mauricio Nogueira Lima. Já outros seriam menos sensiveis as novas correntes, como Charoux, Judith Lauand ou Fejer e Sacilotto, que nao mais voltaria a figura, abandonada em 1949. Mas, em todo o decorrer dos anos 5o, no Rio, o interesse pelo "processo de producao" era desconhecido. Esse fato, como percebeu 86

corn agudeza Ana Maria Belluzzo, era oriundo certamente da experiencia profissional (na indastria ou na empresa) e era aplicado, quando faziam arte, na redugdo de elementos, na organizagao do espago, na utilizagao da cor: "arte enfim, n5o é expresstio, mas produto", conforme afirma Cordeiro. Dal porque, como sisternatica de trabalho, é compreensivel ate certo ponto a aceitagao da lideranca teOrica dogmatica de Cordeiro, embora Fiaminghi rompesse corn o mesmo, em carta aberta aos colegas, ern junho de 1959, alpaca do inicio da dissolugao do grupo paulista. Assim, se, na soma geral a contribuigao dos neoconcretos do Rio é bem mais densa em criatividade e nas aberturas proporcionadas - como na obra de Lygia Clark, Amilcar de Castro e Weissmann - nem por isso é desprezivel a realizacao dos concretistas de sao Paulo na direg5o em que se implantaram, impressionados com Max Bill e corn os objetivos de Ulm, math afins corn o clima industrialista paulista. Alias, os dois artistas que vieram do Rio, expressamente para ver sua exposicao em 1950, no Museu de Arte, Mavignier e Mary Vieira, partiram em seguida para a Europa civilizada, voltando apenas como turistas e nao participaram do movimento construtivo da arte no Brasil. Assim, a contribuicao dos de Sao Paulo é visivel no desenho industrial, no mobiliario, como na implantag5o do Departamento de Desenho Industrial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de S5o Paulo, no cartazismo, na publicidade, nas marcas e logotipos realizados nessa decada pot artistas do grupo, no paisagismo e ate mesmo na estamparia de tecidos. No Rio, curiosamente, nenhum artista do grupo neoconcreto é aproveitado ou se diri-

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ge para o design, arte grafica, paisagismo ot desenho industrial, salvo as excegoes mencionadas. Ao contrario: a ESDI seria montada ern 1962, segundo urn projeto concebido pot Maldonado, concreto argentino que vai para Ulm e em 58 ja dirige a Scala que Max Bill fundara e, entre seus professores, a partir de sua fundagdo est5o, entre outros, Dacia Pignatari e Bergmiller, o primeiro de S5o Paulo do movimento de poesia concreta e o segundo desenhista industrial proveniente de Ulm, aqui chegado pot estimulo de Wollner, nesta altura já reintegrado em S. Paulo como artista grafico, depois de quatro anos na Escola Superior da Forma. Outro ponto interessante a observar, e que confirma a diversidade e o reconhecimento de suas contribuigoes, e que nunca, ate hoje, as obras dos artistas concretos de Sao Paulo (praticamente mantidas nas casas de seus autores) usufruiram de prestigio junto ao mercado de arte como objeto artistica, coma as criacoes de seus colegas do Rio dessa epoca, como Weissmann, Amilcar e Ligia Clark, por exempla, que constam de colecOes particulares, em S. Paulo sobretudo. Talvez esse dado seja curioso de assinalar, posto que, sendo tao pequerio o meio do mercado de ante entre nos, o fato nao pode ser atribuido ao zelo major dos marchands do Rio, pois as mais ativos funcionam simultaneamente nos dois centros. 6 Despreocupados corn a alteragao de uma realidade demasiado complexa, as do Rio se manteriam, em suas criaccies, na linha de pura especulacao estetica, ao passo que as paulistas - e Mary Vieira, que por certo o fez - quiseram adaptar a nossa realidade modelos suigos, impossiveis de aqui sobreviverem, em decorrencia da propria precariedade do processo de industrializagdo e da ins-

tabilidade de um Pais economicamente satelite. Absolutamente nada do rigor suigo, nem na concepcao nem na realizagdo das obras pode, de fato, ser alcangado nas obras concretas dos paulistas, que o almejavam. Esse perfeccionismo pretendido é barn assinalavel, contudo, na aproximac5o do processo industrial. Mas o proprio Geraldo de Barros, em depoimento sobre o desenho industrial, por exempla, declarou que, nessa area tambem beiramos o irrealismo: "Nao adianta produzir uma coisa que o pablico nao quer comprar. Ele quer bacard de plastico, acabou. Eu you o que? Fechar a minha fabrica? Produzir copo de linha italiana, de born desenho? Ninguem quer comprar!" E acrescenta: "Tambern o Dacia Pignatari disse: 'se o mercado quer copo corn florzinha nao adianta voce desenhar osopo corn quadradinho', pois é urn fenemeno de 'marketing'. Alain do mais, diria ainda Geraldo de Barros: 'n5o acredito em desenho industrial em paises como o Brasil, porque acho que o desenho industrial vem corn o desenvolvimento do povo, cultura. Ent5o, voce encontra desenho popular, desenho industrial, em paises socialistas: Suecia, Dinamarca, Noruega, Inglaterra, Alemanha. Sao paises que est5o já num alto nivel de socializacao. Voce nao encontra desenho industrial nem na Russia nem nos WA. Nos EUA voce nao encontra, por causa desse maldito marketing; entao, nao tern condicees de ter desenho industrial. Ha excecoes, é logic°, mas nao é a base. 0 carro americano era urn simbolo de styling, de marketing. Voce coloca na frente de urn carro europeu, de um Mercedes, pot exempla, e este tem muito mais de desenho". 7 Num texto bastante amargo, Dacia Pignatari registraria, em 1961, o dupla fazer artistica paralelo do grupo de Sao Paulo,

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mencionando que "A atividade 'profissioEnfim, o pragmatismo do meio paulista nal' desses artistas se caracteriza pelo mes- comandou o espetaculo em Sao Paulo, assim mo hidridismo lobis8mico das tecnicas pro- como a envolvencia, a liberdade de ser cariodutivas de urn pals subdesenvolvido: meio ca apelou aos sentidos, num impulsionamenartesanais, meio industriais. E as suas obras to, ao expressar-se de forma mais intensa. E de arte, idem. Clam que isto nao invalida a quase aplicavel tambem neste momenta eferqualidade de seus trabalhos" - acrescenta vescente de informacao intemacio-nalista/ - "em geral, de born nivel - seja num cam- euforia desenvolvimentista a que o artista se p0, seja em outro". Mas ao mesmo tempo sente chamado a participar em Sao Paulo, a em que exerciam a "atividade profissional, frase de Mario de Andrade sobre a exposicao maioria continuou a produzir arte-qua- de Anita nos idos de 1917, marcando hem a didros, esculturas e desenhos. Para eles exis- ferenca entre S. Paulo-Rio: "no Rio malicioso, te uth museu intermitente, que lhes cla a uma exposicao como a de Anita Malfatti poilusao de serem atuaia e atuantes: a Bie- dia dar reacoes publidtarias, mas ninguem se nal". Entretanto, reconhece mesmo que a deixava levar. Na Sao Paulo sem malida, criou "capacidade criadora dos artistas concretos, uma religiao nova". Foi tambem o que parece hesitante entre urn pragmatismo insufici- ter sucedido, mais uma vez, em relagao ao conente, pie nao ousava dizer seu nome, e um tato corn os argentinor, a individual de Max suporte teorico esforcado e interessante, Bill no MASP e ao envio-impacto da Suica a mas escasso e elaborado a la diable, nao sou- I Bienal, em relagao a constituicao do grupo de be beneficiar-se da iriformagao correta no S. Paulo sob a lideranca intelectual de Waldemomento oportuno e se deixou levar pela mar Cordeiro, em contraposicao a expressivienxurrad a tachista".9 dade do movimento do Rio. Notas Ferreira Collar, "Da arte concreta a arte neonconcreta", Suplemento Dominica] Jomal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 jul. 1959. 2. Vejamos: Saciolotto (desenhista tecnico), Cordeiro (publicitario, ilustrador, paisagista), Fiaminghi (cronista, grafico, publicitario), Barsotti (artista grafico, ind. textil), Whys de Castro (artista grafico), Maurfcio N. Lima (arquiteto, cartazista), Fejer (quimico industrial), Wollner (artista grafico), Geraldo de Barros (fotOgrafo, desenho industrial, cartazista), Antonio Maluf (cartazista, ind. textil), L. Haar (paginador, cartazista, vitrinista, diagramador). No Rio, sao todos artistas plasticos, corn excecao de Palatmik, que trabalha em indUstria e Amilcar de Castro, que fara a diagramacao nova doJomal do Brasil; a mineira Mary Vieira, antes de partir para o exterior, fazia estandes de exposiclies em Belo Horizonte. .Waldemar Cord eiro, "Objeto", revista Arquitetura e Decoracao, S. Paulo, dez. 1956-jan. 1957. 4. !dem, idem. 5. Ferreira Gullar, pesquisa da contemporaneidade" in Dicionario dos Aires Plasticas no Brasil, de Roberto Pontual, Edit. Civilizacao Brasileira, Rio, 1969. I.

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6. Como explicar, pois, a nfio ser pelo desconhecimento, o desinteresse dos comerciantes de arte pela obra de urn Luis Sacilotto, tanto em sua fase expressionista, como em seu period° concreto, tendo sido o mais interessante pintor do grupo de Sao Paulo? Excetue-se, clam, a "sabenca" intuitiva de AlfredoVolpi, paralela ao concretismo propriamente dito. 7. Depoimento de Geraldo de Barros a Aureliano Menezes (FAU-USP), abr. 1976. 8. Hoje nem isso, plataforma de expressao, a Bienal tern como caracteristica, em sua desatualizacao como entidade, despercebida de sua opoztunidade num continente como o nosso. 9. Decio Pignatari, apresentacao catalog° "Fiaminghi", Galeria Aremar, Campinas, 17 jun.-12 jul. 1961.0 contato do já dissolvido grupo concreto de S. Paulo corn as artistas de Campinas se di por essa epoca, atraves da Gal. Aremar, onde varios concretos expOem sucessivamente. ro. Maldonado, tidy Prati e lommi tiveram contato corn o grupo paulista, por ocasido da I Bienal.

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A vingansa de Aracy Pape DECIO PIGNATARI ,

E

dam que voces nao vao querer que eu fale, hoje, da arte concreta, sem levar em conta o revisionismo que on se processa, sob as formas de uma exposicao e de urn catalog°, corn a denominacao tamanho-anico e oportunista de Projeto Construtioo Brasileiro via Arte. Projeto construtivo brasileiro? Tratar corn D. Aracy Pape. D. Aracy nao gosta de Oswald. Ela acha que o Oswald fez mal a sua tia, Tarsila, e que o Mario de Andrade fez bem. Ela nao gosta de arte concreta. Ela e marioandradina. So que a sua tia dispensa os seus zelos. Encontro Sacilotto na exposicao e ele me informa que já nao compra mais vaselina em latinhas de Cr$ 2,70. Agora, corripra em lata de meio quilo, a Cr$ 17,20. Sai mais em conta. D.Aracy é critica ou historingrafa de arte. Neste pals, os criticos tern ideias incriveis sobre o mercado de ideias. Pois D. Aracy tambarn sabe que precisa ter ideias daqui de Sao Paulo que transem corn ideias do Rio e de outras panes. E elas transam. Mesmo porque o tal projeto foi feito em convenio entre a Pinacoteca do Estado de Sao Paulo e o IVIAM/ Rio. E ela precisa ser conveniente, ate se excede na medida. Já o sr. Frederico Morais subsidiariamente conveniente, embora o seja tanto

para D. Aracy Pape como para si prOprio. Por coincidencia, todos os nomes que arrola em seu estudo critico-mercadologico, publicado no catalog° (Texto de Hoje) ingressaram no Projeto Construtiuo Brasileiro em pe ou mao de igualdade corn os demais. 0 sr. Frederico Morais é urn desses destinos post-festum: tendo chegado tarde a todas as festas, em sua angustia expectante pae-se a classificar todas as festas e festins artisticos da hist& ria e da atualidade, para ver se se lembrarn dele para alguma. E claro, arnavel leitor, que ele foi expressamente convidado a dar suporta teorico a varios pingentes e penetras. Dal a coincidencia. 0 artista brasileiro nao evolui: muda. No catalogo,D.Aracy Pape esmerou-se em organizar urn primor de antologia de textos critico-teoricos de Fen-eira Gullar. Pelo indice, sao io (dez) textos, embora o leitor pense que sejam apenas 9 (nove): para nao dar muito na vista, meteram mais um no meio de poemas. Ou seja: TRES A MAIS do que TODOS os textos teoricos dos paulistas juntos: tres de Waldemar Cordeiro, dois meus e dois coletivos. E nao estou contando para o time carioca, eliminando os menos votados, os dois textos de Mario Pedrosa, que considero neutro, embora tenha deixado impressoes digitais em mais de urn texto de Ferreira Gullar


(mas foi tambern por isso que a briga ficou mais interessante). Varios artistas neoconcretos merecem estudos especiais. Entre eles: Weissmann, Amilcar de Castro, Lygia Clark, Hello Oiticica. Adivinha o leitor de quem sao os estudos? Ora, é só somar estes quatro aos dez de cima. E isso mesmo: 14 textos de Ferreira Gullar. Mas D. Aracy Pape é elastica como o Oleo da Shell: ela excede. Urn dos textos este incluido na parte de "Documentos", isto porque D. Aracy acha e declare, imparcialmente, na apresentagao, que se trata de uma "globalizante e cristalina exposicao sobre o assunto". Entao, ele merece estar na companhia de Gropius, Mondrian, Max Bill etc. Mas isto ainda seria pouco? Entao, em seu estudo (Textos de Hoje) que pretende ser urn balango do Concrefismo e do Neoconcretismo, ela comega logo corn uma epigrafe tirada de quem ou de que? De urn texto de Ferreira Gullar, ora, onde uma das balances ja este viciada. E ha urn caso em que ela superexcedeu-se. E o referente aquele texto do Gullar em resposta a urn artigo de Cordeiro... que nao é publicado, sob a alegacao de que nao foi localizado! 0 minim° de decancia intelectual seria nao publicar a resposta, D. Aracy. Nos, os poetas, recusamos colaboracao direta ao seu "projeto", pois achamos que isso agora é tarefa para terceiros: nao queremos ser arquivistas de nos mesmos, como diz Haroldo de Campos. Se Gullar estava exilado, Cordeiro este morto. Sua conspirata é tao grosseira, D. Aracy Pape, que estou comecando a desconfiar que, quanto mais Gullar vai sendo urn ex-exilado, mais Cordeiro vai sendo urn ex-morto. 0 Modernismo e o Concretismo inseremse no processo de industrializagao do Brasil, trocando-se, em relagao aos Estados Unidos, 90

o Norte pelo Sul. Sao Paulo polariza a dinemica da industrializagao sulista; o Rio, as aspirag5es de uma vasta realidade pre-industrial. Aqui, nao ha o que torcer por uma ou outra coisa. 0 debate reside em saber como se faz essa industrializagao - pois o seu processo é inevitavel, como Cordeiro já observe em 1958, em seu artigo - editorial Arte Industrial (AD - Arquitetura e Decoragao, n° 27, fevereiro/marco, Sao Paulo), mais urn trabalho sonegado ao leitor pela aleivosia de D. Aracy Pape, que ocultou ainda as analises criticas que ele e eu fizemos da IV Bienal (nao sao "documentos", nem "textos de epoCa"?), onde denunciavamos todas as malandragens da mafia bienalesca, desancando especialmente os criticos seus coleguinhas, D. Araga - de Sergio Milliet ao norte-americano Alfred Barr Jr., passando por Adolfo Casais Monteiro. Mas nao esquecendo o sr. Francisco Matarazzo Sobrinho, cuja memoria, naturalmente, D. Aracy Pape fez questa° de preserver. Em face da realidade brasileira, a reagao dos cariocas foi uma reagao reflexa - o que irk) lhe diminui a significagao. Senao, vejamos: ao Concretismo dos paulistas, os do Rio replicaram corn o Neoconcretismo. A Teoria do Objeto do Cordeiro (v. peg. 73 do catalogo), os cariocas responderam corn a Teoria do Ntio-Objeto. Como se ve, os contendos verbalistas invadiram a arte - e era isto justamente o que os concretos cornbatiam: "Na arte 56 existe um conteado: aquele representado de modo concreto pela linguagem artistica. Nao ha conteados verbais" (ib. ibid. peg. 74). A bipolaridade tomouse entao inevitavel: racional vs. intuitivo, . geometrico vs. organico, impessoalidade vs. individualismo etc. Clara que nem os concretos eram puramente "racionais", nem os neoconcretos puramente "intuitivos". 0

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A VINGAKA DE ARACY PAPE - DECO PIGNATARI

manifesto "Rupture", dos concretos, referese a intuigao. E eu publiquei urn breve trabalho sobre isso, em 1960 (V. Teoria do Poesia Concreta, Sao Paulo, Ed. Duas Cidades, 1975: "Acaso, arbitrario, tiros").

0 problema do verso Os gullares e aragas desta geleia geral ainda querem chegar a perfeigao, em mateHa de reescrever a hist6ria, provando qua o Concretismo veio depois do Neoconcretismo!... De fato, na apresentagdo dos artistes, os concretos aparecem desqualificados, sob a etiqueta Arte e Produgilo. Sao eles precedidos de quatro artistas cariocas, sob a etiqueta Os Primeiros. E aos pobres-diabos seguemse os neoconcretos, sob a etiqueta 0 novo espago! Engula sozinha esse sanduiche da mentira, D. Aracy Pape! 0 Gullar nao deixa por menos. Num "texto de hoje" (pag. 339 do catalogo), o cara-depau declare, para que o leitor incauto tambarn engula de leve: "Enquanto os concretistas, ao langarem o primeiro namero de Noigandres, ainda colocavam o problema da criacao de urn novo verso, nos considerevamos que a questao residia no carater unidirecional da linguagem e que o caminho da renovagao era quebrar a sintaxe para encontrar um outro tipo de estruturageo verbal multidirecional. Os concretistas adotaram. essa tese (...)". Pois eu, neste texto de agora, lhe digo: desejo-lhe, sinceramente, boa sarade e pronta recuperagao de urn exilic, odioso. Mas nao me venha corn essa, aranha, de querer manter todas as maos e pes em todas as oportunissimas canoas, nova variedade de Arthropodos Nonobjetalis Neoconcretum Bonamortis Opinionis Subnatione Brasilica. Todas as suas artes, artimanhas e artelhos sabem - como

muitos ja sabem e muitos saberao - a) que Noigandres UM é de 1952 e contem nossos altimos versos; b) que os poemas espaciais de Augusta de Campos, em cores, que ele copiava em carbonos coloridos, sao de 1953, e so puderam ser publicados em 1955, em Noigandres DOLS, numa tiragem de roo exemplares; c) que, quando vocas dois entraram em contato, nesse ano de 1955, e voca se referiu a esses problemas de sintaxe, Augusto já tinha publicado dois artigos sobre problemas de estrutura e ideograma e os proprios poemas (que suscitaram seus comentarios); d) que a poesia concreta foi oficialmente langada em 1956, corn Noigandres TRES e corn urn namero especial da revista AD - Arquitetura e Decoragtio (n° 20, Sao Paulo, dezembro 1956), onde o seu manifestinho criativo-solipsista nao se refere a absolutamente nenhum problema desse tipo, podendo ser cotejado corn os nossos manifestinhos individuais; e) que, finalmente, o manifesto neoconcreto é de 1959 tempo mais do que suficiente para todas as "globalizagoes" reflexes! A afirmagao nacional nao acompanha as trajetos, nem os trejeitos, de sua auto-afirmagao, meu caro Gullar. Uma coisa é a antropofagia do Oswald. Dutra coisa é engullar. Par ocasiao da Re-Exposicao Nacional tie Arte Concreta, no MEC do Rio, em fevereiro de 1957, visitamos Manuel Bandeira e ele nos disse: "0 Gullar estava se afogando e vocas o puxaram pelo cabelo." Ao publicar a Luta Corporal - livro sem clavicle. importante - Gullar deu uma de intelectual francesinho pre-suicida de Saint-Louis du Maragnon: "Vejam... a poesia acabou pra mim!" Al, nOs chegamos e dissemos: "O Gullar, o que acabou foi o verso e nao a poesia."E ele tratou de recompor-se correndinho - e este se recompondo ate hoje, multidirecionalmente.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A VINGANcA DE ARACY PAPE - DECIO PIGNATARI

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0 Poema sujo é urn poema que ja vem passado a limp° pelos elogios da contracapa. Nunca se viu coisa parecida no mundo. E ainda ha quem nos venha perguntar se nao e sinal de provincianismo a gente ter prazer de conversar corn o Octavio Paz! Urn dos aspectos mais importantes da axle concreta foi o de tentar estabelecer algo assim como uma ideologia visite!, uma obra que fosse urn icone lOgico-sensivel, cornplementando a aspiragao de Mondrian: uma obra que dispensasse interpretag5es. Assim como Marx virou a dialetica hegeliana de cabeca para baixo, tirando-a do idealism° e colocando-a no chao do realismo dialetico, a metafisica mais ou menos mistica de Mondrian os artistas concretos responderam corn a "pun visualidade", corn a ideia de uma obra que estivesse "ao nivel da evidencia", corn uma logica cultural de-

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salienante que permitisse a massa, aos nao-intelectuais — aos "simples", como dizia Cordeiro — perceber, ler e criar realidades artisticas que operassem denunciadoramente em relacao as superestruturas esteticas e estetizantes, tal como a lOgica da maquina permitiria ao °perdu° perceber as distorcaes das relacaes de producao em confronto corn uma logica social revolucionaria. Este jogo ja foi jogado. E é claro que o essencial nao esti nos subjogos de nossas vaidades pessoais, quebuscam, entre caneladas e cotoveladas, uma postura mais favoravel ante o olhar indiferente ou surpreendente da historia. Paulistas vs. cariocas, ora! Criem-se as condicees de possibilidades pan a verdade — e que venham outros grandes jogos, como foi aquele, que ora nos querem fazer reassistir atraves de urn video tape fajuto.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A VINGANcA DE ARACY PARE - DE CID PIGNATARI

A raid° de uma zanga FERREIRA GULLAR

ão estou interessado ern entrar em polemica corn Decio Pignatari, personagem tao antigo e datado quartto o seu velho e datado Concretismo. 0 meu objetivo aqui 6 ajudar o leitor aver o que esta por tras de tanto palavrorio. 1st° nao me dá muito trabalho, pois o seu artigo ja oferece todas as dicas. A primeira delas 6 que ele investe contra a exposicao Projeto Construtivo Brasileiro, organizada por Aracy Amaral e contra o catalog° da mostra, acusando a iniciativa de revisionista e oportunista. Nao vi essa exposicao, nao participei de sua organizacao, nao fui ouvido a respeito do que seria incluido ou excluido dela. Concretismo como Neoconcretismo sao, para mim, coisas do passado, mortas e enterradas. Se ultimamente ainda voltei a falar e escrever acerca desses temas foi por solicitacao e insistencia de terceiros. No entanto, Deck, me agride porque o catalog° da mostra inclui 14 textos meus (ele contou) e apenas dois dele. Busca desta maneira infantil provar a parcialidade de Aracy. Ora, Aracy Amaral, cuja obra critica e historiografica lhe garante o direito de opinar sobre a axle brasileira, inseriu no catalog° os textos que lhe pareceram mais significativos. Foi parcial?

Cito palavras de Waldemar Cordeiro, primeiro mestre concretista de Pignatari, que encontro no proprio catalog° da exposicao: "Os criticos que se dizem imparciais sao miopes ou falsos". Mas a zanga do Dodo tern uma razao mais profunda que ele procura cuidadosamente nao explicitar: é o fato de que essa exposicao, ao dar uma visa° panoramica da axle construtiva no Brasil, permite uma reavaliacao do papel desempenhado pelo grupo de poetas concretos de Sao Paulo. A importancia que eles proprios se atribuiram e alardearam, por todos os meios e modos durante anos a fib, sofre aqui uma reducao. E 6 isso o que Decio nao tolera. Entre o grupo do Rio e o de Sao Paulo havia muitas diferencas e uma delas 6 que nos nunca tivemos vocacao de publicitarios. A nossa preocupacao major era realizar as obras, boas ou mas. Os nossos textos teoricos visavam mais definir o campo de trabalho, clarear o caminho, do que fazer proselitismo. Do grupo, o unico metido a teOrico era eu, e dal por que quase todos os textos relativos ao Neoconcretismo sao de minha autoria. For isso hi tantos textos meus no catalog°.


Provecto vanguardista

Mas nao $6 por isso. De uni anos para ca, minha revelia e dos demais membros do antigo grupo neoconcreto, iniciou-se uma revise° do Neoconcretismo. Alguns artistas e criticos, em face da evolugao da arte contemporanea, passaram a ver pie os neoconcretos brasileiros se haviam antecipado, em muitas coisas, a arte dos grandes centros. Voltaram a ler os textos teoricos do movimento e chegaram a conclusao de que havia neles uma contribuicao original, urn esforco para pensar o problema da arte de maneira autenoma, em vez de ficar repetindo os conceitos de Max Bill, de Maldonado, de Pound, de Joyce etc. Aracy Amaral esta entre as "revisionistas" e é por isso que Decio a agride. E possivel que a exposicao Projeto Construtivo Brasileiro reflita essa reavaliacao do movimento neoconcreto. A reavaliacao critica das obras de arte e dos movimentos artisticos é urn fenomeno comum do processo cultural. 0 pr6prio grupo concretista de Sao Paulo tern feito isso corn alguns escritores brasileiros. Nem sempre a reavaliagao é justa e pode mesmo acontecer que, corn respeito ao Neoconcretismo, a critica do futuro venha a corrigir a de hoje. Mas ninguem pode negar a Aracy Amaral o direito de reavaliar a importancia das diferentes contribuicoes dadas ao que ela chama de "projeto construtivo" na arte brasileira. Decio tern direito de discordar dela, mas nao de agredi-la. A agressao é a arma de quem nao possui argumentos. Outra coisa que irritou o nosso provecto "vanguardista" foi eu ter escrito pie seu grupo adotou minha tese de que a questao fundamental da poesia nao era o problema do verso mas o da sintaxe. Devo esclarecer que nunca pretendi apresentar-me como criador 94

da poesia concreta, que considero urn equivoco pride° e te6rico de nossa literatura. Quis simplesmente mostrar que os paulistas nao tinham uma ideia clara do que pretendiam quando me procuraram em comecos de 1955. Augusta ainda laborava no equivoco de que o poema devia ser impresso em cores, pois a impressao monocolor "esti para o poema como uma fotografia para a realidade cromatica", o que é uma tolice. Sua opinido sobre Oswald de Andrade era de que se tratava de urn "anarquista" e urn "piadista". Mallarme nao entrara ainda em suas cogitagaes ("nossa formacao e mais de lingua inglesa"). 0 interesse pelo ideograma — a que nao haviam chegado por experiencia propria, mas macaqueando Pound — nao significa que tivessem tornado consciencia do problema sintatico, uma vez que este problema nao foi colocado por Pound ou Joyce, seus mestres. Prova disto é que conthuavam a discutir o problema do verso. Ainda no "Plano-piloto para poesia concreta" (1958), le-se: "dando por encerrado o cido historic° do verso" etc.

publicaremos no SDJB mais um a teoria anunciando uma nova poesia que nunca se fara; manda os 'poemas de base' e eles sera° publicados." Clara, estes poemas nunca apareceram e certamente nunca foram escritos. Peg° aos leitores que me desculpem por estar a falar de coisas tao velhas e destituidas de importancia. Quero concluir reafirmando que nao estou interessado nem em

Concretismo nem em Neoconcretismo. Sao questees sepultadas por mim. Naquele momento, entreguei-me aquelas experiencias e especulacoes corn a paixao que sempre ponho nas coisas que faco. Mas tudo aquilo conduziria a um beco sem saida. Nao me arrependo. Foi necessario e me ajudou a romper o cerco que o "vanguardismo" impae a comunicacao.

Obra nao teoria

Mas isso é coisa de somenos. 0 que importa mesmo em materia de arte e poesia é a obra, nao a teoria, especialmente quando, coma no caso da poesia concreta, a teoria equivocada e esteril. Decio sabe muito bem disso. Lie se lembra da tese de que a poesia devia ser feita segundo uma estrutura matemcitica previa, que eles elaboraram — motivo que precipitou minha ruptura corn o grupo deles — e que nunca foi posta em pratica. E por uma razao muito simples: por ser inviavel. Ele se lembra de quando, em 1961, me procurou outra vez corn uma nova teoria — a da "poesia debase" — e que eu Ihe respondi: "Nao

CfliTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A RAZAO DE UMA ZANGA - FERREIRA GULLAR

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS ARZODEUMNGA-FREIUL

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Na hora de se fazer a avaliasio MARIO SCHENBERG 'I - surgimento dos movimentos Concretista e Neoconcretista foi urn acontecimento de extraordinaria importancia na vida cultural brasileira, na decada de 5o, tanto no campo das artes pies ticas coma na literatura e na musica. A realizagdo da exposicao sobre o Projeto Construtivo Brasileiro na Arte na Pinacoteca do Estado de Sao Paulo, permitird sem cluvida o inicio de uma avaliagdo critica mais profunda de urn dos momentos mais interessantes de nossa hist6ria cultural. HI, incontestavelmente, algumas deficiencias serias na escolha das obras apresentadas, assim como no levantamento dos textos, que impedem uma apreciacao correta da riqueza do panorama de criatividade oferecido no period째 1950-1962. Essas deficiencias prejudicam a compreensao da dialetica do desenvolvimento artistico, que n5o pode ser esquematizado apenas pela polaridade entre Concretismo e Neoconcretismo. Cabe ressaltar que algumas das contribuicoes mais not& veis pan a arte construtiva brasileira foram dadas por artistas que nao estao representados na exposicao da Pinacoteca, apesar de terem recebido reconhecimento intemacional. Os movimentos Concretista e Neoconcretista permitiram a assimilac5o dos resulta-

dos das inovagoes da linguagem visual, desenvolvidas desde o cubismo, na Europa, sobretudo por Mondrian e Malevich, assim como pela vanguarda russa, os artistas do Stijl holandes e o grupo da Bauhaus, e posteriormente aprofundadas em certas diregoes por Max Bill, a escola suica, e o grupo de Ulm. Parece:me, porem, que o admiravel senso metafisico subjacente as linguagens visuals de Mondrian e de Malevich nao foi bem percebido pelos construtivistas brasileiros, corn rarissimas excecoes, coma Mira Schendel, que absorvera o existencialismo de Heidegger e Kierkegaard, e depois descobriria os caminhos do Oriente, do I Ching ao Taoismo e ao Zen. Rigidez doutrinaria

irnportante observar que contribuicoes relevantes para a arte construtiva brasileira foram tambem dadas pot artistas fora dos movimentos Concretista e Neoconcretista, tanto em S5o Paulo comb no Rio de Janeiro. Basta, recordar alem de Mira Schendel, Volpi, Arnaldo Ferrari em Sao Paulo e os artistas que vieram do Grupo Abstraccio. No Rio de Janeiro, podemos destacar as contribuicees, muito originais, de Rubem Valentim, Abraham Palatnik, Milton Dacosta e Maria


Leontina. Neste period° houve uma tendencia generalizada para o Construtivismo, contrastando nitidamente corn a tendOncia para o Expressionismo, caracteristica da decada anterior. No Rio de Janeiro, o movimento Neoconcretista conseguiu atrair melhor as tendencias construtivistas menos formalizadas, gracas a major flexibilidade das concepcoes de personalidades como o critic° Mario Pedrosa e artistas como Lygia Clark, Ferreira Gullar, Franz Weissmann e Amilcar de Castro. Em sao Paulo, o grupo concreto tomouse mais fechado, em conseqfiencia da lideranca autoritaria e da ortodoxia doutrinaria de Waldemar Cordeiro, fortemente ligado as concepcbes de Max Bill e do grupo suico, que permitiu apenas o desenvolvimento de uma arte concreta de pura visualidade. A rigidez doutrinaria visualista tomou o movimento de Sao Paulo pioneiro da op art, mas dificultou o encontro com a pop-art na decada de 6o, embora houvesse uma tentativa de Waldemar Cordeiro na sua arte popcreta. Este procurou alargar o circulo de ideias da escola suIça pela teoria da arte de Konrad Fiedler, que o levou a concepcao de um pensamento por imagens. No Rio de Janeiro, Ferreira Gullar, baseando-se nas experi8ncias profundamente criativas de Lygia Clark, elaborou a sua notavel Teoria do Nao-Objeto, que fomeceu uma orientacao de conjunto para as tendencias construtivistas cariocas. Apoiando-se na critica de Merleau-Ponty ao fisicalismo da psicologia da percepcao da Gestalt, Gullar estabeleceu uma ponte entre o construtivismo e as concepcOes fenomenologicas, que facilitou a evolucao posterior de Lygia Clark e Hello Oiticica, transcedendo o construtivismo. ja em Sao Paulo, uma das personalidades mais importantes que tiveram relacoes corn 99

o Concretismo foi sem dirvida Geraldo de Barros. Surgiu na decada de 40, corn o Grupo dos 15, e foi urn dos integrantes do Grupo Ruptura, depois de ter estado em Ulm, em 1951. As suas Fotoformas de I950 representam urn marco na historia das artes visuals brasileiras, pelo emprego artistico da fotografia como forma de expressao plastica. Geraldo de Barros quando Lygia Clark conheceu Jean Arp em Paris e mostrou a ele seus abichos", ouviu imediatamente a indagacao: "Mas, o que os marchands esperam?" As palavras incentivadoras e ate certo ponto incredulas do artista, no entanto, nao foram suficientes para que ela visse novas perspectivas no mercado brasileiro. Lygia sabia que, mesmo que seus trabalhos recebessem criticas favoraveis em outros continentes, suas perspectivas mercadolOgicas no Brasil continuariam limitadas —basicamente por se tratar de uma obra contemporanea. 0 fenomeno é explicado pelo marchand Luiz Buarque de Holanda, um dos poucos brasileiros a investir na arte mais atual. Segundo ale, os novos artistas e as novas tendencias incomodam grande parte do gallop cornprador e as prOprios investidores que, de certa forma, estao mais preocupados corn as garantias palpaveis de lucro do que corn a qualidade e suas conseqiiencias futuras. Poucos estao dispostos a assumir o risco da novidade — a grande maioria prefere comprar o que ja esta consagrado.

—Ind° o que é novo geralmente agride o. status quo e irrita aqueles que estao menos abertos as modificacoes. S6 corn o passaor do tempo é que as coisas ficam mais nitidas e o mercado comeca a se render a qualidade. Embora o panorama já esteja rnelhorando, a

resposta ainda é muito lenta. E preciso, por isso, maior divulgagao dessas novas tendencias, tanto pelos marchands como pelo Estado, que deve dar maior importancia ao aspect° cultural.

Agressio do novo

Para Luiz Buarque de Holanda, ainda é uma incognita o fenOmeno que implicou o distanciamento do movimento Concretista e Neoconcretista do mercado de artes no Brasil. Mas algumas explicacoes podem ser apresentadas — e uma delas é a pr6pria essencia revolucionaria do movimento:

CRNICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS NA HORA DE SE FAZER A AVALIACAO - MARIO SCHENBERG

CIRTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS NA HORA DE SE FAZER A AVALIACAO - MARIO SCHENBERG

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A vocapo construtiva da arte latino-americana (Mos o caos permanece)

FREDERICO MORAIS das manifestacOes constru, I exame _ Was na arte latino-americana deve ser feito, simultaneamente, a luz de diferentes enfoques. Existem razaes historicas, socioculturais, psicologicas e ate mesmo politicas e econOmicas. Como mei:les dependentes, de desenvolvimento subsidiario e ancilar, importamos, em epocas diferentes, teorias de arta construtiva. Em nosso continente, sao as chamadas sociedades abertas, de desenvolvimento ex6geno, as que manifestaram major interesse pela arte construtiva europeia. Paises onde ĂŠ menor a presenca da cultura pre-colombiana oti mesmo do Barroco. Porem, se ate ha pouco tempo a arte Construtiva estava restrita a Buenos Aires, Montevideu, Caracas e a Rio/Sao Paulo, hoje o geometrismo e uma das tendencias dominantes no Mexico e na Colombia. Entretanto, creio ser possivel caracterizar nossa vontade construtiva como algo mais profundo e anterior a pr6pria existencia do construtivismo em alguns paises europeus. 0 fato de que nao tinhamos urn espaco proprio, codificado, onde nos mover e agir - ou melhor, uma cultura definida, como a europeia - nos levou assimilar, antes mesmo da Franca, pot exemplo, o Purismo de Le Corbusier e Ozenfant, a didatica da Bauhaus, o Construtivismo e o Suprematismo russos,

a Arte Concreta de Max Bill. Em uma sociedade como a nossa, onde tudo esta por fazer, pot construir, a arte, integrando urn esforgo de definicao de urn projeto nacional e/ ou continental, adquire o sentido de organizacao do real, de transformacao e construed° de uma nova sociedade. Neste sentido, Ê importante notar as afinidades entre a producao neoconcretista brasileira e as diferentes manifestacoes construtivas russas. Os Bichos de Ligia Clark, as estruturas-cor de Helio Oiticica, certas obras de Aluisio Carvao e a pintura de Decio Vieira. tem muito que ver corn os "contra-relevos" de Tatlin, corn os quadros suprematistas de Malevitch - alias, homenageado por Oiticica corn urn dos seus "bolides". Por sua vez, Gyula Kosice e Rod Rothfuss, do Grupo Math, na Argentina, ao negarem a moldura e, conseqiientemente, o espaco representativo, tambem se aproximaram de Tatlin e Rodchenko, pie Dora Vallier e Michel Seuphor apontam como os pioneiros dos mobiles e das esculturas sem pedestal. Contudo, alguns artistas, como o brasileiro Sergio Camargo e o argentino Leopoldo Torres-Aguero, ja assinalaram possiveis afinidades entre nossa concepeao de espaco e a dos artistas orientais. 0 primeiro fala do espaco arabe, que repercutiria no Brasil via


Peninsula lberica; o segundo, do espaco extremo-oriental, chegando a America Latina pelo Pacifico e disseminando-se a partir da Cordilheira dos Andes. A receptividade que Le Corbusier encontrou quando aqui esteve, em 1929, da parte de nossos melhores arquitetos, é reveladora desta disposicao pan a ordem. E dele, como se sabe, o risco original do edificio do Ministerio da Educagao e Cultura, no Rio de Janeiro, cuja construcao foi iniciada em 1939— ainda hoje uma das obras mestras de nossa arquitetura. Le Corbusier marcaria profundamente a obra de Oscar Niemeyer, Lficio Costa e outros arquitetos nossos. Poucos antes, alias, chegara a Sao Paulo, e aqui permaneceria, Gregori Warchavchik, trazendo pan o Brasil° espirito funcionalicta dos anos zo. Se aceitamos a existencia desta vontade construtiva latino-americana, podemos avancar um pouco mais e levantar hipoteses em torno de uma possivel influencia nossa sobre a arte europeia e norte-americana. Corn efeito, nao podemos fechar os olhos a nossa presenca na Europa e nos Estados Unidos. 0 exemplo mais mencionado e o do cinetismo da Escola de Paris, cujos polos sao o Otico, corn Vasarely, e o cibemetico, corn Schoffer. Apesar do prestigio enorme desses dois artistas e da influencia por des exercida, o cinetismo fiances foi dominado, por dentro, pelos latino-americanos; os argentinos (Le Parc, Sobrino, Garcia-Rossi, Demarco, Marta Boto etc.), os venezuelanos (Soto, Cruz-Diez, Debourg), sendo ainda assinalavel a presenca de Sergio Camargo. Poderiamos falar do espacialismo de Lucio Fontana, repercutindo ern Milao, Italia, a partir de 1948; das antecipacoes minimalistas de Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Eduardo Ramirez Villamizar e Mathias Goeritz (como reconhece o critic° e historiador Gregory Battcock, a pro/posit° de suas Torres da Cidade Satelite, 102

no Mexico), cineticas de Abraham Palatinik, anotadas par Frank Popper, ou plurissensodais, de Lygia Clark e Oiticica (estudados por Guy Brett e Udo Kulterman), bem como Kosice (cuja obra já mereceu extensas andlises de Pierre Restany e Michel Ragon), que antecipa corn suas molduras recortadas as shaped canuas de Frank Stella. E tambem poderiamos mencionar Tomas Maldonado, a frente da Escola Superior da Forma, criada por Max Bill, em Ulm, em 1950; e, principalmente, o umguaio Joaquim Torres-Garcia, cuja atuacao triconiinental (Europa, Estados Unidos e America Latina) teve repercussao profunda. Barbara Duncan e sua assistente Susan Bradford prepararam para o catalog° da exposicao de Torres-Garcia no Museu de Arte da Universidade do Texas, em Austin, em 1974, o mais completo levantamento sobre a obra/vida do artista. A leitura da cronologia de Torres-Garcia e de sua atuacao internacional nao deixa margem a qualquer diivida sobre a extraordinaria repercussao de suas ideias. Poder-se-ia objetar, corn urn certo chauvinismo, que a obra da brasileira Tarsi-. la do Amaral, especialmente a fase Pau-Brasil, é mais coesa, uniforme e plasticamente mais fascinante do que a do artista umguaio. Mas, ainda assim, é inegavel que a influencia do formulador do conceito de Universalismo Construtivo foi bem major, podendo ser ass inalada mesmo na obra de alguns artistas brasileiros. Em Nova York, por exemplo, onde esteve de 1920 a 1922, Joaquim Tones-Garcia fez amizade corn Joseph Stella, Max Weber, Marcel Duchamp e tambem corn Katherine Dreier, a qual logo comecou a comprar obras suas para a sociedade an8nima que fundara corn o criador dos ready-mades naquele mesmo ano. Na Europa, foi amigo de Friedrich

Vordemberg-Gildewart, Michel Seuphor. e Net Mondrian. Decidido a reunir os artistas abstratos, apesar da diversidade de estilos, Torres-Garcia conseguiu fazer corn que se interessasse pelo seu projeto o critic° Seuphor, que reuniu em sua casa, entre outros importantes artistas europeus, alern dos citados, Jean e Sophie Taeuber-Arp, Russolo, Vantongerloo e Herbin. Corn eles, fimdaria o grupo Cercle et Can-é, em 1930, e seria a sua forca motriz. Ate o nome do grupo, diz Susan Bradford, sugere a influencia de Torres-Garcia. 0 pr6prio Seuphor, co-fundador do grupo, de acordo corn os principios de Torres-Garcia, viu no circulo e no quadrado emblemas da totalidade das coisas. 0 mundo racional e o mundo sensorial, a terra e o ceu, a geometria de linhas retas e a geometria de linhas curvas, o homem e mulher, Mondrian e Arp. Como desdobramento do Cercle et Cane surgiria, um ano depois, outro grupo, o Abstraction-Creation, tendo a frente Herbin, Vantongerloo e Beothy. Bradford, Werner Haftmann e Jacqueline Bamitz reconhecem a influencia de Torres-Garcia sobre Bamett Newmann (este, conta Sidney Jannis, quando expo§ a obra do artista uniguaio, visitou inumeras vezes sua galeria, antecipando-se na explicacao do significado de sua obra aos visitantes), Adolf Gotlieb, Mark Rothko e Louise Nevelson. Torres-Garcia regressou a Montevideu ern 1934, depois de 43 anos de ausencia. Nesse mesmo ano fundou ali a Associacion de Arte Construtivo, corn a intencao de divulgar suas ideias por toda a America Latina. Entre 1936, ano em que visitou Buenos Aires pela primeira vez, e 1943, publicou a revista e Quadrado, na qual divulgou textos de sua autoria e de construtivistas europeus. Dois anos depois de seu retomo, terminou o Monumento cosmic°, implantado no Parque

Rod6, em Montevideu, e, em 1944 publicou, na Argentina, sua obra sintese, Universalism° Construtivo. De Montevideu escreveu para a revista Arturo (1944), de onde sairam as ideias geradoras dos grupos Arte Concreto-Invenci6n (r945) e MadI (1946), ativos em Buenos Aires. A pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, que sempre esteve • ligada a Escola de Paris, enquanto residiu no Brasil manteve correspondencia corn TonesGarcia e com o grupo da revista Arturo. E ela, que desde r9lo compartilhava das ideias de Torres-Garcia, ainda que nao as manifestasse ern sua pintura, serviu como uma especie de ponte, pela qual passavam ao Brasil as ideias construtivistas do artista uruguaio. 0 prestigio de Tones-Garcia no Brasil cresceu sobretudo a partir da Bienal de Sao Paulo, em 1959, da qual obras suas participaram. Theon Spanudis, critic° e poeta neoconcreto, no mimero de set./out. de 1959 da revista paulista de arte Habitat, analisa significacao americana e mundial de Tones-Garcia", reconhecendo sua influencia sabre varios artistas brasileiros. Spanudis dii ser ele "a primeira voz original e independente das Americas a incorporar em sua arte as antigas ideias plasticas das civilizacOes deste continente". Varios artistas latino-americanos, em depoimentos falados ou escritos, confirmam terem sido influenciados pelas ideias de Torres-Garcia: Rubem Valentim (Brasil), Eduardo Ramirez Villamizar (Colombia), Carlos Merida (Guatemala), entre outros. Porem, e importante assinalar, que a presenca latino-americana na arte intemacional tern urn sentido mais vitalista e organico. Referindo-se a sua propria pintura, o argentin° Torres-Aguero fala de uma geometria caliente, Tomasello de uma "cor mais viva e sensual" em seus relevos, enquanto Villamizar observa que "... dentro de nossa exube-

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rancia, meu geometrismo parece frio, arid°, eu sei, mas pert° de outras geometries que vao ate ao extremo, o meu é quase lirico. Estou proximo do romantismo." No cinetismo de Soto emerge como qualidade principal um lirismo proximo dos ritmos naturais; Volpi envolve sua geometria em ritmos aquaticos e aereos, fazendo a car navegar em pinceladas vibrateis sobre a tela; o cinetismo de Le Parc e seu grupo desdobra-se em happenings de partidpagao pUblica; e o Neoconcretismo de Lygia Clark e Oiticica antecipa o plurissensorialismo que depois seria moeda corrente na Body Art e na Arte Povera. A critica latino-americana (Angel Kalenberg, Severe Sarduy, Mario Pedrosa, Jorge Alberto Manrique, Juan Acha, entre outros) é unanime em constatar o carter organic° de nossa arte construtiva. Uma geometria que vai alem da geometria - "minha arte nao é rigorosa, é feita corn rigor", diz TorresAguero. Em um dos varios ensaios que cornpoem o livro El geometrismo mexicano (Universidade Nacional Aut8noma do Mexico, x977), Juan Acha diz que "... no cinetismo de todos estes latino-americanos aflora tambern urn lirismo que cabe figurer como tipicamente nosso, já que o registramos em muitos artistes latino-americanos. E urn lirismo estranho objetividade none-americana, ainda que afim a sensibilidade francesa ou italiana", enquanto Manrique, no mesmo livro, nota a inexistencia no Mexico de urn "geometrismo pure": o que existe, ali, é "urn geometrismo organic°, corn um componente inevitavel de vitalidade". Se no Brasil os neoconcretos foram buscar em Susanne Langer a nocao de organism° vivo, reintroduzindo a expressao pessoal e subjetiva coma valor e qualidade, contra a ortodmda concretista, urn Gunther Gerzso (Mexico) e urn Marcelo Bonevardi (argentino residente nos Estados Unidos) es-

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tabelecem uma ponte aparentemente inviaye! entre geometria e surrealismo. Mas tomemos a questa° pelo lado racional. No entender de Juan Acha, no ensaio citado, o geometrismo (eu preferiria dizer a arte construtiva) latino-americana e uma manifestacao tardia, mas desejada, das forces racionais. Em uma comunicagao que fiz ao Seminario sobre Politica e Processos de Amostragem de Ante, promovido pelo XI Sala)) de Ante Contemporanea de Campinas, em novembro de 1977, procurei mostrar como as grandes exposicaes intemacionais do tipo Documenta de Kassel, bienais de Veneza e Paris exercem uma forma de colonizacao sabre a arte mundial, coma que determinando, juntamente corn as multinacionais do mercado, o tipo de arte a ser realizado par paises e continentes. De acordo com esta divisao de tarefas, per exemplo, a America Latina deve persistir na pratica de uma ante figurative, emocional, fantastica, magica, ficando as tendencies analiticas e abstratas para os anglo-saxoes. E se, no piano teOrico, Marta 11-aba insiste no "torn predominantemente mitico da sociedade ladno-americana", a Bienal de Sao Paulo, como sempre funcionando a reboque das demais bienais internacionais, estimula o comportamento acima mencionado. A proxima edicao da Bienal paulista, a primeira inteiramente dedicada ao exame da arte produzida no nosso continente ten l como tema "Mites e Magia". Par isso tudo, Acha entende que "o geometrismo implica, na America Latina, urn saudivel corretivo de toda uma tradicao individualista e emocionalista da arte e da culture". Este "saudavel corretivo" foi estimulado, de inicio, par alguns estrangeiros, que por aqui passaram, ficaram e/ou ate assumiram novas cidadanias. E, nao par pura coinciden-

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cia, ocuparam justamente as paises onde. a ante construtiva desempenha papel destacado. Em suas entrevistas, conferencias, cursos, artigos, projetos ou obras, deixaram marcas profundas, seja pelo torn polemic°, impondo revisees, replicas e autocriticas dos locais, seja pela transferencia de experiencies, estimulando a criatividade e fazendo surgir novos talentos ou tendencies. Mesrno intemamente, o deslocamento de alguns artistes e criticos latino-americanos entre as capitais do confinente teve o mesmo efeito. Par exemplo, os argentinos Tomas Maldonado e Jorge Romero Brest. 0 primeiro é autor do projeto original da Escola Superior de Desenho Industrial, prevista inicialmente para funcionar no Museu de Arte Modema do Rio, mas, afinal, inaugurada como enddade aut8noma, em 1962. E o segundo, que fundara corn Emilio Petorutti e Lucio Fontana a Academia Altamira, em Buenos Aires, durante algum tempo freqiientada por Sergio Camargo, e que criou a revista tier y Estimar, aqui realizou conferencias ern 1948 e 1953. Sua passagem pelo Brasil, em 1948, antes da exposicao de Max Bill e da inauguragao da Bienal de Sao Paulo, em 1951, e em seguida, por ocasiao da mostra dos concretos argentinos, no Museu de Arte Modema do Rio, em 1953 - mostra que ele apresentou - foi sem dtivida estimulante pare as artistas que, pouco depois, iriam se reunir ern tomb de Grupo Ruptura, em Sao Paulo (1952), base do Concretismo paulista, e do Grupo Frente (1953), base do Neoconcretismo carioca. Da repercussao das viagens de Brest por diversos paises latino-americanos di conta Fernando de Szyszlo (1927) no depoimento que prestou ao critic° peruano Mirko Lauer (Indagacion y Collage, Mosca Azul, 1975): "Este nao convenceu tanto os pintores (creio que neste sentido era alimento dema-

siado sofisticado para a juventude artistica), mas convenceu o critic° Juan Ache, que, desde entao, retomou a atitude romeriana de 'critic° criador', fomentando atraves de sua coluna em El Comercio um grupo de artistas." ja mencionei a influencia de Torres-Garcia no continente e poderia falar da presence de Grete Stern, fotografa da Bauhaus, em Buenos Aires, em cuja residencia foi realizeda a primeira mostra Madi. No Brasil, alem de Le Corbusier, tivemos a visite, em 1950, de Max Bill, que realizou exposicao individual no Museu de Arte de Sao Paulo. Urn ano depois era premiado na I Bienal de Sao Paulo corn sua famosa escultura Unidade Thipartida. A obra de Bill provocou grande impacto em alguns artistas brasileiros, que depois percorreriam as caminhos construtivos, dentro e fora do Pais. Mencionaria Franz Weissmann, Mary Vieira - que se mudaria para a Suica, au unindo-se a Bill, no Grupo Alianca - e Almir Mavignier, vivendo em Hamburgo, na Alemanha, depois de ter ensinado em Ulm. Em sua segunda viagem• ao Brasil, em 1953, Max Bill fez uma conferencia no MAM carioca sabre o tema "0 arquiteto, a arquitetura e a sociedade", que repetiria na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em S5o Paulo. Na ocasiao, em entrevistas, fez severas criticas (e quase sempre injustas, reconheca-se) a arquitetura brasileira. A resposta veio corn LOcio Costa, que em entrevista a revista Manchete (4 jun. 1953) se diz envergonhado de abordar pormenores para rejeitar uma critica viciosa e carregada de velhos recalques pueris contra os principios de Le Corbusier. 0 edificio do Ministerio, malgrado o desamor corn que e tratado pelo critico e pelos encarregados da sua conservacao, ha de ser sempre considerado pela opiniao profissional isenta urn dos marcos fundamen-

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tais da arquitetura contemporanea. 0 Brasil, de raiz barroca, estava impregnado do racionalismo de Le Corbusier, dal a enfase corn que Lucio Costa defendeu estas duas vertentes de nossa arquitetura das criticas de Bill. Tambem no final dos anos 40, apareceu em Popayan, Colombia, terra natal de Edgar Negret, o escultor construtivo basco Jorge Oteiza. Vinha viajando desde Buenos Aires em missao oficial e sua estada na Colombia estava relacionada aos programas govemamentais de ceramica. Foram, homem culto, esteta e pensador, alem de escultor, Oteiza fez conferencias, publicou artigos na imprensa sobre arte pre-hispanica, sobre arte e sobre o meio cultural da Colombia e da America Latina em geral, atraindo a atengao dos artistas colombianos. Oteiza foi quem mais estimulou Negret, no inicio de sua carreira. Este mais tarde visitaria Oteiza na Espanha. Apresentando o escultor colombiano em mostra no Museu de Belas Artes, em Caracas, Oteiza define a arte como "fabricacao do silencio", como "poetica da ausencia". No Brasil, contudo, a escultura de Oteiza, apesar de premiada na IV Bienal de Sao Paulo, quase nao foi percebida por artistas e criticos. Quase a mesma epoca, chegava ao Mexico Mathias Goeritz na IV, exercendo, tambem, imediata influencia atraves dos atelies de educacao visual, desenho basic° e desenho industrial, organizados em distintos centros universitarios. A obra mais importante de Goeritz, realizada em parceria corn o arquiteto Luiz Barragan, é o conjunto de cinco torres da Cidade Satelite da capital mexicana, datado de 1957/58 — "urn impressionante espetaculo policromico", no dizer de Xavier Moyssen. Foi tambem Goeritz o responsavel pelos convites feitos a diversos escultores construtivos de diferentes 'Daises para realizarem projetos escultOricos para a Ins

Cidade Universitaria, a epoca das Olimpiadas de 1968, e que ainda hoje se encontram au. A influencia de Goeritz nao cessa de crescer no Mexico, gragas a evidencia do geometrismo, sobretudo no tocante aos jovens, corn os quais freqiientemente se associa cornpondo grupos. Nascido em Londres, em 1900, formado em Paris, Carlos Raul Villanueva só regressaria a Caracas em 1929. Era, portant°, a semelhanga de Tones-Garcia, urn estrangeiro. Nos anos 50, Villanueva desempenhou importante papel aglutinador das artes plasticas, ao procurar integrar no seu projeto da Universidade de Caracas (1952/57) a obra de varios artistas de tendencia construtiva: Calder, Arp, Leger, Alejandro Otero etc. Sempre existiu, em todos os paises e continentes, em todas as epocas, a polaridade crise/construcao (Barroco/Renascimento, Romantismo/Neoclassico, Expressionismo/ Cubismo, Pop Art/Op Art, etc.). As razoes dessa polaridade, da major importancia de um ou outro polo, variam de contexto a context°, de epoca para epoca. Por outro lado, medida que se deslocam no espago e no tempo, as tendencias vao perdendo ou ganhando novos significados. A primeira vista, a arte construtiva adquire significagao apenas nos 'Daises de economia avancada ou desenvolvida, de major estabilidade social e politica: Alemanha, Suiga, Holanda. Nesses liaises, a arte construtiva dá enfase sobretudo aos aspectos forrnais, ao emprego de materiais industriais, a qualidade de execucao etc. Entretanto, as primeiras manifestaciies construtivas europeias ocorreram na URSS quando aui ainda se vivia a euforia da revolucao de 1917, coincidindo, portanto, corn as profundas modificagoes sociais e politicas. Os principais construtivistas aderiram francamente

a nova situacao, alguns deixando, inclusive, o campo puramente especulativo para levar 'I praxis social as ideas construtivas. Tratava-se, afinal, de construir uma nova realidade, fisica e ideologica. Corn a tomada do poder pelos burocratas, o Construtivismo russo foi como que "congelado", apesar de florescer na Bauhaus, via Lissitsky, ou nos Estados Unidos, via Pevsner/Gabo. Vale dizer, floresceu no exterior o Construtivismo mais formalista, mais acessivel ou mais viavel em termos de mercado. 0 Construtivismo revelador da verdadeira "alma russa" (Malevitch) ou ideologic° (Tatlin, Rodchenko) foi melhor compreendido na America Latina. 0 que pode ser explicado por uma coincidencia de propOsitos. Ao nivel puramente especulativo, no campo restrito da historia da arte, tratava-se de, como dizia Lissitsky, "decretar o fim do quadro como representacao", para, "da ten-a fertilizada pelos cadaveres do quadro e seu autores", edificar urn novo espaco, uma nova arte, uma nova realidade, ou, como diriam os cineticos russos dos anos 6o, liderados por Lev Nusberg, fundar o homem novo = cinetista. E se, em uma manifestagao na Bauhaus, pedia-se a morte da arte, em nome de Tatlin, o manifesto construtivista de A. Gan (1920) proclamava o fim da atividade especulativa do trabalho artistic°, propondo-se em troca (Arvatov) uma "ante edificacao da vida". Muitos viram no Branco sobre Branco, de Malevitch, uma postura negativista da arte. Na verdade, esta chegada ao zero, ao nada, nao pode ser encarada como urn niilismo ocidental, o puro negativismo, o vazio ou absurdo existencialismo. Esta negagao em extremo da core da forma na pintura suprematista acabou por revelar uma presenca major, a do proprio espaco como coisa significante."A ausencia do objeto toma-se, assim, pura

presenga da abstragao", diz Dom Vallier, que ve em Malevitch uma terceira fonte da arte abstrata (ao lado do espiritualismo fim-deseculo de Kandinsky e da teosofia de Mondrian), "este fenomeno tipicamente russo que foi o niilismo". Para Nicholas Berdiaeff, o niilismo primitivo russo, entendido como negaga() radical do mundo tal qual ele é, é essencialmente uma "pesquisa da verdade". 0 que se deseja e o fim do mundo mau, sua destruigao e o advento de urn mundo novo. "Que o niilismo preparou o terreno da revolucao é coisa certa", conclui Dora Vallier. Ferreira Gullar, na sua Teoria do Nao-Objeto, diz que "o proprio conceito de arte vacila, se nao a tomamos na acepcao fundamental de experiencia primeira". 0 Neoconcretismo, no entender do critic° brasileiro, "é uma redescoberta do mundo: as formas, as cores, o espago, nao pertencem a esta ou aquela linguagem artistica, mas a experiencia viva e indeterminada do homem". Mario Pedrosa chegou a referir-se ao Neoconcretismo como a pre-historia da ante brasileira, "nao porque fosse o primeircr movimento, mas porque buscava as origens ou fundamentos". E o escultor Amflcar de Castro diz que seu gesto construtor "...é pura surpresa. Espont'aneo como se fosse o primeiro— aquele que fundamenta a comunhao corn o futuro". 0 que percebe, portanto, nesta seqiiencia que vai da "morte da pintura" è recuperagao do gesto primeiro, é a antevisao, ou mais do que isso, a fundacao de uma nova arte, urn novo ser. Construcao. 0 Construtivismo msso, portanto, surge no momento em que se preparavam profundas mudangas no piano econamico e social, quando se pretende dar o salto do subdesenvolvimento. Construir: "esculpir o futuro". Uma das obras mais utopicas ou visionarias do Construtivismo russo é o Monument° a

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

UNICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

A VOCAcA0 CONSTRUTIVA DA ARTE LATINO-AMERICANA - FREDERIC° MORAIS

A VOCLIcA0 CONSTRUTIVA DA ART E LATINO-AMERICANA - FREDERIC° MORAIS

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Terceira Internacional, uma gigantesca escultura-edificio, de ferro e vidro, corn diferentes movimentos rotator -jos. Neo estaria al, tambem, urn dos objetivos da arte construtiva entre nos? Nos manifestos madistas, concretistas ou neoconcretistas nao sao feitas alusoes as possiveis implicagees politicas desses movimentos, mas esta ausencia nao nos impede de localizar em suas propostas uma presenga politica ou o desejo utopico de renovar e transformar a sociedade. Afinal, dentro da perspectiva da arte construtiva, o fazer artistic° deve ser encarado coma urn esforco de ordenaceo do caos (qualquer que seja o nome ou a origem que se de a ele). Pretende o artista construtivo transformar o caos em cosmos - "fazer da pedra cristal", deseja "o perfil claro e solar", como diz o poeta Joao Cabral de Melo Neto. Entre expressar a crise ou a construcao, prefere o segundo caminho, "pois considera mais ütii revelar o homem nas suas melhores possibilidades do que mostra-lo fragmentado e caotico", sustenta Max Bill. A arte encarada nao como evasao ou escapismo, mas coma "urn modo mais lucid° de se estar no mundo", como diz Giulio Carlo Argan a prop6sito da Bauhaus. 0 projeto da arte construtiva é fundamentalmente otimista. E utopico. 0 artista construtivo acredita que a arte pode ser urn instrumento eficaz de transformagao da sociedade, quer construir uma nova realidade, inclusive no piano social e politico. 0 artista construtivo sonha de olhos abertos, quer esculpir o futuro no presente. 0 gesto construtivo é urn gesto fundador de mundos. Nao se trata, portanto, de copiar ou imitar o existente, o já gesto e, portant°, imperfeito; mas de inventar, de fazer surgir urn mundo novo, claro, limpo, transparente, criar, como diz ainda o mesmo Joao Cabral, "o espaco de urn mundo de luz limpa e sadia, portant°, justo". 100

Ora, nao creio que se possa considerar mera coincidencia o aparecimento dos movimentos construtivos argentinos no momento em que a Europa se apresenta destruida pela guerra ou que esses movimentos correspondam a uma consciencia crescente de nossas possibilidades economicas etc. urn paralelismo de situag8es entre a expanse° das ideias construtivas e o esforgo de unificagao dos diversos paises latino-americanos no campo politico e econ8mico: conferencias do Mexico (1945), Rio de Janeiro (194.7), Bogota (1948), esta Ultima resultando na criagao da Organizacao dos Estados Americanos. Nao importa se a ()EA, como depois outros projetos - a Alianca para o Progresso e a Operacao Pan-Americana - nao alcancaram os resultados desejados, por submissao ou burocracia, ou se a Associagao Latino-Americana de Livre Comercio (ALALC) tambem nao cumpriu seus objetivos econ8micos. E certo tambem que ha muito a CEPAL decretou a falencia do modelo desenvolvimentista, o desarrollismo latino-americano, substituido nos anos 60 pelos "milagres economicos" surgidos na crista de profundas modificacoes politicas, com sensiveis derrotas para a democracia em nosso continente. Nao se pode inferir, porem, apressadamente que o Em do "sonho desenvolvimentista" seja tambem o fim do "sonho construtivo", pois se os paralelismos existem, a arte este sempre a frente da realidade. 0 certo é que nas decadas de 40/50 ha uma coincidencia de objetivos entre as ideologias construtivas no piano cultural, o desenvolvimentismo no piano econOmico e as aliangas continentais no piano politico. No Brasil, por exemplo, a (Ikeda construtiva por excelencia é a do desenvolvimentismo - Juscelino Kubitschek e seu Plano de Metas, antecipa-

do pela criagao da Petrobras, da Eletrobras, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ8mico e do processo economic° denominado de "substituicao de importacoes". Ao rapid° cresdmento e modemizaceo das grandes cidades corresponde tambem a ambicao de nossa burguesia de superar a condicao, como pals, de mero exportador de materiasprimas minerais, de pals agroexportador. Este esforco modemizador e o crescimento demografico das cidades vac) gerar novas formas culturais - da bossa nova ao Concretismo, iniciando a revise() da obra daqueles artistas, como Portinari e Di Cavalcanti, que representam o estagio anterior: uma estrutura patriarcal e agraria. A docada desenvolvimentista, que tern no Institut° Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) o seu principal organism° teorico, sua "fabrica de ideologias", no piano da arte se inicia corn a Bienal de Sao Paulo, a primeira em 1951, idealizada por urn capita° de indastria, de origem italiana, e se encerra corn a inauguragao de Brasilia, que se ergue no interior do Pais para significar "que o futuro tecnologico, econ8mico e social deste pals nao mais se construird a revelia do coracao e da inteligencia (...) mas erguer-se-6 sob o signo da arte". Clam, Brasilia, desde o inicio, estava fadada a agravar as contradicees, muito mais que resolve-las ou aplaina-las. Utopias a parte, a arte construtiva nao seria entre nos, latino-americanos, a manifestaceo cultural de sociedades industriais, tercierias ou avangadas, mas de sociedade em fase inicial de arranque economic°, coma na URSS, mantidas as diferencas de projeto politico e econ8mico. Alias, me parece sintornado°, no caso brasileiro, que Sao Paulo representando urn estagio industrial mais avancado - vinculou-se de preferencia ao Concretismo suico-alemao-holandes, en-

quanto o Rio - menos industrializado, porem mais ludic° e criativo-mostrou-se mais sensivel ao Construtivismo msso. As manilastact:les tardias do Construtivismo latinoamericano podem ter as mesmas raz5es economicas, entre elas o pet/tie°, enquanto no Mexico o problema é mais especificamente cultural: a persistencia do muralismo como doutrina oficial. Estas consideragoes nao excluem, obviamente, as observacaes feitas antes a respeito da existenria de uma vocagao construtiva em nosso continente, o Brasil em particular. Pelo contrario: tera sido justamente esta vontade de ordem que levou a aceitagao dos modelos construtivos tao logo se anteviu a possibilidade de urn desenvolvimento economic° acelerado de nosso continente cam o final da Segunda Guerra Mundial. Ou melhor, estavamos preparados para digerir, antes mesino de alguns paises europeus e dos Estados Unidos, muitas ideias construtivas, como vimos. Inclusive porque, já antes da vinda de Bill, Oteiza, Goeritz etc. a nossos paises, Tones-Garcia aliciava anistas e teoricos para apoiar o seu universalism° construtivo. Entretanto, uma visao excessivamente eurocentrista da cultura ocidental tende a localizar no velho continente a origem de todos os movimentos, tendencias, teorias etc. Muita gente sena e responsavel, porem, já se deu conta de nossa contribuicao a arte construtiva internacional - ou melhor, da peculiaridade dessa contribuicao. Nao apenas o carater organic°, vitalista, sensivel e caliente de nossa produce° construtiva, e das antecipagoes minimalistas, cineticas e plurissensoriais, mas tambem a introduce° de simbolos (Tones-Garcia), de maior vinculageo corn nossas raizes culturais (Rubem Valentim, Carlos Merida). Se podemos enten-

CIBTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMDORANEAS AVOCAcA0CONSTRUTIVADAARTELATINO-AMERICANA-FREDERICOMORAIS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A VOCAcA0 CONSTRUTIVA DA ARTE LATINO-AMERICANA - FREDERIC° MORAIS

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der a arte construtiva em nosso continente cas de arte. No Mexico, insurgem-se contra como urn "sauclavel corretiVo" aos excessos o muralismo e, na Colombia (onde, a meu ver, misticos e magicos, emocionais e irracionais, esta surgindo um dos poles mais interessancomo querJuan Acha, é conveniente lembrar tes da arte construtiva em nosso continenque, passada a fase inicial, que se manifes- te), Villamizar diz ter reagido a violencia do ta, em cada pals, como urn period° de lim- Expressionismo mostrando seu contrario. E peza, de assepsia, de "servico militar obri- no seu entender, o contrario da violencia é a gatorio" (como dizia Tarsila do Amaral em ordem. Depoimento, alias, muito parecido relacao ao Cubismo), logo em seguida (as corn o que me fez recentemente Rubem Vaoposiciies Concreto/Madi, Concretismo/Ne- lentim (1922), para quem a necessidade de oconcretismo) ha urn esforco de adaptacao ordenar, de construir e de elaborar suas fora nossa realidade: variada, dispersa, contra- mas corn rigor era uma oposicao ao caos e aos ditoria, hadica. E é nesse momento, quando excessos reinantes na paisagem fisica e cula arte construtiva já se encontra impregna- tural de seu Estado natal, a Bahia. da de nosso ser, de nossa alma, que come0 exame, neste ensaio, das tendencias camos a exportar. Quer dizer, haveria, tamconstrutivas da arte latino-americana nao bem, na arte construtiva, um processo de significa, a priori, uma tomada de posicao antropofagia. contra outras tendencias existentes e igualA arte construtiva nao se apresenta igual mente validas: fantastic°, a figuragao critiem todo o continente. Se ao Sul, os movi- ca etc. 0 exame de nossa arte construtiva mentos construtivos vieram respaldados ern nao visa eliminar ou aplainar as contradiuma intensa movimentacao teorica - levan- gees existentes, como procurei mostrar. Nesdo a formacao de grupos, publicagao de ma- te caso, tao valida quanto a arte ordenada e nifestos, planos-piloto, revistas, gerando construida pode ser uma outra que assuma polemicas e dissidencias - no Centro e no e manifeste claramente o nosso caos. IncluNorte nao existem, a rigor, movimentos ou sive porque, como tern procurado mostrar o grupos, mas urn encontro espontaneo de pintor e tearico argentino Luis Felipe Noe, artistas que trabalham corn propostas simi- existe tambem uma estrutura no caos, ou lares. No Sul, a polarizacao teorica opunha melhor, o caos é estrutura. A critica, por oudois campos: o °tic° e o org'anico, a logica e a tro lado, nao deve manter-se em posicoes intuicao, a maquina e o corpo, o visual e o rigidas: o apoio a esta ou aquela tendencia plurissensorial, o tempo, como movimento, depende das circunstancias do momento ou e o espaco, como duracao, etc. Nos demais de muitos outros fatores, inclusive extra-arpaises, estas oposicees existem, mas ao ni- tisticos.Talvez nao seja o caso, hoje, de convel individual: Negret/Villamizar, Soto/Cruz- tinuar defendendo uma arte construtiva em Diez, Goeritz/Sebastian. Se madistas, /Daises onde ela ja existiu (onde a "vanguarinvencionistas e concretos argentinos luta- da", hoje, pode estar, par exemplo, corn a firam contra o Surrealismo, as concretos e guracao critica); em outros, pelo contrario, neoconcretos armaram barricadas para con- mesmo quando a arte construtiva resvala ter o dilUvio tachista. Quer dizer, em ambos para urn certo decorativismo, pode set Util os casos, uma oposicao as formas automati- uma tomada de posicao ao seu lado.

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEA5 A

:AO CONSTRUTIVA DA ARTE LATINO•AMERICANA - FREDERICO MORA'S

0 que engendra Athos Bulcao EVANDRO SALLES uando pensamos uma obra, insinuam-se simultaneamente dois cami.nhos: o poetic° e o analitico. No primeiro, abdicamos de nossa prOpria maneira de estruturar cultural e racionalmente o significado da criagao, entregandonos a obra e ao seu arrebatamento. No segundo, impomos essa maneira egocentrica de estruturar ao sentido da obra. Em sua fruicao, a critica opta, as vezes, poruma aparente altemancia emocional, de acordo corn suas necessidades estrategicas, intercalando segmentos de uma ou outra opcao. Assim, urn critico se emociona e imediatamente explica porque se emocionou ou, ao contrario, interpreta e automaticamente se emociona corn a interpretacao. Outras vezes, a critica é "gravitacional" e tende a acentuar ou exclusivizar uma das °Noes ou um dos modelos construidos circunstancialmente que caracterizam seu estilo, imputando a obra sua tenclencia. Entretanto, existem obras que problematizam esse sistema da critica. Exemplos historicos e definitivos sao a obra de Duchamp, em uma direcao, e a de Malevitch ou Mondrian, em outra. Sao obras que possuem um paralelismo na maneira pela qual se oferecem a abordagem do pensamento; a medida que penetra-

mos o enigma da obra atraves de uma das chaves que ela oferece, vemos nossa expectativa linear de analise diluir-se ante a variagdo brusca de significacao. Sea abordarmos do ponto de vista formal, este se obscurece, delineando-se urn universo metaffsico; se do ponto de vista metafisico, delinea-se, repentinamente, urn universo formal. Sao obras que nao permitem uma aproximacao unilateral, impondo ao espectador um desmembramento de sua logica seja ela qual for. (A 'Mica logica nao desmembravel e, par enquanto, indestrutivel é a logica do mercado que engoliu toda a altivez orgulhosa das vanguardas, transformando tudo em mercadoria indiferenciada.) Alem das questoes formais, urn observador que olha o vazio de urn quadrado branco sobre outro quadrado branco perde, subitamente, sua capacidade de projecao e de inferencia de significados. E obrigado, por instante que seja, a observar o seu proprio vazio (expresso por uma incapacidade de projecao) e set observado pela obra numa formidavel transformacao dialetica. Provoca-se urn "esvaziamento" interior do observador atraves de qualquer ponto que se escolha para observacao, como se sujeito e obje to se fundissem atraves de urn vazio que os engloba e unifica.


A obra, inviabilizando cada passo da andlise, cria, por assim dizer, uma negacao integral do conceito em funcao de uma abrangencia mental complete e absolute. A entice deveria ter sido desintegrada por este sistema mas salvou-se pela mitiflcacao da obra, tornando-a inacessivel ao envolve-la em discurso, de modo que quando o espectador "culturalizado" a ye, ye apenas o discurso corn que a obra foi vestida. 0 outro fator desta contradicao é o proprio mercado, que usa a critica pare eleger a obra como "obra de arte", uma entidade abstate, esvaziando sua forge de transformacao do pensamento. Entretanto, alem de penetrar as contradigoes latentes nas relagOes artista-obraconsumidor, o trabalho de construir a obra implica tambem voltar-se para a direcao oposta: o artiste toma-se leitor de sua propria obra e esta reveladora de seu universo interior, submetido ao obscurecimento oceanico: ao inconsciente. Faca de dois gumes, este "viver artistico" serve tanto para justificar as concessoes comerciais em nome de uma suposta "liberdade criadora" como para salver os calculistas do formalismo absoluto. Nao ha concretista ortodoxo que agUente incolume, no tempo, as pressoes viscerais de seu inconsciente, exceto aqueles que se refugiam na recriacao maquinal de suas formulas. Da mesma maneira, nao he expressionista, realista etc. que suporte a sistematizacao de seu estilo. A imobilidade do meted°, do estilo, toma-se repressao. Cada obra encerra em si seu prOprio tempo, o tempo de sua criacao. 0 passado, porem, é irrecorrivel, imprestavel para o fluxo do presente. Ao contrail° do que desejariam os parti(Janos de cada tendencia, a arte contem112

porenea e pluridirecional e abre-se tanto para obras monumentais como a de Picasso, como para travestimentos fugazes como as de Rose Selavy; tanto para reflexties grandiosas como as do grande vidro coma para gestos intimos do apagar corn borracha o desenho do mestre admirado. Manipulador, o mercado elege a cada momento uma direcao e faz parecer que existe unidade no pedago eleito, faz parecer que existe transformacao radical como se esta fosse possivel sem uma transformacao radical da sociedade. A historia tera de ser recontada corn o instrumental que o distanciamento no tempo nos oferece. 0 palpavel é a perplexidade, a simultaneidade, a interdependencia, a fragmentageo dos gestos se superpondo. 0 artista ao fazer a obra submete sua consciencia a urn transformismo vertiginoso. Ao mesmo tempo que constroi e organiza a linguagem, revela o espago impalpivel de onde ela provern; ao mesmo tempo que expressa, revela a si prOprio, toma-se seu proprio descobridor, fundindo-se corn o mundo no observer de si mesmo, abandonando-se na obra, esvaziando-se. Em realidade, a obra habita o exterior de sua concretude in mutacao vertiginosa que gera em sua volta. Athos Bulcao, de dentro da tranqiiilidade que gera a compreensao do vertiginoso, trabalha em sua obra atual a interacao do metodo e da vertigem, a justaposicao da linguagem e do caos. Atravessando em sua trajetOria a experiencia, rara para os artistes desse seculo, de ver sua obra envolvendo todo o corpo de uma cidade, Brasilia, de ve-la atuando socialmente de forma profunda num momento em que essa obra buscava representar, estetica e ideologicamente, as anseios de uma vanguarda, Athos segura agora simultane-

amente a outra diregao que impoe ao artiste o fazer artistico: o aprisionar-se pelo poder revelador da propria obra. 0 metodo de autoconhecimento é exposto em sues duas vertentes: a converse . ° primorosa dos elementos constitutivos da pintura, basicamente as relagoes de cor, em linguagem, e a converse° ou cristalizacao dessa linguagem pictural na forma de simbolos desconjuntivos, desagregadores, diabolicos (a estrela de cinco pontas invertida), primais e viscerais (especie de intestinos-espirais-galaxias), simbolos e formas inconscientes nao organizaveis mas, ao contrario, desorganiz adores. Na apolinea e aprimoradissima organizageo pictural, emerge a dionisiaca e suave loucura de Athos, quero dizer, do Athos cosmic° corn suas visceras de transforrnageo de materia, de desejo e de tempo. Na organizacao apolinea da pintura, que repousa sobre o conhecimento da cor renascentista e da absorgeo moderna da cor oriental, ou seja, no profundo conhecimento da tradigeo ocidental de construcao das relacoes de cor (como poucos artistes brasileiros possuem), na tradigdo construtiva que traz consigo uma busca da fungeo social para a arte, irrompe um desejo de entropia da propria pintura, do ato organizacional, que por sua vez advem do proprio sistema de criacao que obriga o criador a lancer na obra seu desconhecimento de si mesmo, sua fragmentacao, sua revelageo de vazio e seu embriagar ou desesperar neste seu nada. Esta interageo de opostos é que constitui a poetica da obra atual de Athos e pode

ser notada nao apenas ern sua pintura, onde é clara, mas tambem em suas obras recentes na arquitetura, que foram inv- adidas violentamente pela cor. Car que praticam ente inexistia no passado onde os jogos de luz e sombra eram predominantes. A cor nestas obras cumpre o papel da representacao dionisiaca. Mas e na pintura que sua poetica se faz reveladora, é na pintura que encontra espaco para a pratica do que chamariamos de introversao do metodo criador, cu seja, onde a pratica alem do conhecimento o autoconhecimento, alem do expressar o decifrar, alem do compor o decompor, alem da presence a ausencia de referenciais. De maneira diferente, este mergulho tambem problematiza a abordagem critica, pois ao nos oferecer uma pratica dialetica nos oferece tambem seu autodesconhecimento e a busca interminavel de construceo e destruicao. Seu metodo nao-linear, corn pontos de vista diferentes e simultaneos, obriga o olhar a fragmentar-se em intengoes dispares apesar de 'Mid° pelo objeto. Oferece-nos, portanto, seu proprio metodo de construcao pare que corn ele construamos nossa abordagem. Pois como compreender o incompreensivel sem habita-lo e como habita-lo sem abandonarse, sem desconstruir-se? Nesse momento em que, corn violencia inedita, o circuito de arte impoe urn athatamento dos processos criativos e criticos aos niveis do publicitario, obras como a de Athos Bulcao sao um exemplo generoso e importante de integridade e profundidade.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

0 QUE ENGENDRA ATHOS BULCAO - EVANDRO SALLES

0 QUE ENGENDRA ADIOS BULCAO - EVANDRO SALLES

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Construtivismo no Brasil Concretismo e Neoconcretismo

HAROLDO DE CAMPOS Construtivismo brasileiro tern suas raizes na decada de 1950. De fato, • em 1949 se situam as primeiras atividades de artistas como Waldemar Cordeiro (pesquisas corn linhas horizontais e vendcais; criagao do Art Club de Sao Paulo, dedicado ao experimentalismo), bem como os experimentos iniciais de Abraham Palatnik corn a luz e a cot', de Mary Vieira corn volumes; de Geraldo de Barros corn "fotoformas". Como precursoras dessa tendencia se poderiam citar, nos anos zo, as estruturas neocubistas de Tarsila do Amaral (1886-1973), animadas pot um "colorismo" voluntariamente ingenuo, "caipira". Tarsila fora discipula, em Paris, de Lhote, Gleizes e Legere, de volta ao Brasil, langara a "pintura pau-brasil", da qua!, posteriormente, se desenvolveu a "pintura anixopofagica". Casada corn o poeta e romancista experimental Oswald de Andrade (189o-1954), a mais dinamica figura do Modemismo de 22, corn ele se empenhou nos homonimos movimentos de vanguarda, anunciados pot memoraveis manifestos oswaldianos. Outro pioneiro foi Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), ativo em Paris e no Brasil, influenciado, em suas figuragoes geometricas, tanto pela tendencia Art Deco quanto por urn cubismo estilizado e "tropicalizado" ("primitivista').

Em 1950, Max Bill apresenta uma exposick, individual no Museu de Arte Moderna de Sao Paulo (fundado em 1947) e, em 1951, recebe o Premio Internacional de Escultura corn a Unidade Tripartida, na I Bienal de Sao Paulo. Nesse mesmo ano, Mary Vieira e Almir Mavignier deixam o Brasil: a primeira, para estudar corn Max Bill e radicar-se na Suiga (Basileia); o segundo, para matricularse na Escola Superior da Forma (Hochschule fur Gestaltung), Ulm, e radicar-se na Alemanha. Em 1952, forma-se o grupo de pintores concretos de Sao Paulo, liderados pot Waldemar Cordeiro Govern artista italo-brasileiro, educado em Roma, ideologicamente influenciado pelo marxismo gramsciano). 0 grupo, inicialmente constituido por Charroux, Geraldo de Barros, Fejer, Leopold Haar, Sacilotto e Anatol Wladyslaw, alem de Cordebt, lanca urn polemic° manifesto, sob offtub "Rupura". Aos construtivistas de "Ruptura" logo se aliam os poetas do Grupo Noigandres (revista-livro fundada em 1952, em Sao Paulo, pot Augusta e Haroldo de Campos e Decio Pignatari). Das atividades e experimentos do Grupo Noigandres emergiria, entre 1953 e 1956, o movimento de poesia concreta, cujo langamento public° iria ocorrer na Exposigao Nacional tie Arte Concreta (S5o Paulo, dezembro de 1956; Rio de Janeiro, feve-


reiro de 1957), na qual tomaram parte poetas e artistas plesticos de Sao Paulo e do Rio de Janeiro. Os construtivistas do Rio pertendam ao Grupo Frente, fundado em 1954, sob a lideranca de Ivan Serpa; quanto a poesia, participavam da mostra o poeta e critic° de arte Ferreira Guitar (maranhense de nascimento), expressamente convidado por Augusto de Campos, e o mato-grossense Wladimir Dias Pinto. No piano internacional, o movimento, na sua dimensao poetica, foi co-langado pelo poeta suico-boliviano Eugen Gomringer (secretario de Max Bill na Escola Superior da Forma), a quem Decio Pignatari encontrara numa visita a Ulm, em 1955 (Gomringer chamava Konstellationen suas composicoes de estrutura ortogonal e linguagem reduzida, escritas em alemao, frances, ingles e espanhol, mas aceitou a denominacao geral poesia concreta / konkrete dichtung, proposta pelo Grupo Noigandres, que, por sua vez, costumava designar por "ideogramas" seus poemas, em geral de semantica mais complexa, plurilingiies e de maltiplas direcoes de leitura. A cooperagao entre os poetas concretos brasileiros e Gomringer resultou numa kleine anthologie konkreter poesie, de ambito plurinacional, editada pelo poeta das "constelacoes" no n° 8 da revista Spirale (Berna, 1968). Em 1959, os artistas concretos do Rio, sob a lideranga de Ferreira Gullar, langam a dissidencia denominada Neoconcretismo, anunciada por urn manifesto publicado no Jornal do Brasil, cujo Suplemento Dominical se convertera na tribuna dos poetas e pintores da vanguarda brasileira. No piano estetico, o dissidio explicava-se pela diferenca de formacao do grupo carioca, em especial de seu porta-voz e teorico, F. Gullar, cuja concepcao artistica procedia da matriz surrealista francesa, aguJIB

cada pelo sonorismo glossolalico e fraturado de Antonin Artaud, e decantada pelo cubismo e pela abstracao geometrica, uma concepgao de forte marca subjetivista; os paulistas, acusados pelos cariocas de "racionalistas", defendiam, na verdade, urn "racionalismo sensivel", uma dialetica "razao/sensibilidade", pie nao discrepava da maxima de Fernando Pessoa: "Tudo que em mim sente esta pensando" e que nao encontraria maiores objegoes da parte do Mallarme da "geometria do espirito"; do Lautreamont do elogio as maternaticas; do Pound da equacao "poesia" igual a "matematica inspirada" e, entre nos, do Joao Cabral do lecorbuseriano e valeryano 0 Engenheiro (1945), mas que irritava o expressivismo subjetivista do grupo do Rio, sobretudo de seu mentor no nivel critico-teorico. Os pintores de Sao Paulo estavam influenciados pelo neoplasticismo de Mondrian, pelo construtivismo derivado do De Stijl holandas, pelos futuristas italianos e pela vanguarda russa (Gabo, Pevsner, Tatlin, Lissistzld -Malevitch tambem, no seu extremado despojamento "suprematista", apogeu de certa leitura do cubismo), bem como pela experiencia participativa do Bauhaus de Gropius, retomada no pos-guerra pela Escola de Ulm, dirigida por Max Bill, onde lecionava o filosofo de estetica e semioticista Max Bense. 0 principal alvo dos "neo" artistas do Rio, que juntaram (para distinguir-se) um prefix° neo ao croncretismo, era Waldemar Cordeiro, teorico de ideias combativas e formaga° marxista nao-jdanovista; lembre-se, a prop6sito, o ataque de Theon Spanudis, colecionador de arte, psicanalista e poeta amador, alis ado ao neoconcretisrno desde o primeiro momento, aos poetas de Noigandres, que 'he pareciam "barroquizantes" em confronto corn o "despojado" Gomringer, e que esta-

darn sob a "deleteria" do "marxista" Cordeiro (cf. "Gomringer e os Poetas Concretos de Sao Paulo"; Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Rio Janeiro, 15.09.57). Forte componente da discordia entre ambas as faccees construtivistas (a "concreta" e a "neo") estava situada, portant°, no piano da politica artistica, corn matizes reivindicativos de prestigio regional, quando nao eram meramente idiossincraticos, de "desafinidades" eletivas: caso de Willys de Castro e de Barsotti, que, apesar de uma efemera participacao na Galeria NT (1963), incompatibilizaram-se corn o agressivo Cordeiro e, conseqfientemente, buscaram abrigo junto a dissidencia carioca, onde foram bem-aceitos. Hoje essas divergencias, em boa parte, dados os mentos respectivos dos artistas plasticos envoividos, pertencem sobretudo a "pequena historia" e nao revelam; que divergencia maior havia, por exemplo, salvo o timbre intransferivel da personalidade de cada urn, entre o construtivista ja op Sacilotto e os escultores Franz Weissmann ou Amilcar de Castro, ou ainda entre o mesmo Sacilotto e a Lygia Clark da fase anterior a suas inventivas intervencOes plastico-terapeuticas e comportamentais (das borrachas contoisionistas as tramas de fios e baba salivar)? Raid° tinha Helio Oiticica, o mais jovem e urn dos mais ousados e criativos entre os artistas do Rio, quando, em 1967, deu o exemplo de largueza de compreensao e superacao de ressentimentos, ao organizar a exposicao Nova Objetividade Brasileira, sob o signo da relativizacao dos "ismos" e da "vocagao construtiva" como ideal comum, convidando pan dela participar o inimigo n° r do "neoconcretismo" carioca, Waldemar Cordeiro, que entao desenvolvia, em cooperacao corn o poeta Augusto de Campos, a fase "pop-creta" de seu

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trabalho (exposicao na Galeria Atrium de Sao Paulo, 1964), bem como artistas mais novos (Antonio Dias, Gerschman, o grupo ligado a Wesley Duke Lee). Quanto ao neoconcretismo em poesia, foi tendencia de curta duracao, que deixou magro saldo. Gullar, convertendo-se a uma Iinha populista de impostacao neojdanovista, partiu já em 1962 para o malogro equivocado do Violdo de Rua, tornando-se porta-voz das teses dogrnaticas do CPC (Centro Popular de Collura). Na ocasiao, os poetas concretos de Sao Paulo, alinhados ideologicamente a esquerda, porom anti-stalinistas, anti"realismo socialista", reclamavam-se, por sua vez, de Maiakovsld ("sem forma revolOcionaria, nao ha arte revoluciondria"; "a novidade, novidade do material e do procedimento, é indispensavel a toda obra poetica"; ver o "135-1961", acrescentando ao "Plano Piloto para Poesia Concreta" de 1958, Teoria da Poesia Concreta, Textos criticos e Manifestos, Edicoes Invencao, 1965; 3° edicao, Brasiliense, Sao Paulo, 1987). Hoje, passados 40 anos da Exposicao Nacional de Arte Concreta (quando eu proprio, ja ha mais de duas decadas, nao fag° "poesia concreta" no senso estrito do conceito, embora continue perseguindo a concretude na linguagem e prossiga nutrindo-me do ostinato rigore da fase concretista dos anos 50 e 6o), parece-me que ambas as orientacoes artisticas daquele periodo fecundo e Polemic°, corn as naturais diferencas de temperamento e realizacao, podem ser vistas como variantes - ate complementares - de urn "Projeto Construtivo Brasileiro", titulo, alias, da grande exposicao retrospectiva apresentada, em 1977, no MAM do Rio e na Pinacoteca do Estado de Sao Paulo, sob a curadoria da critica e historiadora de arte Aracy Amaral.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CONSTRUTIVISMO NO BRASIL - HAROLDO DE CAMPOS

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grande mestre, alias, respeitado por fluenciado par ideas de Helio Oiticica, pela ambas as tendencias e respaldado pela critipratica inovadora da poesia brasileira - de ca de Sao Paulo (Mario Schenberg a frente) e Oswald e Joao Cabral a poesia concreta - e do Rio (Mario Pedrosa), foi Alfredo Volpi (1896apoiado, pioneiramente, no plano critic° e 1988), cujo centenario de nascimento se comusicologico, par Augusto de Campos.' Já memora este ano. Nascido em Lucca na Itaem 1960, mesmo apos a manifestacao publilia e jamais naturalizado formalmente, Volpi ca da dissid8ncia neo, artistas de ambas as teve urn longo convivio corn os pintores e vertentes construtivistas concorriam simulpoetas concretos paulistas (Decio Pignatari o taneamente a grande exposicao konkrete definia como urn "Mondrian trecentista"). kunst, organizada par Max Bill em Zurique, Equivocadamente tido par alguns como urn regida por urn criterio abrangente, gesto de pintor "primitivo", o laconic° mas jucundo amplitude que seria repetido em 1967 par Volpi era na verdade urn sabio, urn refinado Hello Oiticica (em contact° e correspondendo olhar e do gesto pictorico, soberano no trato cia corn os poetas concretos de S. Paulo das "estruturas elementares" (por assim diHaroldo de Campos e Decio Pignatari sobrezer) da visualidade e da cor (obtida por urn tudo - a partir daquela decada e ate o seu sutilissimo dominio da tempera). falecimento em 1980). A arte concreta no Brasil - que entretem Da erica dessa "Nova Objetividade" ou remotas afinidades corn o geometrismo da "Novo Objetivismo" (veja-se o texto de H. Oiceramica e dos motivos de pintura corporal ticica Esguema Gera! da Nova Objetividade), a indigena, assim como corn o pre-cubismo arte construtivista brasileira constitui um das esculturas e objetos religiosos africanos; magnifico exemplo da antropolagia cultural, que emergiu coincidentemente no tempo preconizada pot Oswald de Andrade: devocorn a criacao de Brasilia, a nova Capital, par raga° critica do legado universal sob a persobra do arquiteto Oscar Niemeyer e do urpectiva da "diferenca" brasileira. "Somos banista Ludo Costa - teve grande influencia concretistas", escreveu, corn efeito, Oswald no design (sobretudo por obra de Alexandre ern seu fundamental Manifesto Antrop6faWolner e Geraldo de Barros e, no piano te6go de 1928, referindo o exemplo "sonorista" rico, pelas intervencees de Decio Pignatari); diriam os futuristas mssos) extrafolo na propaganda (Fiaminghi, Pignatari, Mavi- de uma cancao indigena brasileira (em lingnier); na reformulacao visual da imprensa gua tupi-guarani). (Amilcar de Castro, em 1957, programou o novo layout dolornal do Brasil, diario de alcancatiti catiti ce nacional, que abrigava as manifestacees imara notil da vanguarda construtivista); junto a musinotia imara ca de vanguarda, cujos compositores publiipeju caram seu manifesto no n° 3 da revista junho de 1963, dirigida pelos concretos E se, de fato, como já ficou dito, o consde S. Paulo, como tambem junto a nova nthtrutivismo brasileiro pode reivindicar raizes sica popular (o sofisticado movimento Tropipre-cabralinas na arte aborigene - da ceracalista de Caetano Veloso e Gilberto Gil, inmica a pintura corporal e a essa verdadeira o

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joalheria de cores em acorde luminoso que e a arta plumaria, por urn lado; por outro, encontra manifestas afinidades corn o jogo de formas combinatorias, vertiginosas, de nosso Barroco miscigenado, de tradicao iberica mas caldeado no tropic°, cuja extroversao pliblica se dá, pot exemplo, na "festa" comunitaria dos "triunfos" eclesiastico-dramlticos, tao bem-estudada pot Affonso Avila (nosso major especialista nesse campo intersemiotic°, onde coexistem aspectos Indicos verbais e nao-verbais); revela tambem, pot mais de uma faceta, tracos de congenialidade corn relagao as manifestacoes populares, barroquizantes em seu esplendor multicolorido e em suas evolucOes ritmico-alegoricas, tais coma o camaval do Rio (mais pagao e urbane) e o da Bahia (onde o elemento afro tinge de sacralidade, o vistoso dos trajes e o cerimonioso dos passos nos desfiles); nao a toa Helio Oiticica, music° da plastica e passista da Mangueira, soube sintetizar essas harmonias "simpoeticas" na invencao do "parangole" (asa-delta para o extase, coma já o defini). Post-scriptum 1996 Este trabalho, ora reproduzido corn alguns retoques e acrescimos, foi publicado apenas em versa° alema, sob o titulo Die Konkreten und die Neo-Konkreten, no volume Brasilien / Entdeckung und Selbstentdeckun / (Brasil, Descobrimento e Autodescobrimento), catalog° da exposicao levada a efeito no Kunsthaus Zurich, em 22.05 - 16.8.1992, Benteli Verlagen, Bern, 1992. Passados cerca de quatro anos desse evento, e ocorrendo neste ano de 1996, em dezembro, o quadragesimo aniversario da Exposicao Nacional de Arte Concreta, pareceume necessario atualizar e completar o texto

acima corn algumas reflexOes, a maneira de depoimento pessoal. Pioneirismo construtivista Uma curiosa e pouco assinalada contribuicao, precursora da orientacao estetica que culminou na arte concreta dos anos 5o, encontra-se, entre nos, no artigo "Construtivismo", de Jacob M. Ruchti ( 1 9 1 7 -1 974), publicado no n° 4 (setembro de 1941), da revista China (Orgao dos jovens criticos universitarios que Oswald de Andrade batizou "chato boys", numa tirada jacosa que fez fortuna). 0 artigo vem ilustrado par urn trabalho de Ruchti intitulado Espacos. Nesse texto, o constmtivismo é, de inicio, assimilado pura e simplesmente a arta abstrata, embora no remate de sua exposicao o autor especifique: palavra gabstrata' nao tern sentido, desde que uma forma materializada é sempre concreta. Qualquer obra de arte é em si urn ato de abstracao, porque nenhuma forma material, ou acontecimento natural, pode ser re-realizada. Do mesmo modo, qu alquer obra de arte, na sua existencia real sendo uma sensacao percebida par nossos sentidos, é concreta." Como exemplo de "arte construtivista", Ruchti menciona os "mobiles" de Alexander Calder, aclarando: "As suas esculturas moveis, algumas de proporcees gigantescas, so impulsionadas em parte pela forca do vento, em parte par motores. Uma pequena plastica move! de Calder esteve exposta aqui em Sao Paulo no 3 0 Salao de Maio de 1939, onde alias o movimento construtivista em arte esteve notavelmente representado." Nao encontrei mais elementos a respeito desse artista no manuseio da colecao de Clima, uma revista conduzida, sobretudo, por jovens criticos literarios procedentes da Fa-

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culdade de Filosofia, Ciencias e Letras, da recente criacao, revista de novos que, nao obstante, no piano da escolha estotica, revelava urn acentuado pendor tradicionalista; na poesia, par exemplo, destacavam-se nas preferencias de Clima um poetastro "proletarizante", merecidamente esquecido, Rossini Camargo Guarnieri (o mesmo contra quem Oswald lancou o slogan de combate: 'A massa ainda comera do biscoito fino que fabrico"), bem como representantes da coletanea - e, do angulo poetic°, em larga medida congenial - "Geragao de, 45"; grande aprego manifestavam, alias, os jovens climatistas pela lirica retorico-enxundiosa do, hoje ilegivel, Augusto Frederico Schmidt, negligenciando, no mesmo passo, a poesia-minuto de Oswald (que disso se queixa justificadamente em Antes do Marco Zero, Ponta de Langa, 1944). Sobre Ruchti e as Saloes de Maio, a fonte obrigatOria de consulta é o precioso livrodepoimento de Paulo Mendes de Almeida. De Anita ao Museu (Sao Paulo, Comissao de Literatura, Conselho Estadual de Cultura, 1961). Tres capitulos dessa obra sao dedicados aos Sallies, o primeiro dos quais, realizado em 1937, nasceu da ideia do critic° Quirino da Silva, ajudado na execucao do projeto por Geraldo Ferraz (ex-secretario "agougueiro" da oswaldiana Revista de Antropofagia, na fase da chamada "Segunda Dentigao") e por Paulo Ribeiro de Magalhaes, Flavio de Carvalho e Madeleine Roux. 0 segundo Salao inaugurou-se em 27 de junho de 1938, no Grill Room do Esplanada Hotel, corn Flavio de Carvalho, como no primeiro, atuando nos bastidores, de preferencia a fungao ostensiva de membro da Comissao executiva. Segundo Paulo Mendes, deveu-se a Flavio "a participack), na mostra, dos surrealistas e abstra120

cionistas ingleses, do grupo de Herbert Read" (entre as ingleses, estava Ben Nicholson, corn "uma xilogravura, urn Emile() e tres corticas", dentro da "linha de construcao" que o celebrizou). Quanta ao terceiro Salao, de 1939, Flavio cle_Carvalho assumiu por ele inteira responsabilidade, tendo instituido uma "Comissao de Aceitacao de Obras", constituida por Lasar Segall, Victor Brecheret, Antonio Gomide, Jacob Ruchti e o proprio Flavio. Desse Saliio, instalado na Galeria Ita, é que participaram Ruchti (corn Espagos) e nomes como Calder, Albers e Magnelli, ao lado de brasileiros como Anita Mafaltti, Di Cavalcanti, Flavio de Carvalho, Rebolo, Lasar Segall, Tarsila, Brecheret e Livio Abramo. Tenho em maos (presente do saudoso Paulo Mendes) o catalog° desse Salao, corn sua inusitada capa de aluminio, ampla documentagao fotografica (entre as reproducoes, o mobile de Calder e a escultura em aluminio de Jacob Rutchi, suico de nascimento - Zurique, 1917 porem formado em arquitetura na Escola de Engenharia Mackenzie, de Sao Paulo, e aqui radicado). Da publicagao constam, entre outros, textos de Flavio de Carvalho, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Tarsila (Pintura Pau Brasil e Antropofagia). Oswald (Da Doutrina Antropoiligica - 1928, resumo do Manifesto respectivo), Paulo Mendes de Almeida e outros. Uma pesquisadora atual, Maria Cecilia Franca Lourenco, professora de Historia da Arte da FAU USP, em estudo publicado na Revista USP, n° 27, setioutinov.195, "Pioneiros d a Abstragao: urn manifesto humanista", refere a precursao de Ruchti, assinalando a sua participacao no Salao de 36. Sua escultura ern aluminio Espagos, um "objeto construtivista", teria sido, por equivoco, denominada "arquitetura", o que parece explicar-se

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nao so pelo "ineditismo" da obra, como tarn: bem pela formacao profissional do artista suigo-brasileiro. A estudiosa opina: "Em verdade o Salao de Maio atua como difusor dessa tendencia, explicando-a em textos." Entre as obras expostas, enfatiza, constavam "cinco corn o titulo 'Abstracionismo', de Ben Nicholson", no "Salao" de 38, no de 39, obras semelhantemente orientadas de Calder, Magnelli, Ceri Richards, Jean Helicon e Josef Albers. Fago votos no sentido de que a pesquisadora nos de, num futuro proximo, um levantamento tao completo quanta possivel da vida e da obra do pioneiro Ruchti, falecido no mldecada de 70. do Quanto ao periodo anterior aos Saleies, dele dao noticia cinco capitulos do livro de Paulo Mendes (o primeiro significativamente intitulado "Depois da Semana"), bem como o texto retrospectivo de Oswald de Andrade, recolhido na coletanea Ponta de Lanca, 1944, "Aspectos da Pintura atraves de Marco Zero." Nesse texto, que se reporta ao volume II - Chao de seu romance em progresso, Oswald recapitula o embate entre duas tendencias da epoca: o muralismo social doS mexicanos (Siqueiros passara por Sao Paulo em 34), por urn lado, que rumava para urn novo classicismo "contrail° ao modemismo estetico"; par outro, esse mesmo "modemismo estetico", experimental, libertario, "polemic° e negativista". 0 autor de Marco Zero, escrevendo quando as aliados desembarcam na Europa na ofensiva vitoriosa contra o Eixo nazifascista, reconhece a "tecnica avangada" dos murais mexicanos e, ao mesmo tempo, elogia o cubismo monumental de Leger, "a ilustrar e colorir a geometria da urbe futura". Insurge-se, ainda, contra o "tratamento unilateral" que Erenburg dispensara ao surrealismo ao ve-lo como documentofaisande,

denunciador do "apodrecimento burgues"; ao inves, Oswald proclama a importancia do "esplendido documentario lirico" aportado pelos surrealistas, capazes de realizar "plasticamente as continentes freudianos". Recusa a pecha de "inumanos", que teria sido lancada pelo critico Sergio Milliet contra os modemistas, e exalta o douanier Rousseau, "a magia de Picasso, o simbolo de Giorgio de Chirico e a invengao de Dali". Numa tentativa de harmonizacao das diferencas, o Oswald polemic° de Ponta de Langa prognostica: "Nesse caos - ou seja, no caos resultante do 'terrorismo' deliberadamente praticado pela 'revolugao estetica' modemista, 'prenunciadora da revolucao social', urn movimento subversivo que, nas artes, voltavase contra o 'passado', estivesse este sob o signo 'de Deus ou da gramatica, da ordem ou do absolutismo' tanto Leger como os mexicanos, coma os 'pintores da URSS', estavam procurando lancar as fundamentos da arte construtiva do futuro." Vanguarda e "Arte Popular Revolucionaria"

Nos anos 6o, desenha-se um nova confronto, semelhante em muitos pontos aguele descrito por Oswald de Andrade, relativamente ao period° posterior a "Semana" de 22 e contemporaneo da Segunda Grande Guerra. Recorde-se o que ocorreu na URSS, depois do fertil periodo de cooperacao entre a vanguarda e os raionistas, os suprematistas, bem coma os criticos ditos formalistas do "Circulo Linguistic° de Moscou" e da "Sociedade para o Estudo da Linguagem Poetica", de Petersburgo (OPOIAZ), a culminar na extrema tentativa de sintese dialeticometodologica do "produtivismo" formalistasociologic° de Boris Arvatov, ativo na revis-

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ta Frente Esquerda (LEF), fundada em 1923 pelos futuristas do grupo maiakovsldano, explicitamente empenhados na construcao do socialism°. Pois bem, cerca de quatro anos depois do suicidio do angustiado e combatido poeta da Rev°lucao; cerca de dez anos depois da morte de Lenin, avesso ao futurism° em arte, mas razoavelmente tolerante, por se julgar "incompetente" na materia; cinco anos depois do Comissariado "pluralista" de Lunatcharsld (1917-1929), que, emborn pessoalmente contra o Modernismo e os criticos formalistas, tendencias que considerava "decadentes", "burguesas" e mesmo "reacionarias", respeitava Maiakovski, cubofuturista, adepto declarado do "metodo formal" como "chave para o entendimento da arte" e, enquanto Comissirio da Cultura, proclamava sua "imparcialidade" em relacao as correntes artisticas; A. Jdanov, preposto de Stalin (que, corn a morte de Lenin, em janeiro de 1924, foi-se impondo progressivamente a direcao do Partido, ate domina-lo cornpletamente em 1929), e seu porta-voz no campo das artes, no ano de 1934, durante o I Congresso dos Escritores Sovieticos, em Moscou, implantou o dogma do realism° socialista (realismo na forma e socialismo no contelido), corn o endosso de Gorki, avesso a todo experimento estilistico (urn volume corn os textos doutrinarios de ambos, sob o titulo Literatura,filosofia y marxismo, foi publicado em traducao espanhola em 1968, no Mexico, pela Editora Grijalbo). Todos sabemos o que essa calamitosa preceptistica do realismo socialista provocou de danoso no campo das artes, propalada que foi intemacionalmente como doutrina oficial do PC. No Brasil, na area das artes plasticas, nas decadas de 5o e seguintes, tivemos a sorte de ter urn lider comunista como o grande fisico te122

Orico Mario Schenberg (a quern já qualifiquei de "marxista zen"), que se posicionou deddidamente a favor da pluralidade das tendencias artisticas, batendo-se pelo reconhecimento da grandeza de Volpi (em todas as suas fases, inclusive na mais radical e ja consta-utivista), bem como apoiando as concretos e as neoconcretos de Sao Paulo e do Rio. Mas nao foi assim em todos os campos. No da literatura, é sabido que Graciliano Ramos (cujo Vidas Secas, de 1938, traz a marca da rarefacao estilistica e da concisao, caracteristicas hauridas, sem &with, na ültima fase de Machado de Assis, mas compartilhadas corn a prosa de invencao, cubista, metonimica na sintaxe e telgrafico-metaforica no nivel semantic°, do pioneiro Oswald), perguntado sobre Jdanov, definiu-o com uma terminativa: "E uma besta!" No campo da mosica, porem, a repercussao do dogmatismo censore° de Jdanov causou estragos ern nosso meio. 0 gendarme cultural stalinista, corn efeito, em janeiro de 1948, falando em nome do Comite Central do Partido, denunciara ern congresso o esteticismo "formalista" e "malsao" da Opera Macbeth de Shostakovich, que resultava, para o obtuso criticastro sovietico, em "caos musical", substituindo o "claro esquema melOdico" por "mosica vulgar, primidva e crua". Segundo depoimento de Gilberto Mendes, o nome mais importante entre os compositores brasileiros de vanguarda (da geracao que iniciou suas atividades na decada de 5o): "Logo apos o termino da Segunda Guerra Mundial houve a primeira tentativa de uma nova musica brasileira, partindo de um grupo de compositores dentre os quais se destacavam Claudio Santoro, Guerra Peixe e Eunice Catunda, reunidos em tom° do Prof. Koellreuter. Era a horn exata de a mosica brasileira recuperar o tempo

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perdido e nao mais perder a posicao na vanguarda mundial, a exemplo do que fez a Argentina, que, hoje, conta corn names coma os de Mauricio Kagel, Juan Carlos Paz, Alcides Lanza e outros. Mas deu azar, novamente, e essa tentativa foi dramaticamente sufocada pela repercussao em nosso pals do manifesto de Jdanov, coincidindo corn o Iancamento de uma carta-aberta de Camargo Guarnieri contra o dodecafonismo, na mais pura linguagem jdanovista. 'E preciso que se diga a esses jovens compositores que o dodecafonismo, em Musica, corresponde ao Abstracionismo, em Pintura, ao Hermetismo, em Literatura, ao Existencialismo, em Filosofia, ao charlatanismo, em Ciencia... E uma expressao caracteristica de uma politica de degenerescencia cultural, urn ramo adventicio da figueira-brava do Cosmopolitismo'." A efervescencia politico-social do momenta, somada a esses dois manifestos, mais a outra coincidencia entre os pontos de vista de Jdanov e de Mario de Andrade, em seu Ensaio sobre Mosica Brasileira, deram extraordinaria forca a corrente nacionalista. Ate hoje essa nefasta identidade de pensamentos é ainda a forca oculta que procura ban -ar todas as novs tentativas de pesquisa, experimentacao, de avanco musical. Villa-Lobos, vanguarda de outros tempos, incompreendido, tomou-se a "bandeira nacionalista contra a vanguarda de nossos tempos". E Gilberto Mendes cita a passagem relevante do ensaio de Mario, publicado em 1928, seis anos mais ou menos antes da proclamacao do dogma jdanovista: "...a obra nao 6 brasileira como é antinacional. E socialmente o autor dela deixa de nos interessar. Digo mais: par valiosa que a obra seja, devemos repudia-la, que nem faz a Russia com Stravinsky e Kandinsky". (Refira-se que Pagu, a

nossa "Passionaria", musa dos anos comunistas de Oswald, levantou-se, corn sua autoridade de militante sofrida no carcere da ditadura Vargas, contra a "Carta-aberta" do compositor"nacionalista", no artigo: "Camargo Guamieri: Urn Manifesto Antidodecalonico", 15.10.1950, escrevendo: "Qualquer imbecil a servico da propaganda stalinista conhece bem o emprego dessa terminologia corn que Camargo Guamieri se peie a defender a musica brasileira — folclorica principalmente — terminologia que se estadeia em coisas como 'cosmopolitismo', 'cerebralista', 'antipopular' e 'antinacional' e tambem 'arte degenerada', de emprestimo da linguagem hitlerista"; ver 0 Modernism°, obra coletiva organizada por Affonso Avila, Perspectiva, 1975; Augusto de Campos, Pagu: Vida-Obra, Brasiliense, 1982). Nos anos 6o, desenvolveu-se novo episodio desse embate de ideias no plano politico-cultural, embate que "contrapbe as tendencias de vanguarda e formalmente inovadoras" as formas "mais tradicionais, de arte literatura e drama" (Diciondrio do Pensamento Marxista, organizado pm- Tom Bottomore, Zahar Editor, 1983, verbete "estetica", le-se ainda no topic° "grandes temas da estetica marxista" desse verbete: "Os defensores das formas de vanguarda argumentam que as formas mais tradicionais estimulam uma visao passiva e sem critica, por mais radical que seja o contetido da obra (...) 0 texto modemista, por outro lado, e capaz de cantar o que ha de contradit6rio e de permitir ao que este oculto e silencioso manifestar-se, gragas as tecnicas de fragmentacao e interrupcao textuais."). Em 1961, foi elaborado o programa de "arte popular revolucionaria", contido no "Anteprojeto do Manifesto do CPC (Centro

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Popular de Cultura)", cujo redator era o en• ao ideologo de esquerda Carlos Estevam (hoje professor universitario de Glenda Politica, recentemente reposto em evidencia como Secreted° da Educacao do conservador e crificado govern° Fleury). Nesse programa, redigido em termos sectarios, a experimentagao poetica no nivel da linguagem era peremptoriamente rejeitada, recusava-se integre-la no poema dito "participante", representado, na pratica, por uma ser6dia (e malograda) versao brasileira do realism° socialista (embora esse lema nao fosse mencionado), sob a especie de uma contrafaccao burocratica da literatura de "cordel" infiltrada agora de didatismo ideologic° "de esquerda" (ver exemplos nas antologias Violao de Rua, 1962-1963, e nos folhetos de F. Gullariotio Boa-Morte, cobra mw-coda pro morrer e Quern matou Aparecida?, Rio de Janeiro, CPC-UNE, 1962). Quanta ao "Manifesto" de Carlos Estevam, este reproduzido em Arte em Reuista (Anos 6o), n° jam/mar. 1979, S. Paulo, Kairos Editora. Gullar tambem nao fala em realismo socialista, procura mesmo tomar distancia dessa profissao de fe tendenciosa, preferindo, eufemisticamente, aludir a realism° participante (ver "Vanguarda e Atualidade", artigo publicado em 7.5.67 no Conejo do Manha, Rio de Janeiro, onde recapitula a emergencia do CPC). Mais recentemente, em depoimento ao jomalista William Waack (0 Estado de S. Paulo, Cademo 2, 14.11.92), o autor de Joao BoaMorte reconheceu, ao expor a orientacao que pretendia imprimir a testa do IBAC do Ministerio da Cultura: "Quem teme que sua gestao repita a experiencia dos Centros Populares de Cultura, de que ele participou, tern motivos para se tranqiiilizar: 'Eu larguei minha posicao de autor consagrado pan 124

participar de iniciativas como o Centro Popular de Cultura, algum tempo atras' conta Guitar. 'Vimos que nao era pot al. Nos reduzimos a qualidade de nossas atividades e nem conseguimos ampliar o publico'." Era essa, alias, a orientacao oficial do CPC, que preconizava: "Havendo conflito entre o que dele (N.B. do artista, de origem social pequeno-burguesa) é exigido pela luta objetiva e o que dele brota espontaneamente como expresser) de sua individualidade comprometida cam outra ideologia, é que entao surge o dever de se imporem limites a atividade criadora, cerceando-a em seu livre desenvolvimento" (sic, "Manifesto" cit., Revista cit., p. 7r). Posigeo fundamentalmente semelhante, embora dissimulada sob a tintura de menor esquematismo e maior sofisticacao te6rica, é a de Roberto Schwarz, critico, sociologizante, vocacionalmente incompatibilizado corn o novo na poesia e na mtisica (popular e emdita). Manifestando-se algo tardiamente sobre a materia em 1968, no n° 3 da revista paulista Teoria e Pratica, o ensaista e (mau) poeta bissexto Roberto Schwarz, no artigo "Um folheto de iniciagao politica — Didatismo e literatura", assinado em seu proprio nome e sob o pseuclonimo Bertha Dunkel (Berta Escura, coma o seu criador, Roberto, traz por sobrenome Schwarz, Negro), proclama: "Noutras palavras, neste genero didatico, a_ estetica é puramente politica e chega, sem querer, onde a literatura, ou pane dela, ha muito quer chegar." A seguir, numa especificacao veleitaria, imagina um "didatismo politico" que seja "bem-sucedido" e que, portant°, nao redunde em "forma degradada de ciencia ou prosa". Eo proprio critic°, involuntariamente, quem se encarrega de per de manifesto o resultado perverso da "estetica puramente politica" que preconiza: "Pela

mesma razao, quando a busca da simplici r dade nao encontra na linguagem e no emaranhado ideol6gico o veio da luta espontanea, a prosa didatica — enquanto literatura — registra apenas o impulso paternalista, manipulativo, professoral ou o que seja, que leva a dasse superior a ocupar-se das inferiores." Os exemplos de poemas "didaticos" bem-sucedidos — do "efeito poetico" alcangado em "escritos densos e terra a terra como as de Lenin, Mao e Brecht", apenas reforcam a impressao de veleidade, de voluntarismo, que o texto robertiano destila, implicando o auto-enquadramento de seu signatario (ou, mais exatamente, da dupla autoral Roberto/ Berta), ainda que a revelia, na caricatura do pregador "paternalista, manipulativo e professoral", que o nosso critico "desconfiado", e sempre supercilioso corn relacao aos que discordam de suas ideias, se encarrega de debuxar. Assim, Maiakovski nao é mencionado, e em seu lugar reponta Lenin, coma autor de prosa de "efeito poetico", o mesmo Lenin cujo gosto literario e artistico era sabidamente convencional (censurou Lunatcharski quando este, em sua condigeo de Comissario da Cultura, publicou o poema de Maiakovski "15o.000.000" numa 'tiragem de 5.000 exemplares, entendendo que era "estupidez" publicar mais de 1.5oo copias de alga que 56 poderia interessar a "leitores excentricos"). Mao, como poeta, seguia o padre° classic° da poesia mandarinica, nao adotando as inovac6es implantadas na literatura moderna chinesa desde 1919 (quando as escritores se empenharam em substituir a lingua da antiga corte, classica, o wen yan, pela fala popular, o bai hua). E verdade que Mao "atualizava" seus poemas, compostos e caligrafados nesse idioleto poetic() estilizado da convencao academica, inserindo

neles temas revolucionarios; mas tambem verdadeiro que o proprio Mao manifestouse no sentido de que suas composicoes poeticas nao fossem tomadas coma "paradigma" pelos escritores comunistas das novas geragees, reservando-se como que a prerrogativa "imperial" de praticar, para sua expressao pessoal, a arte poefica de Li Pc1,11.1Fu e Wang Wei... Finalmente, quanto a Brecht, seu ponto de vista em arte está no polo oposto desse didatismo robertiano, onde "a estetica é puramente politica"; ao inves, para Brecht, coma para Maiak6vski ("sem forma revolucioneria nao ha art e revolucionarial, "novos conteUdos" (e precisamente estes) demandam "novas formas" (cf. Ober Lyrik, Suhrkamp, 1964). Ver ainda o dialog° de W Banjamin corn Brecht, em Svenborg, 25.7.1938, a propOsito de Lukacs (uma das referencias teoricas obrigatorias de Schwarz), Gabor, Kurela, onde o inovador dramaturgo e poeta alemao afirma: "Sao, corn efeito, inimigos da produce°. A produce° nada lhes diz de valor. Nao é possivel confiar nela. Ela é a expressao mesma do imprevisivel. Nao se sabe nunca o que dela vai sair. Eles mesmos nao querem produzir. Querem fazer o papel de apparatchilz — N.B. membros do aparelho diretivo particlario — e estar a cargo do controle dos outros" (cf. Ernst Bloch et alii, Aesthetics and Politics, Londres, New Left Books, 1977; •W. Benjamin, Essais stir Bertolt Brecht, Paris, Maspero, 1969):A menos que o critico Roberto Schwarz considere "bem-sucedida" ou "nao degradada", a sua pratica, enquanto poeta, da "estetica didatica" que prega, coma, pot exemplo, naquele sloganatico "Passeata": PAU NO IMPERIALISMO ABAIXO 0 CU DO PAPA (em Corac5es Veteranos, 1974). Para um observador nao persuadido por sua retorica "manipulativo-professoral", tiradas

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"didaticas" como essa outra coisa nao sao do tigo, desde logo manifesta o .seu total desque pobres esquemas maniqueistas, total- conhecimento da complexa praxis compomente carentes de sutileza dialetica, gros- sit6ria dos mtisicos que censura, bem como sos coma chalagas grafitadas no recesso dos dos impasses corn que, a epoca (1967), esmict6rios publicos (se bem que menos bem- tes se defrontavam (em 1963, esses meshumoradas e imaginosas do que estas...). No mos compositores haviam subscrito o macaso, mais ainda, urn canhestro poema-pia- nifesto Nova Mirsica Brasileira, Revista Inda "didatico" como este denuncia um sere- voice°, no 3, onde expoem as suas ideias e a dio anticlericalismo voltairiano, do tipo que, plataforma a que chegaram, numa densa repetido hoje, nos parece de urn radicalis- sintese te6rica, que Schwarz sequer se digmo mecanicista, apenas bilioso: "Ecrasez na de examinar). Ac reprovar-lhes o suposE bem verdade que, ao republi- to "conformismo", o defensor da literatura car seu texto sob o titulo abreviado "Dida- didatica, da "estetica puramente politica", tismo e literatura" em 0 Pal de Familia (Paz e nao se dando ao trabalho de tomar conheTerra, 1978), Roberto faz autocritica e se con- cimento previo da produgao desses mesfessa "abismado" corn o tamanho de seu "bi- mos compositores, pee de manifesto uma tolamento" a opoca em que o redigiu, corn arrogancia nao compativel cam a estima em a "utilizacao escolastica da terminologia que tern o filesofo e musicelogo Adomo, o marxista" e corn o "tratamento abstrato", a- qual, estudioso seri° que é, jamais discutihistoric°, das questoes entao enfocadas. 0 ria questoes musicais tee/leas sem o trato mesmo formalismo abstratizante, alias, sob minucioso corn a pratica que lhes correscolor de analise sociologico-estotica, levou pondesse no nivel compositorio. Mas, mesa discutir pronunciamentos irenico-ceticos, mo na autocritica que faz corn respeito a sua mais parodicos e provocativos do que lite- pregacao didatizante de 68, Schwarz nao rais, de compositores brasileiros de van- deixa de lado a habitual filaucia veleitaria, guarda (entre as quais Gilberto Mendes, ao afirmar — convertendo a dialetica em Roberto, alias, nao as diferencia, tratando- camisa tamanho Unico apta a revestir os blocalmente, coma urn todo homogeneo, (e neutralizar) qualquer erro, par mais no artigo "Nota sabre vanguarda e confor- berrante e danoso, em seu momenta, que mismo", de 1968, tambern republicado em tenha sido: "Em materia de perspectiva seu livro de 78, artigo corn relagao ao qual o dialetica urn descaminho publicado é mecritic() ainda nao fez autocritica). Nesse ar- lhor que nada". Nota 1. A. de Campos, 0 Balanco da Bossa e Outras Bossas, Editora Perspectiva, Sao Paulo, 1974, I' ed., 1968.

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Modernos fora dos eixos PAULO SERGIO DUARTE it •

ssas obras tomam o partido moder- pelas posicoes programaticas dos artistas no e trazem a vontade de estar em construtivistas de Sao Paulo.' dia corn o mundo que veem a disAs obras da colegao sao urn retrato fiel tancia ou do qual participam intimamente. dessa epoca. Um tempo em que se acreditaTrata-se de obras de uma colegao que, reu- va na insercao da cultura local no sistema do nidas pelo inevitavel criterio do gosto, guarmundo atraves da busca de valores univerdam uma afinidade intelectual e nexo raci- sais, de idiomas artisticos que, sem escapar onal corn a totalidade construida ao longo das idiossincrasias de autor e de sua origem, dos anos. Todas brasileiras, retratam, pelos fossem capazes de transcender o chao partisobrenomes dos autores, uma caracteristi- cular e se elevar a urn ideal de comunicagao. ca do pals ou, pelo menos, daqueles que aqui Estavamos longe da realidade pratica da copuderam se dedicar a fazer arte, mesmo no municagao global materializada pelas conrestrito subconjunto que analiso: Andres, quistas tecnologicas: a midia eletrenica, as Bava, Bonadei, Camargo, Costa, Dacosta, Del redes de satelites e de computadores. 0 niSanto, Di Prete, Dias, Ferrari, Franco da Coscho que ficou reservado a obra de arte, nesse ta, Kiihn, Mavignier, Piza, Saldanha, Schen- mundo do final do seculo, coma experiencia del, Silesio, Tenreiro, Valentim, Volpi. Mas a cognitiva nao apagou as valores historicos racionalidade da colecao vai bem mais Ion- que ela retrata nesta colegao. Independente ge que esse inevitavel encontro brasileiro de de seus investimentos nos campos existendiversas etnias; muito mais_ extensa que as cial cu construtivo, das diferengas de talento °bras que examino neste capitulo, procura na tradugao visual de suas questa- es, todas articular uma producao que é sintoma da parecem trazer consigo a utopia de um ilutendencia otimista de uma epoca. Ainda no minismo onde nao haveria fronteiras entre as final dos anos 40 e inicio dos anos so, a cha- homens corn a disseminagao dos valores da mada arte abstrata era objeto de polemica e arte e da ciencia. Possuir urn segmento imde forte oposigao no Brasil par parte de pres- portante da arte brasileira de modo articulatigiados artistas como Di Cavalcanti e Path- do e coerente é, par isso mesmo, captar todo nail. E mesmo no interior dessa tendencia, urn movimento que atravessou a cultura e a que apenas se esbogava, havia profundas di- sociedade e, ao mesmo tempo, a tomada de vergencias provocadas, particularmente, partido pela visao que retTata.


0 conjunto aqui analisado é de obras pie nao se enquadram nos capitulos que ajudam a ordenar a hist:ix-la. Neste caso, o Construtivismo dita urn norte, e movimentos coma o Concretismo e o Neoconcretismo constituem referencias externas. E vago organiza-lo sob o rotulo de abstracionismo geometric°, pouco avangamos. Mas é indicador de uma vontade de razao que busca nas formas idealizadas da matematica a organizagao da composigao.TUdo isso é muito pouco para entender uma Mira Schendel ou urn Sergio Camargo, por exemplo. E como vasto e complexo o mundo aparentemente simples de urn Vo'pi. Sao modemos fora dos eixos. Apresenta qualidade variada e as obras foram produzidas num period° que se estende do inicio dos arms so ate os 70. como se assistissemos a sedimentagao de urn terreno sabre o qua!, posteriormente, veio se assentar a camada mais recente, decidida e segura, mas ainda nao densa o suficiente para se sobrepor a alguns destes pontos culminantes que a genealogia lhe fez anteceder. Acredito que esse ponto de vista deva set levado em consideragao pan encontrarmos o metodo adequado de abordar a formacao da arte no Brasil, apesar dos avangos demonstrados por estudos recentes. E preciso abandonarmos a 6ptica a vol d'oiseau sobre urn terreno ainda em constituigao e oxide a neblina confusa, formada pela exigencia de rigor ditada por parametros produzidos em situacoes hist6ricas muito diversas, em confronto corn a precariedade do meio onde este mesmo rigor sera aplicado, inibe a visa° dos movimentos peculiares do solo e s6 permite a daquelas obras que se algam, pela maturidade e riqueza de sua forma, acima da nevoa. A metafora geologica, em que pese seu aspecto estru129

tural avesso a abordagem fenomenologica necessaria a percepgao das individualidades, me parece ajudar na compreens5o do carter descontinuo e difuso da arte no Brasil, bem diferente da jovem, porem mais s6lida, tradigao literaria. Muitas dessas obras, ainda que nem todas chegassem a formular problemas que as emancipassem num piano relevante, constituiram e estenderam o tecido que se diferenciou da vocacao ideologica que orientava a arte figurativa no Brasil, contribuindo para format uma recepcao de questoes locais passiveis de serem tratadas sem a exclusiva incorporagao de estereatipos da "realidade". A coerencia dessa colecao reside, tambem, ao captar essa extensao, em permitir o trabalho de urn historiaddr sobre urn corpus de diferentes latitudes e freqUencias sent perda da unidade do objeto. A avaliagao de muitas dessas contribuigOes ainda esta pot ser feita alem daquela de constituirem urn solo artistic° produtivo - as vezes, fora dos grandes centros - efetuando, independente de suas intengoes, uma atualizacao da provincia. Os descompassos e defasagens da formacao social periferica n5o se restrigem as esperas politicas, econ8mica e social, por isso, corn o esforgo de modemizagab do p6s-guerra, vamos assistir a chegada do Construtivismo, corn mais de 30 anos de atraso. Pelas suas praprias caracteristicas te6ricas, aliadas a uma sintonia positiva corn o nova surto capitalista da decada de 50, o movimento praticamente monopoliza o debate mais reflexivo e eclipsa valores contidos nas obras que nao se enquadram em seus principios doutrinarios. Se olharmos retrospectivamente, é incrivel coma a presenca de Max Bill centralizou as atengees a partir do espaco ocupado pe-

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los construtivistas: a ideologia desenvolvimentista do capitalismo de periferia extrapolava o ambito politico-econOmico e alimentava a estetica da "vanguarda". Essa vontade "nao-resolvida" de razao, ordem e progresso, t5o afinada, ao nienos em abstrato, corn os ideais positivistas que, desde o seculo XIX, circularam na vida politica e intelectual brasileira, retomava na nova conjuntura e se manifestava ate na poesia, pintura e escultura. Seria o caso de dizer much ado about nothing? Penso que nao: o Brasil, aparentemente esquizofrenico, "dividido" entre seus p6los arcaico e modemo, exigia essas manifestagoes, que, apesar de afinadas corn o desenvolvimento, curiosamente, nao deixavam de trazer tracos de compadrio, entre outros tipicos da politica do velho conservador que queriam combater e substituir.2 Junto corn as determinagoes sociais mais amplas que comegaram a fazer predominar no Pais a face urbano-industrial sabre a rural-agricola, e depois do contato corn os artistas que pan aqui imigraram durante a guerra, uma instituigao, que teve a primeira mostra internacional em 1951 - a Bienal de Sao Paula-, desempenhou um papel importante na atualizacao de artistaS, formacao de public° e fixacao de novas valores, numa epoca ern que exam dificeis as viagens e bem mais raras as ocasioes de intercambio e acesso a informacao. Assiste-se, a partir dal, o surgimento de trabalhos que abandonam formulas adquiridas durante urn period° de formag5o mais acanhado e se aventuram na busca de novas linguagens corn resultado muito desigual. Eles formam a base e a referencia sobre as quais poderemos diferenciar aqueles que condensaram corn mais sucesso a forma modema no Brasil, a partir dos anos 50. As escolhas dos ca-

minhos nao se restringiram ao Construtivismo, o chamado abstracionismo informal tambern desembarcava, depois da presenca de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, durante a guerra, e dos primeiros trabalhos de Bandeira, em Paris, ainda no final dos anos 40. Mas sa recentemente comegaram a se tomar do dominio de urn public° major as influencias de Morandi, por exemplo, sabre artistas brasileiros e seus desdobramentos.3 Mesmo que essas avaliagOes venham a sofrer correct -5es de mmo, a simples dilatagao do campo de interesse sabre as dialogos que se estabeleciam entre as obras estrangeiras aqui expostas - principalmente durante as Bienais - e a produgao local já era urn passo adiante. Mas importante, tambem, sera o desenvolvimento de metodos mais finos que deem conta do comercio de ideias entre as artistas aqui mesmo, das influencias locais, independente do crivo da alfandega dos paradigmas importados mais faceis de serem detectados e menos dolorosos de serem aceitos. Poderemos ver mais matizes e discemir o significado do aprendizado de Almir Mavignier, de Maria Leontina, o papel difusor de trabalhos como as de Mario Silesio e de Maria Helena Andres, a conversa entre o informal e o construtivo que mantern o carter organic° dos relevos de Piza. Quando se acompanhar mais detalhadamente a trajet6ria de uma Maria Leontina, sera confirmada a existencia de uma obra de pintora de mao-cheia que, no meio acanhado de uma cultura pouco afeita a inteligencia plastica, cumpre o papel de ampliar o olhar num campo onde a forma nao adere completamente a uma fit-me geometria, particularmente, quando seus quadros dialogam cam o trabalho do marido Milton

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Dacosta em meados dos anos 50. Essa passagem Venue da figura a abstragao que se verifica em Maria Leontina é acompanhada da evocacao do espaco urbano e suas construcoes, do parentesco corn Torres-Garciaja tantas vezes sublinhada e ate banalizada. A recorrencia desse traco em diversos artistas brasileiros do periodo, corn em lone Saidanha, e mesmo no cromatismo grafico mais arrojado das "partituras" de Maria Helena Andres, informa sobre a dificuldade de recepcao dos postulados severos, mas nem por isso tao inteligentes, do nosso construtivismo tardio. Essas pinturas de compromisso, trazem consigo uma positiva persistencia do sujeito, que se pensa superado na sociedade urbana e industrial, na dimensao artesanal da fatura do atelier. Mas, tambern, alem • desse aspecto material da producao, toda uma poetica de urn novo imaginario em formaga° pode ser capturada nessas geometrias que vacilam entre o interior e o exterior, entre o mundo intim° e o universo possivel que por al estejamos nos apro- ximando de urn dos aspectos do solo escondido pelo nosso habit° de, como o filosofo da historia, olharmos sempre para cima, mesmo sob o risco de tropegarmos no primeiro obstaculo que estiver a frente. Ou pior, simplesmente, negamos a existencia de urn chao simbolico sobre o qual se assenta a producao de arte. 0 prumo exigente adquirido par, pelo menos, parte da critica brasileira a partir dos anos 70, depois do papel pioneiro de Mario Pedrosa, explica-se pela tolerancia corn a indigencia que grassa no meio onde as instrumentos de avaliagao nunca puderam ser afinados como os do campo literario. Mas a negacao dos aspectos caipiras da formagao local pode dar origem a urn pedantismo igualmente cafona e complexado. 130

Se é, a meu ver, mal-sucedido o esforgo de toda uma vida de Rubem Valentim tentando promover o encontro do universo simbolico de religiees afro-brasileiras corn a arte construtiva, o mesmo nao se pode dizer do papel desempenhado nas posturas mais humildes, mas nem par isso sem efeitos produtivos na constituicao de uma linguagem da arte no Brasil dos anos 50, dos trabalhos de Mario Silesio ou, depois, de Donisio del Santo. Talvez, agora, quando urn dos paradigmas de nosso pensamento critic° - a obra de Roberto Schwarz - irrcorpora o valor de uma produgao considerada de "baixa cultura" - o diario de uma mocinha no final do seculo XIX - para tragar paralelo corn Capitu e analisar as relacoes entre as figuras e situag5es num mesmo chao social, poderemos assistir, a reboque, a progressiva admissao de produg5es que estao longe de serem vulgares e que, sem elas, nunca teremos sequer uma vaga dimensao dos embates que vieram a constituir o que chamamos de arte brasileira. Sem poder esgotar terreno tao amplo, comeco, me contrariando, pela grandeza indiscutivel de Volpi e, desde já, lembrando que o faco depois do inteligente e cuidadoso exame de Rodrigo Naves em A Forma Difici15, para voltar a salientar uma solucao indicada em sua obra, ainda nao suficientemente sublinhada: a espacialidade aberta produzida pela inteligente superacao do problema figura-fundo, já encontrada, ha decadas, potencialmente par Cezanne, e definitivamente pelo Cubismo, mas com a qual a arte brasileira ainda se debatia, sobretudo quando nao caia em soluciies mais faceis como as obras abstratas de urn Cicero Dias. Diga-se, logo, as abstracoes geometricas de Cicero Dias estao muito longe da forca lirica de seus

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oleos e aquarelas surrealistas das decadas de 20 e 30. Resta ao emigrante, vivendo em Paris, o papel de pioneiro no exercicio da abstragao entre artistas brasileiros. Distante de uma visa° Construtiva, a geometria de Cicero Dias se deixa levar num jogo simples onde nao ha tensao formal ou oposicoes cromaticas mais sutis. As vezes pode-se ver as formas geometricas langadas sobre o fundo que ainda sustenta o conjunto. Foram, sem davida, caminhos como este que irritavam as primeiros concretos, a comecar por Waldemar Cordeiro, que, na sua utopia programatica, nao aceitavam a gratuidade lirica de uma abstragao ingenua. 0 exercicio da comparagao nos ajuda a apreender uma das lic5es desse segmento da colegao: a desigualdade do solo em formaga°, tanto em firmeza, quanta seu relevo se movendo em diferentes desenhos e altitudes. Volpi, sem perda do aspecto lirico, componente poderoso de sua poetica, resolve antecipadamente o problema corn o qual a melhor arte brasileira ira se confrontar nos movimentos concreto e neoconcreto. "Na heranga neoconcreta, o universo sensivel contraria e ao mesmo tempo supera a utopia construtivista e demonstra a inadequacao do sujeito da criagao artistica ao mundo massificado da era industrial. Realiza esse movimento sem se retirar num mundo idealizado de formas puras da matematica.Tratando-se empiricamente, a intuicao cria um lugar para o sujeito no jogo perceptivo desses entes geometricos, por definicao, abstratos e an8nimos. Em oposigao ao artista concreto, passivel do elogio a produgao em sehe e mecanizada, defendendo uma arte literalmente programada e programatica, o artista neoconcreto, sem nenhuma regressao ao artesanato e sem abrir mao dos ma-

teriais e tecnicas industriais, acredita poder restaurar o papel da autoria e da individualidade da obra de arte. Nisso reside urn dos seus paradoxos: seus pequenos monumentos, quando se trata de experiencias pictoricas, conectados as HO- es do construtivismo, sao, ao mesmo tempo, excessivamente intimos e eu diria mesmo introspectivos. 0 artista construtivo que, a epoca, melhor resolveu este problema no Brasil, o magistral Volpi, viveu a margem dos grupos teoricos e das discuss5es filoscificas que informavam concretos e neoconcretos. Sua poetica, genuinamente intuitiva e sintonizada corn as problemas da arte contemporanea par uma rara percepcao e sensibilidade, faz de suas temperas a resposta, digamos, natural ao dilema que separava as pinturas concretas das neoconcretas. Nao obedece ao programa concreto e nao espera por nenhum discurso fenomenologico externo para transformar formas geometricas num jogo rigorosamente estruturado e individual que evoca icones familiares e, pot isso mesmo, piiblicos. Nas suas telas, em que nao encontramos o apelo as figuras do mundo, ja se experimenta urn outro tratamento do espago que vai no sentido inverso a divisao em progressao negativa, dirigida para o interior do piano e da superficie, de urn Milton Dacosta, por exemplo."6 Essa nova espacialidade que a obra de Volpi nos indica é urn marco na hist6ria da arte brasileira e tern uma forga libertaria para os melhores pintores que Ihe sucederam na tradicao construtiva, como Eduardo Sued. Mesmo quando a superficie e saturada pelas formas geometricas em Bandeiras (inicio da decada 6o, 72 cm x 54 cm, tempera sabre tela), a repetigao do modulo aliada a uma inteligente oposicao cromatica permite a apreensao de urn espago que se expande

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alem da superficie, conquista mais evidente em Bandeiras verdes sobre rasa (1957, 50 cm X 73 cm, tempera sobre tela) ou Concreto (decada 5o, 116 cm x 73 cm, tempera sobre tela). A questa° deste espago que se abre para fora e procura invadir seu entomo imediato parece ser a (mica questa° que se apresenta em Cornposicao (c. 1958, 70 cm x 79 cm, tempera sobre tela). Formidavel, ainda, em Volpi, é que todas as contribuigOes sao incorporadas a partir da pratica da tecnica tradicional da tempera a ovo, mantendo as lagos corn uma fatura pie exige a disciplina do atelie, numa epoca em que a arte construtivista insistia na incorporagao das modernas tintas e recursos industriais a tecnica pictorica. As pinceladas da tempera, hem visiveis em muitas de suas obras, nao se opeem, nem sao neutras, a cornposicao major dos quadros, mas so integradas como elemento ativo de sua linguagem. Este mundo povoado de signos que evoca a vida simples das festas e casarios dos suburbios se diferencia da geometria de Ern uerrnelho de Milton Dacosta (1958, 73 cm x 92 cm, oleo sobre tela), uma obra-prima dessa fase do artista. A superficie se divide arbitrariamente e nao obedece a nenhuma relagao e proporgao estabelecidas por regras pre-existentes. Abre-se acima a imensidao vermelha. E o tragado dos limites dirige o olhar para seu interior. Este primeiro desequilibrio nao esta sozinho: a organizagao centralizada é sutilmente quebrada pelos nes retangulos tracados na segao inferior do quadrado esquerdo em oposicao aos dois quadrados a direita. Terme, ainda, é a reducao da pureza das superficies claras que nao chegam ao branco. E, tambem, a sugestao de urn solo sobre o qual se ergrue a composigao. Esse tenue jogo de discretas entonacoes ines132

peradas aproxima Ern vermelho das interpretacoes de Joao Gilberto; é uma obra que apresenta o momenta em que se atravessa a fronteira que separa os trabalhos concretos dos neoconcretos. As descobertas de Mira Schendel seguem outra nilha. Num belo exercicio hermeneutico, Paulo Venancio Filho interpreta o relevo (sem titulo, tecnica mista sobre madeira, 1954,51 cm x 66 x 3,7 cm) coma uma "obra do desamparo e do desconsolo, tao muda e calada que poderia bem dizer: eu sou uma sobrevivente da destruigao; trago comigo a mudez solene do honor que travou a possibilidade de narrar, de dizer, de contar. Nela o drama é passado, o evento é findo, mas ainda permanece inexplicavel. Suponho-a entao como uma obra do p6s-guerra.".7 Sem negar os sentidos revelados na "Hipotese" de Paulo Venancio, posso me indagar sobre o que este trabalho ja possui e vai caracterizar, a meu ver, a presenga de Mira na arte contemporanea. Sua obra se inscreve no mundo como se nao houvesse lugar para a arte como Mira a concebe. Como se este lugar tivesse, cada vez, de ser reinventado. Mas a propria nogao de lugar, que pressup8e, necessariamente, um espaco pan situa-la, nao dá conta do problema. A descoberta desse momenta em que as coisas se tomam apenas visiveis, silenciosas e ainda nao podem dizer nada, exige aquilo que S8nia Salzstein chamou de "vazio do mundo". Dal a solidao construida como condigao da existencia de cada obra — sentida mesmo naquelas produzidas, mais tarde, em series quase interminaveis de monofipias e desenhos. Nessa ordem, em que o visivel nao grita, nao fala, nem mesmo sussurra, apenas aparece, no limite da existencia, ha a recusa da conquista de urn lugar. Como na nocao grega de topos, anterior ao conceito de espa-

go, quem determina o "lugar" é a propria natureza do objeto que o ocupa. E esta natureza contraria o mundo que a cerca: é de uma solidez que vacila, sempre delicada, ao afirmar sua presenca. Como se a arte fosse uma pele em contato corn o mundo, regiao sensivel entre interior e exterior. Entao, o relevo de 1954, manifestacao isolada, pelas suas caracterfsticas, na obra de Mira, alem da evocacao do monumento para a qual somos transportados pelo texto de Paulo Venancio, já nos apresenta, de forma condensada, essa condicao da obra que se desdobrard nas decadas seguintes: os singelos individuos arquitetonicos que sobressaem na superficie estao isolados, nao dialogam nem se confrontam. Poderiam ter au posado, como, tambem, simplesmente, terem emergido de alguma pre- existencia subterranea. A parte a banal semelhanca ffsica, viverao sem se encontrar, apesar de partilharem para sempre o mesmo terreno. A indecisao e a incerteza, que parecem pertencer aos trabalhos de Mira quando comparados as geometrias construtivas corn as quais convivem, poderao ser as modulacoes necessarias a descoberta do seu modo delicado de estar no mundo, a negagao de qualquer violencia, mesmo daquela agressao simb6lica — imposta pela necessidade da destruigno de valores anacronicos — veiculada por boa parte da arte modema ao longo deste seculo. Assim, essa pequena pintura é tambem escultura ou, inversamente, a pequena escultura é tambem pintura, procurando a regiao onde a escultura modema busca a idealidade do piano e, ao mesmo tempo, uma ordem pictorica que encontra profundidade efetivando-a na realidade do volume e ha° na virtualidade ilusaria da perspectiva. Essa positividade, diferente do jeito afirmativo e imediato das obras que se sentem

a vontade no mundo da precisao e da certeza, identifica a ,obra de Mira em todo seu percurso ate os "Sarrafos". Estas taltimas pinturas-esculturas parecem interromper, na sua contundencia e jogo de oposicOes extremadas, um fib que atravessa toda uma edstencia artistica. E coma se viessem, no climax da travessia, demonstrar por absurdo a raid() intema que norteava a experiencia anterior das monotipias, dos desenhos, das "droguinhas", das temperas sobre tela. A paz nicte dos individuos isolados e solitarios do relevo de Mira, vem se opor o produtivo conflito dos elementos brancos contrapostos por Sergio Camargo. Sua forca latente é exposta por Ronaldo Brito: "(...) metodo aqui ultrapassa a nogao vulgar de caminho para apreensao do objeto. Uma das originalidades do artista, no quadro das linguagens construtivas, é justamente uma intuicao na'o matematica de metodo. Sem exagero, o mato& assume a dimensao de poiesis. Mais do que urn meio de fazer, mais do que o proprio fazer, ele constitui a sintaxe de linguagem. E isto num trabalho que s6 existe declinado em sintaxes. A "inteligencia especulativa do metodo seria, assim, a propria semantica dos relevos: linguagem abstrata, anti-substancialista, calcada porem na experiencia sensfvel do volume, na ciencia intima da gravidade e densidade do volume. E a partir da empatia corn o volume que Camargo o pulveriza e dispersa. E, ao submete-lo a uma dinamica geometrica, o toma efetivamente elemento, emancipado de alusOes mimeticas e sugestoes anatomicas".9 Nao importa se existe uma multidao, um pequeno grupo, ou, apenas, urn elemento isolado. Ern sua logica cornbinatoria e recursiva estes relevos conseguiram algar os elementos acima da condicao de modulos, apesar da exigencia interior do modo iterativo de ser, desde o banal reconhe-

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cimento a distancia da forma como urn "Camargo", a dinamica intema Onde em cada urn existe a tensao construida no simples jogo da - oposigao entre o cilindro e o piano que o re-. corta. Dos individuos virtualmente arquitetonicos do relevo de Mira, passiveis de uma alusao as monadas, entramos em um campo relacional complexo que se organiza se desorganizando. Saimos de uma paz desolada pan uma logica da tensao. Entre essas fronteiras, reunindo em si as qualidades do explorador, do topografo e do simples floneur, o historiador teria que per-

correr o terreno diferenciado para revelar suas nuangas, sempre corn o cuidado de, interagindo corn seu objeto, descobrir-lhe as , feigosqudpnramjgoishumilde e domestic° entre ideias locals e que nao foram formadas, apenas, pela inteligencia e talento individuais na adequacao dos valores ern circulagao no mundo modemo. Os criticos colaboram para essa tarefa, mas ainda nao sao capazes sequer de detectar-lhe a amplitude. 0 colecionador realizou seu desejo cumprindo urn trabalho: o campo de batallia esta ai.

Notas x. Para uma visa° mais ampla e aprofundada do periodo v. (em ordem cronologica das edicoes): Amaral, Aracy (org.); Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (x950-1962), Rio de Janeiro - S5o Paulo, SP, 1977. 1977. Brito, Ronaldo; Neoconcretismo - Venice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro, col. Temas e Debates 4, Rio de Janeiro, Funarte, 1985. Geiger, Anna Bella e Cocchiarale, Fernando; Abstracionismo Geometric° e Informal, col. Temas e Debates 5, Rio de Janeiro, Funarte, 1987. 2. 0 carater ambiguo e ambivalente, as contradicees, desse tipo de alinhamento estetico precisou esperar por urn estudo de Roberto Schwarz, publicado originalmente, em 1969, na revista Temps Modemes, pan ser mostrado. Embora centrado, principalmente, nos problemas contemporaneos da alegoria no Tropicalismo, sua avalinao alum resulta, tambern, no reexame da nocao de progresso aplicada a arte modema. V. Schwarz, Roberto, "Cultura e politica, 1964-69" In: Opal de familia e outros estudos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 61-92. 3. Os artistas Celia Euvaldo e Paulo Monteiro organizaram, no Centro Cultural Sao Paulo, em 1995, a exposicao Morandi no Brasil onde foram apresentadas obras do artista de

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colec5es brasileiras e de lbere Camargo, Milton Dacosta, Amilcar de Castro, Eduardo Sued, Sergio Sister, TUnga e Paulo Pasta. 0 catalog° maz text° de Lorenzo Mammi. 4. Schwarz, Roberto; Duos meninas, S5o Paulo, Companhia. das Letras, 1997. 5.Naves, Rodrigo; "Anonimato e singularidade em "Volpi" in A Forma Dificil - ensaios sabre arte brasileira, Sao Paulo, Mica, 1996, p. 178-195. 6. Duarte, Paulo Sergio; "Sued - o metodo e sua histOria", 0 Estado de sao Paulo, Caderno 2, Cultura. xo de dezembro de 1994, p. Qi, publicado corn o titulo "Novas obras de Sued exibem a propzia histeria de seu metodo". 7.Venancio Filho, Paulo; "Hipotese sobre urn trabalho de Mira Schendel" In No Vazio do Mundo -Mira Schendel, Sonia Salzstein, org., Sao Paulo, Marca d'Agua, 1996, p. 71. 8. As preocupacoes Tilosoficas' que interessam a artista parecem provir de uma rebeldia perante a vida, de sone que o problema sujeito/objeto apresenta-se al antes de mais nada como a consulta que o individuo In ao 'vazio do mundo' sobre o lugar que nele cabe ocupar." Salzstein, Sonia; "No vazio do mundo", op. cit., p, 16. 9. Brito, Ronaldo: Camargo, Sao Paulo, ed. Akagawa, 1 990, P. 42.

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:

Vanguarda/experimentalismo


No limiar de uma nova estetica

I

PEDRO GERALDO ESCOSTEGUY

- z :--1 artista como ser — e talvez corn

Tentar o enriquecimento dessa arte é se co- maior intensidade conseqiiente a locar em posicao de conservar as raizes da rapidez de apreensao da realidade crise que envolve a todos, inclusive aqueles que lhe é peculiar — sofre, como todos, da que dela se locupletam. Tal posicao pode grande crise contemporanea inaugurada corresponder a uma possibilidade de raciopelo nazismo, exacerbada corn Nagasaki e nalizacao cultural, apenas omissa as transHiroshima, estarrecida pela conquista side- formacaes que a realidade deve sofrer, cu ser ral, dinamizada pela dissociacao entre a tec- apenas urn reflexo incoercivel de acomodacao ou de temor. nologia e a permanencia de milhoes de seEm qualquer circunstancia, emergente res sem acesso social, esterilizada pelos mais variados meios de coergao mental da historicidade do homem no mundo, surge uma hip6tese renovadora . que impulsioe ecorthmica. Sua expressao teria que evoluir mediante na uma nova estetica, e esta clama pela exuma posicao ativa, ante a decomposicao dos pressao adequada do artista de hoje. Ele atende ou nao atende a esse chamado. Convalores primordiais da pr6pria existencia. Em razao dessa conscienciat, afasta-se de tribui para a solucao dessa crise ou nao contribui. Faz uma obra de participacao social valores estritamente esteticos, ou neles se ou de simples devaneio individual, segunrefugia. Em qualquer circunstancia, porem, per- do a constelacao de suas glandulas, sua pr6pria experiencia em face da vida, seu major cebe que esta englobado pela crise, e, se opta por uma posicao alienada a propria realida- ou menor desenvolvimento 6tico. 0 artista que nao se refugia em valores de, quando se refugia na estetica pura, nao deixa de perceber tambem que sua posicao esteticos tradicionais, rechacando a arte pela se esfacela a medida que se generalizam os arte enderecada as minorias inoperantes, conceitos de defesa dos principios funda- parte para uma semantica positiva de promentais da existencia do homem. Uma arte testo e denuncia. Neste caso, integra as relagOes de cornestritamente baseada em elementos esteticos nao corresponde aos anseios coletivos, portamento estetico, na acao de defesa dos prementes, dos quais ele mesmo participa. valores humanos, reformulando uma este-


tica que contribua para a superacao da crise, cujos tentaculos ultrapassam os limites de adaptagao e rentincia. 0 afastamento dos valores estoticos tradicionais, nao significa minimizar suas peculiaridades, mas implica, isto sim, reconhecer que se toma urgente a descoberta de novos meios de comunicacao visual, capazes de contribuir para o desmoronamento de mitos igualmente tradicionais, jogados hoje contra a dignidade e a liberdade do set humano, obviamente inerentes a atividade criadora. Tais artistas, os que se recusam a uma arta tradicional, levantam assim os fundamentos de uma nova estetica, uma vez que a escolha de uma semantica verdadeiramente reflexa de suas consciencias em liberd ade, implica necessariamente ampliar suas possibilidades de comunicacao, mediante a utilizacao de uma nova semio-tica capaz de conduzir seus trabalhos de consciencia a consciencia, em lugar de sensacao a sensagao, de contemplacao a contemplagao. Nesta semiotica retoma valor, e agora em dimensao universal, elementos que ate entao apenas tiveram uma significacao prosaica ou utilitaria. Sua mobilizacao - pot isso mesmo semiotica - longe de set arbitraria ou impulsiva, obedece a uma sistematica de ritmo, de associacao e de determinacao semantica, capazes de conferir ao conjunto gestatico da obra a forma e a textura indispensaveis para uma comunicacao energica e imediata.

A revelacao dessa nova formulacao estetica se diferencia em varias correntes que emergem da inquietacao resultante da crise em diferentes areas da realidade mundial, tendo apenas, como denominador comum uma intencao semantica de major ou menor evidencia. Para se discemir sobre a validade ou permanencia dos valores intrinsecos dessa nova estetica, é importante que se analise detidamente nao só o pie se apresenta inteiramente novo, como tambem as transfiguragoes de tratamento assentadas sobre tecnicas ja experimentadas, quando, inequivocamente, se liberam de compromissos condicionados pela tradicao ou pela critica convencional. A soma de manifestagoes já elaboradas sob a injuncao desses novos fatores p5e em relevo a necessidade de qualificacao das ohms geralmente admitidas como modernas, nao no sentido de enquadramento nesta ou naquela tendencia, mas na dimensao em que conseguem expressar a problematica comum, ao mesmo tempo que isolam, numa atividade dinamica, as tambem diferentes maneiras de se perpetuarem os objetivos individualistas da arte pela arte. Esta mutacao é que se apresenta de forma objetiva na arte contemporanea, e e para a sua resolugao semantica cada vez mais acentuada que convergem as apreciacoes isentas de preconceitos.

Liberdade de opinido

HARRY LAUS

A

grande tanica da exposicao montada no Museu de Arte Modema, Opinido 65, é a liberdade da criagao ar-

tistica, servindo, ao mesmo tempo, a vanguarda em seus mais recentes movimentos como a pop-art, a nova-figuragao, o novo-realismo etc. Reunindo 29 artistas, a mostra organizada por Ceres Franco e Jean Boghici é urn acontecimento de real importancia para as artes brasileiras, quando as saloes ditos modemos caem cada vez mais em descredito artistico e paha) pela falsidade dos criterios adotados para selecao e premiagao. Tambem vale a pena salientar que estes 29 artistas tern origens diversas: vem da Fran-

ca, da Hungria, da Espanha, da Argentina, da Gracia ou residem no Brasil, dando a exposicao urn carter intemacional que empresta major significado as intencoes dos organizadores e dos proprios artistas participantes de Opiniao. Alan disso, essa colocagao de nossos artistas em pa de igualdade corn nomes reconhecidos internacionalmente (Semi, Foldes, Gaitis, Tisserand, Genoves, Jardiel, etc.) vale pelo reconhecimento de seus trabalhos no mesmo piano internacional. E podemos afirmar que Opinido 65 ficaria bem em qualquer capital do gabarito de Paris ou Nova torque.

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CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS NO LIMIAR DE UMA NOVA ESTETICA - PEDRO GERALD° ESCOSTEGUY

Roteiro Para orientacao do public°, vamos passar em revista a obra de alguns artistas brasileiros, deixando os estrangeiros pan mais tarde. Logo no inicio da sala esti Tomoshige Kusuno corn dais quadros pop. Deixando a abstragao, Kusuno esteve muito bem representado corn a pop-art no Salim do Artista Jouem e agora reaparece corn a mesma forca. Em suas composicees, utiliza a major variedade de materiais, como latas de tintas e pinceis, luvas de borracha cordas, etc. Vilma Pasqualini, a Unica mulher presente, tern tres trabalhos, sendo o mais significativo urn com uma inscricao: sao duas figuras distorcidas corn espelho na face por onde o espectador se ve. Exemplo de nova-figuragao corn elementos que podem set enquadrados como pop. Seguem-se tres pequenos trabalhos de ferro, executados corn oleo e colagem de manchetes de jomais com intencaes politicas. Tanto pelas dimens5es como pela tecnica empregada, seus quadros nao conseguem impressionar. Ivan Serpa ocupa uma parede corn tres Ultimos trabalhos. Utilizando seus conhecimentos de concretismo, de uma fase passa-


da, aliada a nova-figuragdo a que se dedica ha coisa de dois anos, conseguiu obter urn efeito novo que ele explica como o contraste de dois mundos: o mundo mecanico, que tende pan a perfeicao (elementos concretos), e a crueza da realidade, corn todos os tormentos por que passa a humanidade (nova-figuracao). De Wesley Duke Lee ha uma placa circular pendente do teto corn desenhos nas duas faces e urn born quadro de 1965, da serie A Zona, ja abordada nesta seed°. 0 trabalho traz a inscricao: "Nao ter medo de fazer hist6ria." Gastao Manuel Henrique nada apresenta de novo. Comparece corn suas construgOes em madeira, ja vistas anteriormente em uma galeria particular. Angelo de Aquino é um nome nova que teve a sorte de estrear numa exposicao tao importante. Seus quadros, corn a predominancia do vermelho e do amarelo, tern urn sentido do urbano, da maquina, corn a violancia do impacto visual que acarreta pelo contraste das cores. Antonio Dias aparece renovado ern algumas solugees do que apresenta, tendendo cada vez mais para a escultura. Destacamos 0 vencedor?, onde urn cabide de pa é aproveitado para figurar o corpo de urn soldado corn capacete preto. Escosteguy esta para tres construcees em madeira pintada de preto e branco e vermelho. Talvez o mais convincente seja o que se refere A bomba at6mica, enquanto o que traz a inscricao "Pare, Olhe, Escute — Nao se Desintegre", é de sentido meio obscuro. Iva Freitas é talvez o artista mais afastado do sentido da mostra. Seus tres quadros, de execucao exemplar e grande beleza, tendendo para urn surrealismo paisagistico, 140

sao, no entanto, uma especie de pausa para meditagdo. Waldemar Cordeiro faz relevos corn elementos pop, pedacos de cadeira, meio prato, meia xicara etc. Execugdo inteligente, mas nem sempre de born gosto. Segue-se D'Aquino corn as tres fases do desenvolvimento do cancer. Aqui, certas deficiencias tecnicas, ou descaso no acabamento fazem dimirtuir o interesse pelo trabalho. 0 contraste corn o acabamento dos quadros de Flavio Imperio reforea a impressao do que dissemos sobre D'Aquino. Imporio, corn o aproveitamento de pecas de rel6gio e ate soldadinhos de chumbo corn uma perfeita nocao de cornposicao servindo a ideia, é uma presenca das mais marcantes. Gerchman continua corn seus temas de multidao, apresentando o futebol, a eleicao de Miss Brasil e uma satira sobre o Carnet Fartura. Estes fatos pot demais locais e anec16ticos, em que pese a carga dramatica que o artista consegue transmitir, nao nos parecem os mais indicados pan uma mensagem, quando se pensa na falta de fronteiras cada vez mais ampla no terreno das artes. Na mesma exposicao, Juan Genoves (espanhol) consegue efeito superior. Aguilar, tao bem-representado no Salao do Artista Jovem, parece estar meio perdido. Vergara, revelado no ultimo Sala° de Arte Modema, consegue superar o merit° de seus trabalhos no referido certame. Encerra este pequeno roteiro o excelente gravador e desenhista que é Roberto Magalhaes. Acrescentando o elemento caligrafico aos desenhos, comprova mais uma vez sua capacidade inventiva aliada aos conhecimentos tecnicos que possui.

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

LIBERDADE DE OPINIAO - HARRY LAOS

Realismo ao nivel da cultura de massa WALDEMAR CORDEIRO

I

dinamismo da arte resulta da re- compromissos comprometedores como cul- lack dialetica entre as suas ideias turas consumidas. A estruturacao de uma nova linguagem . em movimento e o contexto em movimento da realidade. Portant°, o desen- visual, naquela fase, significa um primeiro volvimento da arte nao e apenas o desenro- passo rumo ao humanismo da era industrilar de premissas artisticas, numa coerencia al. Isso, no entanto, nao ficou clam para toem si, mas produto de relacaes mais amplas dos, e alguns, perdendo contato corn a realie complexas, que tern origem e se ramificam dade global, degeneram num naturalism° perceptivo. fora do campo especifico da arte. A nova concepeao de comunicacao visuHoje as antinomias do conflito historic° Abstracionismo versus Figurativismo estao al, proporcionou a arte urn novo "medium", superadas. As pesquisas da linguagem visu- mais adequado A tecnologia moderna e As al deixaram de ser incompativeis corn a cul- suas possibilidades corn respeito a cultura tura de massa. Antes, aquelas s6 sao possi- de massa. Isso quer dizer o esgotamento virveis no 'ambito desta. E vice-versa. Disso re- tual da arte artesanal (pintura manuscrita e sulta o esvaziamento da arte nao-figurativa escultura digital). 0 nova "medium" permite passar da rehistorica (arta abstrata, construtivismo, arte concreta, informal e NT) assim como do fi- producao pan a multiplicacao industrial. A gurativismo historic° (neo-realismo, nova arte concreta historica e, atualmente, as Nova Tendencias europeias formulam denfiguracao, realismo fantastico). No entanto, as conquistas objetivas da tro dessa possibilidade tecnica. Essa atituarte contemporanea sao irreversiveis. Foram de, adequando a tecnica da arte aos novas os artistas modemos que, tendo por base a meios de producao, revela urn espfrito dinaestmtura fisiologica da percepeao, criaram mica; nao resolve, todavia, o problema hua linguagem artificial, hoje universalmente manistico, por razOes que se situam, mais usada na comunicacao visual. Descobriram uma vez, fora do campo especifico da arte. uma sintaxe (relacao entre os sinais) e uma Corn efeito, a multiplicacao de obras de arte pragrnatica (relacao entre os sinais e o frui- ficou como uma possibilidade meramente dor), que livraram o homem moderno de virtual. Na pratica, as que detem a proprie-


dade dos meios de producao preferem multiplicar objetos utilitarios. E quando algum pequeno industrial se dispee a produzir "obras de arte", prefere reproduzir obras consagradas — e degradadas — da cultura tradicional, contribuindo pan o já vasto reino do lcitsch. As contradiceies caracteristicas da produgdo, patentes nas relacees humanas que esta institui, leva a vet o campo do consumo como a barricada onde serao defendidos os valores potencialmente inerentes ao mundo modemo. o que se nota nas tend'encias que tern origem na pop. Em muitos casos o artista se limita a dar, a vet. Desistindo da producao do objeto, ele se limita a consumir a coisa banal de urn modo to banal. Umberto Eco nota que, enquanto o kitsch utiliza os residuos da arte, a arte pop utiliza os resIduos do kitsch. Mas o emprego do "ready-made" tern urn significado importante, na medida em que propoe let a arte diretamente, no mundo das coisas, sem recorrer a representagoes abstratas. Decodificar a arte nos sinais visiveis da vida leva a decodificagdo da vida nos sinais da arte. Na fase sintatica citavamos Fiedler, que preconizava a leitura da arte pelo seus pr6prios sinais e nao pelos epifenomenos de assunto; hoje, obedecendo a uma coerencia dinamica, propomos que a arte seja lida pelos sinais mesmos da vida. Arte, enquanto consumo, enfoca criticamente a relacao entre os recursos da producao e o fato de que essa producao nao beneficia igual e simultaneamente a todos. Essa contradicao 6 causa da transformacao, ou formacao, dos significados visiveis, que compaem a cultura par imagens. Esta, em-

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bora tendo origem numa situacao que e geral, toma aspectos particulares pelas caracteristicas etnicas de cada grupo. Desse modo, embora reconhecendo que hoje a arte é planetaria, evita-se uma homogeneizagao cosmopolita. As caracteristicas nacionais e/ou continentais, no entanto, so podem ser precisadas em funcao de uma arte mundial, e nao mediante regionalismos misoneisticos. A critica a atitude tecnologica nao quer dizer passar para a outra atitude extrema, que valoriza apenas o aspecto sociologic°. De urn lado os defensores da primeira atitude, diante do interesse dos artistas de vanguarda pelos problemas semanticos do consumo, proclamam a morte da arte e, em nome de uma antiarte que pretende ser mais arte do que a arte, fazem a apologia exaltada da quantidade, esquecendo-se de que a quantidade s6 6 possivel racionalmente e que racionalidade é qualidade. De outro lado, os saudosistas do neo-realismo devem lembrar que a industrializagao, determinando o papel cada vez mais importante das massas, criou problemas de cultura que so podem ser resolvidos mediante as novos meios de comunicacao de massa. Essa nova situacao obriga o artista a assimilar a informaga° adequada a fim de que possa de fato proporcionar a todos a experiencia de ordem superior chamada arte. Mas o problema é ainda mais complexo pela presenga de uma "indlistria cultural", cujo objetivo 6 a massificagao a servigo de interesses venais ou paternalisticos. 0 realismo atual tera que tomar em consideragao todos os dados do problema, e, numa sintese superior, contribuir para devolver a esperanga ao homem modemo.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS REALISM° AO NiVEL DA CULTURA DE MASSA - WALDEMAR CORDEIRO

Arte ambiental, arte p6s-moderna, Helio Oiticica MARIO PEDROSA oje, em que chegamos ao fim do que se chamou de "arts modema" (inaugurada pelas Demoiselles d'Avignon, inspirada na arte negra recemdescoberta), as criterios de juizo para a apreciacao ja nao sao os mesmos que se formaram desde entao, fundados na experiencia do Cubism°. Estamos agora em outro ciclo, que nao 6 mais puramente artistico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior, e iniciado, digamos, pela pop art. A esse nova ciclo de vocagao antiarte chamaria de "arte pos-moderna". (De passagem, digamos aqui que desta vez o Brasil participa dele nao como modesto seguidor, mas coma precursor. Os jovens do antigo Concretismo e sobretudo do Neoconcretismo, cornlygia Clark a frente, sob muitos aspectos anteciparam-se ao movimento do op e mesmo do pop. Hello Oiticica era o mais jovem do grupo.) Na fase do aprendizado e do exercicio da "arte moderna", a natural virtualidade, a extrema plasticidade da percepgao de novo explorada pelos artistas era subordinada, disciplinada, contida pela exaltagao, pela suprematizagao dos valores propriamente plasticos. Agora, nessa fase de arte na situacao, de arte antiarte, de "arte pos-moderna", dá-se o inverso: as valores propriamente plasticos tendem a ser absorvidos na plasticidade das estruturas perceptivas e situacio-

nais. E fenomeno psicolOgico perfeitamente destrinchado o fato de a plasticidade perceptiva aumentar sob a influencia das emogoes e dos estados de afetividade. Os artistas vanguardeiros de hoje nao fogem dessa influencia, coma os classicos do modernism°, e muito menos a procuram, deliberadamente, como o faziam os subjetivos romanticos do "expressionismo abstrato" ou "lirico".Nao é a expressividade em si pie interessa a vanguarda de agora. Ao contrario, ela teme acima de tudo o subjetivismo individual hermetic°. Dal a objetividade em si do pop, a objetividade para si do op (nos Estadospnidos). Mesmo a "nova figuragao", onde as restos de subjetivismo se alinharam, quer, acima de tudo, narrar, passar adiante uma mensagem, mitica ou coletiva, e, quando individual, atraves do humor. 0 jovem Oiticica já em 1959, quando pelo mundo dominava a vaga romantica do informal e do tachismo, indiferente a moda, abandonara o quadro para armar seu primeiro objeto insOlito, ou relevo no espaco, num monocronismo violento e franco.Tendo partido naturalmente da gratuidade dos valores plasticos, já hoje rara entre os artistas vanguardeiros atuais, se mantem fiel aqueles valores, pelo rigor estrutural de seus objetos, o disciplinamento das formas, a suntuosidade das cores e combinacOes de ma-


teriais, pela pureza, em suma, de suas confecgoes. Ele quer tudo belo, impecavelmente puro e intratavelmente precioso, como urn Matisse no esplendor de sua arte de "lux°, calma e voluptuosidade". Baudelaire das Flores do Mal é talvez o padrinho longinquo desse adolescente aristocratic°, passista de Mangueira. (Sem contudo o senso cristao do pecado do poeta maldito.) 0 aprendizado concretista quase o impedia de alcangar o estagio primaveril, ingenuo da experiencia primeira. Sua expressao toma urn carater sensorial, sem alcangar, no entanto, o solid° propriamente psiquico, onde se cla a passagem a imagem, ao signo, a emocao, a consciencia. Ele cortou cerce essa passagem. Mas seu comportamento subitamente mudou: urn dia, deixa sua tone de marfim, seu e integra-se na Estagao Primeira, onde fez sua iniciacao popular, dolorosa e grave, aos pes do Morro da Mangueira, mito carioca. Ao entregar-se, entao, a urn verdadeiro rito de iniciacao, carregou, entretanto, consigo, para o samba d a Mangueira e adjacencias onde a "barra" é constantemente "pesada", seu impenitente inconformismo estetico. Deixara em casa os relevos e os "nocleos" no espago, prosseguimento de uma primeira experiencia de cor a que chamou de "penetravel"; uma construgao em madeira, corn porta deslizante, em que o sujeito se fechava em cot. Invadia-se de cot, sentia o contato fisico da cor, ponderava a cot, tocava, pisava, respirava cot. Como na experiencia dos bichos de Clark, o espectador deixava de set urn contemplador passivo, para set atraido a uma acao que nao estava na area de suas cogitacoes convencionais cotidianas, mas na area das cogitagoes do artista, e destas participava, numa comunicagao direta, pelo gesto e pela agao. E o que querem hoje os 144

artistas de vanguarda do mundo, e é mesmo o movel secreto dos happenings. Os nacleos sao estruturas vazadas, placas coloridas de madeira suspensas, tragando urn caminho, sob urn teto quadrilatero como um dossel. A cor nao esta mais trancada, mas no espago circundante abrasado de urn amarelo ou de um laranja violento. sao cores-substancias que se desgarram e tomam o ambiente e se respondem no espago, como a carne tambern se colore, os vestidos, os panos se inflamam, as reverberagoes tocam as coisas. 0 ambiente aide, incandescente, a atmosfera é de urn precionismo decorativo ao mesmo tempo aristocratic° e corn algo de plebeu e de perverso. A violencia da luz e da cot evoca, pot vezes, a sala de brilhar nodvaga de Van Gogh, onde reverberam aguelas cores que para ele simbolizavam as "terriveis paixoes humanas". Arte ambiental é como Oiticica chamou sua arte. Nao é corn efeito outra coisa. Nela nada é isolado. Nao ha uma obra que se aprecie em Si mesma, como urn quadro. 0 conjunto perceptivo sensorial domina. Nesse conjunto criou o artista uma "hierarquia de ordens" — relevos, micleos, b6lides (caixas) e capas, estandartes, tendas ("parangoles") — "todas dirigidas para a criagao de urn mundo ambiental". Foi durante a iniciagao ao samba que o artista passou da experiencia visual, em sua pureza, para uma experiencia do tato, do movimento, da fruigao sensual dos materiais, em que o corpo inteiro, antes resumido na aristocracia distante do visual, entra como fonte total da sensorialidade. Corn as caixas de madeira, que se abrem como escaninhos, de onde uma luminosidade interior sugere outras impress8es e abre perspectivas, atraves de pranchas que se deslocam, gavetas cheias de terra ou de p6 colorido que se abrem etc., é evidente aquela passagem do dominio das impres-

CRETICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ARTE AMBIENTAL, ARTE POS-MODERNA, RELIC OITICICA - MARIO PEDROSA

&des apaticas ou titeis. 0 contraste simultaneo das cores passa a contrastes sucessivos do contato, da fricgao entre s6lido e liquid°, quente e frio, liso e rugoso, aspero e macio, poroso e consistente. De dentro das caixas saem telas rugosas e coloridas, corn entranhas, gavetas se enchem de p6, e depois sao os vidros, nos primeiros dos quais ele reduziu a cor a puro pigmento. Os materials mais diversos se sucedem, tijolo amassado, zarcao, terra, pigrnentos, plasticos, telas, carvao, agua, anilina, conchas trituradas. Ha espelhos como base de nucleos, ha espelhos no interior das caixas para novas dimens8es espaciais internas. De uma garrafa de forma caprichosa, como uma licoreira, cheia de urn liquido verde transhicido, saem pela boca do gargalo, como flores artificiais, telas luxuriantes porosas, amarelas, verdes de urn preciosismo absurdo. E urn desafio inconsciente ao gosto refinado dos estetas. A esse vaso decorativo, insolito, chamou de Homenu gem a Mondrian, urn de seus deuses. Sobre uma mesa, aquele frasco, em meio daquelas caixas, vidros, nucleos, capas, é como uma pretensao de luxo a Luis XV, num interior suburbano. Uma das caixas, das mais surpreendentes e belas, o interior cheio de circunvolugoes irisadas (telas), é iluminada luz neon. A variacao desses belides em caixas e em vidros é enorme. Como que deixando o macrocosmo, tudo agora se passa no interior desses objetos, tocados de uma vivencia estranha. Dir-se-ia que o artista passa as maos que tateiam e mergulham, por vezes enluvadas, em p6, em carvao, em conchas, a mensagem de rigor, de luxo e exaltacao que a visao nos dava. Assim ela deu a volta toda ao circulo da gama sensorial-tatil, motora. A ambiencia é de saturacao virtual, sens6ria. 0 artista se ye agora, pela primeira vez, em face de outra re alid ade, o mundo da

consciencia, dos estados de alma, o mundo dos valores. 'litho tern de set agora enquadrado num comportamento significativo. Corn efeito, a pura e crua totalidade sensorial, tao deliberadamente procurada e tao decisivamente importante na arte de Oiticica, é afinal marejada pela transcendencia a outro ambiente. Neste, o artista, maquina sensorial absoluta, baqueia vencido pelo homem, convulsivamente preso nas paixoes sujas do ego e' na tragica dialetica do encontro social. Da-se, entao, a simbiose desse extremo, radical refinamento estetico corn urn extremo radicalismo psiquico, que envolve toda a personalidade. 0 inconformismo estetico, pecado luciferiano, e o inconformismo psiquico social, pecado individual, se fundem. A mediacao para essa simbiose de dois inconformismos maniqueistas foi a escola de samba da Mangueira. A expressao desse inconformismo absoluto 4 a sua Homena gem a "Cara de Cavalo", verdadeiro monumento de autentica beleza patetica, para a qual os valores plasticos por fim nao foram supremosCaixa sem tampa, coberta pudicamente por uma tela que é preciso levantar para se vet o fundo, é forrada nas suas paredes intemas corn reproducOes da foto aparecida nos jomais da epoca, ern que "Cara de Cavalo" aparece, de face cravada de balas, ao chao, bracos abertos como urn crucificado. Aqui é o con teado emocional que absorve o artista, explicit° ja agora em palavras. (Ja em outro bOlide, o pensamento, a emogao tinha extravasado da carapaga decorativa e sensorial, sempre magnifica para explicitar-se num poema de amor escondido la dentro sobre urn coxim azul.) A beleza, o pecado, a revolta, o amor dao a arte desse rapaz urn acento novo na arte brasileira. Nao adiantam admoestagoes morais. Se querem antecedentes, talvez este seja urn: Helio é neto de anarquista.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS ARTE AMBIENTAL, ARTE POS-MODERNA, HELIO OITICICA - MARIO PEDROSA


Situasao da vanguarda no Brasil (Propostas 66) HELIO OITICICA ' e quisermos definir uma posicao especifica pan o que chamamos de vanguarda brasileira, teremos que procurar caracterizar a mesma como fen6meno tipico brasileiro, sob pena de nao set vanguarda nenhuma, mas apenas uma falsa vanguarda, epigono da americana (Pop) ou da francesa (Nouveau-Realisme) etc. Como artista integrante dessa van guarda brasileira, e te6rico, digo que o acervo de criac6es ao qual podemos chamar de vanguarda brasileira é urn fenameno novo no panorama internacional, independente dessas manifestacees tipicas americanas ou europeias.Vinculacao existe, é claro, pois no campo da art e nada pode ser desligado de urn contexto universal. Isto é algo que já se sabe muito e nao interessa discutir aqui. Toda a minha evolucao de 1959 para cá tern sido na busca do que vim a chamar recentemente de uma "nova objetividade", e creio ser esta a tendencia especifica na vanguarda brasileira atual. Houve como que a necessidade da descoberta das estruturas primordiais do que chamo "obra", que se comecaram a revelar corn a transformacao do quadro para uma estrutura ambiental (isto ainda na epoca do movimento neoconcreto do Rio), a criacao dessa nova estrutura em bases solidas e o gradativo surgimento

dessa Nova Objetividade, que se caracteriza em principio pela criacao de novas ordens estruturais, nao de "pintura" ou "escultura", mas ordens ambientais, o que se poderia chamar "objetos". Já nao nos satisfazem as velhas posicees puramente esteticas do principio, das descobertas de estruturas primordiais, mas essas descobertas como que se tomaram habituais e se dirige o artista mais ao estabelecimento de ordens objetivas, ou simplesmente a criacao de objetos, objetos esses das mais variadas ordens, que nao se limitam a visao, mas abrangem toda a escala sensorial, e mergulham de maneira inesperada num subjetivo renovado, come que buscando as raizes de urn comportamento coletivo ou simplesmente individual, existencial. Nao me refiro a minha experiencia ern particular (negacao do quadro, criacao ambiental de New leos, Penetraveis e BOlides, Parangole), mas tambem ao que posso verificar nas diversas manifestacees daqui. A participacao do espectador é fundamental aqui, é o principio do que se poderia chamar de "proposicoes para a criacao", que culmina no que formulei como antiarte. Nao se trata mais de impor um acervo de ideias e estruturas acabadas ao espectador, mas de procurar pela descentralizacao da "arte", pelo deslocamento do que se designa como


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arte, do campo intelectual racional pan o da proposicao criafiva Vivenciakdar ao homem, ao individuo de hoje, a possibilidade de "experimentar a criacao", de descobrir pela participagao, esta de diversas ordens, alga que para ele possua significado. Nao se trata mais de definicoes intelectuais seletivas: isto é figura, aquilo é pop, aquilo outro é realista — tudo isto é espurio! 0 artista hoje usa o que quer, mais liberdade criativa nao possivel. 0 que interessa é justamente jogar de lado toda essa porcaria intelectual, ou deixa-la para os otarios da critica antiga, ultrapassada, e procurar um modo de dar ao individuo a possibilidade de "experimentar", de deixar de ser espectador para ser participador. Ao artista cabe acentuar este ou aquele lado dessas ordens objetivas. Nao interessa se Gerchman, p. ex., usa figura pregada em caixas, ou se Lygia Clark usa caixa de f6sforos ou plasticos corn agua, o que interessa é a proposicao que faz Gerchman, as de marmitas-objetos para que o individuo carregue, ou a proposicao de Clark quando pede que apalpem suas bolsas plasticas. Poder-se-ia chamar a isto de "nova realismo" (no sentido em que o emprega Mario Schenberg, p. ex., e nao no de Restany), mas prefiTo o de "nova objetividade", pois muito mais se dirigem estas experiencias a descoberta de objetos pre-fabricados (nas minhas "apropriacees", p. ex., ou nas experiencias pop-

cretas de Cordeiro) ou a criagao de objetos mais generalizada entre nos, como que tentando criar urn mundo experimental, onde possam as individuos ampliar o seu imaginativo em todos as campos e, principalmente, criar ele mesmo parte desse mundo (ou ser solicitado a isso). No Brasil, livre de passados gloriosos como as europeus, ou de superproducees como as americanos, p0demos corn élan criar essa Nova Objetividade, que é dirigida principalmente por uma necessidade construtiva caracteristica nossa (ver a arquitetura, p..ex.) e que tende, a cada dia, a definir-se mais ainda. 0 que ha de realmente pioneiro na nossa vanguarda é essa nova "fundacao do objeto", advinda da descrenca nos valores esteticistas do quadro de cavaletes e da escultura, para a procura de uma "arte ambiental" (que para mim se identifica, par fim, corn o conceito de "antiarte"). Essa magia do objeto, essa vontade incontida pela construcao de novos objetos perceptivos (tacteis, visuais, proposicionais, etc.), onde nada é excluido, desde a critica social ate a penetracao de situacees-limite, sac) caracteristicas fundamentais de nossa vanguarda, que é vanguarda mesmo e nao arremedo internacional de pals subdesenvolvido, coma ate agora o pensa a maioria das nossas ilustres vacas de presepios da critica podre e fedorenta.

Declarasao de Principios Basicos da Vanguarda Janeiro de 1967

x. Uma arte de vanguarda nao se pode vincular a determinado pals: ocon-e em qualquer lugar, mediante a mobilizacao dos meios disponiveis, corn a inter -10o de alterar au contribuir para que se alterem as condicees de passividade ou estagnacao. Por isso a vanguarda assume uma posicao revolucionaria clara e estende sua manifestacao a todos os campos da sensibilidade e da consciencia do homem. Quando ocorre uma manifestacao da vanguarda, surge uma relagao entre a realidade do artista e o ambiente em que vive: seu projeto se fundamenta na liberdade de set, e em sua execucao busca superar as condicees paralisantes dessa liberdade. Este exercicio necessita de uma linguagem nova capaz de entrar em consonancia cam o desenvolvimento dos acontecimentos e de dinamizar as fatores de apropriagao da obra pelo mercado consumidor. 2.

3. Na vanguarda nao existe c6pia de modelos de sucesso, pois copiar é permanecer. Existe esforco criador, audacia, oposicao franca as tecnicas e correntes esgotadas. 4. No projeto de vanguarda é necessario denunciar tudo quanto for institucionaliza148

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SITUAcA0 DA VANGUARDA NO BRASIL (PROPOSTAS 66) - 11E110 OITICIA

do, uma vez que este processo importa na propria negagao da vanguarda. Em sua amplitude e em face de suas pr6prias perspectivas, recusa-se a aceitar a parte pelo todo, o continente pelo conteado, a passividade pela acao. 5. Nosso projeto — suficientemente diversificado para que cada integrante do movimento use toda a experiencia acumulada — caminha no sentido de integrar a atividade criadora na coletividade, opondo-se inequivocamente a todO isolacionismo daft) e misterioso, ao naturalismo ingenuo e as insinuacOes da alienagao cultural. • 6. Nossa proposicao é rofiltipla: desde as modificacees inespecificas da linguagem, a invencao de novas meios capazes de reduzir a maxima objetividade tudo quanto deve set alterado, do subjetivo ao coletivo, da visao pragmatica a consciencia dialetica. 7. 0 movimento nega a importancia do mercado de arte em seu contendo condicionante: aspira acompanhar as possibilidades da revolugao industrial, alargando os critarios de atingir o ser humano, despertando-o para a compreensao de novas tecnicas, para


a participagan renovadora e para a analise critica da realidade. 8. Nosso movimento, alem de ser urn sentido cultural ao trabalho criador, adotaAntonio Dias Carlos Augusto Vergara Rubens Gerchman Lygia Clark Lygia Pape Glauco Rodrigues Sarni Mattar Solange Escosteguy Pedro Geraldo Escosteguy

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ra todos os metodos de comunicacao corn o public°, do jomal ao debate, da ma ao parque, do salao a fabrica, do panfleto ao cinema, do transistor a televisao.

Raimundo Colares Zilio Mauricio Nogueira Lima (Sao Paulo) Helio Oiticica Ana Maria Maiolino Renato Landin Frederico Morais Mario Barata

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS DECLARA00 DE PRINCIPIOS BASICOS DA VANGUARDA - VARIOS AUTORES

Aviso: Rex Kuput

GRUPO REX ex est lex. Rex re-lex. Rex codex. Rex ' relax. Aqui jaz o Rex. Quem era o Rex? Era um personagem que emprestava seu sopro de vida a oito artistas. 0 Rex era uma especie de bonecao de plastic° corn oito bicos nos quais as Rex-rapazes sopraram continuamente ate perder o folego. 0 problema é que o Rex estava sempre vazando. Esperava-se que depois de algum tempo outros viessem tambem soprar no Rex, ou que o mesmo adquirisse vida propria, isto porem nao aconteceu. 0 Rex tinha alma. Uma de alma remendada de pedacos vindos de todas as partes de desertos e das florestas da Amazonia. Rex tinha uma voz muito grossa e dizia coisas inesperadas; alias, seu papel era mesmo este: dizer coisas irieditas, criticar impiedosamente quem pot ventura tivesse ma-fe e dar coragem aos jovens. 0 Rex parecia muito brincalhao, tinha grande senso de humor que ofendeu a muitos. Poucos sabem que o Rex era urn dos entes mails serios que a mitologia da arte tern criado. Era lucid°, fiel, corajoso, capaz de uma amizade indestrutivel. Nao pode ser mais perseverante por falta de meios proprios para viver, coitado. Dizem que tinha mania de chamar atenquo, mas poucos foram as que procuraram saber para que o Rex queria esta atencao.

Apesar de sua corpulancia, o Rex era forte e agil; se vestia moderno, quase sempre corn gravatas de con Rex tinha bons dentes. Costumava se olhar sempre no espelho, pois tinha medo de estar envelhecendo. Um dia me pareceu ter visto o Rex se mover sem a ajuda de seus criadores. Se dirigiu a mim e disse corn aquele vozeirao: "Eu you-me embora. Cansei de ficar aqui onde ninguern entende o que eu quero. Sao Paulo urn deserto". Ele estava quase chorando quando disse aquilo. Virou-se e foi andando devagar pelo desert°. Eu o via esvaziar lentamente. Antes de chegar ao horizonte ficou estendido pelo chao completamente vazio. Nao sei se sonhei isto ou se foi visao causada pelo espanto de vet o Rex desaparecer. Para melhor compreensao da posicao quase pioneira e muito independente do movimento do Rex nas perspectivas hist& ricas do Brasil,. daremos abaixo uma lista das principais personalidades que condicionaram as mais importantes reviravoltas culturais do pals. Evidentemente, a opinian pnblica sempre tao lenta em seus movimentos, ainda nao alcancou a importancia dos acontecimentos (chamados mais tarde de happenings pelos americanos) criados a tao duras penas pelas citadas personalidades. Mas coma temos confianca no Brasil e em. seu


povo, ficamos esperando a data em que tudo ficara mais claro pan todos. . Os acontecimentos sao, por ordem cronologica: 1 2 Caramuru (Boom) 20 Bispo Sardinha (nham-nham) 3Q D. Pedro I (Independencia ou Morte) 4.2 e 52 Flavio de Carvalho (claraboia da cozinha da Leiteria Campo Bello, e a 'havessia do Viaduto do Cha). Os Realistas Magicos, encabegados par Wesley Duke Lee, realizaram dia 24 de outubro de 1961 o 6° acontecimento que pode ser considerado o primeiro happening do Brasil, no Joao Batista Ban Consistiu numa exposigao das ligas de Wesley, na escuridao daquele bar, por terem sido rejeitadas em galerias de ate da epoca, sendo consideradas obscenidades e, portant°, atentado ao pudor. Houve um monumental e memorial show que canton corn a presenca dos realistas: Wesley, Lenita e Olivier, Otto Stupakoff, Capita° Fantasma, Maria Cecilia Gismondi, Eugenio Hirsch. e Babalu, Lidia, Ponona e Cachorro e o Corpo de Bombeiros de Sao Paulo que participou valorosamente, tentando impedir a realizacao do show. A repercussao deste acontecimento foi ampla. Enquanto os criticos fenecidos e os antiquados membros da "Geracao Sombria" levantavam suas enferrujadas adagas gritando: Oh, le scandale, os jovens sairam das sombras de pincel em punho para revelar segredos esteticos que ate aquela hora haviam reprimido por medo dos senhores donos da verdade, e dos sisudos guardioes da "Estetica Imovel". Alguns jovens declararam en passant: "Arte tambern se faz brincando..." e os senhores da Geragao Sombria tendo mal entendido aquela manifestacao jovem do Joao Sebastiao disseram: "Trata-se de uma grande

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brincadeira de moleques". Se pelo menos tivesse olhado corn urn pouco de atencao o livro de fotos de Picasso, talvez tivesse evitado opiniao tao leviana. A Histaria que inexoravel os julgara par isso, e lembrara que a partir daquele dia, a estetica no Brasil comegou a mover-se, a/xis uma triste hibernagao de anos. Quantos jovens nao comecaram entao a confeccionar suas pr6prias imagens cheias de surpresas para o olho atento do priblico? Em setembro de 1964, a Atrium apresentou uma exposicao de Wesley corn trabalhos novidosos que seriam a vanguarda da epoca. A Atrium demonstrava assim que galerias inteligentes podiam já se desligar da estetica superada da "Gel - agar) Sombria" para apresentar, sem risos maiores, novos valores de pintura, preenchendo, assim, o seu papal de informadores culturais. Mais uma vez as jovens aplaudiram, enquanto as mais velhos reagiram; estavam, como sempre, ocupados em defender indignados suas origens culturais, suas convicgoes esteticas, ao hives de assimilar ideias inesperadas dos joyens. E que muitas vezes, ideias novas julgadas par padroes estabelecidos podem parecer esdruxulas e entao qual o dono-daverdade estabelecida arriscaria sua posicao em confortaveis chinelas de pehicia por uma ideia ainda nao confirmada pela voz da maioria. E preferfvel ficar superado, pois o time dos superados é major e, para quern gosta de seguranga, é sempre born ficar corn a maioria. Na mesma epoca da exposicao de Wesley na Atrium, Geraldo de Barros e Nelson Leimerjogaram para cima ou para tras suas antigas convicc5es esteticas para se unirem numa corajosa pesquisa de arte nova que resultaria numa original exposicao no ano seguinte na mesma Galeria Atrium.

Ainda em 1964, Nasser, Fajardo, Resende, Baravelli e Aieto que, movidos pelos acontecimentos auspiciosos dos dois anos precedentes, já confeccionavam suas imagens proprias, se dirigiram em grupo para o atelie de Wesley, onde praticaram com regularidade urn trabalho de aprendizado experimental. Nao havia, entao, locais onde urn artista de formacao pudesse buscar uma orientagao atualizada como existe hoje no curso dado par Flavio Imperio e Sergio Ferro na FAAP. Existiam somente cursos de formacao artesanal e tecnica, onde muitas vezes o élan criativo do jovem ficava definitivamente inibido. Em 1965 Resende foi recusado na exposicao do Jovem Desenho, por estar apresentando urn trabalho grande demais. Como se ve, por estas bandas ate tamanho pode ser base de criterio de selecao e triagem. 0 criterio de qualidade intrinseca é, via de regra, o que menos conta. 0 que Resende apresentava era resultado do trabalho experimental de Wesley. Neste mesmo ano foi a exposicao de Geraldo de Barros e Nelson Leimer na Atrium. Nelson vendeu urn onico trabalho para o Sr. Geraldo Loeb que o devolveu depois de trinta dias, dizendo que nao se adaptava as paredes de seu lar. Desde entao corre o boato de que os trabalhos de Nelson nao sao bons para o lar. A exposicao de Geraldo de Barros e Nelson Leirner causou impacto entre as jovens. Mais uma vez jovens aplaudiram, enquanto os mais velhos reagiram etc. Nelson Leimer, Geraldo de Barros e Wesley se retiraram, em sinal de protesto, da Exposicao Propostas 65 por considerarem in&agar) a etica a retirada de urn quadro de Decio Bar pelo Sr. Roberto Pinto de Souza, diretor da FAAP, acompanhado de ameaca contra o artista. A epoca era de revolucao, e o dito diretor confundiu premissas artisticas

corn politicas, violando o direito do artista. Em conseqUencia deste incidente, as mesmos artistas comecaram a se reunir para a formacao de urn movimento que visaria a defesa de interesses comuns. Participaram dessas reuni5es Geraldo de Barros, Nelson Leirner, Wesley, Fajardo, Nasser, Resende, Vlavianos, Tereza Nazar e Thomaz Souto Correa. Assim nasceu o Grupo Rex, foi Instituida a Rex Gallery e passou a circular regularmente o Rex Time, 6rgao inforMativo do movimento. Par nao concordarem com as propostas do Grupo Rex (vide Rex Time n. — artigo de Thomaz Souto Correa, intitulado "Aviso: E a Guerra"), retiraram-se do grupo Vlavianos e T. Nazar. Em junho de 1966 o Grupo Rex inicia as suas atividades pUblicas corn a inauguracao da Rex Gallery, evento que foi honrado corn a presenca de autoridades ern geral, expoentes culturais e priblico seleto. Os membros do Grupo Rex marcaram a sua originalidade ostentando gravatas multicoloridas e floridas. Jovens paulistanos comemoravam corn muita euforia o acontecimerito. Para todos parecia estar nascendo uma nova era no mundo das artes paulistanas. Uma era jovem, vivida, brilhante, vibrante.Talvez fosse uma instintiva esperanca de atualizacao do public° jovem de Sao Paulo pensar assim. Evidentemente, as senhores da "Geracao Sombria", disfarcados de agentes funerarios, rogando praga a distancia, mais uma vez mal entendendo do que se tratava, tomavam o movimento par uma vasta brincadeira. Como conseqiiencia os membros do Grupo Rex foram classificados no grande e implacavel Catalog° dos "donos-da-verdade-im6vel" coma "Rex-rapazes gozadores perniciosos". Aqueles que se servem sempre do implacavel Catalog° como seu guia no mundo das axles, inevitavelmente, nao procuraram

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mais entender o que os Rex realmente pretendiam. Assim, para uma vasta area de public°, a tentativa de comunicacao que era a proposta dos Rex falhava logo ao nascer. 0 recuo historic° de apenas urn ano deixa este fato bem clam. A inauguragao da Rex Gallery seguiu-se urn intenso programa cultural que pretendia tomar as pesquisas individuals de certos artistas mais compreensiveis para o paha) interessado. Para este fim o critico Mario Schenberg foi convidado a fazer conferencias sobre a situagao da arte de vanguarda no Brasil, esclarecendo sobre o desenvolvimento das tendencias contempo'teas de arte em nosso pals e no exterior. Mais tarde apresentaram-se, em duas ocasiOes, filmes experimentais produzidos porThomaz Farkas, visando familiarizar visualmente o public° corn tendencias paralelas do cinema brasileiro. Nesta epoca iniciaramse intimeros contatos, especificamente corn jovens universitarios, quando se discutiram as tendencias expressas pelo Grupo Rex. Houve tambern a exposigao Flash-back que tinha a intencao de exprimir as origens individuals dos artistas pertencentes ao grupo. Poucos foram os que alcangaram o significado desta e)qposicao. Ali estava uma quantidade de obras-disparates, que demonstravam perfeitamente uma posigao comum a quase todos os artistas. A falta de informacao no periodo de formagao determinava uma valorizacao excessiva das poucas informacoes chegadas cu monopolizadas pelos meios de divulgagao. Isto acontece nos paises subdesenvolvidos, principalmente, e vai inibindo os delicados achados individuais de artistas que no periodo de formagao sac) declarados corn grande timidez. Ao sentir que seus achados localinos nao sat percebidos pela critica (que sofre de problemas similares, caracteristicos de paises "sub"), os artis151

tas tentam se colocar dentro das tendencias internacionais, o que muitas vezes conseguem corn grande desenvoltura, chegando a transcender os limites locais sem que mesmo a critica local tenha percebido o que aconteceu. Dal entao o major sucesso de alguns de nossos arlistas corn a critica de fora do que de dentro de nosso pals (santo de casa...). Logo mais os Rex, prestando uma homenagem as nossas bases culturais ainda nao homologadas e tentando estabelecer uma Iigação entre os primeiros movimentos de vanguarda e o Rex, convidam Flavio de Carvalho para conferencias sabre um tema a sua escolha. Flavio falou sobre a dialetica da moda, tema ainda virgem nos centros da moda mundial. Pam os pouco informados, Flavio de Carvalho é apenas urn excentrico; para outros, que tentam estar mais atualizados, Flavio é o mais caracteristico expoente da vanguarda da arte o Brasil. (Nota da redagao: é uma pena que Flavio de Carvalho tenha nascido no Brasil; isto causou urn an -aso de pelo menos cem anos na compreensao da obra deste artista.) Em seguida, foi realizada a exposicao Descoberta da America, na qual se procurou ligar as tendencias do Grupo Rex corn as movimentos contemporaneos. 0 titulo deixava inequivoco a origem destes movimentos. Ac mesmo tempo foram exibidos tres filmes culturais e documentarios, nos quais se destacavam perfis e o trabalho de artistas como: Jim Dine, Lichtenstein, Warhol, Newman, Noland, Stella e Poons. Foi tambour ampliado o alcance de atividades do Grupo Rex coma admissao de Oliver Perroy, de Sao Paulo, e Roland Cabot, do Rio de Janeiro, para o grupo. Continuando corn a politica cultural estabelecida, foram iniciados no ano de 1967 corn uma exposigao especial do grupo de

alunos da FAAP que refletiam as suas primeiras obras, objetivos comuns aos do Grupo Rex. Deveria seguir-se no ano de 1967 uma serie de exposicoes individuals de artistas convidados pelo Grupo Rex, entre as quais: Samuel Spiegel, Luiz Paulo Baravelli, Flavio Imperio, e tambem outros membros do Grupo Rex: Wesley, Cabot, Resende, Farjado e Nelson Leimer. Este amplo programa fica inten-ompido devido a saita dissolugdo do Grupo Rex. Os motivos declarados

3Q—Situacao financeira anormal que atravessa o Pais, que reduziu a niveis infimos as compras de obra de arte. Lembramos que aqui a critica especializada se limitou a publicar um pequeno ardgo em que analisava os inUmeros trabalhos expostos pelo grupo, interpretando as mesmos "coma brincadeiras". Houve tambern urn critic° que, tentando se justificar aos Srs. Geraldo de Barros e Nelson Leimer pelo fato de nao escrever mais sobre as exposicoes do

Balanco de urn ano de trabalho 1966-1967 Entradas Comiss6es auferidas pela venda de trabalhos (30%)

253,00

Des pesas

Gastos corn ordenados Gastos corn exposicees Diversos Gastos corn conferkncias

757,50 3-469,80 303,84 402 ,45

.

Total das despesas

5.933,59 253,00

Total das receitas

5.680,59

Prejulzos

da interrupcao de atividades do Grupo Rex ficam sendo as seguintes: — Dificuldades financeiras como demonstra o balanco anexo. Escassez de public°, provavelmente par causa da insuficiente cobertura dos meios de divulgagao especializados durante as verias manifestag6es. 22

grupo, disse que era em virtude de a Galeria se localizar "ionge do centro e por so ter duas horas por semana para visitar exposigees em Sao Paulo, pois que, residindo e trabalhando em Santos, na Ribuna daquela cidade, nao dispunha de mais tempo para suas criticas". Vimos tambem o Sr. Arnaldo Pedroso Horta a se limitar a apenas uma citacao das atividades do Grupo Rex, esquivando-se de

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uma analise mais profunda dos mentos positivos ou negativos dos trabalhos apresentados, e tambem considerando "como divertimento as exposicoes" dos "alegres rapazes do Rex". Jose Geraldo Vieira, da Folha de Soo Paulo, falhou na sua miss d- o jomalfstica de informagao ao demonstrar uma total ignorancia das atividades do Rex. Assim, oriundos de incidentes individuais e proficuos como frustragoes, incompreensaes e esperancas, artistas diversos, convergindo de estradas diversas, deram urn show. A plateia ficou silenciosa, nao riu nem aplaudiu (salvo uma minoria de jovens). Ent5o os artistas se vao em silencio, cada qual para seu lade. 0 que sera que aconteceu? Seri que os artistas falharam? Ou é o püblico que é indiferente ou impermeavel por deficiencia hereditaria? E cedo para concluir. 0 Unico fato concreto que fica obvio: é a vala que ha entre as intengoes dos artistas e o que o public° percebe destas intencoes. Para finalizar dois ditos (pouco populares): "Depois do dihivio, a lama." "Le serieux est le bouclier des sot."

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Em nome de seus editores, o Rex Time apresenta publicamente os seus agradecimentos as seguintes personalidades, que desinteressadamente deram apoio ao Rex favorecendo, portanto, o enriquecimento cultural de nossa pauliceia: Cotrim (fundador do Joao Sebastiao Bar) Clovis Graciano e Emi Bomfim (fundador da Galeria Atrium) Vitor Gandelmann (provedor da Galeria Seta) P.M. Bardi (criador, redator, editor, paginador, patrocinador, historiador, reporter, desenhista, mentor do Mirante das Artes) Na imprensa: Marshner d'O Estado de S. Paulo Claudio Abramo e Moacyr Costa Correa das Fol has Quirino da Silva dos Diarios Tereza Monteiro e Mine Carta dolonial da Tarde Mariza Alves Lima d' 0 Cruzeiro Os cronistas: Marcelino de Carvalho Alik Kostakis Maria Aparecida Saad

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Teoria da guerrilha artistica DECIO PIGNATARI uando o guerrilheiro Oswald de Andrade — guerrilheiro da idade industrial — faz urn discurso sobre a politica cafeeira, pinta urn quadro assinado Bostoff, faz "pesquisa alta" em antiliteratura e liga a Paulo Mendes de Almeida, para que este lhe "resuma Proust" ao telefone, pois precisa preparar corn urgencia uma tese universitaria, esti procedendo como urn homem dos novos tempos, antropaago retribalizado devorando a divis5o do trabalho e a especializagao. A aceleragao do processo de informagao e comunicagdo vai arrebentando os sistemas lineares e instaurando sistemas de informag5o instantanea, que tendem a implosao (compress d- o da informagao, sintese) assim come os primeiros tendiam a explosao e a expansao (Marshall McLuhan). Nos processos lineares, os nexos de causa e efeito sao vinculados a logica aristotelica verbal. Já nos processes constelacionais ou abertos — onde o que importa sac) as propriedades de totalidade, como diz Wolfgang Wieser — "uma causa e efeito podem, para quem olhasse a totalidade do universe, ser tomados urn pelo outro, como que trocando seus papeis" (Valexy, sobre o Eureke, de Edgar Poe). Pecado maior que as literatos atribuiam a Oswald: era urn homem que "nao Ea". Ainda

bem! Lema de Paul Valery para uma biblioteca: "Plus &ire que lire". Nada mais parecido corn a constelacao do que a guerrilha, que exige, pot sua dinarnica, uma estrutura aberta de informacao plena, onde tudo parece reger-se por coordenacdo (a propria consciencia totalizante ern acao) e nada de subordinacao. Em relacao a guerra classica, linear, a guerrilha é uma estrutura movel operando dentro de uma estrutura rigida, hierarquizada. Nas guerrilhas, a guerra se inventa a cada passo e a cada combate num total descaso pelas categorias e valores estrategicos e taticos já estabelecidos. Sua forga reside na simultaneidade das ageles: abrem-se e fecham-se frontes de uma hora para outra. E a inforrnagao (surpresa) contra a redundancia (expectativa). Nas guerrilhas, a estrutura parece confundir-se corn os proprios eventos que propicia — e a estrategia corn a tatica. E uma estrutura que se rege pelo sincronismo. E uma colagem simultaneista miniaturizada de todas as batalhas de uma grande guerra. Nas guerrilhas, as tropas, se de tropas se pode falar, n5o tomam posicao para o combate; alas est5o sempre em posigao, onde quer que estejam. E faiscam nas surpresas dos ataques simultaneos, num calculo de probabilidades permanente que eluda a expectativa do inimi-


go. Estruturalmente, a guerrilha já é projeto e prospecto, já é design que tern por designio uma nova sociedade. Haroldo de Campos, no Congresso do Pen, em New York, 1966: "Acabou-se o tempo dos literatos!" • Augusto de Campos lembrando o lema valeryano para o "Esbogo de uma serpente": Je mords cc que je puis. E o poeta Pedro Bertolino la de Florian6polls, citando Heidegger de perrneio: "A vanguarda artistica 56 se impee e so pode ser concebida como antiarte, isto é, como hivestigagao que origina para si a base em que se baseia, constituindo sua propria negacao e, portanto, superando-se indefinidamente para ser sempre presente." Os novos filosofos, psicologos e sociologos ainda nao tern formagao matematica e cientifica, e sim "humanistica". No entanto, já nos bancos universitarios, aprendem a adotar uma postura "cientifica". Fingem, por exemplo, menosprezar a literatura — mas sac) literatos. E ha uma palavra que para eles é a mais cientifica de todas: humildade. E preciso ter humildade: e preciso primeiro dominar todos os sistemas filosoficos, psicologicos e sociologicos, pan so entao comecar a filosofar, a psicologizar e a sociologizar. Em conseqUencia, vivem a tomar notas, aguardando o grande momento. Mas eis que de repente lhes surge pela frente urn pensador europeu da nova geragdo — Foulcault, por exemplo — que !hes fala corn o major desembarn() de Mallarme, Joyce, a lei dos "quanta" e a "Teoria da Informack". Nao sabendo como lhe fazer as perguntas vivas do debate, s6 Ihes resta tomar notas. Humildemente. Em nosso sistema universitario, tudo conduz ao ensino motto e nada a criagao. Por exemple a Teoria da Informagao e da Comunicagao — que foi introduzida como discipli158

na no ensino brasileiro pela Escola Superior de Desenho Industrial, da Guanabara, 1964, e para a qual preparei o primeiro programa, hoje já vai correndo risco, em todas faculdades, de se transformar num incrivel compelsito de psicologismo, relacfies palicas e metodos audiovisuals, entregue que esta aos azares da ignorancia, da burocratizacao e da politica tacanha da carreira e do carreirismo • universitarios. Nada mais parecido corn a guerrilha do que o processo da vanguarda artistica consciente de si mesma. Na guerrilha, tudo é vanguarda e todos as guerrilheiros sac) vanguardeiros. E cada mosquito. E cada arvore. E cada gesto. SO a guerrilha é de fato total (excluindo-se a afornica...). Conste1ac5o da liberdade sempre formando. Já repararam como as toupeiras lineares do sistema concedem em dar importancia teorica a poesia concreta, para logo em seguida reclamar de sua falta de "resultados"? Oportunismo do sistema em busca do equilibrio: como milhafres no restolho ou albatrozes na esteira alimentar de urn barco, acreditam urn dia suprir a "lacuna", realizando as "obras" que as poetas concretos teriam deixado de realizar! Incapazes de perceber estruturas, nao percebem que a "obra" da poesia concreta é tudo: confunde-se corn os seus percursos, corn os seus roteiros, corn o seu processo de constelacao /novel. A visa° de estruturas conduz a antiarte e a vida; a visao de eventos (obras) conduz a arte e ao distanciamento da vida. Vanguarda ja n5o pode ser considerada como vanguarda de urn sistema preexistente, de que ela seria ponta-de-lanca ou cabeca-de-ponte. Ao contrario, hoje ela se volta contra o sistema: — é antiartistica. Vale dizer, configura-se como metavanguarda, na medida em que toma consciencia de si mesma

coma processo experimental. Metavanguarda nao é sena. ° outro name para vanguarda permanente.Tenha-se uma visa. ° sincronica do processo. Mallarme ainda é vanguarda, pois nao se manifestou apenas como evento, mas deflagrou urn processo no campo literario e artistico. E este processo ainda esta Ionge de se esgotar, pois a sua taxa de informagab ainda é alta em relacao a redundancia do sistema existente. A quantidade de ismos gerou uma nova qualidade, que continuamos a chamar vanguarda, mas que é algo novo, pois se trata da vanguarda como sistema, que assim recupera, pan a arte, seculos de atraso em relac5o a ciencia, que sempre teve a experimentacao como processo inerente a sua propria estrutura e desenvolvimento. Arte — Comunicac5o de controle analogicosensivel. Num sistema, convem distinguir entre estrutura e eventos propiciados por essa mesma estrutura — o que corresponde a distinc5o que se possa fazer entre estrategia e tdtica. A informacao esti do lado da estrutura, a redundancia do lado do evento. E par isso que o establishment absorve mais facilmente eventos do que estruturas. A difus5o de estruturas é sempre mais dificil, dada a sua taxa maxima de informacao. Vai sem dizer que, em geral, a sua absorcao ameaca de destruicao a estrutura absorvente. Ja na decada de 40, crew, Oswald de Andrade desejou lancar no Rio de Janeiro um nova projeto ou movimento artistico, que se denominaria alga assim como "Projeto Zumbi", pelo qual propunha uma especie de frente ampla dos artistas modernos, no sentido de organizarem uma resistencia sistematica — ate o Ultimo homem — a todas as tentativas de institucionalizacao (absorcao) da arte moderna. Segundo me inforrnou Porn-

peu de Souza que ficou encarregado da redacao final do Manifesto Zumbi (n5o sabemos se foi sequer publicado) e que serviu de mediador nas tratativas, a frente ampla nao pode ser formada porque os intelectuais solicitados a julgaram uma manobra de Oswald para se reaproximar e fazer as pazes corn Mario de Andrade ad barn composto corn o sistema, diga-se de passagem). De outra parte, sabe-se que Murilo Mendes respondeu a "Zumbi" corn uma blague: "Seria mais revolucionario fundar novamente a Academia Brasileira de Letras." No entanto, a proposta de Oswald era historicamente correta e trazia no seu bojo a possibilidade de uma verdadeira "revolucao cultural", destinada a impedir a sedimentacao e a diluicao das conquistas de 22 e a desentorpecer os seus membros. 0 "Projeto Zumbi" se insere no processo geral da vanguarda, deflagrado no seculo passado sob a pressao da revolucao industrial, processo esse que vem estabelecendo urn desenvolvimento marginal da arte em relacao ao sistema artistico estabelecido e em oposicao a ele. Sua estrutura dinamica 56 é significante dentro de uma visada sincronia, ou seja, simultanea e nao cronol6gica. Mas, por ora, se alguem conta ningu6m canta esse Zumbi. Cantarao, p0rem: A massa ainda camera do biscoitofino que fabric°. (0. Andrade). A sua peca 0 rei da vela sera montada por Jose Celso Correa, em agosto proximo, para espanto e escarmento de todos as lineares teatrais. A vulnerabilidade do sistema se acentua sob o impacto dos novas media (veiculos ou meios de comunicacao). Veja-se coma a critica de cinema é mais aberta do que a teatral, como se envolve mais na analise da linguagem (estrutura) e menos na lingua (eventos). A televis5o avanca sobre o cinema: recursos corriqueiros da televisao

kr.

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TEORIA DA GUERRILHA ARTISTICA - DECIO PIGNATARI

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set-jam considerados de extrema vanguarda no cinema: pense-se, por exemplo, na riqueza e na eficacia de um simples comercial de apenas trinta segundos! Na televisao, a compreensao da informacao vai de par corn a quantidade e multiplicidade de eventos que, por isso mesmo, deixam a mostra a sua estrutura. Mosaico de informagoes. 0 controvertido e fascinante livro de Marshall McLuhan, Understanding media (Cornpreendendo os veiculos) se ap6ia numa das ideias basicas de cibemetica (Wiener): a organizacao é mensagem. Bern misturadas corn algumas ideias antecipadoras de Nietzsche (sem esquecer o afilhado Spengler): "Nada existe fora do todo." - "Geralmente se considera a consciencia como conjunto sensorial e como instancia superior: no entanto, ela é somente urn meio de comunicactio, que se desenvolveu ins relacoes, em consideraquo aos interesses de relagao". A vanguarda nega o preexistente para criar uma nova totalidade. E vanguarda do pensamento brut° gerador de novos conceitos (A. Moles) e nao das milicias do conhecimento já codificado. Os conhecimentos ja codificados nutrem o impulso pot meio da Information retrieval e a recuperagao da informacao depende dos dados armazenados, da escolha que deles se faz, e, principalmente, dos projetos ou criterios de operacao. Estes dois altimos aspectos envolvem atos decisorios, que sao atos criativos, hoje, sistematicamente estudados pela neuristica, ou Teoria da Decisao e da Descoberta. A ampliacao do repert6rio, pois, nao depende apenas do nUmero de dados armazenados, mas da capacidade de decisao e invencao sobre a sua selecao e operacao. Ou seja, da sua capacidade de linguagem. Era de vet, mais do que revolta, a surpresa de Edoardo Bizzarri, ante o absenteismo 'Co

da critica e do pUblico em relacao ao espetaculo que montou, ha poucas semanas, em Sao Paulo, sobre o Teatro Sintetico Futurista. Tentou tirar-lhe a contundencia, talvez, apresentando-o como "documentario ilustrado" e fiando-se no coxim amortecedor de meio seculo de decalagem. 0 adido cultural italiano desejava que a critica de teatro se manifestasse sobre o seu espetaculo, ainda que o futurismo servisse de mero pretexto. Talvez tenha aprendido que a vanguarda, como processo, nao se presta a pretextos, visto como o metateatro. futurista, pela extrema compreensao, provoca a mutacao de quantidade em qualidade, acabando corn o teatro, tal como é comumente entendido. Ora, os criticos teatrais somente o sao na medida em que deixam claro aos seus leitores que ja sabem o que seja teatro, reset -vando-se como principal funcao o julgamento da qualidade do espetaculo e a distribuicao de mentos e dementos. No momenta em que deles se exige uma tomada de posicao reflexiva fundamental, que os engaja no proprio processo de teatro, obrigando-os a indignagao "que é teatro?", é ethyl° que, nao sendo tatus, se mancam e se mandam, sob as mais variados pretextos. 0 professor Bizzarri teve de aprender, as suas custas, que linguagem e praxis, como diz o velho Sartre e que, em arte como alhures, a revolugao de estruturas marginaliza... Nao as coisas, mas as relacoes entre as coisas. Nao os eventos, mas a estrutura. Contrariamente aos que julgam estar aderindo ao 6bvio ululante, a figura, na ane ocidental, nao é "contendo", mas sistema linear de estruturar a mensagem. A divisao classica do corpo humano - cabeca, tronco e membros - corresponde a triparticao do dis-

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- Por que? - Nao entendi nada. 0 gostar como funcao do sigthficado (reconhecimento), o significado como funcao do reperthrio (conhecimento). 0 equivoco de Glauber Rocha, em Terra em TYanse, reside no fato de que nao soube criar o hibridismo entre dois velculos. Enquanto a imagem se estrutura pelo simultaneismo (liquidacao de principio-meio-fim), a "poesia" se organiza pelo linearismo. A figura do poeta serve de "fio condutor", para conferir "significado" a mensagem. Exemplo mais do que evidente de que o oadigo verbal (verbalismo) logico-discursivo ainda comanda aquilo que se costuma chamar de "o mundo dos significados", fundonando como verdadeira ideologia. Observe-se que a poesia, no Comunicar é codificar a realidade. Assim coma s6 se deseja e se defende o filrne,é poesia escrita e nao lida ou oral. Glauber deveria ter exercido sua criacao que se conhece e nao se luta pelo que nao se conhece - afirmagao que implica o reconhe- na vOz, numa poesia puramente oral, cimento da enorme forca e significado da simultaneizando-a (velculo "frio" que é, a voz redundancia em qualquer sistema e, dal, da convida a participacao "quente" - no sentidificuldade de introducao do signo novo - do de temperatura informadonal), pot meio assim tambern toda arte, inclusive a parti- de superposicaes e distorcoes, como Dib cipante, que rejeite a revolugao de estrutu- Lufti fez corn as faces, para obter efeitos operas é, por definicao reacionaria. Dizem Marx, risticos de grotesco empolado. Quanta a poLenin &Wiener: so a estrutura é informagao. esia, ela se vincula a uma certa lirica vigenNao compreender a funcao da tecnologia - e te ha uns cinco lustros, de que o pr6prio tilinguagem tambern é tecnologia - na revolu- tuba do filme é exemplo. As mentalidades lineares buscam "resulcao das estruturas é o mesmo que considetados" onde eles nao podem ser encontrados, rar o surgimento de Marx durante a revolucao industrial como uma aparicao surrealis- pois a estrutura simultanea deslocou suas ta. Ainda bem que alguns dos nossos politi- coordenadas. Procuram tipos quando devecos e ideologos de esquerda, urn pouco mais riam buscar protatipos. Seurat revolucionou perspicazes, já comecaram a considerar o o impressionismo (pintava de noite - suprema heresia!), morreu jovem e deixou urn Brasil como "universo industrial". 'Amen) diminuto de "obras", a major parte 0 problema comum da comunicacao ar- das quais em "esboco" - mas volta e meia encontramos "resultados" de Seurat nas fotistica: tos em cores das revistas de grande tiragem. - Gostou do filme? 0 Lance de Dados, de Mallarm6, tem apenas - Nao

curso: sujeito, predicado e complementos. Por isso, nao é men coincidencia que a aparicao de estruturas simultaneas na arte modema (cubismo, por exemplo) tenha implicado a destruicao da figura, como destruiu o verso e a melodia: o que se destruiu foi a logica discursiva e todo o seu embasamento verbal. A colagem nao é senao cubismo ready-made levado a faixa da simultaneidade semantica: e uma arte cubista eventual. Encontramos na era da desverbalizacao que, tanto para Oswald de Andrade coma para Marshall McLuhan, é a era da retribalizacao do homem (sistemas lineares separam, sistemas mosaicos ou simultaneos agrupam).

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19 paginas, mas equivale a Diuina Cornedia. mesmo tempo uma arte de producao e uma Quantas obras deixou Mondrian? Alguns de arte de consumo. Respondi que, em cultura, seus "resultados" sao encontrados na ma, a guerra classica, uniformizada e de desennos corpos das mulheres, sob a forma de volvimento linear, nao é praticavel pelas forvestidos. Webern destruiu a melodia, a la gas radicais minoritarias. Ataca-se onde se mallarme, e deixou apenas 32 obras de cur- deve e pode (desde que se tenha urn projeta duracao — mas esta na raiz de toda mUsi- to aberto, que permita acaes simultaneas). ca de vanguarda. Superando o tipo (obra em S6 a estrutura nova é significado novo. E desenvolvimento linear), esses artistas pre- agao nova. nunciam o advento do prototipo de desenho Estrutura: malha de relacaes entre eleindustrial. Esta foi tambem a preocupacao mentos ou entre processos elementares. de Klee: passar do tipo ao protatipo (obra "Sem comunicacao, nao ha ordem — sem orcuja estrutura preve sua propria reprodu- dem, nao ha totalidade" (XV Wieser). Infercao). Nem é outra a preocupacao dos anis- magao: medida de ordem de urn sistema. tas mais avancados de novo tempo. Ordem: diferenciacao de formas e funcoes. 0 poeta é urn designer da linguagem — nao Caos: desdiferenciacao de formas e fungoes um artesao. Cria prototipos de liguagem. (tendencia entropica e redundante). EntroNao tipos. pia: medida de desordem de urn sistema. Os Beatles indo do evento (consumo) Esta teoria (se for uma) é tanto minha a estrutura (producao): Paul McCartney quanto de Augusto de Campos. Que, no eninteressando-se pela musica elan:Mica de tanto, pode nao subscrever, necessariamenStockhausen! te, tudo o que aqui vai — funcionando eu, 0 jovem arquiteto, aluno do curso de p6s- assim, como um escriba a todo risco e escregraduacao, estranhou que eu defendesse ao vendo com muitas penas ao mesmo tempo.

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Arte Correio

PAULO BRUSCKY rte Correio surgiu numa epoca onde a comunicacao, apesar da multiplicidade dos meios, tornou-se mais dificil, enquanto que a arte oficial, cada vez mais, acha-se comprometida pela especulacao do mercado capitalista, fugindo a toda uma realidade para beneficiar uns poucos: burgueses, marchands criticos e a maioria das galerias que explora os artistas de maneira insaciavel. A Arte Correiro (Mail Art), Arte por Correspondencia, Arte a DomicIlio ou qualquer outra denominacao que recebe não é mais urn "ismo" e sim a saida mais viável que exista pan a arte nos Ultimos anos e as razbes sao simples: antiburguesa, anticomercial, anti-sistema etc. Esta arte encurtou as distancias entre povos e paises proporcionando exposicaes e intercambios corn grande facilidade, onde nao ha julgamentos nem premiacoes dos trabalhos, como nos velhos salees e nas caducas bienais. Na Arte Correio a arte retoma suas principais funcoes: a inform acao, o protesto e a denuncia. Os envelopes/postais/telegramas/selos/ cartas/etc., sao trabalhos/executados corn colagens, desenhos, ideias, textos, xerox, propostas, carimbos etc. e enviados ao receptor ou receptores, como é o caso do Postal

Mattel, que depois de passar pelas maos de divers as pessoas/paises, retorna para o transmissor. 0 Correio é usado como veiculo, como meio e como fim, fazendo parte/ sendo a pr6pria obra. Sua burocracia é quebrada e seu regulamento arcaico é questionado pelos artistas. Enviar uma escultura pelo correio nao é arte correio: "quando se envia uma escultura pelo correio o criador limita-se a utilizar urn meio de transporte determinado para transladar uma obra já elaborada. Ao contrario da nova linguagem artistica que estamos analisando o fato de que a obra deve percorrer determinada distancia faz parte de sua estrutura, é a prapria obra. A obra foi criada para ser enviada pelo correio e este fato condiciona a sua criacao (dimensoes, franquias, peso, natureza da mensagem etc.)". Este trecho do artigo "Arte Correio: uma nova forma de expressao" dos artistas argentinos Horacio Zabala e Edgardo Antonio Vigo, define muito bem a utilizacao/ veiculacao do correio como arte. Afora os problemas caudados pela burocracia ultrapassada dos correios, existe, quase que exclusivamente na America Latina, as dificuldades corn a censura, que fechou, minutos apas a sua abertura, a II Exposicdo Internacional de Arte Correia, realizada no dia 27 de agosto de 1976, no hall do edificio-


sede dos correios do Recife (Brasil), pie patrocinou a mostra. Esta exposicao, que contou corn a participagao de vinte e urn paises e tres mil trabalhos, so chegou a ser vista por algumas dezenas de pessoas e, alem da exposicao, os artistas-correio brasileiros Paulo Bruscky e Daniel Santiago, organizadores do evento, foram arrastados para a prisao por tres dias, enquanto os trabalhos so foram liberados depois de urn mes e afora os danos, varias pegas de artistas brasileiros e estrangeiros ficaram retidas ate a presente data. 0 outro fato absurdo ocorrido dentro das "repressoes culturais" na America Latina foi o aprisionamento, pelo govemo do Umguai, dos artistas-correio Clemente Padin e Jorge Carabalo deste 1977 ate 1982. Em abril de 1981 o artista-correio Jesus Galdamez Escobar foi seqiiestrado pela forga militar ditatorial de El Salvador, so nao foi assassinado porque conseguiu fugir e exilar-se no Mexico. E sempre assim, os que pretendem ser "donos de cultura" tentam impor sempre os seus "metodos". Totna-se dificil determinar a origem da Arte Correio. Em seu artigo "Arte Correio: uma nova etapa no processo revolucionario da criacao" (1976), o artista-correio Vigo cita Marcel Duchamp como urn pioneiro de Arte Postal: "Nosso proposito é apresentar agora o que consideramos urn "primitivo" da Arte Correio. Sao duas pegas. A primeira se intitula "Cita do Domingo 6 de fevereiro de 1916", Museu de Arte da Filadelfia (U.S.A.) e consiste em urn texto a maquina, sobre quatro cartoes-postais pegados borda corn borda, e a segunda "Podebal Duchamp", telegrama datado em Nova York a r° de junho de 1921 e que fora enviado por Marcel Duchamp ao seu cunhado Jean Crotti. Seu texto é intraduzivel: peau de balle et balai de aim! e é a resposta ao "Sala° Dada/

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Exposicao Internacional" que se celebrava em Paris na Galeria Montaigne, organizado por Thstam Tzara, previa negativa de par& cipar no mesmo e que fora comunicado por carta enviada corn anterioridade ao referido telegrama. E uma vez mais devemos situar a figura de Marcel Duchamp em processos atuais. Esse gerador de "artetudo" faz-se presente tambem nas Comunicagoes marginais. Apesar das experiencias de Duchamp (Cita no domingo 6 de fevereiro de 1916 e PODEBAL DUCHAMP, i ° de junho de 1921) e de Mallarme (que escreveu em envelopes os enderegos dos destinatarios em quadras poeticas que contavam corn a boa vontade dos empregados dos correios pan decifrar seus enigmas poeticos). A Mail Art surgiu na decada de 6o (atraves do Grupo Fluxus e so veio a tomarimpulso a partir de 1970. De acordo corn as pesquisas realizadas, farei urn pequeno historic° de alguns fatos importantes: a) primeiros artistas a utilizarem a Arte Correio: 196o — 0 Grupo Fluxus (USA) foi o que pela primeira vez usou a veiculagao do postal como elemento de comunicagao criativa. Entre os componentes do grupo, destaca-se a atuacao do artista Ken Friedman. Armand Femandes (Arman): utiliza o meio de comunicacao postal remetendo, como convite a sua mostra La plwin (Galeria Iris Cleft) outubro de 1960, uma lata de sardinha. 1961 — Robert Fillou: desde Paris envia

seu "Estudo para realizar poemas a pouca velocidade" convites a subscrever para receber no futuro uma gene de poemas, possibilitando tambem a realizacao do tipo de poemas pot ele anunciados. Ray Johnson, nos Estados Unidos, produz um classic° de tendencia, escreven1963

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do no envelope uma carta tanto no seu verso como no reverso. Quebra assim o conceito de "privado" e produz o "estado pUblico" das suas aparentes intimidades em dialogo como urn terceiro que ate este momento era de carter privado. 1965 — Chieko Shiomi realiza uma proposta postal que deve ser respondida e devolvida pelo receptor. Corn estas respostas dara forma a sua obra: "Poema espacial n°1". 0 texto de sua proposta e o seguinte: UMA SERIE DE POEMAS ESPACIAIS: N°

pot Fletcher Copp, USA/1975-76; Last International Exposition of Mail Art, organizada por EA Vigo E Horacio Zabala; ra Exposicdo Internacional de Arte Postal, organizada por Paulo Bruscky & Ypiranga Filho, Brasil/1975; International Rubber Stamps Exhibition, organizada por Garl Loeffler, USA/I976; Mail Art Show organizada por Mike Nulty, Inglaterra, 1977; Mail Art Exhibition International, organizada por Studio Levi Espanha 1977; Gray Matter, Mail Art Show, organizada por S. Hitchocock, USA 1978 etc.

I.

Escreva uma palavra (ou palavras) no cartao que segue junto a esta, e deixe-a em algum lugar. Paz-me saber qual 6 a palavra e o lugar para que eu possa fazer um piano corn sua distribuicao sobre o mapa do mundo, o qual sera enviado a cada participante. Chieko Shiomi. a) Devido a grande quantidade de exposicao de Arte Correio realizadas atualmente em todo o mundo citarei apenas as mais antigas e algumas mais recentes: N.Y.C.S Shouw, organizada por Ray Johnson, USA/ 1970; Bienal of Paris, organiz a da por LM Poinsot, Franca/1971; Image Bank Postcard Show & 1977 Touring"; Fluxshoe; Fluxus West na Inglaterra, 1971 e 1973; One Year, One Man Show, organizada por Ken Friedman, USA/ 1972; Omaha Flow Systemas, organizada por Ken Friedman,USA/73; Interna-tional Cyclopedia of Plans and Ocurrences, organizada por David Det Hompson, USA/I973; Artists Stamp and Stamp Imagens, organizada por Herve Fischer, Suica/1974; Festival de La Postal Creativa organizada pot Clemente Padim, Uruguay/1974; The Art, organizada pot Terry Pied & Nicholas Spill, Nova Zelandia/1974; rst New York, City Postcards Show, organizada

b) A partir de 1972 varios artigos comecaram a ser publicados, destacando-se entie eles: Albright, Thomas, "Correspondence: New Art School" Rolling Stones Magazine, USA/r 972; Alloway, Lawrence, "Send Letters, Postcards, Drawings, and Objects..." Art Jon nal/r977; Bowles, Jerry G., "Out of tie Geleny, into the Malibox" Art in America; USA 1972: Zack David, "An Authentik and Histotokal Discourse on the Phenomenon of Mail Art", Art in America; USA/1973; "Arte Correio: uma nova etapa no processo revolucionario da criagao", de Edgardo Antonio Vigo, Argentina/1976. c) Vedas publicagaes de Arte Correio surgem: OVUM, Ephemera, Running Dog Press, Starnps in Praxis, VIIE, Internedia, Cisorin Arte, Cabaret Voltaire, OR, Geiger, Orgon, Super Vision, Doc(k)s, Heut Kunst, Soft Art Press, Euzon de Arte, Front, entre varias outras que sao publicadas em diversos paises. Alem do livro Mail Art: Comumicagdo a Disteincia/Conceito do frances Jean Marc Poisot (1971), o artista norte-americano Mike Crane, publicou o livro A Breve Histeria da Arte Correio. Na arte por correspondencia o Museu cede lugar aos arquivos (parachute Center

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CRLTICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEtAPORANEAS ARTE CORREIO - PAULO BRUSCKY

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for Cultural Affairs/Canada, Samall Press Archive/Belgica etc.) e as Caixas Postais. Boletins Informativos sobre eventos e publicacoes em geral sao editados e remetidos aos artistas de todo o mundo, como é o caso do INFO editado par Klaus Groh do Intenational Artist Cooperaticm/Alemanha. Alen dos boletins, existem as "correntes", nas quais voce faz novos contatos, remetendo urn trabalho de Arte Postal para o I° nome da lista que é automaticamente excluido, sendo o 2 ° passado para o r°, 030 para 02° etc., e inclui seu nome em Ultimo lugar, tin cOpias, geralmerrte em tem de dez e envia a outros artis-

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tas, quando seu nome chega no I° lugar,voce comega a receber trabalhos de varios artistas de diversos 'Daises que voce nunca havia contactado. Existem ainda os slogans criados pelos artistas, como é o caso do artista correio alemao Robert Recheldt: "Arte é contato, é a vida na arte." 0 mamero de artistas correio aumenta dia a dia: o subterraneo estourou, tomando a arte simples. E lamentavel que alguns artistas quebrem esta corrente. Deixando de responder alguns trabalhos recebidos. A Arte Correio é como a historia da hist6ria nao escrita.

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Manifesto

GRUPO N.O. a presente situacao do movimento artistic° gaucho, onde o mercado de arte assume urn vulto nunca '; antes atingido, o respeito pelo paha:, levanos a necessidade de certas colocacoes esclarecedoras. Existe uma diferenca fundamental entre a eventual venda da obra de arte e a feitura da obra, especificamente para a venda, como urn produto que se condiciona a demanda comercial. NU° somos contra a venda da obra de arte. Nao aceitamos, isto sim, que o mercado dirija o movimento artistico. A venda nao é medida de qualidade da obra de arte, como prova a historia. 0 condicionamento ao mercado, leva o artista a uma produce° meramente artesanal - muitas vezes beirando um maneirismo, a repeticao e a urn conseqiiente esv,aziamento de conteados. Igualmente, manifestacoes que sob o rótub o de arte nacional tern como interesse primeiro o mercado de seus produtos, confundem ainda mais o public° quanto a discemir entre manifestacoes culturais legitimas e interesses de carater comercial e promocional. Propomos: - Criacao de uma mentalidade e de um contexto e clima abertos a manifestacaes

que nao procurem contentar partes, mas sejam o documento vivo de uma criacao embasada em novos caminhos e ideias. - Urn trabalho que antes de ter como supone qualquer veiculo material e sua habil manipulacao, seja produto de uma consciencia critica atuante. - Operacties artisticas que sejam verdadeiros centros transformadores da consciencia, e nao manifestacoes coniventes corn um dirigismo mercadologico deformador de valores. - Uma visa° locida do papel do artista no seu contexto social e de sua participacao construtiva dentro deste contexto. Carlos Asp Carlos Pasquetti Clovis Dariano Jesus R. G. Escobal Mara Alvares Romanita Martins Telmo Lanes Vera Chaves Barcellos Este texto foi divulgado por seus signatarios atrayes da impresa e corn pane da exposicao Atiuidades Continuos, entre os dias 9 e Jo de dezembro de 1976, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.


A genealogia do (nit) artista FREDERICO GOMES

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I Ar. ...

;9 mundo instavel da Modemidade se

ki: rs?: rz-

caracterizou, como se sabe, pelo esfacelamento da ordem visual funten g dada nas leis harmonicas da Perspectiva leis que, em filtima analise, traduziam os interesses da organizacao social burguesa. E, paralela e conseqiientemente a esta crise que afetaria a propria nocao de Arte, ocorreriam tambem os primeiros sintomas da Madequacao do artista aos moldes propostos pela sociedade. Uma situacao antes privilegiada era, agora, extremamente problematica; e dal a constante referencia modema a "obsessao" de Cezanne e a "loucura" de Van Gogh. E que em ambos a subjetividade do artista perde as prerrogativas totalizadoras sobre o objeto (vale dizer: sobre o real). A verdade e que - arte e/ou mercadoria desmontou-se desse modo o ilusionismo burgues de isolar e esgotar todas as possibilidades do objeto no mundo. Esta impossibilidade, recalcada pela metafisifca burguesa, aflorou obsessiva e loucamente na superficie das telas. Era uma luta contra a representacao em arte, contra o conformismo ilusionista e o academismo que abrigavam a ideologia renascentista das Belas-Artes. Luta desigual mas da qual a Modernidade sairia vitoriosa. Este tour de force das experiencias Midiais de Cezanne e Van Gogh teriam desdobra-

mento nos movimentos de Vanguarda do inicio do seculo. A tentativa cubista de apreender a multiplicidade do objeto no real chegou a ser tao obsessiva - quase caricatural - quanto a de Cezanne diante da mesma impossibilidade. Havia, por outro lado, muito de "loucura" na negacao surrealista e, sobretudo, dadaista da realidade objetiva. Contudo, esta situacao cheia de angtistia somente se modificaria corn a intervencao, no prOprio corpo "sagrado" das Belas-Artes, de urn novo e corrosivo modus operandi: a ironia estrategica de Marcel Duchamp. E que, sem se Lilian propriamente a nenhum destes movimentos, Duchamp produziria, corn sua antiarte, alguns lances estrategicos e decisivos que eliminariam, em seu ataque a Instituicao-Arte, os Intimos resquicios romanticos e racionalistas das vanguardas. Corn isto, ele tambern descartaria a imagem de artista do artesanato estilistico ao incorporar os ready-modes (escolha indiferenciada do objeto) a sua producao. Estes movimentos de vanguarda europeus exerceriam forte influencia no Brasil; a partir deles Tarsila, Di e Portinari, entre outros, iriam produzir o que as criticos denominariam, mais tarde, de "o estilo modemista brasileiro".Tivemos tambern artistas "inadequados" a ideologia dominante em arte


(Guignard, Pancetti, Goeldi, etc.) e nas decadas de 5o/6o foi a vez da nossa utopia racionalista. Mas foi precisamente al, corn o Neoconcretismo, que se deu uma importante mudanga referencial na relagao do espectador corn a obra de arte. Em contraposigao ao modelo passivo-contemplativo ainda vigente no Modemismo, o espectador agora participava ativamente do processo de conhecimento da obra. E seria a partir destas experioncias neoconcretas, por exemplo, que Lygia Clark e Hello Oiticica obteriam uma posigao destacada no desenvolvimento da arte brasileira contemporanea. As experiencias radicals de Lygia foram, inicialmente, uma critica aos conceitos tradicionais de pintura, suporte e percepgao da obra de arte. Ferreira Gullar refere-se a este periodo coma sendo "uma corajosa tentativa de dar na pr6pria experiencia perceptiva a transcendencia dessa experiencia".rA transcendencia se realizaria plenamente corn as Bichos- estruturas metalicas mos/els, "organicas" e espaciais onde Lygia, ao romper corn o tradicionalismo escult6rico, se diferenciaria tambem da imagem do artista enquanto produtor de objetos dados a percepcao. Ou seja: as Bichos possuiam organicidade propria; eram "nao-objetos" que, possibilitando a intervengao direta do espectador, revelavam mUltiplas transformagoes estruturais. E, assim, transcendiam a percepgao tradicional do objeto de arte. A seguir, ela ultrapassaria o prtiprio objeto: o artista agora é urn "propositor" de situagOes sensiveis em que a experiencia perceptiva esta localizada no proprio corpo do espectador. E, em seus Ultimos trabalhos neste sentido, ela abarcaria a nocao de piablico ou "corpo-coletivo" como elemento indissociavel do ato mesmo de realizagao das "proposicoes". Artista e public° de arte nao mais se diferenciam entre si: se con-

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fundem, se misturam. Sera, entretanto, corn os trabalhos "terapeuticos" - objetos relacionais operando no limite de tensao entre a pratica artistica e a pratica psicanalista, mas sem resgatar para si qualquer especie de positividade: cientifica ou de producao de "obras" - que este processo atingird seu climax. E Lygia passard, entao, a denominar-se "nao artista". Ora, se tradicionalmente o artista era quem produzia objetos de arte, comas "objetos relacionais" ele sera apenas o mediador de uma situagao totalmente alheia aos mecanismos institucionais que regulam o mundo da arte. 1st° porque ocorre, neste caso, uma interiorizagao e uma tal intimidade enta- e sujeito e objeto que lard corn que estes "objetos" somente se definam na medida em que se relacionam corn a fantasmatica do proprio sujeito que os vivencia. E, ao existirem fora da sociabilidade da arte, eles agem fora tambern dos conceitos cristalizadores que hierarquizam a pratica artistica. Neste sentido, o "nao-artista" estaria para o artista coma uma tela "inacabada" de Cezanne (ao deixar, por exemplo, o linho cm transparecer como parte construtiva da paisagem pintada) estaria pan o perfeccionismo academia) das Belas-Artes. Mas o que importa, afinal, é que ambos superam as condicionamentos institucionais que limitam as liberdades imanentes a agao do artista. Vejamos, agora, coma foi que Hello 016cica se posicionou diante da mesma questa°. Me tambem se referith ao artista coma sendo urn "propositor", mas, diferentemente de Lygia, se afastard de urn certo procedimento "culto" neoconcreto, optando por produzir seus trabalhos a margem do sistema de arte - alias, da propria sociedade. 0 simbolo desta condigao de artista marginalizado cultural e socialmente é a obra Cara de Caualos homenagem ao famoso bandido de

mesmo name morto pela policia. Esta opcao de Oiticica foi derivada, talvez da sua constatagao do pr6prio carater marginal da cultura brasileira e ira determinar sua critica etico-politico-social a qualquer aspiragao a uma "pureza abstrata". Para ele, o posicionamento critic° do artista implica inevitaveis ambivalencias: é "estar apto a julgar, julgarse, optar, criar, e estar aberto as ambivalencias, já que valores absolutos tendem a castrar quaisquer dessas liberdades"-. 3 Tais ambivalencias, é verdade, foram uma questa° constarite na produgao de Oiticica - inclusive gerando novas propostas perceptivas que promoveriam transformagoes comportamentais no public° de arte tradicional. Corn as Penetroveis, par exemplo, o espectador atuara no pthprio ambiente interior da obra e sua experiencia sensivel se dud ao nivel de multiplaS percepcoes: de car, de tato, de olfato, etc. Já corn as Parangoles (vestimentas experimentais), o artista rompe o cerco institucional ao retirar o trabalho de arte dos museus e galerias para o espaco exterior. Esta ida ao exterior (coma é o caso das experiencias corn as Parangoles junto a comunidade da escola de samba da Mangueira) é urn reflex° das suas preocupagoes corn a questa° social da arte. Divergindo da politica cultural preconizada pelos CPCs, de canter paternal e autoritaio, Oiticica concluird, a partir destes trabalhos realizados corn diversas coletividades, que a insercao da arte no social é resultante da tensao entre o "particular" e o "universal" (urn confronto entre a cultura local e as centros intemacionais), mas sem abdicar da especificidade da linguagem artistica. Par agir fora do ambito paternalista da cultura oficial e par seus trabalhos funcionarem coma urn indice revelador das convengoes e da extrema pobreza que constituem o nosso sistema de arte, Oiticica foi rotulado

apressadamente de "louco" e "marginal". Contudo, e inegavel que, mais do que CPCs, sua produgao artistica abriu novas espacos, novas possibilidades para o desenvolvimento da arte brasileira contemporanea. Neste sentido, apesar de suas aproximacees corn Cezanne (as experiencias corn as pigmentos), e Duchamp (as "apropriagaes" foram visivelmente influenciadas pelos ready-mades, duchampianos, alem de tambem denominar seus trabalhos de "antiarte"), é em Van Gogh, como ja observou Carlos Zilio sabre Oiticica, que encontratemos a mesma situagao de artista marginalizado pela sodedade, isto é, de artista intransigente "km qualquer forma de conciliacao corn a ideologia dominante". 4 Mas de que forma procedera o artista que, produzindo já no complexo espago da contemporaneidade se va diante de questoes institucionais semelhantes as experiencias par seus predecessores - de Cezanne a Oiticica? Vejamos este procedimento na analise da produgao de urn artista contemporaneo coma Cildo Meireles: a condigao do artista em Cildo ultrapassa as posigOes idealistas ainda detectadas no Model° neoconcreto e que transpareceriam em Lygia Clark e Hélio Oiticica, apresar do carter acentuadamente radical e transformador de suas respectivas obras. Isto porque sua acao nao mais se traduz par uma interferencia estetica no campo da Arte - lugar da intervengao do artista romantic° e racionalista.11 -ata-se, agora, de agir politica e estrategicamente ao nivel mesmo da Cultura. Ou seja: significa, contemporaneamente, urn desdobramento politico da interferencia estetica efetuada par Duchamp ac nivel da Arte. Mesmo ern trabalhos que ironizam o determinismo cartesiano da prioridade visual, já se percebe uma efetiva e ampla interferancia de reformulacao da Cultura. Em Eureka/Blindhotland e Blindhotland/Gueto, pot .

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

A GENEALOGIA 00 (NAO) ARTISTA - FREDERIC° COMES

A GENEALOGIA DO (NAO) ARTISTA - FREDERIC° COMES

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exemplo, ha uma proposta que, atraves da nocao de territ6rio, reorganiza o sistema referencial do espectador corn outros tipos de experiencias perceptivas: tactil, sonora, de densidade etc. Os paradoxos perceptivos que constituem estes ambientes contradizem fisicamente a prioridade do olhar, ja que nao ha correspondencias entre densidade e percepgao visual. Contudo, sera corn Insergoes em Circuitos Ideologicos - Projeto Coca-Cola (gravar nas embalagens de retomo informagoes e opinthes criticas e devolve-las a cifculacao) e Insercoes em Circuitos Antropologicos - Projeto Token (uma "receita" de como fazer fichas telefonicas, ou similares, corn caixas de fOsforos vazias, gesso e argila) que Cildo tera, em relacao ao social, uma postura mais radical. que estes trabalhos nao se definem mais pela percepcao de objetos artisticos nao se trata sequer da Percepcdo pois o que propOem é a propria agar) do espectador no sistema social ao tomarem visivel o simbolismo de praticas sociais. Neste sentido, Cildo arfimaria num texto de I970:"Tal como eu tinha pensado, as thsercees so existiriam na medida em que nao fossem mais a obra de

uma pessoa. Quer dizer, o trabalho so existe na medida em que outras pessoas o pratiquem. Uma outra coisa que se coloca, entao, é a ideia de necessidade do anonimato. A questao envolve par extensao a questa° da propriedade. Nao se trabalharia mais corn o objeto, pois o objeto seria uma pratica, uma coisa sobre qualvoce nao poderia ter nenhum tipo de controle ou propriedade."5A condicao do anista prescinde, agora, das nocoes mistificadoras que constituem o Sistema de Arte (Objeto, Mercado, Autoria etc.) para confandir-se estrategica e transgressivamente na pratica indeterminada . e transformadora da propria sociedade. Nao se trata, evidentemente, de sonho utopico de transformacao social atraves da Arte, mas de operar uma inteligencia estrategica de "sabotagens" ideologicas contra o circuit° estabelecido. Bern, ao fim desta analise sobre a condicao do artista nas sociedades moderna e contemporanea podemos verificar que, em sua luta contra os esquematismos intitucionais e reducionistas das manifestacees artisticas, o artista - parafraseando Bataille sempre foi (6), num certo sentido, o contrail° do artista. Ou seja: um nao-artista.

Notas I:Ferreira Guitar. In Lygia Clark - Arte Brasileira Contemporanea, Edicao Funarte, 1980. 2. Ferreira Gullar. In Teoria do Nao-Objeto - Projeto Construtivo Brasileiro em Arte, Edicao Funarte, 1977. 3. Hello Oiticica. In Brasil-Diarreia - Axle Brasileira Contemporanea - Cademo de Texto n° i. Edicao Funarte, 1980.

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4. Carlos Zilio. In Da Antropofagia a nupicalia - 0 Nacional e o Popular na Cultura Brasileira, Editora Brasiliense, 1982. 5. Cildo Meireles. In Arte Brasileira Contemporinea, Edicuo Funarte, 1981.

CRFTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A GENEALOGIA DO (NAG) ARTISTA - FREDERIC° GOMES

Dez anos de experimentasao FRANCISCO BITTENCOURT m marco de 1970, Jonhn Lennon proclamava o nascimento da nova década corn o grito de "0 sonho acabou". 0 parto, doloroso e dificil, comecara muito antes, em 1967168, corn a tomada de consciencia e a revolta dos estudantes em muitas partes do mundo, corn a Primavera de Praga, corn a constatagao da ineficacia da fithsofia hippie e a arrancada dos jovens para o radicalismo. "Paz e amor", a palavra de ordem dos hippies dos anos 6o, fora semeada inutilmente, jogada ao vento e perdida na bruma psicodelica dos caminhos para Katmandu. De repente, os jovens davam-se conta de que, mais uma vez, estavam corn as maos vazias, burlados por uma sociedade patriarcal e autoritaria. Corn o advento da "aldeia global" todos os acontecimentos assumiram escala universal. A Revolucao Cultural chinesa repercute imediatamente em Paris e Chicago, na Sorbonne e na convencao do Partido Democrata. Os novos hippies radicais, tendo a frente Abbie Hoffman, Jerry Rubine e Tom Hayden, dao as cartas na Universidade de Berkeley e ganham imediatos seguidores no Rio e em Sao Paulo. Corn o fim dos Beatles morre o sonho e a inocencia, dos quais o festival do Woodstock foi a representacao final, e sobem a cena os Rolling Stones com o mito ,

da violencia se corporificando nO Festival de Altamont, onde pontificou a gang dos Hell's Angels, os terroristas da contracultura. o inicio da fase radical da contracultura, da resistencia dos jovens ao ataque do establishment, de urn novo tipo de arte de vanguarda que usa a tatica da guerrilha para se expressar. E o processo de desmistificacao do "sonho jovem". A grande ressaca da derrota de maio de 1968, quando os estudantes franceses se levantaram em Paris, quase pondo abaixo o Governo do General De Gaulle, ainda sacudia o mundo. Na Cidade do Mexico, no Rio e em outras grandes cidades os estudantes tambern tinham se revoltado. So no Mexico, segundo o jomal ingles The Guardian, a reacao governamental fez 325 mortos. A nova consciencia era perigosa, tinha de ser aplacada. Para alguns analistas, of-erg:linen° da contracultura mudou de alguma forma o mundo; para outros, como Thimoty Leary, o pai das viagens psicodelicas, nao foi uma revolucao, mas uma convulsao; para outros ainda, nao passou de uma valvula de escape e que a cancao dos Rolling Stones, Let it Bleed (Deixa Sangrar), captou subconscientemente como visa° geral. A verdade, porem, é que no campo da criacao e do pensamento nada mais foi o mesmo depois da revolugao cul-


tural da juventude iniciada corn esta decada. Filosofos como Herbert Marcuse, comunicadores como Quentin Fiore e Marshall McLuhan deixaram isso bem claro. Al estao todas as minorias do mundo abrindo espago para existirem corn dignidade. Cada vez mais articulados, as negros, as mulheres, os indios e os homossexuais sao os continuadores da contracultutura que os jovens inauguraram corn os anos 70, transformando em politica a arte, a ecologia, a vida selvagem, o corpo e a mente. Por acaso, eu estava em Paris no primeiro semestre de 68 e vi a revolta dos estudantes franceses; vi tambem, nesse mesmo ano, a Bienal de Veneza sendo violentamente contestada pelos artistas. Quando voltei ao Brasil, em 1968, constatei que aqui a inquietacao dos jovens tinha exatamente as mesmas raizes da dos outros paises par onde estive. E foi atraves da observagao da atuacao desses jovens nas artes plasticas que fui aos poucos me dirigindo para a militancia da critica de arte. Sou portanto urn critico engajado, comprometido corn uma vanguarda que nasceu na luta da contestagdo dos padraes oficiais de arte, das bienais envelhecidas e dos saloes academicos, uma vangu arda que desmistificou a arte e espraiou para a vida o fazer artistic°, levando em seus primeiros momentos quase tudo de roldao para poder afirmar sua existencia. Se a decada de 1960 no Brasil foi a do Ci nema Novo, dos festivais de musica popular, da Tropicana, do Chacrinha e do Rei da Vela, isto é, anos de celebragao dionisiaca, os anos 70 podem ser considerados como de tomada de consciencia de uma realidade ja inescapavel, de luta aberta e muitas vezes de luto fechado. Para a cultura brasileira foi o que poderia ser chamado de ingresso na idade da razao, corn todas as suas d Dlorosas 174

conseqiiencias. Junto corn o mundo, encerravamos uma epoca, a modema, para armos urn periodo de inconformismo, de onde acreditavamos poder fazer surgir os fundamentos de novos tempos. A "heranca" transmitida aos jovens artistas brasileiros que empunharam a bandeira da vanguarda da decada de 7o ja enfeixa todos os elementos que iriam servir de tema para as debates mais ou menos acirrados que se seguiram. A arte publica, a manifestagao de ma, a contestacao nao s6 do circuito comercial de galerias coma todo o circuito de arte, a adocao do happening e mais tarde da performance sac de fato elementos que ja estavam bem vivos e presentes em eventos dos anos 6o, como Opinido, em 1966, onde foi esbocado o conceito da antiarte, Nova Objetividade, de 1967, do lancamento da Tropicana de Hello Oiticica e dos trabalhos com baratas e formigas de Lygia Pape, e Arte no Aterro, em 1968, uma serie de manifestacoes da qual participaram nao so artistas como o piiblico. De alguns desses eventos já tomaram parte artistas que iriam desempenhar papel de importancia na decada seguinte, como Antonio Manuel, que iniciou seu trabalho de tunas Quentes justamente em Arta no Aterro. Mas 1968, como divisor de Iguas, tern de ser visto nao so dentro do contexto da criatividade como tambem no politico-social, para ser melhor entendida a radicalizacao artistica que se seguiu. 0 Brasil, como o mundo, tremeu nas mas frageis estruturas diante da insatisfacao dos jovens. As passeatas no Rio, reunindo mais de wo mil pessoas em alguns casos, deram a Cc:mica desse ano. Mas a revolta estava em todas as partes, assumira uma escala universal. Num supremo recurso de magia e invencao, as jovens norte-americanos marcharam

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sobre Washington e pretenderam fazer levitar o Pentagon°, o simbolo entao de todos os males. Aqui, antes que urn ciclo se fechasse, Caetano Veloso ainda montou um show na boate carioca Sucata, corn espaco cenico de Hello Oiticica, onde o protesto do tipo herOico teve sua sintese e seu canto de cisne ao som do Nina Nacional em guitarra eletrica, tendo a Bandeira brasileira como complemento visual da festa. Como nos Estados Unidos, guardadas as diferencas, encerrouse urn period° em Woodstock com Jimmi Hendrix tocando Stars Spangled Banner. As expectativas nao cumpridas, a repressao cma e os anseios reprimidos empurraram uma importante faixa da juventude, aqui e ern outras partes, para a revolta surda, enquanto que outro segmento dessa populacao refugiava-se nos devaneios misticos e nas drogas. Foi dessa cisao que nasceram os anos 70. E a substituicao, de urn lado, da figura do heroi pela do rebelde, e de outro da sublimacao dos anseios em fugas misticas, é sem dilvida a contradicao mais marcante e significativa de toda a arte visual experimental produzida entre nos a partir , de 1969. Novos e negros tempos, corn a emergencia de um grupo de artistas que marcou de forma definitiva a arte brasileira. Depois da atuacäo desse grupo nos primeiros anos desta decada, tudo o que foi feito a seguir, ate agora, inclusive naturalmente as diluicoes, apropriaceies e desvios oportunistas, tern sua raiz no trabalho de sapa realizado por urn grupo que radicalizou sua atuacao a partir de 1969. 0 nova tipo de atuacao artistica cristalizou-se num evento promovido em 1969 por uma firma de publicidade do Rio. Historicamente, foi com o Said° da Bussola, montado

no Museu de Arte Modena, que se caracterizou o que ia ser a decada de 70 nas artes visuais. Como uma mare montante, urn niimero pequeno de artistas na casa dos 20 anos tomou de assalto esse salao e ocupouse corn uma serie de obras de tal contundencia que o restante dos participantes, assim como seus promotores e o pi -4d° juri transformaram-se em meros figurantes levados de roldao pela avalancha criadora. Foram Antonio Manuel, Barrio, Thereza Simoes, Cildo Meireles, Guilherme Vaz, Odila Ferraz e Luiz Alphonsus, exatamente os que deram ao Saldo da Bussola uma dimensao que seus timidos criadores nao pretendiam e foi gragas tao-so I atuagao dos jurados Frederico Morais e Mario Schenberg que nao se criou na ocasiao um impasse do genera do fechamento da mostra dos artistas brasileiros que tinham sido escolhidos para participar da VI Bienal dos Jovens de Paris, cuja representacao foi vetada por misteriosos orgaos governamentais. Aberto o Saida da Bussola, depois de uma feroz guerra de bastidores dOs dois criticos citados contra as veleidades academicas e o espirito reacionario dos promotores e do critic° Walmir Ayala, inicia-se urn curto periodo da luta de trincheiras de arte de vanguarda brasileira para se impor e firmar sua posicao. So a inaug-uracao dessa mostra representou uma vitoria das forcas vivas do Pais, ampliada e confirmada corn a concessao do premio principal a Cildo Meireles, corn propostas datilografadas, isto é, antiobras, enquanto dois outros premios importantes jam para Antonio Manuel e Thereza Simees: Antonio, que já vinha de movimentada experiencia anterior, apresentou no salao umas camas de mato, urn mapa da America Latina coberto de folhas de bananeira, vasos de planta comigo-ninguem-pode e musicas

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rancheiras, num ambiente plastic° que Mario Schenberg qualificou corn a obra mais autenticamente carioca e brasileira da amostra, enquanto que a voz corrosiva de Walmir Ayala fazia-se ouvir dizendo ser ela negativa e pessimista. Iniciava-se au i a irremediavel divisao da critica brasileira em duas correntes - a progressiva e voltada para as novas linguagens e a obscurantista e a senrico do mercado - cada vez mais contrarias. A luta que teve inicio nesse primeiro e Calico Salao do BUssola iria se ampliar constantemente nos anos subseqUentes, corn mais ou menos forca em dados momentos, abrangendo todos os setores da criatividade e pondo em questao nao so o proprio fazer artistico como tambem os metodos de ensino, os museus, os salees e o mercado. 0 nocleo de combate que surgiu no Sa lao do Bassola era integrado por artistas que vinham das frentes mais variadas, lidando corn as tecnicas tradicionais de desenho, pintura e gravura. Entre 1969 e 1971, voltaram-se quase que exclusivamente para experiencias mais radicais corn o corpo, as sensagoes, a inteligencia e os conceitos. Corn isso marcaram de forma extraordinaria o periodo e deram-lhe um impulso e uma unidade de Ka° que seus colegas da decada anterior, embora muito ativos e corn a mesma media de talento, poucas vezes conseguiram. Para caracteriza-los como geragao poderiamos chart-4-1os de pos-pop. 0 trabalho que realizaram nasceu de uma necessidade subjacente de explicitagao dos anseios de revolta de urn segmento da inteligencia nacional cada vez mais sufocada pelo medo e autocensura, ansiosa para libertar-se da hipocrisia de costumes que a partir de 1964 passou a ser a regra de comportamento principalmente atraves do meio de comunicagao de massa mais poderoso, a tPlevisao. 176

Essa verdadeira central de energia, depois de uma operagao extenuante, que se estendeu as ruas da cidade do Rio de Janeiro e tomou de assalto eventos como Do Corpo a Terra, organizado por Frederico Morais, o XIX Salao Nacional de Arte Modema e o II Salao de yerã°, reduziu gradativamente sua agao e voltou as "catacumbas". Seus participantes retomaram ern muitos casos os instrumentos de trabalho corn que se iniciaram na carreira artistica. Mas gragas a forga de sua atuacao e a excelencia dos resultados, marcaram definitivamente o comego desta decada e os anos que se seguiram corn os seus nomes. Certamente o Orgao oficial mineiro que patrocinou Do Corpo a Terra nunca pretendeu oferecer a pacata populagao de Belo Horizonte os rituais de sacrificio e o macabro espetaculo de distribuicao de trouxas ensangiientadas em que se transformou a promogao. Como a firma de publicidade pre criou o Salao do Bassola, a entidade do Estado de Minas viu-se a bragas, de repente, corn algo que ultrapassava de muito sua imaginagao, um desafio quase insuportavel aos valores "culturais" tradicionais e as belas artes. Entraram esses patrocinadores, a contragosto, para a hist6ria da evolucao da arte brasileira, e por isso sera° lembrados, enquanto que tantos outros, como os que criaram os bemcomportados Sala° Esso, dos Transportes ou da Eletrobras, já cafram no mais justo dos esquecimentos, pela quase infinita mediocridade de suas propostas e a falta de visa° de seus organizadores. Do Corpo a Terra reuniu artistas cariocas e mineiros durante ties dias de abril de 1970 no Parque Municipal de Belo Horizonte. Talvez influenciados pelo élan criador de alguns artistas do Rio, os mineiros apresentaram um trabalho experimental cujo nivel de invengao foi raramente ultrapassado depois.

Livres dos entraves dos regulamentos, rea- material corn que iria trabalhar por algum lizaram um verdadeiro exercitho de liberda- tempo dal ern diante. 0 lixo, disse-me ele na de criadora. Do Rio, Thereza SimOes levou ocasiao, "tern personalidade propria, é um seus carimbos corn frases em tupi pan mar- todo organic°, pulsa, reage". As trouxas encar as calcadas; Umberto Costa Banos ergueu sangiient a das intrigaram de tal forma o estruturas corn o material.do Palacio das povo de Belo Horizonte, que se 'Dos a murArtes em construgao; Luiz Alphonsus quei- murar sobre crimes do Esquadrao da Morte, mou uma faixa de pano de 30 metros; Eduar- que tiveram de ser retiradas corn presteza do Angelo rasgou montanhas de papel de pelos garis. Era a arte inc6moda e fetida que jomal e jogou-as no vento; Frederico Morals seria posta I prova pot seu autor em diverfez apropriacOes fotograficas de diversos lo- sas ocasiees. Ainda em 1970 tivemos XIX Saleio Naciocais; e Dileni Campos realizou o que chamou de uma paisagem. Foi em Cildo Meireles e nal de Arte Modenia, realizado nas dependenBarrio que a manifestagao assumiu o torn cias do MAM do Rio, o ültimo evento imporsombrio de uma situagao-limite. Ninguern tante da serie, depois do qual o consumo antes deles no Brasil reagiu corn tal intensi- sofreu urn esvaziamento total, perdendo dade dentro do campo estotico I realidade interesse entre os artistas mais atuantes, do momento. Os trabalhos que fizeram em transformando-se num verdadeiro elefante Belo Horizonte ultrapassaram na verdade a para as autoridades e num acontecimento simples polemica estetica - como no caso do anodino e antiquado pan o public°. 0 Salim porco empalhado de Nelson Leirner num Moderno que se realizou no MAM reuniu urn salao de Brasilia - para adquirir a feicao de grande elenco de talentos jovens e aguerridos que, corn sua participagao de excelente luta pela vida de todo povo. De fato, Cildo realizou nessa ocasiao um qualidade, estava se despedindo desse tipo sacrificio corn galinhas vivas para lembrar o de concurso para passar, dali para a frente, massacre e a repressao de seres humanos, nao so a contestar como a boicotar ativaaqui ou no Vietna; chamou a esse projeto de mente todos os saloes e bienais. Sob presEsbogo Mon‘umento Totem. Assumindo a sees e ameagas de censura partidas de poncrueldade dos que matam seras indefesos, tos obscuros do sistema, esses artistas cono artista certamente se violentou para sen- seguiram nao so que o salao fosse montado tir na came o honor da morte injusta. Barrio nut local mais adequado que a acanhada desencadeou entao o processo de levar as sobreloja do Palacio da Cultura, como elegealtimas conseqUencias o que comegou como ram para o juri o critico de atuagao maiskiuma aventura estetica aparentemente ino- cida do momento, Frederic° Morais, que tocente de desmanchar no at robs de papel mou posse as pressas na funcao, transforhigienico e de criar ambientes corn o lixo e mando-a em fato consumado antes que um sacos perfurados e manchados de verrnelho. suspeito veto dos orgaos de seguranca do Em Belo Horizonte ele fez 15 trouxas de car- Ministerio da Educacao tornasse a eleicao ne e ossos reais, comprados num agougue, e sem efeito. Foi assim, sob o signo da tensao, que se distribuiu-as por diversos pontos da cidade, concentrando-se, porem, onde havia urn es- realizou o melhor Sala . ° Nacional de Arte goto. 0 artista tinha encontrado afinal o Modema de muitos anos, corn urn conjunto

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DBARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

DEZ ANDS DE EXPERIMENTAcA0 - FRANCISCO BITTENCOURT

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extraordinario de obras de artistas como Dileni Campos, Carlos Vergara, Wanda Pimantel, Antonio Henrique Amaral, Odila Ferraz, Georgete Melhem, Ascanio M. M. M., Raymundo Colares, Antonio Henrique Nietzche, Sergio Augusta Porto, Luiz Alphonsus, Claudio Paiva e Umberto Costa Barros. Diante da explosao de vitalidade que foi essa mostra, o juri entrou num impasse na hora da premiagao que 56 foi resolvido par , urn compromisso de meio-termo que resultou na indicagao do excelente Raymundo Colares pan o Premio de Viagem do Estrangeiro na categoria de pintura, colocando assim de lado Dileni Campos e Carlos Vergara, os dais pintores corn a obra de major importancia do salao. 0 Premio de Viagem namesma categoria foi parar, injustamente, nas maos de Regina Vater. Nas "demais categorias", como rezava o caduco regulamento, ganharam respectivamente Famese de Andrade e Marilia Rodrigues corn envies de qualidade mediana. 0 major talento surgido no XIX Sahib Nacional de Arte Modema foi Claudio Paiva, que se apresentou corn trabalhos de imensa forga poetica, principalmanta os fetos no chao, corn fita gomada, punhados de terra e embrulhos de jomal. A carga de emocao dessas obras pobres e indefesas em sua transcendental grandeza desencadeou a atuagao imprevista de Barrio na mostra, artista que dela nao participava oficialmente. Num domingo em que o MAM encontrava-se cheio de visitantes, Barrio resolveu intenrir nos momentos de Claudio Paiva chutando as embrulhos de jomal e os montes de terra, numa celebragao solitaria e terrivel que continuaria por cerca de ties dias, abrangendo quase toda a cidade, inclusive seus esgotos. Naquele momento a arta e a vida, a loucura e a merle misturamse corn tal violencia nessa performance sem

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espectadores que se poderia dizer sem medo de errar que a arta brasileira atingia o climax da sua tragedia, o seu momenta alto da figura iluminada de Barrio, cujo comportamento existencial passava a ser simbolo de toda uma geracao ameagada e frustrada. Mas outro acontecimento de importancia já sacudira o XIX Sala° no dia da abertura. Recusado pelo Jun por nao preencher exatamente as exigencias do regulamento corn sua proposta de apresentar seu proprio corpo como obra, o artista Antonio Manuel demonstrou-se em plane recinto da mostra e passeou nu pelas galerias do MAM diante de uma plateia a principle embasbacada, mas que no final nao Ihe regateou aplausos, pan desespero da seguranga e da Subcomissao Organizadora, esta sempre premida por misteriosas ameagas de fechamento do salao sob qualquer pretexto. 0 espetaculo de Antonio Manuel foi tanto etica como esteticamanta impecavel. Ele propunha o seu corpo coma obra e, recusado par urn jOri atemorizado, protestou pondo-se nu, num aparecimento rapid°, mas alegre e saudavel, que confirmou de maneira positiva e otimista nao s6 a sua intengao, como a de todos os seus colegas, de nao mais permitir que a sociedade e seus mandantes continuassem a reprimir a onda libertaria que tentava varrer em todo mundo o entulho que entupia os canals da criatividade. Nem Barrio nem Antonio Manuel praticaram atos inconseqiientes ao interferir de forma tao drastica num salao moribundo. Era o sangue novo que tentava' salvar tal concurso e ales estavam apenas sendo coerentes corn sua obra anterior e corn o pensamento da vanguard a brasileira. E tudo o que realizaram depois é uma continuagao desses atos drastees, mesmo em fases bem posteriores, quando voltaram a expor ern museus e galerias.

CRIT1CA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS

Outro acontecimento importante de 1970 foi muito mais que a simples tentativa de foi a serie de individuais sob o tftulo de Ag- inaugurar uma nova critica, pois o critico esnus Del de Cildo Meireles, Thereza SimOes e tava ali nao coma o opressor do artista, mas Guilherme Vaz, na Petite Galeria. De extra- em pa de igualdade corn ele, levantando de ordinaria coesao ao nivel ideologico, essas forma inteligente e sensivel as barreiras que mostras revelaram, no entanto repertOries sempre existiram entre as duas classes. Mais dissociados, embora tivessem como deno- do que o critico, au i estava o colega de luta, minador comum a vontade de enxugar ao atuante e irreverente, capaz de se utilizar de maxim° a linguagem artistica. Cildo reviu de qualquer arma para chegar ao melhor entendimento do fen6meno artistico. A nova criticerta forma seu trabalho anterior, apresentando o registro de alguns de seus momen- ca foi repetida corn uma exposicao de arilstos mais importantes, lancou suas Insercoes tas jovens pauhstas que ocupou o MAM no em Circuitos Ideologicos, tendo por suporte ano seguinte. 0 Sardo de Verb, patrocinado pelo Jornal garrafas de Coca-Cola, alem de outros projetos, todos corn urn denominador comum e do Brasil, Orgao corn solida tradigao de apoio fonebre, acusador e premonitorio dos holo- a pesquisa artistica desde a criagao do Sucaustos praticados pelo homem, num estilo premo Dominical, veiculador do Concretismo de suprema elegancia estilistica. Alias, a ele- e da explosao neoconcreta, surgiu para mosgancia foi a t8nica de Agnus Del. Nada mais trar valores novas das artes plasticas nacio.despojado e cerebral do que as telas bran- nais. Em suas primeiras edigoes conseguiu cas de Thereza Simees, uma arte pensada, revelar algo da inquietagao que sacudia o cheia de significados e anunciadora de algu- Pais, mas logo foi submetido ao espirito conmas correntes de vanguarda que surgiram servador e paroquial do critico que o demino mundo a seguir, como Mail Art, da qual nava. Passou assim, aos poucos, a ser apeseus carimbos foram as primeiras obras. nas o campo de definicao de uma pseudoGuilherme Vaz montou urn esquema de vanguarda, agradavel e bem-comportada, apropriacao de todos os espectadores de sua que pretendia introduzir entre n6s as chamostra, exigindo a seguir os documentos mados "materiais avangados", como o acrilico. Foi preciso que urn critico estrangeiro, dessa apropriagdo. Agnus Dei gerou nesse mesmo ano o tra- o holandes Willen Sandberg, viesse ao Brabalho de Frederico Morais chamado Nova Cri- sil para, num dos jails do salao, subverter a tica, que se constituiu numa exposicao de uma ordem academica que se instalava arrebanoite na mesma galeria que o critic° encheu tando o grande premio para um artista muicorn 15 mil garrafas de Coca-Cola, sendo que to jovem e inexperiente, mas talentoso, que somente algumas continham os slongs ideo- trabalhava corn materials muito pobres e lOgicos de Cildo. Mostrou telas que deixara brasileiros. Quando isso se deu, porem, o virgens em locais ptiblicos (inclusive micto- salao ja agonizava. Mas na sua curta histOnosiipor alguns dias, numa leitura da propos- ria pelo menos dois names de valor foram ta e Thereza Simoes, e "desapropriou" todas lancados, o de Wanda Pimentel e Ivens Maas pessoas de que se apropriara Guilherme chado, e a sua segunda edicao foi quase urn )laz. Essa exposigao-comentario, que adota- acontecimento gragas a participagao de Barva as mesmas taticas dos artistas criticados rio, Umberto Costa Barros e Eduardo Angelo. CRITICA DE Mn NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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Barrio inscreveu-se na categoria de desenho corn urn virulent° manifesto contra todas as categorias artisticas e os sal6es, e o jOri constrangido se viu obrigado a engoli-lo. Umberto Costa Barros desequilibrou mais uma vez a perfeita estrutura do MAM, realizando intervenc6es nas pesquisas do predio e subvertendo a nocao academica de organizacao de exposicees. E Eduardo Angelo apresentou-se corn urn excelente projeto, que foi incluido em todas as categorias do regulamento sob o titulo geral de FormaCorte. Os tres formaram os polos de urn movimento que bem poderia caracterizar a vanguarda a que pertenciam, apresentando ao mesmo tempo a sua face de repulsa ao oficialismo de todos os sal6es, e a outra face, igualmente revolucionaria, que procurava se infiltrar na instituicao pan combate-la melhor de dentro. 0 MAM tomou-se naturalmente centro de onde evolufam os momentos mais avancados da arte brasileira. Em 1971, Frederico Morals tentou dar ao museu a espinha dorsal ideologica que lhe faltava, criando aui corn Luiz Alphonsus e Cildo Meireles uma unidade Experimental. Nesse mesmo ano o

critic° lancou o projeto Domingos da Criacao, corn grande exit° public°. Os Domingos retomaram a ideia de Arte no Aterro, da decada passada, da promocao cultural em massa. Seguiram uma linha muito criativa e ampla e conseguiram despertar em muita gente o prazer pela forma hicida da arte. A essa altura dos acontecimentos a vanguarda ja comecava a se encaramujar, numa fase de refluxo. Depois de uma atividade esgotante, seus principais artifices dispersaram-se e alguns deles viajaram para o exterior pot longos periodos. A vanguarda comecc:1u a voltar a atividade pUblica em 1974, depois de ter feito sentir sua falta em ternporadas mornas e inexpressivas. Trazia ela a tona novos instrumentos de trabalho e a discussao de meios como a fotografia, o audiovisual e o filme super-8. 0 mercado e os marchands já estavam corn suas mangas de fora, implantando sistemas agressivos de vendas, criando galerias de alto luxo e tratando de comercializar aquilo que tinha sido a vanguarda da decada anterior. Depois desse period() de silencio, surgiu uma tentativa de galeria para a vanguarda corn a criacao da Central de Arte Contemporanea.

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Manifesto da precariedade do NAC RAUL CORDULA . Nude° de Arte Contempor5nea esteve dois anos fechado devido ao mau estado de suas instalacees — o NAC ocupa urn edificio antigo tombado pelo Instituto do Patrimanio Historic° e Artistico do Estado. A Universidade Federal, que o instalou em 1978, diz no ter recursos para mante-lo funcionando, as artes visuals nao fazem parte das prioridades universitirias. Assim como o NAC, os nUcleos de teatro, de documentacao cinematografica e de documentacao da cultura popular tambern esfa° sofrendo os mesmos problemas. Os recursos para a producao cultural inexistem. Estes sac) os chamados de extens5o cultural. A extensao cumpre urn dos principais papeis na universidade, ao lado do ensino e da pesquisa. N5o que os micleos n5o facam ensino e pesquisa, mesmo caindo aos pedacos o NAC abriga atualmente, em convenio corn a Funarte e a Associacao de Artistas Plasticos, o Unico curso de capacitacao em artes plasticas existente aqui, e corn resultados surpreendentes. Mesmo fechado para obras que nunca se realizam, sujo, sem condicoes dignas de funcionamento o NAC esta montando corn os parceiros citados um curso de fundamentos teoricos da ante brasileira corn a participacao de alguns dos mais importantes especialistas nacionais. Possui projeto

aprovado corn recurso alocado pan fazer funcionar a oficina de litogravura, possui uma biblioteca especializada em artes plisticas e conta corn urn naipe de projetos que, se lhe for dada a devida autonomia administrativa, conseguird captar recursos de vanas fontes para seu funcionamento digno e produtivo. 0 NAC, todos sabem, nos seus cinco anos de existencia, foi responsavel por mais de 6o montagens na sua sede, e muitas outras em outros espacos como o Museu de Artes Assis Chateaubriand, de Campina Grande, o Festival de Arte de Areia, onde fez duas grandes panoramicas da arte paraibana. Atuou tambem nos Campi universitarios de Joao Pessoa e Campina Grande, em locais como as bibliotecas e os espaws expositivos dos departamentos afins. Realizou cursos e seminarios como o 400 Arms de Arte na Paraiba, que marcou nosso 4° Centenario, e teve participacao nos mais importantes encontros nacionais de cultura, como os tres Simposios Nacionais de Artes Plasticas produzidos Vela Funarte, onde integrou a Sala Especial a Presenca das Regi6es no 4 0 Salao Especial de Artes Plasticas. Trouxe ainda para Joao Pessoa, em 82, o polo de recepcao nordestino do 5° Sala° Nacional.


Alguns dos contatos e presencas mais importantes para o prestigio de nossas artes plasti cas foram feitos atraves o d NAG, como o artista Antonio Dias e Paulo Sergio Duarte, que aqui trabalharam como no planejamento da estrategia que passamos a utilizar. Paulo Sergio saiu do NAC pan dirigir o Instituto Nacional de Artes Plisticas da Funarte; hoje dirige, no Rio de Janeiro, o Paco Imperial. Conosco estiveram ainda o artista plistico Francisco Pereira da Silva Junior, o articulador de sua criacao, o sociologo Silvino Espinola, o escultor e arquiteto Breno de Matos e o poeta Sergio Castro Pinto. Pelo NAC passaram artistas como Thnga Cildo Meireles, Rubens geralment, Miguel Rio Branco, Marcelo Nitsche, Anna Maria Maiollino, Claudio Tozzi, entre tantos, aqui compartilharam suas idelas corn os artistas da terra, alguns ainda iniciantes, dando vez a que se firmassem intercambios fecundos de ideias e intenc5es, cujos resultados podem ser vistos no atual cenlrio das artes plasticas locais.

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Quanto ao public°, é preciso dizer que o NAC, atraves das visitas guiadas que promoveu para cada exposicao, nunca perdeu de vista sua agao educativa que atingiu o public° em geral e o alunado da rede oficial. Nao sera a falta de tinta, de material de reboco, de portas e janelas que nos impedixi de voltar a funcionar corn dignidade. A aparencia de nossas instalacoes pode ate assustar num primeiro momento, mas depois elas verao o trabalho vivo de uma equipe que esti junta desde ;979, que ama o que faz e que sabe o exato lugar de seu trabalho na comunidade. Assim, esperamos, ilk nos seri negado apoio dos artistas ou de qualquer outro setor da sociedade. Reabriremos o NAC corn a exposicao Fotonordeste, uma mostra eloqiiente da precariedade do nosso homem, urn trabalho que se sintoniza corn os nossos problemas atuais e que foi realizado pelos nossos fotografos sob a curadoria da Funarte, nossa pincipal e leal parceira.

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CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS MANIFESTODPRC AEOt4-PULCRDA

A arte do AI-5 hoje REYNALDO ROELS JR.

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JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

mes de agosto, quase sempre fati- modismo que logo se esgotou, mas ‘que asdico, se inicia este ano no Rio dela- sustou muita gente sem preconceito. Mas as neiro corn duas exposicees em boa hippies viraram yuppies, as barricadas de 68 parte resultantes de urn dezembro: o de cairam e Paris voltou a calma. A situacao 1968, quando, no dia 13, foi decretado o AI- conseguiu retomar o controle e, nos Estados 5. Agora, passados 18 anos (se vivo, o Ato Unidos, durante esse interregno de quase estaria as portas de se tomar eleitor e reser- vinte anos, o descontrole foi tranqiiila e vista), uma geragao de artistas é chamada a capitalisticamente absorvido pelo sistema. prestar contas, na primeira mostra, do traE no Brasil, o que passou durante esse balho que realizou nos dois primeiros anos periodo? 0 AI-5 so nao foi presente de Natal em seguida a decretacao do AI-5. Foi urn tra- porque no quiseram espeiar, mas a reacao balho de vanguarda, radical, visceral, agres- deste grupo de artistas tambem foi rapida. sivo e que pretendia colocar par terra nao so- Nem foram absorvidos pelo sistema, como mente as tradigoes artisticas vigentes - isso ocorreria pouco depois corn outra geracao, e já fora feito muitas vezes - mas transformar nem foi colocado sob controle tao facilmeninteiramente as relacoes entre a arte e a te, mas apenas a custos bastante altos: a politica. Modificando para isto, se necessa- censura e a repressao nao se fizeram esperio, ambas as coisas. Como contraponto, na rar. Durante dois anos, 1969 e 1970 (um pousegunda mostra, uma exposicao de traba- co antes e urn pouco depois, tambem), aguelhos recentes dos mesmos artistas, posted- les artistas empreenderam uma resistencia ores a 1984. 0 contraste é flagrante. inedita as condicoes opressivas do momenJa se disse muito a respeito da falencia to e, se no entraram pela luta armada, prodas vanguardas de 68 e do retomo a urn es- moveram uma especie de arte armada, ou quema de pensar e de agir mais proximo ao de luta artistica, como se preferir, que ainda liberalismo, individualista e acomodado em ecoou durante muito tempo entre nas. Si mesmo. Ou ate pior, como no caso das teEra o inicio da arta conceitual, uma arta ses abertamente direitistas e cujo exemplo ern que o importante nao era tanto o que se foram os nouveaux philosophes na Franca, fazia, mas o pr6prio ato de fazer e corn que


ideas se fazia. E fazer compulsivamente, nao dando nunca ao inimigo a Oportunidade de parar para descansar. Alguns, como Wanda Pimentel, Ascanio MMM e Raymundo Colares, perrnaneciam em urn campo ainda preso a forma e a construgao, embora corn uma postura bastante radical. Outros partiram para uma area ate entao considerada bem pouco artistica. Antonio Manuel, em protesto pot ter sido recusado no Salifo de Arte Moderna (ele era a obra, o que hoje em dia muitos ainda fazem como se fosse inedito), se despiu diante da multidao que lotava o MAM na cerimonia de abertura, Barrio mostrava suas trouxas de came ensangilentada, enquanto Luiz Alphonsus ateava fogo a kmgas tiras de plastic°, e assim pot diante. Era uma barbarie civilizatOria que se instituia para combater uma civilizagdo barbarizante. Era preciso fazer a realidade falar mais alto aos olhos do espectador, e para isso todos os

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meios valiam. E, hoje, o que significou tudo isto para esses artistas? 0 que fazem agora, por que fazem e o que pensam daquele momento? Foi apenas uma manifestagdo eloqiiente de repndio a uma circunstancia especifica, ou foi algo que calou mais fundo na consciencia artistica e politica do Pais? A resposta vem do confronto das opinioes de oito deles e do critico Frederico Morais, promotor da mostra do BANERJ e uma das figuras mais atuantes junto aos artistas naquela epoca.

0 radicalismo saiu de moda Wanda Pimentel

"Acho que a minha geragao foi tao radical que isso acabou provocando mais endureci-

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mento do governo. Nao havia sutileza. Havia um certo exibicionismo das posigoes de esquerda, a esquerda festiva se achava muito charmosa e chamava a atencao para suas atitudes. Foi entao que o regime aproveitou para radicalizar tambem". Ascanio

"Acho ruim que hoje nao haja uma postura radicalizante como naquele tempo, mas e explicavel. A deteriorizacao cultural que atravessa opals é alarmante.Veja o MAM. Este entregue as baratas. A Funarte é um cabide de emprego, onde se consome verba para pagar o funcionalismo public° e nao corn obras de arte. isso, mais uma universidade fraca e o processo politico indefinido, leva ao acomodamento nas artes. Eu hoje estou fazendo urn trabalho mais sari° e limpo, mas nao acho que isso seja acomodagao. Tern a ver a corn a maturidade, corn a vida das pessoas. Quando se e jovem, dificulta-se mais as coisas. A minha tendencia hoje é tornar tudo menos complicado, na vida e na arte. Mas a busca de novas caminhos é constante". Cildo Meireles

"Em lugar da rebeldia, o que existe hoje é urn cinismo honesto em relagao a sociedade capitalista e a valorizagao do individuo. Isso em arte é bastante claro. A arte abre as pop tas da percepgao, nem faz mais a consciencia como se acreditava. Ela é encarada como investimento e pronto, o que pode set born para estimular algumas individualidades artisticas... 0 individualismo como posigao ideologica é o que este sendo colocado pelas novas geragoes. Estamos num period° de p6s-ideologia."

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A ARTE DO A•S HOJE - REYNALDO ROELS JR. E JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

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Luiz Alphonsus

"0 nosso trabalho era radical, pois a ideia funcionava como a propria obra da arte. A criacao estava dentro da cabega das pessoas. Mas esse tipo de coisa, o pensamento como arte, levou ao esgotamento. Pot isso, acho que a rebeldia como forma de arte nao de mais. Chegou ao esgotamento".

a compreender o que este havendo. Eles sao a geragao que correspondeu a minha atuacao de critico no Rio, e agora ha urn certo distanciamento, mas os trabalhos ainda continuam a ter impacto, para mim e para o public° que vem vet esta exposigao."

0 que foi feito daquela rebeldia?

Antonio Manuel

"Hoje eu estou mais ligado a pintura e nao vejo isso como uma concessao da minha pane. Na epoca, combatfamos o status quo; o suporte da pintura nao expressava a necessidade de uma geragao. Hoje sinto que as possibilidades de encontro corn o outro sao infinitas atraves da pintura." Frederico Morais (critico)

"0 radicalismo e a visceralidade deles sao uma coisa nnica. A geracao anterior trabalhava o suporte, e eles se recusaram a isso. A visceralidade deles é no melhor sentido: e o osso, o fogo, uma coisa aspera, arisca e agressiva tambem no born sentido. Eles sac) mais selvagens do que a geracao anterior. Nesse sentido, eles foram realmente urn cone. Alguns, coma Ascanio,Wanda, Colares, foram recuperados pelo sistema, mas nao outros. Eles sao quase urn sanduiche entre duas geracees; nao sao da decada de 1960, mas tambom sao diferentes da geragao propriamente associada aos anos 1970. E chegaram a situagoes-limite em sua pr6pria vida, pois, para eles, nu° havia diferenca entre arte e vida. E eles colocaram diversas quest8es que permanecem em aberto, que podem ser retomadas. He uma crise na pintura e o trabalho destes artistas pode ajudar

Umberto Costa Barros

"Quando se comeca a realizar algo, comecase tambern a questionar o papel social do artista. Corn zo e poucos anos, voce tern urn trabalho muito limitado, e ha uma maquina controlada pelo mercado de arte. Se voce quiser fazer algo, tern que botar a mao no fogo e questionar tudo. Ache que as questoes levantadas naquele momento permanecem. Elas se ficaram latentes, e urn dia vao ter que aparecer." Guilherme Vaz

"NOs chegamos aos fundamentos da arte em uma operacao cirargica dolorida. E o principal é que isso foi conseguido gragas ao radicalismo corn que enfrentamos a questa° da linguagem artistica, e nao apenas o politico. Querer let esses trabalhos apenas pelo ponto de vista politico é querer esvaziar o contend° revolucionerio da linguagem. Nos talvez sejamos mais atuais do que o neo-expressionismo e rompemos corn a visao predominante do Pais, herdada do Movimento de 22 e que chegou ate Tropicelia. Eles tinham uma visao de Brasil com araras, indios e jacares misturados a escola de samba e maeumba para turista ver. N6s nao demos a nossa visao do Brasil, como eles, fomos uma

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reacao ao Brasil. Apenas o cinema marginal chegou prOximo ao pie nOs fizemos. Nos demos urn novo paradigma ao Brasil. E rompemos corn essa visao barroca de sensualidade bocalizada e pouco empenho no pen sar. 0 que nOs fizemos foi pensar."

"0 dado mais importante é que pan eles nao ha distingao entre politica e linguagem, eles incorporaram a guerrilha a arte. Quando olhamos o conjunto destes trabalhos heterogeneos, vemos a relacao que ha entre eles, como na utilizacao dos cantos e esquinas: é quase simbolica a maneira como eles exploram isto, o beco-sem-saida em que se encontravam, encurralados contra a parede. Eles conseguiram transformar o medo em processo criativo, e justamente o que incomoda nos artistas maisjovens é exatamente essa mistificagao da questa° politica, esta tentativa de separar a politica do processo de criagao artistica."

grupo colocava principalmente a questa° da linguagem, embora a discussao politica fosse o que mais emergisse. 0 sentimento de vanguarda era presente. Afinal, tinhamos tido no Rio o Neoconcretismo, o pop da nova objetividade. Havia uma efervescencia, urn material muito rico e sempre preocupado corn a vanguarda. Hoje, as pessoas estao mais caticas, nao se iludem mais. As articulagoes do sistema de arte foram desnudadas, o mercado de arte se fortaleceu. 0 clima institucional tambern esti mais estabilizado, corn o congresso e o sistema judiciario, mal ou bem, funcionando. Parte do nosso radicalismo era em cima do cenario tenebroso sabre o qual trabalhavamos e isso deu uma coesao ao grupo pan uma posicao de antagonismo. Hoje, poderia se fazer um trabalho de raiva contra o latifundio e o reformismo do govern°, mas nao haveria a mesma sedugao sobre as pessoas, que em sua grande pane apoia o govemo."

Teresa Birth-pas

Ascanio

"Continuamos a criar situacoes inc8modas para a arte. A cada momento, criamos para nos mesmos uma situacao nova e que precisa ser comunicada para cada vez mais gente. Aquilo era apenas o comeco, falavamos pouco".

"Nao existe mais vanguarda. E uma palavra que s6 tinha sentido nos 60 e que esti tao desgastada que se precisa ir ao dicionario para ver seu significado. 0 importante ago ra é a coerencia, a integridade do trabalho."

Frederico Morals

Anfenio Manuel

A vanguarda, onde esti a vanguarda? Cildo Meireles

"A nogao elementar de vanguarda é de oposigao a coisa mais sedimentada. Ela se oporia ao mercado. Mas o que se ye hoje é que o artistaja aparece dentro do mercado. 0 nosso IBB

"Eu ainda tenho veneno para imprimir nos meus trabalhos, ainda pratico o risco e o perigo sempre. Mas a preocupagao em ser vanguarda não faz mais sentido". Luiz Alphonsus

"A arte do pensamento levou ao esgotamento, mas eu acredito que é preciso tentar es-

gotar ainda mais a linguagem. Nao vejo coerencia enta-e o que aconteceu: o fato de a gente ter lutado contra o mercado e agora o estar aceitando. Havia uma razao naquele momenta A Rita Lee brinca, diz que nao faz mais rock porque virou coisa do esquema. Mas ela ficou milionaria antes de dizer isso."

de idelas, que 56 podem frutificar ao longo do tempo. Os anos de 1969 e 1970 nao sao passado e nem sao presente: serao o futuro. De qualquer maneira, 1970 foi urn avanco igual ao de 1922."

Guilherme MagalMes

Umberto Costa Barros

"A arte é uma linguagem de ponta, nao é coisa de pura apreciacao estetica, é uma forma de falar como as outras. E esta exposigao nao é historia, mas é atual, é a unica exposigao de vanguarda desde 1970. As pessoas ainda ficam inquietas cam o que veem aqui, elas nao contemplam o passado da arte brasileira, nossa arte continua a perturbar. NOs fomos uma vanguarda pre-historica: ossos, pedras, fogo, sangue e materiais precarios como os que usavamos. Muitas coisas se perderam por causa disto, mas o conceito permanece. N6s estabelecemos algo como urn corte epistemologico, e esses cortes sao muito suaves, e nao coma a Revolugao de 1917. Que, alias, comecou a ser feita no secub XIX. Os historiadores da arte nao se cansam de afirmar que a primeira obra de arte modema é As Demoiselles d'Avignon, de Picasso, que ficou quase 20 arms escondida. Os efeitos de uma vanguarda so sao sentidos mais tare, e a movimentagao daqueles dois anos foi ha apenas 16 anos. Nao estou prevendo sucesso ou o reconhecimento dos artistas: urn artista que queima sua obra é muito pouco narcisico. Nos nos comparamos as comunidades cristas primitivas, no mesmo sentido em que Engels disse que as comunidades cristas já existiam antes do cristianismo. 0 que houve foi uma fermentagao

"Havia de fato uma utopia, mas ela nao acabou. Utopia é algo que se coloca filosoficamente, e que esta dentro do imaginario, do sonho, da fantasia. E ela nao acaba, enquanto tema, so para os especialistas. E agora, nao se ye todo o mundo falando sobre isso? 2 urn tema que se pode abragar ou nao. Mesmo nesse pessoal da Geracao 80 - nao gosto muito desta rotulagao - a utopia esti muito presente. As imagens que eles criam tern a intencao de serem utopicas. Pode ser que eles fracassem, mas estao querendo chegar a isto. E a questa° extrapola a questa° da imagem, diz respeito ao estilo de vida - mas isso nao di para discutir. 0 que se passa é que a utopia pode ser pobre, mas isso é outra questao."

Por onde anda a utopia?

Luiz Alphonsus

"Eu queria a arte como uma situacao cósmica e ela so podia ser expressa na imaterialidade, nao na tela.11- abalhar corn uma ideia era mais fragil e amplo do que corn um objeto. Era como os sonhos que dominavam a epoca. A geracao 8o acredita mais no dinheiro como bandeira de trabalho. Isso é a procura da se guranga social e a negagao da marginalidade do artista. A tentativa de ser aceito é nao acreditar na transformagan, é compactuar. Nao se pode buscar a seguranga plena como artista."

CRHICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

A ARTE DO Al-S NOTE - REYNALDO ROELS IR. E JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

A ARTE DO Al-S HOIE - REYNALDO ROELS JR. E JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

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Anti-min Manuel "Eu vivia muito nos morroida Tijuca, princi-

palmente no Borel, e tinha urn fascinio muito grande por aquele tipo de mundo. A nossa geracao tinha urn sonho de integracao de classes, de ruptura das diferengas sociais que eu acho que continua presente, de forma diferente, nas lutas de hoje. Meu Ultimo trabalho, por exemplo, tern como titulo Abre Esta Porta. E em tons escuros de azul corn preto e no meio tern urn quadrado branco, a porta, ant da qual se esconde a utopia de sempre: urn mundo melhor, sem injusticas."

Marcuse, a pop art e os slogans que seriam gritados nas passeatas. Wanda foi aluna de Ivan Serpa e sempre baseou sua pintura entre o pop e o construtivo, concentrando por algum tempo uma tematica critica em relacao a sociedade de consumo. "Foram tempos dificeis aqueles", relembra. "E analisando meus trabalhos daquela opoca, vendo as linhas rigidas, tensas, chego a conclusao de que era minha maneira de falar da situacao". Hoje Wanda é uma das mais premiadas pintoras brasileiras e, conforme mostram na Saramenha, mistura o construtivo de 69 tendo as curvas dos morros cariocas como fundo.

ANTONIO MANUEL

Urn homem absolutamente nu foi o grande escandalo do Sala.° Nacional de Arte Moderna em 1970, no MAM. Era Antonio Manuel. "0 corpo é a obra", tentou explicar aos juizes que selecionavam os trabalhos. Desclassificado e nu, Antonio Manuel instalou-se entre os quadros e lancou no Brasil, muito branco e magro, a cultura do corpo - que depois viraria politica e seria transado como o grande monumento dos tempos modemos. Usou tam!Dem como metafora daqueles tempos crueis a imagem de urn bode, que soltou, quase como uma assinatura, em varias exposicoes. Urn dos trabalhos de Antonio Manuel, Eis o Saldo, sobre a repressao ao movimento estudantil, foi urn dos motivos para o Exercito fechar, em 69, a mostra dos artistas brasileiros que iriam a Bienal de Paris. WANDA PIMENTEL Ela era uma das mais assiduas freqiientado-

ras do bar do MAM, que, como ponto de encontro, era a mesma coisa que o Parque Lage para a Geracao 80. Era au i que se discutia

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GUILHEItME MAGALHAES VAZ

E do chamado "grupo de Brasilia", que ele considera o verdadeiro estopim do barulho de 69/70 corn isto deixando muita gente irritada (ha quem fale tambern do "grupo portugfues": Antonio Manuel, Barrio e Ascanio). Talvez seja ele o imico continuador do clima de guerrilha do periodo, o teorico mais radical de todos e de quem muitos cobram "os trabalhos em vez das ideias". Sustenta a importancia daquele momento das artes plasticas como promotor da grande ruptura corn a tradicao que advinha do modemismo de 22, e pretende manter, ate hoje a radicalidade em seu trabalho. ASCANIO No dia ern que foi decretado o AI-5, Ascanio Maria Martins Monteiro estava num ponto de onibus quando urn grupo de soldados revistou todas as outras cinco pessoas que estavam all - menos ele. Ascanio carregava numa bolsa todos as artigos, de torn inflamadissimo, contra a ditadura, do jomalzinho

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A ARTE DO AI-5 MOH — REYNALDO ROELS IR. E 10AQUIM FERREIRA DOS SANTOS

do DiretOrio da Faculdade de Arquitetura, que editava, e estava levando para a grafica. Escapou - mas o mesmo no pode se dizer de varios de seus amigos, desaparecidos na luta contra a repressao. "0 nosso grupo ia a reboque do movimento estudantil, nao havia urn embasamento -teorico", afirma. Era o imico escultor da Geragao AI-5, corn trabalhos geornetricos. Sua peca mais conhecida esti no jardim do Centro Empresarial Rio, em Botafogo.

netario, marcar o chao, deixar urn rastro de arte no planeta", diz."Eramos guerrilheiros." Como esses trabalhos nao podiam ser comercializados, pois se esgotavam no momento em que aconteciam, Alphonsus estava rompendo tambem corn as valores apodrecidos do mercado de arte. Queria "criar tensoes". Meses atras, saudou a passagem do cometa Halley corn uma instalacao na Petite Galerie em que misturava passistas de escola de samba, cantoras da escola Laurie Anderson e toques de surdo.

TERESA SIMOES

Uma das musas dos artistas plisticos do Rio de Janeiro, Teresa participou corn seus Iongos cabelos sedosos de exposicoes que marcaram epoca no Rio de Janeiro antes da eclosao do movimento de 1969 e 1970: Opinitio 66€ Nova Objetividade Brasileira, em 1967, que langaram as names de artistas coma Antonio Dias, Rubens Gerchman, Roberto Magalhaes, Carlos Zilio, e outros, anteriores a geragao do AI-5. Participou ainda do Salao da Bassola (1969), da manifestagao Do Corpo a Terra e da mostra seqliencial Agnus Del, ambas em 1970, antes de partir para o Estados Unidos, onde morou durante logos anos, deixando para tras uma enorme quantidade de trabalhos realizados em meio a movimentagao geral do periodo, como os carimbos corn textos e palavras de ordem politicos, e suas enormes telas brancas. LUIZ ALPHONSUS DE GUIMARAES:

Pam ele o mais importante trabalho de sua geragao foi mostrar que "qualquer urn pode criar arte". Em 1970, estendeu uma faixa de plastic° no chao e botou fogo. Titulo da obra: Napalm. "Era urn acontecimento poetic° pla-

CILDO MEIRELES

0 objeto material da arte, a tela e outros bens burgueses foram desprezados pela geragao AI-5. Ela odiava Medice e a pintura corn o mesmo fervor. 0 importante era o conceito, a ideia. Cildo Meireles, que veio de Brasilia para o Rio em 67, amarrou dez galinhas vivas num poste, besuntou-as corn gasolina e tacou fogo. Era uma maneira de questionar os novos espaws da obra de arte e denunciar a tortura no Brasil. Nome do trabalho: Totem - Monumento ao preso politico. Cildo inaugura esta semana uma na Petite Galerie, Ipanema, corn telOes, carvao e giz, que cutucam corn ironia as velhas nogoes de fundo e figura. UMBERTO COSTA BARROS

Hoje corn 38 anos e residente em Friburgo, Umberto Costa Barros desenha e trabalha corn arquitetura. E foi na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ que ele comecou sua atuagao artistico-politica, em urn salao promovido pela FAU, em 1969. Umberto se destacou no Salao de Arte Modema de 1970, quando apresentou trabalhos utilizando apenas as persianas do Museu de Arte

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS A ARTE DO AI-5 1 01E — REYNALDO ROELS IR. E 10AQUIM FER EIRA DOS ANTOS

Ins


Modenia do Rio de Janeiro, (re)arrumadas construtivamente. Foi urn dos primeiros e mais originais artistas a empregar o conceito de arte ambiental on instalagao, e corn poucos precursores (Hello Oiticica entre eles). Umberto comecou a se preocupar corn

as relacees entre a arte e a politica a partir de sua vivencia universitaria, coma é quase sempre a regra, mas sempre se definindo em favor de uma atuagao mais artistica, o que nem sempre ocorreu corn os estudantes de arte naquele periodo.

Morte e transfigurasio da arte nos programas das vanguardas artisticas MARiLIA ANDRES RIBEIRO este breve texto objetivamos refletir sobre os desdobramentos do prognestico hegeliano referentes a morte da arte. A principio, entendemos que esse prognostic° se aplica a uma determinada maneira de conceber e de fazer arte, que encontrou o seu Ultimo momenta no idealist-no romantic°. Mas essa descrenca hegeliana nao nos autoriza a decretar a morte da arte moderna que estava emergindo da propria crise do romantismo e tecendo novas possibilidades de desdobramentos artisticos. Fretendemos mostrar como a arte ainda continua viva no nosso seculo, transfigurada em mUltiplas tendencias contraditorias, acompanhando o olhar pr6prio dos artistas modernos e pulsando nas suas popeticas individuais. Nossa reflexao se apoia nas consideracees sobre a morte ou transfiguracao da arte,' em que Benedito Nunes aponta a atitude questionadora do artista de nosso tempo, que ao contrario do artista romantic°, abandona a confianca na manifestacao espiritual absoluta da arte, em troca de uma postura critica e polemica. Situamos a questa° da morte e transfiguracao da arte no amago das contradigoes presentes na modernidade, acompanhando o processo de modemizacao da sociedade

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS A ARTE DO Al-S DOH - REYNALDO ROELS JR. E JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

capitalista. Pensamos, coma Marshall Berman, que o homem moderno vive, uma vida de paradoxo e contradicao, experimentando a sensacao de se situar em dois mundos: o primeiro promete a aventura, a alegria, o crescimento, a transformagao, e o segundo ameaca destruir tudo que o homem tern, tudo o que sabe e tudo o que 6.2 Essa dicotomia pr6pria da modernidade encontra-se presente na relacao entre a arte e a vida moderna, na sucessao de tendencias da arte contemporanea, nas poeticas dos artistas ou nos principios estoticos que norteiam o fazer artistico. A partir dessa dicotomia consideramos duas vertentes significativas na arte do nosso seculo. A vertente critica, que coloca ern xeque o papel da arte na sociedade e questiona a predominancia da racionalidade tecnologica, em detrimento da imaginacao criadora, concretizando-se nas manifestacoes dadaistas, surealistas, na pintura gestual, nos happenings, nos conceitualismos e nas propostas da nova objetividade brasileira. A vertente construtiva, que se utiliza dos avancos cientificos e tecnologicos para a construcao de uma arte autonoma e pun, na linhagem do cubismo, do construtivismo, no neoplasticismo, da arte concreta e do concretismo brasileiro. Essas vertentes muitas vezes convivem no interior de um


mesmo movimento artistico como foi o caso do Neoconcretismo, considerado por Ronaldo Brito como "vertice e ruptura do projeto construtivo brasileiro". 3 As contradicoes emergem tambem das poeticas dos artistas modernos, tomando diferentes perspectivas segundo o olhar singular de cada artista e o seu posicionamento especifico no contexto historic°. Vejamos como essas consideracoes preliminares se concretizam nos trabalhos dos artistas modernos. Focalizamos o pensamento e a producao visual daqueles artistas que julgamos ter respondido corn major enfase as questoes referentes a morte de uma tradicao artistica, assumindo muitas vezes uma postura antiarte como foi o caso de Marcel Duchamp e dos brasileiros Hello Oiticica e Lygia Clark. Partimos da matriz duchampiana, que consideramos o exemplo mais significativo de questionamento da arte na sociedade industrial capitalista e o moment° de major radicalizacao das propostas de antiarte do movimento dadaista. Entendemos que essa atitude vanguardista de Duchamp pode ser tomada como baliza para inteligirmos a postura critica dos artistas brasileiros que radicalizaram o questionamento sobre o sentido da arte e o sentido da vida diante dos problemas artisticos, existenciais e politicos que vivenciaram no Brasil nos anos 6o. 0 questionamento de Duchamp teve como eixo o cubismo, apos uma intensa polemica em tomo de seu Nu Descend° a Escada, recusado pelos organizadores no Saldo dos Independentes em 1912. A partir desse episodio, Duchamp reagiu contra o academicismo cubista na pintura de cavalete e iniciou sua interrogacao artistica radical, concretizada nos ready-modes. Esses foram trabalhos experimentais e efemeros, que foca-

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lizavam os objetos industriais do cotidiano deslocados de sua finicao convencional. Ao descontextualizar as objetos, inserindo-os no circuito artistic°, Duchamp levava o espectador a perceber as contradicOes pr6prias desses ready-modes. A escolha que o artista fazia dos objetos pautava-se pela indiferenca visual e pelo grau de intelectualidade, recusando qualquer referencia a beleza estetica convencional. Os ready- modes como Roda tie Bicicleta (1913), Fonte (1917) e LHOOQ (1919), se apro)dmam do conceito de antiarte dadaista na medida em que questionam o circuito artistic°, mas ao mesmo tempo revelam a ironia intelectual que singulariza o trabalho de Duchamp. 0 proprio artista declarou que nao gostava do termo antiarte, por considera-lo uma das faces da mesma moeda, mas preferia usar o termo readymade, direcionando-o para a elaboracao de ideias e nao de produtos visuais. Os readymodes duchampianos tomaram-se paradigmas que impulsionaram as propostas das neovanguardas com a pop art, o novo realismo, a arte conceitual e tambem a nova objetividade brasileira. Ao mesmo tempo que Duchamp criava esses objetos provocativos, elaborava desenhos precisos e imaculados de objetos do cotidiano segundo os parametros da perspectiva cientifica. Duchamp inaugurava o momento pOs-cubista de volta a ordem classica, invertendo a lOgica das vanguardas hist6ricas, assim como o fizeram verbs artistas modemos. As pesquisas duchampianas tanto do periodo cubista quanto do periodo pos-cubista foram sintetizados na obra 0 Grande Vidro, em que o artista trabalhou durante xo anos (1915/1925) e que representou o seu maior desafio diante dos problemas da arte moderna. Essa sintese transparente do pensamento e da imaginacao duchampiana faz alusao a uma maqui-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS MORTE E TRANSFIGURAcA0 DA ARTE NOS PROGRAMAS DAS VANGUARDAS ARTiSTICAS - MARILIA ANDRES RIBEIRO

na erotica e explora a quarta dimensao do . objeto, incluindo a participacao do espectador na obra. 0 Grande Vidro possibilitou uma abertura de caminho para as poeticas centradas na obra aberta, que se efetivaram no happenings, nos acionismos, nas propostas processuais e vivenciais das neovanguardas. Consideramos a postura de Duchamp fundamental para compreendermos as contradicees da modemidade artistica e tambem para entendermos o elo que se estabeleceu entre as vanguardas hist6ricas e as neovanguardas artisticas.4No Brasil, sublinhamos as poeticas de Hello Oiticica e Lygia Clark, que atuaram no limite da Neoconcretismo e participaram da articulacao da nova objetividade brasileira. Esses nao so questionaram o estatuto tradicional das belas artes e o circuito oficial da arte, como tambem radicalizaram suas interrogacoes sobre a condi(do humana, diante da repressao que vivenciaram durante o autoritarismo implantado pelo golpe militar de 64. As trajetorias de Ligia Clark e Hello Oiticica se aproximam, na medida em que iniciaram suas interrogagoes sobre as implicagOes esteticas e sociais da pintura quando atuavam no movimento neoconcreto. Foram impulsionados pela teoria de Ferreira Gullar, que buscava a sensibilidade pura atraves da expressao artistica centrada na matriz construtiva. Ambos radicalizaram seus questionamentos rompendo corn as categorias convencionais das artes plasticas e voltaram para as pesquisas ambientais e corporais. Trabalharam corn proposicoes conceituais, processuais e vivenciais direcionadas para a concentracao de uma arte total integrada corn a vida. Titcaram suas experiencias profissionais ao longo dos anos 6o. Contribuindo para a articulacao da nova vanguarda brasileira.

Lygia Clark declarou a morte do piano quando construia seus contra-relevos espaciais denominados Superficies Moduladas (1958). Essas construcaes espacio-temporais se transformaram nos Bichos (1963), esculturas moveis abertas a participagao do pUblico. A artista voltou-se para dentro de si mesma e para a percepcdo de urn ritmo Unico e universal no ato de cortar o papel, quando elaborava o trabalho denominado Caminhando (1965). A consciencia da poesia no gesto artistic° se desdobrou em proposicees ambientais coletivas voltadas para a exploracao das sensacees tateis referentes a casa e ao corpo. A experiencia de Lygia Clark culminou nos trabalhos vivenciais realizados em Paris e denominados Corpo Coletivo (1974) que constituiram na troca de conteddos psfquicos entre as pessoas, a partir da vivencia em grupo de preocupagOes comuns, trabalho que se aproximava das terapias vivendais.5 Já Oiticica trabalhou em dois niveis: na producao artistica e na elaboracao do discurso critico. Sua experimentacao . plasfica iniciou-se corn a exploracao do gesto e da cor na superficie bidimensional, trabalhos denominados Metaesquemas (1958). Esses se transformaram nos BOlides (1964), que consistiam em caixas contendo diversos materiais, abertos a exploracao tarn do public°. Os &Slides desabrocharam nas proposigees ambientais coletivas como os Parangoles (1965), os Nucleos (1965), os Penetraveis (1967) e os Apocalipopoteses (1968), que culminaram na Whitechapel experience (1969) realizada em Londres. Essas proposigees ambientais definiram a posicao critica experimental de Oiticica em direcao a producao de urn camp0 de estruturas abertas ao exercicio da invencao coletiva. Suas pesquisas plasticas aparecem integradas corn a experiencia ra-

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dical de marginalidade, que orientou o seu inconformismo estetico e socia1. 8Ja o discurso critico de Oiticica, acompanhou o desenrolar di discussao sobre a vanguarda brasileira, contribuindo para a formulacao desse idedrio. Segundo esse critico, a Nova Objetividade Brasileira se caracteriza pelos seguintes pontos: vontade construtiva, tendencia ao objeto, participacao do espectador e tomada de posicao frente aos problemas politicos, sociais e eticos. Oiticica vislumbrava, ainda, nessa nova vanguarda, o ressurgimento da questa° da antiarte, concebida como a apropriacao das novas condicoes artisticas experimentais. 7

Para concluir, pensamos que tanto Oiticica quanta Lygia Clark se apropriaram de maneira singular das questees colocadas anteriormente par Duchamp, impulsionados pelos questionamentos proprios do artista modemo, e revelaram em seus trabalhos as contradigoes presentes na modemidade artistica. Ambos trabalharam no limite da dissolucao da arte, porem, nao deixaram de acreditar no sentido construtivo da criacao artistica. Enquanto Lygia Clark encontrou a solucao para suas interrogac6es nas vivencias terapeuticas coletivas, Oiticica deixou a sua contribuicao na formulacao critica dos postulados da nova objetividade brasileira. 8

Notas I. NUNES, Benedito. Introducao a Filosofia do Arte. Sao Paulo, Buriti, 1966. 2. BERMAN, Marshall. Mid° o que é Salida Desmancha no Ar. A Aventura da Modernidade. Sao Paulo, Companhia das Letras, 1986. 3. BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo, Vertice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro. Rio de Janeiro, MEC/Funarte, 1985. 4. GOLDING, John. The Bride Stripped Bare by her Bachelors, Even. New York Viking Press, 1972. SCHWARZ, Arturo. The complet works of Marcel Duchamp: New York, Harry Abrams INC Publishers, 2970. 5. MILLIE?, Maria Alice. Lygia Clark. Obra Trajeto. Sao Paulo, EDUSP, 2992.

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NETO, Afonso Henrique (org.).Lygia Clark. ColecaoArte Brasileira Contemporanea Rio de Janeiro, Funarte, 1980. 6. FAVARETTO, Celso. A invenciio tie Hello Oiticica, sao Paulo. Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciancias Humanas da US?, 1988. (Tese de Doutoramento em Filosofia). 7. OITICICA, Hello. Aspiro ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro, 1986. OITICICA, Hello. Esquema Geral do Nova Objetividade. Nova Objetividade Brasileira, Museu da Arte Moderna do Rio de Janeiro, 6 a 3o de abril de 1967. 8. Este texto foi publicado anteriormente em DUARTE, Rodrigo (org.). Anais Morte da Arte Hoje — Coloquio Nacional, Belo Horizonte, 25 a 18 de abril de £993.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS MORTE E TRANSFIGURA00 DA ARTE NOS PROGRAMAS DAS VANGUARDAS ART1STICAS - MAIDLIA ANDRES RIBEIRO

Do Corpo

a Terra

FREDERICO MORAIS a hist6ria da arte brasileira, 6 referido apenas corn o nome Do Corpo a Terra. Mas, na realidade, foram dais eventos simultaneos e integrados, a mostra Objeto e Participacao, inaugurada no palacio das Artes, em 17 de abril de 1970, e a manifestacao Do Corpo a Terra, que se desenvolveu no Parque Municipal de Belo Horizonte, entre 17 e 21 de abril do mesmo ano, promovidos pela Hidrominas — empresa de turismo do Estado de Minas Gerais. A iniciativa foi de Mari'Stella 11- istao, diretora do setor de exposicoes do recem-criado Palacio das Artes e idealizadora, tambem, do Salao de Ouro Preto, que a cada ano se ocupava de uma categoria estetica., Pelo sistema de rodizio, em 1970 seria a vez da escultura. Convidado par Mari'Stella a fazer a curadoria do Salao daquele ano, que seria realizado excepcionalmente no Palacio das Artes, substitui a escultura pelo objeto, ao mesmo tempo que inclui como area de atuacao dos artistas o Parque Municipal. Na segunda metade dos anos 6o, o objeto estava na ordem do dia. Jã na apresentaquo da mostra Vanguarda Brasileira, que realizei na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1966, eu definia o objeto "coma uma situagao nova, que configura

ou é o veiculo mais adequado para expressar as novas realidades propostas pela arte p6s-modema". No ano seguinte, urn movimento iniciado no Rio de Janeiro, contrario realizacao do "concurso de obras de arta em forma de caixa", resultou na mostra Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro, em abril de 1967. Curador do 4° Salao de Arte Modema do Distrito Federal (dezembro de 1967, em Brasilia), inclui, pela primeira vez, no regulamento de urn salao de arte brasileiro, o objeto como categoria. Era uma contradicao claramente assumida por mim, vista que, em novo texto, publicado naquele mesmo ano, eu reafirmava meu ponto de vista, ao dizer que "...o objeto nao pode ser rotulado em qualquer meio particular de expressao. Ele corresponde a uma nova situacao existencial do homem, a urn nova humanismo."Minha intencao, no entanto, era ampliar o debate em tom° do tema. Contudo, foi Hello Oiticica quern radicalizou, em texto e obra, o conceito. Escrevendo sobre "As instancias do problema Objeto", ele afirma: "0 Objeto 6 visto como acao no ambiente, dentro do qual os objetos existem como sinais e nao simplesmente como 'obras'. E a nova fase do puro exercicio vital, onde o artista é urn pro-


positor de atividades criadoras. 0 Objeto é a Parque as trabalhos se desenvolveram em descoberta do mundo a cadainstante, ele e locals e horarios diferentes, o que significa a criacao do que queiramos que seja. Urn dizer que ninguem, inclusive os artistas e o som, urn grito, podem ser urn Objeto." E foi curador, presenciou a totalidade das maniessa nogao ampla de objeto que fundamen- festacaes individuais; 3 - os trabalhos realizados no Parque permanecem la ate sua destou os dois eventos de Belo Horizonte. Por outro lado, o conceito de areas exter- truicao, acentuando o carater efemero das nas como extensao de museus e galerias já propostas; 4-a divulgacao foi feita por meio fora desenvolvido pot mim em pelo menos de volantes, distribuidos nas ruas e aveniduas ocasibes: no evento Arte no Aterro - das de Belo Horizonte, bem coma nos cineUrn Mos de Arte Priblica, em 1968, e na cor- mas, teatros e estadios de futebol, tal como respondencia que mantive corn Luciano já ocorrera corn Arte no Aterro. Finalmente, Gusmao, a proposito da instalagao Territori- tambem, pela primeira vez, urn critic° de os, que realizou na area extema do Museu arte atuava simultaneamente coma curador de Arte da Pampulha, em equipe corn Dil- e artista. Desde a realizagao da mostra Vanton Aranjo e Lotus Lobo. No primeiro caso, o guarda Brasileira, eu já vinha questionando Aterro do Flamengo foi considerado uma o carter exclusivamente judicativo da criextensao do Museu de Arte Modema do Rio tica de arte, dando-lhe uma dimensao criade Janeiro. No segundo caso, uma corda dora. A curadoria como extensao da ativiamarrada a uma pedra, localizada no interi- dade critica, o critic° como artista. Nao houve catalog°. A guisa de apresenor do museu, estendia-se ate o jardim, funcionando, pois, como uma especie de cor- tagao conjunta dos dois eventos, escrevi urn dao umbilical, o que considerei "urn belo texto que, mimeografado, circulou entre os achado", na carta que enviei a Luciano, da- participantes e o public°, ao mesmo tempo tada de 4 de fevereiro de 1970. E acrescenta- que era reproduzido, integral ou parcialva: "Hoje, 56 tern vitalidade a arte que esta mente, pela imprensa mineira e carioca. Urn inteiramente do lado de bra dos museus e pouco antes, erri fevereiro de 1970, eu publigalerias. Melhor que o Palacio das Pates é o cara na revista Vozes, do Rio de Janeiro, o Parque Municipal em torno. Melhor que a ensaio "Contra a arte afluente: o corpo é o sala de exposicaes da Reitoria é aquele va- motor da obra", no qual analisava a produzio, em derredor. Melhor que o Museu da gao recente da arte brasileira a partir do que Pampulha, é a montanha que este proximar chamei de "guerrilha artistica". Apesar do Foram \firths os aspectos inovadores em torn algo poetic° da narrativa, quase a defiarhbos os eventos, a saber: r - pela primeira nir o texto critic() como urn novo genero litevez, no Brasil, artistas eram convidados nao rario, a apresentacao dos dois eventos clarificava alguns conceitos e ideas do ensaio para expor obras já concluidas, mas para criacima referido. Devo reconhecer, no entanar seus trabalhos diretamente no local e, to, que em alguns momentos a apresentapara tanto, receberam passagem e hospedagem e, juntamente corn os artistas mi- gao resvalava para uma ret6rica afirmativaneiros, uma ajuda de custo; 2 - se no Palacio mente dognatica, a lembrar a linguagem de outros manifestos da vanguarda historica, houve urn uernissage corn hora marcada, no 196

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contudo, plenamente justificavel, tendo ern.. vista a radicalidade das propostas dos artistas envolvidos no projeto. Impassive' transcrever, aqui, a Integra do "manifesto", que, no entanto, encontra-se disponivel na exposigao. Destaco, pot, como exemplo, este topico: "Da arte a antiarte, do modem° ao pos-modemo, da arte de vanguarda a contra-arte, a abertura é sempre major. 0 horizonte da arte, hoje, é aberto, impreciso. Situac5es, eventos, rituais ou celebracoes - a arte nao se distingue mais, nitidamente, da vida e do cotidiano. (...) A vida que bate no seu corpo - eis a arte. 0 seu ambiente - eis a arte. Os ritmos psicofisicos - eis a arte. A vida intra-uterina - eis a arte. A supra-sensorialidade - eis a arte. Imaginar - eis a arte. 0 pneuma - eis a arte. A apropriagao de objetos e de areas - eis a arte. 0 puro gesto apropriativo de situacoes humanas ou vivencias poeticas - eis a axle." Na entrevista que concedi a Francisco Bittencourt para a reportagem que ele publicou no Jornal do Brasil ("A geragao trancamas", 9 maio 1970), carreguei mais ainda nas palavras. Respondendo a sua pergunta sobre se os acontecimentos de Belo Horizonte significavam uma nova Semana de Arte Modema, respondi: "Mario de Andrade, em conferencia comemorativa dos 20 anos de realizagao da Semana de 22, afirma: 'Nos eramos os filhos finals de uma civilizagao que acabou.' Nos somos mais p'retensiosos: se a nossa civilizagao esta apodrecida, voltemos a barbarie. Somos as barbaros de uma nova raga. Os imperadores da velha ordem que se guardem. (...) Trabalhamos com logo, sangue, ossos, lama, terra ou lixo. 0 que fazemos sao celebracees, ritos, rituais sacrificatorios. Nosso instrumento é o proprio cotp0 - contra os computadores. Usamos a ca-

bega - contra o coracao. E as visceras, se necessario. Nosso problema é etico - contra o onanismo estetico." E acrescentei: "Vanguarda no é atualizacao dos materials, nao é arte tecnolOgica. E urn comportamento, urn modo de encarar as coisas, os homens e os materiais, é uma atitude definida diante do mundo. Eo precario como norrna, a luta como processo de vida. Nao estamos preocupados em concluir, em dar exemplos. Em fazer Historia - ismos." Ern abril de 1970, ainda vigia o Ato Institucional n. 5, baixado pela ditadura militar, em 13 de dezembro de 1968, pie colocara o Congresso Nacional em recesso, estabelecendo a censura dos meios de comunicagao, suspendendo os direitos individuais e "oficializando" a tortura. Na seqiiencia, como se viu, vieram a cassacao de mandatos legislativos, a aposentadoria compulsoria de artistas, professores e intelectuais, a prisao, tortura e morte de lideres estudantis e militantes politicos, a invasao de universidades, a censura as obras de arte, o &ado e o exilio. A reacao as medidas de excecao veio na forma de assaltos a bancos, sequestro de embaixadores e boicote nacional e intemacional a Bienal de Sao Paulo. A resposta dos artistas assumiu a forma de uma "guerrilha artistica", desarticulando o sistema da arte vigente. Todos as artistas que participaram do evento Do Corpo a Terra receberam uma carta assinada pelo presidente da Hidrominas, autorizando-os a realizar trabalhos no Parque Municipal. Suprema ironia: esse apoio oficial iria estimular mais ainda a radicalidade dos trabalhos. Afinal, como lembrou Luiz Alphonsus, "foi esta carta que permitiu aos artistas transgredir as regras". 0 que, como era de esperar, provocou di-

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versos atritos corn a policia e corn funcionarios do Parque. As "trouxas ensangiientadas" que Barrio langou no Ribeirao do Arrudas, atraindo a atencao de urn public° enorrne, criaram uma tensao insuportavel, o que acabou provocando a intervengao do Corpo de Bombeiros e, a seguir, da policia. 0 ritual de queima de galinhas vivas executado por Cildo Meireles foi condenado por deputados, em discursos inflamados, durante o almogo que precedeu a entrega de Medalhas da Inconfidencia, em Ouro Preto, durante o qual, alias, se serviu frango ao molho pardo. Lotus Lobo precisou interromper sua plantagao de milho, pressionada pot policiais de uma radiopatrulha. As sementes nao germinaram. Enquanto numa ponta Luciano Gusmao e DiIton Araajo cercavam, corn cordonetes, uma area do Parque, na retaguarda funcionarios desfaziam o trabalho. E antes que as saavas comegassem a devorar o acucar lancado sobre uma trilha aberta na terra vermelha da Serra do Curral, no trabalho executado por Lee Jaffe a partir de uma ideia de Hello Oiticica, ela foi destruida pelo trator de uma empresa mineradora. Metaforas e mensagens politicas estavam presentes em varios outros trabalhos, como nos carimbos de Thereza Simbes contendo inscricoes como Dirty, Verbotten, Fragile e Act silently (uma afirmacao de Malcom X), aplicados nas paredes, paineis e vidragas do Palacio das Artes. Seus carimbos estabeleciam urn paralelo corn as palavras (Ver)melha e (Grama)tica, grifadas na grama ou nas calcadas do Parque por Jose Ronaldo Lima, tendo ao lado jomais corn manchetes sobre a revolugao cultural da China e a Guerra do Vietna. Os engradados de madeira pintada de Alfredo Jose Fontes, lembrando grrnadi-

lhas para animais, foram definidos pelo artista como metaforas de comportamento politico: esquerda, direita, volver. A proposta de demarcagao de areas do Parque e sua redefinigao como espagos de repressao ou liberdade, de alienagao ou contemplagao, desenvolvida em conjunto por Luciano Gusmao e Dilton Araajo, nao era menos politica. Sem davida alguma, foi este "campo critico" que prevaleceu na maioria dos trabalhos desenvolvidos no Parque Municipal. Mas a reagao se deveu tambem a inortodoxia da estrutura formal e dos materiais empregados pelos artistas, subvertendo radicalmente a linguagem das artes plisticas, coma na explosao de granadas de sinalizagao militar, hoje banalizadas pelas torcidas nos estadios de futebol, mas, naqueles anos de chumbo, de uso exclusivo do Exercito. A incompreensao, de urn lado, e o autoritarismo vigente no pals, de outro, acrescentaram aos trabalhos urn conteado politico. Luiz Alphonsus disse que seu objetivo ao incendiar uma faixa de plastic° de 15 metros estendida sabre a grama era "marcar o chao, deixar urn rastro de arte no planeta". Lotus Lobo, mais modesta, queria apenas "ver o milho crescendo e florindo num lugar inusitado". Tempos dificeis aqueles. Mas ao lado dessa dimensao politica, urn outro aspecto se evidenciou em inameros trabalhos, antecipando, de cena forma, uma das vertentes da arte atual - a cartografica. Corn efeito, as artistas escrutaram a enorme extensao do Parque Municipal, demarcando territorios, delimitando fronteiras, apropri a ndo- se de locais, lugares ou areas, buscando para cada urn desses espacos novas fungi:3es e significados, procurando apreencle-los de forma poetica, imaginativa, conceitual ou segundo parametros so-

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ciourbanisticos e antropologicos. E sem que tivesse havido uma discussao previa entre as artistas, esses trabalhos dialogaram entre si, estabelecendo, assim, novos elos de significado. A "geografia" de Luciano Gusmao e Dilton Araujo incidindo sabre as apropriacoes fotograficas de minhas Quinze ligoes sobre cute e historia da arte - Apropriagoes: homenagens e equagoes, cuja primeira rebatia no trabalho de Dileny Campos, o qua!, como observou Manta Andres Ribeiro, "apontava as aspectos desconstrutivos da cidade, levando o transeunte a ver uma outra paisagem dentro da paisagem - a paisagem da arqueologia urbana". Uma terceira linha de trabalhos destacou-se ao lado das vertentes politica e cartografica. Quase uma tendencia, anarquica e dessacralizadora, que, ora tangenciando o niilismo dos dadaistas e "fluxistas", ora aproximando-se do conceito de uma criatividade generalizada, questionava mitos e postulados da arte. Urn certo runner° de trabalhos recolocava a questao da participacao do espectador. Participacao que ao mesmo tempo afirma e nega a obra de arte. George Helt estendeu, na entrada do Palacio da Artes, uma faixa de papel corn suas pegadas impressas corn tinta litografica, convidando as visitantes a caminhar pot sobre ela. Terezinha Soares convidou literalmente as visitantes a deitarem sobre seu trabalho: tres camas corn colchoes que tinham as cores de times de futebol, formas recortadas figurando jogadores e tecnicos e um titulo trocadilhesco: Ela me deu a bola. Eduardo Angelo empregou jornais velhos espalhados sabre a grama para estimular a livre criatividade dos freqiientadores do Parque e Jose Ronaldo Lima realizou no Palacio das Artes trabalhos tateis-olfativos.

Foram, foram Umberto Costa Barros e Dilton Araajo as dais artistas que melhor expressaram essa postura "antiartistica". Na maioria das vezes, o public° nem se cla conta da existencia dos trabalhos realizados por Umberto, ou as percebe, inicialmente, como alguma coisa en-ada, desarrumada, fora do lugar. No z° Salao de Verao, ele questionou o prOprio sistema de exposicoes, desarrumando as paineis, e no Salao Nacional de Arte Modema, ambos realizados no Rio de Janeiro, em 1970, deu novo arranjo as persianas do Museu de Arte Modema. Em Belo Horizonte, escolheu uma sala no subsolo do Palacio das Artes, ainda em obras, onde empilhou e equilibrou, precariamente, tijolos, restos de paineis e pedestais, escadas, barro e outros materials de construcao, recolhidos no proprio local, realizando uma sutilissima instalacao, na qual as estruturas oscilavam entre acaso e ordem, entre o desfeito e o refeito. Tao discreto e esquivo quanto seu colega carioca, Dilton Araajo, alem dos trabalhos realizados em conjunto corn Luciano Gusmao, deixou sua marca em situagoes e aceies que foi improvisando naqueles dias, estimulado pelos proprios acontecimentos, como langar pedras de cal no espago ou, sorrateiramente, colocar uma caixa de fosforo no recinto da mostra Objeto e Participacao, ao lado da qua! escreveu "Uma possibilidade!", ou no texto provo-cativo corn que encaminhou suas propostas de trabalho. Neste, pode-se ler uma inteligente teorizacao sabre o panfleto como "obra de arte" ou afirmacoes coma esta: "Fazer arte ou chutar uma lata velha pela ma. Nao que eu menospreze a arte, mas eu dou mais importancia a chutar uma lata velha pela rua". Finalmente, cabe observar que, no amplo leque de °I:Noes oferecidas pelos eventos si-

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multaneos e integrados de Belo Horizonte, houve espago pan a participacao de artistas de diferentes gerag5es, cujas obras dialogam corn varias tendencias da arte contemporanea. Carlos Vergara recortou figuras em papelao corrugado coma se fossem clones de seres humanos produzidos em massa, enquanto Manoel Serpa e Manfredo Souzaneto, em trabalho conjunto, arrancaram de sua banalidade cotidiana dois pregadores de mupa, monumentalizando-os. Se nas obras realizadas por esses tres altimos artistas persistiam certos residuos da Pop Art norte-americana, lone Saldanha e Franz Weissmann renovavam a tradicao construtiva, a primeira

pela via sensivel da cor, tendo coma suporte ripas e bambus, o segundo construindo urn labirinto linear - apice de seu conceito da escultura coma urn desenho no espaco, mas tambem a consagracao de outro conceito do artista: a escultura habitavel. verdade, foram tempos dificeis - de liberdade truncada, de censura e de repressao. Mas nem por isso as artistas brasileiros deixaram de criar, opinar e questionar, defendendo, contra tudo e contra todos, sua liberdade criativa. Liberdade que, como afirmou Mario de Andrade, encerrando sua conferencia, antes referida, "...nao é urn pramio, é uma sangao. Que ha de vir".

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Saudasao a Manuel Bandeira MURILO MENDES .

onvidado pela jovem Associacao Brasileira de Criticos de Arte para - - saudar Manuel Bandeira como animador das artes, vi-me em singular situagao. É que entrei nesta sociedade como Pilatos no Credo. Pessoa minha amiga, de fina inteligencia, costuma comparar o Brasil a Alice no Pais das Maravilhas. Nesta perspectiva duma fantistica alteragao de pianos tudo é possivel, ate mesmo que eu me tome urn dia critico de arte. Por enquanto nao passo dum amador, embora veterano, das artes plasticas. Se antiguidade é posto, digamos que vale a promocao. Mas se é o merecimento que conta deveria eu ter saido pelos fundos do convite. 0 que me reteve foi — digo-o honestamente — a icleia‘ de saudar de publico meu querido amigo Manuel Bandeira, o que constitui para mim deveras uma honra e urn excepcional prazer. Outra dificuldade surgia no meu caminho como a certeira pedra do famoso poema, do rigoroso e objetivo poema: é que a bibliografia de Manuel Bandeira como critic° de arte é muito escassa. Publicou ele o consciencioso e bem-informado Guia de Ouro Preto e nas deliciosas Cronicas da Provincia do Brasil artigos sobre arquitetura brasileira e alguns atuais pintores nossos. 0 resto acha-se dispersado par colaboracoes em jomais e revis-

tas do Pais, mormente em Autores e Livros, do Rio, e no Dian° Nacional, de Sao Paulo. Mas a dificuldade mencionada apresenta afinal uma outra face: nela miramos o aspecto da personalidade de Manuel Bandeira como critic° de arte, isto é, critico nao-oficial, sem sistema, franco-atirador, livre de qualquer ortodoxia. Urn aspecto integrado na linha geral da personalidade de Manuel Bandeira poeta, erudito, ensaista, critic° e historiador literario, cronista, tradutor; enfim, repetindo uma famosa sentenca — autentico exemplar do perfeito homem de letras. Esta negligencia de Manuel Bandeira em reunir em volume suas cronicas de arte, num pals tao pobre em publicacoes deste goner°, lanca uma luz nova sobre sua carreira como critico de arte, repito. Ha, a meu ver, duas categorias principais de criticos de art: o critico oficial de grande envergadura e responsabilidade, o analista, o sistematizador de opinioes e correntes esteticas, urn Bernard Berenson, um Lionello Venturi, um Herbert Read — analista que se aparenta de urn certo modo ao homem de ciencia; e ha o critico amador, o que faz das artes mais urn campo de deleitacao, de contemplacao, do que de estudo ou pesquisa — categoria em que poderiamos incluir urn mike, um Apollinaire, um Cocteau — e muito

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mais do que qualquer outro no momento atual, um Marcel Arland. . Sao em geral, tanto uns‘como outros das duas categorias — os da seg-unda muito mais, é claro — olhados corn desconfianga, nao-direi par todos — mas por muitos artistas plasticos que contam. Sao os "poetas", as "literatos", que nao entendem de arte, de tecnica, e ousam escrever e opinar sobre quadros, esculturas, gravuras. Seria, entretanto, facil demonstrar que, apesar de toda essa ignorancia de que sao portadores, conseguem as literatos set, pela misteriosa via da intuicao, dos primeiros a ler corn avidez o que eu chamo "os textos plasticos", a coloca-los sob sua verdadeira luz, muitas vezes antes que os doutos e ate mesmo os propfios artistas plasticos o fagam. 0 escritor, de modo geral, interessa-se por uma variedade major de assuntos de cultura, o que confere ao seu espinto um registro mais amplo. Ele sabe que a tecnica do artista é urn meio e nao urn fim para dizer alguma coisa, para se comunicar corn o mundo. Se é verdade que em outras epocas o "poetico" identificava-se muitas vezes ao "vago", ou a beleza convencional e prejulgada do assunto, o que alterava as valores de apreciagao critica duma obra plastica par parte dum poeta, é tambem verdade que este hoje acha-se muito melhor armada para fundamentar sua opiniao. Sabemos agora, como diz Lionello Venturi, que "destacar o assunto, o conteado ou as elementos fisicos da forma —linha, relevo, cor — do conjunto da pintura, significa negligenciar seu valor de arta. Para a arte, a transformagao desses elementos em um todo harmonics°, em uma sintese que os toma diferentes do que eram — é a vida. Sua separagao é a morte". E pois corn certo ceticismo que urn poeta double de critic° de arte amador se aproxima hoje da pintura chamada "poetica". Lie

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tern a seu servico urn arsenal de informagoes que lhe permitirao urn exame o mais objetivo possivel das obras de arte. Mas se a seiva do seu espirito é generosa ele podera curvarse sabre as manifestagoes de arte as mais diversas e mesmo opostas, desde que a verdade plastica sulja em primeiro piano. Se for dotado de um senso critic° muito apurado, controlara seu primeiro entusiasmo diante de certos documentos que tangenciam a esfera plastica, por exempla os desenhos de loucos, de pintores bissextos, de amadores etc. Nao que essas produgoes deixem de oferecer interesse. Longe digs°. 0 perigo consiste em niveld-las as criagOes superiores e definitivas do espirito. Estudados justamente pie foram os direitos e a contribuicao do inconsciente na elaboracao das obras de ante, uma critica mais lacida proclama hoje na Europa a primazia do consciente, seja na funcao precfpua do artesanato, seja na conclusao intima da obra, na sua finalidade osuprema de alargar a comunicacao entre os homens — o que nao anula o direito do artista a solidao. Procurar resolver o equilibria entre solidao e comunidade, eis mesmo um dos grandes problemas sociais e filosoficos do seculo. Reconhecidos estes primeiros princfpios diretivos de urn metodo critico em consonancia corn o ideal estetico modemo, creio que me pode ser dada licenca pan afirmar o que infelizmente ainda é negado ou contestado hoje por certos artistas plasticos — isto é, que toda a verdadeira obra de arte possui um forte, urn inalienavel contend° de poesia. Sabre este ponto importante Andre Malraux chama a atengao mais de uma vez, elevando-o a altura duma reivindicacao, na sua já famosa obra Psychologie de Fart. E superfluo acentuar que subscrevemos totalmente a sua tese, acrescentando-lhe este , comentario: o ser fungao da critica de

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SAUDAcA0 A MANUEL BANDEIRA - MURILO MENDES

arte, tanto a analitica e ortodoxa quanta a. literdria ou impressionista, destacar diante do pane° esses elementos de poesia, ao mesmo tempo que explicar sua profunda significacao no conjunto da obra. A medida que a sensibilidade e a cultura do espectador se desenvolverem, percebera ele como a simples cadeira de Van Gogh au a pobre maga de Cezanne, por isso que fundadas na verdade plastica, encerram urn forte conteado de poesia, enquanto que milhares de quadros em que figuram anjos, astros, arvores retorcidas, dangarinos de fogo etc., nao ajuntam nem urn milimetro ao territOrio da pintura ou ao da poesia. A funcao exercida por Manuel Bandeira nestes altimos trinta anos em que se desenvolveram consideravelmente as artes plasticas no Brasil é sobretudo a de urn animador; e se nos lembrarmos que uma boa parte dessa atividade nao foi publicamente divulgada, podemos figural- Manuel Bandeira coma uma especie de Eminence Grise, urn demonio sutil, entre bondoso e sarcastic° — para o que concorre, alem da inteligencia e intuicao, o seu prOprio fisico, a sua intransferivel risada, bem como a lenda criada em seu redor pela gloria do poeta. Ao mesmo tempo visivel e invisivel, doente e ultra-sadio, sabendo estar presente a tudo e escapar a tudo, Manuel foi construindo sua obra em que se conciliam a exigencia dum alto rigor tecnico e uma extrema liberdade. E indiscutivel que esta obra constitui desde já urn precioso patrimonio da nossa cultura, fonte perene de nosso lirismo, cam as suas antigas e sOliclas raizes portuguesas, a que a indisciplina e a vivacidade brasileira acrescentaram sabor especifico. Obra de confissao pessoal, vazada em adiantadissima experiencia Merida, testemunha do avango do espirito brasileiro nas suas coor-

denadas mais lacidas, ma sua constante necessidade de invengao de mitos, a obra de Manuel Bandeira, que funde as elementos populares e as emditos, construiu-se sob o signo da necessidade criadora, de transfiguraga° de urn mundo hpstil — coma todas as obras de ante que trazem o selo da autenticidade e da duragao. No trabalho de exame e apreciagao das obras plasticas que vinham surgindo no Brasil, procedeu Manuel corn espfrito de generosidade e simpatia humana que tambem aplicava as °bras literarias nascentes. Foi ele dos primeiros a descobrir e exaltar o valor e a significacao de uma Anita Malfatti, urn Segall, urn Guignard, urn Portinari, uma Tarsila, um Di Cavalcanti, urn Celso Antonio, urn Goeldi, um Cicero Dias, urn Aleijadinho — esta nossa recente descoberta. Sabre Ismael Nery, grande precursor da modema pintura brasileira, foi dos rarissimos a escrever em vida do artista, e mais de uma vez. A todos encorajou, ora aberta ora discretamente, estimulando a realizagao de exposicoes, publicando artigos e crOnicas, prefacios para catalogos, visitando os atelies, procurando sempre apontar as verdadeiros valdres, distinguindo-os dos charlataeg e mistificadores que se insinuam ern todos as movimentos de reivindicagao. Dois names prinCipais de poetas, alem dos de criticos militantes, acham-se ligados a essa grande operacao pablica de valorizagao dos artistas mod ernos no Brasil: o de Mario de Andrade e o de Manuel Bandeira. Bern sei pie nossos artistas plasticos ainda lutam corn muitas dificuldades e incompreensoes, mas a primeira etapa da batalha, a mais rude, ja foi vencida. Os jovens nao podem se dar bem conta do que era a situagao ha 20 OU 30 anos atras, a terrivel solidao desses artistas plasticos. Par isso a agao propulsora de um Mario de Andrade e urn Manuel

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Bandeira, alem da de alguns outros, ha de contar quando se escrever mais tarde a historia objetiva desse movimento. Apesar dos pesares o fato é que suas °pinkies contavam e muitas vezes impunham respeito aos recalcitrantes. E corn isto me vem a sugestao conclusiva, ao fazer o voto que o exemplo de Manuel Bandeira mais tarde se transmita a

poetas jovens que se tomem animadores dos futuros movimentos de artes plasticas, seguindo a linha de rigor, de fantasia, de simpatia humana daqueles que tern a glen-la de haver assinado A Cinza das Floras, Carnaval, 0 Ritmo Dissoluto, Libertina gem, Estrela da Manil& Lira dos Cingilentanos, Belo Belo.

Do porco empalhado ou os criterios da critica

© By Maria da Saudade Cortes5o Mendes

MARIO PEDROSA A epoca contemporanea tern sido particularmente fertil em mudangas de criterios criticos, em mudangas de valores, em face das mudancas sucessivas de escolas, estilos, movimentos.Vejam: muitos dos nossos mestres e confrades mais ilustres, por exemplo, de urn Lionello Venturi a urn Paul Fierens, o primeiro presidente que teve a nossa AICA, ambos mortos, e muitos outros ainda nos principais paises europeus, iniciaram-se na "ciencia", na "arte" ou na "tecnica" da critica ainda corn o pos-impressionismo, e, sem tempo de tomar folego, ei-los diante do "escandalo" do expressionismo ou do "desafio" do fauvismo. Mas logo tiveram que se haver corn o cubismo, o futurismo, o construtivismo. 0 grande pliblico — o grande? qual nada, o pnblico ilustrado — apenas comecava a digerir o impressionismo primeirissimo, o de Manet, que ja nao 6 para a sensibilidade de hoje impressionista e, em seguida, o de Renoir das lindas senhoras e das lindas criangas, nos belos parques corn belos vestidos, e o de Degas, das bailarinas. Cezanne ainda era urn ermitao discutido, temido ou ridicularizado, enquanto que Manet 56 pan o meio seculo 6 realmente tirado da penumbra. 0 tachismo, o informal, descobriram nele o primeiro dos abstracionistas. •

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SAUDAcA0 A MANUEL BANDEIRA - MURILO MENDES

Para avaliar-se bem do caleidoscopio artistic° que ia pela Europa, em tomo de Paris, efetivamente, entao, o centro do mundo das Aries, basta atentar-se para o fato de que Seurat e Gauguin, ou Cezanne, ainda nao eram aceitos, e ja amadores e criticos vanguardistas esbarravam corn o grupo, logo batizado das feras (Les Fauves), no Sala° de Outono, de rgo5, onde Manet ainda tinha as honras de uma importante retrospectiva. Na sala das "fens", la estavam Matisse e Derain, que pegava de urn tubo fresco de tinta e o descarregava na tela, como Um cartucho, Wlaminck, o brutamontes bonachao que pintava a maos cheias suas paisagens. Antes do cinema, uma nouvelle vague, ap6s outra, inundou as praias das Artes Plasticas, desde o comego do seculo ate hoje; a tendencia tern sido para essas vagas se precipitarem sobre n6s, em tropel. (Na base dessa verificagao estetico-historico-socio16gica e que falei numa "lei de aceleramento dos ismos", a medida que se avangava para o óltimo quartel do seculo.) Corn efeito, nem bem o fauvismo 6, nao direi domesticado ou digerido, mas apenas constado, e canhestramente definido, que a vaga mais alta se desfaz sobre Paris. E, corn a revelagao da arte negra, a chegada dos jacobinos da Revolugao: os cubistas. Picasso abala o mundo das

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Axles corn uma verdadeira explosao revolucionaria, Les Demoiselles d'Avignon. Atraves dos escombros produzidos pela explosao, verifica-se — a gente esta at6nita — como muitos dos valores-tabus estao por terra: a perspectiva aerea, a luz atmosterica, os jogos Opticos de luz, a fusao cromatica na retina, a pasta-argamassa, a profundeza figural, os tons altos. 0 impressionismo, enfim, esti enterrado. Aos olhos das novas vagas, ele aparece como uma arte da pequena burguesia, a cata de prazeres sensoriais nao muito caros e inocentes. Paul Valery, alarmado em face do cubismo, quer saber como de entao por diante se vai distinguir urn artista do outro, um Braque de urn Picasso, quando todos geometrizam sua paisagem, anulam as perspectivas, planificam os volumes, "analisam" os Tetratos, terrificam os tons. Depois da revolucao cubista, o tropel das vagas nao cessou. Ao sul e a leste, ja haviam soado ou soavam os clarins do futurismo e do construtivismo. A guerra vem, e antes mesmo de acabar estalam as baterias do dadaismo, contra todos os valores ate entao proclamados. Surge, a seguir, a revolta total, poetica, antiplastica, moral e politica do surrealismo, que nega o cubismo, ao passo que, no polo oposto, o neoplasticismo de Mondrian, levando o cubismo as suas altimas conclus5es plasticas, se prop8e supera-lo no seu proprio terreno. 0 critico planteia-se nesse tropel de movimentos, como o outro lado inevitavel do artista; seria a consciencia involuntaria, ou nth) reprimida deste. Sua funcao, cada vez mais incemoda, o leva ou a assumir deliberadamente um papel partidario, ativo de urn ismo ou a set de mais a mais, uma alma dilacerada que, por dever de universalidade, testemunha impavida e viva de seu tempo, tern de relacionar os polos, descobrir-lhes a

estrutura comum em que se colocam, e dar sobre eles o depoimento de sua presenga, que encerra ou deve encerrar os criterios de juizo que sao os seus. Cada artista faz, uma vez, sua revolucao, mas o critico é a testemunha sem repouso de cada revolugao. Urn episoclio revolucionario apOs outro perfaz, numa so eimca, um processo. 0 papel do critico é definir em sua totalidade esse processo, ou o processo de uma so revolugao mas em permanencia. 0 critic°, pelo estudo e conhecimento desse processo é o Unica a saber que tudo é uma so revolugao. Ora, corn efeito, a revolugao permanente é o Unico conceito que abarca de urn modo mais geral e profundo a nossa epoca. 0 critic° vive, pois, ern revolucao permanente. Victor Hugo definira uma vez o poeta (ou ele mesmo) como aquele que Deus colocara "no centro de tudo, como urn eco sonoro". Se nao fosse a entase hugoana, que tomaria grandiloqiiente demais a comparacao, quando medida pelo modesto estalao de nossas fungoes, seria capaz de lancar mao dela para definir a posicao da* critica. Mas, entao, ao inves de ser o "eco sonoro" no centro de tudo, diria ser uma especie de grilo chato que nao para, num canto da sala grande social, de dar sinal de sua presenga, testemunhando que a noite chega mas é sempre verao. A revolugao prossegue, e da Alemanha e da Russia surgem, respectivamente, cam o Blau Reiter, o abstracionismo antiobjetal de Kandinsky, e com.Malevitch, que proclama, num despojamento total já a prenunciar as apreens5es infra-sensoriais ulteriores, "a sensibilidade da ausencia do objeto", o suprematismo, e corn Tatlin, Pevsner, Gabo, que se prop5e já o cinetismo, e a projegao corn Moholy-Nagy, a sintese construtivista. Nesse processo que envolve a Europa inteira, do Atlantic° aos Urais, no fluxo incessante dos

ismos, o critic° tem assim de conservar a ca- processo. Era a obra ñnica, privilegiada, do bega acima da corrente. A cada momenta artista, do sujeito. 0 supremo valor que era tern de acompanhar o artista nas suas inves- necessario ajuizar estava ou era a obra de tigagOes, na sua inquietude criadora, mas arte em si. Uma linguagem extremamente tern adicionalmente de se esforcar por, a apurada havia se forrnado no curso do secucada momento, saber nao so capti-las, mas lo para definir, isolar, exaltar os valores plascoloca-las em situagao. Mesmo quando ticos, expressivos, esteticos supremos encercombate por uma ideia, por urn movimento, rados em cada obra, em cada movimento. Esse vocabulario, instrumento maior da a unilateralidade do ardsta, inerente, natural a personalidade do artista, nao pode ser critica, porem, veio entrando em crise dessua; pois que para explicar, defender, situar, de o concretismo, e dissolveu-se corn o adhierarquizar, é sua obrigacao ver tambem de yenta da pop art e cinetismo. Os supremos outros angulos. Al do critic° que nao reco- valores plasticos sao agora relativizados. A nhece as valores plasticos autenticos onde obra de arte em si mesma perde sua unicise encontrem, ern qualquer movimento; ou dade e pretensao a etemidade. Os materique desconhece outros valores, como os po- als corn que passa a ser feita nao tern mais eticos, por exemplo; dirao que sua gama de tampouco a velha nobreza do marmore ou apreensao é ern escala reduzida; o mesmo do bronze ou do Oleo, que pretende fixar-se dird do que passar intocado por documen- para sempre. Os generos tradicionais da Estos de valores esteticos mais elementares, cultura e Pintura sao negados. Os materiais como no artista primed°, inconsciente, in- mais precarios sao usados pelos artistas; nao genuo ou de evidente primitividade, num perduram, mas sao renovaveis. A pretensao a originalidade se perde; a ojeriza aristocracompleto isolamento cultural. Urn critic° de arte, hoje em dia, me dizia tica a c6pia acabou. (As tecnicas de reproducao cada vez mais aperfeigoadas vao sendo urn eminente critic° trances, precisa ser urn enciclopedico, conhecer nao somente as dis- avidamente procuradas pelos artistas, no ciplinas diretamente relacionadas ao métier, fundo para que sua obra esteja ao alcance de mas ser versado ou pelo menos lido em qual- mais coisas.) Os artistas querem sobretudo sair do isoquer das Ciencias Humanas e em Maternatica, sem falar, é claro, em Filosofia. Corn o lamento social e moral de antes. A arte de abstracionismo em suas mUltiplas ramifica- participacao parece que visa a arrancar o esgoes, desde a maioria do concretismo, novas pectador de sua passividade contemplativa, disciplinas, modemissimas, foram chama- ou melhor, de seu indiferentismo plurissendas a campo, da Semantica a Semiotica, da sorial e corp6reo, de seu neutralism° moral Teoria da Informacao a Cibernetica. Uma e cultural. No fundo de todo esse movimenbusca avida de significagao passou a supe- to antiarte o que jaz por baixo é uma sagrarar a busca ate entao exclusivista dos valo- da nostalgia dos artistas por uma sociedade res expressivos. Quis-se, acima de tudo, des- em que fossem tao integrados, tao impresvendar o que era o abstracionismo. Decifrar- cindivel a sua vida coletiva como nas socielhe as mensagens. Mas havia urn "mas" que dades de culturas primitivas, de comunidareunia todos os ismos precedentes num de sodal autentica, o eram a sua sobrevivenmesmo estruturamento, se nao no mesmo cia, a preservagao de seus ritos sagrados e CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS 00 PORCO EMPALHADO OU OS CRITERIOS DA CRITICA - MARIO PEDROSA

DO PORCO EMPALHADO OU OS CRIJERIOS DA CRITICA - MARIO PEDROSA

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mitos, os emulos dos artistas marginalizados de hoje, seus tanoeiros e cagadores, costeiros e trancadores, oleiros e tatuadores, dangarinos e construtores, fazedores de coisas do cotidiano, de coisas do sagrado. Nada diz, entretanto, que a partida esteja ganha pan a familia dos artistas atuais. Por enquanto eles se acham ainda na fase de desmistificacao cultural e estetica, iniciada meio inconscientemente, marginalmente, pelo punhado de dadaistas no comeco do seculo. Nao é por acaso que ao mesmo tempo que as artistas vanguardeiros de hoje, conscientes, parte ativa da juventude do mundo sai por al em grupo de beatniks hippies e nao sei mais que, numa agao coletiva, no fundo paralela de desmistificagao moral. E nesse contexto que vem urn jovem artista paulista de talento, duma familia alias de artistas, para interpelar o jari do Salao de Brasilia, em carta publicada em jomal, sobre o criterio que o levou a aceitar sua "obra" Porco Empalhado, que mandou corn outro urn cepo de madeira, sob a designagao generica algo escolastica de "materia e forma". Esperava Nelson Leimer que o jun a tivesse recusado? Por que nao tinha valor plastico? Por que nao era "uma obra de arte"? Por que nao fora "criada" ou nao tinha originalidade? Mas se se trata de urn "porco empalhado", alguern o empalhou. Empalhar animais é uma arte reconhecida e apreciada, a taxidermia. E tambem Nelson perito nela? Mas se ele apenas comprou o porco empalhado engradado e mandou a Brasilia, a obra cai na categoria dos ready-made a la Duchamp. Quereria o jovern artista que o Jari fosse negar validez (ainda reconhecendo seus precedentes) a essa proposigao, uma das mais ricas de con-

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sequencias, que se bolaram desde Dade, no mesmo contexto de desmistificagao cultural e estetica? Se, porem, a objecao latente é quanto a originalidade da obra, nao entenderia Leimer o que esta fazendo? Entao que me deixe reportar a alga de muito curioso que sucedeu corn uma mostra individual de Andy Warhol, numa galeria de Toronto, Canada, em margo de 1965. Warhol, que é urn dos protagonistas do pop, naquela epoca se apropriava de series de objetos de uso comercial, e os-arrumava em exposigao. Quando chegaram all as caixas de papelao e latas cam rotulos de produtos comerciais conhecidissimas, o Dr. Comfort, diretor da Galeria Nacional do Canada, foi consultado sobre a autenticidade ou o valor daquelas "obras". A suprema autoridade das artes no mundo oficial canadense determinou, entao, que nao sendo aqueles "produtos" escultura original de Warhol deviam pagar 05 20% de taxa de importagao (tinham sido trazidos de Nova York, residencia do artista) para poder ser expostos. 0 dono da galeria aceitou a decisao. Ignoro se pelas leis de nosso fisco, aquele produto, o Porco Empalhado, (alias, corn valor de venda inscrito) devia pagar alguma taxa. Tambern havia a considerar que nenhum de nos, membros do Jari, tinha qualquer autoridade oficial para decidir sobre a natureza fiscal do objeto ou mesmo qual a natureza que Leimer emprestara mentalmente a obra mandada a Brasilia.Tinha, porem, o jari toda autoridade para aceita-la no Salao uma vez que o Porco Empalhado havia de ser para ele conseqiiencia de todo urn comportamento estetico e moral do artista. Na arte pos-moderna, a ideia, a atitude por tras do artista é decisiva.

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Reflexoes sobre a responsabilidade social da critica de arte na America Latina ARACY AMARAL ostaria de fazer algumas reflexaes, nesta breve comunicacao, sobre a dificuldade da pratica da critica de arte e, simplesmente, a prop6sito da responsabilidade implicita na sua atuagao na America Latina. Assim, quero ter sempre em mente a realidade sociopolitico-economica de nossos paises, ao abordar a critica publicada em jomais e periOdicos sobre a producao plastico-visual de nossos meios artisticos. Para esse fim, é born lembrar a procedencia da referencia do critico argentino Abrao Haber, para quem "o futuro se gesta primeiro no inconsciente, transforma-se em sendmento indefinido e se plasma em imagens. Depois vird a revolucao das ideias e das atitudes, e corn elas mudangas na escala de valores". Ao assumir que a critica se apoia definitivamente na arte (em todo o seu processo de criagao, difusao e recepgao), por sua vez registro de uma sociedade de determinado momento historico-social, deve-se considerar que esse registro tambern é apresentado pela visao de mundo do avaliador, cujo trabalho é bem reflexo dessa interacao que ocorre por integrar ele o meio em que opera o artista. Todos n6s conhecemos a responsabilidade da critica diante do artista que se inicia e, no Brasil em particular, ainda esti bem

viva ern nossa mem6ria a licao antolOgica de urn Monteiro Lobato diante da primeira exposicao moderna de Anita Malfatti, a sua volta de Nova Iorque, em dezembro de 1917 e que, se ajudou a fazer surgir urn movimento de renovagao, aniquilou, simultaneamente, a possibilidade de desenvolvimento dessa "sensitiva do Brasil". Hoje os tempos sao outros, mas a fungao da critica perrnanece a mesma: de desveiar, estimular, difundir, ou desestimular, encobrir, destruir a produgao artistica que ocorre entre nos atraves de intervencoes da imprensa diaria, revistas especializadas, ou catalogos. Num estreito circulo elitista, como o dos freqiientadores de museus e galerias, de pouco contato corn urn pablico maior, os periOdicos, embora tambern circulantes dentro de pequena faixa populacional, conseguem, contudo, chegar ate curiosos em geral. Pode-se hoje, inclusive, atraves de meios mais poderosos de comunicagao de massa, como o radio e a televisao, caso esses meios sejam ativados, chamar poblicos ate ha pouco impensados e motive-los para eventuais exposigoes anunciadas. Em todo o continente, sao alguns 'Daises, como o Mexico, Colombia, Argentina, Brasil, Umguai e Venezuela, pelo que sabemos, as que possuem uma critica em diatios em suas

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capitais, ou em outras raras grandes cidades, ao mesmo tempo que inexistem, fora a Colombia, Mexico e Argentina, em geral, periodicos especializados em arte. 0 Brasil exemplifica bem o elitism° do pirblico que pode adquirir - e apoiar, portant° - urn veiculo dessa natureza, pelo sucessivo aparecimento e fechamento de publicacOes do genero em breve espaco de tempo, indicio seguro da dificuldade de sua existencia, fatores indicativos, para nos, do baixo nivel cultural de nossos meios artisticos e sociais, bem como da estreita faixa de public° interessado. Qual deve ser a funcao da critica de arte em paises que lutam contra o subdesenvolvimento, realidades nas quais a produgao artistica pode parecer totalmente superflua, diante dos problemas de sobrevivencia que as rodeiam, a todos? Qual a responsabilidade da critica de arte, ao assinalar diregoes para a apreciagao do que existe como criagao plastico-usual valida, em ambiente como o nosso, pleno de injusticas sociais damorosas, pontilhado de autoritarismos, repressao, caracterizado pela dependencia economica, pela corrupgao, desemprego, e onde o elitismo e uma caracteristica do meio cultural? Nesse clima, na verdade, parecenos primordial sua funcao objetiva de registradora de eventos, a divulgar o que ocorre no meio artistic°, em resenhas informativas do ponto de vista jornalistico, sem major preocupacao em veicular uma "interpretacao". Ou entao, ainda, oferecer uma contribuicao valida, como escreveu Marta Traba, como historiadora de arte, em levantamentos que permitirao, ao bongo do tempo, reunir subsidios para uma afericao de nossa cultura na area das artes visuals. Por outro lado, quando se emitem interpretagoes a respeito de obras de artistas, sabemos por experiencia prapria da dificulda212

de inerente a essa tarefa porque, se é insuficiente para sua plena apreciagao apenas a obra em si, implicaceies de toda ordem, inclusive afetiva, envolvem o critic°, influindo inegavelmente no resultado de seu trabalho. 0 critico nao é apenas urn ser dotado de sentidos, mas é gente, e atraves de suas prOprias emogees, por afinidades, convive corn o meio artistic°, o que facilita e torna complexo, simultaneamente, o seu exercido profissional, sobretudo em meios provinciais ou centros artisticos relativamente movimentados, como as nossos, onde se conhece bastante bem a trajetoria, ou as dificuldades de desenvolvimento dos artistas. 0 critic°, entao, em meio a esses fatores, dificilmente pode produzir corn a objetividade minima desejavel dentro do subjetivismo obrigatorio. Dal porque observa-nos continuamente a presenga de "artistas" on de produtores de imagens que se tomam reconhecidos - pela critica, pelo meio social, pelo mercado e ate por historiadores de arte - nao pela singularidade e qualidade preservada de sua produgao, porem simplesmente por sua perseveranga no oficio e no meio artistico. No entanto, se examinadas essas obras corn olhos de fora, corn urn minimo de lucidez - a despeito dessa complexa rede de injuncoes - freqfientemente se poderia dizer, como na velha fibula, que "o rei estava nu". Caberia aqui, evidentemente, a distincao entre uma producao historicamente significativa, e aquela artisticamente importante (Hannah LevyA escreveu ha quase 40 anos a respeito) e se poderia argumentar que s6 a implacabilidade do tempo realizard a devida filtragem, apesar da crOnica da epoca. 0 cinismo da abordagem do papel da critica de arte por urn Gregory Battcock é para nos inaceitavel, seja no considerar "o critic° de sucesso", preocupacao muito no contexto de urn ambiente consumista, isto é, segundo

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ele, como instrutor coligado corn marchands e editores, como autor de publicidade grads pan os artistas, ou ainda como indOstria, "que hoje mantern a arte e as artistas".= Preferimos vet a atuagao do critico paralela a uma sua investigacao como pesquisador, a forma-lo coma professor ou te6rico de arte, funcOes que forcosamente o obrigam a uma reflexao sobre a producao artistica e que devem nos ajudar a nao abusar de avaHags:5es cam palavreado esoteric°, decodificavel pot poucos do já exIguo public° do meio artistico latino-americano. For outro lado, essas funcOes o afastarao da abordagem pootico-literaria, que esta na tradicao dos inicios da critica de arte entre n6s, palavras encerradas em sua propria beleza e que nos aparecem mais coma urn discurso autonomo, valid° em si, com pouca conexao com as obras que as motivaram. Por outro lado, a insercao, no Brasil, das "notas de arte", em espaco proximo aos eventos sociais, corn "diversoes" e "variedades" ou ainda, ate mesmo, pela dificuldade de sua localizacao como interesse, junto ao setor de "Palavras cruzadas" e "Meteorologia", é bem uma confirmacao do papel do artista em nossa sociedade, nao integrado a ela, porem dela ilustrador e iluminador, a conferir-lhe maior status atraves da posse de sua producao, mercadoria aparentemente sem qualquer transcendencia para seu possuidor, freqiientemente levado a sua aquisicar) par necessidade de afirmagao social e raramente pelo interesse da fruigeo da obra. Qual entao o papel do critico de arte nessa sociedade? A meu ver, em primeiro lugar, o de estimulador de novas linguagens, desde que se apresentem corn urn nivel de qualidade compativel corn suas experimentagoes, tanto conceitual como formal. Quer-me parecer ser importante uma abertura para essas in-

cursees, estar atento, posto que esses investigadores, desvinculados do mercado, devem set apoiados par sua inquietacao significativa - move! primeiro de sua postura na medida em que expressam com ela uma salutar indiferenca ao sistema. Sao raros esses exemplos, contudo. Mas podemos estar certos de que os artistas verdadeiramente serios dificilmente poderao conformar-se em deglutir, sem maior criatividade, as informagoes colhidas em rapidas incursOes ao exterior, nas ja academicas e fatigadas homenagens a Duchamp, ern mitificacOes provinciais, bem como em remanejamento de informacees que fatalmente cai no déjà uu, que mais confunde do que anima o ambiente cultural em que nos deslocamos. SO bem excepcionalmente, acredito, a criatividade de primeira linha ao chamado nivel erudito pode surgir em pals de ambiente artistic° de baixo nivel cultural e portanto propenso a aventureirismo, e a critica tambem apresenta, em conseqiiencia, problemas similares. Todavia, ao critico cabe ponderavel parcela de responsabilidade, pois é sua tarefa, em exemplo de seriedade, omitir-se, negando apoio, ou estimular. Em tempos inquietos e desesperancados como os que vivemos, se nao cabem as textos criticos de indole exacerbadamente intelectual, coma os publicados em geral em Buenos Aires, cabem antes as polemicas correntes em publicaciies do Mexico. Porem, mesmo que o campo, o pirblico do artista plastic° seja o das superestruturas, considero inadmissivel que qualquer texto que aborde sua producao seja manchado pela frivolidade. Quando isto ocorre, estamos sem duvida contribuindo pan acentuar o carater "social" da veiculagao da obra de arte entre nos. Romero Brest assinalou certa vez os artistas que, mesmo nao saindo da America Latina, acabam sendo aqui tao festejados do ponto

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de vista de reconhecimento, que sua producao se destine, invariavelmente, a museus e colecionadores. E bastante distinta, como sabemos, a postura do artiste que seleciona, de sua producao, como um profissional, o que envier a saloes e coletivas (ou o que vender), do "artiste" que "trabalha pare o envio", ou que ja produz por encomenda, permanentemehte, sem mais tempo para produzir para si. Assim, pela propria "protecao" dessa consagracao, esses artistes estariam, simultaneamente, impedidos de se autodesenvolverem. Esse fenOmeno, bastante Ireqiiente nos grandes centros de nossos paises latino-americanos, é o ponto de partida dos casos de "autocopia", ja abordado por Mario Pedrosa. Entre os artistes reconhecidos, esses sao fatos correntes, diante dos quais o nosso silencio implicaria o apoio de urn dos vicios do consumismo no meio artistic°. Ao mesmo tempo, considero respeitavel aquele que se expressa visualmente pot absolute "necessidade vital" de comunicacao e que, muitas vezes, nao tern seu trabalho difundido ou ieconhecido. Entre o formalismo, o reconhecimento festejado pelo mercado e os subjetivismos excessivos, como conciliar o fazer- artistic°, hoje, dentro deste mundo em que vivemos, corn a problematica social que nos rodeia? Creio que em toda a America Latina nao se encontrou ainda uma forma de arte que expresse o coletivo, que seja viva e aberta, mas que nem por isso deixe de ter uma comunicacao corn uma parcela maior da sociedade que tern tarnbem pleno direito a essa fruicao. Susan Sontag referiu-se, em seu já famoso ensaio sobre o cartazismo cubano dos anos 6o, ao debate sobre artes graficas ocorrido em Havana em 69, discus* durante a qual tentou-se determinar quais as liberdades legitimas e responsabilidades do artista dentro do seu contexto social, polemica que

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nao deixa de tocar a critica de arte. Nas conclusoes dessa reuniao - organizada em funcao de urn regime socialista - se concluiu pela necessidade de evitar a martelada propagarbdista, ao mesmo tempo que houve urn apelo para que os artistes se mantivessem "significativos e compreensiveis". Foram igualmente condenados o puro utifitarismo, o puro esteticismo, a frivolidade da autoindulgente abstragao, bem como a pobreza estetica do realismo banal. claro que no meio artistic° dos demais paises da America. Latina, apoiado fundamentalmente no subjetivismo como movel primeiro do expressar-se artisticamente, ou da "arte pela arte", essas recomendacOes seriam provavelmente recebidas pela major pane dos artistas como uma interferencia insolente em sua producao, ou na autonomia de seu processo criativo, se bem que em certos centros artistico-sociais, como Colombia, Brasil, Venezuela e Mexico, sentese urn tal clime de mundanismo, de promocao comercial em torno aos nomes mais reconhecidos, que se chega a temer, nao apenas pelo envolvimento paulatino dos artistes (que, se nao mantem uma lucidez permanente passam a fazer concessees indesejaveis), como pela ausencia de uma emulaquo major que deveria existir, a partir de elevado debate e discussoes sobre arte, e nao tanto em torno as novidades, como ocorre ern geral no Brasil (observacao, alias, que Levi-Strauss já fazia em Sao Paulo nos Tristes tropicos, na decade de 30, a respeito de nosso ambiente cultural). Ern relacao aos subjetivismos, o excesso de introspeccao tambem nao deixa de set indicador de uma recusa do mundo exterior, uma rejeicao da realidade circundante, em beneficio de ensimesmamento que me parece questionavel, refletindo bem uma posicao romantica. Seria impertinente negar

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ao artista o direito de se auto-analisar e exPela propria similitude da problematica pot sua interioridade, mas no sentido de economico-politica, nesse aspecto, é mais que, como pessoa humana, a partir de rneu concrete a observagao das propostas que se •ponto de vista, deveria conviver corn a rea- passam nos demais paises latino-americanos, lidade externa, mesmo que esta seja aparen- nao apenas para uma funcao renovada da temente hostil, mas seu tempo. Esse envol- critica de arte, como da expressao artistica vimento traria, pot certo, atraves de seu travisando a uma nova posture. Em varios paibalho, uma contribuicao que o artiste pode- ses, na area da entice, ja surgiram inquietaria dar para o que Mario de Andrade chamou gees no deslocamento da atencao de parcela de "amilhoramento do homem". Sabemos mais viva (Argentina, Peru, Mexico) para andtodos que a participagao nao é facil. E é da lise, nao apenas do confronto entre o erudito natureza do artiste ter essa dupla face: o de e o popular, como no estudo de antecedenser antena e, simultaneamente, ter dificul- tes e situacees referentes ao dado "popular", dade em desejar colocar seu trabalho como ou da tentative de dialog° do meio artistic° otil. E uma longa discussao esse ponto, pois com camadas mais amplas da populacao remonta ao tempo da separacao da arte da no teatro, no cinema, e mesmo nas elitistas vide, ou da arte da religiao. artes plasticas. No entanto, como bem diz Mas o que é importante earner, sem nos Garcia Canclini (em A socializagdo da arte - teestendermos demais nesta trama de refleoria e prOttica nu America Latina, Sao Paulo, Culx 6- es, é que nao deve bastar "ignorer" leilaes trix, 1980), "a arte so podera encontrar uma - ou registra-los como sigmificativos de uma nova funcao social numa reorganizacao radiepoca - mas tenter uma atuacao de acordo cal da culture, em que a experimentacao forcorn o moment° de gravidade social em que mal, a pesquisa criativa surjam das necessivivemos, assinalado pela incoerencia, des- dades sociais e sejam possiveis como atos respeito do ser humano, e pela ambicao de coletivos no seio da vide cotidiana".E, na veruns poucos em detrimento de uma grande dade, urn trabalho que demanda reformulamassa populacional que sobrevive debaten- cao baseada em conscientizacao deselitizando-se por fazer valet valores culturais me- te, que nao ocorre da noite para o dia. Mas, nosprezados - ou caricaturizados em folclopor que nao teria chegado o momento de rerismos - pelos chamados meios artisticos, ou viser a tradicional recusa de integre* no , ainda violentados pelos impositivos meios coletivo, tanto ao nivel do fazer-artistico, de comunicacao de massa. Existe uma cul- como em nosso nivel de criticos (como ja ocorture em gestacao, quiga ainda informe, po- reu no teatro, na mosica, no cinema)? Enfim, rem vital e em crescimento, a nossa volta. as reflexaes alinhavadas nesta comunicacao Estabelecer vinculos corn os nUcleos mais visam, antes de mais nada, a proceder ao leativos desses outros segmentos, registran- vantamento de problemas que nos preocudo-os, talvez seja, pot certo, urn dos cami- pam, tendo em vista uma atuacao responsanhos da nova critica da America Latina. vel da critica contemporanea de ape. Nota r. "El wi de la critice, Teoria y critica 1-4, outubro 1979, AICA. *Brad. Rosa Bill!, de Boletim de la AACA, Buenos Aires, maio, 198o).

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Critica: a palavra em crise FERNANDO COCCHIARALE crise das vanguardas histericas, na passagem dos anos 1960 para as 1970, deflagrou tambem uma crise na reflexao estetica e na critica de arte, que hoje se manifesta inequivocamente. A contradicao entre o uso, ainda em curso, de metodos e procedimentos de leitura da dareza autodefinida dos ismos modemistas e a ausancia de identidades fixas na arte atual - caracteristica da producao contemporanea, deliberadamente cultivada pelos artistas - funciona como urn obstaculo para o posicionamento critico em face das novas circunstancias que emergiram dessa crise. Urn de seus sintomas mais claros reside na expectativa nao se do public°, como dos artistas e ate da critica, de reconhecer e designar corn precisao, tal como no passado, producaes que nao mais se centram no campo objetivo da forma, na estrita materialidade de sua "linguagem". 0 abandono gradual, pelo Modernismo, dos referentes em que se baseava a mimesis implicou no questionamento de categorias tradicionais como a de conteUdo, que, ancorada na representacao, perdera a eficacia analitica de outrora, produzindo temporariamente urn vazio semantic°. 0 sentido auto-referente da forma modema, sobretudo apes o advento do Abstracionismo, em 1910, pode ser construido, por exemplo, a

partir da associacao da obra de arte as piestoes da lingilistica estrutural nascente (Saussure). Tomando a arte uma linguagem, o discurso te6rico associou aforma plastica ao signo lingilistico e sua organizacao (composicao) a nocao de estrutura. Essa interpretacao hist6rica identificou o significante (forma) e o significado (sentido) a ponto de, em muitos casos, torna-los urn só, afirmando a vocacao antiilusionista da forma plastica modema, avessa a quaisquer simbolismos. Já a producao contemporanea, se examinada pelo mesmo prisma, percorre urn caminho inverso: vem distanciado progressivamente significante e significado, ate o limite de uma simbolizacao aparentemente tao subjetiva que pode sugerir uma resistancia a toda forma de mediacao pela palavra. E notorio que o discurso de pane significativa dos artistas que emergiram nas ültimas decadas funda-se na valorizacao, em graus variados, do papel que as vivencias e experiencias pessoais desempenhariam em suas °bras. A atencao, talvez excessiva, aos processos de subjetivacao inerentes a criacao artistica move, atualmente, mais do que nunca (mesmo se cotejarmos o caso de movimentos coma o Surrealismo e o Expressionismo abstrato), parcelas consideraveis da producao contemporanea, operando urn deslocamento de foco do objeto artistic°

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para o sujeito-artista. Ao contrario da producao tipicamente modema; cuja enfase na forma, nas linguagens e nos ismos inseria poeticas singulares no campo objetivo da histeria, a nova arte parece desprezar essa insercao, tomando difIcil avalia-la atraves do repertorio te6rico-critico desenvolvido, desde o inicio do seculo XX, para captar e produzir o sentido das produce- es modernas, eminentemente formalizadas e, portanto, estranhas a esses segmentos da contemporaneid ade. Um dos principais te6ricos da p6s-modemidade, Hal Foster, reconhece que "grande parte da arte de hoje efetua a libertacao diante da historia e da sociedade pot urn movimento do eu- como se o eu neio estivesse informado pela hist6ria, como se ainda estivesse oposto a sociedade. Esta é uma velha queixa: o movimento do individuo pan dentro de si, a retirada da politica "rum° a psicologia" . A critica dirige-se fundamentalmente aos adeptos de urn certo tipo de pluralismo que supoe ser a sociedade urn conjunto de individuos, o lugar de trocas intersubjetivas em que nenhuma instancia supra-individual, histerica, interviria. Mas o proprio Foster registra que o CU nao é estranho a hist6ria, pois nela se delineia e se informa. Nesse sentido, importa menos o conteddo simplificador do discurso desses artistas e criticos que a emergencia e a disseminagao de uma nova maneira de se produzir arte, esta sim impregnada de historicidade e, por isso mesmo, passive! de set pensada e objetivada na palavra. Assim como a auto-referencia modernista tomou inecuas muitas categorias esteticas entao vigentes, suscitando uma revolucao te6rica, a emergencia de processos artisticos de formalizacao minima, compOsita ou residual, neste fim de seculo XX, parece anunciar novas modalidades interpretati218

vas. Por outro lado, se é legitimo afirmar que o eu nao esta aquern da hist6ria, devemos admitir, pelas mesmas raz6es, que o Sujeito TeOrico2 nao se situaria, de modo algum, alem das circunstancias especificas de uma determinada epoca. A teoria da arte nao é pois urn produto verdadeiro, perene e neutro, mas algo extremamente comprometido e informado pela vida social. Suas transformagoes, a primeira vista determinadas por processos end6genos de retificagao e aprimoramento em direcao a verdade, seriam sobretudo decorrentes de pressees exercidas pela dinfimica da producao'artistica. A ideia de que o sentido verbal de producees artisticas individuais dependia de sua articulacao a instancias mais abrangentes, coletivas e portant° histOricas, delineouse, definitivamente, na segunda metade do seculo XVIII, quando surgiram a estetica (Baumgarten e Kant), a historia da arte (Winckelmann) e a teoria da arte (Lessing). Esses discursos consolidaram em seus desdobramentos, ao longo do seculo XIX, a compreensao de que a possibilidade de sua pr6pria existencia residia na ultrapassagem do entendimento da arte como mera manifestacao pessoal, uma vez que nesse nivel ela poderia, no maxim°, tornar-se objeto de uma "psicologia". Era portant° necessario alga-la da esfera subjetiva para o campo objetivo da histeria, para o lugar em que o discurso teerico e a investigacao formal reuniam-se para produzir urn sentido coletivo. Na luta contra os ideais de etemidade da arte - o belo normativo da mimesis classica o artista modemo valorizou a ruptura plastico-forrnal como instrumento indispensavel para a emergencia do novo e da diferenca, nao so em relacao ao passado, mas no ambito da prepria vanguarda. A pluralidade dos ismos, possivel gracas a destruicao dos valores universais que o Classicismo pensa-

- va ter atingido, manifestou antes uma nova articulacao da obra singular corn o universo da arte, uma nova totalidade, que a atomizacao das questees esteticas em fragmentos subjetivos.Tal como havia ocorrido no mundo economic°, reestruturado atraves da divisao racional do trabalho e da especializacao capitalistas, os principios absolutos das Belas-Artes deram lugar ao universo relatitro de movimentos artisticos claramente identificaveis e a sua progressiva proliferacao ao longo da histeria do Modemismo. A visualidade moderna necessitou, por isso mesmo, de justificativas textuais produzidas nao se por artistas - manifestos -, como pela critica, destinadas a urn public° despreparado para conhece-la, devido a resistencia de habitos de fruicao impregnados pela tradicao naturalista. 0 artista que emerge da crise do Modernism°, inversamente, baralha referencias, dilui as fronteiras entre pintura, desenho e escultura, utiliza-se de repert6rios plasticoformais tradicionalmente contraditorios, de materiais de todo tipo. Busca, afinal, em fragmentos da histeria, entre o passado e o presente, nas \ferias regioes do saber e no coddiano, a condicao singular de sua obra, que se quer Unica. A identidade das coisas e situacees torna-se, assim, transitiva, causando urn estranhamento generalizado, porque o discurso nao mais consegue fixa-la. Mesmo assim, seria ingenuo considerarmos a emergencia dessas questees urn corte radical com o passado. Licees essenciais do Modernismo, como a da autonomia da arte em face da natureza ou de quaisquer outras possibilidades de representacao, sac , urnlegadoqctizrevalocao da potencia da imagem e do simbolico pelas praticas artisticas contemporaneas. Assim tambern, em decorrencia da "incomu-

nicabilidade" de poeticas fundadas basicamente na crenca de urn eu que se expressa, e, pot isso mesmo, impossibilitado de filiarse objetivamente, de moto pr6prio, a questees esteticas, permanece indispensavel a mediacao critica entre o carater singular dessas producees e seu sentido coletivo. Instrumento essencial dessa mediacao no periodo historic° do Modernism°, o discurso te6rico-critico parece incapaz atualmente de cumprir sozinho essa funcao. Sem contar corn a positividade de auto-referencia formal, cromatica e espacial caracteristica dos ismos, frente a fragmentagao que se manifesta em pontos vitais do esgarcado campo das artes, a palavra e a legica do circuit° de arte produziram novas modalidades de articulacao entre obra e fruidor. No vacuo das grandes questoes que a clareza formal das obras modemistas proporcionava ao discurso, o sentido coletivo da producao contemporanea deslocou-se inteiramente para fora do campo de acao do artista. Progressivamente, viu-se associado a uma nova dimensao autoral corifigurada pela ascensao vertiginosa de um novo agente do circuito: o criador. Essa funcao, essencial logica institucional das artes plasticas no fim do seculo XX, difere daquela do critic° de outrora que, respaldado apenas no discurso, exercia seu poder mediador. Em relacao a nova arte, o curador deve, pois, produzir questoes, quase sempre extra-esteticas, tematicas, que emprestem sentido, ainda que provisorio, I dispersao aparente em que nos encontramos. Do terreno nebuloso que caracteriza toda transicao histerica, somos levados a supor que a clareza limitada da palavra, ora em crise, vem se apoiando no silencio monstratiuo da subjetividade autoral do curador, exercida, como a do artista, na esfera da visibilidade.

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Notas 1. FOSTER, Hal. Recodificactio. Sao Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, p. 38. 2. A origem da nocao de individuo no Renascimento, Cu seja, da subjetividade enquanto fundamento etico, estetico e politico, terminou por apresentar urn problema: era preciso assegurar uma instancia supra-individual que produzisse conhecimentos universals, validos para todos, sem o concurso da expressao pessoal, fruto da subjetividade nascente. 0 cogito (penso) cartesiano, racional e objetivo, veio ao encontro da necessidade de constituicao de um outro Sujeito,

transubjetivo, impessoal, voltado pan as quest8es gerais e universals, caracteristicas do conhecimento filoscifico e cientifico. A critica kantiana, cerca de 140 anos mais tarde, delineou urn novo Sujeito do conhecimento adequado a modemidade nascente. 0 individuo tomou-se, simultaneamente, senhor de sua subjetividade e agente virtual do conhecimento verdadeiro, esferas diferenciadas e indispensaveis para a existencia da subjetividade e da objetividade, da expressao e do produto, do privado e do public°.

A arte e sua mediaedo na cultura contempordnea MONICA ZIELINSKY os longinquos tempos de Diderot, quando a critica de arte surgia em pleno seculo XVIII, os visitantes dos saloes buscavam nela urn amparo para as suas selecales. Já existia nessa epoca uma clientela determinada para o consumo artistic° e o critico de arte era o profissional capadtado para defender ou recusar as obras de arte e os artistas. Os estudiosos da academia tendiam a discorrer em nivel te6rico, em ensaios de cunho estritamente abstrato. 0 public° solicitava, portant°, urn guia eficaz para as suas escolhas e aquisicees, uma vez que o mercado de arte ja se instaurava de forma cada vez mais crescente. A critica de arte era a atividade de urn "juiz", que, corn sua opiniao abalizada sobre as obras, escrevia sobre elas e determinava a sua circulacao priblica nos sal5es e mais tarde, em mostras de alcance mais amplo, ap6s o nascimento das exposicoes universais em meados do seculo XIX. Por essa razdo, a critica de arte e as suas exposicOes apresentam desde cedo vinculos fortes, indissociaveis: ambas sao formas promocionais da arte,' atividades que a trazem a public°, isto é, ao dominio da intersubjetividade. Sao as que dizem respeito a sua mediacao. A critica de arte, desde seus primerdios, estabelecia os contatos entre a producao artistica e a sua

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extensao pUblica.Trata-se de urn enfoque da major relevancia pan se refletir sobre a arte no mundo contemporaneo, tuna vez que ela existe precisamente na relagao reciproca entre as propostas particulares dos artistas e a sua existencia social, institudonal e politica. Ora, a sociedade s6 existe efetivamente se cada urn de seus membros dyer consciancia da necessaria relacao dialetica entre a sua prepria existancia e a da comunidade. 2 Critica de arte e mostras de arte sao formas de estabelecer essas conexoes e qualquer analise do produto artistic° na cultura dos nossos tempos nao pode mais presdndir dos estudos sob o Angulo de sua mediactio. Este termo nao se refere a urna idea nova. A expressao provem de mediatione, do latim, que designa, em urn primeiro sentido, a advidade de ficar no meio, entre dois pOlos, estabelecer relacao entre ambos, e, mais atualmente, diz respeito ao "conjunto, tecnica e socialmente determinado dos meios de transmissao e de circulacao simb6licas." 3 Esse processo refere-se a ideia de transporte, de transmissao, implicando urn atraves de, uma posictio para alem de. A critica e as exposic5es de arte sao atividades que operam nesse transit°, para alem do momento de instauracao da arte, de sua poietica, 4 ate o da sua recepcao. Sao intermediarias, cones-


pondem as de um contrato simb6lico entre as instancias privada e publica da pr6pria arte, indicando urn modo peculiar de consideri-la. Desse aspecto advem sua importancia: possuem intencees determinadas, respondendo "a uma finalidade ou a uma vontade, a producao de urn efeito".5 Possuem uma linguagem e urn sistema de significacoes e de representagees definidos. Exemplificando-se, Ronaldo Brito, em urn texto sobre o artista Antonio Dias, expoe uma visao critica sobre a arte, a partir do exame da produgao do artista: "Pois o que sao, em muitos sentidos, obras de arte? Mercadorias, objetos servindo a urn vago fetichismo suspeito, circulando numa rede de interesses sociais restrita e opaca... A forga extraordinaria de Antonio Dias esti em fazer o dilema, o impasse ate o ceticismo."6 Ao escrever sobre a obra de Dias, a intencao do critico é fazer urn apelo sobre diverSOS aspectos politicos da arte, em especial sobre seu estatuto mercantilista. Fica clara a sua ideia mestra, a sua posigao debatedora sobre a situagao deste campo no seio da cultura brasileira na epoca da publicagao do ensaio. Este ultimo representa o estabelecimento de urn confronto no mundo da arte, em relacao a conduta dominante do mercado. Uma exposigao pode, tambern por sua vez, set- mencionada para exemplificar os aspectos intencionais de uma mediacao: a II Siena' do Mercosul, realizada em Porto Alegre ern finais de 1999, visava ao cumprimento de urn acordo interinstitucional entre mercados, os dos paises que integram o Mercosul. Para tal, a diretriz escolhida pelo curador Fábio Magalhaes foi a de buscar, na producao artistica dos anos 90, os trabalhos 222

que se identificariam corn o conceito de identidade, uma das preocupagOes centrais na cultura contemporanea. A bienal simbolizou, assim, vontades: referiu-se a promocao de artistas jovens, representantes de uma nova fatia de mercado. Por outro lado, disseminou a fragil ideia de uma uniao entire fronteiras, o escamoteamento das diferencas entire as culturas, pois toda a produgao selecionada e exposta devia-se ao mesmo conceito comum, a questao da identidade. A mostra deveria produzir a ideia de uma arte (mica, mesmo que enraizada em urn pluralismo de tenclancias artisticas:7 para isso, todas as obras foram apresentadas sem qualquer separagao par nacionalidade. 0 visitante viu-se inserido em uma estrategia comunicacional particular, alcangando o efeito idealizado. Por essa razao, mais que nunca, a exposigao representou os ideais do poder institucional e politico, o que a gerou e o que a promoveu. Infere-se que essas intencionalidades tenham sido despercebidas pelo visitante nao prevenido, pois este se via arrebatado pelo cenario de tantas numerosas obras, sob o efeito sedutor e atraente da forma de sua apresentagao. Muitas dessas quest5es podem ser cornpreendidas ao se verificar as grandes transformagees que o mundo contemporaneo sofreu em fungao da vultuosa expansao das redes de comunicagao e do fluxo de informagao. Trata-se das redes que comegam a se estabelecer ern meados do seculo XIX e que hoje tornam-se vertiginosamente multiplicadas e potentes, principalmente constituidas de caracteristica de globalizacao. 8 E nesse contexto, os meios de comunicacao nao sao apenas elementos transmissores de informagoes e de conteodos simbolicos, mas sim, propiciadores de novas forrnas de articulagao dos individuos no mundo. Corn

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Thompson, verifica-se que o uso dos meios de comunicacao implica a criagao de "novas formas de Ka° e de interagao na sociedade, em novas tipos,de relag5es sociais e em noVas maneiras de relacionar-se corn os outros e consigo mesmo".9 Sob esse prisma, ele salienta que, pela expansao da midia, o individuo passaria cada vez mais a modificar seu tipo de interagao corn a vida cotidiana, o que Benjamin havia chamado de privagao da faculdade de intercambiar experiencias,m ou mesmo da sua degradagao." Esses pontos sabiamente salientados nos anos trinta pelo filOsofo de Frankfurt veemse hoje ainda dignos de reflexao: enquanto o individuo poderia ressentir-se desse contato primeiro da experiencia dos fatos, ao mesmo tempo ele incorpora o material simMlle° mediatico de forma quase inconsciente. As formas de intimidade, os contatos de pessoa a pessoa diferem atualmente no processo de mediatizagao; elas trocam a tradicional reciprocidade por uma assimetria das relacoes. Os contatos nao sao mais partilhados nem no mesmo tempo. A ideia é de descontinuidade, da carencia de encontro. Pela midia, o individuo ve-se cada vez mais dependente dos sistemas institucionais e profissionais, em relagao aos quais ele nao possui controle. Ao =Ugric), tudo passa pela distancia e pela uniformizagao. A intensificacao dos processos de globalizagao oprime a liberdade de expressao, onde os mercados buscam a lOgica do beneficio e da acumulagao de capital. Dentro desse quadro, a luta pelo reconhecimento nos espagos pUblicos se di pelo processo de visibilidade, o fazerse ver e ouvir)" Nesse contexto, faz-se necessario repensar a situacao das formas de mediagao no campo artistico. Par urn lado, a critica de arte, vista no passado como uma atividade

judicativa, ve perdida ess.a funcao corn a fragmentacao do sujeito modemo. Desaparecendo o ciclo das verdades, afasta-se tambem qualquer argumento critico acerca das obras de arte apoiado em urn consenso universal, outrora evocado por Kantr3 e discutido por toda uma linhagem da estetica ocidental. Este é, no mundo modemo, apenas uma utopia a mais. 0 (mica consenso é o veiculado pela midia, esta movida pelo p0der institucional (a servigo dos interesses econornicos) que, por sua vez, determina os caminhos da arte.'llata-se de um "consenso do cultural", como assim o denomina o MOsolo frances Jimenez, ao afirmar que: "Na era da interatividade multimediatica o paradoxo dessa democratizagao encontra-se no surgimento de uma cultura nao interativa, distribuida de cima para baixo, privada de feedback e de reprocidade."4 Assim, o papel do critico, no mundo da democratizagao da cultura, passa a caracterizar-se pela impotencia. Ele é urn profissional que deve atender mais que nunca as exigencias de um mercado insaciavel: entre o conhecimento cientifico e critico sobre a arte, ele é requisitado a atuar a servico da seducao da dientela, em funcao de urn marketing cultural. De critico passa-se a curador, urn trabalho que se confunde em diversos aspectos com o de animador cultural. Ao responder ao poder institucional que move e promove o mundo artistic°, ele parece abandonar cada vez mais a sua identidade critica original, isto é, aquela que, segundo a origem etimologica grega do termo krino, entre outras acepgoes, é a atividade de discemir, de distinguir e de julgar. Ele passa a atuar pelos caminhos da comunicagao, da pedagogia e do comentario, atraves dos

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ducao das mostras, acaba por suprimir a atencao sobre a arte exposta: esta é substituida pox- urn discurso sem palavras, ,7 que incentiva o prazer e o desejo de consurni-la. Iluminacoes especificas, recursos de arquitetura ambiental, presengas de objetos e documentos de raro alcance, fotografias, ate mesmo mUsica ambiental atraem o espectador de forma a envolve-lo inteiramente no cenario. Ele se ye frequentemente arrebatado pela qualidade da mostra e tende a nao discemir as °bras; a forma da exposicao em Si o qua fica efetivamente retido na memoria, a exposicao por si 56 passa a instituir-se como uma obra autonoma. Assim, na atualidade, a arte vem a public° atraves de urn modelo no qual "tudo o que era diretamente vivido desvaneceu-se, recolhendo-se em uma representacao"2 8 A critica e as exposicOes representam a celebrace° mercadologica que sempre foram, mas agora nutrem-se das caracteristicas de expansao global. Apesar disso, sabe-se que as condicoes contextuais dos diferentes mundos artisticos nao é homogenea. A representacao vem substituir a realidade dos fatos, e é nesse aspecto preciso que a "atuace° da midia oprime o sentido de local e de tempo, portanto o sentido historic° da existencia da arte". Apesar da veiculacao pela midia de uma "Nelas as pessoas podem se identificar, falar e deixam-se levar por uma critica na imagem universalizante do mundo artistiqual "a boa redacao" importa bem mais que co, sabe-se da sua falacia e da heterogeneidade que o constitui, conforme as diferena analise do que esta sendo exposto".' 6 tes culturas. Ac contrario do que a midia A autora ressalta a falta de exame da pro- prop5e, ha uma serie de contextos distintos, duce° artistica e do valor atribuido a forma corn formulas de politicas culturais diferendos textos. 0 contato corn as obras é consi- ciadas. E em cada um destes contextos fazderado cada vez menos importante, fazen- se necessario urn exame critic° da mediagao do prevalecer sobre ele o efeito teatral das da arte, das intenc5es dos textos criticos montagens das exposicoes. 0 culto quase veiculados, da concepcao, programa e estrusagrado, originado pelas estrategias de setura das exposicoes.

quais as obras de arte sao consumidas em meio ao fluxo da distancia, da quase indiferenca e da recepcao massificada. Do mesmo modo, a arte aparece atraves das exposicOes, em eventos efemeros que trazem em si uma concepgao especifica e urn cunho politico. Basta observarmos as diversas bienais; as Documenta de Kassel, as grandes retrospectivas de artistas, as exposic5es ternaticas nos vastos espacos museologicos contemporaneos para nos darmos conta de que o produto artistic° submete-se, nao somente as exigencias e ao perfil das estruturas institucionais, como tambern as formas de organizacao da cultura e da comunicacao. Tern-se plena consciencia de que as exposic5es da arte atual, mais que nunca visam a difundir a informacao sobre a arte em larga escala e de que esse processo faz parte Merente da estrutura de apresentagao das obras. A arte toma-se, nao mais uma arena de didlogo dialetico como no modemismo, mas sim, urn campo de interesses investidos em seitas licenciadas: em lugar da cultura, temos cultos.'s Transforrnando-se em espetaculo, como bem lembra Debord, ela distancia-se cada vez mais dos processos de analise. Referindo-se as noticias jomalisticas das exposiciies contemporaneas, lembra Hegewisch:

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E neste sentido que nao e cabivel con- • ceber o desaparecimento da figura do critico de arte como aquele que disceme os fatos. Este profissional é de importancia essencial na atualidade, nao mais como o "juiz" de obras isoladas dos tempos de Diderot, mas sim, como alguem que atue como um critico da arte dentro da diversidade das varias culturas. E o ato politico necessario, pois ele esta compreendido no entre-os-homens, no intra-espaco2 9 Precisa ser capaz de compreender em profundidade os efeitos de uma mediacao da arte em contextos determinados, identificar o carater de suas especificidades circunstanciais, apesar da dominacao mediatica generalizante. Podera discutir esta ñltima, em relace° a sua constituicao nas malhas das comunidades especificas. Este tipo de enfoque exige um novo modelo de propriedade pUblica, come identifica Thompson, que "centra sua atencao nos processos, atraves dos quais se formam juizos e tomam-se decisoes".20 0 critico e o novo curador necessitam deixar aparentes os seus conhecimentos particulares dos fates artisticos, das suas articulacees sociais, mesmo que estas sejam provisorias..Ser-lhes-d fundamental descreve-las em seus movimentos, para poderem ser compreendidos em sua constituicao politica e histhrica, local e temporal. Interessa agora tomar pUbli-

ca esta visa°, conscientizar a comunidade, como fez Ronaldo Brito no Brasil dos anos 70 e 80. A liberdade de ideias e a sua expressao sao condicao de uma vida politica democratica. E uma posicao que urge ser reconquistada, mas somente possivel na reestruturacao de uma pluralidade de organizacOes mediaticas independentes." Nelas é possivel assumir os diferentes pontos de vista, onae é permitido conceber os confrontos. E nesse sentido que se evoca a atuacao do critic° de arte carioca Ronaldo Brito que, apesat do contexto mediatico opressivo, sempre atuou politicamente atraves dos pr6prios veiculos de mediacao da arte, tais como em seus escritos sobre a arte e artistas, assim como nos catalogos das exposicOes que acompanhavam o processo das exposigOes. Ao proporcionar a comunidade formas de conhecimento e de informacao sobre o produto artistico, estimulando novas formas de posicionamento, propicia-se a formacao incontestavel de um juizo fundamentado atrayes do intercambio simb6lico. Para isso, torna-se imprescindivel que sejam repensadas as novas constituicoes das exposicaes de arte, seu material de apoio, assim como os espacos para uma nova critica que atravesse perspicaz as opressivas barreiras da midia, oportunizando diferentes vivencias da arte e especialmente novos modelos para as suas formas de mediagao.

Notas r. Cf. Donald Kuspit. The new subjectivism. Art in the 1980 1h• New York: Da Capo Press, 1993. 2. Cf. Bernard Lamizet. La mediation culturelle. Paris: L'Harmattan, r999. 3. Regis Debray. Colas de mediologie generale. Paris: Editions Gallimard, 199r, p. i. 4. Cf. Rene Passeron. Philosophie de la creation. Paris: Klincksieck, 1989. Nesta obra,o autor situa a poietica como

uma das ciencias da arte que estuda o que "esti em processo de se fazer, de se instaurar". 5. Jean Davallon. De l'exposition a l'oeuvre. Strategies de communication et mediation symbolique. Paris: L'Harmattan, 1999, p. 9. 0 autor faz referencia nesta citacio as exposicOes de axle, mas refiro-me aqui a mediacao em geral. 6. Ronaldo Brito. "A arte pop de Antonio Dias". 0 Globo, de 16.10.1987.

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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7. Hal Foster lembra que o pluralism° é uma situacao que concede uma especie de equivalencia: "a axle de diversas especies passa a parecer mais ou menos igual". In: Recodificacelo. Arta, espetaculo, politica cultural. Sao Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, p. 36. 8. Cf. John Thompson. Los media y la modemidad. Barcelona: Ediciones ?aides lberica, 1998. Segundo este autor, estes fluxos de comunicacao global tern sido estudados mais minuciosamente nas ciencias socials, a partir do final da decada de 6o. 9. Cf. Thompson, op. cit., p. 17. ro. Cf. Walter Benjamin. "0 narrador. Consideracees sobre a obra de Nikolai Leskov". Obras escolhidas. Magia e tecnica, arte e politica. Sao Paulo: Editora Brasiliense S. A., 1985. Ir. Walter Benjamin, "Sur quelques themes baudelairiens". Charles Baudelaire. Un poete lyrique a l'apogee du capitalisme. Paris: Petite Bibliotheque Payot, 1979. 12.Cf.Thompson, op. cit. Segundo o autor, a busca de uma visibilidade na midia é uma das caracteristicas centrals do processo social e cultural contemporaneo. 13. Emmanuel Kant. A critica da faculdade do juizo. Trad.

Valeria Rohden e Antonio Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitazia, 1995. Sabe-se que Kant nunca chegou a encontrar efetivamente respostas definidas a esta questa°, quando se referia ao juizo estetico. 14. Marc Jimenez. La critique: aise de l'art ou consensus du culturel? Paris: Editions Klincksieck, 1995, p. 77. 15. Cf. Hal Foster, op. cit., p. 36. 16. Kathazina Hegewisch. "Un medium a la recherche de sa forme. Les expositions et leurs determinations." L'art de l'exposition. tine documentation sur trente expositions exemplaires du fl eme siècle. Paris: Editions du Regard, 1998, p. 16. 17. Regis Debray, 'Como as exposig6es se transformaram in prOpria obra de art?. 0 Estado de sao Paulo, Cademo 2/ Cultura, 2/4/oo, p. D. 18. Guy Debord, op. cit., p. Is. 19. Hannah Arendt. 0 qua é politica? Fragmentos das obras pestumas compiladas por Ursula Ludz. Rio de Janeiro:Bertrand do Brasil, 1998. 20. J. Thompson, op. cit., p. 327. 21. J. Thompson, op. cit.

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Transformasoes na esfera da critica SONIA SALZSTEIN

A critica na tradicao moderna ntes de se tratar das perspectivas da crftica de arta contemporanea, seria preciso fazer a pergunta óbvia e mais geral, isto é, se a nocao de critica corn que lidamos hoje é ainda aquela que estamos acostumados a identificar a tradicao do pensamento modemo — aquela que tern suas rafzes na dilvida met6dica de Descartes, que encontra momentos culminantes em Kant, em Hegel e que em Adorno emancipa-se como um genero especializado da reflexao filos6fica, doravante passando a interrogar sistematicamente o destino problematic° da arte e da cultUra na sociedade modema. Nao é preciso dizer que, sob esse foco abrangente, a nocao de crifica pressupoe um sujeito auto-reflexivo, uma vontade cognitiva e uma jurisdicao mais ou menos aut8noma da atividade reflexiva, a partir da qual o pensamento seria sempre capaz de resistir a coergoes extemas. Tratase, entao, de interrogar as condicoes atuais de vigencia de uma nocao de crftica corn essas caracteristicas — portadora de um empenho cognitivo e dotada de uma capacidade de apreensao do geral, de totalizacao de seu objeto.

A

No campo especifico da arte, seria o caso saber se na situacao atual o que se faz como critica tern algo da invencao modema de Baudelaire: a critica como experiencia, isto é, pontualmente comprometida no processo de constituicao do trabalho de arte, percebendo-o atravos de uma espessura histOrica, propugnando, enfim, criterios proprios, am tonomos. A julgar pelo atual estado de coisas, a resposta a estas queStoes tende a ser negativa: a profissionalizacaae conseqiiente atomizacao cada vez maiores da atuacao do critic°, e tambem a ascendencia crescente das grandes instituicoes e do mercado no agenciamento do espaco public° da arte certamente terao reduzido (ou no minim° deslocado) o campo de intervencao da crftica. Estou partindo, como se ye, de uma ideia generica de critica, como conquista incessante de um espaco public° de negociacao de conflitos, para transporta-la a esfera da arte: nessa instancia, a critica de arte surgiria coma atividade capaz de fixar criterios e hierarquias — é tal atividade, ao que tudo indica, que vai aos poucos ruindo, tanto quanto vai ruindo o prestIgio da nocao de politica, e mais longe, a pr6pria ideia de Republica.


Cumpriria tambem perguntar a quantas anda a ideia de racionalidade que aponta para o horizonte material, operativo de uma nogao de critica posta nesses termos, vale dizer, nos termos de uma praxis. Como ensina a historia da filosofia, o modo de operar auto-reflexivo é urn exercicio critic° estirado a urn ponto extremo, cujo proceder obedeceria sempre a urn principio superior de racionalidade. A utopia moderna era a de que esse exercicio critico, motivado pelo fim supremo da racionalidade, seria sempre capaz de retificar os desvios irracionalistas de uma natureza resistente a cultura, de firmarse como um instrumento met6dico pelo qual o sujeito modemo poderia alcangar a universalidade, ou a uma Razao que realizard os fins da condigao humana, para alem do entrechoque cego dos interesses particulares. Reponho em questa° junto a nocao de critica a ideia de racionalidade porque nao se pode evitar de pensar na imagem ultraprofissionalizada do curador contemporaneo - tal coma emana, por exemplo, do mulldo da arte norte-americano - como a realizacao suprema de uma idea de racionalidade, ja que e nele, ou melhor, é na perfeita assimilacao do trabalho desse curador a dinamica das instituigaes, que a atuagao da tica se cumpriria de modo absolutamente imanente a instituigao. Ou seja, compreendida dessa maneira, a figura do curador teria finalmente realizado a totalidade projetada pela Razao modema, consumado uma racionalidade imanente, uma vez que sua pratica se alojaria agora no interior da propria producki artistica, desenvolvendo-se no mesmo tempo e espago que ela, e doravante avocando a si a tarefa total do te6rico, do historiador, do critic°, do "animador cultural" e do artista. 228

Pode-se argumentar que o projeto hist& rico do Iluminismo ja vinha dilacerado pot contradicaes de origem, que a Razao sempre portou a possibilidade de desenvolver-se como uma ideologia de racionalidade obediente apenas a seus pit:Trios fins, que estas contradicoes, enfim, sao as mesmas que se ligam a emergencia da sociedade industrial moderna, e que de resto sao elas que historicamente asseguraram a produtividade dialefica da ideia. Mas mesmo que a nogao de critica vislumbrada por Baudelaire ja carregasse em seu node° mais intern° as ambigiiidades que a Razao modema canearia no curso de seu desenvolvimento hist6rico, isto nao impedia que essa critica preservasse urn sentido normativo ou que fosse motivada por urn empenho cognitivo. Considero a prova maior desse empenho cognitivo o aprego de Baudelaire pela nocao de experiancia. 0 que encanta nessa critica é, precisamente, sua percepcao contradit6ria da vida modema; pensemos, por exemplo, no sentimento dobio que o poeta nutria pelos "burgueses" vistos altemadamente coma vetor de transformacao social ou protagonistas vitoriosos de urn malsinado processo hist6rico, que levara a ruina do gosto e que subordinara as exigencias mais elevadas do espirito a faina vulgar da busca do lucro. Fica claro, entao, que essa percepgao sensivel as contradigoes da vida modema apenas confirma a disposicao de Baudelaire para acolher o preseine instavel e processual da experiencia. Ora, parece cada vez mais difIcil, na situagao contemporanea, a vigencia dessa dimensao da experiencia, ao menos nos termos aos quais ate aqui estivemos acostumados (mesmo que se considere que ela é portadora de uma fratura de origem, dada a pos-

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sibilidade permanente de sua subordinacao • a uma racionalidade extrinseca e alienante). Talvez urn exemplo desse dilema que aflige a sensibilidade contemporanea possa ser • encontrado na pintura de Anselm Kieffer, cuja materialidade acabrunhanie oscila entre o autocumprimento pela eficiencia da cenografia e a experiencia melancolica de urn adeus a espessura da hist6ria. E neste ponto que a questa° inicial volta a se impor, agora em outros termos: a critica que fazemos hoje ainda é portadora de algum teor de experiencia (ao menos no sentido de nao ser meramente mimetica em face do sistema da arte, de revelar alguma possibilidade cognitiva), de algum sentido normativo? Nao se encontra ela o tempo todo coagida par uma racionalidade institucional que se manifesta como realizacao perfeita mas invertida da Razao modema?' 'E por sua vez tal racionalidade - mais que nunca protagonista central nos discursos de administradores, politicos e empresarios do mundo contemporaneo - nao tende a se apresentar hoje absolutamente descolada dos criterios normativos que a critica sempre lhe fornecera? A presenca da critica na constituicao de um espaso public° da arte

E verdade que o trabalho de Baudelaire surgia no momenta em que a modemidade do seculo XIX delineava urn mundo da cultura com suas leis e modos proprios de funcionamento, urn mundo que pela primeira vez projetava-se no espaco pUblico, que se recortava de maneira relativamente autonoma no interior da vida social. Foi nesse contexto que a atividade da critica firmouse corn urn estatuto cultural todo pr6prio, ai

se cristalizou coma genero, sistematizou-se, franqueou-se ao dominio dos iniciados e principiou a atrair e influenciar urn universo anonimo de leitores. Mais do que isso, nessa epoca a atividade critica se disseminou como forga decisiva de transformacao; irradiando uma ideia de militancia cultural para alem do nicho especializado da critica de °lido, estimulando manifestos, plataformas e reflexoes de artistas e poetas, contribuindo enfim para a precipitagao daquilo a que já me referi como o espago public° da arte. 0 fato é que a modemidade do seculo XIX, alem de ter sido de ponta a ponta insuflada por urn generalizado espirito critic°, terá criado o sujeito e o objeto da critica entendida coma atividade autOnoma e aberta ao escrutinio public°. Desse modo, ao mesmo tempo em que a critica se tomava mais e mais apta a deslindar a linguagem e o modo especifico de desenvolvimento da esfera da arte, ia assumindo a tarefa de confrontar os trabalhos permanentemente aquele espaco public°, e assim de elaborar os criterios de insergao social desses trabalhos. Neste ponto lembro o 6bvio: o surgimento da arte moderna este indissociavelmente ligado ao vicejamento desse pulso critico. Nao por acaso, a tabula rasa da tradicao constituiu urn procedimento-chave dos movimentos de renovagao artistica pelo menos desde o imperialism°, e foi gracas ao dadaismo e ao surrealismo que pudemos atinar para o sentido politico emancipator-lc) que a pratica da critica poderia ter quando experimentada num grau extremo, isto é, coma negacao. Foi a partir desses dois movimentos, diga-se de passagem (e é claro, das novas condigoes culturais precipitadas pela modernidade), que nos tornamos aptos a

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perceber criticamente toda a histhria da arte precedente como uma "instituicao", pie pudemos exercer a critica da propria instituicao-arte, e que aprendemos, afinal, o procedimento da critica permanente da pr6pria critica, implicando esta a afirmacao de urn sujeito reflexivo emancipado, mas que nao cessaria de submergir na esmagadora processualidade do mundo, de se colocar em xeque e autodesmistificar. Corn esses gestos contundentes a arte moderna despedia-se do genio romantico e firmava sua verve realista. Dessa maneira, a possibilidade da cultura de interrogar permanentemente seus fins, possibilidade inscrita na ideia da critica permanente de uma instituicao-arte, mantem-se como a grande invencao da vanguarda modema. E preciso admitir que tal invencao, como se disse, constituiria o ceme de todos os impasses da modernidade, ja que ao mesmo tempo em que se radicalizava a premissa da autonomia da arte (como Unico reduto, na cultura industrial modema, que convidava a experiencia de uma subjetividade inconformista), engendrava-se continuamente a institucionalizacao precoce de cada gesto de insubordinacao, conforme, de resto, a nova racionalidade que passava a envolver todos os setores da vida social. Todavia, a despeito de ter conduzido a impasses e a contradicees que ainda repercutem no presente, nao se pode deixar de reconhecer que tal procedimento constituiu urn instrumento privilegiado de autocompreensao (tanto do trabalho de arte como da critica de arte) que todo urn period° construiu para si, e que a meu vet permanece ainda valido para a producao artistica e intelectual. Afinal, gracas ao gesto insubordinado 230

da clUvida sisternatica e aguerrida, da ruptura ou da negacao, que sao poderosas operacoes criticas, cada trabalho de arte, cada empreendimento crftico teve, doravante (e num mundo progressivamente mais institucionalizado), a possibilidade de subita- . mente reverter urn jogo de cartas marcadas e burlar a dinamica insidiosa da institucionalizacao, mesmo mantendo-se sob os efeitos desta. Para citar um exemplo bastante conhecido dos mecanismos dessa metacrftica no terreno da arte, tome-se a trajetoria de Picasso. Nao sao os .aparentes "recuos" e "auto-recuperacoes" que permeiam a obra do pintor, e afinal a sem-cerimonia corn que ele sistematicamente "revisitou" sua propria pintura e a histhria da arte, uma estrategia de autocompreensao do trabalho, ardilos a e corrosiva, pela qual Picasso, ao mes-. mo tempo que criticava o fetiche do merca- • do, preservava sua autonomia, uma reserva de desfrute subjetivo, libidinal, que dispensava pudor e elegancia formal ao ostentar a linguagem objetiva do mercado e da instituicao-arte? Desdobra-se assim a nocao de crftica para a de autocompreensao 3 e neste ponto é preciso defini-la melhor, examinar sua contribuicao a atividade critica. De saida, parece-me que por meio da nocao de critica como autocompreensao é possivel vislumbrar uma critica nao apenas capaz de denunciar os multiplos enquadramentos ideologicos que se cravam sobre a produgao cultural contemporanea, mas de lidar com eles e de discemir e redirecionar continuamente o proprio modo de funcionamento no interior deles. Trata-se de discutir como e em que condicoes seria possivel recuperar a eficacia dessa extraordinaria invencao moderna,

dessa vontade de autocompreensao, por meio da qual a producao artistica e intelectual metabilizaria e ultrapassaria, digamos assim, a 16gica do mercado. Cabe decerto perguntar: como afinal isto poderia se dar — isto é, como a critica poderia resistir aos imperativos da institurcao, ao mesmo tempo estando "dentro" dela, isto é, reconhecendo nela, a despeito de tudo — e ate seguncla ordem — uma via possivel pan o debate public° da arte, path o agenciamento social do trabalho de arte? Que é possivel exercer tal critica "de dentro" da instituicao nao ha dovida, porque de outro modo nao estariamos aqui, tampouco pressupondo certos elementos de consenso entre n6s, elementos que nos levam a julgar que, enquanto instancia coletiva, conhecemos razoavelmente bem uma situagao e que podemos mucla-la conforme forjemos os instrumentos adequados pan tanto — tal é a premissa deste debate. A questa° é saber flagrar o momento em que o "estar dentro" pode subitamente suscitar um gesto de autocompreensao, de modo que este permita absorver e ressemantizar as demandas da instituicao. De qualquer maneira, a condicao primeira de possibilidade para que o exercicio critic° aspire a alguma eficacia demonstra-se, de fato, esse "estar dentro". •

A critica na situasao contemporfinea

Voltando entao a questao: o que se mantern e o que se inviabiliza daquele sentido de critica na situacao contemporanea? Qual a possibilidade de intervencao da crftica no cerrado sistema institucional da producao contemporanea, sistema ao qual ela pi -6pda nao deixa de pagar seus tributos? Parece evidente que uma nocao de critica nos ter-

mos mencionados encontra cada vez mais dificuldade para se realizar na atualidade. E bem sabido que a decada de 1980 assinala o inicio de urn processo de transformacao profunda no sentido geral da atividade critica. Tal transforrnacao dar-se-ia, de resto, na esteira de todas as mudangas econ8micas, sodais e politicas desde entao em curse: a distensao das polaridades ideologicas do mundo ocidental (resultando na projecao dos EUA como potencia hegem8nica), a paulatina desmobilizacao institucional dos grandes discursos de oposicao politica (de partidos, movimentos sindicais, movirnentos feministas, movimentos reivindicatorios de jovens — todos, bem ou mal, voltados ao projeto de uma vida pUblica), a emergencia de movimentos pontuais e violentos de descompressao social, dos quais ate agora nao se sabe se sao urn fen8meno de mudanca ou, inversamente, de confirmagao sotuma do status quo, indicando a decomposicao de toda possibilidade de pacto social, e sobretudo a presenca crescente do mercado corm novo paradigma de bem-estar social. Paralelamente ao desprestigio crescente da politica, a palavra de ordem mais ouvida das decadas de 1980 e go passou a ser adaptacao; aos poucos e pot toda pane foise desacreditando do potencial transformador corn que se costumava ern outros tempos creditar a angastia e a negacao, e se incentivando o advento de uma subjetividade voltado ao cultivo da auto-estima a qualquer prey) e a busca da aceitagao social, corn o que prosperavam psicologias direcionadas a adaptacao, bem como sentimentos corporativos, anti-republicanos. 0 mal-estar, a ruptura e o protesto implicados na pratica politica doravante levantavam suspeita de fraqueza e ressentimento, ou de incapacidade

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TRANSFORMACOES NA ESFERA DA CRITICA - SONIA SALZSTEIN

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pan sobreviver as exigencias seletivas de uma ordem nova e mais perfeita, nas aparencias essencialmente voltadas ao individuo. Do ponto de vista da arte, tudo indica que vimos experimentando, desde entao, uma mOdificagao profunda no lugar da critica, que emancipou-se do horizonte (bem on mal) pablica e universalista da producao aced& mica e da producao intelectual em geral, para vincular-se mais imediatamente as demandas profissionais, setorizadas e corporativas, do universo das instituigOes contemporaneas de arte. Ao que parece, o contexto contemporaneo deixou morrer de inanicab o programa modemo de um espaco public° da arte, substituido pelas demandas cada vez mais topicas tanto da producao artistica como da critica. E notavel, pot exemplo, que grande parte dos ensaios produzidos sobre arte contemporanea no meio internacional nas duas altimas decadas tenha surgido em catalogos de exposicOes, subordinados, portant°, ao calendario das instituicOes, corn seus interesses corporativos, mercadolOgicos, empresariais, e nao ligados a iniciativas academicas ou estritamente editoriais. inquietante que a major parte desses textos demonstre cada vez menos interesse nao so pelo passado remoto da arte moderna, mas tambem pelo passado recente desta, que nao se interesse em confrontar trabalhos contemporaneos corn certas referencies historicas da modernidade, de modo a revelar uma capacidade interpretative mais generosa e algum esforco de sintese. Fatos como estes sinalizam que tera se obliterado para a critica contemporanea a perspectiva de operar segundo projetos de longo prazo, isto é, projetos capazes de se desenvolver de modo mais independente em face do calendario de grandes museus, centros cillturais 232

e galerias, em face da racionalidade administrativa e econ6mica corn que essas instituic6es devem operar, o que certamente impOe rapidez e ecletismo intelectual ao trabalho do critico-curador-teoricb-historiador da arte (eventualmente, tambem artista). Nesse sentido, a tendencia da critica é ir se confundindo cada vez mais corn a produgao artistica, assimilando, como seus, interesses e motivagees que eram so da producao, buscando apresentar-se coma uma modalidade da prOpria arte, reclamando urn dominio morfologico e estilistico analog° ao dos trabalhos, desenvolvendo-se mesmo paralelamente a eles - embora devendo sempre recorrer ao procedimento da colagem,, a citacao desenvolta de uma heterogeneidade de saberes, ao comentario inevitavelmente tardio e epidermic° da reflexao que se processa no nacleo intemo de outras disciplinas, historicamente consolidadas. Assim, vao se apagando as fronteiras que separavam o processo de constituicao do trabalho de arte do processo de constituicao do trabalho da critica, e refluindo a ideia de que a reflexao educe pressup6e necessariamente a possibilidade do passo dado para tras, da reflexividade, a possibilidade da negacao, do momento provisorio de davida. 0 curioso é que corn essa quase justaposicao entre a esfera da critica e a da arte, assistimos a uma aparente ultrapolitizacao tanto do trabalho de arte como da critica. Pois de ambos os lados ganha prestigio a ideia de uma imersao imediata no territorio da cultura (uma imersao positiva, sem reflexividade, é preciso dizer, quase uma adesao), sem a mediagao da forma, miseravelmente rebaixada, alias, a condicao de instrumento ideologic° do totalitarismo modernista. Freqiientemente o que se ve, entretanto, é que

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a renuncia a busca de uma nova compreen, sac) da forma, ou de novas possibilidades de formalizacao, tern empurrado o trabalho de arte e a critica a urn atoleiro de historicismos, sem que se possa dizer que em alguma medida estejam operando a partir de uma perspectiva materialista da histOria, ac menos no sentido legado pela tradicao marxista do seculo XX. Ao contrail°, a percepgao dos problemas da cultura vai sendo desmaterializada, colonizada em categorias e essencialismos diversos. Penso, a esse respeito, numa frase de Godard que ii em algum lugar ha tempos atras, e que dizia mais cu menos o seguinte:

Notas /. Charles Baudelaire. Aos burgueses. In Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1995, p. 67E. 2, Nos termos formulados por Otfiia B. Fiori Arantes em Arquitetura nova antigamente: 0 quefazer? In Urbanismo em fim de linha Sao Paulo, Editora US!', 1998, p. 87.

a culture é a norrna, a arte, a excegao. Pois bem, o que tern ocorrido é, precisamente, que sO vemos "norma" por toda a parte, que presenciamos o preenchimento ruidoso daquele momento de suspensao, daquele momento auto-reflexivo que imunizava, por assim dizer, o trabalho artistic° e intelectual contra o tipo de racionalidade instrumental que permeia o mundo da cultura. A men ver, trata-se de resgatar a possibilidade desse momento autoreflexivo, que é a condicao para o exercicio da auto-compreensao, Italica via pela qualparece possivel manter uma posicao relativamente emancipada no interior do sistema da arte contemporanea.

3. Remeto ao texto de Peter Burger. The theory of the avantgarde. Minneapolis, The University of Minnesota Press, 1984, especialmente a segunda pane do capitulo II, intitulada "The avantgarde as the self-criticism of art in bourgeois society", p. 20- 34.

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0 artista como curador RICARDO BASBAUM assunto deste texto é mesmo urn tema pertinente a presente edigao = do Panorama: o transito do artista atraves de fungoes que ultrapassam a sua posigao como simples produtor de obras de arte. 0 recuo no tempo pode parecer demasiado, mas a condigao de ser urn artista tern sido extremamente fluida, desde o abandono da artesania e virtuosismo como condig5es a priori pan a produgao da obra (encontramos ainda em Mario de Andrade uma insistencia muito grande neste ponto) e sua insergao numa ordem econennica de mercado (sempre marcada por contradicees e conflitos) — transformag5es que remontam ao inicio da era moderna — ate as discussoes acerca da morte do sujeito (do autor, do artista...) durante a euforia estruturalista, chegando ao conceitualismo e aos experimentalismos diversos corn sua dupla insistencia em especificidade e desaparecimento. Ha muitas decadas, os contomos do que pode on nao ser uma obra de arte dissolveram-se por completo, tract) que se acirra no pos 1945 corn a positivagao da hada negativa e irenica das vanguardas historicas. Percebe-se logo que ser (ou nao) um artista nao é algo de que se possam exigir limites rigidos ou absolutos, revelando-se mais como urn transit°, um certo deslocamento atraves das coi-

sas combinado corn a producao de urn espago particular de problemas (o lugar do "pa& tico", que Bataille associa ao "man', um determinado fonnular de questoes em que objetos, situagOes, eventos e uma certa configuracao do sensivel estao envolvidos: este individuo (ou coletivo, claro) insere-se (6 inserido: trata-se de uma atribuigao que necessariamente envolve alteridade) numa rede de dinamicas e num contomo de espacialidade em que se movimenta, deflagrando toda uma economia propria deste conjunto de operagOes. Assim postos,. os limites que jogam corn a determinagao e a identidade do artista nao mais se configuram ern simples problema de cruzamento de fronteiras (entrar e sair), mas sim enquanto delineadores de uma figura de espacialidade que acaba conduzida a vivenciar estes atravessamentos a partir de uma possivel singularidade de insergao: escapar das determinacOes de urn campo cu mesmo amplificar sua atuagao a partir de uma deliberada mistura de linhas de identidade marcam tambem a seu modo o territorio do artista e suas realizagees — traco muito claro em algumas das mais importantes trajetorias tisticas do seculo XX, ern suas superposicOes entre arte e ciencia, literatura, filosofia, pedagogia etc. Seria interessante comentar


algumas impressOes de tais estrategias de superposicao a partir da experiencia da invencao e producao de exposicOes - o campo das agoes identificadas coma "curadoria". Nao se trata de "set artista todo o tempo", ainda que Andre Breton tenha nos lembrado qua o artista trabalha tambem dormindo, mas considerar certa ordem de circunstancias em meio ao desempenho de fungOes variadas, sem deixar de prestar atencao a determinado elenco de questees: certamente o artista guarda como tesouro sua proximidade corn a obra, exibindo ostensivamente urn perfil cUmplice corn as manobras da producao. Nao ha como eliminar a mistura corn o trabalho que o singulariza, corn o qua] estabelece compromisso e a partir do qual aparece sintomaticamente contaminado, a arrastar ou buscar afinidades e ressonancias deste contigio: como elemento antipoda, apresenta-se uma permanente ansia por alteridade que ao mesmo tempo desperta e desmobiliza o processo das contaminacees, tomando Clara uma dimensao de permanente relatividade e fragmentacao de qualquer gesto e resultado. Como se para o artista existisse a constante demanda pela instauragao de urn centro, a partir do qual tudo gravita de modo centrfpeto e centrifuge: perceber a relatividade de sua propria posicao central é algo que custa muito caro a qualquer poetica e todo o artista se cerca de variados cuidados rituais neste deslocamento. Se hoje este gesto figura como ferramenta importante - saber perceber e habitar o espaco de mediagOes em pie se constroem as nogoes do "eu" e do "outro" - é certamente como sintoma de uma epoca em que se nota claramente a transitoriedade das regioes centrais, sua efemeridade e condicao de continuo deslocamento. Esta movimentacao para fora de Si nao dei236

xa de set uma condicao do pr6prio exercicio do gesto poetic°, que foge do loop narcisico e busca hospedagem no corpo do outro - espectador, audiencia, public°. - mas que tambem pode ser encontrada no elenco de praticas daqueles artistas que se inscrevem na tradicao de hibridizacao junto a poeticas alheias, em que buscam as singularidades da alteridade conforme se manifestam atrayes de seu preprio jogo de corpo: o exercicio de atividades - institucionalizadas em maior ou manor grau - de interlocucao informal e producao critica, par exernplo, ou de agenciamento de trabalhos e curadoria. Tais artistas de algum modo colocam-se como atravessadores a partir de quem multiplas alteridades vem a se constituir discursiva ou espacialmente - mas o decisive acaba sendo mesmo a (feliz) impossibilidade de anulamento da prepria poetica, cuja presenca produz o tempero caracteristico desta expressividade hibrida e mUltipla: falar do outro sempre atraves de si mesmo é falar de si atraves do outro. Dal nao ser simples coincidencia ou "acidente lirico" o fato de muitos dos principais criticos de arte serem p0etas, escritores inventores de linguagem: na inevitavel explicitagao de sua condicao de proximidade para corn a palavra é que se passam as manobras e operacaes verdadeiramente intersignicas em que volumes de sentidos e camadas de juizos sao manuseados - espacos que incorporam transcriacees imagem/palavra em que aquele que escreve igualmente transparece enquanto usina de maquinacees poeticas. Se o lugar do agenciamento critic° tern sido explicitado como regiao de invencao de linguagem - espago em qua a discussao critica se aproxima de sua dimensao poetica, sob o efeito de "poeticas ern entrelagamento" -, o qua se passa no caso do possivel "jogo

curatorial", quando a acao de agenciamento é voltada especificamente para a construed° de exposicaes? Na perspectiva ate aqui desenvolvida, o andsta como curador situase inicialmente a partir de urn nao-aniquilament° - quase uma afirmagao, talvez - dos parametros de seu preprio fazer. Entretanto, a perspectiva al colocada afasta-se de urn simples agenciamento discursive, para incorporar a dimensao da realizacao de urn evento: o nUmero de variaveis envolvidas aumenta enormemente (mas urn evento pode ter qualquer dimensao, micro ou macro), uma vez que he neste caso a experiencia direta do confronto corn as obras, seja de que jeito for. Neste tipo de trabalho ha ern geral major presenca do aparelho institucional, pela obrigatoriedade das condicOes de producao e organizacao do evento, tornando inevitavel um enfrentamento burocratico corn questoes organizacionais e financeiras: pode ser tentador afastar-se das especificidades de linguagem proprias deste setor mas nao hi como elimina-las, ja que significam mesmo cuidar das dimensoes de viabilidade da exposicao em seus mUltiplos cornpromissos e em seu jogo econOmico. Ainda que a legica de producao da arte contemporanea tenha ha muito assumido uma relaea° esclarecida nos termos de sua insercao no fluxo do capital, esta é uma questa° em qua sempre se encontrard urn fib de tensao absolutamente insoblvel, no cheque entre diferentes utilizacOes do tempo e na administracao dos resultados. Talvez se possam indicar pistas deste antagonismo atraves das figuras do "pUblico" e do "espectador": enquanto que o primeiro é caracteristicamente definido atravos de numeros ("quantos visitantes?") ou estatisticas classificat6rias ("de que faixa etaria, idade ou classe social?"), o segundo revelaria urn persona-

gem singularizado em contato direto com a obra, envolvido em um processo de fruicao sensorial. Em termos ideais, uma exposicao du evento bem-sucedido seria aquele em qua o individuo entra enquanto "priblico" e sai "espectador", transformado pela experiencia, tocado pela obra de arte - e tocandoa. No balance destas duas posiedes extremas estariam envolvidas questees acerca da funcionalidade da arte e sua busca par resultados "em tempo real": enquanto o contador checa o balance para auferir as contas em busca do saldo positive ou crescente, ansioso por transmiti-lo ao patrocinador, o poeta contabilizaria a conquista de questOes cuja conclusao permanece em aberto, problemas no sentido de uma proximidade corn os fluxos da vida e da existencia, n-acos de senserialidade e percepeao em atualizacao atraves da experiencia do aqui e agora. Ainda que nenhuma dicotomia se expresse no mundo real de modo tao linear, estes dois polos estabelecem demandas-chave do evento, cada qual exercendo seu magnetism° e posicionando as personagens durante o processo, indicando o perfil da realizacao atraves da enfase nesta ou naquela direcao (que fique claro: nao existem apenas duas, mas a combinatoria das possibilidades envolvidas nas linhas de fuga do binarismo simplificador, atingindo-se sempre condigoes reais complexas). interessante perceber, nesse sentido, o gesto do artista David Medalla ao conceber a London Biennale 2000, intitulando-se seu "presidente e fundador": o projeto consistiu na construcao de urn evento "totalmente gerado pot artistas"2, qua utilizando a marca de uma "bienal" imprimisse um funcionamento completamente diverse do espeiado em uma situacao corn esta caracteristica, de modo a desenvolver um modelo mais orga-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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0 ARTISTA COMO CURADOR - RICARDO BASBAUM

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nico e menos burocratizado e hierarquizado. Claro que se trata mesmo de um comentario critic° ao gigantism° de um certo tipo de evento de art e contemporanea, mas ha ainda a vontade de construir uma intervencao neste debate, ao tomar exeqiiivel urn outro formato de atuacao. Se as linguagens da arte já incorporam em suas criticas uma inteligencia do circuito - estrategias, mediageies, construcao de imagem, manobras politicas etc. - a London Biennale 2000 constrOi sua presence a partir de urn aproveitamento desta possibilidade: ao deslocar seus habituais procedimentos poeticos ("funcionalizando-os" de outro modo) para a administrace.° de urn acontecimento artistic° coletivo - na passagem das atribuicees do artiste para aquelas de "presidente e fundador" (curador?) - Medalla contamina a linguagem do dirigente institucional corn a mesma dimensao er6tica e sedutora que imprime em seus trabalhos; porem aqui ela desliza para o outro de maneira diverse, solicitando-o nao enquanto espectador, mas reconhecendo nele a competencia pare o desenvolvimento de jogos de linguagem sofisticados e legitimando-o como parte do tecido da arte contemporanea. 0 interesse mobilizado pelo evento inventado por Medalla decorre do sucesso desta operacao de superposicao de papeis e redirecionamento poetic°, que tanto reposicionaram urn evento de dimensao coletiva em urn forrnato agil e aberto quanto adicionaram uma outra camada de sentido ao seu proprio trabalho. Dentro do ambito desta mostra - Panorama 2001 - a questa° se apresenta corn algumas nuances proprias, e 6 evidente que tomou parte mesmo de seu projeto de construcao: é inegavel a atencao dispensada a esta situacao de atravessamento de papas, desde a presence entre os curadores de al238

guem que nao exerce a atividade ern tempo integral e possui uma trajetoria de intervencao no circuito enquanto artiste, ate o convite para a participacao na exposicao de uma serie de nomes cujo percurso 6 marcado pot este tipo de transito.Tambem o interesse ern relacao aos projetos coletivos de artistes - ern que a posicao de urn artista-agenciador fica absolutamente explicita - revela as pistas de uma investigacao em curso em tomo do lugar do artista e suas atribuicaes, limites e linhas de fuga. Quando se olham de pert° as organizaceies coordenadas por artistes, urn aspecto que imediatamente vem a tona 6 a desconformidade, para a maioria de seus membros, ao modelo da "cumin" artistica o chamado modelo "de sucesso", indicando como deve ser o "artiste bem-sucedido" (nao se trata de uma imposicao, mas de urn modelo que se percebe hegemonico, tambem sujeito a mudancas e transicoes), parece nao admitir lugar (so a custa de muita insistencia e persistencia) pare estes trajetos que inventam e acumulam outros percursos frente ao circuito; talvez esta comparacao possa ser mais produtiva se olharmos essas diferencas em termos de modelos de espacialidade, em que a posicao deste ou daquele papel é percebida em seus espacos de movimentacao, deslocamento e mapeamento. A mecanica do circuito nao é inocente ou natural, claro, e, mais do que isso, evidencia-se francamente - no ha nenhuma novidade neste enunciado - em sua premiacao imediata outorgada atraves do estimulo aos formatos de "carreira" que consagram a curto prazo o artista individual produtor de objetos de comercializacao nao-problematica: este é urn dado que pertence a uma especie de logica estrutural do sociocapital e que permeia mesmo diversas camadas do real - tanto estruturas quanto corpos. Mais

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• uma vez, fugindo de qualquer esquematis-: mo, urn olhar mais curioso deve trazer a tona trajetorias que tracam diversas outras espacialidades, em que o artista emerge em posicees de hibridizacees poeticas variadas e constr6i inserc5es de identidade na derive - em suas linhas de fuga - de carreirismos • ligeiros e automatizados: isto se di corn certeza no traced° proposto por estes artistesagenciadores que se organizam em p6los de proposicao e fomentacao de atividades de arte contemporanea - Alpendre, Grupo Camelo, Agora/Capacete, Torreao, Linha Imaginaria, por exemplo. Alem da disponibilidade para refletir sobre suas escolhas poeticas e de linguagem numa matriz que contempia a recepcao e acolhida do outro - a atuacao critica que comentamos inicialmente estes artistes tern ainda que administrar a dimensao politica de seus deslocamentos e atitudes, conscientes de como esta sua acao de agenciadores influi na trama de contatos que constituem o circuito de arte - pones se abrem e se fecham a partir deste jogo (mais um a ser conduzido...), que influi diretamente na recepcao de sua propria produce° (que afinal 6 urn dos itens basicos na legitimacao de seu "estar" dentro do circuito). Talvez urn prirneiro balanco que se possa fazer da presence de diversas estrategias coordenadas por artistas no atual rnomento da arte brasileira, assim como da atuacao, consciencia e consistencia de diferentes e variados artistas que negociam suas presences no circuito a partir de uma caracterizacao muito menos estreita de seus papeis enquanto "produtores de arte", deva passar pela percepcao de que este ern curso urn outro arranjo poetic° da culture urn periodo de invencao de estruturas de pertencimento e narratives legitimadoras: ha urn desejo de escrever (ou reescrever)

inscricaes, deslocar certos acomodamentos para urn arranjo mais dinamico e produtivo, movimentar e reinventar mecanismos e circulacaes. Quando o poetic° se aproxima deste modo do jogo institucional (do qual nao deveria realmente se afastar), forcando sua presence junto as demandas mais formais e pesadas da economia, burocracia e hierarquia politica e social, é sintoma e sinal de que alguma agudeza de preparagao e delicadeza de pensamento estao sendo reivindicados como ferramentas necessaries - menos idealizadas e mais prOximas das lutes do dia-a-dia. Nao é por acaso que manobras antagOnicas, de grande porte - sempre sob a aura de alguma grandiosidade desmesurada ou truculencia na conduce° do processo estao em curs° no presente momento enquanto estrategias ligadas a construcao de uma possivel realidade da arte brasileira para exportacao: tal antagonismo entre "presence insinuante do poetico" versus "grandiosidade brutalista do jogo econ8mico-institucional" somente confirma a importancia do sintoma e aponta como o primeiro termo da dicotomia a se faz significativo e decisivo no quadro da atualidade. Urn momenta assim agrega ainda importancia por indicar mobilidade e potencialidade de transformacao, mas nao enquanto jogo utOpico e sim como resultado de dinamicas imediatas, em processo de ebulicao e de conquista de eficiencia, ao seu modo. Existe uma expressao de cunho modemista que entretanto guarda importante atualidade: "cada vitaria do artista e uma derrota pare a sociedade" nao se trata aqui de um confronto (hoje ingenuo) entre aristocracia cultural e palico burgues banalizado, mas sim de uma funCä° do poetic° que nao se deve perder de vista, portadora de urn horizonte de resul-

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tados que nao se contabilizam em cifras, mas em intensidade perceptiva, desnaturalizacao e questionamentos. E sempre interessante quando se percebe a arte a se aparelhar corn urn tecido poetico-institucio-

nal que incorpora em sua pratica dimensaes nao-discursivas de linguagem; tais situacoes nao sao freqiientes, de modo que, quando ocorrem, merecem atencao e urn olhar cuidadoso,

Gloria Ferreira para JaiIton Moreira

Notas x. Vet Baudelaire de Georges Bataille, em A Literatura e o

Mal, Porto Alegre, L&PM, 1989. 2. 0 parigrafo inicial da carta convite escrita por David Medalla pan a London Biennale 2000 dizia: "A Bienal de Londres seri inteiramente realizada por artistas. Estara aberta para qualquer artista de qualquer lugar do mundo. Nao haveri restrig5o de idade, seXo (genero), nacionalidade ou raga. Urn artista pode participar da bienal simplesmente enviando ries copias -

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Chat Mostra Rio Arte Contemporfinea

para mim em meu enderego em Bracknell - de uma fotografia (no tamanho aproximado de urn cartao-postal) de si mesmo (a) (ou de uma pessoa prOxima) portando uma flecha (de qualquer tamanho ou material) inscrita corn as palavras "Bienal de Londres 2000" e seu prOprio nome (a fotografia deve set tirada em frente a estatua de Eros em PiccadillSr Circus, Londres). N5o hi taxa de inscrigao."Texto integral disponivel em http://www.londonbiennale.org .

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JAILTON MOREIRA omo se relaciona a sua producdo enquanta artista, formador de artistas, curador e membro de jfiris? Que repercussdo dessas atividades twee ressente em seu trabalho? Haveria uma diferenca significativa via atual participactio dos artistas no campo da crftica em comparacem corn os artistas motley1105, par exemplo? 0 panto de contato entre as tres perguntas me leva a explicar o que entendo hoje por meu trabalho. Nao ha como fugir de urn acento pessoal nas respostas, pois as perguntas vao nessa direcao. Sempre compreendi arte como maneira de pensar o mundo. Embora tenha manifestado, desde cedo, uma certa aptidao manual, esta foi gradativamente abolida e nunca se prestou a exibicionismos de virtuosismo. Uma coisa entendo que nao mudou desde entao: usar arte para fazer o que eu ndo sei. No momento que nao existe urn problema ou uma vertigem perturbadora, prefiro o silencio a ficar criando atrolhos por cacoete ou qualquer outro tipo de compromisso. Desconfio quando sei e o exercicio do fazer porfazer so me causa aborrecimento. Em relacao ao ensino de arte, ĂŠ algo que sempre acompanhou meu processo. Comecei a dar aula muito cedo, mas demorei a

aceitar que era urn educador. Tinha resistencia em assumir tal condicao ate ser atropelado por alunos que passaram por mim e perceber neles que urn determinado olhar sabre a arte havia sido partilhado. Havia comunicacao entre as atividades, mas elas permaneciam compartimentadas. Ate o had° dos anos 1990 existia uma hierarquia desejada entre a producao plastica e a atividade de professor. Corn a criacao do Torreao (espaco de producao, orientacao e refiexao de arte contemporanea em Porto Alegre), juntamente corn Elida Tessler, ha nova anos, estas atividades se fundiram. Desde entao, comecaram a surgir mais sistematicamente convites para participar de jOris de saloes e curadorias. Provavelmente por identificarem os convites que faziamos para artistas criarem intervengoes pan o espaco da torre como uma especie de curadoria informal. Hoje vejo isto tudo como uma coisa so. Arte como maneira de pensar e atuar, sem hierarquizar a producao artistica, a orientacao em arte e o trabalho de curadoria.Todas as tres sao vias de acessos diferenciadas para abordar, de forma parcial, urn campo imenso do qual nunca se tern uma visa() plena. Nao estou afirmando que sac) a mesma coisa Cu que estao submetidas aos mesmos


sistemas de legitimagao. Acredito em sistemas que podem se cmzar e sobrepor sem afetar a credibilidade e a consistencia das experiencias. Ao mesmo tempo, ao focar o carter de atitude a que tudo esta submetido, deve-se aproximar uma reflexao etica para aferir este transit°. Se as categorias (desenho, pintura, escultura, instalagees etc.) foram expandidas e destruidas nos ifltimos anos, isto tambern serve para compreender tais atuacees multiplas. 0 fato de ser artista nao invalida outras formas de ser. Muito pelo contrario, a contemporaneidade discute este ser exclusivo e induz a pensar urn ser mais multiplo e provisOrio. Penso que o artista moderno, de uma forma geral, quando se aventurava pelo

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campo da critica, nao negligenciava o alvo de sua preferencia que era, sem davida, o produto do seu processo artistic°. Para as artistas que hoje enfatizam uma reflexao de arte enquanto sistema, fica dificil precisar os limites em que esta ocorre. Este embaralhamento, muitas vezes, faz parte de suas poeticas. E, para os que nao dirigem o foco para as quest8es institucionais da arte, acredito que suas vozes servem para contrabalangar um certo tipo de ch .tica. sao indagacoes que nascem de problemas da producao ou do contato intim° corn esta e que hoje funcionam como oposicao ou complemento de outra reflexao que chega, por vezes, a esquecer ou menosprezar a experiencia artistica.

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS CHAT MOSTRA RIO ARTE CONTEMPORANEA - MILTON MOREIFtA

Notas sobre a jovem critica de arte GUY AMADO s anos 1990 testemunharam o ocaso progressivo e sistematico da advidade da critica em artes plasticas em Sao Paulo e no Brasil. Urn processo que nao se consolidou de forma abrupta, apresentando indicios de esmorecimento ja desde meados da decada anterior. E que é intensificado quando os Ultimos espacos regularmente dedicados a esse perfil de atividade na midia impressa - e entende-se aqui a imprensa como reduto por excelencia da atividade critica - tiveram sua publicacao suspensa, a excecao de uma ou outra coluna semanal que subsistem em suplementos dominicais. Essa constatacao, associada ao desaparecimento de publicacaes especializadas em arte no Pais e a ascensao do chamado Jornalismo Cultural teria atividade critica no meio artistico brasileiro. Esta nova modalidade de jomalismo, que se assume de antemao como incompativel corn o exercicio da critica pela maneira rasa corn que caracteristicamente aborda manifestacnes da producao cultural (notadamente as artes visuais), parece ter contribuido de modo sensivel para a rarefacao da circulacao da critica de arte na midia impressa, tendo gradualmente a substituido. 0 modelo opinativo-assertivo de texto cede entao lugar a urn formato "pasteurizado", que valo-

riza sobretudo a informacao esquernatica, voltado para as demandas do entretenimento, em detrimento daquela pulsao que buscava a "conquista incessante de um espaco public° de negociacao de conflitos", na lacida definicao de Sonia Salzsteini Frente a tal cenario, a producao de textos em arte contemporanea (o "lugar da critical no pals restringiu-se a segmentos cada vez mais estreitos e definidos, como a confeccao de textos para exposicoes- nicho que, sobretudo a partir de uma consagracao permeada de relativismo da figura do curador, a partir dos anos 1980, se orientaria para uma pratica em grande parte subordinada a interesses corporativos-mercadologicos - e a producao de cunho academia), ensaistica, de circulagao restrita e normalmente executada no jargao imposto pelo meio, de dificil assimilacao pelo leitor medio. No inicio dos anos 2000, comeca a despontar em Sao Paulo uma geracao de jovens praticantes da escrita de arte que passa a ser genericamente designada (a meu ver de modo nem sempre apropriado) como "grupos de jovens criticos". A conformacao desses grupos se mostra geralmente associada a iniciativas de instituignes culturais (em Sao Paulo, o CCSP, o Paco das Artes e o CEUMA), que buscam aglutinar jovens individu-

t.


os interessados e/ou atuantes na teoria de arte pan assumirem os textos das exposicaes que tern lugar nesses locals - em larga medida analisando a producao de artistas igualmente jovens. Configurou-se, assim, a emergencia de uma cena em que 'ovens criticos" tern sua atividade primordialmente associada a instituicees de arte. E nao se pode desconsiderar que este fator guarda certa singularidade: é bastante peculiar que individuos que passam a ser designados como novos representantes da escrita de arte contemporanea - e eu pr6prio me vejo incluido nesta condicao - sejam assim identificados a par& de uma pratica que pressupoe um vinculo (ou urn "servico") pan corn uma instituicao e conseqiientemente uma dinamica de abordagem predeterminada. Afinal, os textos confeccionados para mostras nesses locais deverao constituir-se como pouco mais que breves apresentacees das obras e artistas all expostos; e se pode haver algum teor de fato "critico" possivel neste formato, sera inevitavelmente de natureza laudatoria. Essa pratica se mostra portant° comprometida corn uma 16gica previamente estabelecida; e embora gratificante, prazerosa e mesmo essencial para a iniciacao e aprimoramento no exercicio da escrita de arte, sustento que nao sera all que uma critica isenta de cornprometimentos poden se desenvolver livremente. Estes questionamentos comegam a ser discutidos internamente. Nao raro nos yemos imersos numa equagao em que convivem anseios pessoais e as frustracaes decorrentes das limitacoes inerentes a este formato de escrita. Percebe-se uma insuficiencia da atividade da livre critica nesse modelo. Se ha os que defendem set de algum modo, possivel adotar posicionamentos efetiva244

mente criticos neste tipo de texto - aqui entendidos como isentos do compromisso da adesao, ou da expectativa pelo torn aPologetico embutido a priori na "encomenda" na pratica essa possibilidade ainda se revela remota. Mas como e onde, entao, resistir a estes imperativos e dar vazao a estas inquietagOes atingindo visibilidade pUblica? Como já comentado, os canais para essa pratica se mostram rarefeitos. A Ntimero surge urn pouco como uma iniciativa reativa a esse quadro, nascida do sentimento de insuficiencia advindo da dinamica de textos "sob medida". Observando retrospectivamente sua curta existencia, e possivel afirmar que a revista, em seu perfil independente, desvinculada de qualquer organismo de controle, venha em certa medida cumprindo seu papel - embora, a meu ver, o espago por ela propiciado para o exercicio da critica "irrestrita" ainda seja relativamente subaproveitado. A ideia, esperavamos ou ao menos eu esperava, era a de inserir algum ruido, o atrito que tanta falta parece fazer no debate critico no meio das artes visuais. Penso aqui na nocao de atrito como elemento tensionador de convencoes pre-estabelecidas que instauram uma dinamica confortavel e de mao ünica, na escrita de arte atual, onde o elogio parece ser a tanica dominante. Nao se trata, naturalmente, de sugerir que abordagens por estas vias sejam incompativeis corn a qualidade, ou que a "verdadeira critica" s6 se legitimaria como tal quando ataca determinado artista ou produce°. Ou, ainda, quando e investida de uma orientacao politico-ideologica - seria por demais pueril defender qualquer plataforma nestes termos. Pretende-se, antes, advogar uma premissa desta pratica que hoje se mostra tolhida por uma nova dinamica de

interesses e compromissos regendo o sistema onde ela deveria idealmente ter lugar: a da emissao espontanea e freqiiente do juizo de valor desimpedido de imposigoes mercadol6gicas e/ou academicas anteriores - tarefa que certamente se demonstra ingrata e requer boa dose de abnegagao, frente ao presente estado das coisas. Urn elemento disruptor, como este atrito, seria bem-vindo no meio das artes. 0 marasmo que au i impera é tal que confere magnitude desproporcionada a eventos relativamente insipidos, como um ocorrido recentemente em Sao Paulo a partir de uma resenha critica atacando uma mostra mediana e o subseqiiente debate public° reunindo o autor do artigo (curiosamente urn pintor) e a curadora da mostra (curiosamente uma jornalista-critica de arte). Para alem da controversia em tomo do acontecimento, pode-se aferir ao menos um fator positivo na razoavel imobilizacao gerada pelo mesmo: a constatacao de que ha urn anseio latente por manifestacoes dessa natureza, cada vez mais escassas no meio das artes.

Feito este breve diagn6stico-depoimento, aposta-se que os "jovens criticos" de hoje sigam, coma estao, empenhados na prospeccao e acompanhamento da producao artistica que as cerca, pensando o presente, assim como que estejam em estreita sintonia corn o trabalho de tambem jovens anistas de quern frequentemente se tornam os principais interlocutores - talvez a tarefa mais premente e de maior responsabilidade desta nova geragao de teoricos. Essa dinamica pode inclusive proporcionar que uma salutar cumplicidade - inerente aos mUtuos anseios - se estabeleca entre ambas as partes, contribuindo para enriquecer essa experiencia. Mas sustento que, independentemente de seu foco de atuacao estar centrado na esfera institucional, academica ou qual for, a atividade da critica ("jovem" ou nem tanto) ganha em intensidade quando se busca, sempre que possivel, aquele ruido - o atrito assimilado como elemento de revitalizacao de seu mister- ao inves de se ater a chapinhar confortavelmente sobre as aguas tepidas de convencaes que parecem ver na apologia o Unice caminho a ser seguido.

b;T4

Nota "Transformacties na esfera da crItica". In revista Ms. n° x. Sao Paulo: Universidade de Sao Paulo, 2003. I.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CINTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

NOTAS SOBRE A JOVEM CRITICA DE ARTE - GUY AMADO

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Circuito


A Primeira Bienal I

MARIO PEDROSA

0

'Raiff

ragas a energia empreendedora de Francisco Matarazzo Sobrinho e seus colaboradores diretos do Museu de Arte Modema, a I Bienal de Soo Paulo marca uma data na evolucao das artes no Brasil. Trata-se de urn acontecimento de ambito internacional e corn repercuss5es culturais incalculaveis. Nao somente para o Brasil como pan o nosso continente e mesmo para a velha Europa. Para nos, brasileiros, sua importancia Ê decisiva. Ainda pie corn lacunas, os sal5es do Trianon da Avenida Paulista nos deram uma visao realmente de conjunto de toda a arte mundial da atualidade. Todas as tendencias au i estavam representadas, inclusive o neo-realismo decadente de' inspiragao comunista. Por essa forma, as atividades artisticas oficiais dos paises mssificados europeus, apesar de nao representados na Bienal (e foi pena), puderam atraves de algumas amostras estar presentes no certame. 0 public° brasileiro tern assim, pela primeira vez, contato corn o que se convencionou chamar de arte modema. 0 impacto foi terrIvel e direto. Em muitos esse impacto produziu indignagao, em outros perplexidade. Mas ningruem saiu ou saird dali indiferente. Ate guardas-civis que mantem a ordem do Thanon tern perdido a imperturbabilidade funcional para explodir em invec-

tivas, imprecagoes ironicas ou furiosas diante das manifestacees mais vanguardeiras ou audaciosas ali expostas. E, no entanto, essas explosoes sao em geralprovocadas pelos especimes mais serenos, mais equilibrados, as que menos se propoem escandalizar ou impor-se espetacularmente. Refiro-me as express5es mais puns, mais austeras da poderosa corrente dos abstracionismos naofigurativistas. Em face de suas realizagoes mais radicals e sem comprornissos, corn as telas de um Magnelli no pavilhao italiano, de uma Taiiber-Arp, de um Paulo Lohse ou mesmo de urn Bodmer no slaw, ou de qualquer outro artista abstrato puro, os visitantes se detern intrigados. Desesperadamente em busca de urn sentido, de um titulo significativo ou sugestivo ou de urn nexo externo que lhes permita penetrar naquela meada de linhas, pianos e cores sem objetividade aparente, eles nao sabem o que ver. Acostumados a olhar um quadro ou uma escultura para apreciar urn assunto ou a fidelidade de uma copia do natural, eles se sentem despreparados para ver uma pintura nao somente sem assunto mas tambern sem figuras, sem objetos reconheciveis. Eis por que as pinturas e esculturas fauvistas ou cubistas derivadas de Matisse, Picasso ou Laurens, tomam-se rnais acessiveis quando comparadas aos trabalhos despoja-


dos de qualquer alusao realista ou naturalista. As deformacoes das figuras, os monstros picassianos, as perversoes matissianas aparecem mais toleraveis, porque o public° percebe naquelas algo em que se apegar, uns restos da realidade objetiva. Mesmo as detestando, a primeira vista, os visitantes as "entendem". Ou terminam imaginando de que se trata. Entendem o feio, o horroroso, o grotesco, as distorcOes, reconhecendo atrayes deles figuras, objetos etc. E isso permite que especulem sobre as intencoes supostas ou verdadeiras do artista. E tiram dai alguma satisfacao. Mas diante de urn quadro abstrato eles estao reduzidos a arida soliclao do proprio ego. Hoje, corn quarenta ou cinqfienta anos de distancia do inicio do movimento fauvista ou cubista, o public° considera a arta de Picasso e Matisse, Braque e Leger, Permecke e Marin corn sua enorme descendencia atual, como urn expressionism° atuante e temperamental, isto é, uma revolta romanhca. Ao lado deles, o italiano Campigli traz urn certo apaziguamento, pois, em meio ao tumult° ou ao enigma, a charada, oferece algo de compreensivel, reconfortante e, afinal, belo. Os visitantes deleitam-se em frente as fig-uras campiglianas, na sua elegancia arcaica e alga rigida, corn suas cores indecisas ou terras, corn sua aderencia classica ao muro como um respeitavel e venerando mosaico antigo. Campigli serve, assini, no Trianon, de introdutor diplomatic° do public° no mundo da modemidade artistica. Duas tendencias fundamentals polarizam a grande exibicao intemacional. De urn lado a arta realmente modema, constituida pelos nao-figurativistas de todas as nuancas. Do outro, as diversas variantes objetivistas ou figurativistas. Ha tambem os bastardos de Picasso, Matisse ou Braque: sao os Pignons, Birolis e outros Capailles.

EGO

A chamada corrente neo-realista ou dita tambem de "realismo socialista" dos Gtittuzos e outros nao conta em absoluto no conjunto. E esse urn movimento natimorto, que só existe por uma deliberagao de politica partidaria estranha a qualquer necessidade interior ou intrinseca de ordem estetica e ciiadora. Sua sorte esti vinculada a vit6ria do partido politico que o lancou, do mesmo modo que a arte oficial academica esta vinculada aos poderes oficiais, amarrados, por definicao e funcao, a rodna de uma tradicao morta e ao conservadorismo. A vithria desse "neo-realismo" traria como conseqiiencia inevitivel a volta ao estado em que se encontravam as artes plasticas antes de 1910. Quanto ao surrealismo, esta all representado por uma bela colecao de quadros do belga Delvaux. Entra agora pelos olhos adentro que, plasticamente, o movimento surrealista é coisa do passado. Apesar do estilo, da boa qualidade artesanal de sua pintura, a obra de Delvaux oscila entre o pompier e a literatura. 0 figurativismo mitigado de Chastel, as preocupagoes plasticas quase abstratas de Bazaine, eis em que consiste a atual Escola de Paris. No fundo, trata-se de urn movimento para alem do figurativismo; uma manifestacao de formalismo expressionista, fundado na deformagao plastica do p6scubism° e na reducao do objeto a uma mera transfer8ncia estrutural imponderavel. Quanto aos sub-Picassos e sub-Matisses, de todo o mundo, representam ali o passado imediato. Dal o distanciamento em que se acham da sensibilidade de hoje. Aos olhos dos artistas e apreciadores mais iniciados, essa ültima modalidade surge agora como a moda de ontem, a de nossos pais ou de nossa juventude, e que sempre nos aparece como mais arcaica, ridicula e incompreensivel do que a de nossos avos ou bisav6s.

A Bienal paulista trouxe assim ao mundo artistic° e culto do Pais uma verdadeira revisao de valores. Nisto consistiu a primeira licao que o certame do Trianon veio dar aos artistas brasileiros. A pintura e a escultura ditas modemas no Brasil retardavam de trinta anos. Pararam nos arredores de 1920. (Em outras cronicas voltaremos ao assunto, de capital importancia.) Essa mesma licao servira tambem as artes dos paises continentais. Ate mesmo aos Estados Unidos, onde confluem corn uma vicancia inaudita o novo e velho, o presente e o passado, o que é mm-to e o que esti nascendo, as mistificag5es de urn Peter Blume e as pesquisas honestas e severas de um Pollock, de urn David Hare. A Bienal paulista Ihes podera trazer, pois, uma mensagem de coerencia e de enobrecimento do modemo pelo estilo, coisa de que os americanos estao muito precisados.

Para o mundo, urn grande certame internacional de arte moderna realiza-se pela primeira vez fora de Paris ou dos velhos centros artisticos europeus. Os elementos mais intrinsecamente modemos da arte tiveram na nossa Bienal mais destaque, uma representacao mais decisiva, do que na organizacao modelar de Veneza. Em Sao Paulo as valores que tendem a predominar ja nao sao os arraigados a tradicao, mas os que exprimem tudo o que, nesse presente catastr6fico, torturado e contraditorio, rasga o pessimismo e atesta a vitalidada do espirito criador do homem. Havia de caber a uma Bienal americana, brasileira, paulista consagrar a vit6ria de urn Max Bill sobre um Manzu. A America reconhece melhor o futuro - que esti corn Taiiber-Arp, M. Bill, Bodmer, Rice Pereira, Uhlmann e o nosso Palatnik, uma crianca - do que a velha Europa, gloriosa e veneranda na sua velhice.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A PRIMEIRA BIENAL I - MARIO PEDROSA

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Cruzeiro do Sul

CILDO MEIRELES estou aqui nesta exposig5o para defender uma carreira e nem uma nacionalidade. Ou antes, eu gostaHa, sim, de falar sobre uma regiao que nao consta nos mapas oficiais, e que se chama, por exemplo, CRUZEIRO DO SUL. Seus primitivos habitantes jamais a dividiram. Porem vieram outros, e a dividiram corn uma finalidade. A divis5o continua ate hoje. Acredito que cada regiao tenha sua linha divisoria, imaginaria ou nao. Essa a que me refiro chama-se TORDESILHAS. A parte leste voces mais Cu menos conhecem, pot postais, fotos, descricoes e livros. Mas eu gostaria de falar, do outro lado dessa fronteira, corn a cabeca sob a linha do Equador, quente e enterrada na terra, o contrario dos arranha-ceus, as raizes, dentro da terra, de todas s constelag5es. 0 lado selvagem. A selva na sua cabeca, sem o brilho da inteligencia ou do raciocinio. E dessa gente, e da cabeca dessa gente, esses que buscaram ou foram obrigados a enterrar suas cabecas na terra e na lama. Na selva. Portanto suas cabecas dentro de suas proprias cabegas. Os circos, os raciocinios, as habilidades, as especializacoes, os estilos acabam. Sobra o que sempre existiu, a terra. Sobra a danca que pode ser feita para pedir a chuva. Entao pantano. E desse pantano v5o nascer vermes, e outra vez a vida. Outra coisa. Acreditem sempre em boatos. Porque na selva nth) existem men-

tiras, existem verdades pessoais. Os precutsores. Mas quem ousou intuir a oeste de Tordesilhas senao seus pr6prios habitantes? Azar pan os hippies e suas praias esterilizadas, suas terras desinfetadas, seus plasticos, seus cultos eunucos e suas inteligencias histericas. Azar para o leste. Azar pan os omissos: tomaram sem querer o lado dos fracos. Pior para eles. Porque a selva se alastrarl e crescera ate cobrir suas praias esterilizadas, suas terras desinfetadas, seus sexos ociosos, suas estradas, seus earthworks, think-works, nihil-works, water-works, conceptual-works and so on, o leste de Tordesilhas e todo e qualquer leste de qualquer regiao. A selva continuard se alastrando sobre o leste e sobre os omissos ate que todos que esqueceram e desaprenderam como respirar oxigenio morram, infeccionados de saade. Cama-de-gato. No seu ventre ela traz ainda o acanhado fim da metafora: porque as metaforas nao tern um valor proprio a oeste de Tordesilhas. Nao que eu nao goste de metaforas. Quero algum dia que cada trabalho seja visto nao como um objeto de elucubracoes esterilizadas, mas como marcos, como recordac6es e evocacOes de conquistas reais e visiveis. E que quando ouvirem a historia desse oeste estejam ouvindo lendas e fabulas fantasticas. Porque o povo cuja hist6ria sac) lendas e fabulas ĂŠ um povo feliz.


Saldo de Verao: dois depoimentos WALMIR AYALA

I

Salao de Vera° este em seus Ultimos chas. Cumpriu uma importante missao - foi de uma abertura exemplar, premiou o protesto, firou da contestacao a exata experiencia, documentou os mais vivos e univetsalizantes rumos da arte nova no Pais. Em dois anos apenas bateu urn recorde de maturidade. E nao vat parar al. Urn Jun constituido por Antonio Bento (presidente da Associagao Brasileira de Criticos de Arte), Carmem Portinho (diretora da Escola Superior de Desenho Industrial), Roberto Pontual (autor do Dicionario das Artes Piesticas no Brasil), Alcidio Mafra de Sousa (professor de Historia da Arte no Institut° de Belas-Artes e diretor das Edicoes Bloch) e o redator desta coluna, selecionou 118 artistas e 470 trabalhos, entre os 1.5oo ap'resentados. 0 rigoroso corte de quase 8o% visou a depuracao de urn panorama Util ao artiste e ao public°, dentro de urn criteria exclusivo de informacao objetiva e ample do nosso nivel de criatividade. Hoje esta pagina traz a pitblico o depoimento de dois membros do jUri. Antonio Bento assina o artigo intitulado "0 Salo dos Jovens" e Roberto Pontual o artigo intitulado "Objeto e Objecoes," nos quais pontos como "a vez é dos jovens", "antiarte e anarquismo", "a renovacao das dassificagoes", "a potencia da realidade e o rompimento natural das limitacoes regulamentares" etc., sao analisados sintetica e claramente.

Objeto e objecoes ROBERTO PONTUAL

C

ompreende-se o grito de alguns contra os saloes de arte, pois em principio estes ainda representam rigidez de arcabougo, cerceamento de experiencias e atenuacat) de vitalidade, em urn momento de tao ample movencia criativa e contestadora, como o nosso. Disse "ern principio" porque, se as regulamentos desses certames permanecem quase sempre defasados em relacao a epoca ou se fossilizaram -coma no caso das categorias convencionais, por exempla - a pr6pria potancia e pressao da realidade mais contemporanea tem se encarregado, em muitas circunstancias, de lever os jUris de selecao e premiacao a urn rompimento tacit° e pratico corn as limitacties impostas pelos mesmos regulamentos. A realidade nova sabe encontrar as brechas, pot onde flexivelmente investe e se afirma; de outro lado apesar das arrebatadas e indefinidas romarias contra a critica de ante, sem a indispensavel preocupacao de antes definir o que ela foi e este sendo, para so entao nege-la ou dividir suas agues - muitos dos que atuam em jOris vem procurando detectar essas brechas, de modo a deixar que por elas passe o


novo corn toda a sua implicita violencia e violentacao. Basta recordar o qUe se tern visto em varios saleies mais recentes (regidos por regulamentos mais ou menos assemelhados), como o da Bussola ou o que permanece exposto neste II Sala° de Verclo. E verdade que eles nao se veem constituindo exclusivamente do novo e de suas vizinhancas, refletindo mais a multiplicidade de atitudes, rumos e depoimentos que um carte transversal na contemporaneidade propicia. No entanto em mais de urn caso a posigao desses jraris tem sido a de dispor-se desde logo a aceitar tudo o que denote urn minimo de pesquisa (abertura para a vida), de vontade de inventar e de romper o estabelecido; se, nesse sentido, mais nao se encontra de novo no atual Sala° de Verlio é porque praticamente nada mais havia, entre os trabalhos inscritos, que contivesse esse minima de contribuicao para o conhecimento e a mudanca do mundo. Se cabe contestar os salees, como sintomas do passado e da ociosidade de uma arte dita desfibrada, bem mais importante me parece propor as solucoes viaveis e, paralelamente, compreender que é impossivel chegar a elas par urn salto sem medida, jogando acid° sabre o que existe ainda em sangue e serve de elo, ou varrendo de repente vastas parcelas de mundo e de seres humanos corn a vassoura miope e estigmatizante do sectarismo. A antiarte ou a contraarte tambern devem servir o humano, sem limita-lo em nada e em nenhuma circunstancia, pois exatamente para isto surgiram e comecam a se fixar. A atitude de contestacao nao pode valer apenas por si mesma; estaria, neste caso, estruturalmente identificada, digamos, corn a arte-pela-arte; seria em Ultima instancia, urn repUdio minado pela mistica da autofagia. 0 ll Sala° de Verdo incorporou tranqiiilamente, entre os selecionados, duas tentativas de contestacao da sua propria estrutura

EBB

e da de outros certames semelhantes. 0 que se pode discutir é ate que ponto essas tentativas alcancaram seus prop6sitos, em resultados praticos de alguma utilidade. A meu ver, a proposta de Umberto da Costa Barros concluiu-se plenamente correta e conseqiientemente fertil: investindo contra a rigidez da anumacao das mostras de arte — repetida sem fim e sem criatividade ao Iongo de tantos anos — ele fincou ao mesmo tempo a critica e estabeleceu as possibilidades de uma nova ordenacao, a saida ap6s a quebra, a porta par enquanto ilimitadamente aberta. Os paineis deixam de ser o suporte funcional mas mudo e algid° de antes, a fim de se transmudarem em formas vivas, em linguagem emergindo, em disponibilidade para a presenca do futuro. 0 nivel de racionalidade dessa proposta, intimamente ligada a uma visao descontraida e bemhumorada do nosso mundo de agora, coloca-a em oposigao ao manifesto (ou manifestos) de Barrio. A analise detida dos textos que esses manifestos procuram divulgar indica imediatamente a sua inconsistencia: sao, sobretudo, um palavr6rio que a nada leva, ou que leva apenas a possibilidade de Barrio elaborar, em precarios silogismos (muito ao gosto de quem vive da pressa e voa sobre as coisas), suas frases de efeito, sem efeito. A impressao que se tern é de que ele quis aproveitar a superficie de uma situagao, repudiando o pleno mergulho nela para encontrar saida, como autos mais silenciosamente buscam. Em contrapartida, quando aprovei a entrada de seus trabalhos no Salao quis contribuir para que o public° pudesse julga-los por si mesmo e comparar os muitos modos de contestagao, ate chegar, pelo uso do raciocinio, a visualizar os Uteis e os inüteis. Mas Barrio — a concluir por suas declaraciies a praca — queria ao mesmo tempo ser aceito e ser cortado do Sala°, de forma que o juri, em qualquer das circunstancias, 'he viesse a servir de massa de mano-

bra. Nem todas as sutilezas, no entanto, lhe pertencem: corn um farelo de calma se vera que o jUri soube ser mais sudl e pride°, contestando, por incorporacao, uma contestacao que nada contestava realmente. E contestando sem exclui-la da vista e da analise de qualquer pessoa. De minha pane, proponho para os trabalhos de Barrio uma nova categoria: a das coisas que, ao mesmo tempo, estao e nao estao, dependendo do desejo do autor. Isto lhe arrefeceria a veemencia. Diversos outros trabalhos, em geral incluidos nesse setor tao amplo do objeto, tambem se dedicam a contestacao do que se estabeleceu e se fixou na continuidade da pretica. Indiscutivelmente, foi no campo do objeto que se concentrou o melhor deste Sao de Verdo, pelo simples fato da criatividade que esta implicita na contestacao que essa categoria sintetizadora e superadora de todas as demais propicia. 0 prernio major dado aos objetos verbais e ambientais de Osmar Dillon veio colocar em evidencia o insistente salto para este nimo, no momento; salto que o prOprio Dillon já caminhara, no inicio da (Ikeda de 1960, ao incorporarse ao movimento neoconcreto e ao intuir toda a mUltipla amplitude da teoria do ndoobjeto, entao estabelecida e praticada por Ferreira Gullar (por que ninguern se importa em rediscutir esta teoria? A meu ver, ela é a melhor contribuicao, no Brasil, para o estudo disto que, 10 anos mais tarde, se encontra no centro dos debates). Citaria ainda, nesse campo do objeto e do ambiente, as contribuigoes de Monica Galceram e Celso Roberto Diniz, ao erguerem no Salao uma tenda de macumba em que, ao lado de todo o vigor da apreensao do popular, ha a seguranca da formulagao do espago cenico e da distribuicao precisa de cada minima peca; Antonio Henrique de Proenga, cuja caixa-demos se situa entre as melhores e mais violentas criticas que conhego da massificacao do ser humano, posto esterilmente em

compartimentos de gavetas numeradas para ali esperar o apodrecimento; Paulo Roberto Leal, propondo a visualidade do ludismo, derivado nao s6 de mexer, mas tambem de ver o que se mexe: o jogo de domino essencializado em urn movimento de formas simples no espago; Mario Jose Borriello, corn urn altar para a contorsao e o riso, causticamente penetravel; e Daniel Azulay, que soube transferir para seus tres objetos o humor e a ironia de sua atividade diaria. Concluir? Se a arte e a critica de arte morreram ou nao — problema para cujo debate o II Saki° de Verdo contribuiu bastante — tratase para mim de um ponto odoso, desde que nao sejam razoavelmente bem definidos os termos da questa°. Que arte morreu? Qual a critica de ante que se devera fechar em tümubo? E, alem do mais: a ante, a critica de arte —tudo, enfim, nos nossos negocios humanos —esta sempre morrendo para poder viver. Nisto, prescindem daqueles que querem viver de sua morte.

0 said° dos jovens ANTONIO BENTO

0

Saida de Vern° (iniciativa do Jornal do Brasil, com o patrocinio do Banco Andrade Arnaud) ja se tornou a melhor cornpetigao jovem do Brasil. Isto acontece porque a exibigao 6 destinada rigorosamente aos estreantes ou aos novas, que ainda nao obtiveram premios em outros sallies. Esta exigencia regulamentar faz corn que a mostra seja de fato uma manifestacao de ante jovem, aberta ao mesmo tempo a todas as experiencias, pesquisas e auclacias. Alias, esta é a ambicao da Bienal de Paris que, mesmo mantendo as categorias, propiie-se a ser a Bienal dos Jovens, nao apenas da Franca senã° tambem do mundo inteiro.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

SALAO DE VERAO: 0015 DEPOIMENTOS - WALMIR AYALA

SALAO DE VERAO: COPS DE POIMENTOS - WALMIR AYALA

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Sendo urn Salao destinado aos novos, vanos alunos do Museu de Arte Modena do Rio de Janeiro nele tiveram ingresso este ano: cinco do Curso de Cultura Visual Contemporaneo, — Nelson Augusto, Mag Chacel, Estela Guerra Anciaes, Sonia do Vale e Lucia Pereira de Lucena. Do atelier de Gravura, de nove concorrentes, foram aceitos oito: Olga Lebedeff, Ada Tupino, Gicelda Van Der Lindem, Marilene Metran Kritsinolis, Felipe Zacarias Lopes, Bruno Maisonette Lobato, Jose Luis Ligiero Coelho e Rosalina Candido Mendes de Almeida. Finalmente, dois alunos do atelier de Escultura, Monica Galceran e Joao Carlos Goldberg, tambem estao presentes nos II Sa lao de Vera°, juntamente corn outros ex-alunos do MAM. Isso vem comprovar que a competigao e de fato aberta aos jovens e as suas propostas. Entre os jovens inconformistas ou revoltados, conta-se Barrio, que concorreu corn urn manifesto, inscrito como desenho, repetido em tres tabuas. Ojüd aceitou-o como urn trabalho de protesto. Imitando a obra dos escribas das velhas civilizagOes, Barrio tragou laboriosamente suas razOes na madeira. Estranho é que se tenha insurgido contra o had pelo fato da aceitacao do seu manifesto, que ele pr6prio classifica como lixo (sic), "tal como o lixo que acumulei junto as minhas trouxas ensangiientadas no Sala° da Bussola". Isso denota a posicao de Barrio que é antiarte, antiestetica, anticultura. Nao ha novidade na sua posigao, andloga a de muitos jovens que nos Ultimos anos tern-se declarado anarquistas, enquanto outros proclamam-se filiados a Dada e fazem trabalhos que se assemelham aos dos adeptos dessa corrente, nascida ha mais de meio seculo. Ainda depois da Primeira Guerra Mundial ou logo ap6s a Segunda, havia motivo para a antiarte. Já agora esse tipo de protesto é anarquico e negativista. E se arrisca mesmo a se tomar uma pura academia Dada, negan-

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do a tradicao revolucionaria dessa tendencia, surgida na segunda decada do seculo. Ha criticos que ainda julgam valida essa especie de protesto. Alias, os tacos ensangfientados de Barrio, como tantos outros milhares de objetos dessa natureza que aparecem nas bienais ou nos salbes modernos, 56 cumprem o seu destino quando sao aceitos pelos hiris e vistos pelo public°. E esse o Unico consumo a que se prop d - em, pois ninguem compra o lixo residual da cultura contemporanea, mesmo corn a melhor publicidade da sociedade de consumo. Nao existe ainda uma estatistica feita para comprovar a enorme percentagem das artes plasticas contemporaneas que vai para o lixo, por falta de compradores ou de utilizagao posterior. Ha hoje varios milhoes de artistas plasticos trabalhando incessantemente, em todos os palses. Na melhor das hipOteses, s6 to ou 15 desses produtores de pinturas, desenhos, gravuras, objetos e esculturas vendem regularmente seus trabalhos. Já se ye que o lixo resultante dessa superproducao encalhada das artes atuais é colossal, em todos os continentes. Atraves do novo manifesto mimeografado que escreveu e distribuiu na abertura do II Sala° de Vera°, Barrio toma posicao contra o jUri, contra o regulamento do Salao de Vera°, contra a classificagao das artes, contra a critica e contra os salOes. TUclo isso é ainda antiarte, inconformismo anarquista ou niilista. A classificagao das artes vem da antiguidade e tern mudado atraves do tempo. 56 durante urn periodo relativamente curto da hist6ria, foram as artes chamadas de belas. Diz Barrio que o Salao de Veriio defende "o caduco sistema de belas-artes, cuja base é a divisao da ante em categorias." Antes e depois de sua classificacao como belas, as artes tern-se dividido em categorias, que se relacionam a diferentes tecnicas. E assim

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

continuara a ser, corn as tecnicas conservadas e corn as que forem sendo criadas pelo genio do homem. Mas, se desde o comeco deste seculo o criterio de dassificacao das belas-artes foi repudiado, ainda hoje filosofos e espiritos avangados defendem a sua validade. E o caso do pr6prio caudilho da mocidade vanguardista atual, Herbert Marcuse, que exalta a estetica de Schiller e acha que o repUdio da beleza foi uma das desgragas que a civilizacao represson trouxe para os tempos modemos. Tambem nao tern sentido a ofensiva dos jovens artistas contra os museus e os saloes. Se esses se fecharem, oxide os novos poderao mostrar seus trabalhos, conquistar premios e bolsas de estudo? Afinal, nao existem ainda e talvez jamais existam salees ou feiras anarquistas em Paris, Londres, Moscou, Pequim ou Havana, pois a civilizagao é implacavel, tanto a capitalista coma a socialista. Podem desaparecer as galerias particulares e o marchand-de-tableaux dos nossos dias. Mas, qualquer que seja o regime coletivista, socialista ou totalitario que surgir, deverao sempre existir saloes e exposicoes,

mesmo que no futuro a arte seja produzida de preferencia pela A guerra aos museus, aos saloes e as categorias resulta no fundo de uma idea totalitaria. Mesmo em relacao as axles avancadas do futuro, temporais ou espaciais, de carter puramente tecnologico, certamente vao permanecer as respectivas categorias. Esta é uma exigencia da propria teoria da arte. Quanto ao mais, recebo esportivamente as acusacees de Barrio ao hari de que five a honra de participar, tanto as ponderaveis como as insensatas, pois sei que ele esta disputando, corn a agressividade propria dos jovens, urn lugar ao sol na cidade das Artes. Tenho seu manifesto como uma das notas polemicas do Salao de Verao, que vai, decerto, permanecer aberto as auclacias, as msgas, as implicancias e aos protestos dos jovens. E o que acontece corn a mostra agora apresentada no MAM, onde podem ser vistos alguns novos de talento, pertencentes as tendencias vivas da arte atual. Estou certo de que o Salao de Vera°, na sua ., continuidade, prestard urn grande servigo " aos jovens e a cultura artistica do Brasil.

CRf TICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SALODEVR:aisPOIMENTS-WALRY

SALAO DE VERAO: DOIS DEPOIMENTOS - WALMIR AYALA

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Analise do circuito

RONALDO BRITO

I

ual a fun* da arte atualmente em nosso ambiente cultural? Domina da pelas leis do mercado que valorizam o objeto-fetiche em vez de o produto cultural, ela cumpre urn papel quase que exclusivamente mundano junto as elites econeimicas. 0 seu verdadeiro public° em potencial, as estudantes, esta distante dela. E nao por escolha, mas por causa de uma situagao que é necessaria mais que nunca, compreende. I - Circuito e Mercado de Arte

Nos filtimos anos, circuito e mercado de arte pareciam uma coisa s6. Ainda parecem, talvez. Mas a frase acima no tern mais valor critico: a esta altura é uma simples constatacao que, permanecendo nesses estreitos termos, pode mesmo servir coma obstficulo para uma investigacao mais rigorosa acerca da situacao da arte no Brasil. (Por situacao da arte entenda-se nao apenas o momenta produtivo dos artistas mas o modo vigente de consumo de seus trabalhos e suas significacaes sociais.) Vamos colocar as questoes pertinentes. - A questao agora nao é simplesmente analisar o comportamento do mercado nos illtimos anos e sim compreender suas leis, sua decisiva participacao no conjunto do

circuito e seus modos de pressao sobre a producao e o consumo do trabalho de arte. A questao nao é diagnosticar urn sintoma, mas conhecer uma realidade para poder intervir nela. Esta nao é somente uma distincao epistemologica. Talvez por af passe a Entre que separa duas posicoes sem dovide antagonicas em relacao ao circuito: a dos que pretendem transforma-lo e a dos que pretendem acompanha-lo ern suas mudancas. Nao é suficiente, por exemplo, afirmar que a implantacao e consolidacao do mercado foi o fator dominante na arte brasileira dos anos 70, ampliando o publico comprador dentro de urn certo setor (afastando outros setores, certamente) e produzindo graves distorcOes tanto na area de producao - é o caso do famoso "estilo" acrilico - quanta na area critica - sacralizando obras desimportantes, recalcando outras importantes etc. E preciso analisar os varios aspectos dessa ideologia do mercado que foi e ainda é dominante no circuito. E ingenuo supor que ela se reduza a uma questao financeira e que todo o seu jogo seja descobrir o que é vendavel e o que nao é. Para impor seu domfnio, o mercado usou estrategicamente todos os elementos do circuito - artistas, criticos, colecionadores,

totaal wan


marchands e ptiblico - e colocou-os a servigo de sua ideologia. Par razoes sobretudo locais, essa ideologia era e continua sendo extremamente conservadora. Nao, por acaso, mas por absoluta necessidade. 0 problema do mercado é, em Ultima analise, conquistar urn pablico de formagao estranha a histOria da arte e que procura nela urn investimento seguro e/ou signos de distingao de classe. (Num certo nivel, o discurso da arte funciona como urn nitido processo de discriminagao social.') 0 objetivo do mercado brasileiro é manter intacto o secular estatuto da arte no mundo ocidental: a arte coma manifestagao suprema e etema (leia-se apolitica) da civilizacao crista-ocidental. A arte como manifestagao reservada a alguns poucos eleitos, inteligentes e sensiveis, e que o sao par dom, nao por educagao e aprendizado social. A arte coma espaco mitico, fechado sobre si mesmo, uma .especie de modemo substituto da religiao. A manutencao dessas "verdades" é, paradoxalmente, necessaria a ideologia de um mercado que, num outro plano, sabe muito bem o que representa a arte para a maioria de seus compradores: uma sofisticagao de consumo, uma pega de decoracao, no maxima mais urn objeto-fetiche, como as autornoveis. Mas é, sem dovida, o substrato Meansciente desse estatuto que sustenta o consumo de arte nesse nivel. E ele que o mercado luta para consemr, modemizando-o, recriando-o a cada nova investida. A tarefa de vender arte nesse sentido prende-se obrigatoriamente a tarefa de defender o estatuto vigente da arte na sociedade - afinal é este estatuto que assegura em Ultima instancia a possibilidade do comercio de arte. Dal a

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necessidade do mercado de elaborar uma estrategia que, sabre cada aspecto especifico do circuito, atue de modo pertinente.raata-se de conservar os valores da arte, o seu mitico e decisivo apelo de consumo. A coisa artistica, par excelencia. Uma analise da performance de nosso mercado sem as consideragaes acima, conduz a conclusoes equivocadas. A primeira delas, em curso, é a de atribuir ao mercado uma rigidez que lhe é par definigao estranha. A recusa da producao contemporanea, o privilegio dos suportes'tradicionais, a volta nostalgica ao passado, suas notOrias caracteristicas, devem ser tomadas exatamente pelo que sao: manobras taticas, nada mais. Nos riltimos anos, o mercado oficial de arte no Brasil utilizou quase exclusivamente um dispositivo de reagao cultural - o bloqueio - que nao é sequer o mais eficiente. Na defesa do estatuto tradicional da arte, o bloqueio da producao critica é uma forma ate certo ponto arcaica, embora sempre presente numa ou noutra medida. 0 processo de recuperacao e sem dirvida mais agil e eficaz, ate do escrito ponto de vista comercial. Isso porque inclui a aproPriacao do produto, distante ja de seus pressupostos de producao e devidamente inscrito corn as marcagaes da ideologia oficial. Bloqueio e recuperagao sacs os elementos a serem conceituados, n5o basta analisar as chainados fen8menos de mercado coma as leil8es etc. Atraves do bloqueio e da recuperacao é que o mercado tenta assegurar o controle da produgao, e da fruicao do trabalho de arte. Controlar a producao significa nao apenas privilegiar e recalcar linguagens, mas divulga-las de certa maneira, num espago que porta significacoes previas, convencionais, neutralizadoras do efeito critico das propos-

tas. Controlar a fruicao tambem é passive', uma vez qua ao vender trabalhos o mercado vende nao apenas o objeto mas uma determinada leitura dele. (Pratica extensiva a toda a chamada sociedade de consumo, segundo Baudrillard2.) A agao do mercado, portanto, esta longe de se restringir as transagees financeiras. Ele age de modo a criar urn sistema fechado dentro do qual o trabalho vai obrigatoriamente circular, desde a sua pr6pria concepg5o ate a venda. A ideologia do mercado, par sua vez, opera para enquadrar em limites previamente fixados esse produto ate certo ponto explosivo, o trabalho de arte. Operagao meticulosa, incessante, que permite a apropriacao de um objeto ao mesmo tempo em que se lhe esvazia os significados. Para tanto é necessario atuar em todo o espago ao redor do trabalho. Examinemos o percurso: a) 0 lugar da exposicao. Deve ser obviamente institucionalizado como tal (Duchamp ja demonstrou coma mictorio exposto em galena vira obra de arte). Mais ainda, a propria escritura da exposicao deve obedecer a criterios tradicionais, estreitamente solidarios de uma certa maneira de "contemplar" arte. E fad" perceber que um trabalho contemporaneo, lido de maneira tradicional, tern efeitos tradicionais. Para o mercado brasileiro, esses aspectos aparentemente acessorios sao taticamente importantes: reforgam, para consumidores avidos de seguranga social, o carter de solidez e imutabilidade da arte. b) Os textos criticos. Funcionam como esotericos apoios publicitarios as obras. No caso o esoterismo é imprescindivel: trata-se de manter a arte no terreno do ininteligivel, do

sublime, do nao discursivo. 0 "mundo a parte", enfim. Quando nao sao vagas divagacaes metafisicas, esses textos se posicionam de urn modo mitico em relacao a arte, afastando assim as profanos. 0 fetiche do trabalho de arte - o que o toma trago distintivo de superioridade no grupo social, o que o tome feixe de mediocres projegees psicolOgicas deve ser preservado a todo custo. A fungao objetiva desses textos nao é produzir conhecimento, nem sequer situar as trabalhos no ambiente cultural. Estao all para superpor mais urn nivel ao discurso que vai envolver o produto e toma-lo, num primeiro momenta, objeto cultural e em seguida objeto de prazer e consumo. 0 objeto de arte (o name de seu autor), a galeria (o name da galeria), o texto (o nome do critico) sac) as elementos dessa equacao comercial destinada a vender alga que nao e apenas objeto mas tambem e prioritariamente signo social, distribuidor de status. (A rigor sac) as investimentos sociais que recortam o objeto do mundo das coisas ern geral e o transformam em.obra de arte.) Do ponto de vista teoricp, esses textos sac) insignificantes. Defendendo, conscientemente ou nao, o isolamento do circuito em relacao ao mundo exterior (isto é, a vide social), nem por isso intentam analisar a especificidade do trabalho de arte, auxiliando assim o confusionismo necessario a urn mercado que tern coma procedimento basica a homogeneizagao dos discursos, colocando lado a lado propostas diversas entre si. Atrayes da conivencia corn esse confusionismo e do jogo de aplicagao de rotulos - uma forma de eludir questhes e recalca-las - a maioria da produgao textual representa urn papel ate certo ponto importante no dispositivo de recuperagao do trabalho de arte. Servem ao mesmo tempo coma protegdo ao cir-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ART E NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

ANALISE DO CIRCUITO — RONALDO BRITO

ANALISE DO CIRCUITO — RONALD° BRIT°

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cuito - sempre em funcao da posicao distinta das chamadas belas-artes na sociedade e como agentes de dispersdo do significado dos trabalhos, uma vez que escamoteiam sua especificidade. c) A mundanidade. E praticamente a (mica base extema do nosso circuito de arte. Uma especie de prolongamento das galerias em dias de inauguragao. Para ela sobretudo fluem no momento os efeitos dos trabalhos e nela sobretudo sao consumidas as suas significacoes. A mundanidade este tradicionalmente ligada as artes - e as chamadas artes plasticas em particular - mas num circuito sob o dominio da ideologia do mercado ela se toma assustadora e ridiculamente presente. A sua maneira vaga e desinteligente, exerce uma pressao consideravel sobre a producao e a fruicao, determinando indiretamente linguagens, privilegiando escolhas e impondo nomes especificos. Como toda audiencia, alias. Talvez nao seja exagerado incluir a mundanidade como setor especifico do circuito de arte como se apresenta hoje no Brasil. 11 - Circuito e produsao

A decada de 70 inaugurou urn novo period° na arte brasileira ao estabelecer vinculos concretos entre producao e mercado. Ate entao o circuito de urn modo geral comportava-se de forma mais ou menos amadora, cu melhor, artesanal. Como é notorio, a consolidacao do mercado de arte brasileiro - o chamado boom - se fez por intermedio de artistas cujas linguagens eram, digamos, redundantes e que por isso mesmo tinham penetragao mais facil junto ao public°. A producao contemporanea, submetida tambem a pressees mais amplas, foi violentamente recalcada.

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E claro, entretanto, que nao ha contradicao insuperavel entre arte contemporanea e mercado, desde que respeitadas determinadas condicoes. Pode-se vender tudo, inclusive os xeroxes dos conceitums. Como espero ter demonstrado acima, a enfase na "descoberta" de artistas do passado foi sobretudo uma questa° de "timing" comercial. Era necessario criar, na cabeca do consumidor ignaro, uma "historia" da arte brasileira, eleger os herois, as mitos de nossa tradicao cultural. Talvez estejamos ainda vivendo parcialmente essa fase. Mas aproxima-se o momento (se ja nao esta em curso) em que a producao contempor'anea sera macicamente confrontada corn o mercado: algumas poucas obras sera° bloqueadas, a maioria recuperada e entre essas uma ou outra sacralizada. 0 jogo recomeca, corn as mesmas regras. A apropriacao pelo mercado da producao contemporanea nao transforma significativamente o circuito. No maxim°, introduz modernizagoes urgentes: o incentivo a supones menos gastos, a reforma da escritura tradicional das exposig6es, urn major apoio teorico etc. Uma atitude criticamente inteligente dos artistas (nao so deles, mas de todos os que se interessam por arte contemporanea), em defesa de urn campo de agao mais livre para as seus trabalhos, envolve a formula* de uma estrategia de ace° dentro do mercado e do circuito que reconheca esse fato. Convem nao esquecer que, para certa faixa de consumidor, o termo mitico vanguarda oferece urn apelo inescedivel. 0 primeiro movimento dessa estrategia seria a meu ver uma luta no sentido de uma maior independencia do circuito em relacao ao mercado e, mais especificamente em reIna° a ideologia do mercado. Nao se trata,

de aboli-la (algo impossivel no regime capitalista), mas de restringir a sua penetracao, multiplicand° discursos criticos paralelos ao seu. Permitir uma fruicao menos classista e mais inteligente de seus trabalhos é urn interesse unanime dos artistas contemporaneos. Todos desejam que seus produtos sejam consumidos no devido nivel: como fatos culturais, polarizadores de debates e leituras criticas. E Obvio que o simples ingresso de seus trabalhos no mercado - fato afinal desejavel - nao implica a obtencao desse nivel de fruicao. Pelo contrario. 0 mercado significa apenas e precisamente, em termos de produ*, a garantia economica de continuidade do trabalho. 0 que nao anula a seguinte verdade: producao e mercado encontram-se em posic6es antagenicas. Os representantes do mercado quase sempre tern consciencia disso; os artistas, no. Mas pelo menos desde a arte conceitual a producao contemporanea é cada vez mais uma critica explicita e cerrada ao sistema da arte como este constituido. E essa critica atinge desde o mascaramento da base conceitual sobre a qual progride o trabalho de arte - mascaramento que é uma das constantes da ideologia do mercado - ate a organizacao das mostras e o proprio estatuto do artista na sociedade. Independente de suas linguagens, passou a ser necessario aos artistas contemporaneos a manipulacao de uma inteligencia estrategica que permita combater o incessante processo de recuperacao e bloqueio de seus trabalhos. Talvez mais do que isso, passou a ser necessario agir criticamente acerca da propria posicao da arte na sociedade. A dupla questa° é a seguinte: como impedir a neutralizacao de suas propostas e como tomar a arte urn instrumento que tenha urn

minima de eficacia social? Ha provavelmente urgencia de uma major mobilidade na pratica dos artistas, ao nivel da producao e veiculacao de seus trabalhos*Uma mobilidade essencialmente tatica, voltada para fora - sem prejuizo, é claro, do rigor de articulacao intema do trabalho, quesito que me parece indispensavel - e que permita, por exemplo, encontrar o suporte circunstancialmente mais eficaz. Ou multiplicar suas intervencees, buscando canais fora do circuito. Ou mesmo criar formas alternativas de venda e divulgacao, sem a ingenuidade de considera-las a solucao para o problema da apropriacao da arte pelas classes ricas. Politizar (no sentido amplo do termo, claro) o relacionamento trabalho-mercado, politizar o relacionamento trabalho-circuito, politizar o relacionamento circuito-ambiente cultural significa apenas reconhecer a verdade do jogo e escapar ao mascaramento proposto pela ideologia de arte vigente. E é sobretudo em relacao a essa ideologia que a meu ver se define um trabalho contemporaneo: uma proposta é tanto mais interessante quanto apresente major grau de liberdade dentro do sistema estabelecido de arte. Forcar os limites de permissividade do circuito é uma das principais tarefas da producao contemporanea. Entende-se bem que nao estou propondo uma norma de atuacao para os artistas. Paco apenas a defesa de uma inteligencia programatica frente ao circuito de arte e ao mercado em particular. A partir do raciocinio que entende o circuito como urn sistema com suas regras proprias - e que se pretende isolado, quase mitico - considero que s6 uma acao continua tern alguma chance de transform a-lo. Nao ha davida, porem, de que esse tipo de acao exige entre outras coi-

CMTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

ANALISE 00 CIRCUITO - RONALD° BRITO

ANALISE DO CIRCUIT° - RONALDO BRITO

4X

EEG


sas que o artista, digamos, debre de ser artista: livre-se do mito de "ser criador" - posicao que lhe assegura uma situacao confortavel, mas inütil - e pense em si mesmo como alguern que esti amplamente comprometido corn os sistemas e processes de significacao em curso na sociedade.

siveis. Os seus representanteS estao sempre e por definicao muito menos presos a °Noes e linguagens pessoais do que a uma determinada maneira de olhar e tratar arte. A dita vanguarda é inComoda apenas na medida em que circunstancialmente coloca em xeque o modo vigente desse olhar e desse tratamento, isto 6, quando se percebe que ela Ill - Circuitos e esta colocando em xeque esse sistema. ambiente cultural E facil compreender que, a priori, o circuiTransformar o circuito de arte, como to nao tem nada contra nenhum trabalho imagino, significa em primeiro lugar romna medida em que pode inclusive recuperaper corn o seu estatuto especffico dentro de lo. Recuperar urn trabalho e precisamente nosso ambiente cultural. A sua pouca efivender e estabilizar uma leitura "recuperacacia como manifestacao decorre evidenteda" dele. Em princfpio, o circuito esta pronto mente da posicao vagamente elitista que a abrigar toda e qualquer obra que julgue sempre se lhe atribui no conjunto das chanen afetar a sua condicao de sistema automadas artes. Em parte, 6 claro, pot causa de nomo e inatacavel. Nos chamados centros seu aspecto imediata e diretamente corneradiantados, ele vive em busca de novas exciavel. Mas, ao contrario do que se costuma periencias - o nosso, como vimos, esta preso pensar, mais do que palco de compra e venainda ao velho esquema - que servem para da de objetos, o circuito de arte é lugar de mante-lo como espetaculo atraente, mas urn incessante trafico de signos de ascenbasicamente luta pela mesma coisa: a indesao e estabilidade social e recfprocas trocas vassabilidade, o carater quase iniciatico de de sinais de cumplicidade ideologica pot que se reveste o aprendizado da leitura de parte de um pequeno cfrculo de pessoas. arte, a distincao e seguranca social advindas Esse circulo, presente em cada localidade, de sua freqfiencia. desempenha urn papel muito secundario Mas se 6 impossfvel modificar a ideolomas talvez indispensavel para o sistema de gia do mercado é sempre possfvel intenrir um modo geral. 0 circuito de arte, hoje, no criticamente na ideologia do circuito em seu Brasil, por exemplo, se reduz praticamente conjunto. E possfvel pelo menos criar situaa uma vaga e inütil movimentagaozinha gees altemativas dentro dele. A tentativade sem maiores consequencias. atrair para a audiencia da arte contemporaA simples presenca da produced contemnea urn public° de estudantes, que é deliporanea no interior do circuito, repito, nao beradamente (sera preciso explicar como?) basta pan transforma-lo. Aqui, outra vez, é mantido a margem, pode set no momento preciso desfazer certos equIvocos persistenum lance interessante. Talvez seja o infcio tes. Nao é verdade que o circuito reaja secde urn vinculo mais forte entre arte e ambitariamente quando defrontado corn novas ente cultural que é urgente estabelecer: a linguagens, nem 6 verdade que tenha algo partir desse vinculo 6 que se podera combaassim como preferencias estilisticas irreverter corn major eficacia o consumismo da ide-

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-ologia do mercado. A cone° de forrnas pa-

ralelas de divulgacao e aproximagao (em universidades e espacos publicos) corn pessoas de fora do circuito me parece importante atualmente. Como importante, talvez, seja ter uma tatica de contrato corn as instituicees - menos comprometidas corn a ideologia do mercado - que permite uma intervencao em seus espacos e permita obter delas uma projecao mais ampla pan discursos criticos paralelos ao do mercado. Para a elaboracao de uma ampla estategia de intervencao no circuito brasileiro de modo a toma-lo atuante culturalmente vejo dois pontos prioritarios, urn no campo da pratica outro no campo da teoria:

- A reorganizacao dos artistas contemporaneos em tomb de urn programa comum de acio dentro do circuito Contra essa reorganizacao, o circuito re- 1 agedvrisfom-jatendcfi gurar como grupismo sectario toda e qualquer movimentacao nesse sentido, seja recuperando trabalhos individuals contemporaneos, recortando-os de seu contexto critico. 0 fator mais importante que 'age contra essa reorganizacao, entretanto, é a pr6pria introjecao pot parte dos artistas da ideologia do mercado e do estatuto da arte em nossa sociedade de urn modo geral. Levado a acreditar na mftica personalizacao da figura do artista - passando a viver o seu papel social sob forma de privilegio - os artistas costumam encarar-se uns aos outros como rivais. Dessa maneira, superlegitimam o modo de agar> do mercado. E alem disso evidente que o estatuto do artista na sociedade nao cobre apenas o aspecto economic° - o artista sendo levado a

pensar em si mesmo como uma pequena inchistria. Ha muitos amplamente difundidos que de uma maneira ou de outra sustentam esse estatuto e compelem a cornportamentos especificos. A reacao ao pensamento discursivo e a pr6pria inteligencia 6 urn desses comportamentos tfpicos que inibe ou limita a sua pratica. Assim como o "olho" - metonimia de uma qualidade intangivel que alguns apenas teriam - substitui a inteligencia3 na fruicao oficial de arte, talvez se possa dizer que o "talento" (o genio etc.) substitui na ideologia de muitos artistas o trabalho intelectual. De posse de uma cultura apenas literaria, quando nao de uma orgulhosa ignorancia, toma-se impossivel para eles compreenderem corn rigor a shrine° de seus trabalhos no ambiente cultural. Muitos ainda estan enlevados corn a velha nocao de artista e sentem uma certa nostalgia dela. Mas a reconquista de urn espago cultural para a arte contemporanea exige uma acao coletiva dentro da qual a superacao desse estatuto é absolutamente necessaria.

A formulacao de uma HistOria Critica da Arte Brasileira 2-

Feita de modo aned6tico, quando nen desonesto, at:raves sobretudo de colunas jornalisticas e catalogos (obrigados a uma conceituacao circunstancial e pouco rigorosa), a histeria da arte brasileira funciona de urn modo geral como caucionamento, no piano discursivo, da realidade mercantilista do circuito. Mais do que isso, funciona como caucionamento para a leitura oficial de arte, resultante ern Ultima analise de uma ideia acerca da lunge° da arte na sociedade. A razao disso 6 simples: quase sempre 6 o pr6prio mercado o responsavel pelas pou-

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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ANALISE DO CIRCUITO - RONALDO BRITO

ANALISE DO CIRCUITO - RONALDO BRITO

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cas iniciativas te6ricas que ocorrem na arte brasileira. Praticamente deSligada das outras areas culturais, a arte gira em tom° do mercado e a sua producao textual esti em geral comprometida corn funcOes mercadologicas imediatas. A questa° que se cobca, no plano teorico, é a tentativa de trans-

formar a leitura vigente de arte em nosso ambiente cultural. Para isso, é clam, tomase urgente a abertura de espacos que possam abrigar uma producao te6rica destinada a recolocar a arte contemporanea brasileira e intemacional como objeto de discussao em nosso ambiente cultural.

Mamie Belasartes Jost

Notas x.Ver artigo de Simon Marchan Fiz, 'El Objeto Artistic° en la Sociedad Industrial Capitalista", no livro E/ Arte en la Sociedad Contempordnea (Fernando Torres Editor.)

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2.Ver La Societe de Consommadon, de Jean Baudrillard (Collection Id4e-Gallimard.) 3.Ver L'Amour de l'Art, de Pierre Bourdieu (Editions Minuit.)

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ANALISE DO CIRCUIT° - RONALDO BRITO

RESENDE

e

RONALDO BRITO

0

meio de arte brasileiro resiste a producao contemporanea e a sua mais grave exigencia: a liquidagao definitiva do sistema das Belas-Artes. Pode parecer incrivel a simples mencao desse sistema dado como morto desde o inicio do seculo, quando aparecem as vanguardas construtivas Dada e Surrealismo, mas é inevitavel. 'llata-se de um conjunto de regras estatutarias que, embora em crise, segue em vigencia e sobredetermina a presenca social do trabalho de arte, sua especie de circulacao e os efeitos culturais que produz. Contra as aparencias, ainda estamos as voltas corn o processo de falencia do sistema de Belas-Artes, corn a resistencia (no sentido psicanalitico do termo) do meio de arte local em romper corn essa tradicao. Este texto pretende set uma analise, seguindo metaforicamente a logica freudiana, dos compromissos e sintomas que o meio de arte local vai apresentar em seu processo de resistencia a arte contemporanea e seu desejo de romper corn o estatuto de BelasArtes. Compromissos forrnados para ajustar o incontornavel sentimento de falencia com a pressao das fomas transformadoras e destinadas, é obvio, a manter a situagao. Sintomas, depressivos ou histericos, que vao repor a superficie a seu modo desviado a

questa° que se procura recalcar: a crise da arte, o lugar contradit6rio de seu lugar e de sua funcao cultural. Para fixar urn limite, digamos que desde Cezanne as chamadas artes plasticas encontram-se em estado de crise. Nao se trata de uma simples crise de valores esteticos, bem-entendido. 0 rompimento, na tela, do espaco renascentista, do espaco classic° de representacao, tem como inevitavel consequencia o questionamento do lugar social da arte. 0 que passa a estar em questao é nao apenas o codigo perceptivo, a organizacao visual imposta pelo humanismo classic°, mas o proprio estatuto das Belas-Artes que a classe burguesa ascendente reservara para o trabalho de arte. E nenhum lance Dada, nenhuma manobra duchampiana e muito menos nenhum projeto construtivo, diferentes tentativas de abordar, romper ou solucionar a crise, pede por si so resolver a contradicao. Essa crise, essa contradicao permanece o solo da producao contemporanea. A questa° da transformacao das linguagens, cruza portant° corn a questao da presenca social da arte. Existe al uma inextrincave' solidariedade que nao pode ser rompida sob pena de se cair no formalismo ou no sociologismo baratais. 0 processo de producao das linguagens contemporaneas


indissociavel do seu choque corn o ambiente cultural e mais adiante, corn o sistema social onde opera. Pode-se ir mais longe e afirmar que os seus problemas, o que seria sua dernarche interna, s6 podem ser localizados a partir de uma leitura da crise objetiva em que se situa. Nao ha essa regiao escato16gica da criagao pura, mas tambem no ha o problema soda! "objetivo" da circulagao da arte fora de estrategias de linguagens. E precisamente este estado de crise, essa indefinicao relativa ao seu valor social, que transforma o objeto de arte no oposto daquilo que significava tradicionalmente: de representante do Belo puro e etemo, depositario dos canones sublimes da proporcionalidade perfeita, esse objeto passou a condicao de cigano cultural, sem bases fins ou estaveis, em sucessivas e surpreendentes mutacoes. Antigo fruto da sabia habilidade manual que consagrava o Belo Ideal, tornou-se agora resultado de uma especie de vagabundagem intelectual sem demarcacOes epistemologicas possiveis. Mas, al o paradoxo, ainda assim cumpre o percurso previamente fixado para o objeto tradicional de arte, esta guardado e protegido pela mesma ideologia. Ninguem parece notar o ridiculo, a inadequagao empirica entre os museus e galerias e as coisas que cada vez mais estao sendo exibidas ou colecionadas ali. Repetimos: nao ha solugno para essa ense fora de uma transformagao social em ampla escala. Urn novo estatuto para o trabalho de arte, para o processo cultural em geral, esta a esse prego. Este texto nao solicita do meio de arte brasileiro a solucao da crise, mas o seu reconhecimento, o que equivale dizer, o reconhecimento do espaco da contemporaneidade. E a esse espaco contram6vel e polemic°, que pae ern xeque o lugar etemo das Belas-Artes, que se

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procura resistir mediante uma especie de bloquelo da tradicao elitista. Na'o estamos tentando armar urn confront°, corn urn raciocinio paranoide, entre forcas elitistas e forcas democraticas direta e imediatamente identificaveis dentro do meio de arte brasileiro. Estamos procurando apontar a luta surda, mas objetiva, que se trava all, inclusive na cabega de muitos agentes. E born nao esquecer que o reconhecimento desse espago da contemporaneidade implica a transformagao de procedimentos objetivos do mercado e das instituicOes e nesse jogo dancam posicoes e privilegios pessoais. Arte Brasileira: urn compromisso e seus sintomas histericos Urn ponto especifico que gostariamos de tocar agora e o da Arte Brasileira, sintagma que pretende ter uma inscricao critica e renovadora ern nosso meio de arte. De inicio, é necessario poi a nu a demanda ideologica desse sintagma, a sua reivindicacao de naturalidade. Aparentemente nada mais natural do que a solicitacao de uma arte pertinente a realidade nacional, que ponha em questa° os dados dessa realidade. E claro que a posicao Arte Brasileira nao significa apenas isto. Na verdade, como toda ideologia de producao, ela implica compromissos corn determinados esquemas de mercado, e mais ainda, pressupOe urn -projeto cultural amplo em funcao do qual opera, com ou sem consciencia, nao importa. Isso para deixar explicito que nao vamos discutir o problema abstrato de uma arte brasileira, mas uma posicao concreta que exprime uma preocupagao nacionalista. E o seguinte: enquanto se discute a questa° Arte Brasileira nab se discute a questa° da transformacao das linguagens; enquan-

to nao se discutir a questa° da transformacao das linguagens, nao se discute a ques. tao da transformacao do meio de arte brasileiro. Desse modo, a questa° Arte Brasileira vai surgir como alibi, como compromisso, pan nao se discutir o espaco da cOntemporaneidade. Em sua materialidade cultural, por meio de seus esquemas formais, a posicao Arte Brasileira vai ter uma inscricao conservado, ra em nosso meio de arte. Quer dizer, embora possivelmente oriunda de urn desejo critic° e por certo solicitando urn miter critico, essa posicao significa a formagao de urn compromisso entre o reconhecimento da inoperancia de urn meio e a vontade (ou a necessidade) de manutencao desse mesmo meio. Como todo compromisso, este vai reaparecer, deslocado, num sintoma histerico: o grito pela uniao nacional, a ansia de fazer penetrar o povo nesse dominio tradicionalmente elitista. Um humanismo as vezes patetico escorre dessas manifestacoes tao grandiloqiientes quanto defasadas. As ideias de polio, brasilidade, latino-americanidade funcionam nesse contexto como autenticos fetiches, tern o poder magic° de acender a alma e apagar as contradicoes reais. As pequenas contradicoes reais que dizem respeito a divisao de classes, monopolio do saber, poderes institucionais e outros detalhes. E preciso tentar ler freudianamente a estrategia cultural nacionalista e o que chamariamcis de seu pragmatismo-utopico. Nao se trata de uma aporia filos6fica, mas algo explicavel empiricamente. 0 problema ver como o impossivel atua al dentro, de que maneira ele pode vir a ser capitalizado. Historias que acabam mal sempre podem acabar bem, na bilheteria, por exemplo. 0 fato dessa estrategia encerrar-se num impasse insolfivel - superar as barreiras de classe

e promover a identidade cultural do povo brasileiro - pode nao significar uma contradicao insuperavel. Desde que nao se chegue a urn impasse, mas que se situe nele corn algrum conforto. E como tudo o mais, impasses tomam-se prioridades. A estrategia cultural nacionalista é proprietaria das agees descolonizadoras, reivindica os direitos exclusivos sabre esse genero de manobra cultural revolucionaria. Detectado o impasse, sua jurisdicao e suas caracterfsticas, vejamos os seus produtos, ou os seus sintomas. No meio de arte, ha duas variantes principais: o esquema da figuracao tradicional, com sua ternatica nacionalista ou terceiro-mundista, e o esquema arte nas mas com seus diversos projetos de inserir a arte no cotidiano massificado. Apesar das diferencas aparentes, é fad il demonstrar a solidariedade dos dois esquemas a uma (mica matriz ideologica. Sao variantes taticas de uma mesma estrategia. A figuracao nacionalista pode ser vista como uma conversao histerica de tipo mistico, mais ou menos espirita, atiaves das irradiacoes das telas que poem em cena a realidade local estaria se organizando o concerto ide urn Brasil total, estaria se formando magicamente a identidade comum do homem brasileiro. Ja se chamou a essa especie de exorcismo Viscio da Terra, chame-se como quiser esse conglomerado de intuicoes tehlricas, lugares-comuns popularistas e arcaismos ideologicos, o certo é que nao raro compoe um perfeito cartao-postal turistico. Estamos mais uma vez diante da velha ideologia naturalista de fotografar o real e dele extrair urn sentido pleno e imediatamente comunicavel. E por assim dizer uma estetica da "corrente", contelidos que passariam magicamente por cada urn e alterariam a comunidade. A suposicao é nao ape-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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MAMAE BELAS-ARTES - JOSE RESENDE E RONALDO BRITO

MAMAE BELAS-ARTES - JOSE RESENDE E RONALD° BRITO

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nas de que o real 6 urn a priori que se entrega imediatamente, é legivel em sua trama aparente, mas tambern que as conteudos culturais pululam livremente, sem obstaculos (a nao ser, é claro, a censura), e alcangam as consciencias. Corn toda certeza, isso é uma ilusao. Mas atencao: uma ilusao nao inocente, uma ilusao conveniente. 0 recalque da materialidade cultural, dos dispositivos institucionais, é por assim dizer o real dessa ilusao, o seu calculo de capitalizagao. Os idealismos podem se tomar, afinal, manobras realistas e o humanismo populista que essa figuragao segrega adere firmemente a estrutura do nosso ambiente cultural. Já as manifestacoes do esquema Arte nas Ruas podem ser classificadas como sintomas histericos de tipo furioso, corn matizes simultaneamente euf6ricos e nostalgicos. 0 desejo aqui 6 invadir a cidade criativamente, espalhar arte par viadutos e tuneis, estetizar a forga a vida miseravel das metr6poles. Uma es/tie de frenesi que insiste em passar pot cima da realidade. A nostalgia da polls grega, tema que ronda obsessivamente a cultura ocidental, toma aqui uma de suas figuras mais grotescas. Mais uma vez é preciso esclarecer o real que se encontra por tras desse delirio, mais uma vez é preciso mostrar o seu calculo. Nao ha clUvida de que se trata de urn delirio, mas nao au onde se pensa. Claro, a polls sai intacta de toda essa agitacao, ninguem toma conhecimento, tudo passa ao largo do real. No entanto, esse desejo de Arte nas Ruas funciona muito bem exatamente fora delas, encaixa-se corn perfeigao nos limites da instituicao.Vai vet e o delirio nao é do louco, mas do medico. De fato, num paradoxo aparente, essa vontade de levar a arte as ruas e corn isso escapar ao confinamento em que se debate,

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0 choque das linguagens, eis o que nao interessa a essa posigao ocupada em erguer o monument° de uma arte em si brasileira. A realidade do trabalho de arte e isolada para longe de qualquer embate cultural possivel: afinal, coma politizar as relacees entre o trabalho de arte e essa totalidade platOnica e intangivel que é a nacao ou o povo brasileiro, formulagao ideolOgica em name de quem essa formulacao fala?

depende estritamente da instituicao que existe para confina-la. Os agentes dessa vontade estao, talvez mais do que todos as .outros artistas, submetidos a contatos e aos interesses dessa instituigao. Quase sempre é ela quem patrocina as investidas nesse sentido e eis que, num passe de magica, aqueles que mais queriam sair de seus dominios tornam-se os mais institucionalizados. Os que estao mais do lado de dentro. Esta é a lOgica objetiva do delirio. A questa° nao é condenar moralmente essa atitude, é 6bvio, mas reconhecer os Iimites e a ideologia dessa posigao. 0 que pretendemos demonstrar e como, contra as primeiras impressoes, ai esta presente mais uma forma de reagao ao que definimos como o espago da contemporaneidade, se por isto entendemos urn desejo materialista de produzir e pensar o trabalho cultural. E possivel ver o esquema Arte nas Ruas como a simples extensao da figuracao nacionalista tradicional, talvez como uma tentativa de modernizagao desse realismo naturalista. Os elementos ideologicos sao as mesmos: a crenca metafisica na arte como meio de expressao, nao como processo de producao historica e institucionalmente determinado, o tema do reflexo mecanico e o seu correlato do real coma ordenagao a priori, a formacao de compromissos idealistas determinada pela procura de positividades exemplares e assim par diante. 0 que se apresenta na posicao Arte Brasileira, em suas duas variantes analisadas, é uma vontade de democracia abstrata, senao delirante, que repousa precisamente sabre o recalque da luta politica concreta no campa cultural. Porque escamoteia a base institucional onde se cla essa luta, o contexto que vai definir estrategicamente o peso e o sentido das linguagens em seu confronto atual.

Vazio Cultural: Urn compromisso e seus sintomas depressivos Outro sintagma de circulagao corrente no meio de arte brasileiro é o Vazio Cultural, que surge quase sempre na boca dos poderes institucionais para justificar a sua prOpria disfungao. Os criticos se lamentam, os burocratas se lamentam, a culpa portanto sat pode ser da producao, sofisma descarado, muito pouco engenhoso. Pode-se analisar esse vazio coma mais um compromisso do circuito para conjurar os perigos da transformagao e o panic° da estagnagao. Apenas aqui, ao inves do que ocorre corn sintagma Arte Brasileira, as sintomas derivados sao evidentemente depressivos. 0 problema é a presenga prOxima demais da pulsao da morte, o que leva a constituigao de ritos obsessivos de defesa, entre os quais o mais importante ainda é a Bienal de Sao Paulo. A Bienal masoquista de Sao Paulo. A sombra da morte ronda o meio local de arte desde que o processo tradicional de institucionalizacao (a oligarquia) praticamente se rarefez e nao encontrou no mercado urn substituto eficiente. Nao se forrnalizaram dispositivos regulares que permitem o andamento do jogo e a reposigao constante dos nomes de que necessita. E uma situagao, digamos, estruncha: nem se esta no

espaco rarefeito dos salaes da elite, nem se esti na selva da indUstria cultural. E muito diver-tido, mas os responsaveis, as autoridades culturais e burocraticas, ficam inquietas, ansiosas, sentem-se obrigadas a fazer alguma coisa. Enquanto nao fazem, falam em Vazio Cultural, possivelmente uma especie de entidade maligna. Chega-se entao a uma curiosa situacao: é a burocracia da arte quem pede uma vanguarda, algo que possa revivificar o moribundo. Historicamente, como se sabe, as vanguardas aparecem como negagoes da instituicao-arte, como ataque as suas articulacoes dominantes. A sua pertinencia cultural reside precisamente nesse poder negativo, nesse questionamento que tern um tempo de duragao limitado já que inevitavelmente sera absorvido. Mas, na pontualidade de sua emergencia, é que as vanguardas produzem transformacoes culturais. No atrito, no embate corn a instituigao, é que poem em circulagao novas dispositivos de combate. Ha alga de equivoco quando é a prOpria instituicao quem solicita uma vanguarda: digamos logo que ha algo de ridicularmente inadequado nessa demanda. Nao se trata de defender a pureza do conceito de vanguarda, lutar pan evitar o seu desgaste. A desconstrucao desse conceito já foi feita, esta sendo feita, e aponta para a ingenua teleologia idealista pie esta na base de sua formulagao. 0 espaco da contemporaneidade se caracteriza exatamente pela desconfianga em relagao a esse teleios e por uma atencao estrategica a luta ideologica que se trava no campo cultural. 0 que se pode constatar, portant°, é que a manobra do meio de arte brasileiro em procurar uma vanguarda 6, na verdade, um lance para evitar o choque corn a producao contemporanea. 0 que faz é invocar um fantasma - nao

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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MAMAE BELAS-ARTES - JOSE RESENDE E RONALD() BRITO

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existem mais as vanguardas e preparar o terreno para contrafacoes. Dessa maneira, o Vazio Cultural aparece como um compromisso que produz sintomas tdo mais depressivos quanto mais se ilude o meio de arte corn respeito ao seu peso e a sua realidade institucional. 0 vazio propalado é a angustia diante da impossibilidade de uma positividade cultural maniacamente sonhada. Resulta da recusa em reconhecer o solo etereo do ambiente cultural brasileiro e mais acentuadamente do circuito de arte local. Ndo foi por acaso que, ironicamente, usamos metaforas psicanaliticas para tentar uma analise desse circuito: sua materialidade é pouco mais do que psicologica, a sua trama se arma na tenue ambigiiidade do entrelacamento do Capital, da burocracia e dos desejos individuals que se recobrem mutuamente como cortinas de fumaca. E n5o pode ha-

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ver detenninantes finals nessa trama porque a sua real determinacdo— digamos, a sua funçãø no sistema — é a de ser como é, isto é, ser quase coma quem ndo é. 0 reconhecimento do qua chamamos espago da contemporaneidade implica o conhecimento da relativa in- ealidade do circuito de arte. Implica saber, medir e intervir no real dessa irrealidade e corn isso deixar de exorcizar o vazio: n5o adianta dancar porque isso Tido vai fazer chover. E claro, para clancar, corn consciencia ou Tido de que n5o vdo fazer chover, pouco importa. A questa° é saber se as forgas interessadas numa posicdo de contemporaneidade podem escapar desse exorcismo, ou se estdo, inevitavelmente, no meio da danca. Nesse caso, a sua funedo mais uma vez seria denunciar a disfimedo, segurar a ambigiiidade, tensionar o ambiente, piscar o olho e atravessar o ritmo.

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Do ouro ao poder

GRACE DE FREITAS

II

asflia é o ponto de encontro. Amplosespacos, cidade aberta, monumentandade, abstracdo logira, assimetria equilibrada, sintese e fusdo das artes. A Forma e o Poder, erguidos no "concreto". Concebida sem o pecado original de artes independentes (sem articulagdo corn outras manifestacOes artisticas) teria, na arquitetura, a confluencia de todas as artes. Esta concepc5o inicial foi expressa por Ludo Costa, quando exp8s suas ideias sobre arte contempordnea, em Brasilia, 1959: —Para que a comunhdo (das axles) se estabeleca é importante que a propria arquitetura seja concebida e executada corn consciencia piestica, isto é, que o proprio arquiteto seja artista. Porque só assim a obra plastica do pintor e do escultor podera integrar-se no conjunto da composiedo arquitetural como um de seus elementos constitutivos, embora dotado de valor plastic° intrinseco e autenomo. Verifica-se al uma proposta de integracdo das artes, proposta esta que comporta uma ligacdo corn outro momento da hist& ria da arte brasileira: o Barroco Mineiro. Esta manifestacdo autentica de arte brasileira permitia, par sua vez, o trabalho de cada artista no conjunto ou no comportamento da obra arquitetonica. Arquitetura envelope: nos espacos interno e extemo, a frisk artistica. No inicio, tudo por se fazer; para sua constituicao gente de todas as panes, a cor-

ii

rida do ouro, o Eldorado. Encontro de brasileiros, permitindo o surgimento de uma ideia de nacao, cujos resultados se apresentaram como indicios da formagdo de uma consciencia nacional. Da mesma maneira, Brasilia, dois seculos depois, tudo por se fazer, e uma concepedo integrada das artes. 0 impulso é o mesmo desejo construtivo, concreto, para preencher vazios. A busca da construed°, da integragdo das artes e dos brasileiros, da integracdo continental, da interiorizac5o, da corrida para a proximidade do poder. 0 ouro e o poder: .estimulos para a constituigao de novas realidades. Dezoito anos passados, como estaria este desejo expresso de uma proposta de arte em Brasilia? Pela primeira vez, e possivel ver urn conjunto de quatorze de seus artistas atuais, reunidos numa mostra organizada pela Funarte. Aproximadamente pelo espaco, este grupo produtor é especificado pelas propostas individuais. De origem e pensamento plastic° diversos, este grupo atua diferentemente na cidade: ora pertence ou pertenceu aos quadros universitarios (UnB) ora integra o corpo diplomatic°. A maioria tern vivencia intemacional. Hoje, sob o nome de Oswaldo Goeldi, sao expostos trabalhos desenvolvidos aqui, onde cada artista tenta estabelecer a reflex5o de sua pratica. Dos figurativos aos abstratos, escultores, tecel5os, artistas do pla-


no e da tridimensionalidade, esta mostra nos fornece urn amplo espectro das tendencias da arte brasileira atual. Percebemos al que "de cada proposta especifica retainse uma postura, urn encontro, uma atitude. Cada urn mergulhado na hist6ria das formas, se coloca no lugar de onde se reproduzem as operacoes de identificacao do real, e reaparece na producao simbalica, no fazer artistic°. E na fixagao provisOria da imagem do mundo, que a arte se interroga de seus proprios procedimentos, ao mesmo tempo em que interroga a experiencia humana. Nao seria, portanto, o caso de definir filiagOes, de classificar imediatamente, mas de recuperar urn sentido no trabalho que o artista propOe corn as formas da percepgao e corn as formas de comunicagao." Nesta diversidade de propostas o sentido se organiza, na multiplicidade. Seria este urn pressuposto te6rico fundamental para valorizar a producao da arte em Brasilia? Da colocacao inicial de Liicio Costa, Athos Bulcao foi o artista que atuou na concepgao de "esculturas arquitetOnicas", ocupando paredes, separando espacos, ampliando-os, estruturando-os. Par isto, permaneceu afastado da pintura a cavalete, a qual retoma atualmente. PropOe Mascaras, corn texturas diversas, resguardando rostos, disfargando a caracterizacao de personagens; as mascaras sao estruturadas em circulos concentricos, mandalas, imagens do mundo, instrumento de meditagao. Luiz Aquila da Rocha Miranda explora espagos de geometria sensivel, retas e curvas, estimulando sensacOes cromaticas, superposicOes e transparencias, Hugo Mund Jr. trabalha efeitos 6pticos. AloIsio Magalhaes compOe graficamente elementos diversos (deuses egipcios...), Yeddo Titze, tapecarias que avancam no espago. Minnie Sardinha tece tramas baseadas em pontos artesanais do interior brasileiro. Daja

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associa a sua pintura tecidos e relevos, faznos sensfveis ao tecido, a tinta: al nao é a pintura que simula a realidade, mas a realidade que simula a pintura. Leda Watson desenvolve uma proposta de gravura em metal, utilizando-se de uma tematica onfrica, ligada a fantasia e fantasmas femininos. Glenio Bianchetti estabelece uma pintura de engajamento em problemas sociais. Rubem Valentim, que a partir da decada de 50 dedica-se a elaboragao de formas originais de objetos ritualisticos afro-brasileiros, agaves de redugoes geometricas no piano, no relevo, no espago, propoe urn ambiente corn estes elementos. Douglas Marques de Si mostra pinturas do inconsciente, colocando em imagens densas, associagoes, lembrancas, pensamentos. Charles Mayer experimenta composigaes prismaticas, recortadas geometricamente, trabalhando uma proposta de conscientizagao do objeto, e nao propriamente a imagem deste. Cathleen Sidid coloca na pintura sua preocupagao corn as atividades, expressaes e gestos do homem, em ambientes intimistas, interiorizados. Orlando Luiz, o recorte na madeira, a textura, a consciencia e o rigor das formas geometricas no espago. Esta é a diversidade que caracteriza as propostas artisticas de urn grupo produtor de Brasilia, atualmente. E claro que o objeto artistico passou por grandes transformagees, no curto periodo de vida da cidade, dinamizando a proposta original, acrescentando-lhes outros elementos, e, principalmente, voltando o artista para sua prepria producao. A arte integrada, de tendencia construtiva, que significou uma atuacao sistematica da vanguarda brasileira, se fez realidade palpavel em Brasilia. A partir do que SE fez, os artistas retiraram seus trabalhos da subordinagao arquitetonica, restabelecendo a autonomia de cada manifestagao.

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS DO OURO AO PODER - GRACE DE FREITAS

Brasil diarreia

HELlO

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QUE IMPORTA: a criacao de uma lin guagem: o destino de modernidade do Brasil, pede a criagao desta linguagem: as relagees, deglutigoes, toda a fenomenologia desse processo (corn inclusive, as outras linguagens internacionais), pede e exige (sob pena de se consumir num academismo conservador, nao o faga) essa linguagem: o conceitual deveria submeter-se ao fenOmeno vivo: o deboche ao "serio": quem ousara enfrentar o surrealismo brasileiro? Quern sou eu pra determinar qual ou como sera essa linguagem? ou sera urn nada (conservagao-diluigao)? Sei la. A diluigao esta al - a conviconivencia (doenga tipica brasileira) parece consumir a maior parte das ideias - ideias? frageis e pereciveis, aspiragees ou ideias? Assumir uma posigao critica: a aspirina ou a cura? Ou a curra: ao paternalismo, a inibicao, culpa. EstadO de coisas atualmente: porque se precisa e se procura algo que "guarde e guie" a cultura brasileira? e nao \teem que essa "cultura" é já urn conceito morto. Hoje cultiva-se o policiamento instituicaocultural, no Brasil. Cultivam-se as tradigOes e os habitos (fala-se em perigos + perigos, mass a maioria cone o perigo major: o da estagnaca.- 0 desse processo que parece sofrer retro-

OITICICA cessos ou borracoes no seu crescimento - estamos na fase maxima das borragoes: o empastelamento retro-formal -por exemplo: pintura, desenho, gravura, escultura: que importa que se as fagam ou nao: corn isso ou com o arnincio de que "nao morreram" ou a pergunta "morreu ou nao?'' etc., procura-se desviar o problema, que é o de uma posicao altamente critica, para urn lado absoluto que nao procede neste caso; tudo é feito propositadamente como defesa das instituicoes que se abrigam no conceito de "artes plasticas" e de suas promocOes paternalistas: saloes, bienais, principalmente a de S. Paulo). Sou contra qualquer insinuacao de um "processo linear"; a meu ver, as processos sao globais - uma coisa é certa: ha urn "abaixamento" no nivel critico, que indica essa indeciso-estagnagao - as potencialidades criativas sao enormes, mas as esforcos parecem mingalar, justamente quando sao propostas posigoes radicais; posigoes radicais nao significam posicoes esteticas, mas posigoes globais vida-mundo - linguagem - comportamento. Dizer-se pie algo chegou "ao fim", assim como a pintura, p. ex. (ou como o prOprio processo linear que determina essa ideia) é importante, o que nao quer dizer que nao haja quem nao a faga; dizer que ela acabou é assumir uma posi-

V


cao crftica diante de urn fato, 6 .propor uma mudanca; propor uma mudanca é mudar mesmo, e nao conviver corn o banho de piscina paterno-burgues ou corn o mingau da "crftica d'arte" brasileira. A pressa ern criar (dar uma posicao) num contexto universal a esta linguagem-Brasil, é a vontade de situar urn problema que se alienaria, fosse ele "local" (problemas locais nao significam nada se se fragmentam quando expostos a uma problematica universal; sao irrelevantes se situados somente em relagao a intereses locais, o que nao quer dizer que os exclua, pelo contrario) - a urgencia dessa "colocacao de valores" num contexto universal, é o que deve preocupar realmente aqueles que procuram uma "safda" para o problema brasileiro. E urn modo de formular e reformular os pr6prios problemas locais, desaliend-los e leva-los a causeqiiendas eficazes. Por acaso fugir ao consumo é ter uma posicao objetiva? Claro que nao. E alienar-se, ou melhor, procurar uma solucao ideal, extra - mais certo é sem (Vivida, consumir o consumo como pane dessa linkuagem. Derrubar as defesas que nos impedem de vet- "como e o Brasil no mundo, ou como ele é realmente" - dizem: "estamos sendo 'invadidos' por uma 'cultura estrangeira' (cultura, ou pot- 'habitos estranhos, rmisica estranha, etc.)" como se isso fosse urn pecado ou uma culpa - o fenomeno é bonado por um julgamento ridfculo, moralista-culposo: "frac) devemos abrir as pernas a copula mundial - somos puros" - esse pensamento, de todo in6cuo, é o mais paternaligta e reacionario atualmente aqui. Uma desculpa para parar, para defenderse - olha-se demais pra tras - tern-se "saud osismos" as pampas - todos agem urn pouco como vilwas portuguesas: sempre de luto, carpindo.

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Chega tie luto, no Brasil! 0 Brasil e a "cultura brasileira" parecem aspirar a uma forma imperialista "patemocultural". Quando o que realmente conduziria a uma ascendencia universal deveria ser (o que nao significa que o sera) alga baseado numa experimentalidade comum nos pafses novos, o que implicaria ainda mais posicaes definidas globais. Mas parece que essas posicaes se desvaneceram quase que pot- completo (salvo, é claro, em alguns individuos, minoria absoluta, que persistem num nivel experimental criador): a falta total de carter floresce hoje no Brasil - nao me refiro somente a "cultura" e "contexto cultural"; o conceito limita e amesquinha tudo; quero me referir a uma coisa global, que envolve urn contexto major de acao (incluindo os lados etico-polfticosocial), de onde nascem as necessidades criativas: mais particularmente aos "habitos" inerentes a sociedade brasileira: cinismo, hipocrisia, ignorancia, concentram-se nisso a que chamo de conui-coniuencia: todos "se punem", aspiram a uma "pureza abstrata" estao culpados e esperam o castigo - desejam-no. Que se danem. 2 preciso entender que uma posigdo critica implica inevitaveis ambivalencias; estar apto a julgar, julgar-se, optar, criar, é estar aberto as ambivalencias, ja que valores absolutos tendem a castrar quaisquer dessas liberdades; direi mesmo: pensar em termos absolutos e cair em erro constantemente - envelhecer fatalmente; conduzir-se a uma posicao conservadora (conformismos, patemalismos; etc.); o que nao significa que nao se deva optar corn firmeza: a dificuldade de uma opeao forte é sempre a de assumir as ambivalencias e destrinchar pedaco por pedaco cada problema. Assumir ambivalencias nao signi-

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fica aceitar conformisticamente todo esse estado de coisas; ao contrario, aspira-se entao a coloca-lo em questa°. Eis a questa°. E a questa. ° brasileira é ter caniter, isto 6, entender e assumir todo esse fenomeno, que nada deva excluir dessa "posta em questao": a multivalencia dos elementos "culturais" imediatos, desde os mais superficiais aos mais profundos (ambos essenciais); reconhecer que para se superar uma condicao provinciana estagnatoria, esses termos devem ser colocados universalmente, isto 6, devem propor questbes essenciais ao fenomeno construthro do Brasil como urn todo, no mundo, em tudo o que isso possa significar e envolver. Nossos movimentos positivos parecem definir-se como, para que se construam, uma cultura de exportaccio: anular a condicao colonialista e assumir e deglutir os valores positivos dados por essa condicao, e no evitalos como se fossem uma miragem (o que aumentaria a condicao provinciana para sua permanencia); assumir e deglutir a superficialidade e a mobilidade dessa "cultura", dar urn passo bem grande - constrain ao contrario de uma posicao conformista, que se baseie sempre em valores gerais absolutos, essa posicao construtiva surge de uma ambivalencia critica. Major inimigo: o moralismo quatrocentao (de origem branca, crista-portuguesa) brash l paternal- o cultivo dos "bons habitos" - a super autoconsciencia - a prisao de yentre "nacional". A formacao brasileira, reconheca-se, é de uma falta de carter fuer -Nei: diarreica; quern quiser construir (ninguem mais do que eu, "ama o Brash"!) tern que ver isso e dissecar as tripas dessa diarreia - mergulhar na merda. Experiencia pessoal: a minha formacao, o fim de tudo o que tentei e tento, levoume a uma direcao: a condicao brasileira,

mais do que simplesmente marginal dentro do mundo, é subterranea, isto 6, tende e deve erguer-se como algo especifico ainda em formacao; a cultura (detesto o termo) realmente efetiva, revolucionaria, construtiva, seria essa pie se ergueria como uma Subterranea (escrevi um texto corn esse nome, em setembro 69, em Londres): assume toda a condicao subdesenvolvimento (sub-sub), mas nao como uma "conservagao desse subdesenvolvimento", e sim como uma... "consciencia para veneer a super paranoia, repressao, impotencia..." brasileiras; o que mais dilui hoje no contexto brasileiro 6 justamente essa falta de coerencia crftica que gera a tal convi-coniuencia; a reacao cultural, que tende a estagnar e se tomar "oficial" (mais do que burocratica, essa coisa oficial odste como reacao efetiva), é a que predomina nesse estado atual: p. ex., a crftica que as ideias de "Tropicana" geraram ao culto do "born gosto" (isto 6, a descoberta de elementos criativos nas coisas consideradas cafonas, e que a ideia de "born gosto" seria conservadora) foi transformada em algo reacionario pelos diluidores da mesma: instituiu-se a "cafonice" estagnat6ria, ja que instituir a ideia de cafona conduz glorificacao permanente de coisas passadas (olha-se pra tit): hoje he uma febre reacionaria de "saudosismos" e "redescoberta de valores", velhaguardismo; a critica da "tropicalia" ao Thom gosto" da bossa nova, era e é ambivalente e especffica - a generalizacao diluidora dela, é reacionarissima. Isso é urn pequeno exemplo. Que dizer das coisas rnaiores, mais gerais? A ideia de vanguarda, viva e efetiva em alguns, tot-na-se mera "compilacao" na maioria da chamada critica de arte. Por isso digo: a omissao consciente, ou melhor, pular fora, pode ser mais importante para a "cultura brasileira" revo-

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lucionaria, do que participar no contexto imediato "policiado" - exemplo maximo: as mais importantes mUsicos populates do Brasil, Gil e Caetano, para sobreviverem e levarem avante as transformagees comecadas, tiveram que pular fora - o que criam, em ingles e em Londres, queiram ou nao, é a continuacao dessa revolugao na musica brasileira: o caso deles é extremo e é nele mesmo a dernincia desse policiamento moralista-paternal-reacionario vigente hoje no Brasil (ha uma especie de mentalidade geral a la "Flavio Cavalcanti", a mais nociva) - nao se trata de um "acidente" nesse contexto: é urn estado geral de coisas e vem ao encontro da mentalidade diarreica do pals. Mas algo importante e efetivo nasce disso: essa "culture defensiva" que nao quer "pecar" copulando corn o mundo, é obrigada a engolir o fenomeno da universalizagao de seus grandes criadores (seus na medida em que pertengam a um mesmo contexto) - quem podera ignorar esse fenOmeno gigantesco da bossa-nova nos Estados Unidos: Tom Jobim virou Musak - mais do que "sucesso no exterior", o fenomeno é reversivel (e age efetiva e diretamente nesse contexto: urge aos que criam construir algo que se

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erga como uma face-Brasil no mundo; urn criador coma Jorge Ben, que estava esquecido, ve-se hoje que era precursor e é continuador dessa revolucao ; e que contribui na criagao dessa face-Brasil: corn a Tropicana foi retomado e sua importancia reconhecida - recentemente estourou na promogao internacional da MIDEM; sua poesia-mUsica roga a ideia de "experimental" - é portanto, urn fator construtivo e revolucionario na diluigao geral. Nao ocorrera a Tropicana, pergunto eu, teria isso acontecido? Mais do que acidente, esse meter experimental ergue-se como algo positivo e caracteristicamente revolucionario nesse contexto (outros exemplos, muitos poderiam ser aqui invocados). Nao existe "arte experimental", mas o experimental, que nao so assume a ideia de modernidade e vanguarda, mas tambem a transformagao radical no campo dos conceitos-valores vigentes; é algo que propoe transformagoes no comportamentocontext°, que deglute e dissolve a convi-coniuMcia. No Brasil, portanto, uma posicao critica universal permanente e o experimental se° elementos construtivos. Rid° o mais é diluigao na diarreia.

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Arte "brasileira" Was° existe

ANTONIO DIAS e 64 pra co., a cultura brasileira é absolutamente desconhecida, e nao é porque falte uma produce° interessante ou porque se facam trabalhos sob a otica do colonizador. A linguagem das artes a linguagem das artes e nao a linguagem das artes no Brasil ou na Nova Guine. Tern que haver uma sabedoria em cada linguagem para quo elas tenham uma autonomia natural. Se voce ler o artigo do Otto Hahn que saiu no L'Express sobre a exposigao do Gilberto Chateaubriand, voce vai encontrar uma chamada tipo "Abacaxi e Coco". Lie diz que n6s acomodamos o abacaxi e o coco ao estilo intemacional. Quando me colocam urn problema nesse nivel, "isso nao e brasileiro", eu nao sei o que estao querendo. A partir de 1964 nos vivemos urn isolamento muito grande, um isolamento do mundo. Primeiro porque a gente nao podia saber do mundo e depois porque o mundo, já que era assim, tambem nao queria saber da gente. No setor das artes plasticas, todos sabem que, desde 69, houve urn boicote internacional a Bienal de Sao Paulo. Ate mesmo os artistas norte-americanos se recusaram a vir naquele ano. As obras italianas que foram mandadas e que eram provocativas foram confiscadas e nunca voltaram a Italia. Isso tudo existe e mostra como pode ser a

situaceo das nossas relacoes dentro e fora do Pais. Nos ainda estamos vivendo as repercussoes desses acontecimentos e continuamos sem informacoes. Justo no momento em quo os grupos de agao cultural que odstem no mundo este° cada vez mais ligados as possibilidades da comunicagao. Eu acho que cada trabalho é desdnado a esclarecer urn problema. Esse problema varia muitissimo na area de arte. Voce tern as vezes um problema puramente luminoso; existem muitos artistas trabalhando com cores luminosas, mas muito poucos conseguindo resolver realmente urn problema luminoso. Quando eu the interesso por midias diferentes é porque cada um deles vai me trazer uma problematica tambem diferente. Eu me canso facilmente das mesmas situaciies e depois eu tenho uma curiosidade muito grande com os problemas de produce°, porque acho extremamente diffcii produzir arte. Nao se trata de colocar uma tela no cavalete e produzir qualquer coisa a cada 15 minutos. 0 problema da produce° brasileira no quo toca a area de difusao, é que o mercado este completamente invadido pela produce° dos 15 minutos. E muito dificil um estrangeiro ser respeitado fora de seu pals, estar nas boas exposigoes, nas boas galerias, nas boas colecOes. La


fora, a empulhacao é bem mais dificil. Os grupos locais tern suas empulhagees proprias, mas voce, sendo estrangeiro, nao pode transgredir. Para fazer um paralelo corn o ridiculo da nossa situacao, imagine voce chegar na Italia e todo mundo estar pintando o Vatican°. Se voce tambem se mete a pintar o Vatican°, vai ser apenas urn mediocre a mais, tranquilamente.Voce tern que ter uma linguagem absolutamente sua. Nao tern que set brasileira, italiana cu japonesa, tern que ser sua. Depois da minha experiencia no Nepal o sentido politico do meu trabalho tomou outro corpo, mas nunca no sentido do jogo ou do panfieto. Eu fui la ver onde e como se produzia o papel; tive que ficar vivendo junto corn a comunidade dos artesaos. 0 campo inteiro ficaria parado se nao houvesse uma producao. Para as folhas que, a principio, eu precisava, bastava apenas uma familia de 5 pessoas pan produzir. Mas havia mais 4 familias no campo de trabalho e cu resolvi fazer urn trabalho corn todos. Eu tinha ido la para fazer uma coisa e de repente tinha que fazer varias outras e entao comecei a bolar rnOdulos. Files estavam acostumados a fazer um s6 tipo de papal e eu precisava de outras opcoes. Propus colorir sem set atraves de produtos quimicos, usando 56 processos naturais, recursos vegetais ou minerais que dispanhamos na economia do local. Isso criou urn habit° de producao nova entre eles, que passaram a valorizar o que faziam e a criar situagoes diversas de trabalho. Apresentei problemas novos para eles, como fazer o papel em formatos grandes, corn formas redondas Cu recortadas, utilizando tecnicas diferentes. Mas havia algumas limitacoes e a Unica maneira de trabalhar era esta: set rapid°, modulado, manter uma freqfiencia, produzir coisas diferentes e claras. 202

A interferancia de um artista numa sociedade como essa do Nepal pode set feita de modo bem mais direto do que simplesmente enviando uma exposicao de quadros. No tipo de sociedade que temos, essa interferencia é quase impossivel, principalmente pela existencia de urn mercado que consome e incorpora dentro dos modelos tradicionais. Fica dificil para o artista pesquisar e propor novos conhecimentos, novos valores e sobretudo manter-se em constante evolucao. As condigoes favorav-eis ao desenvolvimento do trabalho de arte devem partir de cada sociedade. Ern certos paises elas existern de fato. Na Inglaterra, por exemplo, chegou a haver discussao de uma lei que estudava a possibilidade de cada indUstria ernpregar um artista. Isso já era o artista tentando escapar de certos setores do mercado. Na Holanda, voce pode ter urn atelie public° gratis na cidade onde voce vive e se nao houver urn lugar public° disponivel, tipo uma escola vazia, urn hospital vazio etc., voce pode alugar qualquer outro lugar pelo qual voce paga s6 70 gulden. 0 resto é pago pelo Estado. Todos as artistas recebem uma ordem de trabalho public° ao ano. Mid° isso parece pra gente urn delirio. Alem disso, mantem atelies abertos, onde os estrangeiros se inscrevem e recebem urn subsidio para trabalhar. Hoje, paises como Alemanha, Italia, Suiga, Franca, possuem muitos centros de informac5o sobre a producao de arte contempciranea. Muitos museus, muitos Kunstverein possuem espacos e curadorias rotativas, apresentando sempre coisas novas; as pessoas ate se deslocam de uma cidade para outra para vet exposigoes. Isto apenas exemplifica como e preciso haver urn trabalho de organizacao no setor cultural do Brasil. A

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ARTE 'BRASILEIRA" NAO EXISTE - ANTONIO DIAS

exposicao da colecao do Gilberto Chateaubriand, pot exemplo, mostrou que se pode "arriscar na edicao de urn catalog°, desde que se tenha uma curadoria responsavel. Todos os pequenos museus do interior da Alemanha, Suica etc., arriscam em catalogos enormes, as vezes ate mesmo muito audaciosos. Aqui nao se faz nada e isso esta criando problemas muito graves, porque o ambiente

esti deteriorado e continua a faltar informacao e espaco. Escolas melhores, exposicoes melhores e museus melhores dariam uma melhor formacao aos proprios artistas, que nao encontram nos espagos pablicos e nem nos privados, uma orientacao. 0 fato é que uma boa formacao é tao importante para a arte quanta o é para a fisica, matematica ou biologia..., cla no mesmo.

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No dorso do quadrupede, mas corn liberdade de voar CARLOS ZILIO tualmente, no Brasil, apesar de al gumas iniciativas importantes, mas isoladas, nao existe nenhuma dinamica no sistema de arte capaz de estimular a producao de arte contemporanea. Agora, como sempre, o conservadorismo parece ser o nude° da nossa cultura. Diria o eventual leitor: "Mais uma lamfiria contra o estado da cultura brasileira!" Nao se trata disso. Apenas uma constatac5o sem reivindicacOes ou apelos. Afinal, apelar para quem? Para o Estado? Para a iniciativa privada? Nao adianta. 0 consolo 4 que tanto um quanto outro, embora corn tendencias dominantes, nao sac) monollticos, o que nos pennite, tal coma aqueles passarinhos que sobreviyem nas costas dos hipopotamos, it bicando aqui e 0 que é o governo nesta histaria toda? Sao, é claro, as seus programas e instituicees. Acautelem-se. Cada dia que passa vai-se definindo urn projeto cultural oficial. Nada ainda muito acabado, mas em andamento e que pode set detectado no financiamento de determinados projetos e em orientacaes que v5o se sedimentando e se organizando programaricamente. Ern linhas muito gerais, terfamos dois segmentos principais: a preservag5o da "memaria nacional", ou seja, restaurac5o e conservagdo de monumentos e documentos, e o incentivo, levantamento

e estudo da cultura popular. As bases teedcas desse projeto sac) fornecidas por uma instrumentalizacao de uma visao antropo16gica de cultura, e os fundamentos politicos e ideol6gicos sac os velhos conhecidos nacionalismo e populismo, ou, entao, integracao nacional, que é a mesma coisa dita de maneira mais oficial. Para que esta Ultima afirmagao fique mais clara e nao demag6gica, é preciso assinalar que este esboco de projeto contenta igualmente a major parte da oposicao. Afinal, em vdrias areas esti dificil saber quem quem, bastando lembrar que hoje é o governo que segura a bandeira terceiromundista. Dal, talvez fosse uma proposta interessante analisarmos a hip6tese de que por tras deste projeto situacao-oposicao estaria o conservadorismo da nossa formacao cultural. Para inicio de analise, seria interessante considerarmos as seguintes questa- es: por que, ao inves de apenas conservar a mem6ria, nao a tomamos problematicamente acirrando suas contradicOes numa especie de catarse historica? Por que privilegiar a producao cultural de um setor social dando-lhe urn miter de representatividade nacional, e ainda, corn propositos de catalogac5o museologica? A curiosa semelhanca na escolha desses dois eixos corn as


politicas culturais da Alemanha p6s 1933 e da URSS pas 1925 pode inclusive revelar a possibilidade de que, mais do que uma predominancia conservadora, existiria uma carta tendencia totalitaria. Mas nao nos afobemos, pois restaria a iniciativa privada que poderia vir em nosso socorro. Nosso quem, cara palida? Basta ver o mercado de arte brasileiro pan se ter uma ideia de como e conservadora nossa burguesia. Esgotados os pintores hist6ricos do Modemismos e jogando numa especulagao que se alimenta da inflacao, o que fez o nosso mercado? Desencavou a nossa brilhante academia. Culpa apenas do mercado? Nao, meu caro. Culpa do mercado e da cabeca da nossa elite (!?) que ainda tern seu universo simb6lico povoado de paisagens e valiosas pratarias. Afinal, por que a burguesia iria se preocupar corn arte, se para a sua hegemonia ideologica basta o futebol, o carnaval e... a policia? A conseqfiencia disto tudo é o diletantismo que cerca, por exemplo, o Museu de Arta Modema do Rio de Janeiro na sua versa° eventual de incendio ou no seu estado permanente de rescaldo.

Porque me ufano E dito corrente nestas terras ao sul do Equador que "conosco ninguem podemos". Quer dizer, o Brasil é urn pals jovem e vigoroso que consequentemente produz uma cultura idem, idem. 0 que é isto companheiro? Para nao falarmos na revolugao que os USA andaram fazendo nos Ultimos 30 anos na arte, literatura, teatro, masica, danca etc., sem mencionar a ciencia em geral, o que dizer da "velha" e "decadente" Alemanha, ou da igualmanta Italia? Cultura n5o surge apenas da vontade. Cultura é formacao e informagao e isto custa tempo, muita competencia e pelo menos urn pouco de dinheiro. Onde estao os

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nossos museus, escolas de arta, veiculos de . • _ drvulgagao, hvros especializados, exposigoes internacionais, galerias, colecionadores e material de trabalho?

0 que nao fazer Ora, direis, deve haver uma saida. A salda nao é a Saida. Quer dizer, nao existe uma solugao globalizante capaz de solucionar o fundamental dos problemas que cercam a arta contemporanea no Brasil de imediato. A saida se encontra todos os dias em pequenos avangos e ate mesmo nas ligoes deixadas pelos recuos. Uma producao transgressora nao pode dormir na ilusao de que serao condescendentes corn ela. E preciso haver uma adequagao entre as formas de luta e a produgao. Num sistema de arte pouco estruturado como é o brasileiro, é preciso ocupar os espaws vazios. Cabe aos artistas, sobretudo, produzir arta. Isto é 6bvio, mas alem disso, é necessario que mesmo em carter provisorio e de incurs5o, os artistas atuem junto aos diversos segmentos do sistema de arte visando sua alteracao e, conseqiientemente, a circulagao da producao contemporanea. E clam que em determinados momentos podem e devem exisfir agaes gerais. Mas sao ocasionais e nao tern nada em comum corn propostas do tipo "projeto para as artes piesticas no Brasil". 0 dia-a-dia se faz na agao do artista, ou ainda, de pequenas e temporarias associacoes. E do conjunto destas agaes contra o conseniadorismo, que os entraves a circulagao do novo tern sido historicamente superados no Brasil.

S5o poucos artistas que levam, apesar dod pesares, urn trabalho sistematico adiante. Trata-se de uma producao que nao tern ao seu dispor as sofisticacaes do slow-scan (imagem enviada pelo telefone), mas que desenvolve investigagaes sobre questaes basicas, das quais tratam, hoje em dia, os poles dinamicos da arta contemporanea ocidental. Já estamos longe dos esforgos de atualizacao de 1922.A arte contemporanea brasileira trabalha dentro de uma complexidade que envolve referencias pr6prias a contemporaneidade, compreendida no seu sentido mais universal, mas se baseia tambern em dados provenientes da experiencia histarica da producao de arte no Brasil, longe, portanto, de eventuais transplantes e modismos. Uma produgao que ocupa em nossa cultura o lugar da pedra no sapato; isto é, nao se ve, mas incomoda. Dos palacetes modemistas aos "laboratorios" neoconcretos, as artes plasticas sempre viveram a margem, por causa da sua extrema acuidade para corn o mais radical da epoca. A sociedade brasileira ainda nao encontrou para a arte - afora o jogo especulativo e o ritual aparente de cultura - urn papal social qualquer, nem mesmo foi capaz de engendrar um mecanismo de recuperagao que lhe permitisse conviver corn o novo. Mas nada disso é desesperador, porque, se fosse, condigoes misteriosas cercaram sua existencia. -

Deveria ser tambem uma profissao mas, como vimos, no Brasil é uma aventura. 0 jeito é ir levando. Aqui e all existem pessoas que participam desta aventura e existem as famosas brechas. Entrar nestas brechas e conquistar as "maquinas" oficiais ou particulares por dentro seria ingenuidade. Vai- se, portanto, vivendo como o tal passarinho no dorso do hipop6tamo, pulando daqui para au, e sobrevivendo levado pelo andar do quadropede, mas corn a liberdade de voar (pular fora) quando quiser. Assim foram criados ós museus de arte moderna, as bienais e a arte que temos. Artistas e intelectuais comprometidos corn a renovacao, burgueses e funcionarios blicos mais hIcidos tern sido os agentes destas transformagees. Mas atengao, muita atencao ouvintes: enquanto os 'Daises ricos centralizam em seus museus e universidades a reprodugao do saber preocupados corn a telematica, a biogenetica e a afirmagdo cultural capaz de lhes dar independencia econamica e politica, nos vamos muito bem obrigado, tratando das nossas "raizes", nossas "mem6rias" populares ou nao. Assim, as artistas brasileiros bravos e altaneiros (o que é uma rima, mas nao uma solugao) vao se virando e revirando, mas, sobretudo, prosseguindo assim como certas ervas que nascem em pedra.

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Ervas em pedra A arte contemporanea no Brasil é pequena, porem decente. N5o vamos entrar naquela de "mais uma vez o mundo se curva".

CRiTICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS NO DORSO DO QUADROPEDE. MAS COM LIBERDADE DE VOAR - CARLOS ZILIO

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A experiencia do Centro-Oeste. Arte e identidade cultural ALINE FIGUEIREDO

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ntes de mais nada quero expressar a satisfagao de estar aqui mais uma vez nessa cidade encantadora que é Manaus, e junto corn os senhores. Fomos chamados para contar a nossa experiencia no Centro-Oeste. E sempre tao dificil a gente vu r aqui falar de experiencia. Na verdade a experiencia é sempre uma vivencia, e eu nem me sinto muito experiente, alias pelo contrario, completamente inexperiente. Mas o que é que a gente vai dizer? Primeiramente, seria interessante situarmos o CentroOeste. Ele é formado par Mato Grosso e Goias. 0 Centro-Oeste é uma area cardiografica, já que ele abriga os coracoes do Brasil, Brasilia, e da America do Sul, Cuiaba. Entao talvez por isso a arte do Centro-Oeste seja tao apaixonada, tao emocional. Somos de uma regiao enorme, onde fazemos toda a ligacao do Norte corn o Sul do pals. Os nossos Estados tern as fronteiras corn o Parana e corn o Amazonas e o Para. Somos uma regiao de mais de dois milhoes de quil8metros quadrados e tanto Goias como Mato Grosso tiveram a mesma hist6ria, o mesmo comego. Foram desvendados pela conquista do indio, descobertos pelo ouro e povoados pelo boi. E hoje, nos estamos a assistir, corn olhos espantados, vendo o nosso cerrado sendo desmatado para receber a soja, o feijao, o milho, o arroz e as patas implacaveis do boi.

A regiao Centro-Oeste ficou ainda muito tempo, depois que o ouro acabou, no sec. XVIII, durante duzentos anos esquecida em si mesma, enquanto este mesmo boi se multiplicava. 56 fomos redescobertos pelas marchas para o Oeste movidas par Juscelino Kubitschek, e antes dele por Getulio Vargas, quando da fundacao de Goiania, em 1935 e corn a inauguracao em 1942. Depois disso, apenas corn o gesto de Juscelino Kubitschek e o advento de Brasilia, fomos praticamente redescobertos pelas estradas pavimentadas, que de urn momento para o outro nos ligaram corn todo o pals. E o advent° de Brasilia nos tirou de um grande marasmo. De urn esquecimento. E nos tomou contempordneos, de urn moment° para o outro, jet que Brasilia é a cidade mais moderna do mundo, e estaua all a nos transmitir a sua pujanga e o seu sentimento pelo pow. Entao Brasilia foi exatamente este alento no Centro-Oeste. Brasilia trouxe o Brasil mais para dentro.Tirou o Brasil da faixa litoranea e o interiorizou. E o Cent-o-Oeste é hoje uma resposta brasileira para o Brasil, e isto nos mais arnplos sentidos. Seja na produgao agricola, seja na produce° da came, seja ate mesmo na producao artistica, na produgao cultural. Coisa que ate pouco tempo atras era uma facanha completamente dificil de acontecer. Ern termos culturais, em termos de contem-

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poraneidade, as artes visuais no Centro-Oeste comegaram em 1952, antes mesmo de Brasilia, corn a Escola Goiana de Belas-Artes. Mas essa Escola Goiana nao conseguiu sair de um certo rango provinciano em que ela foi moldada. Depois disso, apenas em 1967 o Centro-Oeste deu o que tinha que dar, deu o primeiro grito nadonal atraves da obra de Humberto EspIndola, o pintor da bovinocultura, urn temario da nossa regiao, mostrada atrayes de uma plastica audaciosa e nos dando um grito forte, de dentro pra fora. Isso foi em 1967. Entao neste momento, atraves da obra de Espindola, comeca um movimento cultural em Mato Grosso. E por incrivel que parega isso nao foi em Cuiaba, e sim em Campo Grande, hoje capital do Mato Grosso do Sul. Corn esse movimento a Associagao MatoGrossense de Arte liderou a atuagao cultural de todo o Estado do Mato Grosso durante os anos sessenta. E, principalmente atrayes da obra de EspIndola, carrregou os artistas novos que estavam acontecendo. 0 trabalho da Associagclo Mato-Grossense de Arte em Campo Grande, nesse tempo Mato Grosso ainda new era dividido e teve uma repercussiio nacional. Primeiro nos ganhamos as cabecas das pessoas de fora para mais tarde impressionar as de dentro. Depois quando estava fundando a Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiaba, o reitor Gabriel Novis Neves nos chamou para realizarmos aquele mesmo trabalho que fazfamos em Campo Grande na Associacao MatoGrossense de Arte, onde haviamos atuado durante seis anos. Eu e Humberto Espindola fomos entao chamados para realizar este trabalho em Cuiaba, pie dista 700 km de distancia de Campo Grande. Alias, foi devido a isso mesmo, devido a esse Estado muito grande que a divisao se fez necessaria. Exatamente porque la nos temos duas cidades que exerceram uma lideranga mui-

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to grande, que é Campo Grande e Cuiaba. Entao o movimento cultural do interior do Estado foi absorvido pela capital, Cuiaba. E transferindo-nos pan la, nos implantamos na UFMT o Museu de Arta e de Cultura Popular. Foi at que comegou de fato o nosso trabalho de animagao. Porque af nás estavamos corn uma cabega mais preparada para enfrentar uma grande tarefa, urn desafio, porque a UFMTfoi, digamos assim, tuna das ultimas possibilidades naquele tempo de se fazer urn gesto cultural generoso. Um gesto cultural que reflexionasse o regional, o circunstancial, para poder abragar o universal. Imaginamos comb poderfamos participar all daquela universidade, e darmos resposta, uma contribuigao que pudesse cot-responder aos nossos anseios daquela casa de cultura. Assim, fundamos esse Museu de Arte e de Cultura Popular, corn uma plataforma com seis linhas bash cas de atuacao. Primeiramente o apoio total ao artista Mato-Grossense. E como seria este apoio total? Foi assim: nos fundamos urn atelier livre, alias dais ateliers livres na ddade. E aui colocamos todo o material, tintas, telas e uma serra de meia-esquadria, pro pessoal fazer a sua propria tela, e preparar as suas tintas. Enfim, todo o material necessario da madeira ate a tinta e a serra e colocamos uma pessoa, uma artista, muito boa, que praticamente nao interferia em nada na rapaziada. Mas a gente ia la e olhava como estava a produgao e comegava a selecionar os artistas. A partir do momento em que comegavamos a seleciona-los, comecavamos a aproximar esses artistas de uma conversa. Faze-los reflexionar sobre a sua realidade.Todos esses artistas salt-am do povo, da periferia. Nao tivemos, por incrivel pie parega, nenhum filho de papai. Inclusive nao houve nenhuma guerra contra isto, mas nao houve, por exemplo, nenhum filho de pro-

fessores da Universidade que se interessas-. espago aberto de amplos horizontes. E nesse. Foram as pessoas da periferia que fivese espaco aberto a gente pode sonhar, pode ram melhor receptividade. Entao esses artisreflexionar. E dentro desse programa do tas receberam informacao pan v -alorizar as Centro-Oeste, nOs levamos a Cuiaba as anissuas raizes, as suas verdades. Que valorizastas mais importantes de Brasilia, Goiania e sem a origem de onde eles tinham safdo. Mato Grosso do Sul pan realizarem exposiQue comecassem a pintar e a reflexionar o cOes. Como forma de relacionar, de fazer urn seu bairro, a sua casa, a sua escola, onde ele conhecimento, uma aproximacao de todos havia surgido, vivenciado, criado. E comega- os artistas que estavam atuando em Brasimos a botar na cabega destes artistas, tambem, lia e Goias pan conhecer o Mato Grosso. que se deviafazer uma reflexclo em tomo do nosUrn terceiro programa: atualizagao da so espago, nossa grande realidade circunstanciarte brasileira. Que significa isto? Resultou al, o espago aberto dos nossos horizontes, a ndem levar a Cuiaba artistas expressivos da sa mata, os bichos, a floresta, o homem caboclo, arta contemporanea nacional, as que estaa morenice do povo, o chdo, a cor da ten - a, a cor yarn fazendo trabalhos significativos. E dudo Indio e toda essa matreirice do selvagem. To- rante dez anos nOs levamos para la os names dos esses lances nos comegamos a incutir e a fa- mais expressivos da arte brasileira, a comeTar aos artistas que af estaria, quem sabe, ou car por Rubens Gerchman, Cildo Meireles, seja, pie dali poderia sair uma visualidade moEdival Ramosa, Paulo Roberto Leal, Takaski rena, da car do club, salgada e suada. Fukuchima, Baravelli, Marcos Sampaio, enE esses artistas, exatamente porque corfim, uma serie de artistas coma artistas de respondiam a essa realidade, comecaram diversos Estados que levamos para la a fim simplesmente a desabrochar. E a partir do de atualizar a cabega dos nossos que estamomento que comegaram a encontrar nes- vam surgindo. sa linguagem toda uma farina de expressao, Esse programa foi para dar apoio, embanos comegamos a reunir esses artistas em samento cultural para o artista mato-grosexposigoes coletivas e individuals dentro e sense que estava surgindo, e para a formafora de Mato Grosso. Isso foi urn programa. gao do nosso public°. A nossa intencao era Nos direcionamos o apoio irrestrito ao artisfazer exatamente isto. 0 artista de Mato Grosta do Mato Grosso. so ele tern que ser bom 15, sem precisar sair 0 outro foi o estudo da Regiao Centrode Mato Grosso, sem precisar ir buscar o suGeste englobando Goias. Exatamente par cesso fora. Mas ele tern que ser born, ele tern ele set- urn Estado ao lado do nosso que me- que ter uma linguagem muito boa, e a sua recia ser estudado, porque nos temos a mesarta tern que ser excelente e admirada incluma historia, surgimos no mesmo contexto. sive no exterior. Ele nao tern que ser born para A nossa proposta nesse Museu de Arte e de o Mato Grosso, nos nunca nos contentamos Cultura Popular, que é urn museu que nao corn isso. 0 nosso combate a urn provinciatern nem predio, é ser urn museu-acao. Co- nismo sempre foi acirrado. Sempre combatelocamos em pauta o estudo dessa Regiao mos violentamente atitudes provincianas. Centro-Oeste para provocar a proximidade Nos temos ate urn diploma de pessoas anticorn esse outro Estado que abriga a capital paticas, porque nao aturamos o provindanisdo Pais. E é Brasilia que estuda o espaciaiismo. E aqui em Manaus, inclusive, deve ser mo, o que n6s temos de melhor e major — o ban- a esse need° de provincianismo. Eu sei...

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A EXPERIENCIA DO CENTRO-OESTE, ARTE E IDENTIDADE CULTURAL- ALINE FIGUEIREDO

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS A EXPERIENCIA DO CENTRO.OESTE. ARTE E IDENTIDADE CULTURAL - ALINE FIGUEIREDO

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eu sei mesmo. Entdo, a nossdguerra, a guerrilha maior, o inimigo major, é exatamente o mau gosto, o gosto acomodado do provinciano que so quer saber do conhecido, so quer saber daquilo jet gasto, aquilo que ele entende, aquilo que ele pensa que entende. A nossa guerra foi sempre corn isto, e arrumamos todos estes pro gramas para avisar a cabeca do artista caboclo que estava surgindo Id, sem Sair de Id: ele tinha quefazer uma arte que fosse admirada ern todas as partes do mundo. Alias coma já acontece, pois ha propostas de nossos artistas para expor em Nova lorque Paris, Japao, etc. 0 quarto programa foi o do indigenismo. Uma vez que Cuiaba é, como era na epoca do inicio destas atividades aqui descritas, capital de urn Estado no qual sobrevivem dezenas de nagOes indigenas - e sede de uma universidade que é apelidada de Universidade da Selva - o indigenismo é alvo de muito interesse para nos, pois temos a cultura indigena tao perto de nos que isto faz corn que ela seja esquecida e nao incorporada e assumida. Era claro entao que reconhecer este fato era reconhecer e compreender a nossa prOpria cultura. Pot isto, este programa empenhou-se em mostrar em Mato Grosso trabalhos ligados a esta tematica, que por sinal é tematica igualmente presente para o homem amazOnico tanto quanto pan o homem do Centro-Oeste. Foi por isto, para valorizar esta componente importante de nossa cultura e ajudar a resguardar a cultura indigena de uma politica obscura e temeraria de integracao, que levamos para Mato Grosso ambientais de Rubens Gerchman, Edival Ramosa e Valdir Sarubi, juntamente corn mostras dos trabalhos de Clovis Irigaray e Conceigao Freitas, estes dois expresso- es locais ligados a tematica. 0 quinto programa é o da arte popular. Este programa atuou de forma mais inten-

InotO I trine IF ut•tix Wend I tum,a WK . "

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sa em 1974 e 1975, especialmente atraves do incentivo a ceramica criada pela comunidade de Sao Gongalo, distante oito gull& metros de Cuiaba. 'Fivemos o cuidado de evitar a sua contaminagao pela demanda do mercado erudito, e em todo este programa, que na realidade se transformou em uma divisao do museu - e nao posso esquecer a professora Terezinha Arruda que o chefiou para nos - procuramos revigorar os valores regionais do povo, seja as das suas crencas e habitos, bem como as manifestagOes artisticas e culturais em • eral. Finalmente o sexto e ultimo programa, voltado para a Arte Latino-Americana. ja que o Mato Grosso sftua-se no centro do pals, fazendo fronteiras corn varios paises latino-americanos, achamos justo desenvolver urn programa para aproximar as seus artistas dos nossos. Assim apresenta-• mos individualmente o vanguardista colombiano Antonio Caro e o pintor argentino Alberto Cedron. Born, foi isto que fizemos la em Cuiaba durante cerca de dez anos. Eu hoje já nao trabalho mais em nenhuma Universidade, estou desvinculada de qualquer instituigao; acho que a melhor coisa é estar fora de qualquer instituicao, nao é estar dentro. Estar dentro nao este corn nada, porque eu acho que dentro das instituicOes, so tern lugar pan gente que nao tem cabeca, gente que esta ocupando cargo indevidamente. E eu acho isso uma falta de vergonha muito grande, principalmente na area estadual. Atualmente, por exemplo, a animagao cultural de Mato Grosso esta digamos, entregue as mascaras, nao e? Depois de ser urn modelo, depths de ter uma atuagao, que digamos assim, fosse um modelo, atualmente esti urn desrespeito total. As instituicees estao usando os artistas para utilizarem seus brilhos. Entao isso al ja é uma outra questa°.

Bern, resumindo o processo, a realidade em Mato Grosso foi a seguinte: tivemos a sorte de estar dentro da Universidade e dela ser uma universidade sem burocracia, o que nos permithi fazer urn trabalho. A Universi- ,

Fundagao Cultural, trabalhei la durante quatro anos e a Fundagao en de politica contraria a reitoria, pois o govern° era de politica contraria a reitoria, ales nao combinavam, mas at, coma era amiga dos dois, do reitor e daeFrlMtoGs;eunhcr- do govemador, cu falei para os dois: olha, nos teza, foi uma grande universidade. Hoje nao, vamos trabalhar juntos, a universidade vai trahoje ela ja e diferente, mas eu tenho certeza balhar junto do govern° do Estado, e o govern() de que nos dez primeiros arms de implantado Estado vai trabalhar junto corn a Universidacao ela foi uma universidade-modelo no de, e a nossa equipe de arte vaifazer isso. PorBrasil. Porque era possivel a gente trabalhar que, nos temos que unir os esforcos e rub desudentro dela. Hoje em dia é impossivel, a manir, fazer politica mesquinha. quina burocratica é pesada demais. Para E coma a gente abriu o jogo mesmo, desvoce fazer alguma coisa voce acaba nao fade o comego, ales aceitaram, nem urn nem zendo é nada. Voce traballia dentro de uma outro falava nada neste aspecto cultural, nao universidade, voce passa o dia todo pra tenboicotava nada. 'Fivemos uma grande forga. tar trabalhar, porque voce acaba é brigando Eles ate davarn verba, o govern° incentivapra trabalhar, nao é verdade? E é por isso que va e o reitor tambern. Houve uma grande eu sal, porque eu trabalho melhor dentro da forga mesmo. Ent5o nOs fundamos o atelier minha casa, sozinha. Entao veja, mas nesse livre da Fundagao Cultural, porque ela tern tempo na universidade era possivel trabaa vantagem de estar plantada no centro de lhar, a gente chegava lá fazia urn negOcio e Cuiaba. Neste atelier livre a gente colocava as coisas aconteciam, fluiam. Mas depois todo o material ali, farto material para a raque saiu o primeiro reitor, o Gabriel Novis paziada, e foram aparecendo todas as pesNeves, que implantou a Universidade, cuja soas da cidade. A Fundagao Cultural soube filosofia chamava-se fazejamento, entrou canalizar tudo, todos esses elementos que urn que pretendeu sair do fazejamento pan jam aparecendo e que depois a gente ia tenentrar no planejamento e comegou so a platando transmitir, tentando conversar. 0 nosnejar, planejar. Nao saiu mais cultura, s6 so movimento aconteceu muito em termos sairam projetos engavetados, e ficou desse domesticos. A gente conversava muito corn jeito, a .coisa ficou muito fechada, trancada. a rapaziada, que era muito jovem, e a gente Durante o period() do fazejamento acontedava rimita atencao, porque os meninos coceu tambem a Fundagao Cultural de Mato megaram a pintar corn 14 anos. Hoje ales tern Grosso, que foi uma atitude, uma iniciativa 22, 23 anos e sao pintores já premiados em do govern° do Estado. Agora veja voce, nos salOes, em diversos salöes nacionais. 0 mocomecamos a atuar na Universidade em 73, vimento foi isso, foi muito idealism° e muita a Fundagao Cultural comegou a funcionar vontade de fazer urn programa, de desenvolem 75. Eu fui chamada para assessorar a ver uma ideia cultural, nao e? Foi so isso.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMMICAS CONTEMPORANEAS

A EXPERIENCIA 00 CENTRO•OESTE. ARTE E IDENTIDADE CULTURAL - ALINE FIGUEIREDO

A EXPERIENCIA DO CENTRO-OESTE. ARTE E IDENTIDADE CULTURAL - ALINE FIGUEIREDO

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Os saloes de arte sato espasos contraditorios ICLEIA BORSA CATTANI

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s Sallies de Arte surgiram corn as sociedades capitalistas, ou seja, no momenta em que a producao artistica autono-mizou-se, enquanto campo e pratica simbOlicos. Articulando-se a uma parte especifica do social, ela adquiriu urn peso ideologic° que afirmava seu valor enquanto "fazer espiritual" numa sociedade marcada pela producao e consumo de bens materials. Os Saloes surgiram quase ao mesmo tempo que as museus de arte, instituicoes teoricamente neutras e acessiveis a todos, marcados pela sacralizagao de seu espago fisico, continente de urn "patrimanio comum a todos", que sac) as obras de arte. A analise de uma instituicao é complementar a outra. No momento de sua aparicao, as saloes caracterizavam-se por seu carter marcadamente oficial: os jUris eram compostos pot pessoas ligadas ao poder public° e os artistas criteriosamente selecionados pot sua submissao aos principios esteticos ern vigor (principios estes que serviam aos interesses da burguesia ascendente). Os Sal5es cumpriram assim, bem como os museus, urn papel de legitimacao da nova ordem vigente. Mas, desde muito cedo, ocorreram tentativas, por parte dos artistas, de ocupar os espacos sacralizados pan contestar as normas sociais. Os Saloes, por seu carter temporario e

por suas vinculagees diretas (positivas ou negativas) corn as movimentos contemporaneos, foram rnais abertos a essa ocupacao do que os museus. Os Saloes dos Recusados ocorreram na Europa desde o seculo XIX, congregando artistas nao-aceitos pelo sistema oficial, enquanto que as museus so comegaram a ser contestados no seculo XX. Mas nao se pode pensar nos SalOes e nos museus de arte isoladamente, como entidades autonomas. Eles fazem parte de um sistema geral das artes, nas sociedades capitalistas e, por conseguinte, delie-se considerar o circuito global da produgao, distribuigao e consumo dos objetos de arte nessas sociedades. A instancia de produgao desses objetos já pressupoe a consciencia, pot parte dos produtores, dos meios de distribuicao dos mesmos. Tais meios substituiram as antigos comanditarios (clero e nobreza); a distribuicao passou a ser entao fundamental, para garantir o consumo da obra dentro de um sistema em que o valor de troca passou a predominar sobre o valor de uso. Dentro desse sistema, urn objeto podera inclusive ser elaborado especificamente pan um Salao de artes. Mas mesmo que tal fato nao ocorra, é impossivel negar que a simples existencia dessas instituicoes influencia e é influenciada pela producao artistica das so-

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ciedades capitalistas. Quante ao consumo de arte, os Saleies, bem como as outras instituiceies ligadas a arte nessas sociedades, constituem as espacos circunscritos para esse fim e sae reservados (na pratica, embora ndo na teoria) a uma minoria que possui o domini° dos cOdigos culturais necessaries e suficientes a sua freqiientacao: "0 gozo autentico desses valores [artisticos] só é possivel dentro de um microambiente cultural restrito, atraves de urn circuito especifico de elite que tern seu nlicleo no sistema de galerias privadas. Tambem os museus e as grandes exposicaes oficiais esfao estreitamente ligados a esse microambiente porque, apesar de estarem teoricamente abet-ms ao grande public°, na pratica sac, dificilmente acessiveis aos que ndo possuem uma adequada preparagao cultural." 0 circuito de producao, distribuigdo e consumo da arte condiciona tambem a valorizagdo da "aura" da obra Unica,2 que ainda permanece, apesar das contestagOes dos movimentos de vanguarda das decadas passadas, e que esta sendo inclusive intensamente resgatada nos Ultimos anos. 0 que diferencia, basicamente, urn Sala° de arte de urn Sala° de automoveis? Nas sociedades capitalistas, ambos os objetos sera) trocados pelo mesmo elemento indiferenciado e homogeneizado, que é a moeda. 0 que os diferencia é o fato de que os objetos artisticos estdo socialmente investidos de urn senddo mitico, que tern a ver corn seu carater de obra Unica, original e rara. Numa sociedade, marcada pela produc5o em serie, o objeto Unico é (teoricamente) sem prego. Tambern a figura do artista enquanto "ser criador", quase de exceed°, é urn elemento que favorece o sistema das artes, na medida ern que sua mitificag5o auxilia na valorizagdo do produto. Quern lido sabe o que significa pos-

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suir urn "Picasso", qualquer que seja, embora sua produgdo, coma a de qualquer artista, possua seus altos e baixos? Os Sallies de Arte, coin seu sistema de selecao e premiacdo, refoream muitas vezes esse carter mitico da obra e de seu criador, alem de auxiliarem na criacdo de modas e hierarquias que ha° pesar diretamente no mercado de obras de arte. E fundamental a quest5o da vinculag5o do sistema de artes das sociedades capitalistas contempordneas ao mercado artistica Seria ingenuidade pensar em qualquer instituigao contemporanea de artes (museus, saloes, salas oficiais de exposicees etc.) sem pensa-la em ligacao com o mercado. Mas os Sallies de artes existem, atualmente, como espagos contraditorios. Par urn lado, coma já foi dito anteriormente, como espacos de legitimagao e sacralizagao de determinadas produgoes, para o que contribui o necessario patrocinio de entidades estatais ou privadas que, em contrapartida ao seu investimento financeiro, exercem, na malaria das vezes, de modo mais ou menos velado, uma funcao de controle. Por outro lado, os Saloes servem atualmente coma espagos de reflexdo sobre a produgdo artistica contemporanea e, nesse sentido desempenham urn papel importante dentro dos limites da sociedade burguesa. Os museus permanecem ainda, na sua maioria, como instituigoes ligadas fundamentalmente a guarda e a conservaedo de urn patrimanio. As galerias de arte Tido possuem o compromisso de oferecer panoramas da produedo contempordnea e caracterizam-se, muitas vezes, (no caso das grandes galerias) par sua opedo par determinada tendencia formal. Os Sale- es permanecem assim, apesar das inevitaveis margens de erro em seus criterios de seleg5o e premia-

g5o e malgrado aos interesses que em parte. os condicionam e eventualmente os desca•racterizam, como os espagos que mais incitarn a visoes de conjunto da produgao artistica contemporanea. Eles tambem acolhem, muitas vezes, provocacees que mexem corn as conceitos já aceitos de arte, e incitam a confrontacees pela coexistencia, no mesmo espago, de propostas distintas e ate mesmo contraditorias. Eles podem refletir de modo abrangente e inclusive, auxiliar a produzir o intenso dinamismo e a grande diversidade de tendencias da produgdo artistica con-

temporanea. No Brasil, principalmente nas regioes perifericas, deslocadas dos centros de poder, os Sallies desempenham basicamente esse papel, em ambientes pie sac> historicamente carentes de espacos destinados a distribuigdo da produgdo artistica. Papel excelente e insubstituivel? Certamente n5o. Mos ndo adianta pensar em sua supress5o se tido se considerar a possibilidade real de implantacao de formas altemativas dessa distribuigao, a urn de que a producdo artistica possa cumprir outra furled° no social.

Notas 1. POLL Francesco. Produccion artistica y mercado. Barcelona, Ed. Gustavo Gill, 1976, p. 22. 2. Ver, a respeito da aura, o admiravel ensaio de Walter

Benjamin, A Obra de Arte via Epoca de seus Meios de Producat). In: VELHQ Gilberto. Sociologia da Arte IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

OS SALOES DE ARTE SAO ESPAcOS CONTRADITORIOS - ICLEIA BORSA CATTANI

OS SALOES DE ARTE SAO ESPAcOS CONTRADITORIOS - ICLEIA BORSA CATTANI

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Situaseies limite

PAULO VENANCIO FILHO reio que o observador europeu pode reagir de duas maneiras simultane as a essa exposicao*: a primeira sentir os trabalhos muito proximos, dentro da perspectiva da arte europeia contemporanea; a segunda ĂŠ sentir o Brasil, ou o que ele pensa ou imagina do Brasil, muito Ionge. Essa situacao lido se deve a distancia geografica, ela deriva de uma relacao de forgas complexa e problematica. Implica o contexto da arte fora de urn centro hegemonico. Sua possibilidade mesmo. Como pode o distante olhar estrangeiro estabelecer uma imagem da arte brasileira sem cair no risco de considera-la simples mimesis dos procedimentos europeus ou sofrer a recorrencia fantasmatica dos temas do folclore e do exotico? Seria uma ingenuidade, ainda, um eurocentrismo, esperar uma imagem tao seculo XVIII, a persistencia do mito do paraiso intocado. Sabemos que Gauguin foi o Ăźltimo artista - uma determinada consciencia europeia - a fazer essa experiencia. Por outro lado, tambem nao se poderia imaginar a possibilidade de uma arte inteiramente autOnoma, corn uma histOria fechada em si mesma, em seus modelos locais, completamente indiferente aos centros hegemonicos. Para nos isso seria assumir uma identidade por oposicao, aceitarmos a discriminacao do

colonizador, desconsiderarmos as determinag6es histOricas. Dessa maneira, qualquer confronto estaria previamente anulado, cada historia seguiria seu caminho sent nenhuma media* possivel: manteriamos os pressupostos ideologicos de uma suposta identidade nacional, assumiriamos urn projeto de resistencia e renunciariamos a qualquer ansia emancipatOria. Seria uma confortavel ilusao. Mas ainda assim urn ilusao. 0 problema consistiria em investigar de que modo o contexto brasileiro se apropriou dos modelos europeus modanos, de que forma esses modelos foram ambientados e de que maneira eles atuaram no sentido da efetiva transformacao da arte local. A solucao dessa situagao so pode ser analisada nos trabalhos, na inteligencia de o trabalho refletir essa problematica situagao. Assim, o observador dessa exposicao esti numa posicao paradoxalmente muito proxima do artista brasileiro: como articular a tradicao da hist6ria da arte moderna e urn determinado contexto social. Como encontrar a medida inteligivel dessa relacao. Sena preciso urn olhar um tanto obliquo, evitar qualquer polarizagao, perceber a tensa producao local. Foi essa lateralidade que permitiu os lances mais interessantes da arta brasileira. Essa lateralidade representa


uma posigao estrutural, nao propriamente uma identidade. Esta é ainda cheia de impasses, indefinida, mUltipla, e nao pode aceitar uma fase Unica. Nossa identidade é esse esforgo de introjegao, de obsessiva vivencia e reflexao das matrizes culturais. 0 que na Europa é dado, nOs devemos conquistar. Essa é a nossa experiencia. Nossa modemidade é tardia. E somente a partir dos anos 1950 que ela se efetiva. Nesse momento nos libertavamos definitivamente dos arcaismos e nos posicionavamos em contato estreito corn as conentes modernas:Esse momento con-espondia tambem as transformacoes sociais brasileiras, a urn Pais que se industrializava, que comegava a viver uma urbanizagao acelerada, a realidade das grandes metrOpoles. Al se entende a presenga decisiva do Construtivismo no Brasil. Num Pais que se modemizava, que assumia uma nova face, percebe-se a atracao par uma tendencia que trazia para si nao so as pressupostos da racionalidade, mas tarnbem que pretendia estende-los ao horizonte social. 0 programa do Construtivismo europeu encontrou aqui um ambiente e uma sensibilidade singulares. Os trabalhos de Cildo Meireles e TUnga se inscrevem no quadro de experimentalismo da arte contemporanea brasileira. Esse quadro tinha como referancias as tendencias construtivas vigentes nos anos 1950 e as tentativas pop nos anos 1960. Numa sociedade ainda insuficiente de signos de amplo reconhecimento social, a estrategia pop era estruturalmente problematica. A escolha duchampiana do ready-made, que na America era simples apropriacao pelo artista de uma imagem previamente escolhida, eleita pela sociedade de consumo, exaustivamente pasta em circulacao, aqui se tomava inviavel. As tentativas pop brasileiras encontra-

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yam essa limitacao; na impossibilidade de encontrar signos abstraidos e esgotados pelo con'sumo, ainda tentavam abordar a desigual e diferenciada realidade urbana da metropole brasileira: suas ansias e suas Dessa maneira persistia ainda um residuo de afeto, uma inevitavel sentimentalizacao, nada equivalente ao cinismo e a indiferenga pop. Penso em Cildo e Thnga como dois anistas contemporaneos brasileiros que responderam a circunstancia deixada pela crise e pelos impasses do Constmtivismo e pela inviabilidade da Pop no Brasil. Dal eles derivaram uma atitude singular, perceberam no Construtivismo nao o projeto de reforma do ambiente social ou a ortodoxia da forma, mas aquilo que o Neoconcretismo em seu limite corn Hello Oiticica propos: urn pensamento em expansao, uma forma de agir social, uma especie de politica. Deve-se acrescentar a isso a presenca do diferencial Duchamp. Em Duchamp, Cildo e encontraram nao so urn modelo de artista, mas urn modelo de pensador. Percebemos nas inconstantes e precisas intervencoes duchampianas a presenca de coerencia sistematica, urn agir que nao termina na obra, mas continua na sua insercao, na sua presenca critica. 0 outro lado de Duchamp, o construtor de uma mitologia, tambem foi decisivo. Numa sociedade em que o estatuto da arte ainda é rarefeito, ern que as marcas artisticas submergem sem deixar uma presenca vigente, cabe ao artista construir para si uma historia, estabelecer referencias para o dialog°. Assim, essa mitologia que aparece em Cildo e nao tern nada de subjetiva, é uma realidade objetiva. Decorre da incessante luta contra a fluidez cultural local. Nos trabalhos de Cildo eritinga encontramos urn sistema que se poderia chamar de

visionario, coerente e rigoroso, aglutinador de experiencia, que articula desde gestos insignificantes do cotidiano ate grandes estruturas sociais. Dal o fato de nao podermos esperar desses trabalhos imagens ilustrativas e superficiais. Eles procuram menos a superficie do que as forgas, relagoes, tensoes que estao por tras da superficie. Por isso encontramos nesses trabalhos uma situagao limite: entre a visa° e a materia.

Quem esperar a tematizacao do Brasil, a cor local, certamente nao encontrard isso nos trabalhos. 0 tema local nao esta em nenhuma representagao, nenhuma forma, nenhuma imagem; esta muito mais nas estrategias de finguagem, nas articulac5es corn o sistema da arte, no embate contra o provincianismo, contra os preconceitos. 0 tema local propriamente dito é a luta pela possibilidade da arte.

• 0 autor refere-se a exposicao "Tunga - Ilezarts' / Cildo Meireles 'though", realizada entre zo de maio e 22

de outubro de 1989 ma Kanaal Art Foundation, em Kortrijk, Belgica. [N. O.]

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

SITUAcOES LIMITE - PAULO VENANCIO FILHO

SITUACOES LIMITE - PAULO VENANCIO FILHO

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Arte em transit°

MOACIR DOS ANIJOS uma ideia de Nordeste, assim como ha uma ideia do que é ou do que faz ser nordestino. Ideas que sao menos a catalogacao do real sensivel do que um constructo ficcionalizado daquilo que tornaria este espaco distinto dos demais e a qualquer urn outro irredutivel. Realizar uma exposicao de arte contemporanea do Nordeste do Brasil implica, portanto, negociar corn expectativas sobre quais as fronteiras simbolicas que singularizariam, no camp0 das artes visuais, o que é ali produzido.' Embora possa por vezes parecer etema ou natural, a ideia de Nordeste é de pouco mais de urn seculo. Sua origem remonta a reacao politica ao desmantelamento das economias do acocar e do algodao e a busca de uma solucao para a crise enfrentada conjuntamente pelas provincias brasileiras que delas dependiam. E somente nesse momento que comeca a ruir a percepcao provincial entao vigente e que se elabora um discurso regionalista e nordestino, o qual se define e se afirma nao apenas em oposicao ao seu "outro" mais proximo — o "Sul" cafeeiro mas tambem em relacao a urn passado de suposto bem-estar e harmonia.2 E atraves desse discurso e das Kees oficiais dele derivados que se demarca o espago do que é Nordeste e se conforma uma identidade cultural nor-

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destina, a qual legitima e representa, simbolicamente, aquele espaco. A cristalizacao desta ideia de regiao se processa na primeira metade do seculo XX. Atraves de ensaistas (Gilberto Frey-re, Djacir Menezes), romancistas (Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego, Jose Americo de Almeida,' Rachel de Queiroz), masicos (Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro) e pintores (Lula Cardoso Ayres, Carybe), os habitantes daquele espaco descobrem e articulam, a partir de influencias portuguesas, africanas, holandesas e indigenas, urn legado de mitos, paisagens e memorias que lhes seria especifico e prOprio. Por meio do resgate seletivo do que individualizaria aquele espaco, essa variada producao cultural inventa os codigos de compreensao simbolica de uma comunidade e simultaneamente a eles se conforma, adquirindo urn inequivoco carlter regional e fazendo corn que o Nordeste se perceba e se apresente como nordestino. Ainda que fisicamente dispersos e distintos em quase tudo, os habitantes dos seus mais distantes recantos constroem urn lugar simbOlico comum e passam, gradualmente, a se imaginar como pertencentes a uma comunidade anica. Por sua forca imagetica e apelo telarico, este ideario informou, por muitas decadas, a major parte da producao cultural do Nor-


deste brasileiro, dotando-a de forte sentimento de localizacao no mundo, de identidade entre pares e de alheamento voluntario a tudo que passasse ao largo de suas referencias mais cams e pnlodmas. E a essa forma identitaria regionalista esta intimamente associado o conceito de tradicionalismo, o qual expressa impermeabilidade a informagi:5es que violem ou questionem imagens e ideias estabelecidas antes do tempo da me/mina; imagens e ideias que sac) confirmadas e comunicadas de uma a outra geragao. Esta preocupagdo em fixar o que seria definidor do carter nordestino resultou, no campo das artes plasticas, numa produgao centrada na organizacao de paisagens, tipos e icones que sintetizariam, em termos visuais, o que e prOprio a regiao. A construgao desta visualidade esteve desde o inicio, entretanto, eivada de interpretacoes conflituosas sobre o repertorio de imagens que efetivamente distinguiriam simbolicamente o Nordeste: se alguns artistas assumiam, em seus trabalhos, urn torn celebratario de cores, formas e gentes encontraveis naquele espago, outros utilizavam imagens e cenas comm-is da regiao como indices das precarias condicees de vida de seus habitantes.3 0 que aproxima essas visoes distintas é o desejo de representar, atraves de uma figuragao fortemente apegada ao mundo sensivel, um territ6rio perfeitamente definido e ayesso a contaminacoes. Apesar do enunciado regionalista ter-se impost° como padrao dominante no universo cultural nordestino, alguns artistas pigsticos deram mostras, atraves das fissuras presentes naquele discurso, de como reinventar-se a partir do encontro corn o "outro" e do estranhamento diante do que lhes parecia novo. Vicente do Rego Monteiro foi urn dos primeiros a elaborar, ainda na decada de 304

uma fusao entre o apego a tipos e motivos regionais e a necessidade de dialogar corn as experimentagees artisticas em curso no mundo. E tambern da mesma epoca a reconstrugao onnica, surgida nas aquarelas de Cicero Dias, da paisagem e dos tipos dos canaviais de Pernambuco, aproximando sua obra do movimento surrealista. Ao inves da condenacao do ex6geno, estas estrategias artisticas pretendiam tal como as dos modernistas brasileiros que lhes eram contempofaneas articular nativism° e informacoes estrangeiras, tecendo um espago simbolico miscigenado que conferiria identidade a producao cultural do Pais. E possivel, todavia, identificar nas estrategias desses artistas (incluindo os modemistas) a busca por uma legitimidade plastica atraves da absorgao - mediada por uma imagistica local - do paradigma modernista europeu, em boa medida ancorado na nogao de autonomia do campo artistica.; Tanto os modos regionalistas de representagao quanto a idea de uma axle autonoma iriam ser questionados e desmontados nas Ultimas decadas do seculo XX. A intensificagao do fluxo internacional de bens simbalicos que marca este periodo faz cornprimir o tempo e o espaco em que se desenrolam acao e pensamento, flexibilizando as fronteiras que apartam lugares distintos e provocando a proposigao e a permuta incessantes de posig5es diferentes- de mundo. Ainda que os locals de vida permanegam fixos, os espacos vividos, nos quais se articulam e se criam os produtos culturais que registrant a individualidade de grupos, sofrem um processo de permanente desterritorializac5o e estranhamento, de desmanche da geografia e da distensao temporal especfficas em que se fundam e se afirmam sistemas de representag5o.5 Atraves da pro1920,

gressiva introduguo de ruidos e impurezas no ate entao bem-definido campo da arte moderna, a arte contemporfinea questiona e relativiza, por sua vez, o interesse all nutrido pelas caracteristicas puramente formais do objeto artistica; deixa-se contagiar pelo imaginario da cultura popular e de massa e passa a fundar-se tematica e materialmente - em quest5es relacionadas mentia e a vivencia do artista. 0 contato e a colisao entre discursos e imagens diversos sobre o mundo - somados a liberdade estilistica e de assunto conquistada pelos artistas - tern gerado, a despeito daquelas mudangas, respostas de afirmacao ou reconstrugao identitaria e desenvolvido urn generalizado fascinio pela diferenga. 0 resultado mais paradoxal da intensificacao dos fluxos mundiais de informagdo tern sido, de fato, o de frustrar quaisquer expectativas de homogeneizagao de culturas e de fraturar a nog5o, implicita no ideario modemista, de hierarquia entre elas; familiariza o mundo, ao contrario, corn uma ambiente cultural complexo e diversificado, instituidor de uma nova e ampliada cartografia da producao e circulagao simbalicas. E preciso atentar, entretanto, para o risco de que o interesse pela diferenga cultural seja reduzido meramente a uma atragao pelo exotica esvaziando o que de mais proficuo pode haver no confronto entre distintas forrnas de vida provocado pela globalizacao da cultura: o abandono da arrogante prerrogativa, ate entao detida pelas regthes "centrais", de estabelecer modelos de representagao simb6lica para aqueles situados a sua "margem". 6 Cabe aos produtores de bens culturais das regioes "perifericas" evitar ser desse modo apreendidos e consumidos pelo olhar do "outro", impondo-lhe a igualdade dos diferentes e assumindo a na-

tureza sincretica, tensa e transacional de suas culturas, irredutivel tanto a urn passado idealizado quanta a modelos acriticos de modernidade. Pensar a identidade nordestina neste contexto requer, portant°, considerar as formas especificas de integragao/reagao ao processo de globalizagao cultural elaboradas pelos que produzem bens simb6licos no Nordeste do Brasil; é deles a responsabilidade de problematizar e recriar sistemas de representacao que nao mais conseguem traduzir modos de vida compartilhados pela comunidade da qual fazem parte. A partir de iconografias, mem6rias, materiais e procedimentos fincados nas suas experiencias reais e imaginadas de Nordeste, artistas plasticos nordestinos - residentes ou nao em suas terns nativas - tern esbogado maneiras proprias de lidar corn o sombreamento dos finites arbitrarios daqueles sistemas, criando discursos que continuamente trafegam entre os varios espacos e tempos em que sao instados a viver na contemporaneidade. Atraves de suas obras, a cultura regionalista se amolece e se redefine como o conjunto de modos individuais de enunciar embates e negociagoes entre lugares simbalicos diversos que se comunicam e se tocam. A regiao deixa gradualmente de ser um territorio "fechado" sem que isso implique que seus artistas recusem o cotidiano habitado em favor de uma afiliagao a cadigos criados em outros espacos! A ideia do que é ser nordestino passa a ser tecida, assim, sobre urn delicado e complex° mapa de influencias reciprocas e de permutas corn outras culturas; e é de alguns desses artistas "liminares" que trata a presente mostra. 8 A exposigao n5o pretende oferecer uma representacao simbolica perfeitamente de-

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lineada do que é hoje o Nordeste, o que equivaleria a propor uma alternativa identitaria rigida para urn espago moltiplo e em construed° perrnanente. Busca dar visibilidade, ao contrario, a urn conjunto de proposigoes esteticas que, embora marcadas pelo que proprio aos locais de onde se enunciam (por exemplo, o apego a figura, a religiosidade latente, a artesania, o uso de materias cruas), terminam por destes desprender-se e, em transit° constante, alcangar ainda outros lugares e momentos. Sao trabalhos que, cada qual a seu modo, fazem do Nordeste um territOrio movente imerso numa temporalidade que se contrai e distende. Sao trabalhos criticos que desmontam a ideia de regide como alga imutavel e que reconstroem suas fronteiras como espagos de trocas. Sao trabalhos que, ao constantemente reinventar formas de expressao e de vida, parecem afirmar que nao ha somente urn Nordeste, mas muitos. Uma exposiedo de artistas nordestinos formulada a partir do Nordeste tambem exerce o importante papel de inverter o sentido hegemonico em que corre o fluxo de informacoes sobre as artes visuais no Pais, sempre mais volumoso da Regiao Sudeste para os demais espacos regionais do que no sentido oposto. Por estabelecer re}noes fisicas e simbOlicas entre lugares distintos do Nordeste, presta-se tambem a adensar a rede de comunicagOes entre cidades e estados que, apesar da proximidade geografica, normalmente ignoram o que se produz nos espacos que os avizinham. A exposicao, neste sentido, busca reduzir o

carter assimetrico das trocas culturais feitas no Pais, baseadas mais em relacoes radiais a partir dos "centros" do que transversalmente entre espaeos da "periferia"; procura, desta forma, conectar "zonas de silencio".9 A mostra, por fim, nao reivindica que a configuracao simbolica que emerge da natureza hibrida da colegao de obras expostas seja a Unica capaz de abarcar a multiplicidade de informagoes corn as quais os artistas plasticos nordestinos confirrnam o'Nordeste como urn participe da complexa e impura heranga cultural do mundo. Ela 6 apenas uma possibilidade de enunciagao da natureza diversa da produgao cultural nordestina contemporanea: outros Nordestes existem e podem ser idealmente tambem mostrados de forma legitima. A inviabilidade de mostra-los todos (ou ao menos mais alguns) deve-se nao apenas ou principalmente a limitagoes de espago expositivo, mas ao fato de que tambem a curadoria da mostra — tal como a produgao dos artistas — se faz a partir de uma compreensao especifica de urn territOrio percorrido. 2° E este ponto de vista restrito, porern ünico, que cla algum sentido de conjunto a trabalhos — a seguir discutidos — que narram as exploracaes subjetivas, particulares e irredutiveis de seus criadores; 6 este olhar que busca e sugere, no local de exposigao, as maneiras que obras se rogam ou se afastam, tecendo mapas simMicas que registram o cruzamento de culturas num certo lugar e tempo. Outros curadores, obviamente, tornariam outros Nordestes visiveis.

2. PENNA, Maura. 0 que faz ser nordestino. S5o Paulo, Cortez, 1992. 3. ALBUQUERQUE JR., DurvalMuniz. A invenctio do Nordeste e outra artes. Recife, Massangana / Sao Paulo, Cortez, 1999. 4. CANCUN!, Nestor Garcia. Culturas Hibridas. Sao Paulo, Edusp, 1997. 5. HALL, Stuart. A identidade cultural na pos-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 6. RICHARD, Nelly. "Postmodem Decentrednesses and Cultural Periphery :The Disalignments and Realignments of Cultural Power", in Gerardo Mosquera (ed.) Beyond the Fantastic. Contemporary Art Criticism from Latin America. Cambridge, MA, The MIT Press, 1996. 7. Sobre os conceitos de regiao aberta e regiao fechada, ver TRABA, Marta. Duos Decadas Vulneniveis nes Artes Plds-

ticas Latino-Americanas 1950-1970. Rio de Janeiro, Paz e Terra, r977. 8. Segundo o critic° Roberto Pontual, esta já era uma Caracteristica da producao de urn significativo conjunto de artistas do Nordestes na decada de 1980. PONTUAL, Roberto. "Da Figuracao a Construcao", in BR So. Pintura Brasil Decada So (catalog° de exposicao). Sao Paulo, Instituto Cultural Rau, 1991. 9. MOSQUERA, Gerardo. "Some problems in transcultural curating", in Jean Fisher (ed.), Global visions towards a new internationalism in the visual arts. Londres, Kala Press/The Institute of International Visual Arts, 1994. to. Sobre o curador como cartografo, vet MESQUITA, Ivo. "Cartographies", in Cartographies, Winnipeg Art Gallery (catalog° de expzic5o). Winnipeg, CA, 1993.

Notas x. Algumas das ideias contidas neste ensaio foram anteriormente tratad as pelo autor no texto Quinze Notas

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sabre Identidade Cultural no Nordeste do Brasil Globalizado. Cadernos de Estudos Socials, 14 (1), 1998.

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Chat Mostra Rio Arte Contemporfinea Luiz Camillo Osorio para Lisette Lagnado

LISETTE LAGNADO

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a diferengas entre os circuitos de arte carioca e paulista? Parece-The interessante discutir estas diferengas? Vejo diferencas entre os circuitos de arte carioca e paulista, questa° que vale uma refiexao rapida, uma vez que estes concentram a maioria das inscricfies e selecoes nesta Mostra Rio Arte. "A pertinencia da tua pergunta, Camillo, consiste em centrar o foco no circuito de arte, pois lino hi major tolice do que procurar estabelecer comparacoes entre a producao estetica de diversas regi6es. Nao nego a existencia de especificidades culturais, mas é impossivel sustentar afirmacfies do tipo "a paleta das pinturas da Casa 7 a mais sombria do que as telas coloridas pintadas sob a exuberancia da paisagem do Rio de Janeiro"! — comentario ventilado nos anos 8o durante a chamada "volta a pintura". 0 grande ganho, nos Ultimos anos, é queo eixo Rio—Sao Paulo nao é mais hegernonico. Mesmo assim, essa presenca prevalece. 0 ponto que me interessa, na formulacao da tua pergunta, diz respeito as formas de circulacao do trabalho artistico. Isso abrange notadamente ties instancias, sem as quais etimpossivel uma cidade formar um corpo de artistas: o ensino da arte, as revistas e os espacos institucionais. Todo processo de selecao, como o que ocorreu na Mostra Rio Arte, implica a avaliagao do

percurso formativo do artista. Cabe insistir neste ponto: a recorrencia de uma cidade nos envios de projetos esti forgosamente ligado a existencia de focos de formacao do artista. Uma analise "grosseira" do eixo Rio/Sao Paulo revela a seguinte situacao: a importanciado Parque Lage, por urn lado, e a afluencia de artistas saidos da Fundagao Armando Alvares Penteado (FAAP), por outro. Nada se cornpara a experiencia de convivancia corn arilstas mais consagrados, proposicao da escola do Parque Lage, hoje ameacada de ser desalojada, mais um trabalho de demolicao de qualquer esforco de tradicaci. Em Sao Paulo, contudo, a curta e "nao-oficial" existencia da escola do terceiro andar, dirigida por Eduardo Branclao, tern mostrado resultados inegaveis quando se avalia a inddencia da linguagem fotogrifica nos artistas contemporaneos. As revistas, agora. Publicacoes especializadas que tentaram uma sobrevida em Sao Paulo olharam, corn excecao talvez da revista de manufatura quase artesanal Arte em S. Paulo, para modelos referenciais exteriores. Procuram realizar o sonho de ter, entre n6s, uma Flash Art ou uma Art News, para citar apenas dois exemplos evidentes. 0 que significava isto? Significava acompanhar regularrnente a programacao das galerias e dos museus, corn urn artigo sobre as exposicees em destaque, e recorrer as "resenhas", cujo objetivo consistia em refletir o panorama


artistico em sua quase totalidade. Essa Iinha editorial foi seguida durante alguns anos, notadamente pelas revistas Galeria e Guia das Artes Pldsticas (caberia aqui apontar a estreiteza de suas propostas já ma escolha de seus nomes). A ansiedade de acompanhar a programagao artistica fazia parte de uma politica comercial tosca de conseguir a manutencao da revista por meio de amincios e estes, por sua vez, nao seriam possiveis se a revista nao disponibilizasse algumas paginas "em troca". Nao eram materias pagas, no sentido mais vii do negocio, mas urn acordo tacit° entre galeristas e editores, que convidavam praticamente todos os.criticos em atuagao para partilharem, segundo afinidades esteticas, a pauta do momento. Este formato nao vingou por muitos motivos, mas principalmente porque o mercado de arta nao teve condigoes de "patrocinar", mediante anancios regulares, uma tentativa de reflexao sobre arte. A saida seria captar antincios fora do circuito especializado, pois este era incipiente e ate mesmo ignorante da importancia de uma revista para a vitalizagao da producao artistica. Assediar bancos e produtos de alto consumo, como automoveis, gerou urn circulo vicioso extremamente desgastante: sem as paginas em quadricomia e urn texto "acessivel", o grande anunciante dava as costas a iniciativa editorial. Felizmente, essa mentalidade encontrou um meio mais "altemativo". Iniciativas corn major liberdade, em termos de circulagao artistica, se encontram justamente numa distancia salutar corn o mercado. 0 Rio de Janeiro nao tern galerias "fortes" como Sao Paulo, o que nao impede as galerias paulistas de representarem artistas cariocas, mas, em compensagao, produziu verdadeiros ni-

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chos de atuagao a margem do mercado e demonstrou que é possivel implantar formas de resistencia a nientalidade capitalista. As revistas Item e Arta & Ensaios (do Programa de Pos-Graduacao da UFRJ) sao otimos exemplos de espagos pan o debate critico. Por outro lado, a informalidade e o cardter experimental de organismos dirigidos por artistas, como Agora e Capacete, conseguiram urn raro desempenho na circulacao de ideias, produzindo folhetos simples e baratos, recuperando o charme da velha imprensa off set. Importante é que cumprem a funcao: deixar Urn registro da produgao sem levar o organismo a falencia. Penso que faltou, ate agora, a vida de Sao Paulo o "descompromisso" de uma iniciativa sazonal (que exp5e quando pode), a despretensao da qualidade grafica, alguma coisa da utopia comunitaria. Creio poder afirmar, sem cab no alcapao das analises sociologicas, que essa desobrigagao, interpretada pelos paulistas como "falta de profissionalismo", gerou outras poeticas de trabalho. A situacao esta mudando, corn a mobilizacao de artistas paulistas em Kees rapidas, uma casa, urn fim de semana, por exemplo, pouco ou nenhum dinheiro. Considero isso urn alento quando se anteveem as estragos da globalizagao. Outra caracteristica marcante reside na atual dissolugao de fronteiras entre as atividades do artista, do critic°, do curador e do editor. E cada vez mais comum ver estas fung5es reunidas e confundidas, embora R. Mutt já tivesse sinalizado esses novos tempos no inicio do seculo zo. A perda das categorias é uma conquista (cf. o "exercicio experimental da liberdade"). 0 que nao redime tal iniciativa dos julgamentos eticos que acompanham qualquer exercicio de profissao.

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Bolsa Pampulha: o meio e a formasao do artista hoje LISETTE LAGNADO

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oda decada quer produzir sua efemeride. Ate os anos 1970, o relato historic° (da arte, do cinema, da mnsica e da literatura) avanga por meio de "manifestos". Ao lado destes, declaraciies publicadas na imprensa ou exposigoes tambem cumprem a fungao de apontar, divulgar e patentear ideias que tenham um carter de arrojo e destemor do futuro. A America Latina foi particularmente proficua nesse genera: escritos que tern datagao e local, mas que nem sempre ficaram "datados" e logo continuam interpelando nosso conhecimento tao parcelado do presente.' 0 tom ardoroso é a sua marca registrada, o que lido os isenta de lancar diretrizes objetivas. Esses documentos dao estrutura a urn acontecimento - e a uma "intriga" tambem, diria Paul Veyne - que precisa ser minimamente referenciado. Isso pode da mesma forma ser verificado no Brasil, onde a modemidade foi construida corn textos portadores de uma aspiragao coletiva que propunham inaugurar o "novo": -Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade (1924); Manifesto Antropolago, de Oswald de Andrade (1928); Manifesto Ruptura, de L. Charoux et al. (1952); 0 Objeto, de Waldemar Cordeiro (1956); Plano-Photo para Poesia Concreta, de Dacia Pignatari, Augusto e

Harold° de Campos (1959); Manifesto Neoconcreto (r959) e Teoria do Noo-objeto (1960), ambos de Ferreira Gullar (1960); Uma Esterica da Fome, de Glauber Rocha (1965); ate as experi'encias multidisciplinares de Flavio de Carvalho, notadamente a Experiencia n° 2, de 1931, nos elucidam muito a respeito do cornportamento individual e das massas (as ideias de Deus e de patria, processos de fetichismo, vestuario e totemismo politico).' Somente da lavra de Hello Oiticica, ha centenas de artigos, outra centena de cartas e, dentre esse repertorio privilegiado aos olhos do pesquisador, pelo menos meia dnzia de textos imprescindiveis pan compreender o estado da cultura brasileira: Bases Fundamentals para uma Definigdo do "Parangole (1964); Posigilo e Programa (1966); Esquema Gem! da Nova Objetividade (1966/67); Aparecimento do Supra-Sensorial na Arte Brasileira (1967); Crelazer (1969); Brasil Diarreia (1970). Nosso elenco para em 1970, o que nao quer dizer que estamos apartando o momento atual de uma reflexao pnblica. Sistematizar ideias é uma pratica permanente, mesmo que o artista tenha abandonado o costume de redigir as tais "manifestos." Os usos do discurso mudaram de suporte e de contend°. Como as artistas se organizam hoje para valorar sua produgao? E, depois, quais


sao as possibilidades de formacao e de in- a menor garantia. No Renascimento, a e>mesercao do trabalho criador na .sociedade riencia mais rotineira de conduzir o conhemoderna e capitalista, tal como a lemos de- cimento era feita por interrnedio de um propois de Foucault e Negri? , fissional, o chamado "mestre". Se, no atelie A ressonancia dessas idiossincrasias renascentista, o aprendiz era instruido a pode set lida nas entrelinhas do edital ela- completar o trabalho de seu mentor, o mesborado pan a Balsa Pampulha. 0 edital traz tre competente de hoje é aquele que consepelo menos tres questoes de alta voltagem gue levar o discipulo a urn uso mais livre do para o debate contemporaneo: da parte do saber adquirido. critico, em que consiste o processo de orienDepois das vanguardas do inicio do setagao?; da pane do artista, em que consiste cub 20, nao é mais possivel sustentar a ideia fixar residencia em Belo Horizonte por urn de "continuismo" e de suas indefectiveis ano?; da pane do momenta da arte, o que os manobras para assegurar a permanencia de artistas contemporaneos procuraram evi- urn estilo consagrado. De ruptura ern ruptudenciar? Nao ha como iniciar essa analise ra, chegamos ao "fim", ou seja, a dificuldade sem antes registrar que esse formato de de manter ideas dogmaticas (a "tradicao", substituicao de Salao tern um saldo posit- nas palavras de outrem) e, portant°, cada vo inedito para uma primeira experiencia: "fim" é "mais urn". 0 que equivale a dizer, em nao somente vem inspirando outras inicia- casos felizes, que todo "fim" inicia algo. Essa tivas institucionais corn caracteristicas simi- capacidade de multiplicacao pode set enlares como ja propiciou a pane do grupo de contrada em "pares" de mestre/aluno que bolsistas uma repercussao respeitave1.4 contradizem a positivismo logic() da hist6Urn amigo meu, afeito a desaprovar as ria e geram ruidos diante de uma suposta rumos da arte contemporanea, conseguiu "descendencia" do estilo matricial: Guignard me provocar ao emitir urn julgamento de- e Ibere Camargo; Ibere Camargo e Regina Silpreciativo que reproduzo aqui pan comen- veira; Regina Silveira e Ana Maria Tavares; tido: "Artista que e artista nao precisa de Ana Maria Tavares e Sandra Cinto. Entretanacompanhamento." A sentenca ficou marte- to, é curioso observar que, se a ocupacao eslando em mim durante a segunda fase de pacial de Sandra Cinto difere diametralvisitas aos atelies. Pois sim: o que urn critico mente das liceies de seu "guia" mais proxiteria a trazer sena° problemas alheios a cri- mo, é no primeiro elo da cadeia que um liagao artistica? rismo tardio acaba ressoando, algo como urn Ate ha pouco, o autodidatismo nao era a gene recessivo de Guignard que teria enconnorma? Para citar urn caso exemplar, toda a trado "outro" corpo. experimentalidade de Mira Schendel passou A primeira edicao da Balsa Pampulha muito mais pot suas leituras filosoficas do tampouco mimetizou o modelo mestre/puque pela aplicacao de tecnicas de desenho, pilo quando estipulou que os "tutores" — e pintura e escultura. Certos artistas forjam esse termo tornou-se cada vez mais comum sua /Atria por fora da esperada curva de nos ambientes acadernicos anglo-saxiies — aprendizado. A que margem teria pertenci- de cada bolsista nao seriam escolhidos endo Raymundo Calm-es? De fato, dedicar-se a Ire artistas mais "maduros", mas entre proestudos relativos as belas-artes nao fornece fissionais que atuam na area da critica. Como 312

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interpretar essa proposta? 0 que teria acontecido corn o dialog° artista/artista? Nao se pode ignorar o fato de que as antigas "cartas de recomendacao" foram substituidas pelas relaccies interpessoais entre artista e critico-curador. A atmosfera era outra, conforme lemos nestas linhas de Ibere Camargo. "Cheguei ao Rio em 1942, num daqueles vagarosos aviöes da Condor. Meu cicerone e introdutor foi Augusto Meyer, para quem levei uma carta de apresentacao do meu fraternal amigo Decio Soares de Souza. Na noite de minha chegada, sua mulher, Sara, simpitica e inteligente, me conduziu a casa de Portinari. Mostrei-lhe, entao, alguns desenhos e urn pequeno oleo que levava como apresentacao. "Esta na hora de mudar", foi mais ou menos o que disse, coma um gesto de mao, coma a indicar um rumo. Desconcertado, passei a olhar seus quadros. Como eu nao dissesse palavra, perguntou-me se gostava: "Nao", foi minha resposta. "Entendo", redargiiiu. "Tambem eu, quando cheguei a Paris e mostrei meus desenhos de academia, sorriram. Desconfiado, suspeitei que me quisessem confundir, empulhar", coma disse. Como sabemos, ele voltou modemo da Europa. Devo, porem, a Portinari uma valiosa indicacao: Guignard, corn quern fundamos o grupo que levou seu nome".5 0 artista ainda narra que veio a saber "da boa referencia que (Lasar Segall) me fez em carta a Guignard, recentemente publicada" 6 e prossegue: "Acho importante, para o jovem que se inicia, ter o acompanhamento de urn mestre. Isto encurta o caminho. Criamos o Grupo Guignard para estudar cam liberdade, sem o rang() academia). 0 grupo acabou pot haver chegado a hora de desmamar o terneiro."7

Apesar dos males do ensino das artes visuais na universidade e do "rang) academico" sempre invocado, nao se pode desprezar a importancia que artistas-professores exercem no ambito da sala de aula. Quando nao ocorrem na universidade, as orientacties costumam ser feitas na informalidade de um atelie de prestigio, fenomeno que tangencia o ensino particular. Em cada caso, os inconvenientes sao os mesmos: os freqiientadores podem usufruir dos cursos coma simples diletantes ou revelar-se talentos em potencial. Analisar o dossie de urn candidata exige que se leve em consideracao uma serie de informacoes incompletas ou precarias, pelo simples fato de que se trata de uma trajetoria em puro devir. Na minha opiniao, esse trabalho poderia ser completado mediante uma entrevista individual, que pode esclarecer dirvidas de ordem subjetiva. Nessa comunicacao dissimetrica, Blanchot explicita que a "distancia do aluno ao mestre nao é a mesma que a distancia do mestre ao aluno." 8 0 autor chega a se referir a uma relacao de "exorbitancia" quando trata de abordar o "desconhecido", sem contudo o despir de seu carter de "estranheza": "0 mestre nao deve, portanto, ser destinado a aplainar o campo das relagees, mas a perturba-lo; nao deve facilitar as caminhos do saber, mas, antes, torna-los nao somente mais dificeis mas indestrincaveis; é o que a tradicao oriental do contrale mostra bastante bem". Como estar em condicoes para desbravar, junto corn o "bolsista", incertezas ainda vitais para a sua busca — excluindo, bem entendido, as de ordem existencial ou psicolOgica que devem ser tratadas em outro campo? A quem deve o artista em formacao expressar seu ceticismo diante do material, da escala ou da montagem? E para detalhes desse ga-

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barito que a atencao do interlocutor é chamada a comparecer. Talvez, alem de fornecer uma bibliografia de apoio (que tanto pode ser o nome de urn fotografo coma urn romance)9, alem de evidenciar afinidades entre o que esta sendo proposto e o que a histoxia já cansou de ver, talvez uma das mais secretas aptidees do "orientador" seja mesmo a escuta e a pontuacao do discurso do outro. De repente, o critic° se ve projetado no lugar de um "arte-analista". Ha muitas similitudes envoivicias entre o critico empenhado na tarefa de acompanhamento e a psicanalise: em ambos os casos, ha uma tecnica e urn conhecimento em agao; em ambos os casos, ha um processo de descoberta que, mesmo vindo de fora, so tern validez se vier de dentro e puder soar como "de si proprio;" em ambos os casos, ha uma impossibilidade de concluir o processo de aprendizadoi° Em suma, ern ambos os casos, é preciso de uma transferencia de base, feita a partir de uma sensag5o de insuficiencia de si. Portanto, respondendo a meu amigo, eu digo: "0 artista pie sabe de si, nao importa se jovem ou velho, nao precisa de orientagno." Nessa mesma obra fenomenal de Elanchat, toda voltada para a experiencia da palavra escrita e falada, em diversas situacees que v5o da religi5o ao ateismo, alem do capftulo mencionado antes acerca do ensino do pensamento na universidade, ha mais adiante algumas paginas preciosas acerca da "palavra analitica", cujo inicio já é uma sintese em si: "Pensando em Freud, nao temos drivida de termos tido nele uma reencarnagao tardia, 'oltima talvez, do velho Socrates. Que fe na raz5o. Que confianca no poder libertador da linguagem. Que virtude concedida a mais simples relacao: urn homem que fala e um homem pie escuta"." 314

turn sintoma de- nossos tempos que acompanhamento dos 12 bolsistas tenha sido feito por urn profissional da area da critica. Alem de sua idoneidade moral e emdigao intelectual, o critico proporcionou uma prerrogativa que nem mesmo o artista "assentado" as vezes consegue, ou tern vontade de, garantir a seu "aluno": a insercao no circuito profissional. Afinal, este é o objetivo Ultimo. Como escreve Rainer Rochlitz, em publicagao controversa, esses "julgamentos criticos sac) impacientemente esperados pelos artistas, para quern tais veredictos tern importantes conseqiiencias pessoais e economicas."" 0 criticoorientador acaba colocando no mercado (em galeria ou curadoria) o talento que the parecer promissor. 0 que pouco se discute é que a atividade artistica sofre ate agora as conseqiiencias de sua condigao excentrica, traduzida em "culpa" de pertencer execrada "indUstria cultural", quando deveria ser reconhecida como trabalho no mundo da produg5o econamica. A longa citacao de there Camargo coloca o Rio de Janeiro como "capital politica e intelectual no Brasil" no periodo dos anos 1940 aos anos 1960, aproximadamente. E para la que Lygia Clark se muda de Belo Horizonte e estuda corn Roberto Burle Marx (1947). No entanto, se for contabilizada a excelencia dos artistas nascidos em seu solo, o Estado de Minas Gerais ocupa urn lugar de destaque. Nao conseguiu, contudo, formar urn polo de interesse suficiente para guardar a riqueza de seu celeiro criativo. Sem fazer dessa afirmagao uma identidade redutivel a geografia fisica, o proprio Museu da Pampulha, na gest5o do curador Adriano Pedrosa, teve a acuidade de acolher exposicoes de artistas de origem mineira para operar urn "mais-que-necessa-

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rio" desvio de interpretacao: Minas nab é redutivel a chamada "elegancia formalista" nem ao artesanato barroco.' 3 A ideia de atrelar a balsa uma residencia em Belo Horizonte corresponde entao a uma clara necessidade de fomento de urn contexto institucional. 0 forasteiro que decide conhecer a produgao de Belo Horizonte passa necessariamente por referencias que, por motivos ainda misteriosos, permanecem como guardias de uma ideia abstrata que responde a expressao "imaginario mineiro" 14: Amflcar de Castro, Celso Renato e Marcos Coelho Benjamim — leia-se urn construtivismo feito de ferro ou de tapumes de madeira, enfim urn gosto pronunciado pela materia. Ora, sempre me chamou a atencao o fato de duas agoes bastante consistentes terem ocorrido em Belo Horizonte sem o devido alarde para o desenvolvimento do meio local. A primeira delas aconteceu em 1956: Lygia Clark profere uma conferencia na Escola Nacional de Arquitetura onde ressalta sua crenga na fusao entre arte e vida, estendendo essa reflexao para o ambiental.'s Sua conceituag5o da "linha organica" surge portanto no contexto de alunos de, arquitetura, paisagismo e urbanismo, incitando a pesquisa de "linhas de portas, emendas de materiais, de tecidos etc., para modular toda uma superficie". A segunda costuma ser referida com o nome Do Corpo a Terra (1970)1 6 e reuniu, sob a curadoria de Frederico Marais, uma serie de procedimentos inovadores, a saber "pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados nu° para expor obras ja concluidas, mas para criar seus trabalhos diretamente no local"; a instalacao de "trabalhos em locais e horarios diferentes, o que significa dizer que ninguem, inclusive os artistas e o

curador, presenciou a totalidade das manifestag5es individuais"; o "carter efernero das propostas"; uma "divulgagdo feita pot meio de volantes, distribuidas nas ruas e avenidas" de urn critico de arte "simultaneamente como curador e artistaftri Essas condigoes foram determinantes para Artur Barrio espalhar trouxas ensangiientadas contendo ossos e came, remetendo aos desaparecidos na ditadura militar, assim como o foi para a queima de galinhas vivas por Cildo Meireles ern Tiradentes: Totem-Monumento ao Preso Politico. Ambos provocaram protestos e a interveng5o da lei. De algum modo, tanto o conceito de "Iinha organica" como a ocupacao ambiental, caso fosse necessario eleger um aspecto preponderante para tentar compreender a vontade dos 12 bolsistas da Pampulha, sac) as caracteristicas proeminentes: cada um deles, ern algum moment° da elaboragao de seu projeto, procurou responder a arquitetura de Oscar Niemeyer, ao antecedente historic° do Museu como cassino (lugar de jogo e de divers5o) e a sua relagao corn a paisagem. Corn isso, a primeira leva de "residentes" fixou seu interesse no espago, ativando varias linhas de potencialidade: o sofa°, a boate, os banheiros, as arvores do jardim, a lagoa. Cada urn, a sua maneira, deixou-se impregnar por esse conjunto de signos. 0 que me parece interessante frisar é que nao se pode qualifica-los, como seria o caso justamente em 1970, dentro da "critica institucional". As pegas nao foram feitas pan o Museu mas a partir do Museu. Nem Gordon Matta-Clark, nem Robert Smithson: a necessidade de resposta se concentra no mais proximo "alai" (Belo Horizonte) e "agora" (a presenga de Niemeyer por todos os cantos do Brasil). 0 caso mais extremo se encontra no Concursoi8 (eis uma nova tipologia de

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"manifesto", sob outra roupagem), organizado por Matheus Perpetuo, urn dos 12 boIsis tas da Pampulha. E corn essa infield° de inspiragdo poetica e politica que eu gostaria que o artista continuasse a conceber-se como "individuo total" ou como "produtores associados", cuja reflexdo deve, mesmo que numa microescala, propiciar uma reintegraea° entre interesses individuais, vida social e administracao publica. Oi Lisette Fiquei urn tanto triste quando soube que voce ndo mats viria. 0 clima das exposiccles no museu td tao gostoso, nit° sei te explicar, td tudo parece que arejado, sei Id. A exposictio do concurso ta a coisa mais linda, terminamos a monta gem ontem de madrugada, so vendo para entender. you te mandar umasfotos da mostra do concurso, queria ate conversar corn voce, deu ttio certo a coisa toda, os projetos de vdrios lugares (Manaus, Santos, Barcelona, Cam pinas, Rio de Janeiro, Recife, BH, Silo Paulo, Juiz de Fm -a, Taguatingua, Brasilia), cada urn de um jeito diferente, alguns participantes alio ate vir pra olha so pie legal. Eu to corn a cabegafervilhando corn o sucesso do concurso: as pessoas responderam a uma proposta urn pouco complexa, a de projetar urn museu (o que envolve uma pesquisa, uma vontade e urn tempo de dedicagtio que ntio é curto) pra substituir urn futuro projeto do Niemeyer. E o resultado disso tudo td bem estranho, porque now exposigeio de arte nem de arquitetura. Ainda niio sei dizer, to ate pensando em inventar urn conceito pra isso. E isso moga, quando te mandar as fotos a gente conversa mats. beijo Matheus [Rocha Pitta]

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2 1/I 2/2003

Oi Lisette Acho que é antes uma prdtica do qua propriamente um conceit°. Sara [Ramo] e eu andamos discutindo muito questoes polfticas em relagdo ao artista etc. Opal dela, por exemplo, adia qua devemos formar urn sindicato. A Cris ICristina Ribas], por sua vez, cre numa aproximagdo entre artista e public° via reuni5es etc. Eu sempre hesito em tomar qualquer posted°, vc sabe, essas coisas stio muito, muito dificeis para uma andlise simples. Mesmo assim nossa cabega vive sendo martelada por isso. Um dia Sara virou pra mim e disse o seguinte: "Ou eu critico a instituted°, fago disso o meu trabalho ou deixo isso de lado e prossigo via minha pesquisa sem me aborrecer". Isso eu concordei, mas achei legal porque evidencia uma perspectiva de pie tudo o que o artistafaz tern pie ser arte, eis uma bela pergunta, por pie quando urn artista resolvefazer urn ato polftico, critica, isso tern que ser estetizado? Eu ndo acredito em critica institucional por causa disso. Eu acho pie a politica deve ser exercida pelo artista, par todos, all, fete-a-tete corn a instituictio, sem precisar pie isso se transforme num trabalho. 8 quase urn problema de economia, me parece pie uma mais-valia é emprestada a critica quando esta entra via economia das instituigoes, sistema, sei Id o pie da arte. Clara que isso não esvazia a critica, mas talvez ela fique hem amortecida. you tentar arriscar um salto, talvez a critica/politica seja algo bastante abstrato (no sentido de imaterial), talvez quando ela se materialize, se reduza ern uma figura (seja ela o artista ou a obra) ela perca essa virtualidade, esse poder de ser uma coisa aberta. Born, quando te falei pie minha cabega tava meiofervilhando corn o concurso era urn pouco por causa dessas questoes.

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Teve uma moca via abertura da mostra que achou o concurso urn absurdo inconstitucional. Pra ela um concurso tern qua ser promovido pelo Estado, ou, no minima, passar par aprovaedo do mesmo. Alguem (acho qua era urn curador, neio me lembro) rapidamente tranquilizou-a, dizendo pie aquilo era uma "licenga poetica" dos bolsistas, urn "concurs° de carter conceitual"; ent5o a moga se acalmou. Essa cena foi muito engragada, fiquei muito orgulhoso, deu certo. Mas o pie a =ea disse achei seri°, fica parecendo que qualquer coisa de airater public° tern pie ser realizado pelo Estado. Dal me pergunto: existe algo public° sem o Estado? Ou devemos perguntar, existe o Estado sem algo pUblico? 0 que é public° deve ser institucionalizado? Entra o curador ern cena e responde. E uma licenga poetica. E daro que disseram issopra acalmar a moga, que jd tavaficando brava. Mas isso ilustra muito hem a situaetio. A keno parecendo urn passaporte, uma especie de green card, que tornado legal o ilegal, legitimo o clandestino. Eu to comeeando a gostar desse papo do corn licenea que sou poeta. Mas por outro lado adora-

ria discutir o concurso corn a moo sem precisar desse passaporte. At6 porque a Ultima coisa que pensei ao bolar o concursofoi em poesia. Pro mim era claramente um ato politico, que inclusive nib poderia ser feito individualmente (acho pie cheguei a conversar isto corn vc em nossa visita). 0 Rodrigo [Matheus] tb achou isso, ele tava meio surpreso durante a montagem, n5o did pra classificar o que era aquela exposigtio. Isso me lembrou muito nosso amigo Duda Miranda, alias uma pena ale ntio ter mandado um projeto de anexo. Lisette desculpa, acho qua to me embaralhando, mas prossigamos. 0 conceito pie tento bolar parte dessa situagdo ambigua do concurso. Eu quero rasgar o passaporte que institui que o poeta so poderfazer poesia. Acho que, se existe alguma licenga, é uma licenca erica. Corn licenga eu exist°, melhor, nos existimos e estamos aqui juntos. Enttio podernos pensar num passaporte coletivo, olha pie bacana, urn passaporte do ndo identificactio, pra todo mundofazer poesia sem pedir licenca. Vc acha pie é muitafalta de educagdo? Bjo Matheus [Rocha Pitta]

Notas x. Duas publicagbes proporcionam uma ideia mais ampla

da arte latino-americana dos seculos 19 e 20. Cf. Ana Maria de Moraes Belluzzo (org.), Modemidade: vanguardas artisticas na America Latina (S5o Paulo: Memorial, Unesp, 1990) e Dawn Ades, Arte na America Latina. A Era Moderna, 18201980 (Sao Paulo: Cosac & Naify, 1997). 0 "manifesto" condensa uma escrita particular, voltada para uma mobilizacao popular. Entre as autores importantes, cabe mencionar David Alfaro Siqueiros, Jose Carlos Mariategui, Joaquim Torres-Garcia, Diego Rivera, Gyula Kosie, Lucio Fontana. No caso de For uma Arte RevolucionOria Independente, redigido por Leon Trotsld e Andre Breton, o nome do revolucionario russo foi substituido pelo de Diego Rivera para nao revelar o paradeiro de Trotski. 2. Cf. Flavio de Carvalho, Experiencia n° 2: realizada sobre uma procissao de Corpus Christi. Uma possivel teoria e uma experiencia (Rio de Janeiro: Nau, 2001).

3. Cf. Ricardo Basbaum (org.). Arte contemporanea brasileira: texturas, diccoes, ficçoes , estrategias (Rio de Janeiro: Marca d'Agua, zoo!). 4. Em agosto de 2004,0 Premio CNI-Sesi MarcantonioVilaca para as Artes Plasticas tambem divulgou cinco bolsas de acompanhamento de artistas, seguidas de uma exposicao. A relevancia da Bolsa Pampulha ficou patente no debate promovido pelo projetoTropico na Pinacoteca, encount que reuniu no auditorio do museu de Sao Paulo os critdcos Daniela Bousso e Adriano Pedrosa pan discutir a (im)pertinancia de saRies contemporfineos (novembro de 2003). Agregando a esse panorama critic° da formacao do artista, sugiro a transcricao de outra mesa-redonda, desta vez corn o prof. Tadeu Chiarelli e a artista Carla Zaccagnini, para falar da relacao conflituosa entre "Arte e Universidade". Um resumo de ambos os debates pode ser encontrado na revista eletronica Tropic() fwww.uol.com.br/

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tropicol. Pam mais informac8es a respeito dos desdobramentos na trajetoria profissional dos artistas-bolsistas, basta conferir suas respectivas biografias. 5. Cf. Lisette Lagnado, Convencoes corn there Camargo (S5o Paulo: Iluminuras, 1 994), pp. 17-I8. 6. Cf. Lisette Lagnado, op. cit., p. 20. 7. Cf. Lisette Lagnado, op. cit. p. 20. S. Cf. Maurice Blanchot, "La parole plurielle", em tentretien infini (Paris: Gallimard, nfr, 1969). 9. Nas minhas visitas aos bolsistas, as trocas se deram em diversas direcoes: Rochelle Costi, Rubens Mano, Lucia Koch, Nuno Ramos, Ana Mendieta, Robert Smithson, Lewis Canal, Italo Calvin°, Ben Vautier, Gordon Matta-Clark, John Cage, 0 Grivo, Hello Oiticica, Rivane Neuenschwander, Raymundo Colares, Roman Opalka, Saramago, Sophie Calle, On Kawara, Bioy Casares, Marcel Broodthaers, Antonio Negri, Michel Foucault, Fischli e Weiss, Kafka, Borges, Marguerite Duras, Roland Barthes, Bernd e Hilla Becher, entre uma multiclio de discussoes temiticas sobre a morte, a infincia, a arquitetura, a instituic5o, a colecao, o valor de verdade, a geometria, a cultura popular, o silencio, a ressignificagio de lugares, a fragilidade, a necessidade de intenrencao urbana, a duracio, as coisas da casa, a loucura, a doenca, o n8made, as minas, o jogo, a arqueologia, a gambiarra, a vontade ut6pica de transformaga() do cotidiano. ro. Apropriei-me de todas as atribuicoes relativas a psicanalise, presentes no livro de Blanchot anteriormente mencionado, pan construir urn estatuto a essa modalidada de critico-orientador de projetos. Cf. Maurice Blanchot, op. cit., p. 343. 12.Cf. Rainer Rochlitz, L'art Cu bane d'essai. Esthetique et critique (Paris: Gallimard, nfr essais, 1998), p. 15. 13.Em sua atuacao, Adriano Pedrosa convidou artistas mineiros de "meio de carreira" para realizar a primeira individual no Museu de acne da Pampulha: Cristiano Henn& Laura Lima, Ftivane Neuenschwander, Rosangela Renno e Valeska Soares. Corn excecao de Cristiano, todos residiram, ou ainda residem, por longos periodos em outras

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cidades, seja em diferentes estados do Brasil, seja no exterior. Alem desses exemplos, poder-se-ia evocar outras trajetorias de mineiros longe de sua cidade natal: Ana Maria Tavares, Arthur Omar, Adrianne Gallinari, Marcia Xavier, entre outros. 14.Dos 281 portfOlios, 235 eram mineiros. E interessante observar, contudo, que o resultado nao foi proporcional origem dos envios: dos 12 bolsistas, a metade foi escolhida entre outros estados, sem que prevalecesse qualquer preocupacao geopolitica da parte da Comissao de Selec5o. 15.Cf. Lygia Clark, "Conferencia pronunciada na Escola Nacional de Arquitetura em Belo Horizonte", publicada ulteriormente no Didrio de Minas, 27/1/1957, Belo Horizonte. Encontra-se tambem no livro-catilogo de Lygia Clark, que acompanhou a itinerancia que inaugurou na Fundaci6 Antoni Tipies (Barcelona, 1997). x6. Frederico Moraes explica que, dna realidade, foram dais eventos simultaneos e integrados, a mostra 'Objeto e ParticipaCio% inaugurada no Palacio das Artes, em 17 de abril de 1970, e a manifestacio 'Do Corpo Terra', que se desertvolveu no Parque Municipal de Belo Horizonte, entre 17 e 21 de abril do mesmo ano, promovidos pela Hidrominas — empresa de turismo do Estado de Minas Gerais". Cf. "Do Corpo aTerra. Urn marco radical na arta brasileira". Folheto que acompanhou a mostra de fotos, audiovisuals, filmes, reportagens, depoimentos, catilogos e livros sobre o evento (Rau Cultural, Belo Horizonte, 26/10/200r a 25/1/2002). 17. De Frederico Morals, em carta pan Luciano Gusmao (4/2/197o): "Hoje, so tern vitalidade a arte que esti Intelramente do lado de fora dos museus e galerias. Melhor que o Palacio das Artes e o Parque Municipal em tomo. Melhor que a sala de exposicoes da Reitoria é aquele vazio, em derredor. Melhor que o Museu da Pampulha, é a montanha que esti proxima". x8. Para informacoes sobre 020 Concurso Complexo Pampulha, ver p. 47-5r. (N. do E.) 19. A correspondencia eletranica entre a autora e o bolsista foi fielmente reproduzida de forma a consenrar inclusive as marcas da oralidade. (N.do E.)

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Retorno/permanencia da pintura


Panorama confirma novas tendencias da pintura FREDERICO MORAIS :11

m.

em dtivida alguma este Panorama da Arte Brasileira, inaugurado na til. tima quinta-feira, no Museu de Arte Modema de Sao Paulo, é bem melhor que o anterior, realizado em 1976. Isto, porem, nao significa, de safda, que ele seja born, nem que seja representativo do atual estagio da pintura em nosso pals. Tampouco é suficiente para dizer, em funcao do apresentado, que a pintura brasileira vai bem ou vai mal. Pode ser ate que a qualidade tenha subido na medida em que ele deixou de ser uma sintese do que se faz atualmente em todo o Pais, para ser uma exposicao da pintura que se faz, hoje, no eixo Rio—Sao Paulo, ou de uma certa pintura que se faz em Sao Paulo, tendo o Rio como apendice. Com efeito, dos 67 expositores, 47 residem em Sao Paulo, II no Rio, dois em Pernambuco, dois no Rio Grande do Sul e os restantes, um para cada Estado, em Goias, Mato Grosso, Paraiba, Santa Catarina e Distrito Federal. E se quisessemos avangar urn pouco mais pelos caminhos sempre enganadores das estatisticas teriamos que acrescentar que, dos "paulistas", iS nasceram na Europa (a major pane na Alemanha), no Japao e na China. E nao por acaso, esta pintura paulista é a mais cosmopolita e intemacio-nalizante que se faz no Brasil. Tampouco é acidental que esta pintura seja quase sempre abstrata.

Seria tedioso voltar a discutir, aqui, o pie pintura brasileira, ou melhor, o que é brasileiro ern nossa pintura. Pois mesmo urn "primitivo"como Alcides Santos, quanto mais se embrenha no imaginario e no fantastico do sertao pernambucano, mais se aproxima de urn certo medievalismo, que extravasa nossas fronteiras. Alias, sao poucos os artistas "Insitos" neste Panorama e Jose Antonio da Silva continua sendo o melhor deles, e dos tres quadros que apresenta dois sao realmente admiraveis, urn denominado Maria Fumaga, ern que o trem de ferro quase desaparece na explosao verde da mata, e o outro, Copacabana, é uma sIntese admiravel da paisagem carioca. Mas Joao Sebastiao Costa, que nao é urn artista ingenuo, reline em suas telas varios signos da cultura do Brasil Central, da onga e do caju armoriais a uma realidade cabocla reciclada pelo consumo kitsch. Nem a "papagalia" de Claudio Tozzi, nem as Ultimo& resquicios da macunaimica, visceral e caOtica paisagem anterior de Antonio Henrique de Amaral, que persistem em seus Compartimentos Porosos autorizam situa-los como representante do "nacional" ou do "brasileiro" em nossa pintura. Mesmo Rubem Valentim que anda fragmentando os simbolos originarios de uma icbnografia do candom-


ble, escapa a leitura reducionista do "brasileiro" em arte. Artista construtivo, Valentim sempre atuou ao nivel da forma, estando o significado de sua pintura no rigor corn que arma suas construgbes. Assim, o salto qualitativo deste Panorama pode estar, de fato, e em primeiro lugar, na concentracao geografica dos expositores (e nao se conclua, apressadamente, da afirmagao anterior, que a melhor pintura brasileira, hoje 6 feita em Sao Paulo, mas ĂŠ indiscutivel que a anterior dispersao geografica, se era mais democratica, incidia violentamente sobre a qualidade media da exposicao) e, em seguida, na sensivel melhoria da qualidade tecnica e artesanal de nossa pintura. Hoje esta se pintando melhor no Brasil, corn mais gana e mais entusiasmo. 0 certo 6 que este Panorama indica algumas modificacoes que vem ocorrendo na arte brasileira: a redescoberta da pintura e, corn ela, a euforia da cot e do gesto. Aqui nesta coluna escrevi dois artigos, "Abertura tambem na cor?" (8/6/79) e "0 informalismo esta de volta" (30/7/79) nos quais analiso este fenOmeno da retomada da pintura. Claro, nao se trata de urn retomo puro e simples do Tachismo da Escola de Paris, de Mste memoria, nem mesmo do Expressionismo Abstrato dos norte-americanos. Este neoinformalismo tern mais a ver corn a Pop-Art de um Jasper Jonhs e pode ser um desdobramento das tendencias neoconstrutivas que edodiram a partir do final da decada passada, com o Minimalismo norte-americano e corn a pintura analitica europeia. E na raiz desses novos comportamentos pict6ricos pode estar o cansago das tendencias conceituais vigentes nos filtimos dez ou quinze anos, a aridez de uma arte hermetica, o tedio provocado por linguagens cifradas, quase cabalisticas, que necessitam de explica-

II II II II Ii

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gOes, de uma arte paravisual qua nao se dirige aos olhos ou ao coracao, mas a mente: a arte como ideia. Tern algo a ver corn a necessidade de reconquistar o espectador corn propostas visuais de encher os olhos e aliviar os coracoes, depois das homeopaticas e microemotivas propostas artisticas desta decada. Se em relagao ao concretismo/ construtivismo o coragao tende a substituir a cabega, no Informalismo busca-se urn pouco mais de ordem. E nestes avangos e retrocessos chega-se a urn equilibrio razoeve' entre razao e emogao, entre expansao e contencao, e temos al a nova pintura (brasileira? internacional?). Basta ver, neste Panorama, como os antigos concretistas, sem perder seu rigor, estao hoje mais euf6ricos e coloridos (Mauricio Nogueira Lima, Hermelindo Fiaminghi, mesmo Charoux, o mais fiel dos concretistas brasileiros), como a pincelada este muito mais solta (Raul C6rdula, Luiz Aquila Rocha Miranda,11ineu), como a materia esta se tomando aspera, porosa ou aveludada, mas sempre tatil, coisa viva, que respira (Paulo Leal, Heimz Kuhm, Mira Schendel). Seria mera coincidencia a realizagao de uma exposigao como a de Helen Frankenthaler, no Museu de Arte de Sao Paulo, ou ela chega aqui para reforcar a nova onda? Seria coincidencia que o gestualismo e o grafismo dominem boa pane da XV Bienal de Sao Paulo a set inaugurada quarta-feira, dando corpo aquilo que ja fora insinuado nas anteriores Bienal de Paris e Documenta de Kassel, ou seja, uma revisao da abstracao dos anos so? Claro que nao. No Panorama e na Bienal temos as novas tendencias dos anos 80. Os dois premios do Panorama foram dados a Tomie Ohtake (CR$ too mil) e a Ricardo Van Steen (CBS 50 mil), este Ultimo considerado de estimulo. A qualidade da obra

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS PANORAMA CONFIRMA NOVAS TENDENCIAS DA PINTURA - FREDERIC° MORAIS

de ambos artistas nao permite fazer objegOes a decisao do Yin, que a partir deste ano 6 a propria comissao artistica do Museu. As ties telas do Tomie Ohtake sao esplendidas e pelo menos numa delas, o aproveitamento do branco como cor e espaco, e muito inteligente. 0 premio de Tomie talvez tenha chegado urn pouco tarde, pois ha verios anos ja que ela estabeleceu uma especie de ponte entre o Informalismo e o Construtivismo, no Brasil e que, como vimos, sere a tonica das novas tendencias. Ricardo van Steen cria espagos "interiores" que, por vezes, lembram Wanda Pimentel. Nas tries telas do jovem artista, o espago fixado 6 o mesmo, mudamos os atributos, ou melhor, o tempo.

Mas a presenca mais estimulante deste Panorama e Mira Schendel: do interior de seus negros aveludados, construidos corn tempera, emergem uns sutis azuis que s6 percebemos depois de algum tempo. Mas que alegria ales propordonam. As cantoneiras douradas, por sua vez, dao uma nova dignidade ao preto e expandem misteriosamente o espago da tela. E preciso destacar ainda as presencas de Abelardo Zaluar, Arcangelo lanelli (corn duas das telas premiadas ano passado no Mexico), Paulo Leal, Hercules Barsotti, Tomoshige Kusuno e Niobe Xando. Decorativos, vazios e in6cuos, como sempre, Armando Sendim, Danilo di Fred e Tikashi Fukushima, Manabu Mab6, Juarez Magno, Openheim, Gilberto Salvador, 'natio Rodrigues e Newton Mesquita.

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0•choque inevitavel entre duas tendencias MILTON MACHADO ara falar sobre a producao artisticor---- cultural Contemporanea como urn praticante dessa producao e um postulante a essa contemporaneidade, reivindico para a ideia urn carater qualitativo, que proponho seja sobreposto a nocao de individualidade: se esta pode ser pensada como a persistencia de urn "projeto individual" em urn contexto social por natureza adverso a sua manutencao, a contemporaneidade poderia ser entendida como a execucao desse projeto de forma bem-sucedida, ou para colocar urn nivel major de existencia a qualificacao de forma vitoriosa. Assim, a contemporaneidade deixaria de set uma situactio temporal para constituir uma condicao a ser conquistada ac; tempo, como altemativa a vulgaridade das coisas atuais. Essa aparente arbitrariedade conceitual coincide de certa forma corn urn pensamento nada arbitrario de Alceu Amoroso Lima, de quem Ii em urn mimero antigo da revista Modulo algo mais ou menos assim: "0 passado nao sao as coisas que passaram, mas o que ficou das coisas que passaram". Nesta perspectiva, seriam contemporaneas as coisas do presente fadadas a, no futuro, pertencerem ao passado. E agora, vamos as noticias: No caso da producao artistica, encontram-se seus protagonistas no meio de uma tt. e •0 •

verdadeira intriga intemacional, da qual nao escapam nem mesmo aqueles a quem se insiste em estigrnatizar como produtores de uma arte "periferica", ou produtores perifericos de "uma" arte. A causa dessa intriga é o choque inevitavel de duas tendencias que se pretendem igualmente historicas: uma historia exige que o artista se comprometa em fortalecer corn o seu trabalho a convencao da chamada "morte da arte"; uma outra historia quer o artista engajado no esforco de desmascaramento dessa convencao da arte corn° coisa finita. • No esforco exigido pela primeira tendencia, que se baseia na premissa de que "tudo já foi feito", ve-se o artista envolvido corn sua producao de uma nova maneira: no "Caso da Madame Arte", trama onde ele desempenha o duplo papel de vitima e algoz de sua pr6pria condicao, urn terceiro papel ainda lhe é imposto: o de habil investigador (corn direito a Ferias) da arte ou dos vestigios de arte contida no trabalho que pratica (superficie, suporte, figura, representacao, abstracao etc.). Se esta é de natureza-morta por definick, ou melhor, por convencao, ele é obrigado a ficar soprando, soprando, e soprando seus bonecos e ainda o public° de que, por este ato, pode-se atribuir vida a materia inanimada. E para isso ele precisa agir valen-


do-se de urn poder de persuass5o cuidadosamente cultivado, porque a ingenuidade, ou a inocencia insuspeita que cabiam por direito de conquista aos precursores de outrora rid° mais the sdo permitidas. No contra-esforgo, em sentido contrail°, comprometido corn o reaquecimento e revitalizacdo da arte, é coma se o artista se dedicasse a esse trabalho no epicentro de urn violento ciclone,•misturado no espaeo ao turbillik de edificios, populag5es, velculos, teorias, hist6rias da arte e bombas voadoras. All estao, ao alcance de suas m5os, todos as materias de que necessita pan exercer oiatiuidade. S6 que a terra firme, em termos absolutos, perde o sentido para os habitantes dos ciclones contempordneos. Mesmo que o artista procure fincar o pa, essa situacdo de extrema mobilidade o fard desequilibrar-se, condenando-o em sua Viagem ao fundo da Obra a um nomadismo inevitavel que contraria qualquer ideia de urn imico projeto. Se na primeira tendencia tudo depende desse projeto — ja que se tratava de investigagoes — que o artista deve elaborar tdo mais racional e conceitualmente quanto major sua pretensdo de p8-1° em pratica e de transforma-lo em produtos comunicaveis,

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na segunda tendencia o que se the pede é, pelo contrario, o maxim° de espontaneismo, de animacdo, de "selvageria" de "energetizagao" possiveis, coma altemativas a morbida palidez conceitualista que se quer ruborizar (vide Kassel). Ndo é a toa que no limite ndo de saturamento da chamada arte con ceitual (PROCURA-SE ainda VIVO OU MORTO

Expressionismo vs. Neo-Expressionismo

"MUITOS DEDOS" DUCHAMP. OFERECE-SE ainda

mas no limite da sua transformacdo de linguagem em mais urn instrumento de linguagens, em instrumento para investigac5es, fala-se em um "retomo" a pintura, o que é perfeitamente valid° se, numa so1ug5o de incorporagdo e atual, o artista pintar o que sente, pensar o que pinta, sentir que lhe faz pensar e pintar e, principalmente, se pintar. Se isso, por si s6, nao garante o salvamento e a sobrevivencia da arte, salvem-se pelo menos alguns artistas. Mas tudo sdo noticias: tendencias, formas, metodos, tentativas de conquistar a tal condied° de contemporaneidade. 0 sucesso desses empreendimentos ninguem pode garantir a edigao notuma do jomal 'A Contemporaneidade" ainda esti por ser escrita, porque ainda nao é de noite. E de repente, quando anoitecer, já estaremos no futuro. RECOMPENSAS),

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS 0 cHOQUE INEVITAVEL ENTRE DUAS TENDENCIAS - MILTON MACHADO

JORGE GUINLE ma nova onda de artistas que podemos denominar como sendo da • corrente neo-expressionista ou "energetica" assola os centros de vanguarda. Este artigo, que cid seqiiencia ao publicado na Modulo n° 67 retoma as questoes anteriores, colocando-as desta vez, sob urn outro prisma historic°. Se a nova pintura de Philip Guston e de Julian Schnabel era abordada e colocada em cheque pelas imagens libertadoras de Francis Picabia e de Rene Magritte, aqui, neste artigo, tendo como protagonista o mesmo Julian Schnabel e mais Enzo Cucchi, Francesco Clemente, H.K. Hodicke, Jonathan Borofsky, e Mimmo Paladino, a nova pintura ocupara a frente do palco e se degladiara corn os velhos expressionistas germanicos do ‘inicio do secub. Emil Nolde, Max Beckman etc. Estes ndo apresentavam a contestack da imagem, mas eram ricos visualmente, prenhes em construgoes visuais de rara agressividade que colocavam como pele no osso as suas imagens depredadoras. Por outro lado, competem tambarn o abstrato-expressionista norte-americano Jackson Pollock (na sua serie semi-abstrata Black 8z White paintings do inicio da decada de so) e seu cultor italiano Enrico Baj (nos seus pequenos quadros "explosivos", tambem do inicio da decada de 5o). Estes dois oltimos ampliaram o sentido da imagem

pelos metodos imediatistas usados na construed° dela. Colocados lado a lado, seis quadros neoexpressionistas brigam corn seus parentes expressionistas pela forga de suas presencas agressivas. Se as alemaes do inicio do seculo exprimem estados exaltados de inquietude psicologica, e as abstratos expressionistas estados de indagacdo metafisica existencial, as novos energeticos poderao ser abordados dentro da mesma otica? Visualmente, as trabalhos antigos e modemos se atraem e se repelem mutuamente (cores berrantes, complementares, uso da caricatura, gestualidade aparente e por vezes exacerbada por uma angularidade claustrof6bica). Mas se visualmente apreendemos, numa primeira leitura, esses dois mundos, uma cis5o irreversivel se faz na segunda leitura. Estas novas imagens neo-expressionistas berram, exigem coma criangas recemnascidas, uma explicacao, uma conceituaea°, uma existencia nova. Examinaremos as diferengas: no trabalho de Julian Schnabel, uma materialidade macica, dinossaurica. A presenca irrecusavel de varias contradicOes na construed° faz surgir urn, dois, tres, quatro significados desencadeados pela propria estrutura do trabalho que, longe de se excluirem, se juntam, ao


mesmo tempo, para formar urn no gordio. contrado do lirismo hedonisticamente visuQuer seja nos trabalhos sobre veludo, recen- al impressionista, do inconsciente surrealistemente sabre peles, ou utilizando um fun- ta, se arrisca, pela confrontagOo fisica avasdo de pratos quebrados, este arque6logo da saladora, a se tomar insuportavel. 0 quadro/ pintura se apodera dos mais diversos esti- imagem exige de nos, iconoplasticamente, los , que, vez ou outra, junta ao mesmo qua- uma segunda leitura a cada momento, o dro para arregimenta-los visualmente uns que nos aliviaria do seu peso contundente, contra as outros. Entretanto, uma &via ana- do fato consumado. Curiosamente afastalogia poetica unird os elementos esparsos — dos dela, da sua presenca carnfvora e da que ironicamente estao separados uns dos consciencia que projetamos sabre ela, a outros par urn mar de materias, como f6sseis mem6ria que evocamos a partir da apreciencrustados em pedras milenares — desta acao da obra de Schnabel torna cada vez • rica colagem digerindo ou vomitando restos mais clara a intengao de seu sistema pict6de uma memoria e de uma consciencia pre- rico, no infcio, suspeito. sa no espesso arcabougo de sua elaboragOo. Em contraposicao, o trfptico, A chegada 0 titulo do diptico "0 que fazer corn urn sugere, sem . ambiguidade, uma outra leitucanto em Machi" parafraseia ironicamente a ra. Pintando em Amsterdam e depois em St. sensacao tad]. (pelos pratos quebrados) da Louis em 1948, o pentaltimo dos Jo trIpticos textura, sugerindo frustracao e destruicao. de Max Beckman, cuja serie foi iniciada corn 0 mosaico gaudiano deste fundo finito e mo- A partida, pintada em 1931/32, é, junto corn vedico sublinha mais ainda a mutilack da Guernica de Picasso, uma das telas politicoestatua classica que ordena, pot sua vez, a simbOlicas mais reproduzidas do nosso secomposicOo — o vaso a meia distancia colo- cub. Este primeiro volante do triptico A checado em contraposicao as toalhas ou togas gada instaura, como no trabalho de Julian laboriosamente pastosas no lado interior do Schnabel, urn clima dramatic° tanto pelos quadro.Temos diante de nossos olhos, numa tons quanta pelo cerne dos personagens, luta de tit5s, uma versa° da rixa entre o clasque lembram ilustracoes de contos infansicismo claro e frontal da composic5o, con- tis. Aqui, sonho e realidade se misturam de gelada num rito calculado e o romantismo uma maneira alucinatoria, inclusive pelo da con violetas cobalto, vermelhos azarinas acOmulo de seres uns sobre outros, criando e laranjas cintilantes no mesmo espaco do uma perspectiva "olho de passaro" claustroquadro. E a pr6pria textura de pratos que- fObico (onde as figuras traseiras passam a brados, que ordena e desordena a composi- ter o mesmo tamanho das dianteiras). c5o, nao seria a metafora desta luta? Para Como no trabalho de Schnabel, encontramocompletar este adendum barroco da hist6ria nos diante de urn espaco denso e fechado. da arte, a pr6pria imagem é recomentada 0 expressionismo dramatic° e conceitualpelos tres bordados discretos que costuram mente reconhecivel de Max Beckman, nae descosturam a imagem, brotando de urn dando revolto nas composicoes intricadas, prato central/umbilical fartamente traba- se opc3e justamente a frontalidade limpidalhado (poderia exprimir o oficio de pintar?). mente apresentada de Schnabel que, escaEis diante de n6s uma associacao de ideas pando do velho expressionismo, contrai sacoisificadas, petrificadas na materia, cple ao biamente uma divida niilista e poetica 328

quanto a codificacao sernantica possivelou etema da imagem. Esta mesma codificagao, a primeira vista, nao parece espantar Enzo Cucchi na sua tela violentamente iconografica e que repete a palavra santo duas vezes. Aqui, assim como no trabalho de Schnabel, uma segunda leitura da composigao clara e frontal, nos indica o sentido ambfguo da imagem. Urn ex-voto que parece surgir de um apocalipse, vestido ou lido, de olhar esbocado, disputa, ou na certa, a julgar pelo tftulo do quadro, divide corn uma segunda mao "intrusa", urn bicho em forma de elmo, incendiado, em estado de graca. Aqui tambem o sentido da imagem é ambfguo e se apresenta como urn condensado de lendas e crencas exauridas onde provas de dureza v5o se repositar na mesma mensagem uterina e reconfortante. Nao ilustra uma ideologia especifica. Cornparando esta tela corn a Crucificageio de Emil Nolde, encontramos o mesmo desenho tosco e grosseiramente caricato, s6 que a cena do trabalho de Emil Nolde é explicitamente decifrada. Piscando o olho, coma no caso de Enzo Cucchi, para a arte popular (as popularescos adomos das antigas igrejas goticas), ele se encarrega, portant°, ate pelo colorido sensualmente dissonante, coma na obra de Cucchi, em acumular, numa simples iconografia, toda a energia do inconsciente popular, s6 que atraves da vivificagdo da mensagem especffica do pregador Grunwaldiano. 0 rastro expressionista dos trabalhos de Julian Schnabel e de Enzo Cucchi, coma alias de todos os neo-expressionistas, se situaria na ambigilidade conceitual de suas imagens "visionarias". Se a apresentacOo da imagem e estrategicamente grotesca em Schnabel ou Cucchi, a pintura dos novos pintores neo-expressionistas alemaes Brend Zimmer, FL Hodicke,

Salome, Hans Immerdoff etc., oriundos diretos da antiga tradigao expressionista alerna, percam paradoxalmente pela ironia e pelo distanciamento brechtiano, pela banalidade das imagens filtradas sociologicamente que evitam uma refleido "idealista" sobre a condicao humana mandda pelo antigo expressionismo. Ao contrario, as novas imagens abrem urn dialog° corn a Pop americana, amplamente representada nos acervos dos museus alemaes. Mais uma vez podemos anotar a diferenca entre duas tendoncias "irmas" separadas pelo tempo. Se a forca afirmativa deste quadro de Ludwig Kirchner provem do vigor das costas inseridas no corpete e a tragicidade da cara mascara combalida refletida no espelho; entre o azul Asper° e sujo do fundo e o branco acetinado do traje quase que iluminado por mil refletores, ela é mais evidenciada ainda pelas pinceladas ativas e personalistas do exec.': tor que redimem, justamente corn sua estilizacao dramatica, o contend° meramente poetic° e ilustrativo da imagem. 0 sentimento da revolta e frustragao que precedeu a realizac5o que, por sua vez, impulsiona uma visualidade ritmicamente agressiva e modema que golpearia a propria imagem criada. Se precipitando para o quadro de Hodicke, observamos urn corpo feminino e elegantemente esparramado e refletido pot varios espelhos, refrescado pelo ventilador (que futuristicamente representaria falos em movimento em volta do Orgao genital feminino?), a expressao narcotizada, contemplada par urn provavel espectador medio em voltada arena. Notamos que, contrariando a escolha estetica de revolta praticada por Kirchner, é justamente na abstencao por Hodicke de urn estilo de pintura significativa (aqui o estilo usado é um neo-matissiano revisto por urn desenhista corriquei-

CRITICA OE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS

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EXPRESSIONISM° VS. NEO•EXPRESSIONISMO — JORGE GUINLE

EXPRESSIONISM° VS. NEO-EXPRESSIONISMO —JORGE GUINLE

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ro) que nos é vetado o gozo sensual estetico suspeito. Este poderia ser ate reservado para o espectador medio e representado na tela. A obra poderia ser o porta-voz comico-amargo dos enunciados marcusianos que descrevem a coisificagao do individuo na sociedade de consumo; mais ainda, o pr6prio estilo "coisificado" indica ou parece indicar a alienagao do proprio pintor. 0 tamanho do quadro e sua insercao no mercado autoproclamando sua pr6pria escoagao e cujo posicionamento ambiguo parece refletir o do pintor, é, portant°, a Unica mensagem expressiva permitida. Para dificultar, esconder ou ridicularizar esta febre consumista, orientando-a de uma maneira mais cOmica e proposital, urn grupo de artistas energeticos coma Francesco Clemente e Jonathan Borofsky, ao contrario de Schnabel, Enzo Cucchi e Hodicke, que monumentalizam classicamente suas produgOes, usam como suporte de seus trabalhos uma ideia autobiografica ou filosofica, indiscriminadamente banal ou brilhante, apresentando ao public° uma enxurrada semfim de produtos que podem ate incluir quadros. 0 valor desta obra reside no conceito que paira acima desses produtos frageis e por muitas vezes pereciveis, e nao na busca de uma estetica "nova". 0 desenho de Clemente tirado do livro Veta, retrata dois corpos identicos, salvo a perfuracao do segundo corpo por urn orificio a menos na altura do sexo. Pelo nUmero de pontinhos, representando orificios, é dificil notar este detalhe a primeira vista. Sao excrecencias do penis ou do seio sublimadamente colocados sobre a cabega os objetos-orgaos manusaedos? Sao duas figuras ou o desdobramento da mesma, demonstrando a obviedade er6tica-fetichista de todo objeto? A propria candura e simplicidade do desenho contrasta,

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conceitualmente, corn a multiplicacao de interpretagaes oferecidas a partir de posturas filosOfica-morais. Os trabalhos de Clemente sublinham, paradoxalmente, a navegaga° frivola permitida a mente em devaneio, sem rumo preestabelecido, arremessando novos e antigos conceitos, igualmente. Esses trabalhos frageis e elegantes, que procedem das mais diversas fontes (desde a miniaturizacao hinduista, passando pela caricatura tradicional, ate os afrescos pornpeianos silenciosamente dramaticos), parecem permitir tanto uma apreciacao rapida como lenta do trabalho. Esburacam nossa visao centrifuga do mundo. Eles contrastam severamente corn o auto-retrato de Egon Shiele, cuja obra carrega tambem urn cunho fortemente autobiografico. Nesse auto-retrato ele exibe um pudor em relagao ao espectador e repulsa diante dele proprio, clinicamente observada. Esta dissecagao cria uma presenca martirizada entre o ser e o nao ser, igual ao corpo-quadro de Schnabel, cujos objetos pintados sobre objetos reais encobrem, como tatuagens, os sulcos de um tempo eterno. 0 elegante frescor de Francesco Clemente se evapora diante dos batalhOes de homens gigantescos, caricatos e perplexos de Jonathan Borofsky que lanca mao de todos os midias para levar adiante o seu projeto de agigantar as seus sonhos banalmente pseudo-realistas, nos seus lacos concretos corn o dia-a-dia e a historia. Na sua instalacao na galena Paula Cooper, em Nova Iorque, a pr6pria galeria se transformou num emp6rio, causado pelo entulhamento dos mais diversos objetos — quadros, mesa de pingpong, video, recortes de objetos em papelao, colagens, pilhas de desenhos, flamulas corn dizeres do tipo "arte é born para o espirito" etc. cercados, é claro, pelas eternas caricaturas gigantescas pintadas na parede, cor-

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rendo numa mesma diregao. Estes pseudoafrescos propulsionam ironicamente o espectador para uma inquietagao comica metafisica, dado o "ridiculo" dos objetos apresentados. Estes objetos sao numerados e os nUmeros encorrem na casa dos milhoes. Nesta outra instalagao, desta vez in asseptica Kunsthalle Basileia, observamos 6 contorno gigantesco de urn homem de ferro molecular cabisbaixo, igual a um brinquedo de armar, segurando um martelo na mao esquerda, enquanto a direita segura uma barra tambem de ferro. A estatua mais parece uma homenagem ao flume Chaplin Tempos Modemos e se nao fosse o ridiculo intrinseco dela, poderia ser mais uma critica a alienagao da taylorizagiio do trabalho. Em Jonathan Borofsky e em Francesco Clemente a esquematizacao do gesto em codificacoes semanticas nem sempre claras, podendo ser, segundo a nossa Ofica absurdas ou obcenas, brincam corn a nossa reflexividade psicomotora inconsciente que exige a retratagdo, no dominio da arte, de uma ritualizacao "nao posta em questao" de gestos e portanto, do nosso corpo, correspondentes aos ideiais da nossa civilizacao, gestos estes, refletidos, sub-repticiamente em todos os .atos do nosso dia-a-dia. Nos quadros de Jackson Pollock o gesto é heroic° e o desdobramento de urn novo espago: temporal pela delimitagao do seu fazer; atemporal, conceitualmente, pelo prolongamento do gesto que, "escapando" do seu criador, nos levaria aos primordios da criacao. A imagem total, concebida a partir

desse metodo, nos remete, de urn lado a urn espaco macrocosmic° abstrato exterior, e de outro, cria urn espago microcosmic° interior figurativo pela multiplicagao de detalhes antropomorficos inconscientes achados na trajetoria do nosso olhar. Neste quadro de Pollock, da serie Black & White, a luta entre abstragao e a figuragao eleva urn paroxismo expressionista a partilha abstrata justamente entre o macrocosmos abstrato, a esquerda do quadro, e o microcosmo figurative, a direita. Este espago conceitualmente abstrato na sua angustiante presenca clareia e equilibra as duas forgas opostas. 0 ascetismo da demonstracao de Pollock necessita de uma execugao rigorosa, num espaco simbolicamente neutro, comandado por gestos claros, a quilornetros de anos-luz do espago entulhado e de gestos esdrtixulos dos gigantes de Borofsky. Contrariando o gesto abstrato e fluido de Jackson Pollock, dois artistas de geragoes diferentes: Enrico Baj e Mimmo Paladino teatralizam o gesto para criar uma iconografia nuclear (Enrico Baj) e para criar uma insergao gestual e tematica identica (Mimmo Paladino). Estabelecemos, ao longo deste artigo, uma concepcao entre duas geracOes expressionistas. Invertendo as premissas do expressionismo "classico", é, portanto, na defasagem voluntaria e acentuada entre o que é mostrado e como é mostrado que esta nascendo uma nova poetica da obra imagem. 0 futuro determinara a fragilidade ou nao desta dialetica enquanto expressao maxima da nossa epoca.

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Entre o passado e o futuro ALBERTO TASSINARI que mais chama a atencao na nova disso tudo — da manipulacao e desestrutupintura 6 a ausencia de fisionomia raga° de linguagens pict6ricas já existentes, propria dos seus elementos. 0 tra- sejam modemas cu academicas — algo mais balho do artista nao consiste, entao na pes- do que citagees, parodias e cinismo. Quanquisa de novas formas, mas no arranjo que do se ganha a aposta, como ocorre corn parele promove de signos emprestados de lin- te consideravel das telas da "casa 7", as pinguagens já constituidas. A identidade da turas ja nao encenam apenas, como na maiobra, e por conseqiiencia da arte e do pr6- oria da nova pintura, a farsa erudita da auprio artista, nao surge pelas formas que o sencia de sentido do mundo e da impotenartista arrancaria ou traria ao mundo, mas cia da linguagem da arte em expressa-lo, do emprego de sucessivas mascaras e simu- mas deixam entrever, por tras dos disfarces, lacros. 0 sentido nao brota mais, assim, como uma beleza que já houve. tIma beleza, ena conquista de urn trabalho de desnudamen- tretanto, que s6 pode ser resgatada pelo to e depuracao, mas pela saturacao e promis- contraponto do honor, pois surge como o cuidade de linguagens heterogeneas entre reverso do excesso e desregramento dos sigsi. Numa tela de Rodrigo Andrade, por exem- nos. 0 tom dessas pinturas da casa 7 6, asplo, convivem ao mesmo tempo a linguagem sim, como o de boa parte da nova pintura do gibi e de uma pintura poeticamente es- digna de atencao, muitas vezes tragic°. E truturada. Nesta ñltima, os elementos pu- sempre evocativo. Procuram aumentar a ramente pict6ricos e os objetos designados sobrevida de urn passado e seus simbolos, assumem uns as propriedades dos outros. A que já nao poderiam, por si mesmos, falar a fumaca é tinta e a tinta é fumaga, e as coisas linguagem do presente. Isso ocorre mesmo aderem umas as outras assim como a tinta nas telas abstratas, como as de Carlito adere a tela. Essa pc:aka, entretanto, esta Carvalhosa e Fabio Miguez. A pintura, nelas, aqui a servico de uma relacao de simpatia se realiza como que por cima de esbocos de corn uma cena grotesca. Nao 6 pela poesia telas informais dos anos 50. Fla al, homenapict6rica que se articula o sentido, mas pelo gens a Kline, Soviages, there, de Kooning. Mas nao sao apenas citacees, nem mesmo cocontraste desta coin o seu emprego. Deste modo, tudo é improprio na nova mentarios. Aqui, como tambern nas paisapintura, e a aposta que se faz 6 como extrair gens de Fabio Miguez, o sentimento estati-


co surge quando todas as camadas de signires desejam ignorar. Ignorancia na verdade, ficados - sejam os mais diretos ou os apenas urn tanto cinica, pois ela se faz no campo aludidos - se neutralizam umas as outras, aberto por estas mesmas linguagens; seja deixando escapar em algum lugar a ameaca pelo entrecruzamento de linguagens ern de uma fisionomia original, como se a simuprincipio heterogeneas, procedimento herlagao do já acontecido pudesse recriar o condado da pop, seja pelo seu desdem pela fortato corn as suas fontes verdadeiras. ma, procedimento herdado do minimalismo Algo parecido ocorre nas telas de Nuno e seu desdobramento. Mas se a minimal Ramos e Paulo Monteiro. Nelas tambem ha buscava arranjar contextos que abrigassem uma estruturagao por excesso de camadas. uma nova dinamica entre o mundo e a obra Nas de Nuno Ramos ha, em primeiro lugar de arte na opoca da informack e da comua abrangencia de significados que o simbonicacao de massas - a minimal nao busca lo de cruz carrega, nas de Paulo Monteiro, a mais a forma, isto é, a aparencia de urn munprolixidade das coisas e dos seus contatos. do que, no limite, pode ser distinguida de Nos dois grupos de pinturas, entretanto, uma fonte (pr6prio mundo) que lhe garanta por cima ou nos intersticios da saturacao, identidade, mas uma especie de c6digo que pulsa uma camada de emocao ainda virse) pode ser decifrado pelo sentimento estegem. S5o pequenos tracos ritmados de cotico - a nova pintura usa procedimentos seres puras em Paulo Monteiro, e, em meio a melhantes para evocar urn passado que já um espesso recobrimento pictOrico, regioes nao é mais possivel. De fato, corn a expresde suaves relagOes cromaticas em Nuno sOo "volta a pintura" busca-se ainda uma Ramos. Assim, na obra dos dois pintores, virtualidade da tela como suporte da apariexpressa-se urn certo lirismo, mas apenas c5o de uma vis5o do mundo, mas tudo o que porque é intermitente e foi capaz de vense consegue e realizar uma performance em cer o seu habitat horroroso. que urn contexto, a tela, que perdeu, desde Essas pequenas vitOrias da expressao o expressionismo-abstrato, o seu poder de face aos simulacros paga, entretanto, o seu catalizar os embates da express5o. Assim, preco. A nova pintura é uma pintura de soquanto mais "expressionista", menos expresbrevivencia. Ela se alimenta de resquicios da sac) he na nova pintura, e o que se realiza é hist6ria da arte, e . o sentimento que lateja muito mais uma codificacao, de resto bastannas suas superficies vive da evocacao das te pobre, do conceito generic° pintura. prOprias formas que ela ye destruidas. Isso Nao digo que os membros da casa 7 nao (la o que pensar sobre o seu futuro. Por encon-am esses riscos. 0 passado é algo muito quanto, esse recuo tide° tern funcionado poderoso, e o desdem pelas tramas que o lia evocacao do passado e da sua solidez é gam ao presente acaba por fazer corn que sempre urn valor, quando neo esta a servico estas mesmas tramas venham cobrar seus do conservadorismo e da decadencia - mas direitos. Assim, os emblemas e ruinas de oncomo estrategia mais longa, n5o vejo al outern, em geral, estouram como explosivos tro caminho do que se tensionar corn as linmal manipulados nas ma- os dos bricoleurs (a guagens modernas surgidas desde a pop, as expressao é de Argan) da transvanguarda e quais ate aqui, corn a excegeo de uns poudo neo-expressionismo. Nossa tradicao piccos como Kiefer e Schnabel, os novos pintotOrica, entretanto, é pequena, e a operacao •

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de resgate do passado pela casa 7 acaba, assim, funcionando melhor do que em muitos pintores italianos e alemaes da atualidade. A ausencia de tradicao acaba por promover urn melhor contato com o que urn dia foi a fonte plena da forma e da expressac). Os riscos da casa 7 em fracassar na sua empresa evocativa sac), por isto, menores sobretudo quando eles se afastam, e é o que ocorre cada vez mais, do imagined° de certos pintores que lhes serviam inicialmente de guia (Lupertz, Guston, Baselitz) e se aproximam mais dos procedimentos do que das imagens, boa parte já padronizadas, da nova pintura. Esses procedimentos, entretanto, possuem uma ligacao, ainda que n5o ideolOgica, mas digamos assim, lingiiistica, corn a arte dos filtimos brinta anos.Ndo creio que a consciencia desta continuidade seja nitida nas pinturas dos membros da casa 7, mas, de certo modo, como espero ter mostrado, ela esta au. Ess as telas podem, assim, ser vistas como engrossando a onda conservadora da volta da pintura, ou, como prefiro ve-las, testando como o fazem Kiefer e Schnabel, ainda que estes corn muito mais vigor - o valor dos procedimentos artisticos das Ultinias decadas. De fato, os pintores da casa 7 n5o querem expressar o mundo a qualquer custo, mesmo que este tenha perdido uma fisionomia ex-

pressivel, mas, um pouco como a pop, dirigir a pintura pan o territ6rio de uma estetica da criacao de c6digos gestuais. Neste sentido, eles estao evocando a identidade perdida de uma certa pintura e de um mundo ainda nao moldado pelas exigencias da industria cultural, lido apenas para engrossar o movimento de volta da arte a seus "verdadeiros" lugares, .mas ainda mais uma vez, para colocar a questao da individualizageo problematica da arte no mundo contemporaneo. Essa é a direcao de leitura . que privilegio nas pinturas dos membros da casa 7. Daqui por diante, creio, deixardo cada vez mais de representar o papel de revalorizacao de urn goner°, a pintura, e dialogardo cada vez mais corn a continuidade de nossa parca, é verdade, tradicao artistica. E corn o modo pelo qual essa tradigno - e é o que já ocorre corn a casa 7 - se manifesta, a releitura de linguagens produzidas intemacionalmente. Mas digo tudo isto corn urn certo receio. 0 futuro, essa materia que sempre acolheu tao bem a arte modema, anda em falta. Gonselhos e prognosticos tem, hoje, algo de ingenuo, e ja nao é de born-tom vaticinar. Mas, como a casa 7 tambem acaba or faze-lo, creio que vale a pena arriscar uma fe no futuro, mesmo que emprestemos este sentimento de urn tempo que, ameacadoramente, tern resistido a continuar o nosso.

CRNICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS ENTRE 0 PASSADO £0 FUTURO — ALBERTO TASSINARI

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18a Bienal Internacional de Sao Paulo SHEILA LEIRNER urante os Ultimos dais arms, o processo artistic° e administrativo da r8a, Bienal Internacional de sao Paulo transcorreu vigoroso e tranquil°, rigidamente de acordo corn a programacao prevista e agilizado tambem diante dos imprevistos usuais. A instituicao absorveu as caracteristicas pragmaticas, quase que puramente finalisticas, da organizacao empresarial, sem, contudo, colocar em risco o carter isento, eminentemente cultural, de irradiacao e intercambio artistic° da sua principal realizacao: a Bienal de Sao Paulo. 0 presidente da Fundacao, Roberto Muylaert, é urn admirador, corn larga experiencia na promocao e divulgacao de grandes eventos culturais.Tambem como ele, as pessoas que compaem a Diretoria Executiva da Fundacao sao sensiveis as questoes da arte e da cultura; e a Comissao de Arte e Cultura este constituida por membros corn reconhecida atuacao nas mais diversas areas culturais brasileiras. Nesta Comissao, encontramse representados a Diretoria Executiva, as Secretarias Municipal e Estadual de Cultura, a Associacao Brasileira de Criticos de Artes - Seca° Nacional da AICA - e a Curadoria de Arte da Bienal. Ao contrario das demais instituicoes, cujas realizacoes sao freqUentes e cadenciadas, cada edicao da Bienal Intemacional de

Sao Paulo é resultado de uma fase aguda de trabalho e enorme consumo de energia.Todo este esforco geralmente nao pode ser avaliado, diante de urn resultado que é efemero na duragao (dois meses e meio), mas perene na Histeria. A complexa infra-estrutura da Instituicao e a eficiente politica na obtencao de seus subsidios permitem uma atividade ininterrupta que compreende desde a elaboracao e distribuicao do regulamento e as primeiras reunioes corn as miss5es diplomaticas em nosso pals, ate a gigantesca montagem da exposicao. Os preparativos para esta grande manifestacao deram-se num clima de enorme entusiasmo e otimismo. Houve urn sentido muito forte de realizacao coletiva, entrosamento, respeito e compreensao entre as pessoas de cada equipe e mesmo entre as proprias equipes envolvidas. Havia expectativa e suspense no ar. Havia conviccao e tambern clOvidas. Trata-se de uma luta comum, mais no sentido de colaborar para o desenvolvimento artistico do pals travada nos bastidores de urn grande (e responsavel) espetaculo. Uma visa° universalista

A primeira preocupacao corn relacao a r 8a Bienal Intemacional de Sao Paulo (BISP) foi entender que o que torna esta exposi-


cao verdadeiramente intemacional nao é o fato de ela agrupar paises. E sim a consciencia de que ela se insere no sistema universal da arte. 56 essa consciencia mais ampla permitiria que se organizasse uma estrutura em equilibrio corn aquele sistema, e compativel corn a producao internacional contemporanea. NOs temos a tendencia de ver qualquer instituicao de urn ponto de vista unilateral. Intufmos a importancia da Bienal sempre em termos brasileiros e nunca a colocamos dentro do seu verdadeiro ambito. No entanto, a Bienal de Sao Paulo encontra-se localizada dentro de urn circuito formado por dezenas de paises, e do qual o Brasil faz parte da mesma forma como todos os outros. A Bienal de Veneza nao 6 uma bienal italiana, a Documenta nao é alema, e nem a de Sidney 6 australiana. Todas elas sao nacionais apenas em termos de organizacao, e nao em sua filosofia. A concepgao da r8a Bienal Internacional de Sao Paulo funda-se, portant°, numa visao universalista, na aboligao de fronteiras no tempo e no espago. No tempo, porque a Bienal une a histOria ao presente; e no espaco, porque ela apaga as limites geopoliticos tradicionais. A Bienal faz pane, afinal de um processo politico, social e intelectual que, desde a Primeira Guerra Mundial, vem dissolvendo as tradigoes locais, regionais e nacionais, que sao absorvidas cada vez mais pelos amplos sistemas universais. Cada agao em nossos dias é absolutamente sincronica - ocorre ao mesmo tempo e da mesma forma em todas as partes do mundo. 0 artista individual, em qualquer parte - Nova York, Berlim, TOquio, Belo Horizonte, Paris - confronta-se nao com imposicOes externas, mas corn a atividade ubiqua da arte e corn a tambem constante re339

velagao da totalidade do pensamento, fe e realizac6es humanas. Porem estas constatagees nao dao apenas o sentido de uma internacionalizagao da arte, pot sua vez se possivel, é logic°, pela inexpugnavel universalidade de seus preceitos. Elas possibilitam, por outro lado, uma visao mais ampla, anti-histOrica ate, corn relacao a identidade do prOprio homem. 0 homem e a sua obra - que, na realidade, é tao anonima quanta o era nas sociedades tribais primitivas - diante de toda a serie de fragmentos e noes que representa coletivamente a condigao da arte em seu estado original de unidade: a Grande Obra contemporanea. 0 Homem e a Vida Outra preocupagao corn relagao a 18a Bienal Internacional de Sao Paulo, logo no inicio de 1984, foi a de dar continuidade as prerrogativas conquistadas nas duas oltimas bienais. Estas prerrogativas, afinal, foram as responsaveis pela recuperagao de urn prestigio internacional praticamente perdido. A montagem por analogia de linguagens ao inves da representagao geopolitica tradicional, a tentativa de influenciar (grande parte das vezes corn sucesso) as representacoes estrangeiras, a contratagao de nomes internacionais expressivos para somarem ao projeto brasileiro da exposicao e, sobretudo a afirmagao da mostra como conseqiiencia de urn firme ponto de vista critico, foram as passos fundamentais pan seu indiscutivel e altamente satisfatorio resultado. A Bienal e essencialmente um instrumento de dialog() e troca importantissimo para o public° brasileiro. Mas ela nao deve de forma alguma set uma vitrina do que se faz no Exterior, como modelo para a producao dos paises subdesenvolvidos. Pot isso 6

fundamental que mantenha a sua estrutm ra, como já se disse ha pouco, em equilibria corn o sistema universal da arte. Mas par isso tambern é condicao sine qua non que ela seja organizada de uma maneira reflexiva e crftica. Se a preocupagao, portanto, era dar continuidade as conquistas das bienais anteriores, o grande objetivo, por outro lado, era fazer corn que o evento nao apenas refletisse desta vez, corn toda a realidade possivel, a situacao contemporanea da arte, mas que ele fosse tambem considerado a luz do olhar critico contemporaneo. Um olhar capaz de carregar a exposigao de significados relativos ao nosso presente, tanto par meio da arte que ela apresentasse quanta pot meio da maneira corn que os trabalhos fossem apresentados. Alem da necessidade de urn espirito, de urn pensamento metaforico que revelasse o contemporaneo, ou pelo menos servisse como o instrumento de sua revelagao, nasceu a exigencia de uma designagao que exclufsse as linguagens da decada anterior, já devidamente exauridas nas Ultimas bienais. Que outra denominagao senao 0 Homem e a Vida faria melhor contraponto a Arte,sobre Arte" tao caracteristica dos anos 70? Afinal, grosso modo, esta é a grande dicotomia dos nossos tempos; a grande divisao, o eixo em tomo do qual giram todas as manifestagoes da arte avangada. Par "arte avangada" obviamente entendem-se as manifestag6es nao-comerciais ou nao-orientadas para o consumo. Ou seja, aquelas que formam urn conjunto de aspiracoes espontaneas, operacees dedutivas, experiencias de interagao e progressao que nascem na, vida elevada da inteligencia. E claro que, em Ultima instancia, tudo envolve 0 Homem e a Vida, talvez o mais cornpleto e metafisico abstracionismo, a mais to-

tal desmaterialidade e conceitualismo da arte maternal:Ica, os maiores alheamentos da tecnologia, a arte da pura inforrnagao epistemolOgica. Pot isso mesmo, 0 Homem e a Vida nao se tornou o titulo de urn tema convencional, como se fazia no passado.Nao é - e nem podera set, por set; carater amplo e simbOlico -urn "assunto", uma proposigao tratada ou demonstrada pela exposicao. 0 Homem e a Vida 6 urn name vago e poetic°, mas inequivoco e muito significativo no espirito que marca o grande evento. Caracteriza uma empatia imediata e direta corn a arte de hoje (e nao indireta e transcendente como nos casos citados acima), revelando-a corn maior profundidade. Corn algumas nuances, é claro, ha - em essencia apenas tres maneiras criticas de se organizar uma exposicao contemporanea intemacional, de modo que ela possa estar realmente inserida no sistema universal da arte. A primeira é a convencional: trata-se de estabelecer uma tematica definida de forma que a producao artistica seja circunscrita a questhes especificas. 0 resultado 6 uma exposigao analitica tradicional, longe dos objetivos da r82 BISP. A segunda maneira e empirica: define criterios relativos a "aspectos'' da produgao artistica, coma o vigor, a contemporaneidade etc. 0 resultado 6 uma exposigao que aponta: "Isto é vagaroso, aquilo é contemporaneo etc." E a terceira forma, tambem empirica e nao-convencional, prop5e uma empatia corn o objeto de analise; e portanto, uma empatia com o espfrito da epoca que ele traduz. Aqui, o resultado é uma exposicao que se pretende analoga ao seu momento na arta. Este e o caso da r84 BISP. Mas, alem de representar esta postura, 0 Homem e a Vida tambem é uma estrategia. Uma marca para a colecao de ideias defini-

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das, sem a qual nao se teria chegado nem ao piano preliminar da exposicao. Porque alem de amarrar este projeto complex° tornando as suas partes coerentes entre si, este logotipo foi responsavel tambem pela orientacao e influencia sobre as representacOes estrangeiras. 0 resultado da r8a BISP e, portanto, conseqiiencia direta da aplicacao dos conceitos criticos reunidos sob o nome 0 Homem e a Vida.

A Bienal como espetaculo 0 objetivo é trazer ao palico urn novo conjunto de valores desenvolvidos a partir dos problemas sociais, movimentos da mulher, importancia da personalidade (vida, biologia, antropomorfismo), autobiografia (onde persona, psique, condicao humana e arte estao entrelacados de alguma forma), culto teatral e temporalidade. 0 que se pretende, em Ultima analise, é avaliar tambern as manifestagOes chamadas pos-modemas, que certamente tendem -junto corn a nova. pintura - para o ontolegico. Esta parte da arte contemporanea cabe aos novas cenarios narrativos que substituem as performances convencionais e aos pOs-happenings a pintura de imagem, a nova arte do corpo e principalmente a associacao teatral - nao menos expansiva, energetica e epico-narrativa do que a chamada "transvanguarda" ou neo-expressionismo selvagem - de relevos, escultura livre sobre o chao e pintura ou objetos em grandes dimens8es. Ha a explosao inconformada da pr6pria tela, que nega a parede, o muro, a instituicao, e cujos fragmentos grudam-se fortuitamente por toda parte estampando imagens. Mas persistem tambem as instalac8es, a pintura mural (graffiti etc.); e naturalmente, a arte ligada a tecnologia corn tendencia a linha do registro.

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0 grande pensamento . metaforico que revela desta vez o contemporaneo, por outro lado, nao é literario como esta tao em yoga nag exposiceies internationals europeias. E simplesmente o "espetaculo". Urn carater que pode dinamizar o evento a partir,, inclusive, da pr6pria essencia contida na reflexao sobre 0 Homem e a Vida. Nos vivemos numa epoca pre- (cat p6s-) apocaliptica do espetaculo, e isto esta patente em cada manifestacao. 0 artista de hoje - corn a visã° prospectiva de sempre (basta lembrar Leonardo) - ja. detonou a bomba nuclear, e renasce das cinzas como uma Fenix, encenando o proprio drama da humanidade. A volta da pintura, a pos-performance, as novas instalagoes lidam corn questOes relativas ao espetaculo em todos as seus pormenores, e na sua propria essencia circunstancial, efemera e energetica. Mito, tradicao irreverencia, narcisismo, sao questeies muitas vezes representadas teatralmente, sobretudo em nossos dias, corn o culto exacerbado da subjetividade, individualidade, emocao e irracionalidade. 0 espetaculo (a expressao) é uma das muitas formas, afinal, que se colacam, na major pane das vezes, frontalmente contra o rigido cultivo da linguagem, conceitos e consciencia etica e estetica caracteristicos da decada de 70, e que exigiam o rigor e neutral idade da "caixa branca" como espaco de galeria, museu ou bienal, para poder se desenvolver. 0 projeto e a exposisdo

0 primeiro passo, corn respeito a realizacao da I8a Bienal Internacional de Sao Paulo, foi amarrar todos esses objetivos numa s6 proposta organicamente entrelacada e congruente, de modo que o ponderevel e o imponderavel, o previsivel e o imprevisivel nunca gravitassem em sua

volta, mas ao contrario, se integrassem aos seus principios. No projeto encomendado a mim por Roberto Muylaert, e enriquecido par sugestOes da Comissao de Arte e Cultura a pela valiosa colaboracao da Assessoria de Planejamento e Execucao de Eventos, estavam articulados todos as segmentos da grande exposicao. Do nixie° historic° ao contemporaneo, das exposigoes espedais aos eventos paralelos, nos quais se inclui o setor de mUsica, reafirmando o carter interdisciplinar da arte contemporanea. Da monitoria de adultos, que foi reciclada por uma nova e dinamica visao, a infanto-juvenil, que constitui uma inovacao. Cada urn tinha a sua razao de ser dentro da totalidade do grande evento. A perfeita compreensao dos propositos da 182 Bienal Internacional de Sao Paulo por pane significativa das representagaes estrangeiras transformou em realidade o projeto inicial. E isto se deveu a urn trabalho sistematico de inter-relacionamento corn as representacoes estrangeiras, no sentido de tomar a exposicao coerente corn a concepcao basica e o espirito de I8a BISP. Mas era fundamental, por auto lado, que a Bienal nao se ativesse apenas as participagiSes oficiais, pois isto - alem de enfraquecer seu poder de iniciativa - iria tirar-lhe a possibilidade de explicitar sua posicao frente as proprias decisoes conceituais. Urn convite oficial continua a representar, afinal, a ilustracao de sins definicoes criticas, o exemplo de sua orientacao corn relacao aos objetivos da totalidade da grande exposicao. Assim, finalmente, estao representados artistas individuais, movimentos e grupos' histericos que realmente contribuiram nao apenas para o desenvolvimento, mas sobretudo para o nosso entendimento da arte contemporanea como Wilfredo Lam, Fernando

Botero, Manuel Alvarez Bravo, Patrick Caulfield, John Cage, "Movimento Cobra", Atelie Vienense, Emilio Vedova, o grupo da "Nueva Imagen" e grande pane dos artistas que compeem e exposicao especial "Expressionism° no Brasil: Herancas e Afinidades". E assim tambem surgiram as contrapontos coma as trabalhos geometricos de Jo Delahaut e as esculturas de Yoshishige Saito que nos dao maior distanciamento apontando a dimensao daquelas contribuicaes. Por outro lado, o imperativo de se confrontar aspectos importantes da arte contemporanea par meio da pluralidade dos media e linguagens que as caracterizam no presente, fez corn que se configurasse uma interessante e variada constelacao de nomes e tendencias. Mais do que isso, revelou a fragmentacao pluralista caracteristica do nosso momenta, onde nao ha grupos definidos de valores. Na verdade, agrupam-se esteticas mistas que alcancam uma cern unidade nos meios pelos quais cada uma declara as suas intencees. Era natural que este rnicleo contemporaneo - exaustivamente estudado, junto corn o historic°, por urn dedicado grupo de qualificacao e sistematizacao do material - tivesse sido dividido entre os artistas que mantem meios, tecnicas e linguagens tradicionais e aqueles que enveredam por novas caminhos. E era natural tambem que a Bienal recebesse desta vez uma enorme quantidade de trabalhos que defendem a nova pintura, uma vez que este é urn fen8meno mundial; e que creseesse consideravelmente o rainier° de instalacoes, vista que o artista inconforma-se cada vez mais corn a unificacao dos meios, propondo justamente a sua interpenetracao. A visa° pluralista dos anos 8o, a interdisciplinaridade, a eliminacao de fronteiras es-

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teticas, a rnistura dos meios e categorias artisticas, aliadas a necessidacle de configurar a 18a Bienal Internacional de sao Paulo como um espetaculo, sobretudo no sentido de construir urn espaco virtual de vivencia, experiencia e compreensao didatica da arte pelo public°, permitiu a coerencia de se criar andlogos a essas caracteristicas. Espacos estes, perfeitamente entendidos e organizados pelos arquitetos da Bienal. A "Grande Tela" e as exposisoes especiais

Urn dos espagos referidos anteriormente é o que se convencionou chamar de Grande Tela. Este é um termo que foi usado ha alguns anos, de forma diversa, por urn critico italiano que pretendia demonstrar na pintura o ritmo desenvolvido entre o quadro e o ambiente no qual vivemos. Mas aqui, a Grande Tela é urn bloco simbOlico real, de grande impacto, que agrupa a produce° atual da nova pintura e termina em si mesmo. Corn aberturas prospectivas em direcao a novos caminhos. Na Grande Tela, os trabalhos sao articulados entre si, num desenrolar ininterrupto, narrativo e ruidoso. Porem, que nao se espere dali urn discurso coletivo fluente e linear. Ao contrario, a Grande Tela revela, sobretudo, o atrito, choque e antagonismo caracteristicos, alias, de toda relagao profunda e amorosa. Os seus significados podem ser lidos a luz da historia da arte, sociologia ou filosofia. 0 que se pretende mesmo é criar urn espago perturbador, uma zona de turbulencia, analoga aquela que encontramos na arte contemporanea. Contudo, a visa° de tal conjunto tern como fundament° a utopia. E nao parece presuncoso afirmar que ele é tambern antididatico, anti-historicista, anarquico; e tao tea-

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tral quanto os preprios trabalhos que "encenam" o seu referencial histOrico e repertorio autobiografico. Adquire o seu significado total por meio da nocao de uma ocorrencia cotidiana, ininterrupta e sincronica dos atos estruturados que se deo entre o artista e o fruidor. Atos que - como urn todo - agem como "cola" psiquica, existencial e intelectual que mantem toda cultura interligada. A Grande Tela équase urn simbolo da Grande Obra contemporanea, a qual se teve ern mente ao conceber e organizar a 18a Bienal Internacional de sao Paulo. Ha tambem os espacos que circundam a Grande Tela e que foram chamados de "Naves Laterais", como se - simbolicamente - o grande conjunto de pinturas representasse tambem a nave central de urn templo, construido para o culto liturgic° de celebracao da arte, Homem e Vida. Nestas naves irregulares estao as instalac5es que mantem estreita relacao corn a "nova pintura" ou corn o carater da Grande Tela. Sao espagos intrincados que permitem configurar finalmente o cardter polemic° desta zona de turbulencia, que é onde a Bienal se apaia, onde surgem as questoes mais importantes. Uma zona que é a principal raze° da existencia da grande exposicao. 0 percurso termina corn a saida desta zona de agitagao, deste turbilhao de valores que a arte espelha, para urn momento de respiro e distanciamento, onde se estabelecem relacoes muito importantes. Trata-se das exposig5es especiais que formam uma ponte de ligacao entre o presente e o passado historic°, o futuro e o arcaico e primitivo. Sao dez exposigees especiais, estanques na sua disposicao fisica, mas absolutamente entrelagadas corn o resto da mostra. Nenhum movimento, talvez, tenha major ligacao corn as mais recentes vertentes

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artisticas do que o Expressionismo. E este movimento - no Brasil, especificamente nunca foi mostrado de maneira completa ao public°. Ao contrario, do concretismo e neoconcretismo abstrato, o Expressionismo remete diretamente ao Homem e a Vida. Por uma simples questa° de empatia coin esta ideia. Fazer a associacao do Expressionismo corn o espirito da isa Bienal Internacional de Sao Paulo, por meio da exposicao Expressionism° no Brasil: Herancas e Afinidades, é o resultado de uma postura livre que se opoe aos rancos e a rigidez academica. Da mesma forma como ocorreu corn a Arte plumaria na Ultima Bienal, as exposigees 0 Thrista Aprendiz, Mascaras da Bolivia, Gravuras Cabichui do Paraguai e Xilogravuras Populares Contempordneas na Literatura de Cordel, anos 60/70, mantem uma profunda relacao de afinidade corn a arte contemporanea. Nao apenas pox- causa de sua linguagem livre, expansiva, espontanea, vemaculista (e ao mesmo tempo c6smica), mas tarn'Am pelo temario e pelas imagens ontologicas e expressivas que a formam. Mas a afinidade do presente corn o primitivo nao esta s6 nos aspectos artisticos dos elementos antropologicos etnologicos, etc. Ela esta tambem na relacao do artista Contemporaneo corn a crianca. A experiencia da exposicao especial realizada na Documenta 7 de Kassel, e repetida aqui, corn o nome A Criancci e o Jovem no Bienal - onde os jovens visitantes exp5em suas impressoes sobre a Bienal - é extremamente pertinente num momento em que o artista procura pox- uma "nova virgindade", e sua arte representa o prenancio de uma nova era, de urn novo

mundo. Talvez não.um mundo melhor, ja que os sistemas de "crenca", irremediavelmente desestruturados, nao podem ser mais substituidos. Mas sem davida, urn mundo diverso. 0 que se presencia agora é um tipo diferente de humanismo que, entre outras coisas, surge uma infancia que se divide apenas entre a percepcao e o ser, corn toda a riqueza e multiplicidade que esse enfoque implica. Ou seja, o inconsciente, os mitos, a mistica, os ritos. Urn humanismo, enfun, pOsapocaliptico, voltado ao arcaico, a primeira era, ao primeiro gesto, e tambem a primeira violencia, a primeira manifestacao de identidade, ao primeiro berro que - é claro - se une ao eletronico do futuro. Se esta exposicao pretende set - a ponte entre a utopia do artista e a realidade da crianca, a mostra "Entre a Ciencia e a Piece& e as coletivas de video arte, por outro lado, tambem representam o elo entre a necessidade de projecao, prospeccao e ambicao do artista e a realidade tecnologica e da ciencia. Pois elas sao sobretudo urn projeto para tomar possivel o impossivel. • Como o impossivel (o ut6pico) justamente a ilimitacao, a recusa do modelo, do identico e do provavel, as praticas na direcao desse impossivel - quer dizer, tanto a tecnologia e a ciencia quanto a tentativa da "nova virgindade" - sao praticas em direcao a liberdade geradora, afinal, do novo humanismo. Ali, na volta do mcluhanismo em sua conseqiiencia maxima - a maquina como extensao fisica e metal do homem - iremos talvez, entre outras coisas, reencontrar a natureza. Da mesma forma como na arte de hoje já voltamos a encontrar o Homem e a Vida.

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Possibilidades de pintura: dois exemplos RONALDO BRITO leitura da pequena tela de Eduardo Sued (s/titulo, oleo s/tela, 46 cm por er "`?"-•R 61 cm, 1985), respeitando a sua extrema singularidade, de se apoiar em duas referencias basica e ate certo ponto antitedcas - o esquema neoplastico de Mondrian e o raciocinio cromatico de Matisse. A divisao do espaco inegavelmente bidimensional, em tensoes horizontais-verticais, remete ao enunciado pictorico de Mondrian e a sua especie de demonstracao lOgica - nada vale senao urn todo, uma estrutura de pintura. 0 paradoxo de uma ordem construida pot assimetrias - uma harmonia final obtida gragas a inteng5o de partes desiguais - esti na origem do esquema de Sued. Diante dessa ordem, contudo, a sua posicao seria, a rigor, crifica. Como 'se sabe, o dinamismo neoplastico aspirava a uma solucao ideal, arquetipica, limite inclusive do proprio genero da pintura, superado entao pelo aparecimento de uma consciencia plastica e universal. Nesse sentido, a arte lograria, a seu modo, uma verdadeira subsungao logica. E é nada menos do que o Real, o Absoluto, o que esse pensamento plastic° pretendia alcangar e explicitar. Dal, saindo por assim dizer da Cavema, ele vir a iluminar o mundo, reorganizalo a partir de sua evidencia espiritual. Todos os que possam olhar lado a lado urn Mondrian e urn Van Doesburg, por exemplo,

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perceber5o a diferenca material entre uma ordem; plena e atual e uma competente ilustragdo da ordem: entre uma pulsagao ascetica, sim, controlada, sim, mas virtualmente inesgotavel, e uma equagao visual em estado mais ou menos neutro. 0 quadro se deflagra, incessante, em Mondrian, apenas se explica em Van Doesburg. E obviamente aquela ordem voraz e sempre reposta - menos ordem portanto do que visada de ordem - que a tela em questa° se reporta. Ainda assim, conservo o perigoso termo, de um modo critico. Porque no approach fenomenologic° de Sued a pintura necessitaria ser uma dialetica interminavel. As diferengas infinitesimais de ordem, o seu miter inesgotavel, obrigam o artista a uma ascese escrupulosa e, no entanto, sem telos. Mondrian, é verdade, abolira no firn da vida as linhas pretas ou as duplicara audaciosamente, permitindo uma sugest5o minima de profundidade; acentuara ainda consideravelmente o jogo cromatico na estruturacao da superficie.Telas coma os Boogie-Woogies e New York desconcertam exatamente por subjugarem series complexas, variaveis inameras, debaixo da HS. Nunca, na pintura modema, houve urn modelo construtivo fa() francamente liberal: aceitando a trama dos acontecimentos, a medida modema e vett-


ginosa de sua sucessao, ela pratica uma orAo contrario do genial Mondrian, o Atual denagao que se faz acompanhando e soluciaqui nao se impoe coma Evidencia e sim onando o acaso, negociando corn o imprevi- como Aventura. sive!. Fiel a sua origem, entretanto, o qua'Panto quanto em Mondrian (coin a sutil dro em Mondrian resume o processo da pininterrupcao das linhas antes de tocar as bortura ern proposigao, em linguagem-formal das, ensejando a "n6s" completarmos a orna acepgao estrita do termo. A natureza, o dem) esse campo visual solicita uma percepoutro da pintura, esta definitivamente ultracao ativa que sustente a estrutura e nao sopassada, o eu empiric° igualmente. A ativimente a constate e contemple. Mais ainda, dade da pintura, alcangada ao gnu maxim° porem, a estrutura 6 transitoria, recorrente de abstragao, ve-se constrangida a duvidar e, em ültima instancia, especulativa: ela nao de sua propria validade como exercicio esesquece, nao cansa de indagar o seu sendtetico. A intengao final nao é estar-no-mun-: do e a sua diregao. 0 quadro, assim, nao apa. do, emociona-lo ou esclarece-lo esteticarece como resposta, mas interrogagao. E esta mente. E, isto sim, formular as leis, as prinvird 56 na qualidade de pintura, no tempo cipios universals que o regem. Mesmo telas logic° e transcendental, sim, tambem fisico palpitantes como os Boogie-Woogies persee concreto do trabalho artistica Os segmenguem a meta de presidir o mundo, situa-lo tos (retangulos) interagem de maneira idealmente. Chegariamos, pois, a uma pinassimetrica e isto 6 decisivo, corn certeza. tura da ciencia, o pict6rico elevado a cateEnquanto segmentos contudo, guardam goria de investigacao cientifica. A superagao uma certa interioridade. Densos e intensos • da Consciencia e da Representagao aconteesses segmentos operam no limite da ce pela forca do metodo e do conceito. Tambem .para Sued o objeto da pintura congruencia: resistem ao olhar ansioso em junta-los parte-a-parte, compoem uma seria, de saida, transcendental, todo os ele"tranga" que pressupoe uma espessura do mentos ja viriam despregados da empiria e piano, um "volume" de superficie. se apresentariam coma fatos historicos deE indispensavel, portanto, tomar o esvidamente codificados. A operacao do trabaquema de Sued como urn momento de urn lho, todavia, consiste em repor em questa° processo cujo termo final jamais enxergaa sua condigao de existencia. Quer dizer, a mos, rnas, quase fisicamente, pressentimos. constituigao do mundo. Essa constituigao Esse pressentimento cla o terms de sua poenao 6 passive! de abstragao pelo simples tica e o afasta da logica formal neoplastica. motivo de que 6 ela o proprio o tema da AbsA maestria, no caso, consiste em manter esse tracao e inexoravelmente deve passar pela pressentimento ao nivel do Atual, sem percepgao bruta da coisa, pelo objeto opaco transforma-lo em alga virtual, alguma medo mundo, que deixard para tras. Por isto mina anterior ao quadro ou alguma visao esse espago totalmente articulado acabaria )osterior a ele.rIlata-se, sim, de urn olhar da pot assim dizer indecidivel - o resultado in- i maginagao - que outro titulo atribuir a essa clui a origem, abriga o "arbitrario", as peri- c ombinatoria singular irredutivel a esfera da pecias de suas marchas e contramarchas. Ao c omutabilidade? Mas, sem dovida, uma esinves de um enunciado, teriamos uma ex- t rita imaginagao de elementos que produz periencia (no sentido hegeliano) da ordem. s Ories paradoxais, em estagio de abertura .

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permanente. Encontramos assim uma cons : entre este duplo territOrio. Ela parece somar, tancia apoiada em manobras implausiveis ou intrincar, a atualidade abstrata de Mondrie que subsiste no regime do instavel. 0 mi- an a atualidade sensivel de Matisse. Em todo lagre em Mondrian 6 que a ordem "absolu- caso, artisticamente, "resolve" a antitese. ta" escape a uma apreensao derradeira e E me apresso em esclarecer o Sensivel comande uma percegao sempre avida e in- em Matisse. De fato, ninguem mais cartesisuficiente. 0 extraordinario em Sued é que ano, ninguern mais intelectual quando o asuma estrutura tao ambigua consiga fixar-se sunto 6 a razao da cor na modernidade. A . por um instante que seja. 0 surpreendente distancia met6dica, a maniaca concentracao uma ordem tao extravagante afirmar-se sabre o problema da car coma relageio, atestao resolutamente. tam na obra de Matisse urn pens amento picCorn o dogma das cores primarias, o neo- t6rico altamente abstrato, sem concessees plasticismo assumia ostensivamente a arte mundanas. Mas a razao da car coincide precoma pensamento autonomo, mathesis ao cisamente cam a forma elevada da emogao inves de mimesis. Quaisquer referencias a da car, tomada agora a nivel transcendental, natureza eram banidas em favor da formali- coma autentico modo de estruturacao real. zacao de uma linguagem pura. Embora uti- 0 sentimento da car passa a set urn modo lizando uma paleta neoplastica (misturan- insigne de captacao do real. A sua universado-a parent a urn verde e urn magenta nada lidacle estaria implicitamente igualada a ortodoxos), a tela de Sued movimenta um universalidade de palavra (Logos). Essa nova raciocinio cromatico matissiano. As cores universalidade 6 mais uma prerrogativa da chapadas, luminosas, dominam contrastes liberdade do homem moderno diante do variados e extremos. Aspiram quase, matis- mundo, mais uma prova de confianca no sianamente, a condigao de cores ideias, na potencial este-tic° da vida. E essa confianca medida em que carregam o minim° impres- atravessa o lirismo ingenuo, a 'empatia imecindivel de pigmento e dispensam trata- diata corn a natureza, porque emana diremento de superficie. Substantivas e paten- tamente da forga emancipateria da razao tes, estas sao cores guiadas para a eviden- modema. Mas par isso mesmo a autonomia cia maxima, votadas a exterioridade. Corn da pintura em Matisse nao parecia se fazer respeito ao pequeno Oleo a alusao as cola- a custa de uma atitude agressiva, autoritagens de Matisse parecera talvez ficticia. Nas ria, frente a natureza. Simplesmente esta grandes telas essa filiacao se exibe flagran- nao lhe °pee resistencia - a pintura transfite. 0 problema, entretanto, é o mesmo: sal- gura serenamente a empiria e a natureza, tar decididamente as cores e ainda assim celebra poeticamente a transcedencia do conserva-las em rigorosa relagno estrutural, mundo do homem. eis o desafio. Com tal profusao de cores arA harmonia dinamica de Mondrian posmar uma grade neoplastica, "livre" que seja, tula urn valor Axiomcitico, a de Henri Matisse seria pelo menos uma tarefa arriscada. Por exalta urn valor propriamente Estetico. A peoutro lado, uma "improvisacao" cromatica quena tela de Sued, por sua vez, embora sispresa a um esquema dado ficaria, em tese, tematica, nao reivindica a autoridade de axiocondenada ao fracasso. E, no entanto, muito ma; apesar da exuberancia cromatica tamclaramente, a pequena tela atua neste ou pouco anuncia uma celebragao estetica do

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS POSSIBILIDADE DE PINTURA: DOIS EXEMPLOS - RONALDO BRIM

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS POSSIBILIDADES DE PINTURA: DOIS EXEMPLOS - RONALD° BRITO

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mundo. Uma clUvida a percorre e impulsiona avessa tanto a estratificacao logica quanto a depuracao estetica. 0 seu efeito como obra de arte, nada desesperador, seria corn certeza inquietante. 0 instavel e o estranho, constitutivos da vida humana, o drama do mundo enfim, se mostram refratarios a racionalizagao ou a sublimagao integrais. Eles Item, portant°, assimilados, interiorizados, nas cores literalmente vivas e em suas relagoes imprevisiveis, na propria serialidade "absurda". Nem calculo lOgico, nem cotidiano sublime, a tela aparece como momento estetico em suspenso, atirada a uma contemporaneidade em tudo e por tudo irredutivel a definigoes a priori. Ela se expoe frontalmente no mundo justo para instaurar uma dialetica acerca de seu fundamento e de sua hist6ria. Do mesmo modo, acredita firmemente na arte: desde que nao venha decretada como tal. A tela de Jorge Guinle (61eo s/tela, 36 cm X 78 cm, 1984) lembra espontaneamente o expressionismo-abstrato de Willen de Kooning. Logo a seguir, porem toma-se perceptivel a distancia e a ironia frente ao heroism° existencialista caracteristico da ActionPainting. Ha urn que luminoso demais, leve e matissiano demais, o clima geral é o de uma par6dia. Par6dia, bem-entendido, que ocorre a nivel da propria fenomenologia da Action, como uma repeticao reflexiva e desencantada do processo. Muito alem das imagens, ou meramente os cliches, o que se ironiza é o telos, embora problematic°, dessa Agao, é a crenga mesmo que corroida e angustiada no Tack. Sumaria, casualmente, o artista agora fecha a borda inferior e uma das laterais do quadro corn rapidas pinceladas continuas e se dispae a atacar intempestivamente a superficie. 0 procedimento implica, quase, a previa anulacao do drama 348

gestual expressionista-abstrato - este vai fechando intensamente a trama pict6rica ate alcangar a superficie, para explodi-la na face do mundo. Jamais as imagens flutuariam indiferentes no espaco sob o risco de diluigao no ilusionismo e retomo ao esquema figura e fundo que tenta pateticamente violar. A fixacao dos limites, sera, portant°, parte integrante e importante, eventualmente o momento crucial da estrutura. No pequeno Oleo de Jorge Guinle isto nao acontece. A manobra, sem chavida, atesta a bidimensionalidade do quadro e traz a tona as pinceladas corn urn peso material. Mas somente para definir o territ6rio onde os gestos vao se exercer entre a pun pulsao da pintura e a impossibilidade hist6rica de pintar - algo de novo, e claro. Sobra uma certa fUria de pintura que, no ambito de grade cubista, evidencia finalmente a aporia da arte no mundo: sem funcionar mais como "janela" dispositivo representacional, permanece atras do "piano" do real, pairando em urn limbo imaginario. De Kooning e seus companheiros desdenhavam o programa construtivo de integragao e participag5o da arte no mundo modemo. 0 transe da Action, contudo, tambern era movido por urn credo radical: nada menos do que a absorgao total no Ser da pintura. Os gestos iconoclastas, banais e transgressivos seriam ao mesmo tempo inaugurais, sena° miticos - detinham o poder magic° de reassumir e revitalizar o sujeito massificado da civilizagao tecno16gica. 0 perimetro da tela se negava a ser instrumento ou teatro de coisa alguma - aui e s6 ali pulsava a possivel conquista do nexo, absurdo e precario que fosse, o dialogo vivo entre biografia e historia. A arte voltava inclusive a buscar urn contato corn a natureza, confundindo-se a ela numa espe-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS POSSIBILIDADES DE PINTURA: DOIS EXEMPLOS - RONALD° BRITO

cie de unidade estranha já ao humanismo modemos ou apagar as suas inscricees quaeuropeu classic°. A celebre frase de Jackson se seculares. Pollock - "Eu sou a natureza" - nao e mera Isto, corn certeza, nao encerra a questa°. declaracao panteista ou simplesmente o A arte vive de problemas tanto quanto de cUmulo do subjetivismo dos tempos mo- solugoes. E no caso, ai ela comega a vibrar demos - talvez seja, isto sim, a extensao no dilema e no conflito entre espectador e insuspeitada e escandalosa do Genic) Natu- produtor. A situacao oferece ate vantagens, ral de Kant, corn uma velocidade racional e ardilosas, é verdade. 0 tema visado é a arte uma angastia efetiva de curto-circuitavam e nao uma brincadeira corn a arte. E, no enas conexees entre pintura e natureza. E o tanto, restam sobretudo o arbitrario, o desnovo "pacto" com a natureza era selado es- compromisso e o humor como estimulos cricancaradamente contra a sociedade. Ele reticos. Por isto o artista langa "no meio" do sultava da solidao do laboraterio da arte quadro uma inopinada mancha que contramodema e da solidao do individuo anoni- ria regras elementares de composigao e insmo das metropoles. Impossivel separa-las. titui uma divisao quase rigida entre pinceDe positivo, perversamente, havia s6 uma ladas que parecem se compatibilizar por ausencia: a do public°, a mediacao do sen- oposigao. Quase de imediato o lance evoca so comum do qual Kant esperava tanto para Jaspers Johns, o intelectual austero da Pop, a plena realizagao do mundo cosmopolita. desconfiando filosoficamente da percepgao, Sintomatica, reativamente, a nova pintu- investindo contra o primado da retina na ra em muitos sentidos quer fazer uma arte arte, aquele pelo qual Marcel Duchamp nudo paha) e para o paha). E ser a norma ou tria lendaria ojeriza. Em nada aqui a fatura o sarcasmo, a nostalgia ou a contrafacao de lembra o drama surdo, esquizo, do tratamenuma arte reconhecivel pelo pUblico; o esfor- to picterico sutilmente "grosso" de Johns, o co para resgatar qualquer empatia vial/el, a seu refinamento urn pouco mOrbido, porque descrenca cinica em qualquer empatia real neutro. Mas o borrao ocre/marrom interromou ainda a vontade contraditeria de forgar pe o jogo desinvolto das pinceladas, decepuma empatia qualquer. Diante clessas alter- ciona a seqiiencia que o olho luta a todo cusnativas, eu diria que o nosso exemplo man- to pan localizar e reter. 0 sonho da totalidatern uma reserva modema; ao mesmo temde esta desfeito, a tela se declara cetica quanpo em que, visivelmente, reage a opressao e to a verdade Unica e her6ica do campo pica saturacao modemas. Em de Kooning a ati- torico. Ao contrario, aposta numa precaria tude modema prevalecia sobre as obras mo- solucao contingente, na felicidade de urn dernas e seus efeitos compulsorios, estes "todo" artistic° incerto e provis6rio; ainda mesmos que contaminavam o seu pr6prio assim "todo", ainda assim artistic°. trabalho. A grandeza antiacademica residia E tudo pela afirmagdo, o prevalecimento na possibilidade cotidiana de reprocessar a do ato de pintar, a transcendencia do ato de histeria da arte e dal retirar uma autentici- pintar. Claro, o tempo desses gestos recendade existencial. A pequena tela de J. Guin- tes, causticos e sorridentes, é o presente emle, ao contrario, é compelida a aceitar de pirico - eles recusam a metafisica da histOsaida o inelutavel papel de espectadora da ria, a da arte e a Outra. 0 trabalho nao quer arte. Nao ha mais como revogar os marcos ser sen5o a pratica "livre e desinteressada" CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS POSSIBILIDADES DE PINTURA: 0015 EXEMPLOS - RONALD° BRITO

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da pintura. Esti destinado, pois, a conviver corn urn paradoxo: no presente cabe inteira a sua razao de ser transcendental. E deixa em suspenso a pergunta moderna por excelancia — o que vira a ser, no futuro, a arta? A questa° é tao-somente a possibilidade do exercicio em aberto da pintura. A tematizacao enfatica e incansavel deste exercicio distingue o trabalho de Jorge Guinle. A medida de valor passa a incidir na intensidade e na forga dessas manobras que, nao sendo propriamente novas, devem ser atuais na acepgao premente do termo. A meu ver a pequena tela resiste assim ao ecletismo, dito p6s-moderno, em yoga: antes sofre e nega contemporaneamente o peso repressor da modemidade. Neste registro aparecem a sua ironia e o seu transe, desencantados, mas ultra-ativos, desiludidos, porem nada decadentes. Acatando os tramites de urn cotidiano anti-sublime, cada vez

mais pasteurizado, o quadro evita a pretensao de eleva-lo ou mesmo deslinda-lo. Contudo, vai tomar distancia, encontrar a sua dimensao etica frente a empiria maciga e opaca. Ate certo ponto, vai enfrenta-la mediante a inteligancia especffica de uma pintura obsecada corn o percurso complexo de suas pulsoes. Em urn tempo de saturacao hist6rica nao existe sequer o recurso de exorcisar a arte, continuar a "math-la" moderadamente; tampouco o de mergulhar em busca de seu pathos original. Existe, isto sim, a opgao de casualisa-la.e relativiza-la, embaralhar talvez a hierarquia de seus conceitos e valores. As pinceladas a primeira vista discorrem a vontade — de fato estao empenhadas em "esquecer" a tradigao com toda a consciancia e determinagao. 0 saber da pintura (seguindo, ironicamente, a ligao dos grandes mestres) precisa, como sempre, se transformar em urn nao-saber.

A festa acabou? A festa continua? MARCUS DE LONTRA COSTA m julho de 1984 a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV) inaugurava a exposigao "Como vai voce, Geragao 8o?", reunindo 123 artistas de todo o pals. Quatro anos depois considero possivel, a partir do necessario distanciamento hist6rico, comentar algumas questoes que esclaregam o espirito da mostra e, corn isso, permitam aprofundar algumas discuss5es sobre a produgao artistica contemporanea no Brasil destes filtimos anos. I. A ideia da exposigao surgiu a partir do Salao Nacional de Artes Plasticas de 1983. Como membros do jiiri de selegao e premiacao, Paulo Roberto Leal e eu viajamos por diversas capitais estaduais. Constatamos, entao que algo de novo estava surgindo no circuit° das artes plasticas e que isso se dava corn intensidade nao s6 no eixo Rio/Sao Paul° como, tambern, em outras cidades habitualmente desprezadas pela politica das artes. Esses jovens artistas, que comecavam a aparecer no inicio dos anos 8o, eram oriundos de alguns micleos de resistencia cultural durante a ditadura; muito pouco, ou nada, deviam aos movimentos experimentais que marcaram os anos 70. Ao contrario, longe de exercicios conceituais, ales investiam primordialmente nas tacnicas tradicionais

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS POSSIBILIDADES DE PINTURA: DOIS EXEMPLOS - RONALD° BRITO

do fazer artistico: pintura, gravu . ra em metal. Interessavam-se pelos processos artesanais da arte, ao mesmo tempo que mantinham urn compromisso, comum a todos, em diversos pontos do pals, de construir imagens contundentes e vibrantes, "bem 'lyres, sem preocupagoes formais desnecessarias", conforme urn dales declarou-se em dezembro de 1983. Ern sua imensa maioria desconheciam por completo os movimentos europeus de revalorizacao da figura, corn a transvanguarda italiana. Para uma geragao criada sob o signo do medo e da repressao politica, a informacao sempre foi escassa; os lagos corn a hist6ria recente haviam sido rompidos. A morte e o exilic de diversas personalidades de destaque no contexto cultural nacional ajudaram na formacao de uma geragao sem modelos e padroes. 0 retorno a figuragao pode ser justificado pela ideologia de valorizagao do corpo: na impossibilidade de agir no contexto sociocultural, subvertendo valores coletivos, pratica impensavel nos anos da ditadura, o corpo passou a representar a intim cidadela da liberdada, ele passou a ser a imagem da resistencia; a propria expressao nele se contain. A pintura, portant°, é o registro dessa formulagao: ela é o registro do gesto, da danca, da esperanca. Enquanto a geracao anterior, a


geracao que levou porrada, a geragao que comeu o pao que o diabo amassou, investia no experimentalismo para poder sobreviver, para manter acesa a chama da inteligencia, para poder continuar questionando, corn as armas possiveis, as instituicoes e o poder, a nova geragao que ntio levori porrada e nil() comeu o pao que o diabo amassou investiu na artesania da arta, pois nao via mais saida alguma; ela nao acreditava mais na resistencia. Assim, de um lado, ha mais geragao que se faz do exercicio da arte uma pritica intelectual, uma provacao ao sistema e a ordem, que recusa, dentro da tradicao modemista, a arte retinesca e meramente prazerosa. Regida pela etica, a arta conceitual é urn grito debil, porem persistente, de resistencia e de luta. Por outro lado, a geracao mais nova faz da elaboragao de imagens a sua pratica cotidiana, investindo nos processos artesanais, buscando, atraves de obras vendaveis, seduzir o mercado para poder nao perturbar o sistema e nao ser par ele perturbado. Para essa geracao, nao ha mais saida, nao ha mais luta, nao ha par que se dedicar, nao ha mais pals, grupo ou geracao. An inves do prazer socializado, pre-68, o prazer é individual, egoista e particular. Faz-se arte, principalmanta, porque nao ha nada mais para se fazer. A rebeldia dos rebentos de uma classe media enriquecida pelos emprestimos externos e pela ideologia do milagre recusa essa realidade; sem hist6ria, sem passado, ela nao ve saida, a nao ser recusar a modernidade, a urbanizacao, a industrializacao e a ciencia, agentes nas quais ela identifica as bases de todo o mal. Esses s5o os embriees da geracao 8o: uma geracao que n5o acredita mais na modemidade. Os anos 50, paraiso dessa ideologia modernista entre n6s, propunham urn pals nova e dinamico: Brasilia, inch:Istria automobilistica, concretistas e neoconcretistas, empresurios e operarios, 352

abencoados pelo poder federal, investiam num pacto nacional de construcao de um Brasil modem°. A crianca imagina o dia em que pilotard a sua nave ate o coracao da mata amazonica. 0 Joaozinho brasileiro pode sonhar modemo, como o Ivan sovietico e o Bill none-americano. Os anos 70 revelam verdadeira face dessa festa: tortura, Lei de Seguranca Nacional, censura aos orgaos de comunicacao, ordem nas ruas e progresso nos bolsos da burguesia que consumia feliz a grana que o militares pediam emprestado la fora. A modemidade no Brasil foi sem ter sido, ficaram as minas de urn sonho destruido, amargo despertar. Seu simbolo major, Brasilia, a capital de todos as brasileiros, transformara-se num bunker militar, os tecnocratas e os militares circulavam felizes em seus carros oficiais por suas largas e quase desertas avenidas; o povo que as construira apertava-se na Ceilandia, em outras favelas, na mesma miseria de sempre. Enquanto isso, o mercado de arte flarescia, descobrindo os valores de urn pre-modemismo incipiente e rethrico que caiu como uma luva para os anseios conformistas de uma elite enriquecida e envergonhada de suas proprias raizes. Ora, pan uma cambada de mesticos ignorantes, que recusavam a sua prOpria hist6ria, o seu pr6prio passado, sua pr6pria genetica, nada melhor do que a invencao de um passado ficticio, nada melhor que a alegoria e a grandiosidade epica do academismo. 0 pals condenado ao modemo deixou-se dominar por uma elite cujo sonho major de riqueza era o Bad da Felicidade e o sonho maior de beleza era a arte pompier. Enfim, como o mercado, dentro da 6tica capitalista selvagem que rage o nosso pals, deve dar ao public° o que ele merece e quer, a uniao foi perfeita. Nunca tantos deveram a tao poucos, nunca compraram tanta bugiganga. "Yeah, we have bananas!" Du-

rante a adolescencia, nesses confusos anos 70, a futura geragao de artistas vai descobrir os simulacros da modemidade atraves das pecas produzidas pelo mercado publicitario, pelos flumes classe B da televisao, pelas hist6rias em quadrinhos. A modemidade sinenimo de progresso, de grandes obras de engenharia, da ponte Rio-Niter6i, da especulacao imobiliaria desenfreada, da ganancia, do lucro fad il e da corrupgao. Sem passado e sem futuro, ela desconhece a Utopia, alimenta-se do nada, da ausencia de projeto. Neste sentido, a busca por uma arta figurativa justifica-se coma uma tentativa de se descobrir urn tema, uma historia, urn caminho qualquer. Urn dificil recomeco: fala-se no p6s-modemo; produz-se o pre-moderno. Seja nas artes plasticas, na =Fisica, no cinema, no teatro, toda essa geracao, "filha do fala o tempo todo somente sobre ela pro/Dna, onda narcisista que camufla urn neo-existencia-limo piegas, uma vontade de rir sobre a sua pr6pria imagem, inexplicavel nostalgia de um passado vulgar que, enquanto presente, era passim°, pOrem, o tempo glamuriza e ... Nada de presente, nada de modemo! 0 jovem brada esse lema quando se ye dentro de urn Onibus apinhado e percebe que havia sido criado, para pilotar naves espaciais. Por isso, nas artes plasticas, ele tende a recusar toda e qualquer imagem que nao seja &via: toda abstracao constr6i urn territorio, todo o territ6rio pressupoe iima reflexao, toda a reflexao determina uma racionalizacao de metodos; toda a racionalizacao exige objetividade; toda objetividada representa o discurso modemo; toda a modemidade é repressora. Assim, nesse raciocinio, o jovem salta do Onibus e, perdido no meio da cidade, determina que sua chupeta e o mais antigo fossil sobre a terra: a geraga° milagre, portanto, precisa se ver no palco, se vet nas telas, para poder se identi-

ficar, para poder saber quem é, para poder tentar descobrir autos iguais a ela, replicantes de urn mundo que se pretende abandonar, vida sem sentido. Para resistir, é preciso rir, e pintar, e ter prazer. Nas artes, sai Duchamp, entram Picasso e Matisse. Ao contrario da Europa, a Geracao 8o nao fala de drama, nao visceraliza sexos e nacionalidades. Para ela, pintar já é o proprio desafio, pintar-se é a suprema ousadia. Vender é o maximo prazer. E, assim, instala-se o paradOxo: a geragao que investe na Individualidade quer, ao memo tempo, descobrir companheiros, Narcisos a procura de sua imagem, a procura de seu eco. A geragao que investe no corpo e na sensibilidade comeca a perceber que sem a ciencia e a razao tudo igual, nada sera produtivo, todo prazer se perdera na impotencia ou na ejaculacao precoce. E al, entao mais ou menos no inicio desta decada, essa geracao, que 56 fala dela, descobre que o faz nao par que quer, mas, sim, porque n5o sabe falar de nada mais. E, entao, uma nova hist6ria comeca. Inicialmente, Como vai voce, Genic& 8o? estava prevista para set realizada no Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro. A proposta era apresentar urn amplo painel cam cerca de 6o artistas emergentes selecionados pot todo o Brasil. No Rio, selecionamos arilstas inicialmente, oriundos dos atelies de gravura do Palacio do Inga, dos atelies de escultura do MAM e das turmas de pintura do Parque Lage. A esses foram agregados; atrayes da indicacao de Manfred° de Souzanetto, artistas da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os artistas de outros Estados foram selecionados a partir de participacoes em saloes de arte e exposicoes coletivas que tinhamos visto; alem disso, Paulo Herkenhoff, entao Diretor do Instituto Nacional de Artes Plasticas, e 2.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRDICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

A FESTA ACABOU? A FESTA CONTINUA? — MARCUS DE LONTRA COSTA

A FESTA ACABOU? A FESTA CONTINUA? — MARCUS DE LONTFtA COSTA

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bastante familiarizado corn a produgao brasileira, colaborou indicando alguns nomes. Problemas burocraticos e algumas desavengas corn a Direcao do MAM levaram ao cancelamento da exposigao. Logo apes nosso desligamento do MAWRJ, Paulo Leal e eu fomos ate o Parque Lage. Desde dezembro do ano anterior eu dirigia a instituigao, convidado por Adriano de Aquino e Darcy Ribeiro, pan dinamizar aquele espaco tradicional em nossa cidade. Apesar do carinho e da dedicagao de Rubem Breitman, antigo diretor, as dependencias da EAV estavam em completo abandono; nenhuma verba, nenhum apoio e, o que é pior, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, atraves do Jardim Botanic°, lutava para reaver a casa, antecipando em urn par de anos a politica da broa de milho que inaugurou as bases culturais da gestao Pimenta a frente do Ministerio da Cultura. Como estrategia de sobrevivencia, Breitman dinamizou o made° de pintura da escola corn o apoio de Luiz Aquila, Charles Watson e Claudio Kupermann gragas a eles, a EAV resistiu ao chaguismo e funcionou como bergo pan diversos artistas hoje consagrados. De qualquer forma, malgrado a dedicagao desse grupo de abnegados, a antiga residencia de Da. Bezanzone Lage (ou, segundo Marina Colassanti, a "casa do tido") estava caindo aos pedacos. Leal propOs, meio de brincadeira, que fizessemos a mostra por todo o Parque Lage. Em dois dias a blague era coisa sena, transformara-se em realidade. A Escola, corn seu estilo ecletico, monumento ao kitsch, alegoria da Beija-Flor de Nil6polis constituida em plena decada de 2o e rodeada por urn jardim ingles, era a metafora perfeita pan a arte que surgia e que iria ser apresentada. A falta de qualquer infra- estrutura sugeriu uma mostra nao convencional, nada que lembrasse um museu ou uma instituigao: os artistas foram in354

citados a ocupar todos os espacos, nada de paredes, nada de burocracia. Desde o inicio pensei na mostra como urn grande espetaculo, uma grande festa, algo semelhante a uma 6pera que tivesse um pouco da grandiosidade de Aida e urn pouco de beleza e frescor da Traviata. Sem dinheiro, convidamos Sandra Mager para participar do projeto e fomos os tries a luta: conseguir dinheiro para viabilizar o catalog°, o material de imprensa, a divulgagao. Estrategia contemporanea: nada de manifestos, nada de compromissos: viva o press-release! 0 sucesso da exposigao (estavamos, desde o inlcio absolutamente convencidos disso) mudaria a rota de nossas conversas corn o Jardim Botanic°. Sairiamos de uma posigao defensiva, da instituigao acuada (os adversarios da EAV acusavarn-na ao mesmo tempo, de ser "antro de drogas", "refilgio de pederastas", "abrigo para mendigos", e "passatempo de dondocas"... 0 ecletismo, como se ve, fazia parte ate da visã° que os detratores da escola tinham dela...), para afirmarmos a importancia desse espaco, tradigao da vanguarda, a casa da arte dos anos 80. No dia 14 de julho (Vive la France! Ironia? Coincidencia? Imposigao da HistOria?), a mostra foi aberta ao o nixie° inicial de 60 artistas ampliara-se para 123 a partir de novas indicac5es, de pedidos pessoais, desses dificeis de dizer nao. Neste caso, ceder nao tinha problema, pois o que queriamos era o caos, a diversidade, as vanas possibilidades de ser da arte. Tentamos buscar a ousadia de produzir urn conjunto inteiro como uma colcha de retalhos, trabalhando corn obras inteiramente de niveis desiguais. Chuva forte (sempre chove nas inauguragoes do Parque Lage. Born sinal? Joaozinho Trinta em meio ao desfile da Beija-Flor, debaixo de urn aguaceiro de verao, disse: a a gua lava, limpa e abengoa! Era batismo da geragao 8o), cinco mil pessoas, Ra-

quel, a divulgadora, me avisa que o Jornal Nacional enviava imagens para todo o Brasil e que o transit° estava engarrafado, as 19 horas de sabado, ate a Rua Humaita. Enfim, o maior sucesso! No dia seguinte, re da manha, Leal me liga: "Cone pra ca e abre a exposigao que tern uma multiclao querendo vet" As telas de Vicente Kutka, "Nunca yerag urn pals como esse", espalhadas pelo Parque Lage, foram "apropiadas" pelos mendigos. A arte vestiu a instituigao e o povo vestiu a arte. Salve Helio Oiticica! As telas sao lengois, neo-parangoles dos anos 80! Os artistas lutam contra a academia da mesma maneira que os mendigos lutam contra o frio. 0 pals espelha-se na diversidade.

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3. A festa da Geragao 8o na verdade correspondia ao clima eufOrico de um pals que sala da ditadura e buscava se reconstruir levando em conta os principios elementares da pratica democratica. Depois de tanto tempo, a debil sociedade civil organizou-se e a crise econOmica forgou os militares a passar o poder a quem de direito. As eleigees estaduais de 1982 pareciam insinuar a existencia de luz no final do timel. No Rio de Janeiro, "Brizola na cabega" sacudiu a cidade e ecoou por todo opals. Uma lufada de juventude gritou "x8" PDS de Figueiredo e "x8" PMDB fisiolOgico (igualzinho a esse que anda por al, na Constituinte, abracado corn o Centrao). 0 Brasil inteiro pediu "Diretas jar e os jovens artistas foram para as was, usando camisetas amarelas, pintando faixas, cantando o Hino Nacional. A geracao individualista descobriu, de repente, que havia urn pals, que havia, mais que isso, urn projeto, uma vontade de construir, de recuperar e dignidade e a decencia. Essa atmosfera de reconquista democratica evidentemente sensibilizou toda a pintura, toda a arte do pals, em especial os mais jovens. E todos

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

FESTA ACABOU? A FESTA CONTINUA? — MARCUS LX LONTRA COSTA

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passaram a pintar cada vez mais, pintando nao so as suas histerias particulares mas procurando os nossos sonhos comuns, os nossos mitos, a crenga de que, passado o pesadelo, tudo ia dar certo. A "Geracao 8o", pie nasceu sob a egide do narcisismo, desprezando o passado, ignorando o futuro, passou a ser o exemplo mais completo, a sintese do otimismo que invadia o pals. A "Geragao 8o" adorou ser popular, mais que isso, populista, ela passou a acreditar. E, entao, em nome desse novo pals que chegava, a Geracao 8o quis a arte por toda a pane, por todos os lugares, pintando as galerias, os muros, as discotecas, fazendo cenarios, investindo nos sal:6es, acreditando nas grandes exposicoes coletivas, querendo, conforme disse certa vez Hilton Berredo, corn rara felicidade, "estar no meio do palco, ser star". Acreditava-se entao, que tudo era possivel. Numa reuniao, certa vez, propuz a pintura dos caminhoes de lixo, argumentando: "Ora, se Calder pintou os avioes da Braniff, por que nao pintarmos os caminhOes da Comlurb." Em dois dias ja tinha recebido a adesao de mais de I° artistas dispostos ao trabalho. A festa da Geracao 8o ultrapassava os limites do Parque Lage e ia pousar na Bienal de Paris, na Bienal de Sao Paulo. As imagens da festa eram os cliches da arte desta decada. 0 Sansao que Senise pintara para a mostra era sacana e debochado, pouco biblico e muito hollywoodiano, retrato de Victor Macture, simbolo da ingenua canastrice do cinema, os Narcisos de Jorge Duarte eram repletos de ironia corn os icones da hist6ria da arte, e atraves dos recortes, transformavam-se ern indolente Pao-de-Acucar a se contemplar nas Aguas da Guanabara; as gaivotas de papel de Carlo Mascarenhas, aos milhares, beleza fugaz e radiante, criavam, aos milhares, arabescos no ceu do Parque Lage; Jadir Freire saudava, num grande axe,

A FESTA ACABOU? A FESTA CONTINUA? — MARCUS DE LONTRA COSTA

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a arte de uma geragao, envolvendo a todos corn urn rastilho de polvora, fogueira para uma grande festa; Jorge Guinle explodia em cor e sensibilidade, garantindo o espaco da festa pan a tradicao da pintura; a "Rainha do Frango Assado" recebia a todos, na entrada de casa, ao som de rumbas, mambos e boleros e Vallauri, maestro, perdia-se entre seus grafites, seus cenarios; Claudio Fonseca passeava do impressionismo a pop art, sua pedra pincelada era rocha e gigante, prazer e ironia, luz e sombra, construe d- o espontanea; Luiz Pizarro deixava seus bonecos a descansar no jardim, recorte humano, coragao de cor, corpo de pintura, companheiro da arte; Ana Horta era a sintese de uma geragao que conia, sem tempo a perder, atras do bail repleto de ouro que se encontra ao final do arco-iris... e ela gritava, e seu trabalho gritava, e ela fazia Minas Gerais gritar, abandonando a historica timidez, a placidez das montanhas. Eram outros os tempos... quanta ingenuidade. 4. E precis.° reconhecer que havia algo a alimentar toda essa euforia, todo esse sucesso. A presenga do pUblico era constante. A cada exposicao, individual ou coletiva, la estava ele. Os jornais comentavam a presenga marcante dos artistas, a cada dia alguma coisa de novo haveria de acontecer no Parque Lage. Nem sempre era assim mas a gente tratava de inventar. 0 mercado da arte a todos tratava como enfants gates e a critica, na sua maioria, acompanhava de maneira elogiosa as peripecias dessa arte. Ninguem prestava muita atencao quando se comentava o exagerado hedonismo de alguns trabalhos, a falta de investimento te6rico de outro... isso, no momento, ainda nao era importante. Essa movimentacao toda interessou, sobremaneira, a um segmento. As galerias comerciais descobriram rapida-

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mente que tanta promogao assim haveria de dar lucro a alguem; logo se apresentaram dispostas a voltar a ouvir, como nos velhos tempos, o tilintar das moedinhas no saco. A excegao de Luisa Strina, em Sao Paulo, e principalmente Thomas Cohn, no Rio de Janeiro, o mercado entrou de carona nessa festa, pois a agitacao lhes interessava. Num certo sentido, considero louvavel esse dinamismo; o problema é que todo esse dinamismo tido foi acompanhado por uma politica institucional competente por parte dos centros culturais, dos museus etc. A prOpria Escola de Arte's Visuais, apesar de todo o investimento continuou a enfrentar os mesmos problemas estruturais e financeiros que sempre caracterizam a sua eidstencia, sendo obrigada, inclusive, a produzir eventos e promoefies que garantissem o seu funcionamento regular. A investida mercadologica procurou rotular a "Geracao 8o" como algo inteiramente comprometido coin a nova figuragao italiana e o neo-expressionismo alemao. Se, por urn lado, certas apropriacfies nesse sentido sao corretas, é preciso frisar que elas foram bastante acentuadas a fim de sensibilizar o comprador tupiniquim, como sempre necessitado de referenciais externos para justificar qualquer investirnento. Alem disso, e apoiado numa parcela da critica, tentou-se criar um clima antag8nico entre a arte experimental, entre a producao dos anos 70, caracterizada coma "fria", "cerebral", "calculista", "racional" e a arte "sensual", "ousada", "corajosa" e "emocional" pie surgia. Essa estrategia, essa visa° maniqueista tdo ao agrado de nossas tradiefies cristas, nada mais é do que uma teoria rasteira e superficial, que recusa a hist6ria e prejudica as analises mais verdadeiras, que visam a contribuir para uma compreensao ampla dos processos criativos da arte brasileira deste

final de seculo. Par outro lado, esse pater : nalismoexgrd capovu inveja, assustou os mediocres, de todos as matizes, de todas as geragfies. Muitas vezes elegantes discuss5es esteticas camuflam ferozes disputas por urn mercado reduzido, no qual a entrada de gente jovem pode representar urn grande risco. Afinal, é, preciso salvar o leite das criangas... 0 fato é que, gostando ou nao, a "Geragao 8o" fez com que as artes plasticas voltassem a ser noticia. Se o mercado de arte esculpiu a suas imagem inicial como neo-expressionista, é tambem porque esse quadro, essa imagem jovem e colorida, que caracterizava muitos pintores do grupo, interessava a ideologia de uma Nova Republica, novo pals que estava nascendo. Esse movimento pendular do mercado, passado o parto, morta a crianga, volta-se em diregao de urn novo construtivismo que existia na mostra, mas nao interessava na epoca revelar: era face oculta da lua, o outro lado da "Geragao 8o". Depois de urn born tempo desprezados, hoje comegam a freqfientar as paredes das galerias, a aparecer nos salfies etc. E importante tambem anotar que alguns grupos ate entao representantes exponenciais da expressividade pictorica dos anos 8o hoje passam a economizar a paleta, a eliminar sugestfies figurativas, preocupando-se com a materia e a prOpria cor substantiva, sem disfarces. Deve-se anotar, tambem, que essa euforia artificial rapidamente esgotou-se. 0 mercado de arte logo revelou as suas limitagfies; a crise econ6mica incumbiu-se de atirar-lhe as Ultimas pas de cal. Nas escolas de arte, porem, surgiu uma nova geragao de artistas para as quais a crise nao existe: eles querem a todo custo receber o mesmo tratamento que seus colegas surgidos nos primeiros anos dessa decada. Ainda estudantes, nao se preocupam em ver arte como um proces-

so constante.de pesquisa e interrogagfies, como um instrumento de libertacao atraves da construed° e da elaboracao de uma linguagem que venha a objetivar algumas questfies simbolicas e que, atraves da inteligencia, questione os limites da propria ante e da vida humana sobre a terra. Nao, nada disso; hoje o que conta é a ideologia mercantil; afinal, a arte é urn neg6cio como outro qualquer. 0 Teton° a realidade, dificil e cruel, ha de pox- a casa em ardent Se viver em pesadelos, como na decada passada, a todos prejudicou, o sonho agucarado dos primeiros anos de nossa decada nao passou de ilusao, beleza efemera e piegas como um antigo musical da Metro. No meio de tudo isso, a "geragao que nao levou pan-ada" já nao merece mais ser chamada assim. Esses artistas que abandonaram o tedio, que perseguiram a informagao, que ocuparam as muros das cidades, que acreditavam na possibilidade da arte, que acreditaram ter um papel importante a desempenhar no construgao de urn futuro mais digno, esses artistas que nao tiveram medo de invadir todos as espaws, de popularizar sua producao e por isso mesmo foram chamados de "burros", "incultos", "vulgares", "convencionais", "comprometidos", "redundantes" e tantos outros adjetivos, alguns impublicaveis, hoje ainda estao por ai, certos, apesar de tudo, que valeu a pena. A "Geracao 8o" descobriu a utopia, ela levou porrada. Ela achou que a arte, depois de tudo o que aconteceu neste seculo, ainda nao tinha perdido a sua aura romantica, que ela devia continuar e marcar presenca, que as artistas ainda eram as antenas da raga, as poros sensiveis do povo e que, portanto, eles deviam estar ern todos as lugares, caminhar corn a multidao. "A Geragao 8o" quis ser o espetaculo, o retrato da transformagao, tudo ern name do futuro da arte...

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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A FE STA ACABOU7 A TESTA CONTINUA? - MARCUS DE LONTRA COSTA

A FESTA ACABOU7 A FESTA CONTINUA? - MARCUS DE LONTRA COSTA

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5. Sem saudosismo. 0 sonho acabou, mais uma vez. Acabou a festa? Ora, basta olhar para o Brasil e ver a resposta estampada no rosto dessa miseria imensa, dessa impunidade imensa, dessa falta de dignidade imensa, A "Geragao 8o" fez a festa para urn pals que nao houve. No final de 1984, Wilson Piran pintou num dos segmentos externos do muro do Parque Lage a palavra Democracia em purpurina dourada sabre urn fundo verde de 3.5m de comprimento. Em meses, a poluicao destruiu a obra da mesma maneira que a covardia das elites destruiu o desejo do povo. A imponderabilidade da morte desnudou a estrategia politica; fomos todos punidos par urn pacto que nao assinamos. Hidra, dem8nio, que pals é esse? A ironia é a vestimenta da tragedia. A "Geracao 8o" foi obrigada a engolir em seco, a arte aprendeu que ainda nao era hora de ser feliz: Alex Vallauri e Jorge Guinle morreram de AIDS, Ana Horta num desastre de automovel. 0 mundo contemporaneo destruiu a festa, instalou a tragedia. E nos, que sobramos, somos obrigados a conviver corn figuras nefastas, tipo Anibal Teixeira, retrato de urn Brasil que a arte dos anos 80 pretendia tirar das telas e dos mapas de nossa terra. Como isso d6i no peito jovem de quem se desiludiu antes dos cabelos brancos aparecerem! Como machuca perceber que, a cada dia que passa, esse pals caminha para se tomar urn "deserto de homens e de ideias". No meio disso tudo, entretanto, algo de born sempre resta, flor do pantano. Independente de modismos ocasionais, ou seducoes gratuitas, a hist6ria da axle desse pals é marcada pela displicencia, pelo desrespeito, pela ignorancia dos poderosos; neste sentido, a "Geracao 8o" se sente mais forte, mais adulta. Nada mudou neste pals, nes, porem mudamos. Hoje, sabemos todos que é preciso enfrentar uma luta imensa para implantar

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as bases da modemidade. Essa luta nao pertence a urn segmento artistico nem a uma -Unica geracao. Ela é patrim8nio de todos as que acreditam no direito de haver vida inteligente ao sul do Equador. Mestre Carlos Drummond de Andrade certa vez declarou: "Para mim, Cora Coralina é muito mais importante que o govemador de Goias". E isso al, isso é clue vale. A "Geracao 8o", todas as geracOes, todos n6s, produtores e agentes culturais, temos a historia e a certeza no futuro coma armas desse combate. Precisamos, sempre, lutar contra a ignorancia dos poderosos, precisamos dizei que este pals ainda preserva a sua dignidade gragas a alguns abnegados que couberam sonhar e criar as bases culturais de uma nacao que vai, urn dia, saber respeitar a axle e a capacidade de seu preprio povo. Ainda estamos dispostos a lutar, pois estamos certos de que a nossa vida, a nossa fe, se alimenta da santa ira de 'here Camargo, guerreiro da arte, perdulario de tintas, sofrida imagem de urn batalhador que empresta a sua forca e o seu talento na construcao de imagens dilaceradas que hao, melhor do que qualquer discurso, melhor do que qualquer lagrima, falar a nossos irmaos futuros de uma epoca dura e dificil, uma epoca em que a sensibilidade e a inteligencia humana resistiam ao poder e ao 6dio; a nossa vida, a nossa fe, se alimenta da piacida vinganca de Amficar de Castro, poeta de ferro, construtor da utopia, sintese da arte e do silencio de urn povo que resiste ao tempo e espera, contido, a hora de aplicar uma imensa surra nessa gente que se acha dona de toda a terra. E quando isso acontecer, meu amigo, meu camarada, todas as geracoes da arte vao se encontrar unidas pelo tempo e nao mais existirao temores pois a arte e a vida caminharao juntas, presente misterioso que o homem ha de se permitir, sempre. E al, entao, a festa continuari. Podes crer.

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Barnett Newman: o que é pintar? CARLOS ZILIO

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magino que meu esquecimento nao colocando urn titulo no resumo que foi pedido pan divulgacao do cido Axle e Pensamento tenha levado Adauto Novaes a improvisar a feliz denominacao "Barnett Newman - o que é pintar?". Encontro-me, pois, diante de urn tema dada que, aparentemente, poderia soar como urn tanto normativo, mesmo sob a forma de uma interrogaga°. Nada mais Hugon°. Para Barnett Newman a questa° "o que é pintar?" é central. , Alias,noetrvdumchaipens sua, mas abrangia o conjunto dos artistas conhecidos como expressionistas abstratos. Para eles havia urn esgotamento na arte europeia manifesto pela incapacidade de responder ao sentimento de criSe que culmina na Segunda Guerra Mundial corn a dimensao destrutiva que o conhecimento ganha corn Hiroshima. 0 que nao pintar estava claro para as americanos.natava-se de negar a compreensao quase representativa que o surrealismo possuia de signo, a concepcao aprionstica do platonismo de Mondrian e dos puristas e o carater ret6rico do realism° social e da pintura American Scene. Repensar a pintura exigia que eles se colocassem fora do dualismo sujeito/objeto e conseqiientemente da conelacao objetiva corn as sensagnes que manti-

nha a pintura europera vinculada a urn naturalismo residual. 0 pintor americano se coloca diante de si mesmo; "Eu sou a natureza", dizia Pollock. 2 A investigacao dos expressionistas abstratos tern a acao como referencia, ela e que define a existencia dando ao ato de pintar uma dimensao ontologica. 3 Para Newman, no entanto, nao ha como separar o que é pintar do o pie pintar sob risco de se cair no que ele diagnosticar como o sentido ornamental do abstracionismo europeu. A permanencia da questa() tematica é a heranca produtiva que ele reconhece como urn legado do surrealism°. 1st() o coloca diante da necessidade de superar a critica que fazia a este movimento, isto é, a dicotomia entre conteudo e forma, de modo a se situar coerentemente corn o estatuto da arte modema enquanto uma linguagem aut8noma e significante na sua materialidade. 0 dispositivo pictorico que Newman vai produzir se manifesta corn clareza. Desenho e cor evidenciam-se em toda a integridade sem qualquer subterfogio. Esta precisao dos recursos formais é inseparavel do seu compromisso etico que é, necessariamente, estetico. A questa° etica se manifestard tambern no papel desempenhado por Newman na afirmagao da arte americana por meio de extensao que deu a visa() tradicional do ar-


tista como intelectual, ao constituir urn corpo te6rico que estabelecesSe urn dialog° direto corn a producao, estimulando-a e pre- , servando-a das leituras equivocadas e da diluigao. Nao se tratava assim, como no discurso critic°, de uma analise a partir da obra, mas de uma reflexao que se inseria na genese da obra, urn dominio exclusivo do produtor. A teoria nao substitui a obra, mas era um dado importante para sua constituicao. Newman extema questoes e solucoes corn uma legitimidade muito comum aos artistas que teorizam em momentos de transformagao, que buscam restituir a arte o seu rigor historico. 4 Esta reflexao usando o seu pr6prio trabalho, ganha urn desdobramento cultural atraves da analise das obras de alguns colegas, de problemas da cultura americana, da politica da arte e chegando a abordar questoes sociais. Nao que ele concebesse a arte corno urn modelo estetizador da sociedade a maneira neoplastica, mas que nela estava preservado o sentido delinidor de liberdade que deveria ganhar uma dimensao sociaLs Aos 35 anos Newman chega a conclusao de que a pintura havia morrido. 6 Durante quatro anos se dedicaria exclusivamente a estudar arte primitiva e, sobretudo, ciencias da natureza como botanica e omitologia. Depois desta interrupcao, levaria mais quatro anos para que a sua pintura atingisse a maturidade. Nesse periodo escreveu alguns textos te6ricos voltados pan a procura daquilo que seria o seu tema (subject matter) de pintura. Escrito em 1945, The plasmic image inicia afirmando "que o tema da criagao é o caos".7 De fato, os artistas americanos estao entregues unicamente ao caos dos seus sentimentos na aventura de procurar "a partir de rabisco" urn novo comeco para arte. Em Newman, esta investigacao da origem da 300

arte o encaminha a identificar a criagao como o tema do seu trabalho. 9 Em outro texto, "0 sublime é agora", ele se refere as categorias do belo e do sublime e a Longinus, Kant, Hegel e Burke. E corn este ültimo que Newman encontra major afinidade e considera que foi o Ulric° a fazer a distincao da categoria de sublime sem compromete-la Com a de belo. 9 Para Burke, o sublime se cid num recuo te6rico e pratico do sujeito sobre si mesmo, o que o diferencia do belo que leva ern diregao ao outro pot urn movimento de simpatia irresistivel. As qualidades do sublime, segundo ele, sao descritiveis, e a experiencia emocional que alas provocam possuem urn carter universal assim como o tenor, a solicitagao brutal e apelo quase invenciveis que impulsionam adiante. Sua afirmacao: "0 terror é em todo caso possivel, de maneira mais ou menos manifesta ou implicita, o principio essencial do sublime' envia diretamente a declaracao de Newman: "Terrivel e constante, o 'eu' é para mim a materia da pintura e da escultura".m Esta relagao corn o sublime coloca Newman diante de uma dimensao ligada a questao da transcendencia que havia sido pouco considerada pela arte modema. Seu objetivo seria de retomar a grandiosidade metafisica a seu ver perdida pela arte. Neste sentido ele produzird uma leitura da hist6ria da arte baseada na oposigao entre o belo e o sublime, que identificara respectivamente o formalism° e o antiformalismo." Os momentos criticos deste processo estariam na retomada do sentido classic° do belo pelo Renascimento e, posteriormente, na reacao modema. 0 impressionismo representaria a tentativa modema antibelo, mas teria falhado ao se manter restrito a uma preocupagao relativa aos valores culturais intrinsecos

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e branco tornado como reminiscencia da luz/sombra, seja pela oposigao ou balanceamento de tons frios e quentes ou das cores primarias. Por outro lado, era necessario restituir abstragao o sentido de transcendencia que segundo Newman o platonismo havia eliminado. A relagao racionalismo-belo ele opiie transcendencia-sublime. Sua analise e titulo de urn dos seus textos sobre arte primitiva pane da concepcao de que "o primeiro homem era urn artista" e adenda: "0 homem original ao gtitar suas consoantes, o fez como uma manifestacao do espanto e raiva ante do estado tragic() de sua autoconsciencia e de sua impotencia diante do nada." Para Newman "o poeta e o artista sao os que se preocupam corn a fungao do homem original e lutam para chegar ao seu estado criativo".12 Em outro texto referindo-se ao artista da tribo Kwakiutl, Newman busca situar a diferenga entre a "abstracao ornamental" e a ane abstrata:

sua histOria plastica. Esta analise, Newman estendera ao cubismo e, mesmo reconhecendo o esforgo de Picasso como algo sublime, considera que, em ültima analise, sua obra se mantem ligada a questa° da natureza do belo. Embora esta leitura da hist6ria da arte feita por Newman tenha algo de operacional e mesmo as vezes, dogniatica (sua relagao corn Mondrian, por exemplo, varia entre a admiracao, a negacao, e ate a incompreensao, como quanto ao sentido nao aprioristico da pintura deste), demonstra de qualquer modo, urn s6lido embasamento conceitual. E preciso atentar, por outro lado, para a ousadia que representava nesse momento criticar Picasso, um monstro sagrado vivo e atuante. 1st° revela urn sentimento novo de poder pie se cla entre o expressionism° abstrato coexistente corn a afirmacao dos Estados Unidos como maior potencia mundial, que se manifesta concretamente na certeza de que suas obras abrem uma tentativa a produgao europeia. A analise de Newman incide mais diretamente contra o carater retorico que percorre a tradicao da arte ocidental que se encontra associado ao principio da composigao (composicao - "par junto"). 0 antiforrnalismo da proposta de Newman visava a destruir a articulagao entre ret6rica, representagao e formalismo. Para isso era necessario, alem de se opor a qualquer compromisso corn o dispositivo perspectivo, negar, ainda, os residuos deste no interior da arte modema como, por exemplo, a relacao figura-fundo (base de toda estrutura formal ret6rica), a sujeigao do olhar aos limites da tela (que estabelece as limites do campo perceptivo como referencia mimetica - renduta) e a organizacao e o equilibrio interno da superficie pict6rica atraves do contraste de valor, seja do preto

"A forma abstrata por eles usada, toda a sua linguagem plastica, era dirigida por uma vontade ritual para o entendimento metafisico. Deixava as realidades cotidianas aos construtores de brinquedos, o agradavel jogo do desenho nao-figurativo as mulheres quefaziam cestos. Para eles, a forma era uma coisa viva, veiculo complexo de pensamentos abstratos, veiculo de sentimentos apavorantes que experimentava ante o tenor do desconhecido." 3 Em 1948 Newman pintou urn pequeno quadro corn a superficie vermelho-escura e no centro fixa uma fita colante. Depois colocou uma camada de vermelho-claro sobre a fita para testar a cor. Este trabalho atuou sabre ele como uma revelagao. Newman se

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deixou ficar oito meses olhando e estudan- cava como o sublime e que compreende a do a pintura a que chamou de Onement, urn suspense° de uma dor ameagadora "diante neologismo cujo significado é "o estatuto de da eminencia do nada, alguma coisa aconser um" ou algo proximo a singularidade. tece que anuncia que tudo no terminou".'s Para ele, o enigma desta pintura este na sua No entanto, Onement, ao mesmo tempo quo forga de evidencia, que se imp5e indepen- trazia uma solueao singular, poderia se dentemente a qualquer projeto previo. Ao colocar, tambem em razao de suapregnancia, contrario dos quadros anteriores nos quais como uma evidencia geometrica indepentrabalha a questa° da origem de modo nar- dente da experiencia que suscitava. Era rativo e aos quais dava urn sentido histori- fundamental pan Newman buscar outras co, como uma descried° do passado atraves solueoes que contivessem todas as possibide simbolos, Onement se coloca no presente. lidades abertas por Onement sem se restrinEsta presenga refaz o ato criador original, gir a simetria. situa um tempo descontinuo entre o presenBasicamente duas solugoes vao se imte e a origem que e retomada nao como si- por.'6 A primeira atingirá sua expressao IImulacro, mas como experiencia que repo- mite em Vir heroicus sublimis que divide o tencializa o ato criador. Nao é uma relagao campo pictorico atraves de varias ZIPS, procorn o espaco, mas corn o tempo. vocando urn processo constante de ajustar A simetria, em Onement, opera a destrui- e reajustar a oposicao entre figura e fundo ea° de qualquer vestigio de composicao tra- de tal modo que nunca se encontre urn modicional. Neste sentido, esta simetria radi- mento de repouso. A isto Newman acrescencaliza o balanceamento intemo de forrnas e ta major ambigiiidade, na medida em quo cores de Mondrian e mesmo os monocroma- expande o campo de cor numa tal extensao ticos de Rodchenko que transferem para a quo estamos impossibilitados de denomirelacao quadro-parede a questa° figura- nar a superficie pictorica perceptivamente. fundo. A reversibilidade da simetria lateral A indicacao de Newman de que o quadro elimina estes problemas provocando urn deve ser visto de perto aumenta ainda mais sentido de totalidade. Por outro lado, a sime- este sentido de uma totalidade que contem tria funciona tambern, como uma orientagao o espectador. do campo de percepeao que introduz necesA segunda solugao investe diretamente sariamente o homem, quer dizer, a equiva- contra a simetria de Onement buscando juslencia entre o corpo e o campo de percep- tamente explorar a assimetria. Pinturas 00.'4 Onement surge como o signo de New- como a serie de Who's afraid e Anna's light sao man, a agao de reelaboragdo do gesto inici- tipicas deste partido. Aqui nao é ZIP quo ira al. A ZIP (denominaeao que Newman deu a operar como referencial central, mas a relalinha vertical que caracteriza seu trabalho) cao assimetrica provocada pelos campos da atua como uma linha espiritual que rompe cor. Olhando para estes quadros, a tendeno vazio. Talvez por isso Newman se conside- cia é a de buscar o seu centro, mas a assimerasse, curiosamente, sobretudo urn dese- tria torna inviavel. Procura-se, entao, o cennhista. Diante do caos inicial aterrorizador, tro do campo de cor dominante isoladamena presenca da linha provoca o sentimento de te, mas al as areas de cores laterais em algudelight, o prazer negativo quo Burke identifi- mas telas ou a nao-identidade dos brancos

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mas B. Hess, Barnett Newman (Nova York, The Museum of Modem Art, 1971), e o de Harold Rosenberg, Barnett Newman (Nova York, Harry N. Abrams, 1978). Alern desses livros foi de grande importancia o texto de Yve-Alain Bois, Perceiving Newman, em Painting as model (Cambridge, MIT Press, 1990). Destaco, ainda, a coletanea de textos de Newman reunidos em Barnett Newman selected writings and interviews, editado por John P. O'Neill (Nova York, Alfred A. Knopf, 1990). Em relacao a questa° do sublime, as referencias basicas foram as livros de Immanuel Kant, Critica da faculdade do juizo, traducao de Valerio Rohden e Antonio Marques (Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1993); Edmund Burke. Recherche philosophique sur l'origine de nos idees du sublime et du beau (Paris, Librairie Philosophique J.Vrin, 1990); diversos autores, Du sublime, colegao dirigida por Michel Degny (Editions Belin, 1998), e o artigo de Francois Lyotard, "Barnett Newman - 0 instante", na revista Gavea n" 4 (Curso de Especializagao em Historia da Arte e Arquitetura no Brasil, PUG/RIO, jan. 1987). Finalmente, nao poderia deixar de citar a contribuigao sobre este tema que recebi dos meus alunos do mestrado em historia social da cultura do Departamento de HistOria da PUC/RIO, durante o segundo periodo de 1993 na disciplina "Pintura e modemidade".

nas extremidades, em outras, puxam para Si oil para longe de Si o texto vertical quo esiamos procurando definir. A falta de coincidencia entre estes dois centros nao nos permite encontrar qualquer urn doles. No final, resta a solida evidencia luminosa da area colorida como presenga da totalidade. As varias possibilidades abertas por Newman colocam sempre a mesma questa° da fisicalidade do quadro e a sua experiencia temporal corn o espectador. A pintura, ou de maneira mais explicita, as esculturas como Here I e II e, ainda, Broken obelisk situam o espectador num lugar preciso e numa relacao transcendente. A complexa forrnacao cultural de Newman se manifesta atraves desta proposta onde se conjugam mencees aos locais sagrados do judaismo -Makon - ou aos tinnulos dos cemiterios indios de Ohiomound - mesmo nome em ingles do local do pitcher no beisebol (urn dos esportes de que Newman era fervoroso adepto e do qual faz uma leitura "metafisica"). Cosmopolitismo cultural e modemidade que seculariza experiencias misticas e religiosas. Tamar acessivel para o homem modemo que atinge o limite maxim° da potencia da destruigao a experiencia primordial do poder da criagao. Este texto é apenas uma sis .tematizacao pessoal baseada na leitura de dois livros classicos sobre Barnett Newman: o de Tho-

Notas • 1. Thomas B. Hess, Barnett Newman, Nova York, The Museum of Modem Art, 1971. 2. Steven Naifech e Gregory W. Smith, Jackson Pollock and American saga. Nova York, Clarkson N. Potter Publishers, 1989. 3. Esta relacao e apontada por T.B.Hess, Barnett Newman, e por Yve-Alain Bois no artigo "Perceiving Newman", em Painting as model, Cambridge, MIT Press, 1990. 4. Sobre a sua producat teOrica Newman afirma: "The only reason for a literature is that this work cannot be described within the present framework of established notions of plas-

ticity. Any formulation that have attempted I have done to help meet this need. I have never tried to speak a la Breton as a program maker" Artdgo "Response to Clement Greenberg', em John P O'Neil (ed.). Barnett Newman selected writings and interviews, Nova York, Alfred A Knopt, 1990. 5• E interessante notar que a dificuldade de compreensao da obra de Newman fez corn que, dentre todos os artistas expressionistas abstratos, ele fosse aquele que teve o reconhecimento mais tardio. De fato, Newman so viria a ser consagrado no final da decada de 195o. Durante muitos

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14. "For what is the perception of bilateral symmetry, indeed, if is not, as Maurice Merleau-Ponty has remarked, that which constitutes the Perceiving subject as an erect human being, if it is not what solidifies for us the immediate equivalence between the awareness of our own body and the always already — given orientation of the field for perception? 'One wonders what would be the self in a word where no one knew about bilateral symmetry', writes the French psychoanalist Jacques Lacan. The implied answer, perhaps, is that it, the self, would not be, at all". Yve-Alain Bois, em "Perceiving Newman". 15. Burke, Recherche philosophique SUT Eorigine de nos idees du sublime et du beau. 16.0 texto "Perceiving Newman" deYve-Alain Bois prop& uma leitura fenomenologica da obra de Newman de urn raro rigor. Minha analise das diferen-tes solucees desenvolvidas par Newman no processo da sua obra toma este texto apenas como uma referenda ample.

anos ele foi visto por grande parte dos artistas, criticos e pUblico de arte apenas como teerico e professor. 6. TB. Hess, Barnett Newman. 7. The plasmic image", artigo em J.P.O'Neil (ed.), Barnett Newman selected writings and interviews. 8.A relacao entre o tema do caos e origem e apontada por H. Rosenberg, em Barnett Newman, Nova York, Harry N. Abrams, 1978, e por Yve-Alain Bois, "Perceiving Newman". 9. "The sublime is now", artigo em J.P.O'Neil (ed.), Bamett Newman selected writings and interviews. to. E. Burke, Recherche philosophique star Eorigine de nos idies du sublime et du beau, Paris, librairie PhilosophiqueJ.Vrin, 1990. "Exhibition of the United States of America at the eighth Sao Paulo Bienar, artigo em J.P.O'Neil (ed.), Barnett Newman selected writings and interviews. rt. Newman, "The sublime is now" e "The plasmie image". 12. The first man was an artist", artigo emJ.P.O'Neil (ed.), Barnett Newman selected writings and interviews. 13. "The ideographic picture", artigo em J.P.O'Neil (ed.), Barnett Newman selected writings and interviews.

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Monocromos, a autonomia da cor e o mundo sem centro

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PAULO HERKENHOFF

I- Nota introdutoria

percurso hist6rico, tracado pela curadoria da XXIV Bienal de Sao Paulo', a sala dos Monocromos era precedida pelas de van Gogh e a de Armando Reveron tratando de questoes da luz e cot Reveron pintou numa regiao proxima da zona equatorial, criando paisagens brancas, de luz, e pinturas de sombras, paisagens cinzas. As sombras nos dao o relevo do mundo e nos pennitem conhece-lo. As paisagens brancas de ReverOn sao pintura seca, em estado selvagem que nada tern a ver corn a revelacao do sublime na pintura de materialidade dOcil sobre fen8menos meteorologicos do gelo em Caspar David Friedrich, das brumas de Turner ou dos "efeitos de neve" em Courben e nos impressionistas. A zona equatorial é lugar de percepgao e Reveron pinta o ceu azul, a floresta luxuriante como se olhasse para o sol. A luz é aberta e explode, devora as cores, reduz o espectro ao branco. A antiga nocao newtoniana de branco corn presenca de todas as cores, coloca como uma luz devorante. A regiao artica, numa Bienal que busca articular seus segmentos e obras, esta presente em Roteiros corn "Fin-de-siècle" do General Idea, uma instalacao de paisagem com gelo de isopor e focas estofadas, e nas

Representagoes Nacionais corn •uma paisagem minimalista de Olafur Eliasson, cornposta por uma lamina de gelo real que se esforca para existir sob a temperatura tropical. paralelamente, havia tambein a sala "A cot no Modemismo Brasileiro, a Navegacab" corn muitas BUssolas (corn curadoria do autor) e o conjunto de salas dedicadas a Tarsila, Volpi, Helio Oiticica, Lygia Pape, Cildo Meireles e a dois pintores mais Joyens, Beatriz Milhazes e Delson Uchoa, alem de obras pontuais de Antonio Dias e Waltercio Caldas. 0 Nacleo HistOrico da Bienal apresentou os monocromos como urn dos extremos absolutos da modemidade no camp° visual. A sala estava dividida em tres espacos. No primeiro, se apresentava urn conjunto de obras referenciais para a historia da arte na America Latina: Mondrian, Van Doesburg e Torres-Garcia, que se relacionou diretamente corn os dois altimos, e Malevitch, Albers, Arp, Bill, Lohse, Vordemberg-Gildewart, Calder, Vantongerloo, apontam para urn "efeito Bienal" sobre a arte brasileira. 2 A presenca desses artistas foi em geral substituida por emprestimos de uma colecionadora privada que havia compreendido o sentido historic° dessa exposicao. 0 museu paulistano preferiu mante-las ern seu circuito perma-


nente, escudando sua recusa no fato de que ja estavam emprestando muito a Bienal. Nessa sala vestibular, havia uma pintura suprematista de Malevitch, em que o branco sobre o branco se revela como conhecimento do zero. A estrategia curatorial visava a superar o modo como a historia eurocentrica nega pertinencia a arte construtiva da America Latina, demonstrando urn nascente comum da arte ocidental, os processos de integracao já no modemismo e a simultaneidade das investigacees em todo o mundo na segunda metade do seculo XX. 0 processo curatorial era demonstrar que neste seculo os artistas brasileiros e latino-americanos passaram a ter uma relacao produtiva direta corn a hist6ria da arte, que já nao tratam como historia de estilos ou de imagens, mas tern a consciencia do processo historic° de problematizacao das questOes plasticas. Aqueles artistas europeus tornaram-se referencias e nao simples influencia ou paradigma. No segundo espaco dos monocromos, sac) apresentados monocromos brancos de varios artistas de diversas partes do mundo corn obras produzidas num periodo de pouco mais de uma decada, mas cada um tratando de uma questa° plastica especifica: Robert Rauschenberg e Robert Ryman (Estados Unidos), Helio Oiticica, Lygia Clark, Hercules Barsotti, Mira Schendel e Tomie Ohtake (Brasil), Loci° Fontana (Argentina/Italia), Piero Manzoni (Italia), Kusama (Japao), Otero e Soto (Venezuela). No catalog° da XXIV Bienal de Sao Paulo foram encomendados textos para formular perspectivas criticas diferentes sobre o monocromo branco de urn artista distinto: Pier Luigi Tazzi sobre Fontana, Germano Celant sobre Manzoni, Lynn Zelevansky sobre Ryman, Margery King sobre Yayoi Kusama, alem de Paulo Venancio Filho sobre a trajetoria de Oiticica e Jean-

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Michel Ribettes sobre Yves Klein. A tese 6 de que a histOria da arte ja nao tern mais um centro absoluto, mas se produz onde esta o artista que atua corn pertinencia historica. Finalmente, no terceiro espaco, urn conjunto de monocromos indica a intensa retomada de significados para aquilo que parece ser pura cor, Yves Klein, Antonio Dias, Nigel Rolfe, Glenn Ligon, Mona Hatoum e Katie van Scherpenberg tratam do monocromo para discutir questoes como diferenca, desejo, racismo, genera No contexto do Nikko HistOrico dessa Bienal, essa agenda estava articulada corn a sala do seculo XIX corn curadoria de Regis Michel (A Sindrome de Saturn° ou a Lei do Pai: maquinas canibais da modernidade). Importante referencia aqui 0 Anti-Edipo de Deleuze e Guattari.

2 - 0 mundo sem centro

o branco e devorador de todas as cores. "Branco 6 luz domada: dinamica do nossa contemplaceio", defeniu o poeta Murilo Mendes 3. "Se arte chegou ao conhecimento da harmonia, do ritmo, da beleza, tambern chegou ao conhecimento do 'zero', esta no 'Espelho Suprematista' (1923) de Malevitch."4 A arte, como a ciencia e a filosofia, desenvolverl seu metodo pr6prio. Jorge Romero Brest analisa a primeira Bienal de Sao Paulo "a palavra proporcao, a palavra matematica, a palavra precisao,[...1 conduzem, ao erro, pois nao se trata de formas artisticas nas que se aplicam principios maternaticos, mas sim da obtencao, por meio da fantasia e intuicao, de formas que possuam no piano estetico caracteristicas similares" . 5 Designa-se como "efeito Bienal" o dialog° propiciado pela Bienal de Sao Paulo a arte brasileira. Aqui sendo adequado citar Asp, Vordemberge-Gildewart, Albers, Bill e Lhose. Na ante-sala da mostra Monocromos esta'o artistas que foram refe-

rencia fundamental para o projeto construtivo na America Latina: Malevitch, Mondrian, van Doesburg, Vantongerloo. Apesar das correlacoes corn o barroco, as vanguardas construtivas latino-americanas nao dispensaram certo historicismo e essencialismo, como no De Stijl'. Elas recorreram acs fundos utopicos da Bauhaus, das vanguardas russas, do Neoplasticismo e Tones-Garcia, que indica que nosso Norte é o Sul para recompor o sentido da orientacao. 0 monocromo propicia discutir o processo de constituic ao da autonomia da cultura de regi6es perifericas frente o processo eurocentrico. Enquanto a Antropofagia projetou urn processo de emancipacao cultural, a cor organizou urn modelo de identidade no Brasil? A obra Matisse corn Talco de Waltercio Caldas é urn diagrama de abordagem critica desse projeto. A America Latina abandona o entendimento da arte como historia de estilos ou de imagens para dela extrair problemas a desenvolver. Já nao é pertinente a nocao de "influencia". Nao mais existem modelos a copiar nessa epistheme visual. 0 conhecimento da historia da arte é imprescindivel para a escolha dos pontos de insercao e ruptura no fundo comum da cultura ocidental. Em articulacao dessa consciencia, Ferreira Gullar, o te6rico do neoconcretismo, discute a morte da pintura "Teoria do nao Objeto": "é como Mondrian e Malevitch que a eliminacao do objet() continua,[...1. Enfim, é a pintura que jaz ali desarticulada, a procura de uma nova estrutura, de urn novo modo de ser, de uma nova significacao". 8 Reiteradamente Oiticica e Clark se referem ao neoplasticista e ao suprematista. E possivel correlacionar os "Nficleos" de Oiticica, uma arquitetura de planos de cor, aos desenhos arquitet8nicos corn paredes pintadas como pianos monocromaticos, de Van Doesburg, para alem de

suas ideias de "paralelismo entre forma pict6rica e forma natural". Bruno Duborgel discute o Infiguravel em Malevitch e a etimologia de suprematismo. Inexistente ern russo, foi forjado do latim e do polones designando uma funcao ontologica: "desvelar", "revelar", "manifestar", "apresentar" o Absoluto enquanto sem-objeto, o Nada, o ser abissal, a excitagao universal, a "essencia das diversidades", o ser nao-figurativo, o mundo semobjeto.9 "Je me suis metamorphose em zero des forme", diz Malevitch."Na economia da modemidade, o monocromo branco é o essencial, e no entanto, todas as cores. Sabre sua obra suprematista Malevitch agrega: "o abismo liver branco, o infinito sao diante de n6s"." Já o "baixo-relevo pintado" de Arp. "Formas expressivas" (1932) demonstra o hibrido modemo entre pintura e escultura." Robert Rauschenberg explica a genese da simplicidade estrutural de suas "Pinturas Brancas" (1951): enquanto Albers apontava a equivalencia das cores, ele hesitava na escolha arbistraria delas. Uma razao para suas "Pinturas Brancas" foi nao colocar a cor a seu servigo pessoaD3 0 monocromo é aqui urn surpreendente paradigma. A singularidade surge extrema justamente ali onde parecia haver maior similitude. Comentando as invencees monocromaticas de Yves Klein, Rauschenberg e Ellsworth Kelly, Benjamin Buchloch observa como "a coincidencia bem como a simultaneidade e repeticees de outros paradignias de vanguarda dao substancia as hipoteses de que a formacao discursiva do modernism° gerou sua propria dinamica hist6rica e evolucionista. Se assumirmos que as paradigmas visuals operam analogicamente aos paradigmas lingiiisticos, entao a 'lingua' do modemismo constituiria as 'porta-vozes' da neovanguarda" e continuamente replicaria

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS

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MONOCROMOS, A AUTONOMIA DA CUR E 0 MUNDO SEM CENTRO - PAULO HERKENHOFF

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e modificaria sua paroles: 4 Monocromos brancos realizados em pouco mais de uma decada por artistas de todo o mundo indicam a dispersao da ideia de centro da hist& ria da arte. Ela se produz onde esti um artista que problematiza o olhar, seja no Brasil, Venezuela, Italia, Franca, Estados Unidos ou Japao.'s Yves Klein e Nero Manzoni marcam a Europa nos anos 50. Ao patentear a ideia do monocromo, ,6 Klein se toma propriethic do azul IKB (Internacional Klein Blue) e da prepria car. Segundo Restany, para Klein o azul "é uma figuragao tangivel do espaco infinito",27 identificando o fenomeno pietarico e o fenomeno existencial. Seu projeto metodolOgico almejou o esplendor dos materiaisie a intensidade da "con em liberdade". Ideias de impregnagao e incorporacao da cox- remetem-nos a Manzoni. Seus primeiros "acromos" datam de 1957. Para operar a corporeidade dos monocromos, Manzoni utilizou materiais hidrofilos; e peludos ou pedrentos para investigar a superficie, declarando que "Meu objetivo é criar uma superficie inteiramente branca (assim, incolor e neutra) que nao mais se refere de modo algum a um fen6meno ou a urn elemento pictorial estranho a natureza da superficie":a 0 artigo "tote neoconcreta, uma contribuicao brasileira",29 de Ferreira Gullar, demarca a genese desse movimento brasileiro e suas referencias a Malevitch e ao prenimcio do fim do quadro par Mondrian. 2° Depois da Gestaltthteoire, a fenomenologia de Merleau-Ponty cinde o concretismo brasileiro, entao cerrado na objetividade dogmatica, orientada pelas teorias de Norbert Wiener, Charles Peirce, Max Bill e a ante concreta suiga. 0 neoconcretismo restabeleceu os indices da subjetividade, fosse do artista ou do espectador, para a realizagao do fato plestico. Em sua trajeteria, Hercules Barsotti ne38E1

gocia proporceies entre luz e escuridao. Um meneio produz o fato plastic° ao perceber brilho ou luz. Sua delicada operacao neoconcreta esta em aceitar qualquer Ka° minima do olhar. "Branco branco" enuncia o exato ponto de constituicao do carater do espago: a fronteira entre pianos brancos. Existe al algo de Morandi e do lugar entre as coisas. No ressalto da luminosidade se instala a tensao e irrompe a diferenga. Esse signo é a passagem que constitui o nascimento da linguagem. A obra de Lygia Clark é a aventura do piano. Em fins dos anos 50, compreende que o espago surge da articulagao de pianos independentes,2 ' como em Pianos em Superfide Modulada n.r (1957). Na linha de juncao desses pianos de madeira permanecem frestas que o artista incorpora ao discurso plastic° como "linha organica". Sao veios por onde correm sombra e an. 0 ar invade o monocromo branco.Ja Hello Oiticica vive a aventura da cor.22 No periodo neoconcreto, Oiticica escreve "Cor, tempo e estrutura", analise do sentido da con, sendo o branco a "mais estatica", favorecendo a duracao silenciosa, densa e metafisica. "0 encontro de dois brancos diferentes se di surdamente, tendo urn mais alvura e o outro, naturalmente, mais opaco".23 Para consolidar a diferenga, Oiticica mudava a direcao da pincelada. 24 Oiticica busca o lugar da con, a "relacao organica forma-cor", desloca do piano para ser espaco concreto, ate se tomar arquitetura penetravel. A corporeidade da cot é o caminho que endereca a experiencia da arte a potencialidade sensorial plena dos individuos. Emigrando do Japao em 1958, Yayoi Kusama desenvolve as Infinity Nets pela repetigao de padroes, como No. D (1959). Donald Judd comparou tais pinturas a large fragile, but vigorously carves grill or to a massive, solid lace.29 A trama cla a artista urn

senso de controle frente a sua doenca mental: 6 Nesses "quase-monocromos", como designa Lynn Zelevansky, o branco finaliza a histOria do quadro, sobreposto a toda nuanca cromatica visivel. 0 branco nao refuta a retOrica, o excesso, as insidias do gestual, passando a viver inesperada crise da razao e da medida. 27 Como uma pelicula de luz, Tomie Ohtake, artista brasileira nascida no Japao recobre super-fides com o branco (1961). Pon ele se filtram outras camadas pict6ricas do quadro, desvelando a hist6ria da cor e enunciando a pluralidade de cores no branco. "Segundo o Zen, a cor branca conhece quern estcl distante dela", lembra Murilo Mendes. Outro nipo-brasileiro, Manabu Mabe, parte do excesso num monocromo (1962). Antes, Mario Pedrosa anotara seu "glutonico amor a substancia". 28 0 gesto caligrafico transiente marca a "gordura" da capa pict6rica como corpo inciso. No campo de luz, Mabe escreve por sombras. 0 espaco neoconcreto leva Ferreira Gullar a argumentar, na "Teoria do nao-objeto", que as telas de Fontana sao "retardada tentativa de destruir o carater ficticio do espago pict6rico pela introducao nele de um carte real".29 No Manifesto Blanco (1946), defende a cor como elemento-espaco para uma arte sem artificios, que envolvesse som, tempo e materia.3° Para Murilo Mendes, a facade Fontana é da "arte de dividir o espago em harrnonia corn a sua coesao intema".3 , 0 espaco surge de atos perfurantes e cortantes, tolentos sobre o suporte-cor e arbitrarios frente a sua logica. A lamina mutla o corpo32 e, sobre o branco, abre sombras. Urn Plano em Superficie Modulada de Clark enuncia seus resvalos de ar e sombra. Em Vibracion en blanco (1960), Soto exibe a 16gica da trama do suporte, opostamente ac gestualismo de Fontana. Orienta as aberturas para o esgar-

gamento, seguindo estritamente a 16gica da estrutura do suporte. Par isso, ainda que fragil, o suporte mantem sua coesao basica pan simultaneamente dispersar e reter a densidade do branco e a luz. Nurila pintura (sem titulo, 1964), Mira Schendel abre retfingulos sobre o campo branco. A artista logra introduzir, como calculo, o vazio au i onde estava instituido o grau zero do olhar. Os pianos retangulares cortam o espago, coma pianos negativos da pintura. "Branco sabre branco: Silencio absoluto agindo", cantou Murilo Mendes. Alejandro Otero assume a predominancia monocromatica que se impunha sobre a formacao da con ao retomar a pintura a Oleo. Trabalha urn jogo surdo de ocultamentos e veladuras. 0 branco é laconismo num piano de regressao autopia da pintura de Tela branca (1961).33 0 branco é experiencia de acordes. con tern que se estruturar como o som na musica", queria Oiticica.34 A oink) absoluta de Robert Ryman pelo branco incluia oferta de "an experience of delight, and well-being, and rightness. It is like listening to music", 35 para esclarecer a densidade do branco. Winsor (1965), marca o procedimento de pintar series e dar titulos que nao se associam a objetos, pessoas e lugares.3 6 Remete a marca de tintas Winsor & Newton. Ryman trabalha a construcao da pintura, carregando o pincel de tintas e pintando faixas horizontais da esqueda para a direita ate o esgotamento da carga. Repete a operacao fazendo nova faixa abaixo. Robert Starr compara Ryman ao "Inuit que pode ler corn precisao urn espetro comparativamente estreito de gelo e neve. Ryman catalogou a variedade real do branco, demonstrando ironicamente sua naoneutralidade latente quando visto em relagao a si prOprio (ao branco)".37 Para Ryman, o branco "toma visiveis outros aspectos da

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pintura que nao estariam tao claws corn o uso de outras cores". 4 Os monocromos brancos revelam o mumdo marcado par diferengas solitarias. 0 monocromo se recarrega de significados simbelicos. Introduz questhes como diferenga, desejo, poder, racismo ou arte. Isso esti na obra de Felix Gonzalez-Tones e na fotografia de sangue de Andre Serrano. E a fusao de sirnbolos na escultura de Anish Kapoor ou opera a dissolugao da ideia de autor na pintura de Gerhard Richter. E conceito e sua retificagao. Yves Klein repos o monocromo e outras cores na discussao do canibalismo. A violencia politica se compara ao canibalismo. Montaigne argumenta em seus Ensaios (I,XXXI), que "nos [as europeusj os excedemos faositipinambas canibais] em toda sone de barbaridades". Guerras de religiao, as conflitos etnicos, lutas intestinais, o fascismo demonstram coma a prOpria sociedade devora seus filhos. A pintura de Glenn Ligon interroga. Sua obra conjunta corn Byron Kim "Black and White" (Version M r, 1993) consiste numa serie de monocromos, ironiza a relacao cor/etnia coma num mostruthio comercial de tintas. "0 trabalho dos artistas negros é freqiientemente reduzido a ser simplesmente sobre a raga e a nada mais, como se nos genera, sexo, classe, e outras identidades, nao complicassem qualquer discussao sobre raga como assunto, ou como se raga fosse nosso assunto natural." Sutilmente, pintar textos corn letras pretas sobre o fundo preto para discutir como o uso do nome de cores para designar etnias pode resultar em racismo quando o discurso sobre identidade etnica nega o discurso da subjetividade. Nigel Rolfe produziu Mao na Cara (1988) em aparo a Mandela. Diferencas de projecao num telao ern Wembley ou num monitor pequeno — discutem o espaco social. 370

0 video, urn anti-Malevitch, recarrega a imagem de significados. Em tempo real, o rosto do artista sofre reiterados ataques de uma mao pintada em preto. 0 subtexto é a violencia politica da censura, tortura e identidade individual vinculada a condigao fisica. Transparece o confronto do individuo corn a plasticidade do poder. No segmento Roteiros da XXIV Bienal de Sao Paulo, Abdoulaye Konate apresenta a instalacao "Genocidios", em que retalhos de tecido vermelho — monocromos — remendam a tela. Sao ferida e sutura sobre urn corpo que mingua por fome e mutila em guerra sob o olhar mediado pelos meios de comunicagao. Konate comp6e uma geragao de artistas que incorpora valores ancestrais a espessura ao presente. A Africa se assume como sujeito critic° de seu processo politico. De origem palestina, Mona Hatoum atua na tradigao de simbolizagao visual na cultura islamica e seu interdito da representacao. Ornamentos, arabescos, caligrafia, cores articulam significados sem representar. A superficie abstrata do Tapete de °raga° (1995) resulta de milhares de alfinetes. Uma bUssola, inscricao "Kitsch", possibilita saber a dire* de Meca. A superficie abstrata de Prayer Mat (1995) contrasta o Tapete de Ilipas, urn territorio repulsivo, e Tapete de Bolas de Gude em que milhares de bolas de vidro desestabilizam o espaco. A sensualidade dos materiais exacerba certas fragilidades ten -itoriais. Nas antropometrias, Yves Klein usava pessoas para imprimir pigmentos. "Urgencia apropriativa", diz Pierre Restany, aplicando um termo vinculado a antropofagia, a esta especie de suddrio. Klein imprimiu "batalhas" travadas por corpos em turbulentos movimentos — "uma batalha corn a aura de uma exuberancia irrestrita, extase orgasmic°, caos orgiastic° e violencia selvagem". Em Grande

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Antropofagia Azul — Homenagem a Tennessee Williams (1960), Klein ratifica o canibalismo coma pratica simbolica, metafora da violencia e dimensao fantasmatica no desejo. TenneSsee Williams havia abordado o tema no livro "Suddenly last Summer", cujo personagem Sebastian, buscando a realizagao sensorial, termina consumido par uma gang, indice brutal de decadencia social. Klein, como Montaigne, via Europa, por suas guerras, como "pun 'came' [...]. Rapidamente nos tornaremos antropMagos".40 Percebia ainda a eucaristia como rito antropofagico. 0 canibalismo, antecedendo a "era azul" edenica, sera etapa de redengao do homem. Klein comenta "estamos chegando a uma era antropofagica [•..1• Ela sera a concretizacao pacifica numa escala universal das famosas palavras: quem comer de minha came e beber de meu sangue vivera em mim e eu nele".4, 0 canibalismo ancestral religioso de Klein seria destino de parusia. Ern Project for na Artistic Attitude (197o) Antonio Dias inverte a escritura da palavra REALYTY. A relacao entre signo visual e signo verbal poe a palavra em suspensao sobre o campo preto. 0 espaco nao-verbal atua como urn imenso monocromo. Malevitch e sua nao-objetividade, ou outrOs modelos de redugao da pintura e sua inscrigao na sociedade, estao implicitamente referidos. Essa obra compOe a serie "Modelo da Arte", que se articula corn "Modelo da Sociedade", onde se inscreve "The invented country/Dias-deDeus-Dare" (1976). No campo do conhecimento contemporaneo, "a arte é o modelo

critic° da arte" e problematiza a sociedade, como urn de seus contecidos e, implicitamente, falta. 0 modelo de atitude do artista produzir conhecimento no campo de fricgao arte/sociedade. Sendo o monocromo uma reducao ao essencial, Cildo Meireles desloca-o para o excesso de car em Desvio para Ver-rnelho (1967-1984), 42 que na Bienal tambem se articulava ao monocromo-insta'Ka° Fantasma de Antonio Manuel, relativo a chacina de menores na Candelaria. Impregnagclo, primeiro ambiente de instalagao, aparentemente aproxima Cildo da economia de Yves Klein. No entanto, Cildo aborda as manobras do capital, o confronto entre o valor de troca e valor de uso, valor simbOlico e valor real. A car, como operacao economica inflacionaria, devora e neutraliza ideias de valor. Meireles esta visceralmente interessado em expor os jogos do capital, no confronto entre valor de troca e valor de uso, valor simbolico e valor real dal o imenso monocromo tomar o miter de cor devorante e atuar como estrategia de neutralizacao do valor pelo excesso. Saturacao, aciamulo-, impregnagao, desdobramento cromatico, simbolizacao determinam a inset-ca. ° desta obra nesta Bienal. Alem da referencia a Atelier vermelho de Matisse, referimos a memerias de infancia do artista. Seu pai levou-o para ver o corpo de urn jomalista politico assassinado cujos amigos haviam tornado sangue para escrever na parede frases lembrando o heroismo de suas ideias. 0 monocromo faz, agora, percurso inverso: da nocao de zero ao agenciamento da historia.

Notas r. Sao Paulo, Fundacao Bienal de Sao Paulo, 1998. A exposick, teve curadoria do autor corn assistencia de Valeria Piccoli e o catalog° foi editado por Adriano Pedrosa.

2. Infelizmente a Bienal nao pode contar corn o emprestimo das obras de Bill, Arp, Lohse, Vordemberg-Gildewart, Calder. Paradoxalmente, as ohms, embora especifica e pro-

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fundamente vinculadas a historia da Bienal de Sao Paulo e ao meio artistic° brasileiro, tiveram seu emprestimo negado a Liltima hora pelo Museu de Arte Contemporanea da Universidade de Sao Paulo. Era da pauta da )oav Bienal de Sao Paulo exibir essas obras numa sala, juntamente corn obras de Malevitch, Mondrian, van Doesburg,Vantongerloo e Torres-Garcia, que seria dedicada a homenagear em seu centenario a Francisco Mattarazzo Sobrinho, fundador dessas duas instituicries. 3. Murilo Mendes. "Texto branco" de A invencao do finito (1960-1970). In: "Transistor". Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1980, pp. 971-972. As citaciies deste autor sao deste texto. 4"Le Miroir Suprematiste". Lausanne, CAge de FRomme", 1997, pp. 97 -98. 5. "Primera Bienal de San Pablo". Buenos Aires, Very Estimar, 23, maio de 1951, p.14. 6.VerYve-Alain Bois,"Painting as Model", Cambridge,The MY!' Press, 1990, p. 104 7. Ver "A cor no modemismo brasileiro, a navegacao corn muitas bUssolas" do autor neste catalog°. 8. Rio de Janeiro, SDJB, 1960, p. 4. 9. "Malevitch, la question de Elaine. Saint-Etienne, Cierec, 1997, p. 70. Cita A. Nakov e analisa tambem a relacao da obra de Malevitch corn a arte transfigurativa dos icones. ro. "Du cubisme et du futurisme au Suprematisme Le nouveau realisme picturial" (1916) in "Malevitch ecrits". Paris, editions Champ Like, 1975, p. 185. r 1. "Le Suprematisme", op. cit. nota 4 supra pe. 85. 12.Thierry de Duve, Kant after Duchamp, Cambridge, MIT press, 1996, p. 229. 13.Robert Rauschenberg/ Calvin Tomkins. "The Bride and the Bachelor". New York, Viking Press, 1974, p. 199-200. 14.The Primary Colors for the Second Time: A Paradigm Repetition of the Neo-Avant-Garde". In October, MIT, Summer 1986, fl. 37, p. 45. x5. Textos especificos neste catalog° abordam especificidades.Trabalhamos aqui corn paradigmas. Outros artistas poderiam ser incluidos no debate, Rodchenko desenvolveu seus monocromos nos anos 20. Entre os monocromos brancos devem ser citadas os de Strzeminski e Buchheister, e mais recentemente, Ellsworth Kelly, Burn, Megert, Goepfert, Castellani, Colombo, de Vries, Girke, Bartels, Piene, Uecker, Moreller, entre outros, alem de Opalka no momento em que atingir o grau zero. Nao incluimos os relevos pint ados de Schoonhoven, von Craevenitz, Sergio Camargo, Simetti, entre outros. 16.Ver Benjamin Buchloch, op. cit. nota 14 supra. Thieny de Duve "Yves Klein, orThe Dead Dealer". In October, 1998, n. 49, e "Kant after Duchamp", Cambridge, MIT 1996. 17. "Yves Klein le monochrome". In "La Couleur Seule". Lyon, 1998, p. 73-81.

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18. In Azimuth 2, 1960, apud Ursula Perucchi-Petri, in "La Couleur Seule", p. 88. 19. Revista Critica de Arte, Rio de Janeiro, 1962, n. I. Rodchenko nao recebeu mencao at zo.Ver, pot exemplo, o texto de Heil, Oiticica "I 6 de fevereiro de 1961". In: "Aspiro ao grande labirinto", Rio de Janeiro, Rocco, 1986, p. 27. 21. As obras apresentadas na Bienal eram pianos recortados em papel e anumados formando retangulos. 22.Tratada em uma das salas desta Bienal e em artigo de Viviane Matesco no catalog° Nixie° HistOrico: Antropofagia e Historia de Canibalismos da XXIV Siena] de Sao Paulo (1998). 23. Suplemento Dominica', Jomal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1960. 24. "Dezembro de 1959". In op. cit nota zo supra p. 16. 25. Apud Lynn Zelevansky, "Driving Image:Yayoi Kusama, In NewYork". In: "Yayoi Kusama 1958-1968". Los Angeles, Los Angeles Country Museum, 1998, p. rz. 26. lbidem, p. 14. 27.Aqui parodia-se °Text° Branco de Murilo Mendes, nota 3 supra. 28. "Manabu Mabe". In Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1959. 29. Rio de Janeiro, SDJE, 1960, p. 4 30. Pesquisas recentes de Andrea Giunta comprovam que Fontana nao havia participado da elaboracao e publicacao do Manifiesto Blanco, conforme conversas corn o autor em setembro woo. 31. "Fontana" op. cit. nota 3 supra, p. 376. 32.Ver artigo de Rosa Olivares no catalog° Nude° Historico: Antropofagia e Historia de Canibalismo da XXIV Bienal de Sao Paulo (1998), p. 5o8. 33. Essas interpretacries de Luis Perez Oramas foram extraidas de carta ao autor em 25 de agosto de 1998. 34. Ver op. cit. nota 20 supra, p. 25. 35.1n "Robert Ryrnan", Robert Starr. Londres Tate Gallery, e Nova York, The Museum of Modem Art, 1993. 36. Entrevista de Robert Ryrnan a Lynn ZelenansIcy emjulho de 1992, in "Robert Ryman", Robert Storr. Londres,. Tate Gallery, e Nova York, The Museum of Modem Art, 1993, p. 118. 37. In op. cit. nota anterior, p. 16. 38. Apud Storr, op. cit. nota 36 supra. 39. "An interview with Byron Kim". In: "Glenn Ligon un/ becoming". Philadelphia. Institute of Contemporary Art 1997- P. 54. Nota em seu di5rio de 1957, apud Stich, nota anterior, p. 180. 41. Zero, 1973, p. 88. 42. "Desvio para o Vermelho" e apresentado nesta XXIV Bienal, cam analise por Lisette Lagnado.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS MONOCROMOS, A AUTONOMIA DA (ORE 0 MUNN) SEM CENTRO - PAULO HERKENHOFF

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Pintura reencarnada ANGELICA DE MORAES 0 ual o lugar da pintura na arte contemporunea? Essa pergunta é urn fib desencapado que cid choques eletricos ao menor contato. Choques de voltagem major ou menor, mas que nunca cessam. Assim como no cessa a presenca da pintura no horizonte da arte contemporfinea, embora inumeras vezes ao longo do seculo passado tenham decretado sua morte. Penso que, ao contrail°, ela reencamou. Nao se trata aqui de identificar uma pintura supostamente revigorada, mas sim de observar que ela migrou de corpo. Dal a razao da metafora que dá titulos a esta exposicao. Metafora que incomoda os mais ortodoxos, mas que é absolutamente exata para identificar o fenemeno. A pintura deixou de ser apenas o aglomerado de moleculas de urn objeto para ser pura energia de sinapses cerebrais. Fio condutor da major parte da hist6ria da arte ocidental, a pintura é hoje urn rico acervo de conceitos que passou a ser exercitado e expandido tambern em outros materiais e processos. Ha urn conjunto enorme de instalac6es, objetos, performances e, mesmo, diversas expressoes de arte eletronica que estabeleceram suas poeticas a partir de matrizes criativas solidamente fincadas no pensamen-

to pictorico. Chamo a essa producao de pintura reencamada. Tratei dessa questao ja na mostra individual de Elida Tessler, "Vasos Comunicantes", que realizei para a Pinacoteca do Estado em maio-junho 2003. Ela deriva de observac6es realizadas a partir do conceito de campo ampliado da escultura, de Rosalind Krauss,' que motivaram minhas tat curadorias "Territorio Expandido", realizadas no Sesc Pompeia (S5o Paulo, SP) nos anos de 1999-2001. Naquela ocasiao, notei que o conceito de Krauss se aplicava nao apenas a escultura, mas a maioria das formas de expressao visual contemporanea. No desdobramento desse estudo, encontrei na pintura o campo mais rico para a analise desse vies. • Pintura reencamada é a pintura que, desprendida da materia que a caracteriza, pousa de modo indelevel e perfeitamente reconhecivel em obras produzidas na atualidade. Estas sac) obras que nao existiriam se, antes delas, nao houvesse a memoria de um fazer e especialmente de um pensar pictorico, plasmados em superficies pintadas que atravessaram os seculos ate nos. Uma memoria presente tanto no artista quanto no public°, que aciona mecanismos de associagao e leitura diacrOnica capazes de infundir alma e densidade ancestrais mesmo a


expressoes visuais recem-nascidas nos novos meios digitais. Foi para pensar e olhar junto corn o public° esse fenomeno acima descrito que esta exposigao foi organizada. Ha nela urn roteiro pontual e enxuto de nomes e obras, reunidas corn o objetivo de apontar e delimitar as linhas gerais de urn universo bem major. Foi absolutamente intencional nao colocar a chamada pintura-pintura no conjunto da mostra. "Pintura Reencamada" nao defende pressupostos modernos de "evolugao" da pintura para novos meios. Defende modelos contemporaneos que admitem a cOmple)ddade e a sirnultaneidade, sem hierarquias nem interditos. Afinal, em respeito aos fatos e a enorme gama de linguagens artisticas que nos conduzem a conteados poeticos os mais diverSOS, nao 6 possivel sustentar que em arte funcionam as leis evolucionistas, que Charles Darwin tao bem soube provar existir nas especies biologicas. Nao ha progressao nas linguagens e generos visuais e sim novos caminhos, paralelos, nao hierarquizados diante dos anteriores. He apenas arte. Arte que nos proporciona percepcbes aumentadas do estar no mundo. Nao ha na exposicao qualquer pintura entendida em seu sentido tradicional, ou seja, tinta sobre tela. Mas tudo é pintura. Ha estrutura, ritmo e cot. Ha veladuras e trajetos de luz, transparencias, opacidades e, mesmo, sobreposigao de grafismos que relativizam a sedugao do meio. He planaridade e perspectiva, apropriagOes de padronagens e figuras, invenceir es de novas formas para entender o que antes so as tintas e o trajeto do pincel poderiam oferecer. Mas tambem ha urn tributo a algo imortal. Essas obras nao existiriam se seus autores nao estivessem atentos ao legado picto374

rico da historia da arte. Lies investigam e criam urn novo lugar para a pintura na contemporaneidade. Que pintura é essa? E pinPita reencamada. E pintura desprendida do seu corpo de tinta e tela pan, imaterial levfssima, pousar em outros corpos artfsticos e imanta-los corn sua alma inconffindfvel. Uma poderosa presenga, que aprendemos a amar em todas suas encamacees, atuais ou remotas. Se nesta exposicao a chamada pinturapintura nao esta presente é exatamente para sublinhar, in absentia, a sua importancia como motor de toda mostra. 0 pensamento pictorico é o fib condutor do percurso expositivo de "Pintura Reencamada". A curadoria pensou que seria 6bvio demais estabelecer urn cotejo direto, ffsico. Ate porque esta tratando da imaterialidade e da perrnanencia da memoria da pintura. 0 percurso comega pelos legitimos herdeiros das caracteristicas e conceitos identificados corn a vibragao da cor para alem da superficie plana da tela. Na historia da arte no Brasil, isso se coloca a partir do neo-concretismo e dos solidos geometricos (como Cubo-Cor e Ceme-Cor) criados por Aluisio Carvao (1920-2001) em 1960. Conforme esdarece Anna Maria Martins2 na monografia sobre o artista, Carvao "vai alem da tela na afirmacao da fisicalidade da cot". Para dar corpo ao pigmento, ele cria duas obras emblematicas dessa questa .° na arte brasileira. Uma em cimento e outra em madeira. Na peca executada em cimento, Cubo-Cor, de novo nas palavras de Martins, o artista "intensificou forma, volume, materia, superficie e textura no mesmo suporte para cot, como se ela fosse o pr6prio objeto. A geometria sensfvel do artista reduz-se a pura relacao cromatica". No instante seguinte, observamos que Carvao desdobra essa per-

cepcao no Ceme-Cor, estabelecendo urn angulo agudo entre dois pianos e, assim, destacando ainda mais a altemativa encontrada por ele para a pintura escapar da bidimensionalidade. Penso que Carvao estabelece, corn essas duas obras, o moment° inaugural da pintura reencamada no ambito da axle produzida no Brasil. Antes de chegar aos neoconcretos, p0rem, o public° ye, na parte extema do predio do Paco das Artes, obstruindo a entrada principal no final da escadaria, uma enorme impressao sobre lona vinflica criada por Lucia Koch corn as cores do ceu de Sao Paulo, ou seja, corn sutis passagens de cor de cinzas a azuis. E paisagem sem. imagem, frontralizada como urn mural. Site specific que modifica o espaco onde esta colocado, criando uma vibragao de cot para fruicao diante dela, mas tambem no seu avesso, apropriado como espaco integrante e irradiador da obra. Ao contrario de Lucio Fontana em seus Conceitos Espaciais, nao ha o corte para a percepcao do outro lado e, sim, a transparencia e o dialogo direto com a arquitetura. Corn a sua instalacao de sabor surrealista e magrittiano, Koch cria urn con no final de uma escadaria. Visto a distancia, é trompe que promete precipitar o espectador em abismo virtual tao logo ele suba os degraus. A poetica é muito propria e completamente integrada ao universo de indagagees sensiveis sobre luz/cor, que se constitui no eixo da producao da artista. Esse trabalho, se observado no contexto da mostra, é exemplo vigoroso da presenga sutil da pintura pousada em novos processos e materiais trazidos pela contemporaneidade. Nota-se ern Koch uma certa descendencia de Dan Flavin no uso artistico da luz, como material para "pinta? nao s6 as paredes, mas todo o ambiente em que 6 colocado. Flavin usava preferenci-

almente a lampada de neon, Koch usa pelfculas coloridas aplicadas a superffcies translacidas. 0 azul celeste tambem reverbera do chao da entrada do espago expositivo na obra de Arthur Lescher, uma sedutora instalacao/escultura em que o pigmento nao esta na tinta, mas na lenta, reacao quimica produzida pelo sal de cobre em contato corn o ferro da estrutura, em formato de grelha ortogonal. 0 sal, pela corrosao que promove, tinge de urn vermelha-ferrugem muito intenso a estrutura cinzenta do metal, enquanto este confere tons esverdeados ao azul do sal. Lescher fala aqui dos principios masculino/ feminino (simbolizados no ferro e no sal) e da agao transformadora da paixao. Mais adiante e ainda proximo a Lescher, expandem-se os azuis das obras Trouxa e CorOco-SOlido, dessa estupenda colorista chamada Amelia Toledo, assim como seu Peso, a gota vermelha aprisionada em vidro que nos lembra o sacriffcio de uma geragao idealista nos idos da ditadura militar brasileira. Um azul veludoso e solene é o assunto da emocionante instalagao Tteia # 7, de Lygia Pape: duas piramides de pigmento criam um poema visual para estabelecer densidade e corpo de tinta a luz que configura a cor. Essa obra instaura o indizivel e nos atravessa, por inteiro, o coragao. Lygia: uma lagrima e uma saudade. Por esses acasos que conferem transcendencia inimaginavel a gestos mergulhados no cotidiano, inauguramos esta mostra no mesmo dia e quase na mesma hora em que Lygia morreu. Ficou a certeza de pie homenageamos a artista do melhor modo: exibindo seu trabalho. Em algumas das obras aqui reunidas ha o cromatismo intenso obtido corn materiais ou suportes incomuns. He a frontalidade. Em outros, a invocagao da pintura se <la pela

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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PINTURA REENCARNADA - ANGELICA DE MORAES

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memoria, pela inspiracao em quadros famosos ou na expanse- 0 contemporanea e tridimensional de alguns generos que definem a pintura classica, como o mural, o retrato e a paisagem. Essa escolha envolve tanto as mestres contemporfineos Aluisio Carvao, Lygia Pape, Hello Oiticica, Nelson Leimer e Amelia Toledo, quanto os jovens talentos consolidados Albano Afonso, Alex Flemming, Luiz Hermano, Lucia Koch, Arthur Lescher e Elida Tessler, alem das novissimas Rachel Rosalen e Marcela Tiboni. Urn Calico artista estrangeiro, o videoartista Bill Viola, comparece para sublinhar que o fenOmeno é intemacional e ganhou uma visibilidade major a partir da videoarte. Corn urn trabalho que denominou ironicamente de Figurativo Abstrato, Nelson Leirner exerce seu humor iconoclasta sobre várias referencias da historia da pintura, desde o pontilhismo que notabilizou o frances Georges Seurat no final do seculo XIX ate os ismos do inicio do seculo XX e a cultura pop em que estamos mergulhados ha mais de 50 anos. Olhada a distancia, a obra de Leirner parece abstracao informal. Lembra telas tachistas. Vista de perto, revela que os rnñmeros toques coloridos de pincel s5o, na verdade, figuras autocolantes de personagens pop como as Meninas Superpoderosas, o gato Frajola an o Coracao de Jesus. 0 resultado tern grande fascinio para o olhar, sublinhado pelas bordas douradas das figuras sobrepostas, que promovem uma certa flutuacao do "campa pictorico" e urn grande prazer retiniano, alga divertidamente paradoxal na obra desse discipulo fiel de Duchamp. Ha algumas obras em fotografia nesta mostra que surgiram diretamente da releitura de pinturas famosas, como o inteligente dialog° de Albano Afonso corn os contrastes dramaticos de luz que caracteri379

zam o daro-escuro, trabalhados por urn dos mais famosos retratistas do seculo XVII, o frances Georges de La Tour. Descendente direto da pintura barroca de Caravaggio, La Tour é revisitado por Afonso em 0 Impostor, apos La Tour. A imagem, em cave de autoretrato, mostra o artista como um jogador, urn ilusionista. Afinal, o ilusionismo esta in base da histOria da pintura desse periodo. Conforme o critico portugues Paulo Reis, "o cOdigo para a compreensao de sua obra esta no conhecimento antecipado da arte, pois conhece-se e integra rse ao jogo, ou desconhece-se e esta fora". Albano tambem cria a partir da tela Noite Estrelada, de Van Gogh, substituindo as corpos celestes do p6s-impressionista holandes por uma configuragao semelhante, demarcada por luzes de flash. Pam fazer sua instalacao, Luiz Hermano baseou-se em quadro-icone do impressionismo: Dejeuner sur L'Herbe (Almoco na Relva), tela de 1863 do frances Edouard Manet (1832-1883), obra, por sua vez, inspirada em pintura do renascentista italiano Rafael Sanzio (1483-1520). Hermano criou uma trama de fios aereos que suportam delicadas estruturas vazadas sobre urn chat) semeado de pratos intensamente coloridos. Seria uma pintura reencamada mesmo sem o referencial famoso. 0 uso inteligente do espaco na composigao pontuada por cores e sutilmente perspectivada pelas linhas já estabelece urn pensamento pictorico inegavel. 0 genero paisagem e revisado par Hello Oiticica no objeto Topological Ready Made Landscape n° 3 (Homenagem a Boccioni), de 1978, em que o artista nos remete a percepcao da linha do horizonte atraves do exercicio de fazer coincidir esta linha real corn a linha imaginaria estabelecida por urn elastic°. Esse elastic° este preso a um vidro transparente, de banal desinfetante domestic°, cheio de -

urn liquid° lilas, que o transfigura e sublima. Urn semicirculo feito corn aramado metalico envolve o conjunto, trazendo a sugestho de perspectiva ao filtrar em grafismos o percurso da luz. Na proposta original, o artista pretendia clue o espectador observasse esse objeto de uma janela de frente para urn horizonte e pudesse manipular o elastico para "sintonizar" realidade e representacao. Assunto, alias, essencial da pintura. Os cuidados museolOgicos necessarios para a exibicao postuma dessa obra fragil frustram em parte essa intencao, mas sao justificadamente incontomaveis se pensarmos a peca como objeto da historia da arte e nao como urn conceito reproduzivel. Alex Flemming, conforme escrevi anteriorrnente para a exposicao individual que apresentou esses trabalhos ao public° brasileiro, em Sao Paulo; "propoe, corn a sane de trabalhos Flyning Carpets, uma utopia: a convivencia pacifica entre a tecnologia do Ocidente e a rica tradigao oriental". Essa utopia se arma visualmente por meio de uma operacao de sabor surrealista: Flemming coloca urn recorte de tapete persa sobre urn perfil bidimensional de avid° para obter o significado da obra pela soma dessas partes. A padronagem oriental é apropriada como superficie pictOrica e o conjunto remete ao atentado de ix de setembro, mas tambem afirma e recupera o territorio de sonho de roor noites que significa o deslocamento em viagens de avi5o. Elida Tessler traz a instalac5o Fundo de Rumor mais Macio que o Silencio, uma investigaga° poetica sabre o lugar da existencia, entendida como horizonte e mem6ria. Sem intencionalidade estabelecida pela artista, mas garantida pelo fato de compartilhar as mesmos espacos da mostra, esse trabalho acaba dialogando corn a obra de Oiticica.

Tessler tambem faz sua paisagem. Uma paisagen-i interior, que ocupa as quatro paredes de uma sala, extravasando pan parte do espago contiguo a ela. Uma linha envolve e abraga o espectador corn uma superficie continua de palha de ago oxidada, que verte ferrugem na parede branca. Essa linha esta na altura dos olhos da artista. Ao verter, a ferrugem traga e "pinta" a memoria de seu percurso em caminhos irregulares ern diregao ao chao. 0 titulo do trabalho vem de uma frase escrita por Italo Calvino no livro Marcovaldo ou As Estacoes na Ciclade,s em que o personagem busca em vac urn pouco de paz pan poder dormir: urn fundo de rumor. Que cabe, inteirinho, no objeto Fragment° de Fala Inacabada, em que a ferrugem/memOria habita urn corpo transhicido feito da corrosac) dos dias e da deposicao desses residuos. Rachel Rosalen investiga a sobreposigao de peles que tece o espago urbano em uma pintura imaterial feita de pixels de imagens eletrOnicas na qual predomina o verrnelhosangue. Sua instalacao de arte digital interativa produz uma dupla leitura, ao mesmo tempo de imersao e observacao distanciada. Ao percorrermos o espaco, sensores de presenca acionam sabre nos a projecao de imagens de violencia de noticiarios televisivos e, tambem sobre um grande envelope de plastic° (semelhante ao utilizado para transportar vitimas de crimes), em que estho depositados restos de construcao, pedagos de asfalto, concreto e pedra. Somas imersos nessa violencia e a vemos projetada aderida em nos. Uma "beleza obscena", no entender de Rosalen. Mas he outro ponto de observag50, igualmente ir8nico, instalado pela artista: uma escada de construgao convida o espectador a subir e olhar de cima a obra. E urn suposto local seguro: nessa posicao, o espectador projeta sua sombra

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PINTURA REENCARNADA - ANGELICA DE MORAES

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sobre as imagens, tomando-se novamente sujeito e testemunha. Como bem observa Jo Takahashi em texto publicado na revista japonesa de arte contemporanea BT, 6 "quando Rosalen interpola urn discurso entre a morte e a sobrevivencia na violencia urbana, deflagrada pela co-autoria do espectador, convoca uma responsabilidade etica, pela participacao ou ate mesmo pela omiss5o (...). A naturalidade fria da violencia se contrapOe ao vermelho quente do tratamento da imagem num estranho hibridismo onto16gico, num niilismo que mistura Bosch a Caravaggio". Marcela Tiboni, a mais jovem artista da exposig5o, comegou sua trajetoria artistica exatamente se perguntando sobre a possibilidade de expressao da pintura hoje. Sua videoperformance 0 Grito, assim coma suas fotografias, tratam do convivio intimo corn a tinta e o enorme desafio de se deixar impregnar por esse meio que ji marcou muitos seculos de arte. Na performance, Marcela bebe e vomita tinta, deixa-se envolver inteira em busca de expressao corn esse material. E reclama, em altos brados, corn uma pergunta incessante: "Par que a pintura n5o grita, por que a pintura nao pode gritar?" 0 titulo remete a famosa pintura do noruegues Edvard Munch, que coagula a angastia expressionista em um momento imico e emblematic°. Marcela ecoa o fascinio e, ao mesmo tempo, o medo das novas geracoes em enfrentar essa tecnica tar) antiga quanto atual. Sua gerag5o, como as anteriores, tern na pintura urn objetivo arduo, mas em igual medida, urn desafio iniciatico in- esistivel. Seja ela realizada nos materials tradicionais ou n5o. 0 videoartista norte-americano Bill Viola completa o elenco, para assinalar pontualmente que a pintura reencamada é fenomeno internacional de largo espectro. Na obra

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em exibicao (The Quintet of the Silent, de 2003, inedita no Brasil), Viola evoca o genero do, retrato em grupo, tao praticado pelos mestTes holandeses do seculo XVII. Nesse trabalho alias, como ocorre em toda a recente serie, Passions, da qual essa obra faz parte - os personagens sac) dispostos em uma composicao rigorosa sobre fundo negro, recortada no claro-escuro da iluminagao dramatica a Rembrandt. Densos e nitidos vermelhos ecoam pictorialidade na tela de plasma. Tela eletronica, em que a urdidura do tecido do suporte tradicional transmutou-se em trama de pixels, pontos de luz que rerinem no mesmo impulso eletronico o que antes era super -fide, pigmento e trajet6ria do pincel. A pintura reencarnada é fenomeno em processo de cristalizacao desde a metade do seculo passado. Apenas agora, no entanto, é possivel delimitar suas caracteristicas, gragas a visibilidade trazida pela perspectiva de tempo e sedimentacao dos chamados novas meios. A videoarte, em especial, 6 o veiculo por excelencia para catalisar essa leitura. Imaterial, feita de impulsos eletricos, a arte em video 6, contraditoriamente, onde melhor se pode identificar essa heranca genetica pesadamente material e cheia de espessura historica vinda da pintura. Já a extensa argumentacao para tentar matar a pintura vem de longe. 0 arnincio mais enfatico (e igualmente falso) de morte tao ilustre ocorreu ern 1815, corn a Inver -10o da fotografia, por Joseph Nicephore Niepce. Despojada de sua fungdo de representagan da realidade, a pintura se viu diante do dilema de revitalizar a competencia e a maestria de oficio, usurpado por urn mecanismo Optic° de acesso universal. No inicio do seculo passado, as vanguardas russas encontraram a solucao para o impasse. Alexander Rodchenko foi um dos

arautos da morte da representagao ao realizar, em rgzr, tat telas monocromaticas (vermelho, azul e amarelo) e declarar: "Esta tudo acabado: cores basicas e cada piano é o pro- prio plano. Nao ha mais representagao na pintura." A resposta de Rodchenko logo sera seguida por diversas outras. Mondrian tambem afirmou que suas telas - negacoes da ilus5o de erica de profundidade e da funcao descritiva da imagem - apontavam para o fim da pintura. Marcel Duchamp, par sua vez, teve objetivo demolidor ainda mais amplo ao lancar um anatema sobre o que denominou de "arte retiniana", ou seja, aquela que se compraz em satisfazer o olhar. Para Duchamp, a funcao essencial do fazer artistic° é criar obras que possam agir alem do nervo optic°, penetrando nas circunvolugfies cerebrais e agindo como motores para ideias. Alga, alias, que podemos entender como urn aggiornamento da famosa maxima renascentista, enunciada por "Leonardo": "arte i cosa mentale". Nutridos da tradigOo pictOrica, atingem outro patamar: o das sutilezas do conceito. Ao contraria da arte conceitual, no entanto, nao ha desapego pela sensualidade da materia. Ela se transubstancia, evola-se de urn corpo para existir em outro, como pintura reencamada. No texto que escrevi para o catalog° de Marina Saleme,7 observei que "a denominacao pintura reencarnada alude a sempre anunciada e nunca confirmada morte da pintura. Alude tambem a uma certa tenacidade dos artistas em operar o pictorico a despeito da larga sombra de suspeicao que se abateu sobre ele, quase enxotado do mundo contemporineo para um empoeirado escaninho da modemidade. Esse termo tern conex5o direta cam a saudavel sobrevida injetada na pintura pelas praticas multimeios da cena atual".

Ha quern considere excessivo, de urn misticismo inc8modo, essa metafora da morte e ressurreicao. E estranha essa tentativa de clan interditos a critica de arte coma se ela nao pudesse ter a mesma liberdade de acao da pr6pria arte. Haveria temas proibidos, inconvenientes. Esquece-se al que a pintura, historicamente, é das expressfies artisticas, a que mais usou e abusou das metaforas e dos simbolismos, das alegorias e Indices significantes as mais diversos. A dimensao espiritual na arte, que reme- , te ao classic° livro do pintor russo Wassily Kandinsky, é alga profundamente incmstado na historia da pintura. Já na ante realizada nas cavemas pre-historicas havia a pratica da representacao pict6rica como ferramenta de dialog° corn a dimens5o magica dos deuses. Essa fungal() chegou a urn apogeu durante a Idade Media e a Renascenca europeias, que gerou imenso reposit6rio de telas, afrescos e murais inspirados em temas biblicos. A analise laica da pintura é bem mais recente e deriva de uma hegemonia critica, de vies marxista. E, Como toda cornpartimentalizac5o do conhecimento, acaba por promover a cegueira de tudo o que nao lhe é familiar ou proximo. Se, como já dizia Heiner Muller, "a primeira aparicao do novo é o assombro", o novo sempre provoca reacao quando n5o o reacionarismo. De qualquer modo e polemicas a parte, o espectador esta convidado a fruir de modo mais ativo essa exposic5o, detendo-se tanto nas propostas autorais de cada artista quanto na reflexdo sobre uma presenca que resiste a todos os amincios de sua pretensa morte. Uma morte que, como os cadaveres das vitimas do Esquadrao da Monte ou de grupos de exterminio ligados ao narcotrafico, sempre aparecem nas fotos da midia cobertos por jomais. A palavra impressa (ou se

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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PINTURA REENCARNADA - ANGELICA DE MORAES

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quiserem, certa critica que nao observa os fatos e apenas forja teorias em seus gabinetes) tentou matar a pintura, sim. Esta exposigao frisa que ela esta viva. A pintura contempothnea ha muito transbordou da assepsia das vanguardas russas do seculo passado e da alum formalista de inspiragao greenberguiana. Deslocou-se dos canones rigidos que determinam urn horizonte arcaico, em que ofinis terrae esta muito antes da contemporaneidade comecar. A pintura feita na atualidade entendeu que ai havia uma camisa de forga e que o artista contemporaneo é onivoro, ou seja, nao precisa reconhecer apenas o Corao ou a Biblia. Pode alimentar-se de muitas crengas, de muitas teorias e percepcees. Pode ser minimalista, ortogonal e quase sem cor, mas tambern pode ser neobarroco, saturado de informagao e excessivo como este seculo em que vivemos.

Se formos tracar uma linha historica dos sucessivos anUncios de morte da pintura, vamos notar que o fenomeno tem mais de urn seculo. Conforme nos esclarece Yve-Alain Bois,8 a pintura modemista já convivia corn esse trauma. Alias, como ele afirma, "o luto foi a atividade da pintura durante todo o secub XX". Uma atividade, frisa, "que nao se tomou necessariamente patolOgica: a sensacao de urn fim acima de tudo produziu uma irrefutavel histeria da pintura, em particular da pintura modernista, a qual estavamos muito provavelmente dispostos a enterrar". Para Bois, a vitalidade da pintura, "apenas sera testada quando estivermos curados de nossas manias, de nossa melancolia, e voltarmos a acreditar em nossa capacidade como agentes da histOria, aceitando o projeto de atuar em meio ao fim, em vez de escapar dele atraves de mecanismos de defesa cada vez mais elaborados".

Notas KRAUSS, Rosahnd. "La Sculpture dans le Champ Elargi", ensaio incluido no livro L'Originalite de L'Avant-Garde et Autres Mythes Modernistes. Paris: Editions Macula, 1993. 2. MARTINS, Anna Maria. Aluisio Camel°. Rio de Janeiro: GTM Editores/Editora Sextante, 1999. 3. BEN, Paulo. Catalog° da exposicao Albano Afonso. Galena Crap Standar/. Porto, Portugal, marco de 2004. 4. MORALS, Angelica. Catalog° da exposicao Alex Flemming. Galeria Sylvio Nery. Sao Paulo, setembro de 2003. I.

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5. CALVINO, halo. Marcovaldo ou As Estactes na Cidade. Sao Paulo, Companhia das Letras, 19946. TAKAHASHI, Jo. Artigo Brasil. Revista BT. Maui°, v 56, n. 85r, 2004. 7. MORALS, Angelica. Catalog° da exposicao Marina Salene. Paco das Artes. Sao Paulo, setembro de 2003. 8. BOIS, Yves-Alain. Ensaio Painting: The Task of Mourning, no catalog° da mostra Endgame: Reference and Simulation in Recent Painting a Sculpture. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1986.

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Imagem e midias


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(significa arte, em linguagem binaria)

WALDEMAR CORDEIRO

I

s trabalhos expostos integraram a primeira exposicao internacional de arte processada pelo computador equipado corn plotter, promovida pela California, Computer. Figura na mostra, tambem, um trabalho nosso, em equipe corn o prof. Jorge Moscati —Derivadas de uma irnagem — realizado em 1969 no computador digital IBM 360/44 (nao dotado de plotter) da USP. Num breve histOrico, provavelmente incompleto, a partir do Simposium sobre Arte e Computadores, realizado no Tama Pine Arts College, Tokio 1967, a manifestacao pioneira é Cybernetic Serendipity organizada por Jasia Reichardt em 1968 no IAC de Londres e seguida pela mostra Mind-Extenders apresentada no fim do mesmo ano, pelo Museum of Contemporay Crafts, em Nova York. No ano seguinte, o Museu de Brooklyn, em colaboracao corn o Grupo EAT, organizou a mostra Some More Beginnings. Novas Tendoncias 4, sob a direcao de Bozo Bek, realizou em maio do ano passado, em Zagreb, uma exposicao e urn importante seminario subordinados ao tema "Computadores e Pesquisas Visuais". Para este ano, estao programadas vdrias exposigOes, entre elas: Computer Graphic 70 na Brunel University de Londres, promovida pela Computer Arts Society. As primeiras experiencias de artistas argenti-

nos sera() apresentadas pelo centro de Estildios de Arte y Comunicacion dirigido por Jorge Glusberg. Por ocasiao de Fall Joint Computer Conference, a ser realiz a da em Las Vegas, havera uma mostra de musica, artevisual e teatro com computadores. Aqui no Brasil, embora o primeiro trabalho corn computador de nossa autoria, em colaboracao corn o prof. Moscati, tenha sido realizado em 1968, é esta a primeira mostra de arte cam computador. E, tambem, a primeira da America Latina. A arte computadorista, enquanto metodologia; se identifica, em Ultima analise, corn as tendencias da arte contemporanea chamadas, genericamente "construtivas" e que visam a quantificacao e a digitalizacao dos elementos da obra de arte. Na arte digital (digito = numero) a mensagem é processada numericamente, alcancando urn grau superior de precisao. Exemplos histOricos de arte digital sao Seurat, o cubismo analftico, o suprematismo, o neoplasticismo, todo o construtivismo e a arte concreta. Na arte digital a grandeza fisica é representada por urn numero, em termos estatisticos probabilisticos que nao excluem o recurso ao acaso. 0 desenvolvimento da arte digital tern relacao direta corn a industrializacao, corn a

,si


criacao da linguagem de maquina e a chamada linguagem artificial, tao freqiiente na semiologia grafica. A esse propOsito, conviria investigar em que medida a complexidade do fenOmeno perceptivo inerente a mensagem artistica nao é responsive' por elementos ambiguos caracteristicos da linguagem natural, que minam a homogeneidade e a regulamentacao minuciosa da terminologia da linguagem artificial. De contradicoes desse genera deriva, provavelmente, a necessidade da atividade artistica, nao substituivel pelas solucees apenas tecnicas da engenharia da comunicacao. Neste breve, brevissimo texto podemos afirrnar, talvez dogmaticamente, que a arte digital corresponde mais satisfatoriamente aos problemas tecnicos da demanda oriunda da evolucao tecnologica e da situacao cultural produzida pelo crescimento demografico e pelo fenomeno dos grandes aglomerados urbanos (metropoles e megalopoles), da diminuicao das distancias fisicas e do desenvolvimento das telecomunicacOes. A utilizacao do computador, portanto, pode ser considerada no ambito da arte digital, iniciada no Brasil pela arte-visual concreta, no fim da decada de quarenta, e que apresenta, nas decadas de cinqiienta e sessenta o seu major desenvolvimento e apogeu, influenciando outras artes, notadamente a poesia, e coincidindo corn o major indice de industrializacao do pals.

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Atualmente, nas condicoes gerais da segunda revolucao industrial, as processos de programacao e digitalizacao sao bem mais sofisticados e pressupeem a utilizacao de instrumentos mais eficazes, como o computador. Esse n5o passa de urn instrumento que pode realizar qualquer desenho em menor tempo e maior precisao. Por isso mesmo, esse poderoso instrumento pode senrir, tambem, a mais misonefsta das atitudes culturais. 0 seu uso em traduce- es de formas tradicionais pode set discutivel.,E como usar todos as recursos da .eletrOnica modema para executar uma 'canzonetta' napolitana, que sera sempre melhor se tocada corn os dedos no viola°. 0 uso do computador adquire particular importancia para as tendencias que pesquisam na arte metodos heurfsticos. Nesses casos a rapidez de calcub o e das decisoes de logica podem fazer economizar uma vida. Corn efeito, as vezes o estudo das variaveis de uma ideia (estrutura Cu metaestrutura da mensagem artistica) pode levar anos de trabalho arduo, quando bastaria uma programacao inteligente pan resolver esse problema em poucas horas, corn o auxilio do computador. 0 uso do computador na arte, e na critica de arte tambem, abre perspectivas imensas suscetiveis de atender a alguns dos anseios mais profundos da humanidade, proporcionando a almejada arte "autoconsciente" (C. Alexander), interdisciplinar e operativa.

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Algumas ideias em tomb Expo-Projecao 73 ARACY AMARAL m momento do artista brasileiro — entre o formalismo (os materiais, a elaboracao, o sistema), a radicalizacao da vanguarda esoterica, e as correntes que liberam o inconsciente (surreal, magia etc.), porem em nenhuma das tendencias citadas a possibilidade facil de entrever o cotidiano no objeto artistic° — o que poderia set admitido tambern como uma rejeicao do meio ambiente (mesmo no exemplo em Sao Paulo da arte de urn Green°, que fixa com dramaticidade o "environment" carregado e melancolico da megalopolis), neste momento explodem pot todo lado, como em outros pafses ocidentais, as experimentacoes (ou/ e realizacOes) corn filmes, audiovisuais, pesquisas corn som. E o artista procurando lancar mao de meios nao-convencionais para se expressar na ordenacao seletiva da realidade, ou no registro, como alguns mesmo declaram em depoimentos espontaneos, como "anotagees de situagoes que me impressionaram bem forte" (Miguel Rio Branco). E o caso de Barrio, que usa essa anotacao como urn registro do trabalho, que interessa "pelo sentido de informacao divulgacao do mesmo em algumas de suas etapas", posto que "fotos nunca registram a totalidade da pesquisa"? Ha portant° uma opcao, camera na mao e/ou gravador: para documentar — ou

fazer — o meio ambiente — o seu proprio trabalho, ou o seu proprio trabalho visto como uma seqiiencia cinematica, sonora ou nao: a realidade recriada, composta em seqiiencia nao mais apenas numa perspectiva precubista do objeto representado, nem pascubista, visa° multipla, porem contida numa (mica imagem fixada. Aqui o artista parte da camera e se podera constatar atraves das projecOes os que a utilizam corn plena liberdade e as que apresentam ainda uma certa "maladresse" em relacao a maquina. Nem poderia falar par todos os trabalhos que ser5o vistos na manifestacao, pois ainda ha muitos nao-vistos e que chegarao as vesperas da exibicao. Mas podera ser notada, na apresentacao, a diversificacao de postura na abordagem pela camera, e nisso é bem lucid° Antonio Dias quando afirma que: la pude notar que existern algumas diferencas de atitude corn relagao a utilizacao do filme. Ivan Cardoso, por exemplo, se interessa mais no sentido de filme mesmo, enquanto outros procuram ver no filme apenas um suporte a mais, uma extensao do trabalho já iniciado em pintura. Para mim, par exemplo, me parece insuportavel sentir a camera transitando pela cena, quase que escolhendo angulacaes, a partir de sua propria voracidade de media. Ela tern


que estar fixa, aceitar a minha organizacao de trabalho. Por isso tern sido muito dificil para mim trabalhar em colaboracao corn outras pessoas." E menciona uma abordagem diversa, como a feita par Iole, sua mulher: "0 interesse dela é pelo espaco do Elme, pelo movimento, pelo efeito &ice: ela consegue indagar o sujeito do filme numa maneira tao diferente, detalhada e movimentada, num modo que seria dificil de fazer corn uma outra media que nao o Super8. (...) Isso quer dizer que, por enquanto, existem filmes que entram em determinado circuito cinematografico; enquanto outros preferem funcionar em pequenos centres, corn urn public° destinado ao estudo dos novas sistemas de comunicacao". Essa possibilidade de trabalho referida acima pot Dias é tambem explicitada por Lygia Pape justamente como a major atragao do Super-8, em contraposicao ao cinema convencional, e ela coloca essas experimentacOes entre as que hoje visualiza como as mais validas: "0 Super-8 é realmente uma nova linguagem, principalmente quando tambem esta livre de urn envolvimento mais comercial coin o sistema. E a Unica fonte de pesquisa, a pedra de toque da invencao, hoje." Durante anos, acrescenta, "acompanhei o dia-a-dia do cinema nacional. G. b., assisti a horas de projecOes de copiaes nos laboratories da Lider. Vi as coisas mais incriveis — estruturas abertas — plenas de criatividade. Depois, comecava o processo de castracao: montagem. A limpeza do material mais interessante ern name do lugar-comum, da media do gosto, exigida pela bilheteria ou pela falta de informagao mais aberta do autor-diretor. Mais tarde o carte profundo reduzindo tudo ao horario comercial e ainda par cima a mUsica descritiva e o texto ou dialog° bobocas. Enfim, de uma cois a 386

viva, pulsante — o resultado amorfo bemcomportado e cinemanovista". Super-8, assim, para muitos, representa o "registro imediato e livre dos esquemas analiticos da montagem tradicional". Essa qualidade preservada — sobretudo pelo descompromisso tacito de quem o faz corn os circuitos comerciais — e a qualidade do gestual existente na pintura dessa tendencia. Ha pouco Jorge Mautner se referiu ao "frontal imediato, instantaneo, quase televisao" mencionado par ele ac escrever sabre a obra de Aguilar, "espontaneidade" realizada atrayes da pintura a pistola, o nervo aflorando a superficie da tela, frescor do registro imediato. E mantido sem o medo da imperfeicao. Essa deliberada despreocupacao seletiva por parte de muitos que trabalham corn Super8, essa desimportancia da montagem, ao mesmo tempo que nos traz a mente urn dos aspectos do realismo (o corriqueiro fixado), reflete, claramente, a exaltacao da qualidade televisiva reconhecida. Ao mesmo tempo nos faz refletir — seja no que diz respeito imperfeicao, como ao que se refere ao registro-arte — sabre ideas de duas personalidades de tempos diversos: uma, Ruskin, o critic° ingles do seculo passado, que se referia aos artifices medievais (em plena epoca da revivescencia do gotico na Inglaterra, ao nascer da revolucao industrial), enaltecendo-os, no caso, por se afastarem do bele elaborado, do bele classic° e par residir em seus trabalhos, nesse sentido rostico, a imperfeicao. Porque, dizia ele, "a imperfeicao é o sinal da vida; bank a imperfeicao é destruir a expressao, opor-se ao esforco, paralisar a vitalidade". Outro grande teorico, este de nosso tempo, Harold Rosenberg, em seu Oltimo trabalho (The de-definition of art, 1972) afirma que nesta epoca de "trabalhos corn terra, 'informations-systems art', arte-pro-

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cesso, 'electronic-phenomena art', arte casual, 'data registration art' e arte conceitual, o artista coma se tomou grande demais para a sua arte. Seu 'medium' prOprio é trabalho no mundo." Para isso o proprio artista se .mostra pronto a desmistificar como arte o que faz, coma já fez Robert Morris, retirando o nome de "arte" de urn seu trabalho. E assim varies outros: "De arte so ficou a ficcao do artista. Este desdenha mexer corn qualquer coisa que nao seja a essencia. Em vez de pintar, trabalhar corn espace; em vez de danga, poesia, filme, mexe corn movimento; em vez de mfisica, trabalho corn som." Essa rejeicao da estetizacao cada vez mais intensa nos meios artisticos mais avancados (em que a arte pode ser o café da manha, urn lago gelado, urn buraco cavado na terra, uma carta corn a hora exata em que o artista subird numa cadeira em seu esnidio), essa desestetizacao da arte, segundo Rosemberg, implica uma "real estetizacao de todas as formas e acontecimentos na vida humana — o proprio mundo se transformando em museu". E neste ponto é positive sentir a aproximagao destes artistas do meio ambiente, sua integragao ou nao corn a comunidade em que vivem, ou seu cheque corn as press8es de que ele agora participa, male vivamente que nunca. Ha, evidentemente, posicoes diversas — nunca é demais ressalta-lo — como se vera nesta "ExpoProjecao", e o interesse desta manifestacao sera precisamente mostrar essa diversidade que coloca ern confronto diferentes linguas a partir de urn abecedario comum. Talvez o que venha a sair coin saldo positive aqui seja o proprio Super-8, pela flexibilidade comprovada: do filme elaborado ao filme-registro. Por outro lado, apesar dos desniveis assinalaveis entre as diversos autores, sua procedencia, maturidade artisti-

ca e cultural etc., bem como em funcao dos objetivos perseguidos na feitura, nao deixarao de ser percebidos certos traces comuns a grupos (que muitas vezes nem tiveram contacto entre si, desconhecendo-se por complete): a camera fixa a nostalgia da natureza ou a tematica do retomo a natureza, em certos trabalhos ate como urn quase prerafaelitismo revivido, o formalism'ol sIvel em alguns artistas, ao passo que em autos se sente a obra totalmente aberta e descompromissada, cinema sent estrutura; camera na mao, o autor mais se deslumbrando corn a apreensao do tempo real, corn urn minim° de programagao. Nao se creia, contudo, que o resultado, aparentemente improvisado e espontaneo, nao haja sido projetado em seus menores detalhes, visando exatamente a este objetivo, mas aceitando de antemao a possibilidade de incorporagao do imprevisto enriquecedor (come em Henrique Faulhaber). Em todos, contudo, a mesma paixao pela imagem que flui, seja na seqiiencia cuidada de The body, de Abrao Berman, come na "Grarria" de Claudio Tozzi, ou, como no caso de Raimundo Colares, em seu filme Broadway, boogie-woogie, segundo ele uma "tentativa em termos de cinema de obter/refazer a obra-prima de Mondrian" corn o mesmo name. Urn trabalho-filme, filme-obra, obra em filme, mas, em suma: trabalhos desvestidos do aspecto vendavel da arte oferecido em galerias, ulna vigorosa forma de expressae fora do nivel do sistema. Alga "curtido", mas nem por isso menos valid°, pois o thane de urn artista, ou seu cademo de notas é por vezes tao importante quanto uma obra no sentido convencional. 0 audiovisual autonomo assume, neste ponto, tambem o aspecto de uma revelacao pelo que. nos foi dado ver, transcendendo a

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sua leitura habitual como ilustracao narrativa de determinado tema. Nem deveriamos mendonar, neste caso, nomes - embora nao se possa deixar de citar as trabalhos de Paulo Fogaga e Joao Ricardo Modemo, do Rio pois nem todos os que aqui estao exibidos foram vistas, estando ainda a caminho varios, de New York, como o de Halo Oiticica, do grupo de Belo Horizonte e mesmo do Rio. Frederico Morais, escrevendo a proposito de seu "Cantares", distingue o audiovisual do cinema: "Se o cinema é aparentemente mais livrena captacao da realidade em movimento, na sala de projecao ele se torna uma estrutura fechada. Pode-se dizer que a realidade do cinema esta na camera e a do audio-visual no projetor. Ou seja, as infinitas possibilidades de combinaciies dos seus elementos materiais (diaposidvos, sons, zoom, focos de luz, retomos etc.), entre si, ou no momento da projecao (que por sua vez pode envolver \Tidos projetores), fazem do audiovisual uma estrutura aberta. Claro que na moviola a realidade filmada e modificada, mas, completada a montagem, esgotam-se as possibilidades. Assim, quanto menos o cinema é "imagem em movimento" - tendencia do cinema moderno pos-Godard mais ele se aproxima do audiovisual." Já Hello Oiticica, embora se utilizando de diapositivos e som, prefere nomear seu trabalho como "nao-narracao", justificando-se por definir a "nao-narracao" como "nao-discurse/nao-fotografia "artistica"/ nao "audiovisual": trilha de som / é continuidade pontuada de interferencia acidental improvisada/ na estrutura "gravada do radio". E curioso que as especulacees na area do "som" sejam mais reduzidas numericamente, mas acreditamos que isso seja uma questa() de tempo e a divulgacao destes trabalhos por certo estimulari a outros (pois sa388

bemos tambem de certas experiencias de Tomoshige Kusuno na acoplagem sonora). Mas, a meu ver, tanto no trabalho de Cildo Meireles (Mebs-Caraxie), como no de Antonio Dias (The space between - x. Theory of counting, 2. Theory of density) nao se pode deixar de tragar comparaceies corn seu trabalho grafico ou pictorico. No caso de Cildo Meireles, a nosso vet-, ressalta o linearismo e o problema de profundidade e recordamos que ele mesmo menciona ter sido essa experiencia uma extensao do desenho em determinado period° de seu trabalho. No caso de Antonio Dias, trata-se de urn aspecto bem atual de seu desenvolvimento, sendo a concretizacao sonora a objetivacao que esse artista buscou para sua criagao - em ambos o tempo-espaco claramente expressado: num organicamente, atraves do corpo (inspiracao-expiracao), noutro, atraves de instrumento de percussat). A Theory of couting de Antonio Dias, segundo inforrnacoes que nos chega agora atraves de "Domus-52o", de marco de 1973, em artigo de Germano Celant (The record as artwork), este catalog°, já em grafica, é obtido por meio da gravacao do som de um relogio, contundente em sua precisao "geometrica". Duas faces, cujo denominador comum é a flask) de for-gas antag8nicas, que emergem concretas, via a personalidade intuitiva de Antonio Dias. Sabre o caminho percorrido para a reuniao destes artistas e destas obras, é importante registrar o entusiasmo dos participantes, mesmo as de longe, na sua realizacao. E gostaria de dizer que, embora tendo partido da ideia-base de projetar trabalhos exclusivamente de gente de artes plasticas que estivesse agora em experimentagOes filmicas, sonoras ou fotograficas atraves do Super-8, audiovisuals e gravag5es, e tivesse desejado apresentar trabalhos dentro de urn deter-

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minado.criterio em selecao preliminar, essa ideia foi abandonada. Isso porque, a medida em que as trabalhos de Sao Paulo e Rio eram vistos, foi-me parecendo muito mais interessante o registro e reuniao no sentido de propiciar debate e dialog° na possibilidade de projecao de praticamente tudo o que nos chegou as maos: o resultado pode ser tanto a desmistificacao do que se diz estar sendo feito "por ai", como as boas surpresas e revelac5es de trabalhos, em sua maioria desconhecidos dos que nao freqiientam as circulos dos que as realizaram. Nesta oportunidade, os artistas em geral poderao ver exibidos seus trabalhos em forma pnblica, em especial os quatro residentes no exterior, Heti° Oiticica, Antonio Dias, lole de Freitas e Raimundo Colares. Como nao poderia deixar de acontecer, a iniciativa contagiou a muitos, que realizaram tTabalhos (audiovisuais como Super-8) especialmente para a "Expo-Projecao". Isto, contudo, foi antes motivo de satisfacao, desde que se entende que ocorreu urn estimulo a producao e, em certos casos, para a exploracao de urn suporte novo. Devo agradecer de forma especialissima a compreensao amiga de toda a ,equipe de GRIFE (Grupo dos Realizadores Independen-

tes de Filmes Experimentais) - nas pessoas de Malt! de Alencar e Abrao Berman - qua nao apenas nos cederam seus locais, como atuaram como colaboradores desde o primeiro momento. Ao Centro de Artes Novo Mundo, por ter propiciado a realizacao do catalog°. A Fotoptica, por sua participacao na iniciativa. De maneira particular, a Mardi) Sampaio, coordenador do grupo de Belo Horizonte para a "Expo-Projecao". A Antonio Dias e Hello Oiticica pelo incentivo - via Milao e New York - desde que em dezembro foram dados as primeiros passos para a manifestacao. E 4 uma manifestacao porque é apresentacao pnblica entre nos de formas novas de expressao artistica, coletivamente. Neste bloqueio permanente pela informacao, ocorrem outras formas de expressao, simultaneamente, todas validas e vivas, mas acredito que seja importante continuamente checar quais as mais recentes e registra-las. Nao corn intuito de rotulacao - o que seria irrelevante - mas a fim de mostrar que a criatividade, apesar de quaisquer presSOes, e sensivel a ativagao provocada pela realidade ambiental. E tentar ler, no gesto criativo, traz sempre a possibilidade de diagnosticar o estado de sande dessa mesma realidade.

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do o trabalhar da agua sabre a pedra. E duran te todo o tempo de projegao, a agua apenas som. Outro aproveitamento dos recursos especificos do audiovisual no piano da linguagem é o que proponho em "Curriculum Vitae" (19721973), quando o ritmo SOnom/imagistic° do claro/escuro na passagem dos slides, alia-se ao pr6prio mido do movimento as imagens, criando urn clima de tensao e espanto. Cada slide constitui uma unidade de tempo e de espago. Mas, ao relacionar-se corn outros slides, cria urn nova ritmo espaco-temporal. Cada slide contem seu pr6prio tempo. E urn tempo virtual estruturado livremente - o que é feito pelo sincronizador de some imagem. No cinema, cada fotograma supoe urn desdobramento no pr6ximo fotograma, estabelecendo uma seqiiencia,

da qual emerge o significado. Não ha, digamos assim, surpresa. No audiovisual, entretanto, a proxima imagem é sempre imprevista. E pode ate mesmo nao existir, substituida pelo foco de luz e/ou escurecimento. A descontinuidade é pane da estrutura do audiovisual, como da imagem do mundo moderno. Em ambos casos, exigindo uma participagao mental ativa. E na imagem panda, no entanto, que reside grande parte da forga expressiva do audiovisual, seu fascinio e sua poesia. Paulo Fogaga, autor das fotografias de varios de meus trabalhos, e tambem autor de audiovisuais premiados, refere-se a cada imagem projetada, ou ao seu conjunto, como urn "diapoema". Nesse sentido, pode-se dizer pie o audiovisual esti para a poesia como o cinema este para a prosa.

Versa° revista pelo autor para esta publicack. [N. 0.]

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS AUDIOVISUAIS FREDERIC° MORAIS

Poeticas visuais

JULIO PLAZA aralela e altemadamente aos sistemas artisticos tradicionais, surge coma agao anartistica um tipo de fenomeno samizdat, notadamente a partir da decada passada. Este fen8meno, essencialmente fatico na comunicacao, propoe a infermagdo coma processo e nao como acumulagao, agrupando-se seus produtores espontaneamente e por grupos de afinidade para a troca de intercambio de ideias e informagaes. A caracteristica marcante desta produgdo é o predominio da quantidade da sobre a qualidade, assim como a descentralizacao dos centros de producao e veiculacao de arte. Esta manifestagao, devida em pane a democratizagdo dos meios de repro e produgao e a facilidade conseqiiente de transmitir mensagens de uns para outros, ja estava prevista por Tzara e Haussamnn na acao Dada na Alemanha. Se a arte-arte transformou-se no "Museu imaginario" pela reproduguo quadricr8mica, este outro aspecto da arte trabalha diretamente corn esses meios de reprodugao (o que tambem fora previsto por Walter Benjamin), introduzindo no contexto da arte, corn os meios, novas formas de operar; estes aspectos sac modificadores nao so da visa° de mundo anterior, mas da propria "leitura" da arte, sincronica e diacronicamente.

Esta atividade, atuante dentro dos moldes da sociedade de consume a urn nivel estrutural, isto é, consciente dos meios de operar, de produzir e veicular a arte na sociedade industrial, toma-se critica em relacao a producao tradicional e pre-industrial. A morte da arte, que aparece historicamente coma produto de uma reflexao sobre a mesma, pode ser vista, hoje, como abandono dos suportes tradicionais e sobretudo como extravasamento e deslocamento das funcees das mensagens jackobsonianas, na medida em que a fur-10o poetica (estetica) deixa de ser prioritariamente privilegiada. A passagem do mundo das coisas para o mundo dos signos caracteriza esta producao. 0 universo dos signos oferece uma variedade maior que a dos objetos e urn custo minimo, dal poder-se caracterizar esta situacao intersemiotica, a medida que nas mensagens intervem signos de diversas fontes. Corn o aparecimento de outros meios, no contexto da arte, o mesmo da difusao de massa e corn o seu uso simultfineo, destacase a importfincia de urn substrato material aos signos; a reproducao grafica, o livro, a foto, o filme etc., caracterizam esta situacao como intermedia. A interdisciplinaridade vem dada pela procura de apoio em outras ciencias huma-


nas contiguas a semintica e a semiologia, e pelo uso de nogoes e modelos operativos destas ciencias, relacionados diretamente aos novos metodos de elaboracao e registro. A intersemioticidade, intermediacao e interdisciplinaridade que permeiam estas linguagens sao muitas vezes responsaveis por situacoes-limite, nas quais a demarcacao de um trabalho como "artistico", de-se apenas pot sua incluse° num contexto de arte. Um outro aspecto é o paralelismo corn a linguagem da propaganda, que tern seu apoio na retOrica da imagem e do verbo; se,

na propaganda, o que se oferece seo produtos, servicos e ideias, nekas manifestacees, em muitos casos, o que se oferece (atraves de uma linguagem ilustrativa, retarica e didatica), sao ideologias e formas de vet o mundo ou ainda de txansmitir conhecimentos sobre este mundo. 0 uso de linguas, linguagens e ideoletos faz que a condicao mais importante seja a da comunicagao; procurando seus autores dizer ao mundo o que pensam e de que forma estao inseridos nele, dentro de urn projeto (utopico) de arte. como liberdade, ou melhor, libertaria.

Videoarte: Uma poetica aberta WALTER ZANINI

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videoarte é recente no mundo, recentissima no Brasil. Esta nova midia surgiu quando eram passados vinte e cinco anos do advento da televise°. Duas figuras aparecem como pioneiras de sua investigacao: o coreano Nam June Paik e o alemao Wolf Vostell. Desde ao menos 1959, Paik demonstrava interesse pela tecnologia da TV enquanto recurso de produce° de arte. Ele manifestou ideias a respeito escrevendo a John Cage. De sua parte, Vostell, iniciara naquele ano o seu combate ao consumo massificado da televise° decollage Chambre Noire (Deutscher Ausblick). Nos anos imediatos, Vostell e Paik pesquisaram o video nos laboratorios da West Deutsche Rundfunk, WDR, nos arredores de ColOnia. Em 1963, na Galeria Parnass, em Wuppertal, Paik utilizou 13 velhos televisores em preto e branco pan analisar videos sob efeitos de mudanca de voltagens, de distorcoes magneticas da imagem e do aproveitamento dos proprios defeitos da transmissao, numa exposicao que atraiu discreto nUmero de espectadores. Logo a seguir, em maio, Vostell apresentou na Galeria Smolin, de Nova York, o seu TV decol'age, tambem corn imagens

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS POETICAS VISUAIS — ALIO PLAZA

alteradas. Palk, depois da Alemanha, 11xou-se em Toquio, onde, realizou experiencias corn a TV em cores em colaboracao corn o engenheiro Shuya Abe, corn quern, em 1969-1970, construiriam videos sintetizadores nos estddios WGBH, de Boston, e da WNET-TV, de Nova York. Residindo nos Estados Unidos, esse compositor e interprete musical - muito ligado as ideas de seu amigo John Cage, de inclinacao mistica, marcada pelo zenbudismo e o hinduismo, que /leo o fazia menos interessado na tecnologia eletranica, membro fundador do Grupo Fluxus, como Vostell, participante de happennings e de performances de grande repercussao ao lado da violoncelista Charlotte Moorman - tornou-se, em 1965, urn dos primeiros clientes do recem-lancado equipamento portatil de video da Sony, o Video Tape Recorder, VTR, (composto de camera eletranica, magnetoscOpio e monitor). Isto significava a concretizageo de urn sonho seu: a utilizacao individual do mais poderoso instrumento de comunicagao de nossa epoca, ate entao operacionalizado em niveis comercial e estatal. Sua produce°, de um apuro tecnico crescente, assinalou-se desde logo por uma contextualidade de ele- _ mentos sociais e especulacao de valores


transcendentes. A reconstrucao de mun- David Lamellas, Jochen Hiltmann, Harold. do como urn todo - inspirado nas ideas de Ortlieb, Renier Ruthenbeck, Jean ClareMarshall McLuhan como o public° bra- boult, Gerald Minkoff, jean Otth, Fred Fosileiro pode ver no environment escultural rest, Lisa Steele, Les Levine, Cerverus, TV Garden (1974), exposto no XII Bienal, Antoni Muntadas, Katsuhiro Yamaguchi, era nele uma preocupagao basica. E mais Massaaki Nakauchi, Shigeto Kubota, Giuque uma coincidencia o aparecimento na liano Giman, Eric Cameron, Graciela CuTV alternative, underground, de homens de neo, Marty Dunn, Robert Walker, Ulyses espirito universal como Paik, que prega- Carrion, Rodney Werden, Terry Mc Glade, va o uso da televise° na instant global uni- Jonier Marin, Felipe Ehrenberg. A lista versity e que, referindo-se em particular informal e muito incomplete. A esses araos canals franceses, recomendava a ne- tistes devem-se juntar, no que se refere a cessidade de a TV "parar de ser exclusive- este continente, alem de alguns já citados, mente nacionalista" (cf. Calvin Tomkins, os argentinos do Grupo dos 13 e urn con: Video Visionary). Por sua vez, atraves de in- junto de brasileiros. tensa atuageo intersemiotica,Vostell dava As largas audiencias, para as quais a continuidade a sua critica a televise°, em videoarte este vocacionalmente enderesucessivos happennings e environments. cede, acham-se ainda distantes de seu A breve historia da videoarte - uma alcance. A chamada macrotelevisao (Rene denominacao geralmente aceita - tomou Berger), nao lhe abre as portas enquanto densidade nestes ultimo seis ou sete a cable television, que representara, sem anos, encontrando urn terreno muito fa- drivida, urn de seus meios de difusao, é por voravel nos Estados Unidos e no Canada, ora privilegio de umas poucas nacoes. enquanto na Europa neo raros extratos Mesmo em sua area de irradiageo, as gaculturais procuraram resistir a esta "invalerias dos grandes centros de arte se abrisao" eletronica. A abordagem do video, ram, geralmente, corn certa morosidade a desde a decade passada, vem sendo rea- sua exibicao, assim como os museus. A lizada pelos artistas plasticos, grosso propagacao da videoarte encontra outras modo, em angulagees varies da percepgao dificuldades, como a existencia de sistenova e direta que a midia permite da rea- mas de TV nao compativeis. Manifestalidade em tempo real e pela manipulagao mente, nao se pode comparar o acesso fatecnica do fluxo de imagens, convertidas cil aos novos modelos de videoteipe porem significantes "abstratos". Entre nume- ted', tal como ocorre nos paises desenvolrosos deles, em diversos paises, que se vidos - onde os precos se tornam cada vez empenham no video corn diferentes graus mais acessiveis aos obstaculos para a de interesse, alem de Paik e Vostell, en- sua aquisicao num pals como o Brasil. Este contram-se Joan Jonas, William Wegman, assunto conota ao da escassez de estUdiPeter Campus, Vito Acconci, Douglas Daos experimentais ate recentemente convis, Bruce Nauman, Terry Fox, Frank Gil- centrados em algumas cidades nortelette, Denis Oppenheim, Richard Serra, americanas e no Canada, e inexistentes John Baldessari, Beryl Corot, Bill Viola, nao faz muito, por exemplo na Alemanha Aldo Tambellini, Otto Piene, Bill Vazan, (cf. Wulf Herzogenrath), na Italia e na Fran398

ica, onde, todavia, a instituicao cultural de Beaubourg fez crescer desde antes da inauguragao de sues instalacees, ha pouco, um equipamento sofisticado, aberto aos artistas. Tudo nao sera, 'entretanto, senao uma questao de tempo pare a disseminacao desses centros de pesquisa em escala mundial. Todo o potencial da televise° dirige-se a apreensao da realidade nos mais penetrantes aspectos de sua imediatidade. As qualidades estruturais especificas da TV tern sido estudadas freqiientemente na analise comparative corn o cinema. Urn depoimento de Frank Gillette refere-se as naturezas intrinsecas da luz do cinema e da luz do video: nesta "voce olha na fonte de luz, e no filme voce olha corn a fonte da luz", (Willoughby Sharp). Os contrastes que separam a rapidez da informacao proporcionada pelos recursos eletronicos da televise° da lentidao de transmissao a que obriga a natureza quimica do filme, a intensidade do presente registrado pela fita magnetica e a aura do passado que fulge mesmo nas atualidades cinematogrofleas, a forma de comunicacao direta da TV ern oposicao a aura de fleck) de que o cinema nao escapa ate nos seus pr6prios desvelos realisticos, o feed back possibilitado pelo video e a mensagem sem retorno do filme, a informalidade e a intimidade da apresentacao de um programa de TV, determinada pelo seu pequeno screen, compoem esse corpus geral de antinomias lingilisticas entre as duas midias. A televise°, entretanto, desde a sua primeira hora, nao explorou todas as suas condicoes geneticas. Utilizada comercialmente, converteu-se em elemento de massificacao e em arma incompativel a servico do poder politico e econOrnico,

pouco importando a ideologia do sistema implantado. A videoarte alternative, embora o quadro delimitado em que se desenvolve a sua pesquisa e a sua influencia, coloca-se no piano revolucionario da multimidia, beneficiaria da "dialetica impecavel", dissidente de Marcel Duchamp diante do fenomeno expressivo/comunicativo da arte tradicional. 0 campo especulativo do video mistura-se a substancialidade da TV na exploracao da realidade. Mas sua problematica inverte o que passou a ser necessidade de consumo do teleespectador, descerra campos insuspeitados e imprevistos. Suas origens estao sensivelmente na compreensao da arte enquanto fenomeno acoplado a existencialidade, como urn processo de atividade, colocando-se na perspective dos meios mais validos da comunicagao do presente. Contraposta ao consagrado objeto de arte. As condicaes sao outras para os artistas, em termos de tempo, muito mais do que de espaco, mas a sua experiencia (plastica) sera urn suporte a essa nova atividade. No que se refere a veiculacao, é uma verdade 6bvia que a informageo do video, na mobilidade incomparavel de seu transito, pode atender a diferenciadas necessidades culturais contemporaneas corn muito maior eficacia do que a setorizagdo do produto artistico tradicional como, entre nos, Waldemar Cordeiro insistia em esclarecer, na sua defesa radical do uso dos meios eletronicos (por exemplo, na mostra Arteanica). Par outras palavras, é aqui implicita a questa° do trabalho que nao mais esta sujeito aos moldes impostos pelos circuitos que geram o seu aproveitamento on pelo menos que essas circunstancias nao exercem sobre ela senao implicacoes atenuadas. A videoarte per-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

VIDEOARTE: UMA POETICA ABERTA - WALTER ZANINI

VIDEOARTE: UMA POETICA ABERTA - WALTER ZANINI

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tence ao universo multimidia, ou seja, as mUltiplas produce- es de linguagem que se comportam em niveis completamente distintos daqueles que identificam a obra (mica, inserida nos contextos de cotacao de mercado, nao sigmificando isto que urn videocassete ou urn livro-de-artista nao tenham urn prego. E claro que eles o tern, mas nenhum paralelo poderia ser tragado aproximando a distancia que separa essas duas realidades profundamente divergentes. 0 videoteipe, empregado em grande e crescente escala pelos cientistas - a exemplo de sua utilizacao pela psiquiatria na interpretagao das reac5es humanas atraves da interacao do verbal e do visual pelos pedagogos, por inUmeros profissionais, nao poderia set ignorado pelos artistas, que no seu aproveitamento excedem as fronteiras de uma problematica estetica circunscrita. Sua atuagao revelou-se freqiientemente na analise da prepria sensibiliciade, de urn auto-estudo cu, por exemplo, na investigacao critica da realidade social, onde procuram trazer corn sua imaginaria uma contribuigao e interferencia nos contextos de vivencia massificada. A desalienacao do individuo diante das press6es que estreitam sua consciencia tern constituido uma de suas intencbes essenciais, e neste sentido, a imagem eletronica configura-se como uma contratelevisao. A historia da videoarte demonstrou o quanto a criatividade de seus autores esbarrou na indiferenga e mesmo na hostilidade dos receptores. Incompreensivel, aborrecivel, desinteressante, inecua, eram e sao adjetivos a que se acrescenta a sua subestimacao motivada pelos chamados "defeitos" ou "enganos" tecnicos, 400

que contrastam corn a sofisticagao da imagem da televisao de estUdio. Alguns teericos do video tern assinalado que o "aborrecimento" do video nao seria major que o da TV, a cujos programas intercalados de propaganda, promocees do canal, spots etc. todos bem ou mal se acostumaram. Falta de habito ou de paciencia em permanecer diante de urn monitor pot alguns minutos nos traz mensagens inconfrontaveis com a atitude standard das emissoes de TV? E bem possivel. Muitas pessoas que nao empregam senao ro ou segundos diante de urn quadro no museu, ou muitas vezes urn tempo escasso na visita a uma exposigao, consideraram um exagero a "perda de tempo" vendo o mais simples programa de videoarte. Objecoes de outra ordem tern sido feitas ao video quando se invocam trabalhos que se adaptariam igualmente a camera do Super-8. Isto é verdade, embora mesmo assim os meios e resultados sejam diversos, dada a fenomenologia do movimento ilusionista do filme. Os procedimentos nao se confundem, em que pese o fato de o discurso do tempo do video estar sendo encaminhado para processos mais elaborados, como se viu nas pegas canadenses mostradas em Sao Paulo em 1977, enquanto se anunciam metodos novos pan a revelacao sem delongas da pelicula cinematografica. A intertextualidade entre essas midia nao é de forma alguma descartavel e, para citar desde logo Nam June Paik, ele tern trabalhado recentemente tambem nesse sentido (cf. correspondencia particular). Uma questa() freqiientemente levantada é o custo relativamente alto do equipamento. Se é um fato que ele permanece fora do alcance do investimento de

muitas pessoas, seu barateamento nos paises de tecnologia avangada, ou que desfrutam do acesso fedi ao instrumental necessario, é urn indicio de pode haver sua disseminacao em escala major. Houve precedents corn outras midias que permitem pensar assim. Mais importante se afigura a transmissao por ora bastante dificultada, contradizendo a propria natureza da midia, que deveria ir ao encontro do usuario e nao a, obrigatoriamente, provocar o seu deslocamento a maneira da exigencia da obra tradicional. Maneirismo e academismo impregnam nao importa que setor da atividade artistica. Atinge e atingird a videoarte, coma todo o campo multimidia, mas a vitalidade de sua pesquisa é uma constatagao que torna os aspectos negativos, ao menos por ora, pouco relevantes. 0 importante é que nessas mensagens existe a consciencia "dos meios a operar, de produzir e veicular a arte na sociedade industrial" e o fato de, ser "critica em relacao a producao tradicional e pre-industrial" (Julio Plaza, Poeficos Visuals, 1977). Os artistas do video exercem-se no piano da intersemioticidade. Sua atitude fundamental, por conseguinte, é de rernincia aos contextos que privilegiam os atributos da estetica tradicional. A finitude da obra tradicional opOe uma sisternatica de trabalho alicercada no continuum processual. Desembaragam-se assim das antigas estruturas que regem a forma de presenca social da arte, utilizando recursos novos de comunicacao, tais como, na arte conceitual, a mail art. Quando ocupam espacos institucionais, de museus ou galerias, seu relacionamento nao se faz nas mesmas condigoes que distinguem a arte a priori destinada a preservagao ou ao fluxo do merca-

do: a efemeridade, a essencia fisica e comunicologica de suas trabalhos, assim como a reduzida margem de seu valor venal, os subtraem dos criterios que envoiveram a peca/objeto. Sua difusao ocorre num contexto de aspectosineditos e, coma foi dito em relagao a videoarte , é na implicita capacidade de it cm encontro de que se localiza potencialmente urn dos principais fatores de sua participacao social. No Brasil, a videoarte enfrentou/enfrenta as mesmas dificuldades dos demais novas midias, corn a particularidade evidente da raridade e do ainda elevado custo de aquisigao do aparelhamento basic° imprescindivet E necessario ressaltar alguns outros angulos que caracterizam o ambiente de preconceitos em que se produz entre nes esta recente linguagem da arte. A critica, quase toda de atitude convencional, acolheu geralmente corn desinformacao ou frieza essa investigagao, pouco ou nada a assimilando ou já lhe oferecendo um epitafio deslumbrado. Conhece-se, par outro lado, a posicao dos museus; onde tern sido rarissimas as oportunidades oferecidas pesquisa ou a simples manifestacao dos trabalhos situados no piano da multimidia. Os comentarios segundo os quais a videoarte é uma alternativa de arte "importada" ou "colonizada", que nao se plasma anos" sa realidade", tambem se fizeram ouvir falaciosamente nesta parte do mundo em que as que assim pensam pertencem igualmente a uma sociedade urbana que nao pode prescindir da televisao, do telex, do computador ou dos satelites artificiais. 0 espirito doutrinario, centrado em preocupacees ideologicas ultra-regionalistas nao tem, entretanto, as minimas condigoes para impor sua vontade a marcha irreversivel da hist6ria.

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Quase ignorados, os artistas do video no pals procedem de outras areas visuais. Quase todos tem trabalhado no decon -er desta decada, em geral, nos limites da arte como linguagem, na exploracao de campos emotivos individuals on na analise critica da realidade social. Sem pretender obviamente tragar a historia da presenca do video no Brasil, pode-se tomar o segundo semestre do ano de 1974 como o do inicio de uma atividade efetiva e conseqiiente nessa area. No Rio de Janeiro, Anna Bella Geiger, Sonia Andrade, Ivens Olinto Machado, Angelo de Aquino e Fernando Cocchiarale programaram na epoca alguns videos filmados por Jom Azulay, possuidor de portapack Sony b/w, 1/2 polegada, open reel, em preto-e-branco. Exatamente nesse mesmo periodo, Donato Ferrari, Julio Plaza, Regina Silveira e Gabriel Borba Filho ultimaram projetos para video, porem, nao produzidos. Tres anos antes, no segundo semestre de 1971, este altimo,professor da Escola de Comunicacoes e Artes da USP, realizara experiencias corn TV usando equipamento profissional (teipe de uma polegada), estruturando e desenvolvendo durante alguns meses uma serie de performances, corn a participagao de dez pessoas. Nem ele, nem os estudantes, entre as quais se encontrava Artur Matuck - o autor da publicacao Morte Premeditada" tinham senao urn conhecimento muito vago da videoarte. Em depoimento recente, Gabriel Borba Filho considerou essa atividade em termos de "exercicios gerais da criatividade", apoiada "principalmente nos pianos de trabalho de Grotowsky para o teatro". As fitas desses trabalhos foram mais tarde apagadas. Para Gabriel, a conscientizacao 402

major das possibilidades da TV, coma meio de comunicacao artistica, viera-lhe logo a seguir, ao absorver o entusiasmo de Vilem Flusser, do qual era assistente na disciplina Ciancias da Comunicagao, naa Fundacao Armando Alvares Penteado, Faap, e, depois, sobretudo, por influencia do videomaker suigo Jean Otth. Foi Flusser quem planejou o setor de comunicagees da XII Bienal, em 1973, convidando varios artistas europeus, dos quais cornpareceram, entre outros, Gerald Minkoff, Jean Otth e Fred Forest. Entre os que utilizavam o video, apenas Otth pode fazer uma apresentagao, enquanto Minkoff mostrava seus videos em reuniaes privadas. Tambem nessa Bienal houve dificuldades para ver videos de artistas norteamericanos, selecionados por Regina Cornwell. Na mesma oportunidade, o Museu de Arte Contemporanea da Universidade de Sao Paulo, MAC/USP, coordenou o Passeio Sociologico pelo Brooklin, planejado por Fred Forest, corn a participagao de varias pessoas, sobretudo estudantes (utilizando os prestimos da TV Cultura). Os meses seguintes foram no museu da USP de preocupagao em criar meios para urn setor de video, o que, entretanto, s贸 se concretizaria mais tarde. Pesquisas de Cacilda Teixeira da Costa, em andamento, referem-se a esses momentos iniciais do video no Brasil, sendo citadas experiencias feitas em 1971 corn equipamentos de 1/4 e 1/2 polegadas na Galeria Art, de Ralph Camargo, das quais participaram Rubens Gerchman, Jose Roberto Aguilar e o proprio marchand Ralph Camargo, entre outros. Havia, sem davida, urn aumento de interesse por parte de alguns artistas pelo VT, mas somente ern 1974 - ano chave para a videoarte no pals

- pode-se encontrar urn caminho mais conseqiiente. 0 MAC/USP recebera convite .do Institute of Contemporary Art da Universidade da Pensilvania, na Filadelfia, pan coordenar uma representacao brasileira a exposigao Video Art. Varios artistas de eventos e exposiceies de multimidia do MAC-USP prepararam entao projetos, defrontando, porem, as maiores dificuldades para a continuidade do trabalho, corn infrutiferas tentativas junto a universidades e outras instituigoes. Coube finalmente aos artistas que formavam o grupo no Rio - Anna Bella Geiger, Angelo de Aquino, Sonia Andrade, Ivens Olinto Machado e Fernando Cocchiarale - realizar seus projetos corn a camera de Jom Azulay. Os videos Declaragdo em retrato de Anna Bella Geiger, Documentagdo da aciio em condigdo limite de Sonia Andrade, Versus de Ivens Olinto Machado, Voce 茅 tempo, de Fernando Cocchiarale e Exercicios sobre mim mesmo de Angelo de Aquino, entre outros, foram exibidos na VIII Jovem Arte Contemporanea, JAC, do MAC/USP (outubro de 1974). As pecas dos quatro primeiros estiveram a seguir presentes na Video Art, de Filadelfia, mostra organizada por Suzana Delehanty (inaugurada em janeiro de 1975), que se estendeu ao Museum of Contemporary Art de Chicago e ao Wadsworth Atheneum de Hartford (Connecticut). De sua parte, Lygia Pape realizou urn video que expels no Centro de Arte y Comunicacion, Cayc, de Buenos Aires, em 1974. Em 1975, os Estados Unidos trouxeram a Video Art USA, rnontando urn autentico museu cibernetico na 13a Bienal. Os obstaculos continuavam sendo dos mais serios no pals para a produgao da videoarte. 0 grupo do Rio, formado pelos artistas apontados (a excegao de Angelo

de Aquino) e mais Leticia Parente, Paulo Herkenhoff e Miriam Danowsky, cotizou-se para adquirir urn equipamento portatil que permitiu a eles a producao de numerosos trabalhos. Deve-se registrar a atengao dada ao video por Antonio Dias, autor de videos nos EUA e na Italia (na Galeria Art/Tapes 22, de Florenca.), dos quais ternse escassas noticias. De notar ainda, a vinda de outros artistas estrangeiros no Brasil, como Antoni Muntadas que realizou performances e mostrou videos no MAC/ USP, acompanhados de debates, em 1975. Em 1976, o MAC/USP pode finalmente constituir um pequeno setor de VT, que no ano seguinte contribuiu para a produgao e a apresentagao de uma serie de trabalhos, oferecendo paralelamente urn curso tecnico especializado a varios interessados. Nesse setor ativado, por Cacilda Teixeira da Costa e Marilia Saboya de Albuquerque - coadjuvadas por Hironie Ciafreis surgiram videos de Regina Silveira, Gabriel Borba Filho, Sonia Andrade, Carmela Gross, Marcelo Nitsche, Julio Plaza, Flavio Pons e Gastao de Magalhaes. Estes, ao lado de Ivens Olinto Machado, Leticia Parente e Jose Roberto Aguilar e ainda Milon Lanna e Liliane Soffer participaram da exposigao Videomac. 0 MAC/ USP, em 1977, organizou tambem outras mostras, como a Video-Post - ideia original de arte postal do artista colombiano Jonier Mann, entao aqui residente, e que realizou no museu projetos de video enviados por artistas do exterior. Tambem Rita Moreira e Norma Bahia apresentaram no MAC/USP videos elaborados em conjunto durante o tempo em que viveram em Nova York. No espaco experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, alguns artistas, igualmente, apresenta-

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ram trabalhos. Nestes riltimos anos, alguns brasileiros foram incluidos em exposicOes de videoarte organizadas internacionalmente par Jorge Glusberg, diretor do Cayc. A presenca da videoarte no Brasil é das mais recentes, mas ja demonstra qualidades amadurecidas. As ()Nees dos artistas nao escaparam aqui as grandes limitac5es dos meios eletrOnicos disponiveis. Somou-se a carencia de espacos organizados onde expor. 0 video enquanto complexo escultural continua a estar fora do alcance. Em data recente, em Sao Paulo, comecou-se a ter noticias da existencia de equipamentos mais sofisticados, adquiridos pot artistas e outros pesquisadores. Por isso, deve-se, em breve prazo, certamente, entrar num momenta outro. Os esti:1(1ios profissionais nunca estiveram a disposicao dos que desenvolveram a videoarte no pals, nao se registrando a existencia de centros especializados ou de museus equipados, como os que se disseminaram no exterior, a partir de iniciativas pioneiras coma a do Everson Museum of Art, de Siracusa, Estados Unidos, em 1972. Esses centros tem-se estendido pelos Estados Unidos, Canada e mais recentemente pela Europa. A videoarte neo é urn produto originariamente nacional, uma linguagem que alguma nacao possa reivindicar corno invencao sua. Ela nasceu sob a egide do universal e desenvolveu-se corn peculiaridades em varias areas do mundo sem que isso alterasse aquela qualidade profunda. No Brasil, a linguagem do video tern sido geralmente uma age() programada ern que, coma se disse, o artista vale-se do sistema portatil de 1/2 polegada. Performances, intervengOes na tela do televisor, analises das condicees de vivencia do meio e ain404

da registros de atividades conceituais que exploram o tempo do video assinalam uma parte essencial desse processo. Uma maneira franca e direta de explicitar sua visao do mundo, dentro de recursos tecnolegicos limitados, o interesse fluente pelas altemativas de imagem que descobrem no video, trabalhos em que entram componentes sociais, psicologicos etc., o desejo de envolver o destinatario na mensagem e insta-lo a participagao sao elementos desse contexto. Anna Bella Geiger - a quem se deve, no Rio de Janeiro, desempenho consideravel na aglutinacao e orientacao de jovens voltados para a nova comunicacao artistica tern o video como "urn meio especifico que muito contribuiu para desmistificar o artesanal numa obra de arte". Ela o incluiu desde 1974 na sua investigagao interdisciplinar, tratando-o corn as qualidades introspectivas que a caracterizam em situagoes de auto-comportamento e de prospeccao de dados do meio. Selina Andrade e Leticia Parente sao duas das mais importantes artistas do video do Brasil e sua atuacao alonga-se a varios outros aspectos da multimidia. Sao igualmente, desde 1974 - 1975, as figuras que se mostraram mais ativas na utilizacao do video no pals. Situadas ern linhas de conduta muito precisas, ambas agem corn indiscutivel poder de comunicacao, exprimindo e questionando - em trabalhos estruturados corn rigor e desempenhados num clima de tensao - as condicoes opressivas da vivencia diaria. Para Gabriel Borba Filho, o video tern sido urn permanente ensejo de preocupagaes teoricas e, em parte, de realizagoes em que a agudez da percepcao é urn dado marcante nas severas delimitacOes de

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1974, uma acao baseada em urn conto de acao/tempo que se impoem. A sagacidade apenas urn de seus recursos e ele e exi- Jorge Luis Borges. Carmela Gross conduziu seus interesgente nao apenas naquilo que Ihe diz respeito, mas tambem no que requer do es- • ses a percepcao do tempo real quando em 1977 realizou, sobre a tela de urn video, pectador.As diversas experiencias de Olinto Machado - coma a do ambiente que ins- emitindo imagens comuns, urn desenho a talou em 1975 (Obstciculos Medidas), onde se guache preto que fecha ortogonalmente propunha marcar os limites de alcance de todo o espaco, dando-lhe a conotacao de seu corpo e transmitir suas oscilacees e grade ou prisao. Em Marcelo Nitsche, o dificuldades - sao de apurados niveis de video tambern foi urn recurso para o seu organizacao, correspondentes aos outros trabalho de spots, corn personagens ariaseus meios de atuacao. Fernando Cocchia- nimos fixados em fotografia 3 x 4. Angelo de Aquino, e, sobretudo Paulo rale, que em 1974 fixou na camera o movimento de urn relogio - "Remeter o proble- Herkenhoff e Mirian Danowsky ja ha alguns anos tern trabalhado corn o video, inma tempo a vivencia de cada fruidor" explora corn perspicacia a paciencia do troduzindo valores conceituais prOprios, espectador, propondo a urn ponto/limite assim como Gastao de Magalhaes e Flavia Pons (artista gaircho residente em imagens polemicas de contratelevisao. Regina Silveira, que, a exemplo de Ju- Amsterda). Artur Matuck (atualmente lio Plaza, Donato Ferrari e Gabriel Borba nos Estados Unidos) possui projetos inFilho, preparou projetos para videos em tersemiOticos de densos contenclos cosmologicos, em parte concretizados e que 1974, somente em 1977 comecou a concretizar suas ideias, atraves de approachs incluem o VT. Regina Vater, de sua parte, de grande contencao, que despojam o produziu os videos 0 medo (1977), em que campo da visualidade: urn video "mini- seu rosto em close-up reage dramaticamo", no seu dizer. Por outras palavras, mente a vozes que relatam fatos do diaum a atitude que se resolve ao mesmo a-dia argentino, e Silo Paulo responde: o tempo em termos de reflexao e acao sa- que é arte? (1978), urn inquerito sabre o bre as possibilidades que o VT lhe pode que pensa a respeito o homem da rua entre os seus rmiltiplos mei- recuperando reportagens rotineiras da oferecer.Por . os/suportes de comunicacao - onde se TV para uma indagacao inesperada no sobressai nao apenas o livro de artista - contexto em que se produz. Em 1975, tomou-se conhecimento dos Julio Plaza recorreu tambem ao video. Em videos de Jose Roberto Aguilar, feitos em . simplesmente efeitos Descanso 3', exp & Nova York e Sao Paulo, e da dupla Rita "chuvisco" na tela. Donato Ferrari, urn de Moreira - Norma Bahia. Elas se valem de nossos artistas essenciais da poetica uma dupla experiencia corn a camera aberta, de aparente silencio desde 1972, para articular registros sensiveis de prosai de sua "desativacao" corn o video Reviver - analise da palavra sabre urn rosto blemas sociais e ainda em trabalhos coma que lhe serve para dialetizar significados sabre as amazonas (mito e realidade). de passado/presente/futuro - depois de Aguilar e hoje urn operoso artista da ter projetado para a mesma midia, em midia, uma efervescencia a procura de CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS VIDEOARTE: UMA POETICA ABERTA - WALTER ZANINI

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metodos desalienantes, iniciados corn Where is South America?. Finalmente, uma dedicacao pouco conhecida é a de Luigi Zanotto, que, desde a decada de 196o, manifesta atragdo pela

problematica televisiva. Ele estava voltado para as pesquisas formais de alteragao de imagens. A videoarte no Brasil? Ela existe.

Corpo & Alma Uma &ask) da fotografia contemporfinea no Brasil

Texto transcrito do catalog° do i° Encontro Internacional de Video Arte, exposicao realizada no museu da Imagem e do Som de So Paulo, de 13 a zo de dezembro de 1978, e revisto pelo prOprio autor para o catalog°,

organizado por Arlindo Machado, da exposicao Made in Brasil: tres decadas do video brasileiro, realizada no had Cultural, 2003 — versa° aqui repro duzida. 0.1

ROBERTO PONTUAL "Ha tres coisas no harpa, quando eta ressoa: a arta, a mao e a corda. No hornem: o corpo, a alma e a sombra"

A Legenda Aurea

cada ano par, desde 1980, Paris retoma uma posigao privilegiada no cenario mundial da fotografia. E que au se reahza o Mois de la Photo, coordenado pela associagao Paris Audiovisuel, que a prefeitura da capital francesa subvenciona. Urn Mes mais longo que o mes, pois os seus eventos normalmente comegam no tergo final de outubro e se estendem ate meados de dezembro. Durante esse periodo, a cidade parece tomada pot uma epidemia fotografica atingindo museus, galerias, lojas, casas de leilao, livrarias, jomais, revistas e instituigaes culturais de todo o tipo. Mostrase, discute-se e vende-se a fotografia, na epoca, pelos mais variados engulos e maneiras. Para se ter uma ideia quantitativa, basta indicar que o terceiro Mois de la Photo - o de 1984, agora em curso - conta corn nada menos do que 99 exposigoes. Urn numero que, no receio de it ate a centena, ja sugere a consciencia que seus organizadores tern do perigo de exagerar ainda mais na dose. Acompanhando de perto os dois primeiros Mois de la Photo, conclui pela falta enorme que neles fizera uma contribuigeo para 406

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alem do eixo Europa-EUA-Japao (eixo cuja formagao automatica se explica no simples fato de conjugar o essencial dos interesses da indirstria fotografica). 0 Terceiro Mundo era ausencia completa e escandalosa salvo quando visto numa ou noutra foto pela objetiva nada objetiva do olhar estrangeiro. Mas essa ausencia talvez decorresse menos de uma prevengao enraizada do que da pura inexistencia de propostas originarias dos nossos paises. Resolvi, entao, fazer o teste. Corn o apoio do hoje Instituto Nacional da Fotografia da Funarte e dispondo dos dois andares do Espace Latino-Americain, de Paris, procurei a Associaclio Paris Audiovisuel e lhe propus a realizacao conjunta de uma mostra da fotografia contemporenea no Brasil, destinada a incluir-se no Mois de la Photo de 1984. A ideia foi aceita corn rapidez e entusiasmo. E corn tempo tambem para set posta em pratica cuidadosamente. Dado o sinal verde, restava, de qualquer modo, urn problema: o que mostrar na ocaslat)? E verdade que a fotografia brasileira mais recente nao chega a ser desconhecida de todo no exterior. Na Franca, pot exemplo,


foi possivel ve-la, nos Illtimos tempos, em duas mostras no Centro Georges Pompidou: A Fotografia Contemporanea na America Latina (1982) e Brasil dos Brasileiros (1983). Ocorre que ambas as mostras terminaram retratando mais urn pals pela imagem fotografica do que apresentando a sua fotografia coma meio aut8nomo de expressao. No caso da coletiva latino-americana, a °pea° virava problema grave, na medida em que o conjunto brasileiro vinha reforgar a praga do exotismo que assola o olhar la/lead° de fora sabre a America Latina. Exotismo que é observar em nOs so as nossas marcas de superficie e, ainda por cima, confundir tudo nun mesmo magma de sal, mar, palmeiras, primitivism°, preguica, instinto a solta, miseria, feinra, bagunga, sujeira e sacanagem. 0 circulo é secularmente vicioso e ate hoje nu° aprendemos o caminho pan evita-lo. Querem de nos, sempre e sempre, uma refeicao exOtica? Pois bem, la vai ela de novo, inocentemente ou nao. A mostra Corpo & Alma- Fotografia Contemporiinea no Brasil foi tomando forma, entao, a partir da vontade de privilegiar, nao a dimensao documental da fotografia, mas o seu alcance enquanto linguagem fundadora de seus prOprios fatos, signos, leis e processos. A fotografia do artista fotografo. Desde o mlcio, fixou-se a mira sabre duas componentes basicas: a demonstracao de que ha urn abismo separando diferenga de exotismo e a necessidade de realcar o confronto que, no ambito da fotografia, nao cessa de dar-se entre a imagem-documento e a criacao corn a imagem. Corpo & Alma retoma a dupla questa° sob circunstancia e angulo seus. As fotografias que ela abriga se partem e se tratam de uma realidade corn enderego certo realidade que faz a diferenga brasileira - servem sobretudo ao questionamento e a afirmaga° da prOpria realidade da fotografia. E 408

por al pie ela quer li-ansformar-se em antidoto contra o veneno do exotismo. Como titulo, Corpo & Alma é ao mesmo tempo simples, ate singelo, e cheio de conotaccies. Para o Brasil dos oltimos oito anos que viu a curtigao do corpo subir a tona em grande estilo, depois de longo e tenebroso invemo repressor de sua alma - ele funciona como imagem motora já armazenada no inconsciente coletivo. 0 que explica a pletora de seu uso: no Brasil recente ha corpo & ha alma se espalhando por toda a parte, nos jomais, nas revistas, nas telas, nos videos, no comercio e no pano-de-fundo geral. Ao escolher Corpo & Alma por titulo, nao pretendi, portant°, ir ao encontro de qualquer ineditismo Cu originalidade. Ele esta aqui simplesmente coma marca registrada de urn espaco e de um tempo compartimentados: o Brasil de agora. A tal ponto que nao quis passa-lo para o frances. Corps et Ame acrescentar-lhe-ia um toque, um condimento metafisico que nao o freqiienta no contexto brasileiro. Sutileza, mas e pela sutileza que as diferencas adquirem sabor de fato. 0 dueto corpo/alma fadlita tambern chegar a outra regiao preciosa: a do especifico da fotografia enquanto meio de expressao. Para dar conta de sua obsessao corn o proprio corpo, o ser humano nao parou de imaginar expedientes. Desde logo, fez aparecerem as rituais de passagem da vida para a morte, da presenga para a ausencia do corpo, mais ou menos afinados ao longo dos seculos. Esses expedientes, no entanto, pela natureza mesma dos meios neles empregados, nunca puderam deixar de justapor a verdade primeira do corpo em estado de lembranga um elemento incontornavel de invengao. Quando o corpo já se foi de vez, é impossivel te-lo de volta, pela memOria, sem o algo mais de uma atmosfera.

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Corn o advento da fotografia, a possibi-

lidade de manter pert° de nOs um corpo ido ganhou enorme esforgo. Muito do encanto que a imagem fotografica nao se cansou de exercer sobre nos, no quase seculo e meio de sua existencia, deriva de que ela nos reaproxima do sonho da imortalidade do carpa (a da alma estando parcialmente resolvida por outros caminhos, entre os quais a arte é sem chavida o mais eficaz). Oferecenos urn sucedaneo reconfortante, urn retorno mais palpavel de formas que urn dia habitaram, integras, o mundo. Nao e par outra razao que tanta foto de falecido acornpanha a laje de seu tomulo: la embaixo, o corpo se foi para outras bandas, dispersado; em cima, ele resta intacto, na irrecusavel exatidao de um instantaneo. Os embates da vida e da morte no interior da imagem fotografica foram magnificamente demonstrados no ultimo livro que Barthes escreveu, La Chambre Claire. Na mostra Corp° & Alma, a afirmagao da realidade da fotografia se dá por duas vertentes: a da polaridade entre a presenga e a ausencia do corpo, entregue ou recusado pela imagem, e a da relacao intimamente cornplementar entre o fragmento e a seqiiencia. Enquanto repositorio de imagens, a exposigao multiplica as trocas entre o corpo que se apresenta inteiro e o corpo que ameaca sair de cena; e, enquanto modo de distribuir tais imagens, ela opera no duplo sentido da fragmentacao e da recomposicao simultanea do corpo, individual e social. Sua alma esta na visa° da fotografia, nao coma puro documento, mas como alto invento. E talvez o que explica que nenhum dos que a constituem vem de uma atividade estritamente fotografica. Para todos eles, a fotografia vale como um entre outros instrumentos de sua muiltipla expressao.

Comae° o comentario de cada um deles pelo imico que já nao é vivo, Jose Oiticica Filho (1906-1964). Professor de materna& ca e cientista a tempo quase integral, a fotografia lhe surgiria como decorrencia do estudo dos insetos. Numa primeira fase, a dos anos 40, sua produgao se divide entre a precisa documentacao da microfotografia cientifica e o cuidadoso academicismo das fotos para exposigees e concursos. SO no inicio da decada de 1950 o realismo agudo ou edulcorado da etapa precedente vai aos poucos se diluindo no interesse sempre mais forte pelo abandono dos limites e das limitagoes da figura.Vistas sob lentes de aumento, as coisas perdem a certeza de seus contornos, ficam suspensas na magia de serem ao mesmo tempo formas do real e negagoes dessas formas. Saido da 6rbita do realismo (ou seja, da fidelidade ao corpo das coisas), ele se volta a principio para uma recusa apenas tatica da figura. Chama de recriagOes as pinceladas fotografadas em alto contraste ou as estruturas corn manchas, hastes;espelhos, jogos de linhas e de pianos. A atmosfera ainda é informal, embOra se poss a sentir por tras uma exigencia de construed°. E é dessa exigencia que decorre a fase final de seu trabalho. Correspondendo ao auge do concretismo no Brasil, a fotografia de Jose Oiticica Filho se apoia, entao, no mais rigoroso espirito construtivo. Tudo parece isento do que he no mundo. Engano, porem: nessas formas dispostas a pureza absoluta continua sobrevivendo urn ponto de partida ancorado no real - uma balaustrada que se encurva, uma corda que se espirala, uma grade que se traga de horizontals e verticais. Acoplando o cientista ao artista, o laboratOrio a invencao, o real ao imagined°, ele propos urn leque vasto de pesquisa, que ficou como base se-

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gun para o que ha de mais Contemporaneo na linguagem da fotografia brasileira. Se Oiticica Filho operava entre a evidenciagao do corpo e a sua supressao, Alair Gomes (1921) trata de magnificar a ponto extremo a presenga do corpo no universo do olhar. Sustenta-se, neste sentido, em duas das atividades que lhe balizam a vida: a de filosofo da natureza e a de critic° de arte. Atividades quo se alimentam da ansia de tudo conhecer, de tudo explicar e de tudo cercar pela palavra ou a imagem. A lOgica obsessiva da fotografia que ele pratica fundamenta-se na paixao de canter a qualquer custo o fluxo vital - nas duas dimens5es do termo conter, a de abarcar e a de reprimir. E como o corpo juvenil masculino, posto sempre na sua direta relagao corn a natureza (nu ou na praia), que Alair Gomes tenta impedir que o presente escorra, levando no seu impeto tudo o que é perfeito, integro e belo. A aventura respira desespero, mas é no contraste entre esplendor e ameaga que a sua fotografia se ilumina. De camera na mao, ele sai em busca desses corpos para estatua. Fotografa-os de surpresa, muito de perto, na resistencia ou na complacencia do modelo. Ou, de longe, do parapeito de sua janela dando para a praia, entra sorrateiramente numa intimidade que se exp5e como se nao o quisesse, amplia os jogos de espelho de multiplos narcisismos, rouba o corpo de alguem pela sua imagem. As milhares de fotos assim metralhadas armam urn dialog° perturbador entre a naturalidade e a pose, a entrega e o furto, o fulgor e a sombra. Tao prOximo, tao magnificente, tat) palpavel, o corpo luta par nunca mais sair da foto: sabe que la fora o aguarda seu contrario. Na estrutura musical, Alair Gomes encontra o melhor fib condutor para as suas seqiiencias: a nyasica cla essa impressao de um esplendor a margem da morte -e estritamente feita do presente. 410

Corn Mario Cravo Neto (1947), outro tipo de relagao se estabelece entre o fotografo e o modelo. Menos do quo dialog°, o que se passa entre as dois e uma luta ferrenha, as vezes apenas disfargada no que parece urn acordo de paz. Diante do olho mecanico que o olho vivo do fot6grafo esti prestos a acionar, o modelo se sabe a perigo. Reage como urn animal ao pressen& a armadilha. Encara, petrificado, a arma quo lhe é apontada. Ou se recusa a trocar corn ela qualquer sinal, temendo perder a alma no minima descuido de consentimento.Vai-se panda entao de lado, de costas, em pcisicao de defesa. Mas a melhor defesa e o esgueirar-se para dentro de si proprio, sem mais atalhos de comunicagao. Nesses arduos e hieraticos retratos nunca ha abandono. Por vias distintas, fotografo e modelo se autopreservam. 0 font -rat-a persegue a futura presa, defendendo-se ao mesmo tempo no anteparo de sua lente. 0 modelo aceita deixar a pele no papel, sabidamente, retira dele a sua alma. Ha, au, urn dentro do corpo, regiao secreta que a maquina, rondando pot fora, tenta aprisionar como a urn animal na jaula. 0 corpo assediado (melhor ainda, so o seu rosto) resiste, recua, desvia-se, encaramuja-se, recusa-se. Como domestica-lo? Curioso que aqui haja combate: por modelos, o fotografo escolhe gente proxima, amigos, o pai, o filho e ate ele proprio. Mas nenhuma afabilidade resulta do encontro intermediado pela camera. Mesmo o brilho quo as vezes pontua cu passa por essas fotos é seco, cortante, como seca e surda é a sua textura, aveludado que a ninguem engana - abrago da sombra. Bern viu o italiano Luigi Carluccio, ao dizer que nos retratos de Mario Cravonero o branco e o preto correspondem mais ao confronto da prata e do chumbo: a prata coma urn carte, aguda, rascante, coriscante, animal arisco; o chumbo, denso, sinal do dentro, do

mergulho e do misted°. Identica é a atmosfera que ele deixa emergir nas suas animas esculturas/instalagees, corn velhas e usadas lonas de caminhaes de carga que fazem tamban o fundo das fotos. Urn cotta cessar-fogo entre a recusa e a entrega do corpo equilibra ha muito tempo o trabalho de lole de Freitas (1945). E sempre assim quando se lida corn espelhos - e ja se passou uma decada de seu uso constante par lole, para o caso da criacao corn a imagem fotografica. As vezes, esse espelho fica diretamente a mostra, inteiro ou em cacos, dialogando corn as fotos, que sao pedacos espelhados da realidade. Outras vezes, coma no caso do trabalho em Cot-pc & Alma, o espelhcra tudo invade mas, simultaneamente, desaparece par completo da vista: a foto é urn reflexo sobre ele, o real foi duas vezes retirado de cena - quando transformado em reflexo e quando o reflexo virou fotografia. E mesmo assim o real resiste, aparenta continuar ileso e inviolado na imagem. Se o corpo masculino rege a fotografia de Alair Gomes e se tanto o homem quanta a mulher habitam a de Mario Cravo Neto, corn lole de Freitas as trocas se fazem sempre atraves do cot-pa da mulher. E, em particular, atraves de seu proprio corp,o. 0 espelho e nao so o lugar da passagem entre o ca e o la, mas tambem o local da parada: olho-me nele e nele paro diante de mint Quero chegar o mais prOximo possivel de mim mesmo, porem esses pedagos de vidro, fatias da vida, me deixam despedagado na imagem, me cortam o corpo e me cortam do mundo. Diante do espelho, a mulher se reflete e reflete a sua condigao. Brilho de brinco, reverberagao de enfeite, dupla imagem de objetos, transparencia e opacidade do olhar. Luminosa sombra de urn eu-objeto. Alair, Mario e lole operam ern primeira instancia corn a individualidade do cot-pa. Jã

as ties outros integrantes da mostra se deslocam no sentido de uma dimensao social mais explicita. Se elo existe entre as aparig5es femininas de Iole e de Vera Chaves Barcellos (1938), a proximidade prop5e tambem diferencas. Observando corn mais vagar a serie de pernas que a camera de Vera tom captado em obliqua, terminamos por perceber quo delas emana uma evidencia social nitida e concreta. Os sapatos, as meias, as saias, as calcas, as bermudas, as balsas, as formas das pemas e o seu modo de apoiarse no chao revelam uma circunstancia tipica de dasse media. Dessa classe media que, ansiosa de ir sempre em frente, acaba imprensada contra o muro, corn espago vital cada vez menor.As fotos de Vera dramatizam no quase riso a situagao. Vistas de costas, presos ao solo, expectantes, seus personagens nada mais descortinam do que a parede da galeria. Fragmentos sem futuro. Foi ha ro anos anis quo Vera Chaves Barcellos comegou a utilizar a fotografia, numa serie a que denominou Testarte. Eram fotos de exteriores, acompanhadas de perguntas sob a forma de legendas. Submetidas ao teste cam as pessoas, elas deviam gerar respostas indicativas da reagao de cada urn de nos frente a imagens - da nossa reagao, pot-tanto, frente a propria realidade para alem ou par baixo da imagem. Imagem da imagem, essas fotos-teste punham em confronto o objetivo e o subjetivo, eram uma ponte possivel entre o concreto e o fantasmatico. Na serie atual, das Per(so)nas, o sistema continua em marcha. Sao charadas que nos pedem urn exercicio continuo de decifracao para quo pelo fragment° se recomponha a realidade maior que a tudo costura e envolve. Lygia Pape (1929) aprofunda a busca de evidenciagao de urn corpo social. Nela, a fotografia entra coma paralelo realista a um trabalho em artes plasticas que se tern vali-

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CORPO & ALMA - ROBERTO PONTUAL

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do muito mais de urn esqueleto conceitual e simbolico. Na coluna de fotos que ela projetou pan a exposicao, o individuo é a particula necessaria, a medida unitaria do povo. Como campo de agao, Lygia buscou a Favela da Mare, imensa area de palafita entre as Ilhas do Fundao e do Govemador, na regiao mais poluida da Baia da Guanabara. Ali, gente vinda sobretudo do Nordeste (uma favela predominantemente de brancos, portanto) terrnina servindo de mao-de-obra cemoda e barata para a construcao civil. De urn tal territoriO de exploragao e de miseria, a camera de Lygia procura retirar a prova de urn vasto acordo entre a morada e o morador. 0 espaco que o homem da Mare constroi para abrigar-se é o retrato de corpo inteiro de sua circunstancia: fragmentado, precario e Mutante. Como ela diz: 'As casas duram pouco e seus moradores vao e vem num movimento messianic°, ate a exaustao. Estao e nao estao, vivem a memoria e renegam as lembrancas: perderam a identidade." Mas existem as criangas e sao elas que interessam a Lygia Pape. Entregando-se sem qualquer resistencia ao olhar da fotografia, elas deixam no papel a marca de sua fome insaciavel de tudo. ardo lhes falta, menos o poder de per o corpo no ela do dialog°. Fotografadas, elas tern, por tras, a sombra violenta de seu habitat; pela frente, porem, uma luz de inocencia e de confianga, certamente pass ageira, as coloca em suspenso. Fazem, assim, os retratos antipodas dos de Mario Cravo Neto. Corn Hugo Denizart (1947), o percurso enEm se completa. Tocamos corn ele o ponto mais extremo da fragmentacao e da dialética da energia e da recusa. A fragmentagao, aqui, se expande corn forca identica em dois sentidos. E fragmentacao no interior de uni

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corpo e fora dele. Psicanalista de profissao, nao foi para aplica-la diretamente, a modo de cobaia, que HD se concentrou primeiro no conjunto habitacional da Cidade de Deus e mais tarde, desde 1981, na Colenia Juliano Moreira, ambos no suberbio do Rio. Seu propesito era e é o do trabalho fotografico, numa atitude em que se unem a antropologia, a terapeutica e a estetica. 0 fragmento da vida social e o fragmento da vida mental dialogam em permanencia corn o fragmento da realidade que é a fotografia. Esta é tambem a razao pela qual a serie fotografica em progreiso a partir da Colonia Juliano Moreira, somando ja oito mil negativos, amplia o alcance da que Hugo Denizat desenvolveu na Cidade de Deus. Na Ultima, a ruptura entre individuo e sociedade se apresenta na marginalizacao pela criminalidade. Na primeira, velho hospital psiquia-• trico, uma via dolorosa se abre semelhantemente, mas pela perda parcial ou total de contato corn a realidade. 0 individuo que Hugo all fotografa e fragmento absoluto, fragment° que neo cessa de refragmentar-se. Par isso, fotografa-o na lei de um quebra-cabecas, em que nao ha solugao Unica pan a grande imagem final, e sim todas aquelas corn que quisermos finaliza-lo. Por isso, igualmente, para associa-lo a dimensao simbolica do social, ele o pee, fragmento de corpo, diante dos fragmentos de uma bandeira-patria, cemplice de sua fratura. Isolado, inconsolavelmente ilhado, o corpo corta a bandeira que o corta, na foto em que a bandeira e corpo saem cortados. Toda inteireza de alma the é vedada, ate que o puzele possa urn dia ser recomposto segundo a sua imagem de origem, Integra e salubre. Mas que imagem e ainda capaz de tal proeza?

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0 novo livro do mundo A imagem p6s-moderna e a arte

RODRIGO NAVES A memOria de Marcos Mega

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ontemporaneamente, a discussao acerca do estatuto da imagem ganhou urn papel de relevo no processo cultural. Pensada crificamente por alguns e positivamente por muitos outros, ela passou a ser urn dos pontos centrais no debate em tomo da questa° pOs-modema, e perpassa toda uma gama de eventos, da refilmagem de antigos classicos do cinema as polemicas sobre a nocao de simulacro. No entanto, que imagem é essa? Afinal, o termo adquiriu significados tao diversos atraves dos tempos que nao seria impossivel tracar toda uma histOria dos seus varios momentos. Falando de uma das marcaS distintivas dos Tempos Modemos, do pensamento que se desenvolve sobretudo a partir de Descartes, Heidegger afirma que "onde o mundo torna-se imagem, a totalidade do ente é compreendida e fixada como aquilo sobre o que o homem pode se orientar, como aquilo que ele quer, por conseguinte, trazer e ter diante de si, e corn isso, em urn sentido decisivo, represente-la (vor sich stellen)".' E a esse movimento corresponde simultaneamente a transformagao do homem em "urn subjectum em meio ao ente".2No entender de Heidegger, a imagem do mundo é produto

de urn sujeito forte que baliza o terreno da objetividade e se coloca como suporte de todas as operacees possiveis. E pela remissao ao sujeito que se obtern a medida de tudo. Mais ainda: é o estabelecimento desta nocao de imagem que possibilita a pr6pria relagao produtiva entre sujeito e objeto. Lancei mao de Heidegger meio aleatoriamente, e nao pretendo cotejar a relacao entre imagem do mundo e Tempos Modernos corn uma suposta pos-modernidade, nem tampouco comparar a extensao que Heidegger atribui a nocao de imagem ao uso que dela se faz atualmente. Varios outros autores e interpretacees poderiam ser tornados como exemplo, na tentativa de melhor caracterizar - por contraste - a nocao de imagem que nos interessa mais de perto. Mas, partindo dos elementos que depreendemos do pens amento heideggeriano, conseguimos ver que pouco ou nada disso é encontravel na atual discussao sobre imagem. A imagem tal como quase sempre é entendida nos nossos dias aparece sobretudo na forma de uma auto-referencialidade que anula por completo a relagao polar que esta na base do raciocinio de Heidegger. Nao sem razao Peter Berger ird escrever que "uma


tese central do pensamento pOs-modemo afirma pie, em nossa sociedade, os signos nao remetem a algo assinalado e sim apenas a outros signos; que n6s nao mais pademos encontrar em nossos discursos alga coma urn significado, e nos movemos numa infinita cadeia de significantes". 3 Nesse movimento tautologic°, sujeito e objeto tornam-se velhas quimeras, substituidos por uma especie de maquina semiologica de justaposicao de signos a funcionar horizontalmente. E curioso coma, para esse pensamento, a questa() do referente deve ser tachada de ingenua, e qualquer mengao a urn arcaico mundo precisa ser calada, por carecer de mediagoes. Afasta-se a dificuldade do problema pela imputagao de improcedencia, e a complexidade da questa° da origem dos significados é substituida par outra complexidade, que se satisfaz corn a expansao do intrincado da trama para, ao fim, afirmar que se pode dar pm- perdida a pr6pria possibilidade de genera. Por vezes tambern se confundem a autonomia e a reflexibilidade da arte modema corn esse ricocheteio perpetuo. Nesse quadro, nao causa espanto ver que a informacao —do modo coma é isolada, par exemplo, pela teoria da informagao — deixa de ser noticia sabre alga, para se resumir a pergunta por sua propria estrutura. Penso ser possivel deduzir desse raciocinio que, para ele, a imagem se transforma em pura virtualidade, submetida a uma combinat6ria que lhe proporciona sentido e significado. Mas tambem esse significado derivado carregard permanentemente uma fugacidade de base, produzida pela possibilidade de alocacao e manuseio que rege seu enquadramento numa determinada situacao. Mas, para que esse jogo de espelhos se efetive sera preciso pressupor uma enorme 414

proliferagao de imagens, a partir das quais o mecanismo dessa maquina podera entrar em funcionamento, agenciando-as a seu bel-prazer. E o que fard boa parte dos atores desse debate, ao erigir uma civilizacao da imagem coma palco da existencia contemporfinea. Constatando a generalizacao da inclustria cultural, toma-se entao facil descrever uma situagao em que impera a reproducao da aparencia das coisas por meios eletronicos — mas nao s6 por eles — e a sua conseqiiente sobreposigao a qualquer resquicio daquilo que foi reproduzido. Contudo nao é apenas essa promiscuidade da imagem que esta em jogo. 0 modo dominante de producao de imagens nao s6 as espalha par todas as partes coma tambern acaba por se imprint as pr6prias reproducees. A ubiqiiidade da imagem nao se restringe a propagagao ilimitada: envalve fundamentalmente a capacidade de justaposigao de todos as espacos do mundo, a presenga simultanea e sem distancia de acontecimentos absolutamente dispares. 0 slogan de urn dos nossos noticiarios — "o mundo em sua casa" — resume bem essa situagao. Na imagem, por meio dela, esfumamse as distancias e o tempo, e obtern-se a transformagao da realidade na pr6pria essencia da imagem contemporanea: uma virtualidade sem qualquer espessura. Corn o que a questa° da origem toma-se ainda mais remota. Aqui convem evitar urn mal-entendido. Numa obra coma a de Matisse, as imagens se realizam na mais estrita superficialidade, sem recorrer ao ilusionismo propiciado pela perspectiva. Contudo, a evidencia alcangada par suas cores faz corn que a percepcao apareca coma atividade, pois é pela car — e quase que somente por ela — que o pr6prio espaco das telas é construido. Nesse movimento, a imagem ganha uma densidade que a diferencia totalmente daquela que estamos discu-

tindo, já que as cores perdem seu carater exclusivamente retiniano para ganharem o estatuto de materia. Nesse jogo de imagens, tudo se passa como se presenciassemos extemporaneamente o retorno da metafora do livro do mundo. Atraves dessas imagens o mundo se entregaria coma alguma coisa de articulado, cujo sentido apenas solicitaria uma leitura adequada para sua plena apreensao. Despojado de sua rudeza e opacidade, ele apareceria como urn significado passive!, Já que de alguma forma surge, sob o comando de uma sintaxe. Ha no entanto diferengas cmciais com o antigo livro do mundo que conyam assinalar. A despeito dos diversos sentidos que essa metafora ganhou, existem algumas caracteristicas que se mantiveram por born tempo, principalmente na Wade Media e comeco do Renascimento. •*•

Hugo de Sao Vftor escreve no seculo XII que "todo o mundo visivel é urn livro escrito pelo dedo de Deus, ou seja, criado pelo poder divino; e as criaturas humanas sao ai coma que figuras, criadas nao pela vontade humana mas instituidas pela autoridade divina pan proclamar a sabedoria das invisiveis coisas de Deus. Mas, assim como urn iletrado que observa urn livro aberto olha as figuras mas nao reconhece as letras, do mesmo modo urn tolo homem natural que nao percebe as coisas de Deus ye exteriormente nestas criaturas visiveis as aparencias, mas nao compreende interiormente sua razao. Mas aquele que é piedoso e pode julgar todas as coisas, enquanto observa exteriormente a beleza do criado concebe interiormente quao maravilhosa é a sabedoria do criador.4 Nessa passagem exemplar, o mundo tambem precisa se converter numa imagem.

E necessario que as coisas visiveis abandonem sua crueza e se convertam em indicadores de alga superior. De certo modo, nessa metafora o mundo tambem se muda em transparencia e virtualidade, na medida em que se assemelha a uma membrana simbolica reveladora de uma atividade maior. Para que se de a "correspondencia entre significacao e aparencia", 5 exigem-se contudo dais niveis distintos que se comunicarao apenas sob certas condig5es. 0 movimento de transcendencia que leva do visivel ao invisivel solicita urn mediador que, gracas a urn certo conhecimento e experiencia — a experiencia de Deus em si mesmo atraves da religiao pode alcangar a razao interior das exterioridades. Afinal, sempre é possivel ser apenas um "tole homem natural". E esse movimento impregnara a imagem resultante de uma densidade simetrica a passagem que leva do visivel ao invisivel. Ler o livro do mundo significa compartilhar em alguma medida a grandeza do Criador, dada que as homens estao no mundo para "proclamar a sabedoria das invisiveis coisas de Deus", embora tambem eles sejam "fig-uras" deste mundo. Urn halo mistico envolve essa conaturalidade parcial e se instala na propria imagem criada. Nessa travessia, transcendencia e experiencia religiosa emprestarao uma dimensao particular a imagem, que assim ve sua transparencia adensar-se consideravelmente. A imagem nao se desprende do mundo, pois tern coma suporte urn ser que participa ao mesmo tempo do visivel e do invisivel. Ora, e fedi verificar que essas caracteristicas nao aparecem no "nova livro do mundo", tal coma sugere a discussao em tomo do p6s-moderno. Tomemos algumas colunas gregas que sustentam urn arco neoclassic°, sabre o qual se ergue uma enorme fachada

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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0 NOVO LIVRO DO MUNDO - RODRIGO NAVES

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de vidro. Que elas nao sao gregas e muito menos colunas, salta aos olhos. Nada ha que lembre o sentido de elevacao das colunas gregas, nada do movimento ascensional que conduz a massa da construcao a leveza do esphito. Seria igualmente vao procurar nelas o elemento mediador que harmoniza escala humana e monumentalidade - o volume sereno a guardar as proporcaes do corpo humano e onde a escultura se insinua a todo momento, nao permitindo que se cristalize num inanimado cilindro de pedra. Mas, entao, o que significam essas coisas? E bem provavel que essas colunas tenham sido pintadas de vermelho. As colunas gregas tambem o eram. Mas nao corn tintas esmaltadas que transformam superficies em brilho, fazendo corn que o volume nao seja mais que uma luz refletida, infenso, portanto a qualquer comunicacao corn o ambiente. Assim recobertas elas correm sobre urn fundo que as recorta, sem que tal movimento encontre qualquer entrave, senao por sua propria extensao fisica. E por se destacarem assim dos meios que as cercam, deveriam tornar-se simples ornamentos, meras listras a embelezar uma fachada. Mos omamentos buscam, a seu modo, integrar as coisas. Por meio deles a natureza se entrelaga aos artefatos humanos, a austeridade da forma construlda e suavizada pelos caprichos de arabescos e volutas, num convivio ameno e pitoresco. Nada disso ocorre aqui. Do modo como aparecem, essas colunas sao ostensivamente superfluas. Elas estao ali por urn ato de arbitrio, porque uma vontade precisou exibir-se redundantemente como algo voluvel e sem regras. E porque carecem de toda nocao de medida sao paradoxalmente uma ostentacao intimista. Ao final, sobressai apenas o gesto que permite justapor tudo. Aquilo que 418

foi manejado, aposto a uma outra coisa qualquer, retem somente os sinais de sua submissao, sem que sua evidencia no interior do conjunto produza uma dimensao correspondente. A possibilidade de agenciamento dos elementos reina sobre tudo. Mas so porque esse e urn agenciamento demasiado particular. Quando Picasso juntou diversos materiais para fazer suas primeiras esculturas, havia urn esforgo pan liberar o volume d a tridimensionalidade maciga tradicional e para char formas novas que recusassem por completo .urn espago dado a priori. Essas colunas e o gesto que as colocou all, no entanto, desprezam qualquer interrogagao formal, pois precisam reduzir todos os elementos a uma especie de copresenga que necessariamente prescinde da mediacao formal. Esse agenciamento contudo quer mais. Tambem o tempo precisard se render a voragem de justaposigao que preside o movimento da imagem. 0 passado grego é convocado entao para presenciar sua convivencia corn uma vidraca high tech, sem que lhe iniba o testemunho de urn arco neoclassico. Nao estariamos enganados ao ver al urn exemplo acabado daquilo que se convencionou chamar simulacro. Nossas colunas vermelhas, sem dovida, remetem a urn modelo exterior, grego, que, no entanto, é anulado em sua especificidade, e permanece apenas como uma presenga fantasmagorica, que baliza o surgimento de urn duplo que nao é mais do que signo de si mesmo, mas que necessita dessa sombra para que sua operagao se complete. Aquilo que na metafora do livro do mundo era transcendencia mudase agora num jogo especular no qual os rebatimentos nao anunciam urn novo sentido, repisando incansavelmente a mesma trilha.

Essa capacidade de manuseio nao se res- . tringe, é claro, a arquitetura. Basta abrir uma publicacao atual para constatar ininneros procedimentos graficos que remetem a questOes semelhantes. Principalmente a partir do advento da impressao off-set almagem grafica tern seu estatuto grandemente transformado. Em primeiro lugar, a pi -alpha impressao se modifica, e o que antes era de fato uma pressao realizada sobre urn suporte, deixando al suas marcas, passou a ser a deposigao de urn desenho sobre o papel. As imagens como que pousam sobre o material a ser impresso, ganhando uma autonomia que as realca enquanto reproducao. Corn essa tecnica - mas tambem corn essas aparencias generalizam-se varias praticas que conduziram a imagem por urn caminho parecido corn o que estamos discutindo. E comum observarmos nas publicagaes de hoje - mesmo nas menos sofisticadas, como os jomais- deslocamentos de fotos que evidenciam sua irregularidade por meio de manchas negras assinalando a posigao normal que deveriam assumir; colunas recortadas que desenham o perfil de uma foto; textos que invadem ilustragOes e vice-versa tudo numa demonstracao clara dos recursos de manipulagao da imagem que as novas tecnicas de reproducao propiciaram. No entanto essa questao aparece ainda mais significativamente na concepgao de composigab, na orientagao que rege o desenho e a disposigao dos caracteres. Falando da tipografia desenvolvida pela Bauhaus, Giulio Carlo Argan diz que ela "se situa como o contrario da tipografia descritiva ou simbolica e somente aparentemente revolucionaria dos futuristas, dadaistas ou surrealistas. E absurdo pedir a pagina tipografica que ornamente ou comente os conceitos que estao escritos nela, e a rigor

nao se lhe pode exigir mais que uma clara comunicagao visual. (...) A pagina é o espaco, a dimensao, a condicao ou a forma da realidade ern que se cumpre esse ato essencial do homem civilizado que é a leitura; a clareza e a ordem desse espago, a propriedade dessa forma, sao as condicaes da plenitude e da validade do ato. Em sintese, durante seculos os caracteres foram imaginados em funcao da 'escrita', mais ou menos como urn complemento epigrafico da obra literaria; agora, ao contrario, sao concebidos em fungao da lleitura', como um instrumento do leitor".6 Varias possibilidades criadas pela fotocomposigao fazem pensar que voltamos ao primado da escrita e da ornamentagao. Recursos como a condensacao e a expansao de caracteres - tao em yoga atualmente - recolocam o desenho das letras sob o signo da plasticidade. E corn a maleabilidade dos tipos, algo do velho copista reaparece. Contudo é preciso fazer uma ligeira observacao ao texto de Argan: enquanto realmente vigoravam os manuscritos, a escrita tinha uma dimensao que extrapolava em muito o simples ornamentalismo. Como lembra Ernst R. Curtius, antes da invencao da imprensa "em cada livro copiado encerram-se diligencia e habilidade manual, atencao do espirito longamente sustentada, trabalho amoroso e desvelado".7 Em boa medida o trabalho do copista se identificava corn algumas particularidades da prOpria atividade intelectual, e pane dessa seriedade se transferiu para os caracteres, quando do surgimento da imprensa. Basta evocar os caracteres goticos da Biblia de Gutenberg. Hoje, porem, esse retomo da escrita toma feigoes totalmente diferentes. Mais do que reintroduzir certa pessoalidade na tipografia, sobressai a vontade de desestabilizar, por

CRETICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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0 NOVO LIVRO DO MUNDO - RODRIGO NAVES

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meio dessas deformagOes, o poder conceitual rece como a propria verdade desse tipo de da palavra, introduzindo na sua aparencia concepgao grafica: urn meio resistente, mas uma flutuagao que procura atingir o conteosujeito a toda sorte de conformacOes. E o que do. Se nos construtivistas russos e tambern parecia clareza e rigor mostra-se, ao fim, simnos nossos concretistas havia o desejo de ples profissao de fe na possibilidade iridisproduzir uma identidade reveladora entre criminada de amalgama. a letra e seu sentido, vemos agora uma opeFica claro corn esses exemplos que o novo raga° voluntarista contente corn a criagao de livro do mundo guarda pouquissima semeanamorfoses graficas, oxide o odbicionismo lhanga corn o antepassado medieval e renasda deformacao tern mais a ver com urn teccentista. Por urn lado, reina al uma intransnicismo do que corn a tentativa de potencendencia radical. Os espelhamentos que cializar a linguagem. presidem a criagao de simulacros impedem Como no exemplo das colunas gregas, é qualquer movimento. que resulte em signipatente aqui a intengao de manipular realificagao. As imagens se recobrem - como no dades, justapondo-as livremente. Todavia, caso das colunas gregas jogando sombra existe urn outro aspecto a ser ressaltado. Em umas sobre as outras e criando as condigOes todos esses procedimentos sobressai a dipara que, nessa sobreposigao, o cotejo entre mensao de virtualidade manuseavel das ambas desloque incessantemente o signifiimagens (mesmo que sejam letras). Afinal, cado, que dessa maneira toma-se pura reicomo diz o proprio nome (fotocomposigao), teragao, embora adquira a aura desvalida do trata-se de luz. Ou seja, na base dessas opefugaz e do evanescente. Ha algo de enganoragOes esti uma transparencia plastica abersamente magico tambem al. ta a diversos manuseios. A tipografia moderPor outro lado, exacerba-se o carter de na era sobretudo apelo a clareza e a ordem. virtualidade da imagem, na medida em que A programacao visual p6s-moderna a prina confonnidade é seu horizonte, submetencipio tambem poderia se-lo. Para usar o jardo-se a toda especie de operagao. Nesse pongao das artes graficas, ela freqiientemente to o livro reaparece, mas num sentido estra"joga corn o branco". Nas suas diagramacOes nho a metifora original. De fato, o manuseio os espagos impressos e nao-impressos nao proporcionado pela excessiva labilidade da raro se distribuem corn elegancia e equiliimagem sugere um folhear revelador do esbrio.Vista mais de perto, essa disposicao das tatuto contemporaneo da imagem. Urn prosuperficies mostra-se mais complicada. cedimento usado a saciedade na televise° Urn procedimento tipico da "escola" conilustra bem esse processo. Par meio de urn siste em forcar o esp a g a m e nt o entre as aparelho chamado quantel, congelam-se as letras - principalmente em titulos e subtiimagens, que depois sao literalmente folhetulos, creditos e assinaturas -, de modo a obadas, a gosto do operador. Como num calenter o efeito de equilibrio menciona do he den°, as imagens se sucedem umas sob as pouco. 0 resultado é uma especie de uazio outras. E ai desponta como que a quintessenextenso entre as letras - ha entre elas uma cia da imagem pos-moderna; algo que se atragao propiciada pela integridade da padesprega totalmente do mundo, imune a ele. lavra, sem que essa regiao de significado Nesse jogo, a experiencia torna-se uma ambiguo deixe de ser um branco que apaforma remota de apreensao do mundo. Corn 4113

trabalho concreto seri dissolvida pelo drcuia instalagao desse verdadeiro naturalismo dp to do mercado. Reduz-se, portanto, radicalsignificante nao ha lugar para qualquer tipo mente a possibilidade de experiencia na de pratica que estabelega vinculos entre sociedade contemporanea - sobretudo a experiencia e imagem - e o mundo das apapartir do momento em que as formas capirencias, simulacro de si mesmo, rodopia sotalistas penetram todos as poros da sociabibre seu eixo, autonomamente. lidade. Tomando esses problemas mais do Toda a discussao e pratica contemporalado visual - que é o que nos interessa aqui neas sobre a imagem sem, davida, anunciam muito do que ocorre, digamos, a nivel -, é de notar que, nesse processo universal de troca, sobressai a "igualagao das coisas no simbolico em nossa sociedade. De fato, a mercado"." E, embora esses rebatimentos se producao cultural, a elaboracao teorica e o deem primariamente a nivel econOmico, viproprio modo de aparecimento da sociedade envolvem muito daquilo que esse deba- sualmente o fetiche aparecera pela perda do te aponta. Mas apenas aponta, sem que pos- proprio recorte dos objetos, pois me parece sua qualquer dimensao explicativa. Por essa claro que, a instalacao do trabalho abstrato, razao, nao me parece ingenuo perguntar se correspondera uma ruptura radical corn a inessa questa° nao remete, em Ultima anodise, dividualidade dos objetos. Assim, a propria a velha discussao do fetiche da mercadoria, nocao de percepgao torna-se altamente proincorporado acriticamente, e num grau me- blematica, ja que os objetos mal se desedito, a produgao cultural. Realmente sao nham como possiveis objetos da percepgao. tantos as pontos de contato entre ambas as Mais ainda, e o que é essencial: corn a dissoquest6es que é praticamente impossivel luck, do trabalho concreto, tambem a consdeixar ao largo essa interrogagao. Do mes- trucao de formas deixa de ser apreensivel mo modo que os significantes remetem uns como experiencia. Em sintese, a percepcao aos outros indefinidamente, tambem as deixa de radicar na experiencia: uma homomercadorias aparecem "identificando-se geneidade generica de fundo se apodera de entre si". 8 "A equagao da mercadoria abole grande parte das representag6es. A atividaqualquer referencia a outrem. Os vinte me- de perceptiva se reduz, no miximo, a urn retros de linho se reportam a um casaco ou a conhecimento de imagens, coisa que a pop sououtros objetos quantitativamente determi- be antecipar corn extrema pertinencia. Esse desgarramento da imagem em renados e nada mais. Linho e casaco configuram a mesma identidade pasta, alga igual lagao a uma experiencia que se enraize que se constitui pela comparabilidade dos numa atividade - ainda que perceptiva \Tinos valores de troca, que uma determi- sera a base de sua virtualidade manipulanada quantidade de linho pode encontrar". 9 vel. Descolada de toda e qualquer resistenE nesse processo de espelhamento que se cia a formalizagao - ou seja, do trabalho ela realiza o fetichismo da mercadoria, quan- pode assumir ares de alga intercambilvel e do a "relagao social determinada existente plenamente disponivel. Sobre essa base - e entre as proprios homens toma, a seus olhos, apenas sobre ela virias outras peculiaria forma fantasmag6rica de uma relagao dades do capitalismo contemporaneo obterao efetividade, permitindo afirmar que, "a entre objetos". 1° Ora, para que esse movimento se cum- rigor, (...) as miquinas nao produzem objepra qualquer pergunta pela sua origem num tos; produzem, ao infinito, imagens. Na nova

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escala de valores o objeto toma-se imagem lho tern grande interesse para . essa discuse o sujeito, passando ao ültimo lugar, tomasao. Para o pensamento chamado pos-mose coisa".'2 Coroando o processo, o design demo a cidade e o lugar par excelencia da buscara restituir a individualidade das merimagem volatil e do simulacro. Nela, a satucadorias par meio da criacao de tracos diferaga° das fachadas, cartazes, outdoors e toda renciadores, que, no entanto, precisam se sorte de reproduccies cria as condicoes para coadunar corn a dinamica geral da mercadoessa especie de simulacro em ato que seria ria, aparecendo entao corn o aristocratismo o cotidiano massificado. Grande pane dos de uma impessoalidade construida, corn a . trabalhos de Serra atua no ambiente da cielegancia de um anonimato ostensivo. Ths- dade. Em pragas, jardins e cruzamentos, ie sorte a do design: de tentativa grandiosa enormes chapas de ago se estendem cornde alcancar uma reflexividade que permepond° "formas" pouco estaveis, apesar da asse o cotidiano decal para o planejamento massa descomunal. Reivindicando o espaintencional do inefletido'3. co da cidade, essas pegas de saida solicitam No dominio dessa imagem mirrada e fi- a sua insercao numa universalidade que é listina, como fica a arte, em especial as artes da ordem do mercado. De fato, a cidade é o plasticas? Essa percepgao chapada, rasa, nao local privilegiado em que as relacaes sociseria urn indicador seguro da prapria morte ais se estabelecem, e onde as mercadorias (indolor) da arta -urn momento em que qualencontram Seus parametros e destinacao. quer espessamento do sensivel aparece neDe algum modo o tracado da cidade é o diacessariamente coma ago postigo e claudigrama do mercado - o espaco em que coisas cante? Nao se trata, por certo, de restaurar e homens transitam e sao cotejados, onde as urn sujeito integro que transponha para seus relacOes se reiteram ao infinito, numa reproprodutos a densidade de uma alma farta, ducao incansavel. Mas as trabalhos de Rivotada a presteza da cloaca°. Mas entronichard Serra rejeitam a fluidez desse movizar alegremente urn sujeito erratic°, incapaz mento; tampouco pontilham a realidade de tudo que nao seja o espelhamento das urbana de simbolos que demarquem difeimagens do mundo, tern muito de hipocrirengas no terreno disperso da metrapole, sia. Algumas importantes manifestacfies arcomo na tradicao dos monumentos. tisticas contemporaneas vao em outra dire0 Tilted Arc, localizado na Federal Plaza, gao. Ao menos nas artes plasticas me pareem Nova York, é um dos melhores exemplos ce dificil concordar corn o diagnostic° de Frede sua preocupagao. Colocado no meio de dric Jamerson sobre a arte atual, onde, a seu uma praca, num lugar de passagem de pever, a incorporacao dessa "transformagao da destres, o trabalho descreve uma curva que realidade em imagens" ,4 se faz sem nenhuem tese nao seria mais que a estilizacao do ma hesitagao ou ressalva. movimento que al se realiza, uma evidenciacao daquilo que o habit° termina por ocul**• tar. Isso de fato acontece, mas so apas urn Urn trabalho como o do norte-americano percurso cerrado, que deixara marcas no Richard Serra reverte essas tendencias, emobservador. 0 arco que interrompe o piano da bora ate certo ponto as pressuponha. Por praga nao e simplesmente uma lamina deessa razao uma breve analise de seu trabalicada tragando urn desenho no solo. As cha420

pas de ago tern uma espessura que inviabiliza a sublimagao do material em desenho. Esse arco pesa e sua sutil inclinacao para frente aponta isso corn precisao. Ao movimento que o conduz de uma ponta a outra se contrapoe, portanto, a presenca rigida e ensimesmada de urn equilibrio instavel, que a impede de ser pura continuidade, para galvaniza-la num movimento tenso, que pode a qualquer momento voltar ao repouso, cu seja, ruir. 0 embate insoltivel entre as dois movimentos - uma continuidade e uma contencao exponenciada - a seu modo enta -ava o fluxo da cidade, na medida em que cria uma presenga imune a generalizagao do mercado. A tensao que produz na superficie do arco rompe de chofre a homogeneidades de uma imagem virtual e a peca ganha nova solidez. Integrado na paisagem urbana, o trabalho, no entanto, adquire uma indiuidualidade maxima e irredutivel. E, sem se fechar univocamente sobre si, surge corn uma intensidade inesperada na vertigem da cidade. Agora podemos voltar aos passantes que cruzam a praca. Ao redor do arco a tensao produzida par seu duplo movimento gera urn verdadeiro campo de forga e destr6i a placidez dos espagos vazios. Al, concavo e convex° deixam de ser figuras geometricas para se transformarem numa experiencia da propria cidade, dessa dinamica de acolhida e isolamento que perpassa todos os grandes centros urbanos e que faz da cidade o lugar complexo do anonimato e da solidariedade, do trabalho assalariado e da cidadania, da desolagao e do convivio. *•*

Nunca como hoje as cidades procuraram tanto se mostrar coma cidades. Par toda parte a convivencia fragrnentada, o anonimato e o abandono levantam marcos que procu-

ram inverter a continuidade despersonificada das metropoles. Pontos de encontro, lurninosos, areas de lazer, arranha-caus, fachadas, colunas sociais simulam urn convivio que se rarefez; demarcam lugares que anteriormente eram circunscritos por habitos e costumes, par uma existenda que sublinhava afetivamente locais e faunas de convivencia - como nos moveis colonials feitos sob encomenda, tentam recriar as marcas esmaecidas de uma experiencia que nos escapa. A cidade ja foi o lugar do vicio e da virtude, o ambiente propicio ao desenvolvimento das capacidades humanas e o terreno da degradagao da boa natureza dos homens.' 6 Hoje,mcrtadi enomas que urn nome, desesperadamente a procura de urn objeto que Ihe corresponda. E nao causa espanto verificar como essa tentativa de recuperagao de urn espago social da cidade tende pan solucoes conservadoras. Tomemos esses locais tao marcadamente sociais das metropoles - bares, restaurantes, shopping centers. A singrularidade ostensiva que procuram criar par mei6 de arranjos e decoracees desvenda a preocupacao de tragar diferencas que suspendam a homogeneidade dos grandes centros urbanos. Al, porem, a intimidade nao esta ligada a urn longo processo de familiaridade corn um determinado ambiente. Ao contrario, ela se apresenta objefivamente, desligada de uma experiencia pessoal - na decoracao sui generis, amaneirada, fornece-se de antemao a vivencia de urn espaco diferenciado, que substitui a afeicao produzida na sedimentagao de experiencias particulares. A amplidao das cidades é tambern a riqueza das relagfies que possibilitam. Mas nesses locais a sociabilida de complexa e problematica dos grandes centros urbanos ganha uma versa° claramente regressiva.

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0 aconchego, que se pretende a contrapartida da dilaceragao urbana, rebaixa a sociabilidade a uma proximidade domestica absolutamente aquern das interrogacoes do nosso tempo. Protegidos por uma intimidade que nos é alheia e por um acolhimento apequenado, vemos a nos mesmos reduzidos a urn estatuto muito semelhante ao da ima gem contemporanea: limitados a uma sociabilidade de papel, na qual se encena uma convivencia postiga, mas apreensivel. A sociabilidade como imagem - ao menos tal como aparece aqui - tern a amplitude de uma casa de bonecas, e quern pOde vet a exposicao A Tram do Gosto, organizada pela Bienal de Sao Paulo em 1986, teve ocasiao de presenciar essa operacao em estado puro. E é essa pretensa sociabilidade recuperada - a partir da vivencia de camadas sociais hem determinadas - que ira ecoar por parte significativa da producao cultural contemporanea. A tendencia a transformar a cidade em urn meio acolhedor explica em grande pane o uso generalizado da noite como ambiente de flumes como Blade Runner, Cidade Oculta, Anjos da Nolte, entre tantos outros. Nesses trabalhos a escuridao - e tambern a chuva, no caso de Blade Runner - limita a extensao de espacos e coisas pela reducao de sua visibilidade, agasalhando-os numa atmosfera sem distancias, que integra tudo num movimento de indiferenciagao. Corn a conversao da cidade em casulo, seus movimentos de oposicao passam a ser a simples radicalizacao de urn isolamento protetor, e nao e de espantar que manifestacOes tao dispares como os filmes Nove e Meia Semanas de Amor e As Brigadas Verme-

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lhas deitem raizes num terreno comum, que é essa especie de identidade intimista proporcionada por urn esconderijo ou abrigo. Se o novo livro do mundo é o recobrimento do real pot imagens que o reproduziam tautologicamente, vemos agora que ele é tambem uma tentativa kitsch de humanizar o mundo contemporaneo, pot meio da producao de urn cotidiano aparentemente familiar. 0 que trabalhos como os de Richard Serra nos mostram e que as cidades sao muito mais que o lugar da reificacao absoluta ou de sua versa() edulcorada e aconchegante. A combinacao de rigor e subjetividade que marca trabalhos tao diversos como o de urn jovem trompetista de jazz como Wynton Marsalis, ou do pintor alemao Anselm Kiefer, e mais perto de nos - e por que nao? - a masica de Joao Gilberto, a pintura de Eduardo Sued e a escultura de Amilcar de Castro apenas para citar alguns exemplos; o jogo sutil de uma formalizacao que evidencia a todo momento seus impasses e dificuldades - sem deixar de procurar uma forma -, a individualidade intima e publica que busca expressao nessas obras desvenda uma cidade bem mais complexa. Nela, sem dthrida, a mercadoria traca sua dura objetividade. Mas nao tao dura que impeca a grandeza da arte e de outras forrnas de convivencia. Nos trabalhos desses artistas a subjetividade recusa a chancela intimista que a colocaria como urn protesto muito aquem dos dilemas contemporaneos. Al, o lirismo nao é o apequenamemo voluntario do eu, e sim a procura de uma expressividade que, sendo manifestacao de experiencias individuais, busca a todo instante uma universalidade nova, altura da cidade contemporanea.

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Notas r. HEIDEGGER, MARTIN. Die Zeit des Weltbildes, em Ho!zany, Frankfurt, Vittorio Klostermann, 1980, p. 87. 2. !dem, p. 90. 3. BURGER, Peter. Prefacio ao livro Postmoderne: Al!tag, Allegoric und Avantgarde, organizado pot Christa e Peter Burger, Frankfurt, Suhrkamp, 1987, p. 7. 4. Citado em The World and the Book, de Gabriel Josipovici, London, The MacMillan Press, 1979, p. 29. 5. Idem, p. 30. 6. Giulio Carlo Argan. Walter Gropius y la Bauhaus, Mexico, Ediciones G. Gili, s/d, p. 55. 7. Ernst Robert Curtius. Literatura Europeia e Wade Media Latina, Rio de Janeiro, Institut° Nacional do Livro, 1957, P. 342 . 8. GIANNOTTI,Jose Arthur. Dabalho e Reflexao, Sao Paulo, Brasiliense, 1983, p. 235. 9. !dem, p. 235. ro. MARX, Karl. Das Kapital, MEW, Berlim, Dietz Verlag, 1975, V. 23, p. 86. r. RUBIN, Isaak Mich. A Teoria Marxista do Valor, Sao Paulo, Brasiliense, p. 25.

12. ARGAN, Giulio Carlo. Progetto e Destino, Milano, Mondadori, '968, p. 32. 13. Por certo, essa discussao em torno das relaceres entre cultura e fetichismo da mercadoria deveria se reportar as formulacoes de Adorn°, sobretudo na Tearia Estetica. Como o carter deste texto nao nos permite esse cotejo, fica aqui apenas a indicacao de urn trabalho possivel. De outra parte, é mais ou menos obvia a origem benjaminiana de alguns topicos — experiencia, reprodutibilidade etc. —, embora entrem aqui sem qualquer rigor. 14. JAMESON, Fredric. Pos-Modemidade e Sociedade de Consumo, em Novos Estudos Cebrap, ii. 12, p. 26. Para Jameson "um significante que perdeu seu significado se transforma corn isso em imagem", p. 23. is. Devo essa ideia a uma exposicao de Ronaldo Brito sobre Richard Serra. 16. Ver Carl E. Schorske. The Idea of the City in European Thought: Voltaire to Spengler. In: The Historian and the City, Burchard e Handtin (orgs.), Cambridge, 1963.

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A fotografia contaminada

TADEU CHIARELLI ,

o Brasil, a fotografia - cuja historia confunde-se corn a propria invengasp do processo fotografico-pouco a pouco vem sendo estudada pot especialistas que tentam analisa-la nao apenas por sua importancia para a historia, a antropologia etc., mas tambem, como forma artistica aut8noma. 0 propOsito deste texto ĂŠ dar aspectos de uma outra fotografia realizada no pals. Uma fotografia contaminada pelo olhar, pelo corpo, pela existencia de seus autores e concebida como ponto de intersegao entre as mais diversas modalidades artisticas, como o teatro, a literatura, a poesia e a propria fotografia tradicional. Assim, os autores aqui citados nao seriam vistos propriamente coma foragrafos, mas como artistas que manipulam o processo e o registro fotograficos, contaminando-os corn sentidos e praticas oriundas de suas vivencias e do uso de outros meios expressivos. A fotografia desde seu inicio, no Brasil, pot urn lado serviu como registro da paisagem fisica e humana do pals e, pot outro, impulsionou certos artistas a realizar uma imersao mais vertical na busca do autoconhecimento como individuos ou seres sociais. Para eles, a fotografia nao foi urn meio para conhecer o mundo, mas urn instrumento para conhecer-se e conhecer o outro no -;'

mundo. Dois dos primeiros artistas deste tipo foram Militao Azevedo e Valerio Vieira. 0 primeiro, em 1887, publicou "Album comparativo da cidade de Sao Paulo", onde o leitor podia comparar alguns locais de Sao Paulo, fotografados em 1862 e 1887 pelo artista. A principio "Album" ĂŠ uma obra que documenta a rapida transformacao da antiga aldeia em cidade. Pot outro lado, porem e ao mesmo tempo-, o que nao salta 6 vista, mas este sempre presente nas fotos, reunidas apOs 25 anos, ĂŠ a presenca de Azevedo como testemunha e agente 'daquela transformacao. Ao narrar as rapidas transforrnagoes de S5o Paulo, o artista narra-se a si mesmo como individuo e cidadao confiante no progresso infinito da cidade que aquelas imagens parecem revelar. Importantes como documentos, as fotos transcendem esse carater quando sao percebidas como registros da atitude de Azevedo - urn ex-ator na relacao corn a cidade em rare vivia. All o objeto fotografado confunde-se corn o sujeitofot6grafo: a cidade e o artista que a registra sao urn mesmo personagem em transformacao no tempo e no espaco. Valerio Vieira, par sua vez, deixou para nos - voyeurs do futuro - uma foto onde sua imagem desdobra-se em mUltiplas personas: Os 30 Valerios. Essa mescla de auto-retrato e


tableau-vivant faz corn que se detecte aqui no pals, na passagem do seculo, urn artista que manipula o meio fotografico nao somente para registrar seu entorno, mas para buscar a si mesmo por meio do uso euforico e humoristico do processo fotografico. Vieira, em sua ansia sensual, narcisista, desdobrada em trinta poses, seria o primeiro a realizar - por meio de sua performance elaborada em laboratario - a busca da identidade (ou a denancia de sua fragmentagao). Militao Azevedo e Valerio Vieira foram os pioneiros no Brasil no uso da fotografia como teatro de suas individualidades, atitude pie, parece, somente voltaria a se dar nesse seculo ha bem pouco tempo. Urn trabalho que une essas duas vertentes é a serie "Brasil nativo/Brasil alienigena", de Anna Bella Geiger, realizada nos anos 70. Nele, a artista parece processar uma busca de identificacao nostalgica corn o elemento nativo brasileiro. Sem davida aqui ha um erro, pois, na realidade, essa busca aparente é apenas uma operacao critica carregada de ironia pan que Geiger possa discorrer sobre si mesma (mulher, artista, intelectual), sobre sua classe social (e tudo o que isso significa) e sobre a real impossibilidade de identificacao corn o outro (no caso da populacao brasileira, sempre vista pelas elites como guardia das virtudes individuais e sociais, e tradicionalmente convertida em simbolo por meio da figura do Indio). Se em "Album", de Azevedo, a fusao do eu e do outro di-se plenamente por meio das imagens da polls em transformacao, no caso da serie de Geiger este suposto desejo é desmascarado em sua impossibilidade total. Apesar de, como Vieira, Geiger utilizar sua prapria imagem (o artificio do tableau-vivant), e aquele da repeticao da posse, a artista anula qualquer possibilidade de confluencia entre os dois persona126

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gens, entre o eu e o outro: aqui o outro é o Indio pateticamente transformado em sua prOpria caricatura; o eu de Geiger é a caricatura da caricatura. Impossivel um retomo a origem mitica do povo, a identificagao plena corn o autentico, quando o eu e o outro estao mediados pelos codigos visuais e as compartimentos da sociedade contemporanea. Essa impossibilidade de identificacao ganha uma dimensao terrivel na instalacao que Rosangela Renn6 realizou em Sao Paulo em 1991. Em "Duos visa- es de realismo fantastico", nenhum processo _de identificacao entre a artista e a massa de desvalidos brasileiros e possivel: aquele grupo de criaturas assustadas e aterradoras - presas na frieza dos retratos agigantados de identificacao - observam o centro do espago da instalagao onde a artista e o pablico especializado dos museus parecem encastelados. 0 compromisso de Renno ao tratar das distancias entre as classes sociais no Brasil adquire uma forga major quando realiza em 1992 (em uma agao que poderia ser qualificada como guerrilheira) a instalagao "Atentado ao poder", no Rio de Janeiro. Benno atua diretamente sobre o fato mais comentado naquele momento - a Rio 92 (The Fitst Earth Summit) - e apropria-se de imagens de cadaveres de personagens do submundo carioca estampadas nas primeiras paginas de jornais sensacionalistas. Cria 24 ataades, con respondentes tanto aos dias que durou a Rio 92 quanto aos passos da Paixao de Cristo. A frieza das caixas com as cadaveres iluminados desmascara o carter hipocrita da solidariedade pregada pelo evento (os individuos fotografados foram assassinados no Rio de Janeiro pela policia ou outros marginais durante a Rio 92). Ante a impossibilidade de identificar-se corn os despossuidos do pals - tantas sac) as contradicoes da sociedade

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brasileira Renno transformou sua obra num palco para a reflexao raivosa sabre as causas dessa impossibilidade. Corn urn sentido menos explicito, os auto-retratos de Rubens Mano denunciam tambern de maneira eficaz a impossibilidade do artista se reconhecer a si mesmo e ao outro na sociedade contemporanea. Esses auto-retratos nao o identificam e mais parecem a imagem de urn afogado, ou o reflexo de urn Narciso indistinto. Já nao se trata do simbolo da absoluta auto-referencia mas de urn signo de total despersonalizacao do individuo na sociedade atual, incapaz de reconhecer nem a si mesmo. Se os trabalhos de Geiger, Renn6 e Mano denunciam a impossibilidade de que o artista contemporaneo possa criar uma fusao feliz entre o eu e o outro (em seu sentido mais amplo), outros artistas buscam, por meio de urn recorte mais estrito, encontrar o elo destruido entre o individuo e o social. Valeska Soares e Rosana Paulino, par exemplo, tentam delimitar territorios mais restritos (embora nao menos complexos) para empreender suas buscas. A primeira prefere submergir no clima estereotipado do "eterno feminino" (e suas emanacoes aó mesmo tempo sensuais e morbidas), contrapondo-o criticamente a outros estereotipos da sociedade ocidental. Nos ambientes, objetos e livros criados pela artista, fotos de detalhes de corpos femininos e masculinos convivem corn imagens e objetos distintos, configurando urn compromisso critico, uma reflexao extremamente singular e atual sobre o universo da mulher. Por outro lado, Rosana Paulino, em sua trajetoria apenas iniciada, busca poeticamente dar conta da histOria da populagao de origem africana no Brasil, por meio da his-

t6ria dos membros de sua familia, sobretudo suas avos, mae e irmas. E gracas a apropriacao e rearticulacao das imagens dessas mulheres, processadas em fotoc6pias e transformadas, ora em gravuras, ora ern elementos constitutivos de objetos que recordam antigos altares votivos populares patuas (especie de escapularios sincreticos afrocatolicos), que Paulino vem tentando situar-se como mulher, mulher negra e artista, no momento brasileiro atual. 0 outro, no caso de Rosana Paulino, parece set pane de seu proprio eu. Se ate agora comentaram-se os artistas que grosso modo, seguiram as passos de Militao Azevedo, no sentido de contaminar suas fotos corn o desejo de buscar uma identificacao maior corn o outro - ou de denunciar muitas vezes a impossibilidade dessa busca na atualidade seria importante nesse momento recordar os "herdeiros" de Valerio Vieira, ou seja, as artistas que, como ele, produziram acoes onde a relacao entre o artista e o instrumental que opera ganha formas de extrema sensualidade de fundo narcisico. Levada pela intencao de transcender suas acoes cotidianas, a poeta multimidia Lenora de Barros ha anos realiza trabalhos bastante singulares: seus poemas-performances. Em 1980, pot exemplo, Barros decidiu levar ate as altimas consequencias a intimidade que mantinha corn sua ferramenta de trabalho: a maquina de escrever. Sua lingua (orgao fundamental da fala) provava a maquina (instrumento fundamental para o registro da escritura, sucedaneo da fala), ate que esta se excita num paroxismo tenso e sensual. Poema e metafora da poesia, a seqilencia fotografica abre corn a boca excitada da poeta para finalizar corn o mecanismo excitado da maquina. Da confluen-

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A FOTOGRAFIA CONTAMINADA - TADEU CHIARELLI

A FOTOGRAFIA CONTAMINADA - TADELI CHIARELLI

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cia dessas duas excitacOes surge o poema de Lenora de Barros, surge toda a poesia. Pot sua vez, Hudnilson Jr. — cuja obra é pautada pela constituicao de um reperthrio visual e comportamental fortemente marcado por uma sensibilidade homoer6tica — realizou em 1981 a aqui:, "Xerox Action/Exercido de me ver", onde repete no piano da realidade o mito narcisista do auto-erotismo, um tema recorrente em sua producao. Fascinado pela prOpria imagem, Hudnilson Jr. envolve-se sensualmente corn a maquina fotocopiadora e, como resultado dessa agao (documentada por Afonso Roperto), encontra-se a si mesmo na superficie replena de tramas de seu corpo, reproduzida pela fotografia a seco. Se do encontro de Hudnilson corn a maquina emanam urn prazer e uma sensualidade muito especffica, a documentacao do proprio corpo que Marcia Xavier realiza, por sua vez, corn sua Polaroid, exala uma sensualidade dramatica e dolorosa. A artista, ma-

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nipulando sua maquina como um chicote, parece resgatar para a fotografia seu carAter mitico de arma capaz de arrancar e prender a alma do fotografado: neste caso, uma alma agredida pelas acaes de autopunicao e auto-sacrificio. Essa documentagao, articulada corn cera e parafina e colocada em caixas de metal, tende — como o trabalho dos outros artistas aqui apresentados — a retirar da imagem fotografica o carter banal que ela foi assumindo no cotidiano das pessoas nas iiiltimas decadas. Os autores dessas fotografias contaminadas — fundamentalmente performers, já que seus trabalhos esgarcam ao maxim° os limites entre arte e vida fazem parte de urn grupo major de fotOgrafos, poetas, pintores, masicos e gravadores dispersos no tempo e no espaco brasileiros, artistas comprometidos com a producao de uma arte alheia aos purismos dos canones mas sempre preocupada corn seu tempo e lugar.

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS A FOTOGRAFIA CONTAMINADA - TADEU (MARE ELI

Histciria, cultura periferica e a nova civilizasao da imagem PAULO VENANCIO FILHO urn pals relativamente novo e periferico, sem passado organizado e estruturado, o esforco perrnanente de construcao e reconstrucao hist6rica é sempre urn trabalho da atualidade. Quando anunciam que a hist6ria chegou a seu fim, é urn tanto desagradavel, senao desconfortavel, descobrir que nao comecamos isso que agora dizem que acabou. Sigo, entao, urn caminho coerente com nossa necessidade hist6rica e tambem, quern sabe, corn urn vicio pessoal. No Brasil devemos set como Proust: buscar e dar significado aos acontecimentos e as imagens perdidos e desarticulados no tempo. La Crise dell'arte conic scienza europea é a formula concisa com que Giulio Carlo Argan descreve uma situacao que se estende, me parece, sem resolucao ha 50 anos. E essa crise que dá origem a uma nova civilizacao da imagem, ainda em desenvolvimento, chegando a ponto de, hoje, nos levar a perguntarrnos se a prOpria realidade nao foi substituida pela imagem na forma daquilo que chamam de simulacro. quase 60 anos urn pensador alemao, Walter Benjamin, escreveu urn ensaio famoso, A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tecnica, em que afirmava que a reproducao tecnica, a fotografia e o cinema destmiam a "aura" da obra de arte, atingindo •

aquilo que ela tinha de singular, sua unicidade. A partir dal, o valor de culto do original estava ameacado. Ainda assim, entretanto, a existencia do original Unica era o que dava a garantia da reproducao. Benjamin nao viveu o suficiente para testemunhar as conseqfiancias extremas do fenomeno que foi urn dos primeiros a observar. Hoje nao é possivel imaginar urn original que nao tenha sido reproduzido — tal original nao existe. Ac mesmo tempo que aniquilou o valor cultural da obra, a reproducao tomou-se sua garantia pois, virtualmente, nao pode existir hoje uma obra sem sua reproducao. Corn a progressiva predominancia e a hegemonia cultural da imagem, da reproducao, a situacao inverteuse: esta Ultima passou a ser a garantia do original. E cada vez mais se caminha para uma civilizacao em que as reproducOes nao se referiam mais a nenhum original. Assim, a civilizacao da imagem parece oferecer curiosa conclusao ao mito platonic° da cavema: substituimos a realidade por um mundo de imagens criado per n6s mesmos; construimos corn a mais sofisticada tecnologia nossa propria caverna, nao mais envolta em sombras, mas incessantemente iluminada por imagens. Recentemente uma manifestacao da mais extrema violancia e destruicao, a Guer-


ra do Golfo, foi comandada e assistida pela televisao. Em outro texto, Benjamin afirma que, diante do horror da Primeira Guerra Mundial — horror que eles foram os primeiros a testemunhar os homens voltaram calados. 0 que, entao, dizer e contar sobre uma guerra pan a qual nao se precisa ir, que é feita praticamente a distancia, por meio de imagens? Essa Crise dell'arte comme scienza europea nao é fenOmeno restrito a Europa ou aos europeus, mas tambem nos afeta especialmente, n6s, nao-europeus, ou melhor, "paraeuropeus", na medida em que modifica e transforma nosso quadro de referencial da cultura, orientado pela norma "universal" europeia. Do ponto de vista de urn pals periforico, nao fora nem dentro, mas em algum lugar deslocado, instavel, precario, dependente, a margem da "scienza europea," essa crise modificou o quadro tradicional que deu origem a nossa cultura. Corn a transferencia, ap6s a Segunda Guerra Mundial, do poder cultural da Europa para a America tern inicio uma civilizagao da imagem em grande escala. Enquanto ainda nos adaptavamos as transformacoes modemas, nos acosturnavamos desajeitadamente a substituigao das linguagens tradicionais, mal adquiriamos familiaridade corn o novo instrumental visual, a ordem cultural, tambem visual, hegemOnica, já era outra. Urn tanto impotentes e sem escolha, assistiamos a substituigao do legado europeu, que se estendia desde a colonizacao, pelo capitalismo acelerado forteamericano. Desaparecia irremediavelmente a esperanca ainda edenica, dos tempos coloniais, do compromisso entre a radical transformacao economica e o letargico ambiente tropical da dominacao patriarcal. Nossas primeiras imagens modernas mantinham, ainda que transformadas pelas 430

linguagens modemas, as tragos do passado arcaico. Essas imagens dos anos zo mostram a reinvencao do ambiente tropical imaginado por modemos Indies cubistas — nao mais aqueles dos seculos 16 e 17, mas as do vertiginoso seculo zo devoradores criticos da cultura do colonizador. ml era o que propunham os manifestos de nossos primeiros modemistas. 0 Brasil parecia, entao, naturalmente destinado a modemidade; mais do que isso: essa era para nos uma necessidade. 0 passado colonial e'escravocrata, estitic° e imOvel, tinha sido urna fatalidade que as tempos e as conquistas modemas iriam remediar e corrigir. Tambem no piano da cultura e da arte. As vanguardas historicas, mediante suas proposigOes e, mesmo, suas contradicoes, ofereciam a resposta inaugural acs primOrdios de urn mundo que a imagem iria dominar. Elas tambem influenciaram a instauragao da modernidade em circunstancias adversas. As vanguardas deram-se conta de que urn novo fator vinha perturbar o mum do: a impermanencia. Mid° se tornara irremediavelmente impermanente: conhecimento, comunicacao, consumo, produgao; o prOprio homem tinha seu "eu" desestabilizado. Nas sociedades tradicionais, o aspecto exterior da impermanancia é o mais sensivel e traumatic°. 0 homem acostumado a imobilidade é ainda mais vulneravel, menos adaptavel e tambern mais susceptivel a impermanencia, que ultrapassa seus limites sensOrios habituais, assume aspecto quase supranatural, ao mesmo tempo, atraente e ameacador. Corn a predominancia dos aspectos impermanentes da vida, surge o gosto do provisorio, do inconstante. Nada mais pode permanecer estavel, permanente, eterno. Os traumas e os choques sensorios que a impermanencia produzia preparavam, de

certa forma, o aparelho sensorial para uma va de fato a partir dos anos 50. Nesse mocultura em que a imagem iria predominar. mento libertavamo-nos definitivamente dos A imagem moderna se constituia entao arcaismos, liquidavamos as 61timos vestigicorrio a problematica estruturacao visual da os da inercia colonial e nos posicionavamos em estreito contato corn as forgas transforimpermanencia. As posigees das vanguardas historicas madoras modemas. 0 pals industrializavatinham a vantagem de ser radicais, ate e se rapidamente, o processo de urbanizagao acelerava-se impondo a realidade das granprincipalmente em suas contradicees e indes cidades e dando fim ao secular pals rucoerencias. Nossa realidade cultural, entreral. Entende-se al a presenga decisiva do tanto, era bastante diversa do ambiente europeu, em que elas agiam destrutiva e ne- construtivismo no Brasil. Num pals que se gativamente. Nosso impulso moderno é modemizava, que assumia nova face, perceantes construtivo ou reconstrutivo que des- be-se a atragao por urn pensamento que tratrutivo, antes positivo que negativo. 0 pro- zia pan si nao 56 as pressupostos da racionalidade, mas que as pretendia estender ao prio passado era alga a ser construido e cornpreendido. Entre nOs tudo estava, e ainda horizonte social. 0 programa construtivo europeu encontrou no Brasil ambiente e este, para ser construido; sempre. Rid° parece ser provisOrio, instavel, in- sensibilidade singulares, bem como notatermitente. Entre vanguardas europeias e veis coerencia e persistencia. Se a arte revela alguma verdade profunmodemismo brasileiro, existe o elemento do escandalo. Nas sociedades atrasadas e con- da sabre urn povo, entao essa persistencia servadoras, o escandalo tern urn valor cul- construtiva demonstraria que nosso desejo tural que nao deve ser desprezado. Pode-se mais intimo, autentico e verdadeiro é o de dizer que o escandalo é o resultado trauma- sermos organizados, coerentes, racionais e nao desorganizados, incoerentes, irragiotic° de uma imagem que ainda nao se estabeleceu ou se instituiu; digamos que seja o nais. Essa seria nossa verdadeira imagem, estagio muscular de uma imagem inovado- que a arte projetaria. No limite extremo do projeto construtira, momento pre-visual da imagem, corn conseqiiencias ainda provisorias. Fato é que, vo brasileiro, já no final dos anos 6o e comehoje, o escandalo perdeu seu valor cultural, cos dos 7o, encontramos os oltimos trabae o dominio da impermanencia, anunciado lhos de Moho Oiticica e Lygia Clark, aos quais pelas vanguardas no inicio do seculo, pare- o critico brasileiro Mario Pedrosa, deu o áe ter-se completado irreversivelmente em nome de "exercicio experimental da liberdaescala planetaria. A experiencia do choque, de". A arte contemporanea brasileira surgia aquele escandalo intimo que modelava o desse quadro de experimentalism° libertifldneur baudelairiano na grande cidade mo- rio. Experimentalismo, para n6s, ern dais dema do inicio do seculo, transformou-se em sentidos. Primeiro no sentido da crise dell'arte inerte contemplacao das sombras na nova comrne scienza europea, crise da universalidacavema platonica construida pela civiliza- de da arte inaugurada pela pop, que colocava em cheque a ainda validade do cubismo gao da imagem. A modemidade brasileira é tardia, pos- coma determinante da experiencia plastica modema universal. Em outro sentido, expecivilizagao industrial europeia, e so se efeti-

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FOSTORIA, CULTURA PERIFERICA LA NOVA CIVILIZAcA0 DA IMAGEm - PAULO VENANCIO FILHO

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rimentavamos a vivencia dessa crise em ambiente periferico, corn sua complexidade e singularidade proprias. Esse quadro tinha como referencia as dltimas manifestacties de origem construtiva e as timidas tentativas locals de instauracao de uma arte pop. Numa sociedade pre-indastria cultural, carente de signos de amplo reconhecimento e persuasao social, a estrategia pop era estruturalmente problematica. 0 resultado s6 poderia ser imagens constrangidas, ambivalentes, timidas; imagens de um kitsch domestic° e provinciano. A escolha duchampiana do ready-made, que na America se transformava em apropriacao pop de imagens ja previamente eleitas pela sociedade de massas e de consumo, e exaustivamente colocadas em circulacao, era inviavel. Nao mfistia tal possibilidade nos paises perifericos. Dal a inviabilidade de uma pop local. As tentativas brasileiras nesse sentido, e outras tambern, encontravam essa limitacao; na impossibilidade de encontrar os signos e as imagens produzidos pela sociedade de massas, tentavam iconologizar o grotesco da recente sociedade urbana brasileira: seus sonhos, suas desilusees, suas ansias, suas injusticas e sua miseria. Dessa maneira ainda persistia urn residuo de afeto, inevitavel sentimentalismo, nada equivalente ao radical cinismo e a indiferenca das imagens pop que anunciavam o novo estagio da civilizacao da imagem. Creio que a arte contemporanea brasileira responde as circunstancias deixadas pela crise e pelos impasses do construtivismo, e pela inviabilidade de uma arte pop. Dal derivou singular atitude, que tomou do construtivismo nao o projeto de reforma do ambiente social ou a ortodoxia formal, mas aquilo que foi proposto pot Hello Oiticica e Lygia Clark no limite do neoconcretismo: um pensamento em expansao, uma forma social

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de agir, uma estrutura libertaria. Tambern uma acao do tipo duchampiano, pontual, estrategica e rigorosa, parecia adequar-se a forma critica de agir num ambiente ainda resistente e indiferente. Percebemos nas fulminantes e precisas intervengOes duchampianas a presenca de urn agir que nao se concluia na obra, mas continuava em sua insercao e presenca problematicas. 0 outro lado de Duchamp, o construtor de uma mitologia, para o bem ou pan o mal, tambern foi decisivo. Numa sociedade em que o estatuto da arte ainda é rarefeito e as marcas arfisticas desaparecem sem deixar tracos, cabe muitas vezes ao artista construir pan si uma historia, estabelecer referenciais para um dialog() produtivo, o que, quando se faz da mitologia urn mito pessoal, pode tambern gerar deformacees. Esse estruturar-se subjetivo decorre de uma falta objetiva, que é a rarefacao e fluidez cultural local; o "Brasil diarreia", de que falava Hello Oiticica. Essas duas vertentes determinaram, ate recentemente, em grande parte a producao contemporanea brasileira pos-construtiva. Na arte contemporanea brasileira encontramos urn conjunto que se poderia chamar de visioned°, coerente e rigoroso, flexivel, articulador dos gestos insignificantes do cotidiano as grandes estruturas sociais. Chamo de visionaria nao porque ela antecipa a nova realidade, mas porque vive intensamente a experiencia que aproxima os elementos de uma realidade ainda distante, mas cujas possibilidades já estao presentes. Seria urn eno buscar nesses trabalhos contemporaneos imagens ilustrativas, superficiais, ou simplesmente locais. Sao trabalhos que buscam menos a superffcie do que as for- gas, as tensoes, as relacoes que estao por nes dela. Dal o tema local nao estar em nenhuma representacao, forma ou imagem,

mas no processo de constituicao dos trabalhos. 0 tema local propriamente dito é a luta constante pelas possibilidades mesmas da arte em ambiente adverso. Dal resultaram obras necessariamente estranhas, dificeis, refratarias, incomunicaveis quase. Feitas com os materials mais improvaveis, surpreendentes, ineditos, impossfveis quase. Obras que podem ser tudo e nada ou os dois ao mesmo tempo. Agora, aqui, como em qualquer outra parte, procuravam manter a autonomia na esfera da arte e separar-se radicalmente das imagens do universo da mfdia e dos meios de comunicacao de massas, e corn isso tambem assumiam o risco da permissibilidade, em que tudo é possivel, mas tambem banal e gratuito. E percebiam que o teste da vanguarda, tal como aqueles provocados no inicio do seculo, esclarecedor confronto de mentalidades, nao era mais possivel num mundo contaminado pelo impudor e pela promiscuidade cultural que domina, de fora, todas as culturas. 0 mesmo mundo em que a manifestack) cultural individual 56 é autorizada a aparecer sob o signo inautentico e falseado da multiculturalidade. Hoje, ate mesmo e principalmente, a figura do artista aparece transformada. E no Brasil, como em todos os outros lugares, isso se percebe claramente. A nova civilizacao da imagem estabeleceu outra figura de artista. Como previu Argan, é raro encontrarmos

atualmente a figura tfpica do artista/intelec- . tualmode,risqbucavon a todo custo e que compreendia o sentido dessa busca. 0 artista desses tempos ditos pos-modemos, sem distincao de origem ou nacionalidade, parece resumir-se a urn operador e tecnico das imagens. Tal como seu equivalente na esfera da economia, que opera num mundo globalizado economicamente, atuando em varios lugares ao mesmo tempo e nao se situando em nenhum deles, o addsta procura encontrar conexoes e ligagoes entre as imagens, negando-lhes qualquer valor cognitivo, atribuindo-lhes o coeficiente de persuasao banal da midia, sem se comprometer efetivamente corn nenhuma delas e abdicando assim da sua responsabilidade cultural. Toma-se, dessa maneira, urn agente de sistema, e Mao um criador, renovador ou transformador. E, se ele se utiliza ainda dos meios tecnicos tradicionais, é simplesmente devido ao prestigio cultural que des ainda mantem. Prestigio, entretanto, impotente para se opor a voracidade das imagens do mundo atual, oride diariamente circulam imagens sem historia, sem origens, sem identidade, incessantemente. Esse fenOmeno se verifica em todas as culturas, sem excecao. Em tal mundo, a Arte, que sempre deteve lugar privilegiado no sistema visual da civilizacao ocidental, encontra-se agora em desvantagem, a beira da nova civilizacao da imagem.

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A fotografia sob o impacto dá eletronica ARLINDO MACHADO advento recente da fotografia ele tronica (a fotografia que é registra da diretamente em suporte magnetico ou optic° e mais comumente conhecida como still video), bem como dos Mameros recursos informatizados de conservacao e armazenamento de fotos (como o Photo-CD da Kodak), ou ainda dos dispositivos de processamento digital da fotografia (como as maquinas da empresa Scitex Corporation ou programas de computador tais como Photoshop ou PhotoStyler), ou mesmo dos recurSOS de modelacao direta da imagem no computador, sem auxilio de Camara, tudo isso tern causado o major impacto sobre o conceito tradicional de fotografia e promete daqui para a frente introduzir mudancas substanciais tanto na pratica quanto no consumo de imagens fotograficas em todas as esferas de utilizacao. A hegemonia dessas novas imagens é facil de ser verificadas. Basta observar o crescimento vertiginoso das telas eletreinicas ao nosso redor. Em casa, no trabalho, nas escolas, nas empresas, nos bares, nos estadios, nos aeroportos, nos metros, nas ruas, nos hospitais, aonde quer pie se vá, ha sempre urn (cu varios) monitor(es) ligado(s), espalhando para todos os quadrantes uma imagem granulosa, mosaicada, estilizada,

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transtacida e flamejante, que apenas remotamente pode ser associada a imagem muito mais definida, mais consistente e mais homoganea da fotografia. E mesmo nos meios impressos, como jornais e revistas de massa, já nos estamos acostumando a conviver corn um certo tipo de imagem que, apesar de muitas vezes lembrar estreitamente a familiar imagem fotografica, pode ja nao ter sido captada por uma camara ou, se o foi, pode estar de tal forma alterada que nao guarda mais que palidos tracos de seu registro original em pelicula. A fotografia eletronica, ou o tratamento eletremico da fotografia, ou a simulacao da fotografia por meio de recursos digitais, tudo isso ja sao hoje fatos consumados. Muitos fot6grafos poderao simplesmente ignorar tal assedio, muitos deverao mesmo resistir heroicamente e persistir ate o fim da vida buscando o "momento decisivo" das coisas que se oferecem a camara. Mas o problema - se e que se trata de procurar problemas - é que essas novas praticas Cu esses novos fen8menos encontram-se hoje tao estreitamente inseridos, misturados, permeados nas praticas fotograficas convencionais, que se torna cada vez mais dificil saber o que é ainda especificamente foto-grafia, ou seja, registro da luz sobre uma pelicula revestida quimi-


camente e o que 6, pot; outro lado, metamorna fotografia, a masica que se ouve num dislose, Cu seja, converse° dos graos fotoquimico nao é mais, em grande pane das vezes, o cos em unidades de cor e brilho, matematiregistro da performance de urn instrumentisc amente controlaveis, as quais damos o ta, mas o resultado de um trabalho de edinome de pixels. Uma vez que hoje se pode cao de sons eletronicamente gerados. Ate tanto converter imagens fotograficas em mesmo o velho e tradicional livro impresso, eletrOnicas, quanto eletranicas em fotograque remonta ao tempo da imprensa de Guficas, sem que nessas passagens permanetenberg, no seculo XV, esta sendo rapidaca nenhuma marca do seu estado anterior, mente substituido pelo livro eletronico, disvive-se hoje uma situacao de indiferenciactio tribuido em disquetes, discos CD-ROM ou entre os meios, situacao essa que é contagidiretamente atraves de cabos telef8nicos e ante e ameaca ate mesmo o mais singelo redes de fibras 6ticas. dos flagrantes. A fotografia neo vive, portant°, uma siA situacao vivida hoje no universo da fotuna° especial, nem particular: ela apenas tografia nao é muito diferente da situacao vicorrobora urn movimento major, que se cla vida, por exemplo, no cinema, que ye o viem todas as esferas da cultura, e que podedeo e a informatica penetrarem como urn riamos caracterizar resumidamente como rob o compressor em seus processos signifisendo um processo implacivel de "pixelizacantes, tomando o controle de todas as etacao" (converse° em informagao eletrOnica) e pas de elaboracao do filme. Modemamente, de informatizacao de todos as sistemas de no cinema, a ediceo já este toda informatiexpressao, de todos os meios de comunicazada, a filmagem é assistida pot video, quancao do homem contemporaneo. A tela modo neo é gravada diretamente em meio saicada do monitor representa hoje o local magnetic°, a maioria dos efeitos de p6s-prode convergencia de todos os novos saberes duce° sao gerados eletronicamente e ate e das sensibilidades emergentes que perfamesmo o roteiro e o storyboard sao editados zem o panorama da visualidade (e tambem em microcomputadores. A propria linguada musicalidade, da verbalidade) deste final gem do cinema é hoje uma derivacao da linde seculo. Esse fenOmeno surge, evidenteguagem da televise°, uma vez que o filme mente, arrastando atras de si urn ntimero deve set pensado e produzido levando-se incalculavel de conseqiiencias, desencadeem consideracao a sua funcionalidade na ando problemas de toda ordem e sao justatela pequena, quando ele for distribuido em mente essas derivacoes que nos devem ocufitas de videocassete ou nos canais de telepar daqui para a frente. Mas seria urn equivise°. Na area da musica, a situacao nao é voco descomunal olhar para tudo isso como muito diferente: os sons dos instmmentos se estivessemos diante de uma catastrofe, sao "samplerizados" (construidos por amoscomo se as telas eletr8nicas, ao se multiplitras) ou sintetizados eletronicamente, ao carem ao nosso redor, estivessem tambem passo que as pecas musicals nao consistem anunciando a chegada do Apocalipse. A nova em outra coisa que uma ediceo desses sons situacao criada pelo advento dos meios elenuma tela de computador, pot meio de se- tremicos e digitais oferece uma boa ocasiao qiienciadores especificamente para esse fim. para se repensar a fotografia e o seu desti0 que quer dizer que, tal como ocorre agora no, para colocar em questa° boa parte de 436

seus mitos ou de seus pressupostos e, sobretudo, para redefinir estrategias de intervengao capazes de fazer desabrochar na fotografia uma fertilidade nova, de mode a recolocar o seu papel no milenio que se aproxima. Realism° em crise A conseqiiencia mais 6bvia e mais alardeada da hegemonia da eletrOnica é a perda do valor da fotografia como documento, coma evidencia, como atestado de uma preexistencia da coisa fotografada, ou como drbitro da verdade. A crenca mais ou menos generalizada de que a cemara nao mente e de que a fotografia 6, antes de qualquer outra coisa, o resultado do imaculado de urn registro dos raios de luz refietidos pelos seres e objetos do mundo, enfim, toda essa mitologia a que a fotografia tern sido associada desde as suas origens, tudo isso esta fadado a desaparecer rapidamente. No tempo da manipulacao digital das imagens, a fotografia nao difere mais da pintura, nab esta mais isenta de subjetividade e nao pode atestar mais a existencia de coisa alguma. Qualquer imagem fotografica pode ser profundamente alterada, alguns de seus elementos podem ser importados de outras imagens, o nariz de urn modelo pode set alongado cu reduzido e ate mesmo trocado corn o de outra figura, rugas ou excesso de gorduras podem ser eliminados dos corpos fotografados, a posicao dos objetos no quadro pode ser alterada para possibilitar urn novo enquadramento, ate mesmo erros de foco, de mensuracao da luz ou de velocidade de obturacao podem ser corrigidos na tela do computador. 0 conceito de ediccio da fotografia se amplia e compreende hoje nao apenas o trabalho de recorte do quadro e a sua insercao na pagina de uma revista, mas tambem a manipulacao dos elementos constitutivos

da propria imagem, ate mesmo no nivel do grao mais elementar de informagao: o pixel. Certamente já se manipulava a foto em outros tempos e a hist6ria da fotografia esta repleta de exemplos de alteracao a informacao luminosa impressa no negativo para fins publicitarios, politicos ou ate mesmo esteticos. Em 1986, o jomalista Alain Jaubert organizou em Paris uma exposicao denominada As Fotos que Falsificaram a Historia, onde foram expostas quase uma centena de fotos "hist6ricas" reconhecidamente adulteradas atraves de retoque ou colagem, como a celebre imagem de Lenin na tribuna (em 1920) de onde "11-6tsld foi eliminado, o famoso enterm de Mao Tse-Ring (1976) de onde foram apagadas as figuras da Camarilha dos Quaho, e o retrato de Fidel Castro tomado no Chile em 1971, de que o lider cubano mandou suprimir a figura do General Pinochet, que posava ao seu lado. Mas a manipulaceo fotografica que se fazia em outros tempos era grosseira e podia ser facilmente descoberta corn urn simples exame atraves de microsc6pio. Hoje é extremamenie dificil (sena° impossivel) saber se houve algum tipo de manipulagao numa foto, pois o processamento digital, uma vez realizado numa resolucao mais fina que a do proprio grao fotografico, nao deixa marca alguma da intervencao. Uma vez que agora se pode fazer qualquer tipo de alteracao do registro fotografico e corn urn grau de realismo que torna a manipulacao impossivel de ser verificada, a conclusao legica é que, no limite, todas as fotos sao suspeitas e, tambem no limite, nenhuma foto pode legal ou jornalisticamente provar coisa alguma. A foto perde o seu poder de produzir verosssimilhanca e, como tal, e bem provavel que dentro de mais algum tempo ela seja excluida ate mesmo de nossos documentos de identidade.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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A FOTOGRAFIA SOB 0 IMPACTO DA ELETRONICA ARLINDO MACHADO

A FOTOGRARA SOB 0 IMPACTO DA ELETRONICA - ARLINDO MACHADO

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Alem da impossibilidade de verificar que nunca e, por oulat lado, o movimento de qualquer modificagao do registro original, é resistencia as mudangas tambem tern-se preciso tambem constatar a relativa trivia- mostrado muito forte, dele derivando, como lidade corn que esse processo se di na pra- subproduto, o retorno de uma atitude de tica habitual da fotografia. Os recursos pan fetichism° em relagao a fotografia classica se editar digitalmente uma foto estao cada de base fotoquimica. 0 intelectual nortevez mais ao alcance de qualquer empresa americano John Berger já observou, por "editora, de qualquer fot6grafo profissional e exemplo, que, durante a Guerra do Golfo ate mesmo do cidadao comum, uma vez que Persico, muitos jomais e revistas de seu pals as camaras eletronicas de baixo custo e des- alteraram muito sutilmente a imagem de tinadas ao pfiblico amador já sao vendidas Saddam Hussein, produzindo urn estreitaacompanhadas de programas de edigao de mento mais acentuado de seu rosto e de seu imagem. A rapida expansao da fotografia bigode para forgar uma semelhanga corn a eletr8nica e do pensamento digital da foto- fisionomia de Adolf Hitler.' Mas é verdade grafia nos faz crer que grande pane da ima- tambem que, na mesma guerra, a quase inegens que consumimos hoje nas revistas ilus- xistencia de imagens do conflito, ou, quantradas sao imagens editadas no seu pr6prio do existentes, a indicagao explicita das foncontend° imagetico. A tarefa do fotografo tes fomecedoras (corn a sugestao implicita convencional se reduz cada vez mais a do da autoridade censora), bem como ainda as • colhedor de imagens, entendida como tal imagens de simulagao de batalhas atraves a atividade do mero fornecedor de um a de recursos estilizados de computagao gramateria-prima que devera ser depois manu- fica, tudo isso tomou evidente a urn public° faturada em estagaes graficas computado- estupefato que a notfcia (e corn ela a "verrizadas. Os limites entre a fotografia como dade") é uma construgao, é um discurso, suregistro da luz e a iconografia dos meios de jeito, como qualquer outro discurso, a intencomunicacao tornam-se imprecisos, na cionalidade da fonte emissora. medida em que o registro é tornado e exploNos cfrculos de especialistas, já é lugarrado no que tem de potencial grafico, na me- comum dizer que o universo d a imagem dida em que o resultado buscado e mais plc- vive hoje a sua fase pos-fotogrdfica, querentone° do que fotografico e na medida ainda do-se dizer corn isso uma fase em que a em que a questa° da fidelidade ao mundo imagem — e sobretudo a imagem tecnicavisivel mostra cada vez menos pertinencia. mente produzida — libera-se finalmente do Uma avaliacao madura do momento vi- seu referente, do seu modelo, ou daquilo vido hoje pela fotografia muito dificil de ser que n6s chamamos urn tanto impropriaprocedida, justamente porque vivemos urn mente de a "realidade". 0 que marca de formomento de transigao e as mudancas ainda ma mais aguda esta fase é uma lenta, mas nao tomaram corpo corn a devida enfase. 0 inexoravel, mudanca dos habitos perceptipalico ainda nao esta inteiramente cons- vos do public° em relagao a uma, digamos ciente das mudangas radicais que se proces- assim, ontologia da imagem fotografica. A sam no interior das imagens que ele consome convivencia diaria corn a televisao e corn os cotidianamente, o perigo de uma utilizagao meios eletrOnicos em geral vem mudando pet-versa da fotografia é mais iminente do substancialmente a maneira como o espec438

tador se relaciona corn as imagens tecnicas e isso tern conseqiiencias diretas na abordagem da fotografia. A tela de baixa resolugao e sem profundidade da imagem eletronica fragmenta e emoldura de forma implacavel o espago visivel, toma sensivel a textura granulosa do mosaico videografico e se oferece a todas as interferencias e manipulagiies. Mais que isso: a imagem eletr8nica se mostra ao espectador nao mais como urn atestado da existencia previa das coisas visiveis, mas explicitamente como uma produglio do visivel, como urn efeito de mediagilo. A imagem se oferece agora como urn "texto" para ser decifrado ou "lido" pelo espectador e nao mais como paisagem a ser contemplada. Isso nao quer dizer que as imagens contemporaneas sejam indiferentes a realidade, como querem fazer crer certos profetas do Apocalipse, mas que o acesso a esta ültirna é agora mais mediado e menos inocente. Atribuir urn carter perverso ao efeito de opacidade produzido pela imagem eletranica, ou pior ainda, inculpar esta intima de uma pretensa "desrealizacao" do mundo visivel, como fazem certos fil6sofos da p6smodernidade, implica, na verdade, urn retom° a urn discurso platOnico sobre a imagem, urn discurso que nao consegue pensar a imagem fora de sua fungao indicial mais elementar e que nao admite qualquer outro destino para as imagens fora dos limites estreitos da mimese. Mas a manipulagao eletronica nao chega propriamente a representar uma novidade no universo das artes visuais, uma vez que o que ela faz é simplesmente repetir, so que agora em nivel de massa e do automatismo tecnico, o mesmo processo de iconizagdo da representagao visual já vivido pela arte modema a partir do impressionismo, do cubismo e da arta abstrata.

A conclusao provisoria que podemos arriscar extrair dos dados corn os quais podemos contar hoje é mais ou menos a seguinte: por mais predat6ria que seja a intervengao da eletranica no terreno da fotografia, ela produz tambern alguns resultados positivos a medio prazo, que poderiamos caracterizar como sendo, de um lado, a incrementagao dos recursos expressivos da fotografia e, de outro e principalmente, a demoligao definitiva e possivelmente irreversivel do mito da objetividade fotografica, sobre a qual se fundam as teorias ingenuas da fotografia como signo da verdade ou como reprodugao do real. Na verdade, todos as especialistas que se atiraram seriamente a tarefa de examinar o modo de funcionamento da fotografia como um sistema de expressao já deixaram patentes as convencOes do c6digo fotografico de representacao e a arbitrariedade dos seus varios elementos expressivos, como o enquadramento, a iluminagao, a disposigao das zonas de cinzas, a determinacao do ponto de foco, a velocidade de obturacao, a resolucao da perspectiva por Cada tipo de lente, a densidade da emulsao de registro, o balanceamento das cores etc. 0 pr6prio autor deste texto que o leitor tern nas maos fez editar, em 1984, o livro A Ilusdo Especular,2 onde fundamentalmente procurou demonstrar como a fotografia exprime seus enunciados na forma de textos imageticos que sac sempre e necessariamente intencionais, interpretativos e subjetivos, como ocorre alias em qualquer outro tipo de texto. A ideia esdrincula, difundida nos anos quarenta por Andre Bazin,3 de que a fotografia pertence ao dominio nao da cultura, mas das ciencias naturais, porque é a pr6pria "realidade" que se imprime a si mesma na pelicula, nao suporta sequer a mais elementar das verificagoes.

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Pois bem, o que faz hoje a eletronica no terreno da fotografia é tornar sensivel, Cu ate mesmo ostensivo, aquilo que todo estudioso da fotografia e todo fotografo devidamente conhecedor do seu meio já sabiam desde as origens da fotografia, ou seja, que fotografar significa, antes de qualquer outra coisa, construir um enunciado a partir dos meios oferecidos pelo sistema expressivo invocado e isso nao tern nada a ver corn reprodugao do real. Se hoje a eletronica amplia o leque de ferramentas de que pode se servir o fot6grafo, se ela lhe di major poder de controle sobre suas imagens e Ihe possibilita intervir ate mesmo sobre as unidades mais elementares do quadro para construir suas ideas visuais, tanto melhor para a fotografia, mesmo que essa nova atividade nem venha mais a se chamar fotografia no futuro. Conforme já observou Fred Ritchin,4 "o potencial expressivo dafotografia nao podera ser adequadamente fixado e avaliado enquanto a questa° da suafacil conexao corn a realidade nolo for superada". A eletronica forca hoje a fotografia a viver a sua hora da verdade e a livrar-se das convencoes e das ideias preconcebidas que entravam o seu pleno desenvolvimento como arte e como meio de comunicacao. A medida que o public° for acostumando-se as imagens digitalmente alteradas, a medida que essas alteragoes se tornarem cada vez mais visiveis e sensiveis, tambem como uma nova forma estetica, e que os pr6prios instrumentos dessas alteracees estiverem ao alcance de urn numero cada vez major de pessoas, ate mesmo para manipulagao domestica, o mito da objetividade e da veracidade da imagem fotografica desaparecera da ideologia coletiva e sera substituido pela ideia muito mais saudavel da imagem como construgao e como discurso visual. 440

Uma estetica da metamorfose Uma vez que se encontra sujeita a todas as transformacOes, a todas as distorcees e anamorfoses, a imagem fotografica, sob a egide da eletronica, converte-se agora no meio por excelencia da metamorfose. Pode-se . nela intervir infinitamente, subverter os seus valores cromaticos ou os seus niveis de luminancia, recortar suas figuras e inseri-las umas dentro das outras, gerando paisagens hibridas e ex6ticas, a meio caminho entre o surrealismo e a abstragao. Corn os modemos recursos de pos-producao, sobretudo os que permitem a manipulacao digital, pode-se silhuetar as figuras, linearizi-las, preenchelas corn massas de cores, alonge-las, comprimi-las, torce-las, multiplica-las ao infinito, submete-las a toda sone de suplicios, para depois restitui-las novamente e, se for o caso, devolve-las ao estado de realismo especular. Diferentemente das imagens fotograficas convencionais, rigidas e resistentes em sua fatalidade figurativa, a imagem eletronica resulta muito mais elastica, diluivel e manipullvel como uma massa de moldar. Determinados algoritmos de computacao grifica especificos para a manipulagao da imagem fotografica permitem hoje intervir sobre as figuras e distorce-las de todas as formas, sem que verdadeiramente haja limites para esse gesto desconstrutivo. Na analise desse fen8meno, o critic° Fred Ritchins chegou mesmo a langar o conceito de hiperfotografia, a fotografia que e modificada nao pela Ka° de paletas graficas, mas pela aplicacao direta de leis da fisica ou da biologia. Imagine-se a foto de urn predio de quarenta andares sacudido por um vento hipotetico a 600 milhas par hora, velocidade duas vezes superior ao recorde ja verificado na superficie da Terra. Aplicando equagoes matematicas e leis fisicas de resistencia dos ma-

teriais a uma foto convencional de urn edifi : cio,pde-srnauxl comptdor, alterar a foto original de forma a visualizar o que poderia acontecer corn o edificio sob a acao de tais ventos. Corn essa tecnica, a fot6grafa norte-americana Nancy Burson produziu urn famoso retrato do que seria urn Big Brother de nosso tempo, misturando os tragos fisionemicos dos presidentes e primeiros-ministros dos paises detentores de poder nuclear, na exata proporgao do ninnero de ogivas de cada pals. A mesma fot6grafa conseguiu tambem desenvolver um algoritmo capaz de "envelhecer" ou "rejuvenescer" imagens fotograficas, de modo a possibilitar saber como seremos daqui a vinte anos, ou como ficard uma estrela do cinema contemporaneo quando lhe vierem as rugas ou qual deve set a face atual de urn criminoso nazista foragido. 6 Esteticas par excelencia da metamorfose, o still video e a fotografia processada em computador autorizam as manipulacc5es mais transgressivas e as interferencias mais desarticuladoras sobre o registro bruto efetuado pelas camaras. Nao por acaso, essas suas caracteristicas anamorficas estao possibilitando a fotografia retomar o espirito demolidor e desconstrutivo das vang-uardas historicas do comeco do seculo e aprofundar o trabalho de rompimento corn as canones pictoricos herdados do Renascimento. Nao nos esquegamos de que a fotografia, no secub passado, representou um dos baluartes de resistencia das forgas conservadoras contra a arte modema, sua contemporanea, na medida em que aquela perpetuava urn modelo de representagao que esta Ultima se encontrava justamente pondo em questa°. Nesse sentido, pode-se falar hoje, e corn uma certa pertinencia, em uma reconciliagao com a pintura, uma vez que a imagem eletronica

permite a fotografia recuperar a visualidade da arte contemporanea. Os trabalhos recentes na area da fotografia eletronica e da manipulagao digital de fotos e mesmo da modelacao direta por cornputador apontam hoje para a possibilidade de uma nova "gramatica" dos meios imageticos, afinada corn a "gramatica" das artes plasticas atuais, e tambem para a necessidade de novas parametros de leitura par parte do sujeito receptor. 0 quadro que delimita a imagem (e que pode ser a tela de urn monitor) toma-se agora urn espaco topografico onde os diversos elementos imageticos vem inscrever-se. Do espaco isotopic° da figuragao clissica, baseado na continuidade e na homogeneidade dos elementos representados, baseado na convergencia de todos os elementos em tom° de urn ponto de fuga, passamos agora ao espago em que os elementos constitutivos do quadro mlgram de diferentes contextos espaciais e temporais e se encaixam, se encavalam, se sobrepoem uns sabre os outros em configuragOes hibridas. 0 mundo pasSa a ser visto e representado coma uma trama de relacoes de uma complexidade inextricavel, em que cada instante esti marcado pela presenga simultanea de elementos os mais heterogeneos e tudo isso ocorre num movimento vertiginoso, que toma mutantes e escorregadios todos as eventos, todos os contextos, todas as operagOes. Fluidas, ruidosas, escorregadias e infinitamente manipulaveis, a imagem eletronica e a fotografia processada digitalmente nao autorizam mais urn tratamento no nivel da mera referencialidade, no nivel do registro documental puro e simples. 0 efeito de real nao se di nelas corn a mesma transparencia e inocencia corn que ocorre na fotografia convencional ou no cinema. Pelas

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A FOTOGRAFIA SOB 0 IMPACTO DA ELETRONICA - ARLINDO MACHADO

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suas proprias caracterfsticas, os meios elepoeticas fotograficas mostra-se ainda muito trOnicos se prestam muito pouco a uma aquem das proprias possibilidades prometiutilizagdo naturalista, a uma utilizacao das pelos dispositivos tecnicos, para nao se meramente homologatoria do "real". Pelo falar de uma transgressao, de uma superagao contrario, se a "realidade" comparece em dessas proprias possibilidades, que seria o alguma instancia nessas atividades, ela se mais desejavel. Na atual fase de transicao (la como decorrencia de urn trabalho de "esvivida pela fotografia, nao é nada surpreencritura". As anamorfoses e dissoluceies de fidente que muitos dos trabalhos produzidos guras, os imbricamentos de imagens umas corn os novos meios nao consigam ainda sunas outras, os efeitos de edicao ou de collage., perar a atitude do mero deslumbramento os jogos das metaforas e das metonfmias, corn as possibilidades da tecnologia. Nao nos a sintese direta da imagem no computador enganemos, porem, supondo que tudo nao nao sao meros artiflcios de valor decoratipassa de modismo passageiro ou, pior ainda, vo; eles constituem, antes, os elementos de que nada disso pode afetar substancialmenarticulacao do quadro fotografico como urn te a velha e boa fotografia produzida atraves sistema de expressao. Dentre todas as imade uma cam ara e registrada em pelicula gens figurativas, a imagem eletronica é a fotoqufmica. Os novos meios, os novos propie menos manifesta vocacao para o docucedimentos, a nova estetica, tudo isso veio mento ou para o "realismo" fotografico, impan ficar. Eles ampliarao cada vez mais o seu pondo-se, em contrapartida, como interleque de influencias, tomarao boa pane dos vened° grafica, conceitual ou, se quiserem, espacos hoje ocupados pela fotografia tradi"escritural": ela pressup5e uma arte da recional e poderao mesmo vir a provocar uma lagao, do sentido e nao simplesmente do revolucao no conceito de fotografia, a mediolhar ou da ilusao. da que inteligencias e sensibilidades cada vez Isso tudo nao implica evidentemente aumais sOlidas passarem a se ocupar deles em torizar todo e qualquer trabalho produzido intensidade e profundidade. 0 trabalho recorn recursos eletronicos ou digitais. Boa parcente do fotografo brasileiro Carlos Fadon Vite do que se ye hoje no terreno das novas cente é a melhor demonstracao disso.

Notas 1. Self, Adrian. "Altered Images". Computer Shopper, London, n° 61, march 1 993, p. 416. 2. Sao Paulo: Brasiliense, 1984. 3. Bazin, Andre. "On tologie de l'image photographique". Qu'est-ce que le cinema? Paris: Cerf, vol. I, 1958, p. i s. 4. Ritchin, Fred. Our Own Image: the Coming Revolution in Photography. New York: Aperture, 1990, p. 7.

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gine elettronica". Cinema Nuevo. Firenze, anno 37, n° 4/5, juglio/ottobre 1988, p. 44.

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5. Ibidem, p. 133, 6. Kleiner, Art. "New Faces". Aperture. New York, n° 106, Spring 1987, p. 72. 7. Weibel, Peter."L'estetica della sparizione nell' imm a-

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0 deserto das paixoes e a alma tecnologica DIANA DOMINGUES _..

I

cenario contemporaneo é um deserto de paixOes e urn excitante mundo virtual das memorias eletr8nicas. Nossa consciencia experiencia uma ruptura do excesso numa situacao dialetica: o cheio e o vazio simultaneamente. Eu estou retomando a metafora contemporanea do desertoi.que resulta da morte das ideologias neste mundo onde as paixees politicas, pirblicas e privadas perderam sua forea dramatica.2 Mas, no desert°, nos tambem temos experiencias iniciaticas. Na mesma direcao, ao conectar mundos virtuais, vivemos o vazio do real e as multiplas opeoes dos dados. Interagindo, o objeto de nossa paixao esta em deslocamento. Partilhamos desejos, crencas e valores. Cultivamos o espfrito humano durante conexOes efemeras em urn contexto fluido. 0 sentimento p6s-biolOgico é uma simbiose da vida artificial e natural. As tecnologias interativas sac corpos sinteticos que sentem em nosso lugar e nos sentimos diferentemente corn elas. Quando estamos conectados por interfaces, o sangue tern a mesma importancia que a corrente eletrica. "0 homem exaurido este recebendo uma alma tecnologica".3 As mem6rias eletronicas oferecem uma existencia exterior corn propagac5es do eu no interior de circuitos eletthnicos. Os limites entre exterioridade e interio-

ridade ficam abalados. As memories extemas nos transformam em seres potenciais para existir fora de nos mesmos. Entretanto, os atos de ler, escrever, gravar e conectar nao sao somente a expressao de nossa subjetividade. E uma maneira de nos perdermos a n6s mesmos. Conectados nos estamos em estados de passagem, num transito4 de alguma coisa para outra coisa estranha e diferente. 0 real este neste intervalo, em uma instancia eliptica. Esta é uma experiencia enigmatica de TRANS-E. Como artista, em minha recente serie de trabalhos "TRANS-E",5 exploro as interacOes do corpo corn as tecnologias. Ofereco instalags:5es interativas para as pessoas experimen tarem propagacoes de consciencia numa simbiose da vida organica e inorganica. As instalacoes interativas sao "ambientes vivos" que respondem a participacao das pessoas numa experiencia sensfvel mediada por tecnologias. Interfaces e circuitos eletronicos recebem e transmitem dados, e o corpo imerso nestes ambientes sensorizados tern seus sentidos digitalizados. Assim o corpo, como nosso aparato sensorial, experimenta urn circuito de trompe les sens pelas varies conexoes dos sentidos e as possibilidades do sistema corn o qual interage. Minhas instalacoes interativas sao ambientes


sensorizados para a aquisicao e comunicacao de dados onde interfaces. eletrOnicas, redes neurais ou outro tipo de sistema de programacao tern comportamentos inteligentes ao receber e gerenciar sinais emitidos pelo corpo. As redes neurais tentam simular o sistema neurologico humano. Mesmo que ainda sendo bastante simplificadas, podem lidar corn problemas nao-lineares por meio de algo ritmos. A rede reconhece alguns padrOes e interpreta sinais dos sistemas biologicos e as traduz em paradigmas computacionais. A realizacao do trabalho exige intensa colaboracao entre artistes, cientistas e tecnicos das ciencias da computagao e da automatizacdo industria1. 6 Nessa relagao compartilhada, definimos o comportamento dos sistemas. E fascinante poder capturar forces invisiveis e controlar fenomenos fisicos quando se define a "vide" dos ambientes. Nessa direcao, meus mais recentes trabalhos tern pontos sensorizados que capturam e enviam as sinais do corpo ao cornputador, o qual define as seqfiencias que vao -aparecer na sale. As redes neurais, programace° computacional que gerencia as imagens e sons guardados nas memories, decidem quando e quais imagens mudam, pois elas interpretam a acao dos participantes em sues idas e vindas na sala. Poeticamente, as instalagOes prop5em urn espaco onde as pessoas podem ter "alucinacoes virtuais" mediadas por tecnologias. As respostas do sistema nos colocam em limites sensoriais que nao podemos experimenter sem as tecnologias. Os sistemas interativos estao aumentando nosso campo de percepgao. Corn as visOes que recebemos na instalagao, experimentamos estados modificados de consciencia guiados pelas tecnologias digitais que eu chamo de "trans-e eletronico". 444

Atraves de sistemas interativos, oferego transes eletronicos num espago que simula uma caverna,7 ou numa sale escura corn imagens luminosas que surgem nas paredes. Diz-se que nas sociedades primitives as pinturas das paredes sao trabalhos feitos por xamas cujos estados alterados de consciencia lhes conferem poderes para se comunicar corn o alem e intervir no mundo real porque podem dialogar corn os espiritos. Da mesma maneira, na instalagao TRANS-E: meu corpo, meu sangue, 8 o corpo conectado a interfaces se desloca no espago sensorizado e experimenta urn ambiente imersivo onde o corpo inteiro este em dialog° corn as memerias eletrenicas do computador, determinando a vide do ambiente. Na instalacao, tento simular transes eletranicos atraves de sistemas interativos que nos conferem poderes xamanicos pois nos colocam em dialog° corn dados invisfveis de memerias computadorizadas. As trocas corn o sistema devolvem-nos respostas em tempo real. Crio instalagOes onde as pessoas podem ter "vis5es" alem do real, recebendo poderes xamanicos das tecnologias interativas que Ihes permitem modificar a pedra da parede virtual de uma cavema corn imagens projetadas e em constante mutacao. Segundo teorias de estudiosos, 9 he lugares especificos onde o xama experimenta transes, e um desses lugares é a cavema onde ele se encontra corn os espiritos. Isto porque o xama acredita que a pedra tern urn poder especial. Para o xama, as paredes das cavernas estao vivas e agem como urn veu entre o mundo real e o mundo dos espiritos. Durante os estados de transe, as xamas tern seqiiencias de visoes que brotam da pedra. Suas viseies sao como imagens iluminadas que surgem nas paredes. Os xamas, quando estao falando corn os espfritos, intervem no

mundo real e as visOes sac) materializadas atraves de desenhos.Tais desenhos, por sua vez, vao estimulando o recebimento de outras visoes. Assim, de maneira semelhante aos xamas, os participantes da instalacao tern a possibilidade de intervir fisicamente nas imagens gerando outras imagens diferentes em tempo real, o que modifica o ambiente. Ao trocar as imagens a partir do poder recebido das tecnologias eletrOnicas que permitem acessar o banco de imagens guarded° no computador, o participante dialoga " das memori es invisiveis do corn o "alem sistema. Imagens diferentes vac) aparecendo em tempo real durante as interacoes e vao dando vide ao ambiente. Na instalagao, as tecnologias interativas materializam as dados invisiveis em conexfies efemeras. Conectados, os participantes tern visoes onde o real-virtual este em estado de emergencia e podem entrar ern mundos irreais e visionarios. Afirma-se que os xamas usam seus poderes para libertar as outros de enfermidades, trazer chuva e, principalmente, para estabelecer a harmonia do grupo. Em minha instalacao, estimulo'comportamentos psiquicos atraves das tecnologias digitais que permitem distanciarmo-nos do mundo real. Ofereco o espaco da arte para que se conecte a - energia psiquica durante propagacoes de consciencia nas quais novas identidades podem emergir. Ti-es situagOes diferentes e simultaneas sao geradas pela ace° dos corpos em tempo real. As imagens mudam, urn liquid° vermelho se mexe dentro de uma bacia como uma oferenda a vide e o som das betides de urn coracao se altera. No fundo da sala, uma parede curve iluminada mostra metamorfoses em inscricoes rupestres da Pedra do Inge, no Norte do Brasil. A instalacao é dividida em nes situagoes para simu-

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lar tres fases diferentes do transe de urn xama. Abordagens tee:Incas referentes as tres fases informam que o xama pode experimentar ties niveis de transe. No primeiro estagio do transe, somente ocorrem sensacties luminosas, e as mutacoes se processam num caminho neurofisiologico. Aparecem brilhos, cores, cintilaceies, flashes de luz, pontos, desvanecimentos das formas em fusees as mais diversas. A mente é estimulada por essas imagens, e todas as pessoas tern as mesmas sensacees. As imagens dependem somente do aparato bio16gico e nao tern nenhum peso cultural e simbolico. No segundo estagio do transe, o xama experimenta imagens carregadas de significado religioso e emocional. Em minha instalagao, o participante interage corn cruzes, calices, espadas, serpentes e outros simbolos cuja interpretagao depende do background cultural de cada pessoa. As imagens chamam por experiencias pessoais armazenadas ao longo da vide. As mutacoes invocam dados da religiao, geografia, circunstancias etnicas, politicas e socials e mudam de acordo corn habitos, emociies e outras experiencias individuais. Muitos mundos podem aparecer nas mentes dos participantes. No terceiro estagio; o xama experiencia o nivel mais profundo do transe. Nesse momento, o xama entra em uma especie de turbilhao. E quando acontecem as alucinacoes virtuais mais surpreendentes. 0 xama se identifica corn animais, é atraido por luzes, fenemenos naturais, vulCoes, ague; ceu, planetas, aparecem e o imergem num tipo de redemoinho alucinante. Em meu trabalho, essas imagens surgem misturadas corn visoes viscerais de cenas capturadas no interior do corpo, e o participante pode ser levado a identidades efemeras distorcidas.

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0 DESERT() DAS PAIXOES E A ALMA TECNOLOGICA - DIANA DOMINGUES

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Na instalagao, as alucinac5es, administradas por redes neurais, sao feitas por imagens digitais e imagens sinteticas hibridizadas e oferecem mutacaes atraves de anamorfoses, colorizaciiies, trocas de brilho ou outro efeito visual. As imagens se altemam pelas decisees da rede neural. As metamorfoses das seqiiencias de imagens e sons sao resultantes do comportamento dos corpos capturados pela sensibilidade dos sensores instalados no chao os quais transmitem os sinais do corpo as maquinas. As variaveis que determinam o comportamento do sistema sao: a localizagao espacial, o tempo de permanencia e o flamer° de pessoas q iue estao sobre o tapete sensorizado. Os pontos enviam os sinais de cada estagio, e a arqui, tetura da rede neural coin suas sinapses apreende alguns padr5es do comportamento dos participantes, manipula esses dados e provoca "vis5es" na sala, numa experiencia enigmatica de TRANS-E. Em "OUR HEART",i° tento criar momentos poeticos de percepcao sensivel do corpo humano escmtado por tecnologias medicas das mais avangadas. Ofereco ecografias em uma sala fechada onde sao projetados os graficos de bombeamentos de urn coracao, em pleno funcionamento, gravados durante um escaneamento por ultra-som. As ecografias sao tecnologias de alta performance que nos deixam ver e ouvir mundos do corpo humano nunca antes revelados. 0 lado avesso do corpo é posto na cena." Andando na instalagao, estamos imersos no fluxo cardiaco e podemos caminhar entre as membranas do coracao. Estamos dentro de urn coracao luminoso que oferece grandes paisagens cardiacas projetadas nas paredes transparentes. Na instalacao, podemos viver nos mais secretos e intimos territorios do corpo hurnano. 0 participante se desloca 446

dentro da sala coin uma interface sabre o corpo. Usando esse dispositivo de captura, seu coracao envia sinais para o coragao virtual. As interfaces capturam e transmitem os sons do corpo que sao entendidos pot urn software que devolve metamorfoses das imagens nas grandes paisagens cardiacas que fecham a sala. No interior do sistema, uma programacao computacional, especialmente calculada, administra e mostra jogos de imagens provocados por sinais do corpo, como a freqiiencia cardiaca do participante, os quais se convertem em sinais graficos que alteram as paisagens do coragao. A aquisicao e comunicagao de dados sao feitas pot telemetria dos sinais eletricos do corpo. Os sinais sao recebidos pelo computador onde sao digitalizados e processados. A analise do sinal extrai par ametros, como freqiiencia, amplitude e o conteUdo espectral do sinal de audio. Esses parametros sao usados para modificar as imagens que vao mudando formas em varilveis topograficas corn brilhos, intensidades e cores que nascem na ecografia primeira. As mudangas ocorrem de acordo corn o algoritmo selecionado para processar a imagem. Nessa situacao de total conectividade entre o corpo e as tecnologias, o dialog° dos sistemas biologicos e artificiais provoca a vida do ambiente. As ecografias que recebem os sons intemos de cada interagente se transmutam em varilveis que obedecem as caracteristicas do ritmo cardiaco de cada corpo. Durante as interagOes, surgem paisagens do coragao que nunca sera° as mesmas, num processo de comunicagao-descomunicacao. Cada participante tern determinado tipo de metamorfose que somente seu corpo pode produzir no dialogo corn o coragao virtual. Todo o processo de comunicagao é controlado pelos sinais internos e invisiveis dos corpos que andam na

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sala. 0 computador sal de seus estados de lOgica e vive a vida do outro coragao pelos sinais biologicos que comandam sua logica interna. 0 artificial obedece o biologic° de urn corpo em agao. Esse corpo, pot sua vez, tern urn feedback a partir do virtual tecnologic° que reorganiza o processo biologic°. Portanto, bio-feedbacks interagem corn biotechno-feedbacks. 0 corpo vive desdobrandose fora de si mesmo durante as conexoes. Nao estou interessada em coisas acabadas. Prefiro acidentes, mutacoes. Minhas instalagOes propeem que as tecnologias interativas estao alargando nosso campo existencial e mudando nossa auto-imagem. As interfaces sao corpos sintaticos e, conectadas ao nosso aparato sensorial, recebem e devolvem para nos as sensagoes mais maravilhosas. Quando estamos conectados, nosso cotpa experimenta urn processo complexo de mutagoes, imprevisibilidades e dissipacoes que nos propiciam novas identidades. Cada instalacao interativa propoe uma forte dimensao comportamental da Arte Interativa. Na concepcao poetica do trabalho e na determinagao do comportamento do sistema que gera as caracteristicas para o ambiente, pretendo criar situagoes que manipulam o "sublime tecnologico"12 ou o absolutamente grande, nossa condicao fisica e limites ampliados pelas tecnologias. Nosso aparato biologic° recebendo poderes ultra-humanos.'3 A Arte Interativa realmente esta humanizando as tecnologias.

Ver, tocar, experimentar algoritmos, ondas infravermelhas, capturar forcas invisiveis dando-lhes visibilidade, checar leis organicas nos dao muitas experiencias de propagaga° de consciencia em uma simbiose da vida organica-inorg'anica nesta era pos-biologica. As tecnologias incorporam vestigios do mundo biologic° tais como plantas, sinais do corpo humano, gestos, fala, respiracao, calor, ruidos naturais, agua e assim pot diante sao traduzidos em paradigmas computacionais. Tocar, respirar, caminhar, experimentar algoritmos, ondas infravermelhas nos confere o poder de lidar com forcas invisiveis durante muitas experiencias de propagagao de consciencia. Os sistemas eletronicos capturam essas forcas invisiveis, quando aprendem certos comportamentos, controlando e manipulando fenomenos fisicos. Acredito que, em breve espago de tempo, cada vez mais serao facilitadas interfaces biologicas, como pr6teses permanentes a serem colocadas sobre e/ou intemalizadas em nossos corpos e assim nos estaremoi reinventando nossas vidas e a derradeira natureza de nossa especie.'4 Artigo publicado originalmente na Digital Creativity, v.g, UK, Swets & Zeitlinger, 1998 ("The desert of passions and the technological soul"). Rep. In: LEAO, Lucia (org) Interlab: Labirintos do Pensamento Contemponaneo. Sao Paulo: Iluminuras, 2002. p.219-223.

Notas 1. Estou me referindo a filmes onde a imagem do deserto usada abundantemente: Telma e Louise, Bagda Café, Paris Texas, Profissao reporter, 0 céu que nos protege. 2. "0 deserto das paix5es" foi a abordagem de um seminario realizado pot Ligia Cademartori sobre a imagem pooti-

ca contemporanea (Universidade de Caxias do Sul, RS, Brasil, 1992). 3. "A alma tecnologica" é uma expressao usada por Rene Berger na sua intervencao "De la communication a la realite virtuelle", ARTMEDIA, Universita di Salerno, Italia, 1992.

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4. Veja-se o filosofo italiano Mario Pemiola e suas teorias esteticas sabre a "coisa" e atransito", Transiti, Capelli Edit., Italia, 1988 e Enigmi, Edizioni Costa az Nolan, Genova, Italia, 1990. 5• As recentes instalagoes de Diana Domingues sac): (TRANS-E, my body, my blood" 97/99, TRANS-E, The body and the technologies, 94 -956. 0 Grupo de pesquisa integrada NOVAS TECNOLOGIAS NAS ARTES VISUAIS da Universidade de Caidas do Sul / CNPq -FAPERGS que realizou as altimas instalacees em 1997-x999 é fomiado por Diana Domingues, coordenadora e diretora de criacuo; apoio tecnico do laboratorio:Tatiane Tschoepke Fonseca; informaticas software e redes neurais: Andre Adami, Bnma Paula Nervis, Andre Luiz Martinotto, Gelson Reinaldo, Edgar Stello Jr, Gustavo Lazzarotto; automacao industrial LTP/UCS: Eng. Getelio Martins Lupion,Mateus Mugnol, Linton Alves, Andre Luiz Bridi; imagens/producao multimedia: Tatiane Tschoepke Fonseca, Carine Soares Turelly, Lilian Maschio, Edson Salvati; assessoria de apoio: Mara Galvani.

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7.TRANS-E my body, my blood. Instalag5o Interativa ISEA 97, Chicago e GAU -Galeria de Artes da Universidade de Caxias do Sul, 1998. 8. !dem, ibidem. 9. Entre outras referencias dte-se urn dos textos consultados, apud Liberation. "A pintura dos magos das cavernas" Folha mais! Folha de S. Paulo, 8 dez. 1996, Sao Paulo. to. Instalacfio interativa (work in progress). r.Veja-se catalog° da exposicao TRANS-E —0 corpo e as tecnologias, Galeria de Arta do Sec. XXI, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, corn texto de Lucia Santaella e entrevista corn Rogerio Costa, Educs, 1995. rz. Veja, de Mario Costa, 0 sublime tecnologico (Sfio Paulo: Experimento, 1 994). 13. !dem, ibidem. Veja referencias feitas por Mario Costa ao conceito de "ultrahumano" de Teilhard de Chardin. z4„Veja netsymposium fleshfactor@aec.at Sherman, Tom moderador, ABS ELECTRONICA, 98. Date: Sun, r Jun 1997 14:43:33 From: Diana Domingues <diana@visao.com.bz > Subject: mechanistic baggage.

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Artefoto

LIGIA CANONGIA

U

ma das lic5es fundamentais que a modemidade nos legou foi a de que a forma nao precisava mais se sujeitar ao real, a ser simples representagao do mundo. Distanciando-se de seu referente e apresentando-se como pura ideacao — fluxo corrente do imaginario —, as formas eram livres para se de-formar, se re-formar, se trans-formar. Impressionismo, cubismo, surrealismo e demais movimentos modemos foram esforcos pan essa liberagao: fazer corn que as imagens fossem ao encontro da expressao de urn sujeito sabre o mundo, e nao de urn mundo que se sobrepoe ao sujeito. As copias seguiram-se, pois, as interpretacoes, as opiniees, as visoes subjetivas e, sobretudo, as ideias. E se a arte é uma forma de pensar o mundo, ela é pensamento, processo estreitamente ligado a inteligencia, mais que a beleza. Fazer do sujeito o senhor da operacao estetica, atrelar a pratica pictorica o exercfdo do pensamento e da especulacao, ampliar o campo da arte para alem dos limites sensiveis, e lanca-la na arena das ideias foram verdadeiros tesouros da experiencia modema. E nao precisamos lembrar que toda essa trajetoria foi fruto direto do surgimento da maquina e das novas estruturas sodais engendradas pela industrializacao.

De fato, a manualidade e o virtuosismo tecnico do pintor tradicional entravam em crise diante de uma sociedade que se resolvia corn outra velocidade, indispondo-se corn o tempo do fazer artesanal. A maquina esmagou a seducao do artesanato, substituindo suas formas originals e auraticas pela nocao de mercadoria, e instaurou mecanismos de forga produliva que revolucionaram o mundo do trabalho. Corn a indastria e os processos de aceleragao urbana, a plasticidade 'artistica' tambem se viu, pouco a pouco, substituida par formas de agao direta sabre a realidade, detonando o contagio, hoje tao sedimentado, entre a arte e a vida. Os dadafstas viriam a ser exatamente a pedra de toque desse contagio, con-fundindo sua arte corn o cotidiano e as acontecimentos banais. • Quando Duchamp propos o read ymade dissociou finalmente a questao da plasticidade da nocao de arte, elegendo objetos industrializados e ordinarios como obras artisticas. A criacao, para ele, estaria na simples selecao desses objetos, uma vez já residir aui a Idea. 0 readymade aparece como conseqiiencia direta da crise do artesanato, como declaracao de falencia do 'fazer' pictorico, daquele lento e progressivo trabalho artistic° manual. 0 artista nao é mais, a partir dal, o tecelao que entrelaca as fios da seda, o pintor


que prepara suas tintas, estica suas telas e faz composicaes corn o trabalho predoso dos pinceis. Ou, pelo menos, nao é apenas isso. Ele é aquele que pensa, que escolhe, que cria sentidos, que provoca, que desperta questoes, que reage ou adere as pulsOes imediatas de seu tempo. 0 readymade foi urn dos sinais mais evidentes da impotancia do pintor na sociedade industrial e seu aparecimento deve-se, sem chlvida, a crise da pintura e a redencao da arte enquanto ideia. Thierry de Duve vai alern, e nos diz que "é coma ideia que a pintura nasceu de nova de suas dnzas, e essa ideia nao poderia se reduzir ao criterio de uma superficie plana e delimitada".' 0 metie pict6rico tomava-se impotente para enfrentar a realidade da maquina, irtcluindo al a da maquina fotografica. Nao foram raros, inclusive, as pintores que trocaram a pintura pela fotografia. Walter Benjamin diz, já em 1931, que "eles a abandonaram para tentar colocar seus meios de expressao ern correlagao vivaz e univoca corn a vida de hoje". 2 Quando os dadaistas e os surrealistas, em suas colagens, utilizam-se de fotografias, como se as incorporassem — independente das imagens au i estampadas — como urn dado irreversivel da vida modema: a m5quina (ou seu produto) no arte. Era portant° mais uma busca de relacionar o mundo estetico corn o mundo da producao mecanica, quer para aderir a realidade dos- objetos e das imagens advindas da industrializacao, quer para criticl-la. Criava-se naquele momenta o primeiro e grande paradoxo que já vem implidto na relacao entre arte e fotografia — objeto, inclusive, de teorizagees bastante atuais. Pot urn lado, havia a apropriacao da fotografia como readymade, tomada coma uma imagem-objeto ja dada e decodificada, ape450

nas re-contextualizada em outro meio, fora de seu habitat original. Nesse sentido, Philippe Dubois, em teoria admiravel, compara a operacao do ato fotografico corn o ato que presidiu a instituiquo do pr6prio readymade, tambem ele urn objeto ja dado e conhecido que adquiriu nova 16gica pela mudanca de contexto. Dubois diz ainda que, assim coma o readymade, a fotografia efetua urn carte no continuum de urn processo espacial e temporal, interrompendo o fluxo progressivo de uma cadeia: o readymade em relacao a cadeia funcional dos objetos, a fotografia em relacao ao encadeamento do tempo na duragao. Se dizemos que o fot6grafo corta (isola e interrompe) e o pintor compoe (age continuada e progressivamente), entendemos o quanta Duchamp estava mais proximo do fothgrafo do que do pintor. A fotografia "abandona o tempo ethnic°, real, evolutivo, o tempo que passa coma urn rio, nosso tempo de seres humanos inscritos na duracao, para entrar numa temporalidade nova, separada e simbolica, a da foto. (...) A pequena porgao de tempo, uma vez saida do mundo, instala-se para sempre no alem a-cr8nico e imutivel da imagem".3 0 golpe duchampiano, que separa urn objeto ordinario de sua sane industrial, de sua ordem nessa cadeia serial, cria igualmente para esse objeto uma nova inscricao espacio-temporal e, uma vez 'said° de seu mundo', o objeto tambern se instala nesse alem 'imutavel da imagem', de que nos fala Dubois. 0 fotografo, assim coma Duchamp, opera par subtracao: o primeiro, recorta uma fatia do tempo de sua evolucao natural; o segundo, retira um objeto de sua serialidade industrial progressiva, o que nao deixa de ser uma subtragao na temporalidade desse

objeto — urn urinal ou uma bicicleta 'conge- .

paralelos ou cruzamentos. Mas, quando se lados'nurgetm asu, trata da fotografia, talvez por ser ela mesma justo o efeito do ato fotogrifico. "E o cut que uma expressao ate hoje em debate, ela tendetermina a imagem, toda a imagem, a imade a se fazer protagonista nas discussaes e a gem coma urn todo (...) tudo acontece par tornar a arte, corn a qual se entrelaca na obra, inteiro de uma so vez."4 quase coadjuvante. Havia, portanto, na utilizacao da fotogra0 cinema, por exemplo, bem mais jovem fia nas colagens modemas, essa ideia de que a fotografia, ja havia semeado uma baapropriacao da coisa dada, read ymade e megagem de reflexao respeitavel, quando a focanica. Mas, par outro lado, a fotografia, justografia, nos anos 1980, comegava a desperto urn dos principais motivos da crise da pintar o interesse teorico e academic°. A relatura, estava sendo assumida no corpo mescao entre as duas linguagens parece ficar mo de uma obra de arte. assim em segundo piano, pela necessidade A ambigilidade estava em trabalhar corn de se pensar mais atentamente a operacao imagens fotograficas e, coma tal, 'realistas' fotografica. A rigor, no discurso da relactio, nao (absolutas em termos de fidelidade reprehaveria o porque da discussao sabre a natusentacional do mundo), logo o que, exatareza da fotografia. mente, o modernism° havia se esforcado em A situacao poderia talvez ser apresentacombater. A fotografia, sempre que tomada da de outra forma: a de que existe urn anisno ambito da arte, mesmo hoje, suscita a ta corn uma necessidade expressiva tal que discussao da sua potencialidade realista, da precisa langar mao da fotografia para que sua efetividade mecanica e dos limites de essa expressao se resolva como imagem. A sua curvatura ao simbolico. fotografia sendo o meio exclusivo e neces0 problema, ainda hoje, parece estar no sari° para a realizacao plena da mediacao fato de o pensamento da relacao entre arta entre o imaginado e o executado. Quando o e fotografia vir sempre atrelado a discussao artista vai ao encontro da fotografia, ela é das especificidades da fotografia e nao da apenas o veiculo ideal naquele momento arte. Inumeros pensadores discutiram a para a comunicagao da sua ideia visiva. E ai questa° fotografica — seus aspectos denoa fotografia é mate/la para e nao a obra em tativos ou conotativos, icOnicos ou indiciais si, mesmo que esta obra se apresente por — langando mao de ilustracoes de obras de inteiro fotograficamente. A foto funciona arte que fazem ou fizeram apelo ao meio foentao coma podem funcionar o mat-more, a togr.afico. E natural remeter-se ao mundo da tela, o cinema ou a intemet no contexto de fotografia propriamente dita, quando al- uma obra artistica. Se uma escultura 'pede' guern se defronta cam urn resultado hibrido o marmore ou o aluminio, se urn trabalho em que ela esta iriserida. 0 mesmo acontemultimidia 'pede' o cinema ou a foto, é porce quando lidamos corn obras que se reporque aquele determinado processo de criatarn ao cinema, ao teatro ou a qualquer ouea° inclui necessariamente esse material ou tro canal de expressao da cultura. Sempre essa linguagem para proceder a exata comuiremos buscar relacoes e referencias que dinhao entre sua intencao e seu efeito. gam respeito a esses canais, em suas prop& Antes, urn pintor precisava dominar seu as especificidades, para em seguida tracar mete, conhecer em profundidade suas tec-

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nicas, mas hoje, sabemos bem, ha pintores cuja realizacao de suas telas e feita por assistentes, pois a fatura, no caso, é secundaria em relagao a ideia, a criagao mental ou conceitual da obra. E importante que o artista conhega o processo de constituicao do flume ou da fotografia para que possa fazer interagir sua imagem e seu meio corn inteligencia e perfeicao. Mas isso quando a obra requer em especial esse ajuste, esse saber, o que no chega a ser condigao sine qua non. Urn artista plastico pode recorrer ao registro fotografico de urn fotografo profissional se ele nao dominar a tecnica e, nem pot isso, a obra deixard de ser sua, pois a imagem fotografada e as formas de se apresentar serao sempre fruto de sua criacao, direcao ou edicao. Sera° sempre seus os sentidos e as ideias. Resta apenas que o veiculo esteja absolutamente conjugado a ideacao, para que a imagem surja na sua integridade e atinja a plenitude de sua significagao. Quando a fotografia esti a servigo da chamada 'aventura' artistica, ela é parte desse fen8meno. Nao (la para comparar ou separar os dois ambitos, insistindo em debater o universo de apenas urn deles, pois isso sera recair no purismo modemo greenbergiano, justo o que a operagdo esta a ultrapassar. Na obra de arte, a fotografia fica provisoriamente distanciada de seu discurso, de sua ordem e seus principios originais. Quando vemos urn trabalho de arte realizado fotograficamente, vemos urn trabalho de arte. Se urn artista usa, pot exemplo, urn texto, uma frase ou mesmo uma palavra, fato comum a arte conceitual, nao ha literatura au, embora haja o que let As palavras sempre estarao de tal forma comungadas ac acontecimento visual, que permanecerao elas mesmas corn o estatuto de imagem. Magritte sabia bem disso em seu famoso tra-

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balho Ceci n'est pas une pipe. 0 que vemos nao é a 'coisa' cachimbo, nem palavra, é imagem. Tambem poderiamos dizen Ceci West pas une photographic, é ante, mesmo que a obra seja inteiramente resolvida corn as tecnicas fotograficas. Uma fotografia pode ser um registro, urn documento, uma lembranca de viagem, uma fotografia "artistica" (no antigo espirito pictorialista) e pode ser obra de arte. Nesse caso, as perguntas deveriam ser outras: por que a fotografia foi o melhor meio para responder aquela ideagao? Pot que a fotografia tern sido recorrente na constituigao da linguagem de tal artista? Que senddo faz o 'congelamento' fotografico na ternporalidade dessa obra? Quando urn anista como Marcos Chaves, pot exemplo, fotografa tomeiras de cozinha ou de banheiro, descobertas a esmo, e colocadas ern posigoes absurdas que impedem sua funcionalidade, a operagao da apropriagao fotografica dessas imagens é a mesma que govema sua coleta direta de objetos cotidianos. S6 que a fotografia the dá a agilidade de colher os mesmos absurdos ern situagOes ern que as coisas em si nao podem ser demovidas. E preciso entao colher a coisa, a situagao e o lugar num s6 canal de visibilidade, e isso 56 o clique fotogrefico pode captar e transpor. Na verdade, o meio aqui é urn facilitador construtivo, guardando as mesmas matrizes conceituais das obras praticadas corn ou sobre objetos tridimensionais. Na obra Semeando Sereias, de Thriga, a necessidade da fotografia é da mesma ordem. E insistimos na ideia da necessidade do suporte para enfatizar sua absoluta participagao na configuragao plena do trabalho."11ata-se aqui do desenrolar de uma acao que, partindo do piano totalmente fantasmatico, acontece de fato no 'real', isto é, o artista faz acontecer a imagem que estava em seu ima-

ginario e a 'documenta', tomando 'realidade' fotografica, portanto indiscutivel, urn mundo de pura ideacao. A fotografia é a prova cabal de que aquilo existiu ou se passou. A fotografia é urn plus de afirmacao de verdade numa situacao de ilusao — urn paradoxo, alias, tao bem explorado pelos surrealistas. Alem disso, em Semeando Sereias, a acao tern desdobramentos temporais claros: montada numa sintaxe sequencial, quase evolutiva, e tornava-se 'necessario' que o tipo de registro pudesse configurar suas diferentes etapas, seu transcorrer no tempo, embora em urn tempo secionado pot breves congelamentos. 0 cinema, por exemplo, nao poderia responder a esses cortes abmptos, nem desempenhar to bem a fungao semidiscursiva, ficando assim a fotografia encarregada de montar a seqfiencia no clima das historias em quadrinhos. A simbiose entre a ante e a fotografia tamanha, que nao ha por que averiguar os limites entre as linguagens, voltar a discussac) sobre a natureza e as especificidades de cada uma. No entanto, muitos textos tern tentado pensar a fotografia atravos de sua insercao no contexto da arte, buscando encontrar ali, e para a fotografia exclusivamente, caracteres de seu discurso preprio. Talvez, no inicio do que hoje entendemos como period° contemporaneo, os anos de 1960/70, essa simbiose, essa comunhao, ainda nao se efetivasse de todo. Numerosos artistas usaram a fotografia como meros registros de performances, happenings ou acees, que ate podem ter acumulado valor de obra, sem ter tido, porem, esse objetivo. Vale lembrar um artista como Artur Barrio, no Brasil, que sempre declarou que as fotografias de suas acoes/situagoes nano poderiam ser consideradas ctrabalhos de ante', muito embora sejam comumente apresen-

tadas como tal em exposigoes. Barrio dadara que sac) simples e precarios registros que jamais dariam conta da vivacidade e da temporalidade fugaz das agaes. E importantissimo que se marquem as diferengas nesse ambito — e a clareza de Barrio, sem dtivida, louvavel— para que a propria Historia nao se perca ern consideragees dispensaveis ou enganosas. Tudo muda, entretanto, se no proprio Barrio encontramos colagens fotograficas em seus CademosLivros, embrioes conceituais de todo o conjunto de suas acOes e, portanto, obras de extrema relevancia, em que a fotografia assume papel estrutural e determinante na pontuacao de seus projetos e anotacOes. Aqui sim, a fotografia esta intrinsecamente associada a elaboragao desses cademos-obras, interligada a escrita e a outros signos, indispensavel a sua Integra visualidade. Em outros trabalhos, como os da Land Art none-americana, por exemplo, que dificilmente teriam sido divulgados sem a ajuda de filmes e fotos, esses registros tambem se tornaram parte constituinte das obras, afirmando-se como elementos participantes da rede do trabalho. Seguindo os termos de Robert Smithson, as fotos faziam parte do segmento dos non-sites (obras-extensees, removiveis, expostas em museus e galerias, que advinham do site, a obra-mae, • inscrita diretamente na natureza). Site e non-site, entendidos como processos e configuracoes de uma mesma matriz conceitual, formas reversiveis umas as outras, panes que apontavam para a ideia de uma operacao em rede. Tambem nos trabalhos do grupo Fluxus e da ante conceitual, a fotografia imiscuiuse e integrou-se por completo na trama mesma das obras, nao podendo deixar de

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ser lida como estrutura. Ha, porem, dentro da propria historia da arte recente, que se distinguir a foto corn uso documental da foto ja na acepgao de obra. Urn dos primeiros artistas no Brasil a experimentar a linguagem fotografica e suas potencialidades no campo da arte foi Antonio Dias. A partir da decada de 1970, passa a trabalhar corn midias diversificadas — fotografia, cinema, video, projegao de diapositivos, neon acompanhando o fluxo das vanguardas intemacionais, que tentavam criar nova dinamica para os suportes da arte, imprimindo luz, ritmo e movimento a suas criacoes. A fotografia, como o video eø cinema, tomaram-se novos meios de investigacat) da realidade e de suas condigoes de representacao. Os artistas queriam a liberdade de poder experimentar outras formas de produgao de imagens, expandir seu espago de intervencao no mundo, e estabelecer mecanismos que rompessem corn a ideia de uma organizagao formal fechada e estavel. A diversificacao das midias em Antonio Dias iniciou-se no period° em que o experimentalism° fervia no pals e no mundo. 0 desafio, porem, estava longe de ser apenas a experiencia corn novos meios; "havia que se perceber as extensaes e os limites dessas linguagens e, principalmente, coloca-las a servico da inteligencia do trabalho de arte. 0 importante nas experiencias de Antonio Dias é que ele soube, como poucos, penetrar no mundo exclusivo dessas midias, compreender as especificidades de cada tecnica, a ponto de fazer, nao uma transferencia ou uma acomodagao de seu repertorio usual, mas de criar formas que se integravam necessaria e absolutamente aqueles novos meios. As imagens sao diretamente vinculadas aos suportes utilizados. N5o se trata de uma forma deslocada de uma tela 454

ou de urn desenho para a pelicula. E o mundo da projegao, da luz, das transparencias e dos circuitos que (Id as imagens a possibilidade de sua reuelagdo."5 Faz parte da obra de Dias, ate hoje, experimentar formas diferenciadas para a expressao de suas ideias e de seu imaginario, e ele chegou a assumir a experimentagao como atitude, como maneira de interferir na ordem do mercado e na politica institucional. 0 curioso é que, se nas decadas por excelencia do experimentalismo — 1960/70 — , a foto, o video e o filme constitulam canais avessos a ordem mercadologica e museolOgica, hoje, sao veiculos perfeitamente assimilados, sobretudo a fotografia. Conclui-se, inclusive, que vivemos agora urn verdadeiro boom da prodkao artistica fotografica. E o prOprio Dubois chega a perguntar: "A fotografia é arte? Ou a arte contemporanea tomouse fotografica?" 6 Assim como Dias, diversos artistas da vanguarda experimental brasileira e da atualidade fizeram ou continuam fazendo uso da fotografia em suas obras, mas muitos dales em carter esporadico, em determinado trabalho ou conjunto pontual e ocasional de trabalhos. Existe, entretanto, uma fatia consideravel da produgao, sobretudo nos dias de hoje, que se dedica de modo exclusivo a criar nessa midia. Miguel Rio Branco, por exemplo, é urn desses casos, e de inegavel importancia. Ha trinta anos trabalhando corn o suporte fotografico, Rio Branco tern se destacado pela exaltagao cromatica, pela luminosidade barroca e a atmosfera dramatica. Embora aponte para questoes como o fervor mistico, a violencia, a morte e a sexualidade, corn imagens que decerto encontram eco no discurso de Batail1e,7 seu trabalho frao se esgota na realizacao de fotografias, sejam elas

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apresentadas sobre papal ou em diapositivos projetados. 0 trabalho de montagem, de edicao, os cortes, fusoes, transparancias e colagens — corn os quais lida na elaboracao de ambientes/instalagoes cu na publicagao de Livros — que imprime a cadeia ritmica das imagens, sua temporalidade no espago, sua descontinuidade. Associando a fotografia a outras materias — espelhos, vidros, jomais, tecidos —, Rio Branco monta urn caleidoscopio de imagens em perrnanente processo de fragmentagao e fusao, compondo urn magma de recortes, e interligando poeticamente os prOprios cuts que fundamentam a fotografia. Hoje, mais do que nunca, a fotografia, quando inserida na area das artes plasticas, esta assumindo o campo total da imagem. Esse é urn fato que, inclusive, tern contribuido para que alguns teericos pensem o fanomen° da arte pelo discurso nascente da fo-

e

tografia. Ao inlet de ser urn dos elementos da obra de arte, ela 6 a obra. Midias fundidas, perplexidade teorica. Esse tern sido urn dos principais dilemas do pensamento, o mesmo acontecendo para o discurso das obras de arte em filme e video, dilema que remonta a tradigao do pensamento dicotomico do Ocidente, tao recentemente contrariado na filosofia, e que fomenta e re-atualiza o ja historico debate sobre a distincao das areas de competencia de cada arte: A fotografia, ao tomar-se cada vez mais dominante, e ao efetivar de maneira absoluta o campo da imagem e as ideagaes do artista, cria, por outro lado, urn problema novo para o observador, e tambem para a critica. Major acuidade e intuigao serao exigidas para que se separe o joio do trigo, e se possa reconhecer quais, dentre tantos trabalhos surgidos fotograficamente, sao de fato obras de arte.

Notas 1.DE DUVE,Thierry. Resonances du readymade:Ducbamp entr e !'avant-garde et tradition, Nimes, (ed) Jacqueline Chambon, 1989. 2. BENJAMIN, Walter. Poesie et revolution, Paris, Denoel, 197 I. 3. DUBOIS, Philippe. 0 atofotognifico, Campinas, Papirus, 1994. 4. Idem. 5. CANONGIA, Ligia. Antonio Dias:Opals inventado,VitOria, Museu Vale do Rio Doce, nor (no folder da exposicao).

6. DUBOIS, Philippe, op. cit. 7. Georges Bataille, escritor e pensador frances, que construiu eua obra do inicio a meados do seculo XX. Seu livro L'erotisme [rata o tema como urn interdito social, por ser avesso ao munch> da ordem e do trabalho, e poder gerar a violencia. 0 autor interliga sexualidade, religiao e pulsar) de morte como praticas e instintos, respectivamanta, de liberacao e contencao, oriundos do mesmo impulso erotica

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Corpo e video em tempo real CHRISTINE MELLO a contemporaneidade, dos estudos inseridos na area da biologia aos estudos na Area das tecnologias da informacao, encontramos nocoes de que o corpo é uma forma viva, urn organismo cornplexo, urn sistema coordenado pot circunstancias que se relacionam entre si. Compartilhamos urn momento em que o corpo natural e o corpo artificial confluem e a ciencia toma a comunicacao entre o cerebro e o cornputador uma via de mao dupla. Em nosso cotidiano, as relacoes corn as coisas do mundo sao cada vez mais mediadas, interfaceadas pelas maquinas. 0 corpo tern uma funcao hibrida, toma-se urn campo de passagens entie elementos organicos e sinteticos, uma estrutura fluida, ou dinamica, como uma comunidade em que todos os elementos acionam intercambios, ou mesmo como urn ambiente capaz de set transformado e moldado. Observamos o corpo como lugar da construcao de sentidos, espaco de investigacao e criacao de novas realidades, ern conexao corn diferentes meios e que se apresenta como aparelho produtor de linguagem. Pensar nesse corpo que emerge na contemporaneidade diz respeito tambem a inserilo no contexto das formas sensiveis e a conhecer os diversos perfis que comptiem sua identidade.

Artistas que desenvolvem trabalhos em tom° das relacees arte/vida, da arte interativa e da performance, costumam enfocar aspectos do corpo hibrido em suas obras. Sao movidos pela ideia do corpo em deslocamento e do senso de que mente/corpo interagem corn uma grande gama de realidades para alem da fisicidade do corpo biologico. Tais criadores exploram campos novos da percepcao e atuam corn processos emergentes nas artes, muitas vezes em agoes que utilizam o tempo real. No Brasil, desde que, em meados dos 196o, Lygia Clark instaurou seus objetos relacionais, como Dialog°, em que uma maquina ocular acoplada ao mesmo tempo a duas pessoas é capaz de oferecer situacoes diferenciadas de relacao corn o outro, mostrou-se que esses objetos maquinicos sao veiculos para expandir a experiancia corporal e definiu-se o inicio de urn trabalho conceitual em torno do corpo como aparato sensorial e coletivo. Ern 1997, Diana Domingues, na videoinstalagao interativa Transe-e: My Body, My Blood, apresentou a ideia de urn corpo tecnologizado, que conecta em tempo real a energia natural do corpo, por intermedio do sangue, a energia artificial das maquinas. Livre de dicotomias entre interior/exterior, o corpo amplia dominios em trabalhos como estes produzidos


corn o meio eletronico, ate entao nao-suspeitos em suas relagees entre os dispositivos e o imaginario. Os estudos aqui tracados abordam o corpo como experiencia de arte, em manifestagOes especificas realizadas no contexto brasileiro por intermedio do video. Destacam algumas maneiras de como o corpo tern suscitado praticas esteticas/ politicas no campo da arte contemporanea e o contexto no qual esses trabalhos sao gerados. Interessanos o corpo compreendido coma organismo cultural, que cria significados por intermedio de sua mediacao, ou embate direto, corn mecanismos de registro da imagem - nesse caso corn a camera videografica. Videoperformances: praticas esteticas e politicas

Urn corpo feminino sentado num banco corn as pemas cmzadas e urn dos pes diante da camera, no ambiente extern° de uma casa. Nas maos, agulha e linha preta. Corn firmeza, a linha é passada pelo buraco da agulha e faz urn no em uma das pontas. A mao delicada, corn as unhas pintadas de esmalte - em cor suave - deliberadamente inicia uma costura incomum. Aqui o suporte nab é algodao ou linho, mas a pr6pria pele da artista. Nao ha titubeios, sao gestos precisos os de Leticia Parente em sua performance, em tempo real, frente a uma camera de video. Como resultado da age°, apos dez minutos ininterruptos, sem cortes, vemos inscrito "MADE IN BRASIC (corn s) na sola de seu pe. A que estrategias recorrem os artistas que lidam corn o video para darem conta das abordagens em que se insere o corpo contemporaneo? De que diferentes maneiras as tecnologias possibilitam campos diferenciados de observacao e sao capazes de gerar formas simb6licas que reflitam isso? 458

Deparamo-nos muitas vezes corn situageles. inusitadas - como esse video de Leticia Parente intitulado Marca registrada - que remetern a destruicao da nocao de um corpo meramente passivo e que apontam pan a urgencia de urn corpo ativo, que intervem de forma critica e desloca de modo subjetivo o eixo de discussaes ate entao nao-previstas por estas novas realidades. Os artistas que introduzem a arte do video no Brasil revelam a presenca do corpo em muitos dos seus trabalhos. Apresentam, em sua grande maioria, praticas performaticas, captadas em tempo real e criadas especialmente para o meio videografico. Diferentemente de outros paises, que produzem nos anos 1970 performances e body art em espagos publicos, no Brasil tais manifestacOes sec) recriminadas, censuradas, pelo fato do pals estar sob o dominio da ditadura militar. This trabalhos sao realizados, dessa forma, em carter mais privado, cuja audiencia, ou partilha da acao, é produzida nao em contato direto coin o public°, mas sim em contato direto corn uma camera de video. Nesse contexto, é possivel observar que no Brasil nao encontramos nessas praticas meros "registros" de agao performatica, mas sim o dialog° contaminado entre corpo e video, ou a chamada videoperformance. 0 que traz coeseo a trabalhos como os de Leticia Parente aos de outros artistas, pioneiros do video no Brasil, como Anna Bella Geiger, Ivens Machado, Paulo Bruscky, Paulo Herkenhoff e Sonia Andrade, realizados no mesmo period° - em tomo de 1974 e 1980 aos de Amilcar Packer, Carlos Magno, Corpos Informaticos, Dora Longo Bahia, Fernando Lindote, Gisela Motta, Ines Cardoso, Leandro Lima, Lia Chaia, Neide Jallageas, Nina Galanternick, Paula Garcia, Teresa Siedt e Wilton Garcia, produzidos mais recentemen-

te, entre o final dos anos 1990 e o inicio do seculo 21? Trata-se de praticas poeticas entendidas como videoperformances, captadas em tempo real e criadas especialmente para o meio eletronico. 0 resultado situa-se no limite de saber onde termina o corpo e comeca o video, ou na relacao dialogica entre corpo e video. Encontramos nessas obras a criacao de urn campo nas artes em que corpo e maquina sao ao mesmo tempo contexto e conteltdo, interpenetrando-se na construcao de significados. Como sabemos, video é uma questa° de tempo: tempo inscrito na imagem, tempo de transmissao da imagem e a duracao de tempo necessaria a sua apreensao sens6ria. A dimensao temporal do video é uma caracteristica fenomenologica que o transforma num acontecimento 00:rank°. E necessario, parem, conforme argumenta Arlindo Machado, serem distinguidas duas perspectivas diferenciadas da transmissao direta da mensagem audiovisual no meio eletramico: a do tempo real, que diz respeito a simultaneidade do tempo simbolico corn o tempo de exibicao das imagens e sons, e a do tempo presente, que diz respeito ao que reconhecemos como o tempo ao vivo, ou a simultaneidade do tempo de emissao corn o tempo de recepquo (Machado, 1988, 67-82). Para Machado, no caso do tempo real, encontramos as performances de video em tempo real, bem como a ideia de presente simulado. Id no segundo caso, no caso do tempo presente, ou o tempo ao vivo, em que he a transmissao de imagens no mesmo momento em que ocorre a sua captagao, o trabalho de arte se confunde com o seu pr6prio processo de elaboracao e, nao havendo possibilidade de controle sobre o motivo enfocado, a obra se toma inteiramente uma questa° de presente exercido, da ordem do acaso e da imprevisibilidade.

Corn a utilizacao do recurso criativo do tempo real no video é possivel observar que a obra passa a existir nao apenas como o resultado de uma manifestacao acabada, mas esse tipo de estrategia estetica ressalta o proprio processo de elaboracao da obra coma forma constitutiva da construcao de senddos. As circunstancias de criacao corn o video em tempo real dizem respeito a permirir que o espectador compartilhe a experiencia do trabalho no decorrer do mesmo tempo em que ocorreu o "ato" e nao necessariamente oferecer estruturas significantes encerradas em si mesmo ao espectador. Ha, dessa maneira, a transformacao de uma 16gica de pratica artistica - calcada em ideias estruturalizantes e formalistas - para a 16gica organica da pratica vivencial, por meio de urn mesmo tempo vivido simbolicamente entire quem faz e quem recebe a obra. Na direcao das performances de video em tempo real, Marca registrada, de Leticia Parente, dialoga corn outros trabalhos extremamente radicais como os de Sonia Andrade realizados tambem nos anos 1970. Esses trabathos de Andrade sao apresentados como uma serie de oito videos. Em urn deles, "corn martelo e pregos, a artista prende a prapria mao sobre a mesa, em outro ela envolve seu rosto corn fib de nailon ate a sua total deformaga°, e em um outro corta os pelos do corpo corn uma pequena tesoura, mutilando sua aparencia". Da mesma forma, Anna Bella Geiger cria a videoperformance Passagens n° r, em que conceitualmente gera uma "travessia virtual" numa escadaria, corn a linguagem da tessitura eletr8nica. Nessa mesma geração de artistas e obras Ivens Machado realiza Versus, em que a camera registra em simultaneidade ora o rosto do proprio artista, ora o de um outro homem, em certo angulo da parede. Em Sobremesa, Paulo Herkenhoff literal-

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mente ingere noticias de jornal que abordam o universo oficial da arte, sob o dominio da ditadura, mastigando-as e engolindo-as diante da camera. Obras do periodo pioneiro, elas indicam um ponto de partida para a arte do video no Brasil e suas interseccOes entre arte e politica. Videoperformances: das experiencias pioneiras Is contemporfineas

interessante notar que muitas das manifestagees performaticas corn o video observadas no periodo dos anos 1970 ressurgem mais recentemente, embora os contextos, de modo geral, sejam completamente outros. Esse é o caso da videoperformance Desenho corpo (zooz) de Lia Chaia, urn exercicio limitrofe entre corpo e video. Nessa obra, a artista esta nua diante da camera. Ela desenha sobre seu Inc:Trio corpo, corn uma caneta esferografica de cor vermelha, ao ritmo de uma rnüsica que a acompanha. Ao iniciar o processo de desenhar sabre a propria pele, Chaia nao sabe em que momento terminara a performance, pois a mesma tanto podera ter como limite de duracao o tempo da fita Mini-DV (uma hora) quanto o tempo de desgaste da tinta da caneta. No decorrer do desenho, as linhas tragadas pela caneta transformam seu corpo numa imagem de chaga. 0 vermelho da caneta toma conta de toda a cena, e a superficie do corpo confunde-se corn as linhas e os pixels da superficie da pr6pria imagem videografica. 0 gesto de Lia Chaia de intervengao na pr6pria pele faz corn que repudiemos a imagem, a estranhemos por completo. Ao final, o trabalho termina aos 51 minutos, no momento em que termina a tinta. Na performance de Lia Chaia diante da camera de video, acompanhamos durante seus i minutos de dura460

gao toda a ordem de interferencia e estranhamento visual num corpo absorvido entre as dobras da vida publica e privada: urn corpo midiatizado a partir da sua transformagao diante do aparato eletronico. Ao mesmo tempo, o corpo-video de Lia Chaia nos revela uma nova ordem de manifestacao subjetiva, no nivel da micro-politica, enquanta corpo desejante, transformador, aberto em sua intimidade e consciencia critica a experiencia artistica. Desenho carp constitui urn repertOrio de visao sobre o corpo na contemporaneidade. Como nas videoperformances pioneiras dos anos 1970, nessa obra, e o corpo em performance, em relacao direta corn a camera, que constroi a age° narrativa. Tal tipo de manifestagao tangencia o momento em que seus criadores se auto-referencializam e associam o seu prOprio corpo no ceme da pratica discursiva, convertendo o video em uma ferramenta conceitual na produgao artistica. E por conta da atitude de expor frontalmente esse corpo em tempo real, e, por conseguinte, compartilhar simbolicamente corn o pirblico o processo ao qual ele é submetido — possibilitando a insercao iMnterrupta de todo o processo criativo, do tempo e da acao continua — que obras como Desenho corpo de Lia Chaia tern a habilidade ainda hoje de expor o corpo em seus esgarcamentos, seus percursos gestuais, suas contundencias, suas acees limitrofes, estranhas de serem absorvidas. A diferenga entre as videoperformances realizadas nos anos 1970 e as realizadas mais recentemente reside no contexto de criagao de cada epoca. Tanto em um quanta em outro contexto, corpo e video sao revelados como instrumentos politicos, coma fronteiras de manifestacao estetica e atribuidos

coma mecanismo de circulagao de mensa T gem e ideias. Em relacao ao maquinario videografico oferecido na atualidade, as equipamentos existentes na decada de 70 eram raros, eminentemente anal6gicos, pesados e de dificil acesso. Embora o video representasse o mais puro campo do experimentalismo, uma tecnologia emergente, ou a vanguarda dos meios eletronicos, nao foi permitido aos seus pioneiros no Brasil o acesso aos equipamentos de edicao. Usavam o Portapack2 da Sony, que ora 'hes era disponibilizado por um amigo — vindo do exterior corn a novidade ora par alguma instituicao que os cedia para a produgao especifica de um trabalho, on eram adquiridos de modo ilegal, clandestinamente, por contrabando. Associavam em suas obras o conceitualismo, a performance e a body art, bem como questionavam os meios de comunicacao de massa. Ao longo dos anos 1980 e inicio dos I990, os processos de trabalho entre corpo e video sao apresentados de forma bem diferenciada. Ha uma crise de identidade, e mesmo que o pals respire ares outros que nao os do totalitarismo, ha urn grande ressentimento. Em decorrencia disso, inicia-se tambem a busca por novas atitudes e processos de afirmacao tanto politica quanto estetica. Enquanto os criadores do periodo pioneiro revelam uma resistencia e consciencia critica em torno do poder autoritario do governo militar e da midia televisiva, a geracao que surge nos anos 1980 — que diferentemente da geracao anterior cresceu vendo TV —busca, por outro lado, acrescentar a essa perspectiva critica uma linguagem propria para o meio e gerar alternativas criativas de se relacionar corn essa midia.

Essa nova geragao se organiza em tomo produgao independente e a abertura de novos circuitos de exibicao pan o video. Os trabalhos de video desse periodo processam o corpo por meio dos procedimentos de manipulagao e edicao das imagens. Eles tendem de uma forma geral a fragmentar o corpo e a decomp8-lo em urn ritmo alucinante. E na reconstituicao desses fragmentos multifacetados do corpo que ocorre a visao de organismo e de uma nova imagetica para ele. Nesse periodo, o corpo recebe toda ordem de interferencia no video. Ele reticulado, multifacetado e segmentado. Os ininneros efeitos introduzidos pelo computador na edigao, as alteragees de velocidade, as fusees, os freneticos movimentos de camera e os compassos ritmados dos cartes impedem que o corpo seja vista nas variagoes lineares do tempo real. J1 em torno dos anos 1990, os artistas que trabalham com o video no Brasil deslocam suas visoes para nog6es de urn corpo hibrido, on urn novo corpo que emerge. 0 corpo passa a ser modelado e transformado corn os recursos propiciados pelos meios digitais. Toda ordem de artificio é possibilitada a imagem e a veracidade entre corpo real e corpo construido passa a ser questionada. Corn a insergao dos computadores na cena cotidiana, intensificam-se as relagoes entre o homem e as maquinas de modo geral, bem como ha a ampliagao do uso de cameras de vigilancia num amplo escopo. Verifica-se, nesse periodo, o corpo como potencializador dos transitos e das interfaces propiciadas por todo o universo da informatica e pelas redes de comunicacao, como a Internet e a telefonia celular. A partir dos recursos oferecidos pelos meios interativos, as experiencias de arte intensificam a partilha do gesto criador corn o proprio

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CORPO E VIDEO EM TEMPO REAL — CHRISTINE MELLO

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receptor, reconfigurando, desse modo, seus dialogos em tempo real. No inicio do seculo 21, o video no Brasil já se encontra consolidado como linguagem, possui urn caminho pr6prio no circuito das artes e é uma das tecnologias mais prOximas e acessiveis aos artistas. Inserese plenamente no contexto digital, corn cameras leves, uma variedade de aplicativos de edigao, bem como enorme difusao e atualizagao tecnolOgica propiciada por sua associagao ao computador. Nao se trata mais - como no periodo pioneiro - da exploraga° de uma inovacao tecnolOgica, mas de urn campo de passagens expandido para as mais diferentes areas. Diferentemente dos anos 1970, fazer video hoje em dia de forma rudimentar - ou seja, sem contar corn a complexidade do processamento eletr8nico - consiste, muitas vezes, em trabalhar na contra-corrente do sistema, no sentido oposto daquilo que já se estabeleceu reconhecer coma o mainstream na linguagem audiovisual. Denota urn retorno a tradicao dos primeiros tempos, ao mldo de urn ciclo de experiencias - de cerca de 30 anos - como provavel forma de reposicion amento e atualizacao dos conceitos le contidos. Embora esses trabalhos sejam considerados na atualidade como de produccio caseira, é possivel observar que sao obras sem nenhuma concessao, que nao banalizam o corpo e tampouco elaboram cenas familiares ou reconheciveis em nosso cotidiano. Dessa maneira, muitas das videoperformances produzidas hoje em dia recuperam as experiencias em tempo real dos anos 1970, embora tangenciem urn mundo contaminado pela proliferagao das interfaces, das imagens de sintese numerica e dos tempos simultaneos das redes de comunicacao on-line. 482

Espasos/tempos da subjetividade

No conjunto diverso das videoperformances aqui relacionadas - tanto em experiencias coma as de Leticia Parente nos anos 1970 quanta em experiencias coma as de Lia Chaia no inicio do seculo 21 - nos sao perrnitidas visOes particulares de corpo e video, que causam incomodos, verdadeiros estranhamentos. Percebemos nessas obras estrategias esteticas em que o corpo nao é meramente objetificado, mas sim agente - emissor e receptor ao mesmo tempo - do gesto performatico e da criagao de aciies participativas. Nesses casos, o sujeito, embora aparentemente solitario, interage corn a camera e situa-se na maimia das vezes em dialogismo corn os dispositivos. A imagem é centrada no ponto de vista da camera videografica e, na falta de contraplano, poderiamos identifica-lo como a dimensao da pr6pria camera, denotando uma quarta parede. A presenga do "outro" é assim destruidora, diz respeito ao visor da miquina inserida no quadro discursivo. Em embate direto e em tempo real, é a camera videografica que acompanha toda a acao, questiona e traz tona o conteildo critico. A importancia dessas experiencias reside no modo coma se expoe o corpo de maneira direta e testemunhal, no realismo corn que os criadores manipulam a linguagem e no agenciamento dos conteados simbolicos da cena videografica. Nao se trata de percebermos necessariamente urn corpo definido par intermedio do processamento eletrOnico, mas sim, de identificarmos um corpo que se toma o sujeito do discurso diante da camera. Urn corpo critico, politico, que questiona sua propria condigao, aberto frontalmente a exposicao poblica, e que se desconstr6i a nossa frente, insubordinado as conven-

c6es vigentes da linguagem videografica e ao que a cultura dominante habitualmente the impae coma natural e aceitavel. Tais trabalhos de auto-imagem em video mostram diferencas de atuagao entre urn corpo objetificado - coma no caso da tradigao da pintura e da fotografia dos retratos e auto-retratos - para urn corpo autoral, performatico, que toma posicoes, decide, interage corn o meio e é o responsavel pelos designios no interior da obra. Cria uma especie de ambigiiidade, coma se fosse possivel haver autonomia entre o autor do trabalho e o corpo que atua no interior da obra. Urn corpo enunciado pela maquina e exposto frontalmente por ela: ao mesmo tempo que é a enunciacao, a mensagem, é ele tambern quern, ao vivo, de forma performatica, tern o poder de dirigi-la e transforml-la. E nessa sintese, no embate nao-hierarquico entre corpo e tecnologia, que tais videoperformances se concretizam. Um nao se sobrepoe ao outro, eles dialogam entre si. Em grande parte, é na Ka° do video, em tempo real, captando todo o processo criativo, que sao possibilitados tais espagos novos de identidade para esse corpo que emerge. Uma experiencia do movimento, do tempo nao-estitico, que oferece, trabalhos artisticos inusitados e carregados de subjetividade.

No desejo de urn corpo atuante, a idea de urn exercicio politico. Num tempo mediado pela tecnologia, esses frabalhos inserem corpo e video conceitualmente no campo da arte/vida. Num momenta em que a contemporaneidade aponta pan a ideia de urn carpa acoplado as maquinas coma urn sujeito interfaceado e pie acena para a perspectiva de criagao de membros artificiais-inteligentes para seres humanos, esses corposvideos subvertem a lOgica predominante ao insinuarem que a ideia de corpo nao pertence a categorias idealizadas, mas sim a urn estado de questionamento de suas potencialidades sensiveis. No embate aberto e simples, bem como no jogo limitrofe entre corpo e midia eletronica, encontramos uma postura estetica direta, do universo do que possa ser considerado coma o mais puro registro de agao, ao que poderiamos interpretar como novas perspectivas poeticas na arte. Esses corpos-videos ampliam, assim, dominios da linguagem e causam deslocamentos. Corpo e video sao tratados nesses trabalhos como praticas esteticas e politicas, como espacos/tempos da subjetividade, como campos de experiencia ern que se tern a oportunidade de operar alguns dos muitos transitos e cruzamentos criticos entre o homem e a maquina.

Versa° revisada pelo autor para esta publicacao. [N. 0.]

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Situaccies transitivas


Discurso aos Tupiniquins ou Nambas MARIO PEDROSA m paises como os nossos, que nao chegam esgotados, ainda que oprimidos e subdesenvolvidos, no nivel da histOria contemporanea, mas que flutuam por sua situacao necessaria sobre a linha do meridiano major ou francamente mais abaixo dela, quando se diz que sua arte é primitiva ou popular vale tanto quanto dizer que é futurista. Nos velhos paises de franca civilizacao burguesa nao é assim, e o caminho da arte bifurca-se ou trifurca-se, em veredas que sobem na escala social para perder-se nos vertices das diversas elites que se fixam no delta extremo das especializagoes ou que fluem para baixo como um filete d'agua que desaparece no subsolo ou estanca em charcos. Nunca tantos isrnos cobriram areas tao pequenas, singulares e extravagantes para consumidores tn. () refinados ou mais sutis. Nos outros paises aquelas filigranas ou ramificacoes chegam como subprodutos elitistas das orlas das capitais, dos aeroportos cosmopolitas, dos shoppings ou supermercados e hoteis transnacionais. Fora dessas areas ha as oficinas de artesanato, o trabalho nao propriamente assalariado, mas onde se trava o esforco anonimo da criatividade, da inventividade autentica, quer dizer, o esforco para a coletividade. A arte nesses rincates tern suas raizes na natureza ou

tudo o que a esta pertence — terra, pedras, arvores, bichos, ideias ou quase ideias que escudam dificilmente das coisas e das gentes que com estas convivem, corn estas se misturam cu talvez se completam. Aqui, o que é natureza ja é cultura e o que é cultura ainda é natureza, mas nao se confundem e menos ainda se fundem, pois nao se trata do processo triedrico da dialetica, que terminaria, ainda que provisoriamente, em uma sintese. 0 que aqui acontece é outra coisa, é o nascimento de urn quarto reino mais para la dos tires tradicionais da natureza, o anio vegetal, o mineral, quer dizer, o reino da arte. Esta nao é uma afirmacao tao audaciosa quanto parece. Para demonstra-lo basta levantar a seguinte questao: quem criou a arte? 0 homem. Como? Quando? Toda a historia da arte esti hoje em irremediavel decadencia ao tentar responder a pergunta. 0 estado da questa° este agora tanto mais inextrincavelmente confuso quanta se levanta hoje nas grandes metropoles uma piejade brilhantissima, cultissima, de espfritos para proclamar que a arte morreu. Outros, talvez nao menos brilhantes, dizem que nao, e defendem com unhas e dentes as instituigoes dedicadas a promocao da arte. E claro que a arte nao pode morrer porque ninguern a pode matar, uma vez que esti condiciona-


da nao $6 a historia do homem como tambarn a histOria mesma da natureza. 0 que acontece e que existem sociedades proplcias ao desenvolvimento do fenOmeno artistic° e outras que já nao o sao. As grandes sociedades industriais ou superindustriais do Ocidente, a medida em que se desenvolvem, cada vez mais movidas por urn mecanismo intern° inexoravel em sua continua expansao, que subordina todas as classes a seu frenetic° ritmo tecnolOgico e mercantil, castram as colmeias de toda criatividade e tiram qualquer oportunidade aos homens de vocagao ainda desinteressada e especulativa para resistir a corrente de forca que conduz tudo e todos vertiginosamente a voragem do mercado capitalista. Chama-se arta, sob este condicionamento, algo como uma relativamente nova profissao ou oficio que traduz objetos sui generis que agradam a vista ou ocupam recintos fechados de urn modo caprichoso ou mesmo sedutor, quer dizer, nao em funcao utilitaria direta, como mesa, armario, urinol. Ha -bastante clientes para consumo destas coisas. Enquanto haja clientes pan compra-la esta "arte" existe. E daro que se fazem muitas promocoes para que o distinto comercio prossiga; pan isto superabundam galerias, museus, bienais, trienais etc. E sintomatico que esta atividade esteja hoje submetida a vastissima indUstria da publicidade, que a protege e assegura seu progresso e sua persistencia. Aqui, e definitivamente, a velha arte perdeu sua autonomia existencial e naturalmente espiritual. E nao ha que chorar por ism; tentar restaura-la é uma tarefa anacronica, condenada de antemao como uma das muitas restauragees das quais a hist6ria da arte ainda recente conhece tantos epis6dios fracassados. Os artistas, os criticos, estetas e ate sociOlogos, condutores do mundo das artes e

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de outras coisas das grandes metr6poles, sabem melhor que ninguem que o "revivalismo" é uma falsa solucao e, conscientes desta falsa via, eles se lancam na direcao contraria ao vanguardismo. Nestas metrepoles pOs-indUstrias, de avancos tecnolOgicos vertiginosos, as vanguardas artisticas sucedem-se dia a dia, levadas por uma necessidade premente de mudar o produto para contentar uma dientela que nao gosta em geral de investir no já visto, como os artistas, principalmente Joyens, tampouco gostam de repetir o que se esta fazendo. Nao é mudanga de estilo, como nas grandes epocas, o que se verifica no domini° das artes plasticas, é antes a estilizagao ou o processo de modemizagoes que se comemora todos os anos nas feiras e sail:5es de automOveis nas grandes capitais da Europa e America. Nos paises da periferia, na faixa do subdesenvolvimento, as vanguardas tambem aparecem, mas aqui seu prop6sito seria antes o de afirmar-se como up to date. Elas tern, entretanto, os olhos postos nas irresistiveis mudangas ditadas pela lei da civilizagao do consumo pelo consumo, quer dizer, a dos grandes mercados. Por isto nossos artistas "de vanguarda" estao sempre correndo atras para alcancar a ultimissima novidade. Esta corrida — as estatisticas o demonstram cada vez mais — é uma va e triste ilusao. Os paises pobres e subdesenvolvidos ja nao podem alcangar o avanco dos ricos. Esta disparidade verifica-se tambern no campo da arte. Aqui, igualmente, a quantidade se transforma em qualidade. Na fase historica em que estamos vivendo, o Terceiro Mundo, para nao marginalizar-se de todo, para nao derrapar na estrada do contemporaneo, tern que construir seu prOprio caminho de desenvolvimento, e forcosamente diferente do

que tomou e toma o mundo dos ricos . do hemisferio. A historia cultural do Terceiro Mundo ja nao sera uma repeticao em raccourci da historia recente dos Estados Unidos, Alemanha Ocidental, Franca etc. Ela tern que expulsar de seu seio a mentalidade "desenvolvimentista" que é a barra em que se ap6ia o espirito colonialista. Este implica a estilizagao do automOvel e seus complementos que vao ate o vestir, a casa, o viver, a decoragao, a recreacao. Para o seu desenvolvimento, a Tanzania preferiu o ensinamento da China; Saigon, o de Washington. 0 simbolo do progresso daquela foi a estrada de ferro, o desta foi o bordel. Sao estas opgoes fundamentais. Pela lentidao mesma do seu desenvolvimento, a arte dos nossos paises jã nao podera repetir a evolugao dos paises industrializados. A civilizagao burguesa imperialista este num beco sem saida. Deste beco nao temos que participar — as bugres das baixas latitudes e adjacencias. As populacoes destituidas da America Latina carregam consigo urn passado que nunca lhes foi possivel sobrepujar ou sequer exprimir, quer dizer, faze-lo teoricamente; porque tal expressao nos chega em livros na major parte deformados ou disfarcados nas mas historiografias de origem metropolitana. As vivencias e experiencias destes povos nao sao as mesmas dos povos do norte. Sao muito diferentes, ainda que suas aspiracoes sejam contemporaneas. Na verdade, a qualidade da vida, como se diz hoje no jargao politico da Europa (Franca), difere da de nossos povos, como o pisco do vinho. Os pobres da America Latina vivem e convivem corn os escombros e as cheiros inconfortiveis do passado. Os ultramodemismos e alguns de seus progressos, de molde comumente americano, estao umbilicalmente vinculados a nossas favelas e barriadas. 0 paradoxo é que

estas sao as que nao mudam, como nao mudarn a miseria, a fome, a pobreza, chogas e ruinas. Mas 6 por al que passa o futuro. Aqui esta a opcdo do Terceiro Mundo: urn futuro aberto ou a miseria etema. Necessariamente, instintivamente, esse futuro recusa os produtos ultramodemos das areas adiantadas da civilizacao "transnacional", que de futuro s6 apresenta a aparencia. Efetivamente, o que ela nos propoe como futuro sao na realidade variantes do status quo que o imperialismo trata de defender por todos os meios, inclusive a guerra. A Unica arte suscetivel de renascimento, quer dizer, de encontrar continuidades culturais imprevisiveis ou nao suspeitadas, nao pode resultar de ideias abstratas, deduzidas do progresso permanente do cosmopolitismo multinacional. No entanto, é desta derivacao abstrata que se nutre o processo da sucessao obrigateria das vanguardas já aqui analisadas. 0 mapa das escolas, ismos e estilos que se sucederam a partir, digamos, da pop art anglo-americana, indica a origem derivada dessas sucessoes. A tarefa criativa da humanidade comega a mudar de latitude. Avanca agora para as areas mais amplas e mais dispersas do Terceiro Mundo. A miseria, a fome, a pobreza podem conduzir ao desespero suas populagoes (assim o cr'e e disto adverte a sua gente o presidente do Banco Mundial, o senhor McNamara), mas elas nao estao contagiadas o bastante pelos poderosos complexos s adomasoquistas que reinam na sociedade da riqueza, da prosperidade, da saturacao cultural para serem levadas ac suicidio coletivo. E mais lOgico que se espere delas algo mais positivo para arremeter-se contra o status quo. Existe mesmo em process°, em andamento urn pouco por toda pane, um projeto a realizar, condicao sine qua non para

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DISCORSO AOS TUPINIOUINS OU NAMBAS - MARIO PEDROSA

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conceber o futuro, ou seja, manter aberta para todos uma perspectiva desimpedida de desenvolvimento historic°. 0 que é isto senao uma revolugao. A unica realmente suscetivel de mobilizar os povos da maiona da humanidade. A anica positivamente concebivel como a tarefa hist6rica do vigesimo primeiro seculo. Somente dentro deste contexto universal sera possivel pensar no engendramento de uma nova arte. Sera esta uma das faces mais vitais deste prisma revolucionario em gestacao nas entranhas convulsas dos povos que Fanon chamou os "danados da terra". Puro visionarismo? Da no mesmo. E talvez um ponto de partida metodologicamente necessario para abarcar em sua totalidade a vasta problematica apocaliptica da divisao dos povos do planeta entre o imperialism°, seus satelites e acaudilhados, tacitamente mancomunados para defender, em altima instancia, por todos os meios, o status quo, e a imensa maioria dos outros, de preferencia de ragas nao-brancas, condenados como por uma maldicao biblica a fome e ao atraso. Quem esquece esse dilema preliminar nao pode falai-. Ja está mobilizado pelo outro lado, pelo lado de cima. Já se colocou, mesmo que nao saiba, na outra perspectiva de que nos fala Samir Amin. Daqui se pode entender a profunda diferenga entre o que ainda se conhece pot arte no hemisferio dos ricos e imperiais e o que pode ou deve surgir em nossos mundos deserdados. A arte, na medida em que existia entre os burgueses imperialistas, é cada vez mais um claro capricho, de luxo, estetizante, que se consome a si mesmo, indiferente a tudo o mais. Estudando o panorama da arte de seu tempo, em pleno triunfo do fascismo, Walter Benjamin via no manifesto futurista de 470

Marinelli sobre a guerra da Etiopia "a perfeita revelagao da arta pela arte", o coroamento de sua suprema palavra de ordem: Fiat art, pereat mundus. Comentando este alto pensamento da estetica fascista, Benjamin alcanca tal acuidade que suas palavras de entao, 1936, sac) de uma atualidade espantosa: "Ao tempo de Homer°, a humanidade se oferecia em espetaculo aos deuses do Olimpo; ela se fez agora seu prOprio espetaculo. Tornou-se ela bastante estranha a si mesma para conseguir viver sua pr6pria destruicao como urn gozo estetico de primeira ordem". Uma geragao depois do fil6sofo, quando uma segunda guerra imperialista passou, mais devastadora ainda que a primeira, a arte continuou sua carreira inexoravel para o ocaso, ainda que esta can - eira nao se fizesse linearmente e sim aos tropecoes, corn fulgurantes espasmos revolucionarios, que dada e o surrealismo anunciaram e Marcel Duchamp, a sua maneira, incorruptivel e laica, acentua nos momentos do antivaticinio e da contestagao perrnanente. Consciencia nao profetica, mas no fundo sisternatica da negatividade, ele preside a evolucao estetica -nao-estetica do seculo. Atras dele vem os artistas de hoje, com suas proclamas revolucionarias. Urn deles comeca pot refazer sua descoberta do ready made, mas substitui o primeiro exemplo historic°, "o urinol", pelo corpo vivo e belo de seu proprio modelo: é Pierre [Piero] Manzoni, que morreu aos 30 anos, em 1965, nao se sabe de que. De si mesmo? Depois, da mesma famiia, chegam os protagonistas da "arte corporal". Como que amparando-se ainda no mestre incomparavel e distante, atacam-se ao prOprio corpo, invocando a tonsura que Du-

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champ se havia feito na cabega, sob a forma de uma estrela. E impossivel nao evocar as velhas palavras de Benjamin, em face das experiencias revulsivas destes ultral6gicos niilistas da "arte corporal": "Tomou-se [a humanidadel bastante estranha a si mesma para [...] viver sua propria destruigao como um gozo estetico de propria destruicao como urn gozo estetico de primeira ordeaf'. E logo a figura de Rudolf Schwarzkogler nos vem a mente: urn ano mais mogo que seu emulo italiano quando morreu (1969), este jovem artista austriaco, arrebatado por seus impulsos autodestrutivos e narcisicos, inconformado com os determinismos atavicos da vontade de ser, iniciou uma sane de atos de agressao ao pr6prio corpo e acaba por cortar o penis, imolado a obscuras ideias (ou purgas?) pelas quais se matou. Estes atos de agressao ao corpo, objeto de adoracao, de repulsa e oclio, abrem a sane de noes que querem ser edificantes para a familia da "arte corp6rea". Seria simples demais, alern de injusto, identificar formalmente eestetica" destes artistas, cujo pensamento explicit° é negar toda estetica, corn a atitude tao claramente sadica de Marinetti e seus seguidores. He uma diferenga substancial entre os Marinetti de entao e os artistas da "arte corporal" de hoje. Naqueles, os determinantes sadicos predominavam e Marinetti cantava

de gozo ao espetaculo da destruicao dos negros da Abissinia sob os bombardeios aereos dos fascistas italianos, palidos precursores dos bombardeios supermodemos dos americanos contra os vietnamitas de nossos dias. Nos artistas de agora, as atavismos que pensam sobre eles, sejam alemaes, austriacos, italianos, americanos, franceses, sao tao complicados que escapam a analise. Nao se oferecem aos outros como espetaculo como faziam Marinetti e seus fascistas: se dao a si mesmos, pois seu corp6 é seu objeto, o objeto de sua busca. A destruicao volta-se contra eles mesmos, contra o que nao sao em seu ser mesmo; pura autodestruigao, é esta que se cid em espetaculo — e espetaculo que pretende ser edificante. Querem edificar pela autodestruicao. 0 ato estetico, que sempre negaram, transforma-se em ato moral. Como qualificar tais acaes? Como testemunho de urn condicionamento cultural final, sem abertura, nem existencial, transcendental. 0 cido da pretensa revolucao fecha-se sobre si mesmo. E o que resulta é uma regressao patetica sem retorno: decadencia. Aceitam a morte como inevitavel, em nome da saturagao cultural e da irracionalidade invencivel da vida. Chegam ao cut de sac perfeito. Entretanto, abaixo da linha do hemisferio saturado de riqueza, de progresso e de cultura, germina a vida. Uma arte nova ameaga brotar.

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0 destino nas ruas: intervensoes no espaso urbano WILSON COUTINHO

El

fleineur de Baudelaire encontrava na cidade moderna o entusiasmo de uma visao que se esgotava no consumo da preppria agitagao urbana. 0 fltineur nab é urn vidente, mas urn armazem de imagens. E fato que o flcineur nao e urn tipo criado por Baudelaire. Ele já se movia na Restauracao, de Balzac, que criou o modelo. Baudelaire observou-lhe o apetite, esta funcab do Gosto, pantagruelicamente devorando o luxo, a luxaria e o misted() da cidade modema: as vitrinas, o fru-fru das sedas das grandes damas, as carruagens, as prostitutas, o teatro, "o heroism° da vida modema", instalando-se na cidade. Na mesma epoca em que Baudelaire escrevia seu famoso texto, em 186'3, Nova Iorque era uma cidade provinciana, convivendo corn o barulho da Guerra Civil. A idea de cidade modema era Paris. Poe, urn americano, compreende urn dos signos da cidade urbana modema: o crime e o seu detetive, este descobridor da fatalidade e do desconhecido no aglomerado urbano. 0 flaneur urn esteta tanto quanto o crime é uma obra de arte. De Quincey dada a urn livro de ensaios urn titulo petulante: 0 assassinato considerado como Belas-Artes. Quando Poe escreve Os crimes da Rua Morgue, em 1841, localiza sua acao em Paris, que

desconhecia, e oxide nao existia Rua Morgue, mas o que the devia interessar era a organizacao da cidade modema, corn sua "policia cientifica", concebida por Napoleao e Vidocq, a agitacao da populaca e a excitacao sensorial das luzes e obscuridades da cidade. "Entao (ao cair da noite) nos famos pelas ruas, de bracos dados, continuando a conversa do dia, errando, ao acaso, ate a uma hora tardia e procuravamos atraves das luzes desordenadas e nas trevas da populosa cidade estas inumeras excitacaes espirituais que o estudo tranqiiilo nao pode oferecer". Assim se move o detetive criado por Poe, contemplador da Cidade. Esta estetizacao possui um sentido, que é diverso da especulacao diante dos objetos industriais tanto como da cidade do seculo XX. Esta estetizacao é sensorial e perceptiva e nao ativa e produtiva. Em certo sentido pertence a contemplacao. Ou seja, a cidade é permeada de passividade para o recolhimento estetico, que brota diretamente da novidade da cidade e de suas transformacaes. A diferenca logo vire. Na verdade, a cidade ou o novo espaco urbano nab é tematizado pela pintura, no seculo XIX, mas sim a paisagem e a percepcao de luminosidades nao estao distante da percepcao urbana dos literatos. Mas, já Seurat preocupa-se corn esta facil identificagao


entre percepgao direta e objeto pintado. "Veem poesia no que faco. Nao: aplico meu metodo e nada mais." Sabe-se de onde vem este metodo: das teorias das cores, ditas cientificas, de Maxwell, Rood e Chevreul. E o seculo em que Comte procura akar a biologia e a sociologia a conhecimentos supremos. Natureza, homem e vida social necessitam de uma organizagao racional, cientifica. Nao que a cidade - nem a paisagem ordenem-se desta forma; ao contrario, a cidade é inteiramente conclusiva. Em 1848, Baudelaire participa da insurreicao popular nas mas parisienses e entre os breves 18 de margo ate 27 de maio de 1871, a Comuna de Paris la- az o "cell a terra". Alem disto, como hoje, o crime é a revelagao dos extremos do espago urbano: descobrem-se as esquinas, o suburbia ordinario, o casebre mal iluminado, o operario desempregado que assassina •a irma que se prostitui, o psicopata sexual que arrasta para o burburinho do cotidiano •a sua demencia desarticulada que a multidao averigua nas xilogravuras impressas em jomais populares expondo a cidade como fatalidade aberta ao imprevisivel. Contudo, ha metodo para perceber e acolher esta desarticulacao. Neste caso, Zola nao esta distante de Seurat. Objetividade e ciencia sao elementos que procuram a compreensao deste cadinho, onde toda uma ordenagao é desejada. Na medida em que o espaco urbano aumenta e se complica, toma-se cada vez mais lugar simbalico para a arte modema e, em oposicao, a cidade toma-se cada vez mais desconhecida. A cidade é uma fenomenologia. Desprende constantemente aparencias que sao reveladas pelo espectador que agora partilha de perspectivas descontinuas. Nadar sobrevoa, num balao, Paris. A cidade que fora, para o antigo viajante, algo presente no horizonte é agora uma colegao de per474

fis. Digamos que no passado, ela resumia-se a ser frontal. Florence, dix-sept mule vine moindre que Ferrare et grandeur, assise dans tine plaine, entouree de mille montaignettesfort cultivees, escreve o secretario de Montaigne, acompanhando o filosofo na sua viagem a Italia. No seculo XIX, ela é urn desdobramento perceptivo. Corn humor, Charles Dickens faz Pickwick observar incessantemente uma Unica ma, que se torna urn misterio para os seus olhos. "This, pensou o Sr. Pickwick, sao as vistas estreitas desses filosofos que, contentando-se corn examinar as coisas que jazem diante dele, nao enxergam as verdades atras delas. Eu tambem poderia contentar-me corn olhar indefinidamente para a ma Goswell, sem o minima esforgo por penetrar as ocultas regiöes de todos os lados a circundam". Da fenomenologia de uma ma s6 aos assassinatos da Morgue, dos desenhos de Seurat captando trabalhadores corn tracos de crayon a exaltacao da festa popular que Renoir deixard corn suas pinceladas espagadas, o espaco urbano significa urn constante ato da vontade desveladora. Isso atraird a modernidade do seculo XX. Leger colocard a ma no ramo das Belas-Artes e um "pedaco de vida" surge se vista do terraco de cafe, onde tudo se transforma em espetaculo. 0 espaco urbano é o Ser da obra de arte. Estetizado pela obra literaria ou objeto para a arte, o espaco urbano deixa de ser uma experiencia da percepgao para receber sua ordenagao racional. 0 planejador urbano é o homem da medida. E preciso mesurar a cidade para os seus habitantes. Se o mato& tinha sido uma maneira de o artista perceber a sua experiencia, sem a desmesuracao da percepgao ou se poderia colocar a vida (é o caso de Zola) sobre determinacoes, uma nova experiencia do artista encontra este mundo demasiadamente ordenado tempos depois.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS 0 DESTINO NM RUAS: INTERVEN(OES NO E5PAc0 URBAN° - WILSON COUTINHO

Sem o sagrado, sem a politica comunitaria, sem mais a divisao entre o que é da esfera pUblica e o que é da vida privada, o espago urbano torna-se diante da modernidade avancada algo que é dupla: lugar da singularidade, da irrupgao da desordem e lugar da ordenacao tecnica, da massa que dilui o rosto singular. 0 espaco urbano objetivado pela tecnica, pela policia, pela introjecao da lei abstrata em todos individuos comega a se desconhecer como fundamento da beleza modema. Tot-na-se objeto da malignidade, sem repousar em nenhuma aka, porque na cidade populosa, a adesao do individuo a lei nao pressupoe nenhum lago afetivo corn o outro. Na ficcao contemporanea o horror permanecer nas ruas. Depois, sabe-se: a rotina é o deus do sistema social. Whitehead mostrou. que sem o encadeamento da rotina qualquer sistema social desaparece. Quando a arte foi para as was nos happenings dos anos 6o, nas praticas sociologicas do produzir "choque" para o public° urbano ou quando agora nos metros novaiorquinos ou nas nossas ruas avolumam-se signos an8nimos é possivel que haja a ilusao de romper corn a rotina. 0 Maio de 68 na Franca, a Ultima aventura do distico surrealista, esta cumplicidade de Marx corn Rimbaud, foi estancada quando a engrenagem social exigiu o relagio da rotina. Se nao fossem os conservadores seriam as dangarinos que paralisariam sua Danca, porque sena necessario colocar mercadorias nas vitrinas on organizar operarios para a produgao de ago para automoveis on - vingado o sonho - carrosseis para girar a etema rotina da Utopia Estabilizada. Courbet possuia sua razao especifica: é preciso dar tiros nos relogios.

Desde Poe on de Baudelaire o que pulula no espago urbano é a camara escura da Rotina. Digamos que é a sua Estetica. A desordem, a agitacao, o imprevisto, o novo repetido alimentam as intervencoes simb6licas do artista. A modemidade - sabe-se nao sao obras de arte moderna, mas sua acao e reacao diante da propria modernidade, o que é urn dos paradoxos sociais da obra de arte modema. A modemidade e o seu espaco urbano carregam a individualidade para a sua dilapidacao constante. E mesmo este espaco é hoje alga que se contrap5e ao sentimento moderno, transformando-se em passado. E hoje necessario reconhecer-se nos signos que prop5em uma memaria, urn lago estreito corn a pequena e desfavoravel aventura corn o passado: predios, arvores, habitats que deixaram tracos de convivio personalizado. E natural que sabre a individualidade despojada a obra de arte no espaco urbano proponha a sua afirmagao. Mas de onde ela pode extrair a sua positividade e sua afirmacao senao de algo que os individuos despersonalizados, esfinges de si mesmos, nao conseguem suportar? Diante do jogo rotineiro e mecanico da vida, a obra de arte joga corn o acaso o feliz acaso - que devolve para as vidas individuais o que elas sao e o que sempre foram: destino. Ao abrir-se para a identidade do individuo despersonalizado, a obra de arte mostra-lhe o que significou a sua perda individual: jogo e gozo aberto ao mundo, a sua chance de individualizar o seu destino como obra de arte, a sua chance de se reconhecer numa hist6ria que, ao lhe escapar, surpreende-o porque exige a sua presenca, a sua intervengao nao impessoal.

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Regressio e tradisio na arte contemporinea* PAULO SERGIO DUARTE

E

stagnagao e desencanto encon- poraneo. (E aqui, corrija-se logo o risco da tram-se na base do fenomeno que generalizacao evitando enfiar o homem se convencionou chamar de pos- medio, o trabalhador "reificado" ou "unidimodernism°. De urn lado ha uma especie de mensionado", nesse bolo.) Este mantem seus mudanga de velocidade e de direcao no mo- deuses e seus mitos ainda que metamorfovimento das esferas da arte e da ciencia, seados. Para ele, o que alguns intelectuais principalmente se examinarmos esta filtima consideram uma "reificagao da vida", é amdo ponto de vista de sua instrumentalizagao plamente compensado se houver a certeza na tecnologia. Enquanto o campo da arte pa- da mesa farta, do descanso semanal, do acesrece ter encontrado e tragado seus limites no so ao ensino fundamental e aos antibioticos, interior do horizonte historic° mais recen- da casa prOpria. Enfim, ele quer a certeza de te, a ciencia e a tecnica apresentam urn mo- paz e sossego. Podemos, portanto, depreender que o vimento incessante e acumulativo dando fundamento a afirmacao de Popper de que 'progress° atua de modo diferente no cam"0 progresso continuo é uma pane essenci- po da arte e no da ciencia. Para a cienda é al do carater racional e empirico do conhe- elemento constitutivo do proprio conhecicimento cientifico; se deixa de progredir, a mento como uma exigencia interna, na arte so se evidencia a posteriori, nas rupturas, nas ciencia perde seu carater. E esse crescimencicatrizes que deixa no simbOlico, na afirmato que a torna racional e empirica („J"! Ambas as esferas - arte e ciencia -, quando gdo de uma diversidade de manifestacOes confrontadas corn o mundo e corn a vida, num mesmo momento historic°, onde fica apresentam-se como urn elenco de promes- impossivel ser reduzida a urn eixo linear. sas nao cumpridas. Nem a arte, explorando Uma producao artistica nao substitui a que seus limites, reconciliou o homem corn a lhe antecedeu por ser melhor, ou sua forma natureza, nem o conhecimento cientifico e mais avangada, do mesmo modo que uma o desenvolvimento das forgas produtivas teoria da hereditariedade ou urn teorema construiram o mundo prometido h5 mais de matematico. Nao podemos substituir as sinfonias de duzentos anos. Dos fins nao cumpridos, do fracasso teleologic°, da desesperanca, deri- Beethoven pelas de Mahler, da mesma forma que se fez corn a nogeo de impectus da fivaria a situagao blasé do intelectual contem-


sica medieval depois da descoberta da lei da inercia. A presenga da verdade na obra de arte nao esta sujeita a evidencia da demonstragao, a prova de testes empiricos, nem comprometida corn o real. Mesmo o leigo intui que Mahler pressup5e Beethoven do mesmo modo que o Barroco pressupOe o Renascimento e Cezanne pressupOe Manet e o Impressionismo. A ideia de progresso este, portant°, presente na historia das formas. Mas esta presenga é distinta na arte e na ciencia. Nesta, é inerente ao processo; se quisermos, o progresso é imanente a ciencia. Nao é possivel fazer ciencia atraves de movimentos regressivos sem conduzir a estagnagao de todo urn campo do conhecimento. E mais, na ciencia a estagnagao 56 é garantida atraves da agao exterior da ideologia. Sao exemplos classicos desse caso a resistencia da Igreja Romana as teses do heliocentrismo no inicio da era modema e a "teoria" genetica de Lyssenko na Thissia de Stalin. Tanto o geocentrismo como a "dialetica da natureza" lyssenkista se sustentam em "visOes de mundo" que o progresso da ciencia contrariava. Na arte, diversos periodos de sua hist6ria conhecem o retorno a valores do passado como condicao para o avango. Regresso e progresso tecem uma rede de interagOes extremamente complexas onde parecem ser mais imediatas que na ciencia as determinagoes sociais quando observados certos momentos retrospectivamente. A Renascenca é o mais tradicional desses exemplos onde valores do passado sao revividos para fundar uma nova ordem estetica. 0 neoclassicismo do final do seculo XVIII e inicio do XIX pode, igrualmente, ser lembrado. Mais proximo de nos, o romance de Thomas Mann se funda nas conquistas da narrativa do seculo XIX, abrindo ma° de experien'cias formais, 4713

sendo, de modo evidente, uma obra que vive intensamente o seu tempo. As relagoes da pintura de Bacon corn o Expressionismo seriam da mesma natureza. A dimensao da questa° historica em Mann e existencial em Bacon nos deixam a impressao de uma ontologia pratica que vivencia uma falta ao abrir mao do risco da experiencia radical na linguagem. Mas, talvez pot isso mesmo, parecem levar as filtimas conseqiiencias, adogindo os limites da obsessao, suas escolhas, seus projetos artisticos. Num outro sentido e por motivos quase inversos, a mesma sensagao nos 4 transmitida por obras como [In coup de des, Finnegan's Wake, o action-painting e tantos outros trabalhos que marcam a modemidade. Dessas rapidas observagoes pode-Se concluir que as relagoes entre ideologia e arte gozam de certa intimidade ambigua e ambivalente. Os efeitos da reacao catolica a Reforma nos deram o Maneirismo e o Barroco alem da Inquisigao, a reagao nazi e estalinista a modemidade capitalista no campo da arte nos deram uma lista de prisoes, assassinatos e urn realismo bead°. Ora, o que esta sendo chamado de p6smodernism° nao é mais do que a emergencia dos valores da sociedade de consumo ao campo d a cultura dos especialistas num momento em que esses valores já se encontram disseminados na cultura do homem na vida cotidiana das sociedades contemporaneas. Os limites tragados pelos trabalhos de um Picasso, de urn Mondrian, de um Malevich, de urn Pollock ou de urn Rothko, para nos atermos aos exemplos da pintura, parecem desaparecer, ou melhor, parecem nunca ter existido. 0 mundo inaugurado por Cezanne deixa de ser marco de referencia e assiste-se a regressao no senddo psicanalitico do termo. Recordemos o

sentido freudiano do conceito corn o apoio cuidadoso de Laplanche e Pontalis: "Num processo psiquico que contenha urn senddo de percurso ou de desenvolvimento, designa- se pot regressao urn retomo em sentido inverso desde um ponto já atingido ate urn ponto situado antes desse. (...) No seu sentido temporal, a regressao sup:5e uma sucessao genetica e designa o retomo do individuo a etapas ultrapassadas do seu desenvolvimento (...). No sentido formal, a regressao designa a passagem a modos de expressao e de comportamento de nivel inferior do ponto de vista da complexidade, da estruturacao e da diferenciacao."2 A grande novidade que nos trazem as capitais e colunas dos predios e ambientes arquitetonicos pos-modernos é a cultura do homem medio suburbano, distraido de interesses formais mais elaborados, ignorando-os mesmo, na sua preocupagao corn o bem-estar de sua que passa agora destilado e filtrado pelos especialistas. Nao ha retomada de

valores do passado para construcao do presente, nem haveria sentido para isso. Ha, e assustam as conseqiiencias culturais da emergencia da classe media, agora acompanhada de urn redimensionamento da divisao social do trabalho, corn a propria revisao radical do conceito classic° de trabalho que nos foi transmitido pot Adam Smith e Ricardo. Para quem observa a esfera da arte e sua historia, os limites da modemidade se mantern e nao se encontram superados ern nenhuma das manifestagoes chamadas de pos-modemas. Ao contrario, apontam para o carater regressivo destas altimas, portanto, rompendo corn a tradicao da modemidade que era de trabalhar nos limites, na inscricao de sucessivas rupturas consigo mesma. Resta saber se o mundo que esta sendo realizado no triunfo da razao, da ciencia e da tecnica, tao distante de suas promessas originals, tern necessidade de trabalhar corn a nogao de limite e corn o conceit° de Historia. Essa discussao extrapola o campo estetico.

Notas • Nota de 2006:Esse texto, escrito em 1987, aborda o tema do progresso na arte de forma diferente de minhas posigees atuais. 0 mesmo tema voltou a ser tratado por mim de mcdo menos ambiguo no texto As tecnicas de reproducao e a ideia de progresso em arta (1999). In: Duarte, Paulo Sergio.ATrilha daTrama e outros textos sobre arte. Org.: Luisa Duarte. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. Paginas 200-217.

1. Popper, K. R. Conjecturas e refutacoes. Traducao de Sergio Bath. Brasilia, DF: Editora da Universidade de Brasilia, 1972. P. 17 z. Laplanche, J. e Pontalis, J.-B. Vocabulario da psicanalise. Traducao: Pedro Tamen. la edicao. Sao Paulo: Martins Fontes, 1970. Paginas 567-568

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

REGRESSAO E TRADIcA0 NA ARTE CONTEMPORANEA - PAULO SERGIO DUARTE

REGRESSAO E TRADIcA0 NA ARTE CONTEMPORANEA - PAULO SERGIO DUARTE

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Evento acha cidade morta dentro da cidade atual LORENZO MAMMI esde a primeira exposicao, no antigo matadouro, o Arte/Cidade procurou garimpar espagos que estivessem de alguma forma esquecidos ou invisiveis — invisibilidade de significados, que nao exclui uma visibilidade fisica gritante, como o Vale de Anhangabaa, onde foi realizado o segundo bloco do projeto. 0 Arte/Cidade 2, de fato, tratava de uma invisibilidade de superficie. 0 Arte/Cidade 3, ao contrario, descobriu uma cidade morta nas entranhas da cidade atual. 0 dado que mais impressiona, nessas ruinas, é menos a monumentalidade do que a proximidade de lugares densamente freqfientados. Surpreende nunca termos visto esses espagos, como nao vemos os tens que atravessam quotidianamente a cidade. A diferenga de Rio ou Salvador (para nao falar das metrapoles europeias e norte-americanas), Sao Paulo é uma cidade cega, que nao ve a si mesma. 0 grande merit° do Arte/ Cidade é remexer nessa cegueira, cutucar a amnesia coletiva, nao tanto de urn ponto de vista do documentario, mas no piano do imaginario. Ao trabalhar a cidade invisivel como objeto visual e nao apenas como histaria, faz corn que ela seja percebida como algo que esta aqui e agora, nao s6 como signo do pas-

sado ou possibilidade no futuro. E nos obriga, por tabela, a nos interrogarmos sobre o fato de nunca a termos visto. Contudo, o projeto parece-me estar numa encruzilhada: ate agora, apresentou-se como exposicao de arte, mas essa classificagao toma-se sempre mais problematica. A arte nao é a (mica maneira de intervir visualmente num espago, embora tradicionalmente seja a mais prestigiosa. Mesmo em suas formas mais abertas (instalacao, "site specific", "land art"), a obra de arte possui suas regras, sem as quais simplesmente des aparece como objeto estetico: quando se instala num espaco, chama-o a si, faz dele o espago da obra; e seu significado pertence a historia da arte (as outras obras), mais do que a urn espago ou a uma coletividade, ainda que possa incidir sobre eles. Nisso está sua autonomia, que nao pode ser revogada. Mas é isso, justamente, que a torna dificil de set manuseada, quando o discurso que se pretende fazer corn ela nao propriamente ou apenas estetico. 0 problema do Arte/Cidade 3, enquanto exposigao de arte, nao é a falta de boas obras (ha algumas, embora nao muitas, e pelo menos duas bastante significativas): o problema é pie, se as obras fossem outras, o significado da exposigao seria mais ou menos o mesmo.


Talvez isso se deva a uma evolucdo natural: a medida que avanga, o projeto adquire espessura, seu sentido se solidifica. Par isso mesmo, o espago de manobra dos artistas se estreita, e as possibilidades de gerar urn significado autonomo se reduzem. Ou talvez a crise surja por termos chegado, dessa vez, ao ceme da questdo: Sao Paulo nao nasceu de urn conjunto de moradias, mas de uma empreitada industrial, que já embutia em si toda a violencia posterior. A descoberta da cena do crime, a exumacao do cadaver é tdo impactante que nao deixa espago pan comentarios. As obras ficam margem. Quern sabe nao seja o caso, em vista de urn Arte/Cidade 4, de mudar radicalmente de formula, pensar em algo que ndo seja propriamente uma exposicao, ainda que conte corn a participack de urn ou outro artista. No entanto, coma disse, ha pelo menos dois artistas que conseguiram se inserir corn autoridade no projeto - nao por serem necessariamente mais habeis ou inspirados do que outros, mas pot terem linhas de pesquisas que os colocam naturalmente na nova situagao, sem sacrificio nem solug5es forgadas. 0 primeiro é Nelson Felix, que despontou recentemente como urn name de peso nacional, corn duas esculturas que foram a melhor obra brasileira na ültima Bienal de SO° Paulo: naquela ocasido, duas grandes formas suspensas de marmore branco reproduziam secees do cerebro humano, mas, para urn espectador desavisado, mais lembravam dois cetaceos encalhados. No char), abaixo delas, havia fendas umidas, como se daquelas formas pingasse uma secrecao capaz de corroer o concreto. Era um trabalho baseado numa idea do organic° como metamorfose, geracao e degeneragdo continua de formas. A intervencOo no Moinho Central vai na mesma direcdo. 4E12

0 Moinho é urn edificio de seis andares, de que sobraram pavimentos e vigas e quase nenhuma parede. Do ponto de vista formal, urn predio de nniltiplos andares é uma diagramagao do vazio, uma tentativa de reduzir o espago aereo em paralelepipedos. Num predio em minas, o espago aereo reconquista seus direitos: algumas divisoes permanecem, mas revelam toda sua precariedade; o chOo em que pisamos já nao é tar) chao como antes. Nelson Felix recortou grandes quadrados de concreto em urn dos pavimentos, e os suspendeu por cabos de ago a poucos centimetros do ch5o do andar de baixo. A sensagao de alarme, proporcionada pelo equilibrio precario das grandes massas de concreto, mistura-se ao fascinio pela multiplicacdo de perspectivas que os recortes proporcionam, reproduzindo, na vertical, a mesma fuga perspectiva que a derrubada das paredes criou na horizontal. A destruigdo da arquitetura, antes de chegar ao mero informe, gera uma multiplicagao de possibilidades formais - uma metastase perspectiva, como numa Prigione de Piranesi. A outra artista que alcangou exito pleno foi Laura Vinci. Aqui tambem a estrutura da obra transgride a estrutura do espaco, corn sua divisao por pavimentos. Nesse caso, porem, nao ha recortes brutais: apenas urn pequeno buraco, que deixa cair num sutil fib de areia. No andar de cima, a areia, amontoada na curva redonda de uma duna, abre-se progressivamente numa cratera, escorrendo para o andar de baixo. Uma construgao em minas é uma construcao que nao consegue mais estancar o tempo. A areia é tempo enquanto erosdo e tempo enquanto ampulheta. Mas, sobretudo, é tempo enquanto movimento que depende do vento, da umidade, do peso variavel dos gthos e, no entanto, acaba criando formas perfeitas pela sua

propria entropia, que equilibra e anula cada movimento corn urn movimento oposto. Assim, o monte de areia toma-se forma exemplar de continuo temporal, ern oposigao ao edificio, forma exemplar da descontinuidade da hist6ria. E a areia recobre esse cubo industrial cam a mesma regularidade inexoravel e doce com que já recobriu as pit-amides do Egito. No fundo, a coluna de areia que oscila ao vento no Moinho Central, medindo a distancia temporal entre teto e pavimento, é uma versa° mais incorpOrea de outros trabalhos da artista: listras escuras que sugerem uma verticalidade possivel cu serpenteiam no chdo, deixando adivinhar uma curva invisivel na atmosfera. De fato, desde que comegou a fazer

esculturas, Laura Vinci busca pontuagoes ritmicas do espago vazio, mais do que volumes construidos. 0 'exit° dos trabalhos de Nelson Felix e Laura Vinci se deve sobretudo, a meu ver, ao fato de terem encarado o Moinho Central como urn problema formal e riao apenas como tema ou cenario. Assim, a hist6ria do edificio insere-se numa questa. ° bem mais ampla: o contraste entre espagos ilimitados e construidos, tempos infinitos e descontinuos. 0 miter individual e historic° do lugar Ina se dilui por isso - ao contrario, adquire major pungencia. E a obra de arte aimpre a fungao que, afinal, lhe compete desde sempre: gerar identidade entre particular e universal.

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPORANEAS

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EVENTO ACHA CIDADE MORTA DE NTRO DA CIDADE ATUAL - LORENZO MAMMI

EVENTO ACHA CIDADE MORTA DENTRO DA CIDADE ATUAL - LORENZO MAM MI

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Arte & Cidade

NELSON BRISSAC PEIXOTO arei uma rapida apresentacao de um projeto em busca de seu caminho organizacional ou insfitucional, na me-dida em que comecou ha dois anos, no ambito da Secretaria Estadual de Cultura, na gestao Ricardo Ohtake, e hoje, em vista da crise enfrentada pelo Estado brasileiro e pelas estruturas publicas, procura caminhos fora das instituicaes pfiblicas. Gostaria de esdarecer aos convidados estrangeiros que acredito estarmos vivendo urn momento historic° especifico no pais, um momento em que a producao da arta, especialmente da arte pUblica - e isso é uma discussao nao pode ser feita sem considerar o ambito institucional, organizativo. Hoje, no Brasil, a criagao de arte é dupla, ou seja, enfrenta problemas exclusivamente esteticos e problemas de ordem politica, econamica, de producao, que demandam invencao. Precisamos discutir altemativas de criacao num sentido mais amplo do conceito de cultura. Par isso, mais que o projeto Arte & Cidade, essas sera° as questOes alvo de minhas consideragoes - na verdade, mais inquietacoes do que propriamente respostas. Primeiramente, you apresentar um resumo do que foi o projeto Arte & Cidade em suas duas versoes iniciais.

No matadouro No interior de urn antigo matadouro abandonado, na Vila Mariana, abordamos o peso de uma cidade asfixiante, visando a trabalhar urn universo cerrado, em que a falta de janelas provoca uma experiancia direta de confronto corn a materia, corn urn skyline muito proximo, corn o obstaculo. Urn dos trabalhos apresentados nesse matadouro foi uma intervencao de Carmela Gross, centrado no chao e realcando a questa° da gravidade. 0 uideomaker Eder Santos trabalhou imagens captadas em alta velocidade, das janelas de metros e trens. Depois, utilizando slows, provocava a reaparicao dessas imagens, projetadas em montanhas de terra. Todo o procedimento realcava a textura da imagem-video em confronto com a textura da terra. Foi realizado tambem, pelo fotografo Cassio Vasconcelos, urn painel fotografico de 14m de comprimento, corn uma montagem de cenas da cidade de Sao Paulo, corn a tiragem em uma (mica foto e colada diretamente na parede. 0 matadouro suscitou tambem todo urn questionamento sabre o problema da histofia do local. 0 pintor Marco Gianotti fez uma


sala densamente vermelha, usando pigmento bruto, colado na parade. A instalagao Inferno, do videomaker Arthur Omar, usou cenas de violencia urbana e de matadouro, na pane de babto, e, na pane de cima, imagens de urn cau corn nuvens em movimento. 0 music° e poeta Arnaldo Antunes trabalhou com affiches comuus de ma que anunciam shows, colando uns sobre os outros, e depois passou a rasgar pedagos desses lambe-lambes. 0 resultado sao articulagoes inusitadas e novas das palavras, formando significados distintos. 0 escultor Jose Resende trabalhou corn urn guindaste, que empilhava enormes blocos de pedras ate atingirem urn ponto maxim° de sustentacao. Toda a questa° da sustentagao e do peso era discutida nesse trabalho infinito de montar e desmontar aquela especie de piramide de pedra. Este foi o primeiro momento do projeto, no inicio de 1994. A segunda etapa foi realizada no final do ano. No centro da cidade

0 segundo evento, ao contrano do primeiro, foi realizado bem no centro da cidade, no topo de tees predios do Vale do Anhangaban, em tomo do viaduto do CM, qua é o mais importante da cidade. E, por certo, a regiao de Sao Paulo mais densamente percorrida durante o dia, grandes escritorios, movimento intenso... Ocupamos o altimo andar desses nes predios e, ao contrario da primeira situagao, em que tudo era circunscrito, aqui tinhamos de enfrentar essa deriva, e o public° tinha de encontrar urn pouco seu caminho, subir e descer dos predios, percorrer obras. Em outras palavras, tivemos de enfrentar a questa° dos espagos desmedidos, recorrendo a 488

efeitos e protases opticas, a aparelhos e a todas as formas de ocupagao de um espago translacido, extremamente lave, que apontava sempre para fora. Assim, aqui, a questa° da janela foi dominante. Um dos trabalhos mais significativos talvez tenha sido o do fotografo Rubens Mano. Era urn trabalho notumo. Em cada urn dos dois lados do viaduto, no topo de uma especie de tone, ele colocou holofotes do Exercito para iluminar avi5es em guerra. Mos os holofotes ficavam deitados e criavam dois fluxos de luz que cortavam diagonalmente o viaduto, cada qual percorrendo o vale num sentido. Isso fazia corn que os transeuntes que atravessassem o viaduto a noite fossem repentinamente iluminados. Por urn anico instante, a silhueta da pessoa ficava marcada por aqueles fachos de luz, sem qua, no entanto, a sombra dela fosse refletida ena lugar algum. Tinhamos uma reflexao sobre o inverso da fotografia, pois neste caso nao se registra a imagem, corn enfase no carter solitario e efernero da presenga do individuo na grande cidade. Num trabalho de Regina Silveira, toda a questa° Optica foi abordada numa anamorfose.Tratava-se de urn olhar qua so se conseguiria corn uma camera fotografica ou se o observador se postasse no ponto central do trabalho, que foi instalado no quinto andar do prodio da Eletropaulo, ao lado do viaduto do Cha. Em cima estavam janelas verdadeiras e embaixo uma superficie de plastic° corn janelas pintadas, formando urn "V" fechado. A forma era bem fechada, convergindo para o centro do trabalho. As janelas jam diminuindo de tamanho de tal forma qua, do centro do trabalho, tinhamos a profunda impressao da falta de solo e de estar vendo as janelas da parte de baixo do edificio.

No trabalho de cinema interativo apresentado pelo artista Wagner Garcia, o publico manejava um stick por meio do qual controlava a deconencia de uma trama que se passava em varias telas. Foi urn exercicio de participacao ativa do pablico ern imagens qua estavam guardadas em memoria de computador. Havia determinados momentos em qua o public° podia intervir, decidindo pelo andamento da trama que se desenvolvia all. 0 trabalho do cineasta Tadeu Knudsen fazia uma homenagem ao nascimento do cinema, a forma de projecao corn a lantema magica. Ele montou uma tela de 3om de comprimento, corn faixas sustentadas por ba15es, corn uma fonte de luz muito forte e urn tablado no solo. Assim, quem passasse por ali, poderia fazer seu teatro de sombras, qua seria projetado na tela. Houve uma participacao muito ativa de todos que cruzavam o Vale do Anhangabaa. 0 artista Guto Lacaz construiu uma especie de periscopio corn 28m de altura, corn espelhos na parte de baixo e na parte de cima. Quern passava pela ma e olhava pelo periscopio via, em tamanho natural e como se estivesse diante dela, o qua estava acontecendo na exposigao no quinto andar e vice-versa: Quem estava no quinto andar e olhava pelo periscOpio via, no mesmo plano e em escala urn para urn, o que estava acontecendo na calgada. Esse trabalho nao 56 provocava o public° do ponto de vista ludic() mas, sobretudo, produzia uma inquietacao a respeito das escalas, das alturas e das relagoes espaciais. Corn esses poucos exemplos procurei ressaltar que o projeto procurava reunir diferentes artistas, corn diferentes linguagens e suportes, em diferencas situacees na cidade. Destaca-se, tambern, o fato de qua ales

foram levados a trabalhar em situacaes naousuais, corn meios nao-naturais a seu trabalho e a seus habitos. Cu seja, o artista foi deslocado de sua situagao de trabalho tradicional, no atelie, na sala de montagem, e tambem conviveu corn outros artistas. Esses eventos foram preparados ern vinos workshops e reuni5es, durante meses, nos quais se fez uma leitura desses espacos e se prepararam as obras e as intervenceies. Deslocamento e convivencia

Gostaria de ressaltar qua esse trabalho preparat6rio é pane constitutiva do projeto como urn todo, no sentido de provocar urn deslocamento do artista corn relagao a seus meios convencionais de trabalho e lava-lo a uma inquietagao a respeito do outro, das diferengas quanto a outras linguagens. Essa convivencia, apesar de muito tensa, é muito rica, muito criativa. 0 qua esta sendo sugerido é que essas passagens de uma linguagem para outra, de uma situacao para outra, essas interagees é qua constituem o came da producao artistica contemporanea. E o que eu queria destacar, como base para estabelecer novos mapas e novas visoes da cidade. A meu ver, a cultura contemporanea so pode ser o reconhecimento dessas complexidades, dessas diferencas in -edutiveis, qua na verdade escapam a toda reuniao catalogatoria, a todo sistema. E isso exige uma constante negociagao corn todos as sistemas de significagao, de socializagao e de poder que, na verdade, constituem a cidade. 0 que me interessa, no que podemos chamar de arte pablica, nao e o fato de qua ela se de na rua. E primordialmente o fato de qua ela envolve urn espectro maior de situacales. E enfrenta-las exige maior riqueza de aportes, urn dialog° mais amplo, lidar corn

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ARTE & CIDADE - NELSON BRISSAC PEIXOTO

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urn flamer° maior de tensoes do que no trabalho em locals, institucionais ou nao, já destinados a uma atividade artistica. Esse é o contraponto que pretendo discutir. Enquanto a arte classica e a renascentista identificavam-se corn a cidade, no sentido de que, em grande medida, elas ordenavam o espaco social e a visao da cidade, a arte contemporanea, ao contrario, reencontra seu papel na cidade justamente como indicio ou trabalho sobre essas diferencas e essas multiplicidades. Arte & Cidade A arte, assim como a filosofia, é modo de habitar a cidade. E, nesse sentido, a arte nao existe na cidade. Ela 6 a cidade enquanto a cidade reflete a si mesma. Ela apresenta o estado do trafico de interesses, paixoes, pensamentos, tudo aquilo que envolve nossa experiencia urbana. E, sem clUvida, impossivel fundar definitivamente as existencias, garantir o lugar de cada um. Obviamente, essa vocacao original, tradicional da arte é contestada pela fragmentagao, pela ruptura, pelas tensoes da grande metrOpole. Definitivamente perdemos nosso habitat, a possibilidade do domus, da cidade que, em grande parte, atraves da arte e da politica, subtraia e resolvia essas contradigOes. Qualquer paulistano, que é assaltado na ma, a toda hora, sabe muito bem que estamos longe de viver ao largo das grandes tensaes sociais caracteristicas da cidade contemporanea. E essa a cidade em que vivemos. E essa a cidade corn a qual o artista vai ter de conviver, se quiser ser artista. Se quiser trabalhar em uma redoma de vidro, ele procura urn espago protegido e al nao se fala mais de cidade. 0 artista urbano vive nessa zona incerta, dessas passagens todas, e é nesse contexto que a arta forte pode se fazer.

Ao mesmo tempo, a metrOpole tende a fazer da cultura urn museu. A inchistria cultural, os habitos, as tradicoes, tudo o que esta em tomo da producao cultural tende a conforrnar, a orientar, a disciplinar a cultura. Em outras palavras, a transforma-la em urn museu no que ele tern de pior: urn espaco onde todas as culturas, todas as diferengas sao suspensas. Esse é o ideal da tradicao de quem lida corn a cultura e de quern consome cultura tradicionalmente. De fato, ao verdadeiro artista s6 resta pensar o que sobra, o que nao se encaixa nisso, o que nao tern lugar nesse processo de integragao imposto pelo sistema de consumo da cultura. Ao artista cabe o impensavel, o invisivel nesse sistema. 0 artista e aquele que lida corn o complexo, corn o que nao tern medida, que justamente a megalopole. Nesse sentido, intervengoes urbanas como Arta & Cidade, como muitas que Anne Pastemak apresentou, nao sao propriamente arte na ma. Nao sao exatamente arte em espago public°, usando necessariamente supones como muros, calgadas, meios de comunicacao, em contraposicao ao espago interior, institucionalizado, das galerias e museus. A cidade significa, antes, urn novo campo, urn espaco mais amplo, instaurado por essa intervengao e pelo objeto artistic°, redefinindo as tradicionais contraposigees entre interior e exterior, ma e galena, ou seja, tomando muito mais ambiguas essas polaridades. Onde termina a rua ou uma edificacao qualquer da cidade e comega o museu, 6 nesse limite que e interessante explorar essas tensoes. Ao se pensar nessa linha, redefine-se nossa forca. Arte pablica, para mim, pode sugerir a iniciativa de uma autoridade publica sobre urn espaco comunitario. Ou seja, implica a polernica sem Em sobre as criterios que o

Estado deve ter para organizar a intervencao artistica na ddade. Esse tipo de polemica no tern sentido, nunca chega a lugar algum. Espaso ptiblico em crise 0 proprio conceito de espaco public° esta em crise. Numa cidade onde nao se sabe mais o que é public°, o que é privado, fomos alienados do espago public° que, in verdade, é urn espaco de guerra. No Brasil, as estatuas e os monumentos sao cercados de grades para evitar que a populagao destrua aquilo que deveria comemorar nossa hist6ria. 0 espaco privado é uma coisa invadida, assaltada, atacada. Em suma, a discussao sobre espaco public° e privado é muito mais complexa do que a instituigao tende a nos fazer acreditar. Quando o espago public° esta em crise, preciso pensar que tipo de intervengao pode ajudar a nos relacionarmos corn essa cidade contemporanea na qual o espago pUblico esta em crise. Antes de mais nada, deve-se distinguir arte, pot urn lado, de administracao do espago public°, por outro, pois esta ültima tende a set feita cada vez mais pela policia e, ultimamente, ate pelo Exercito. Acredito que a intervencao artistica contribui para redefinir o espaco Urbana, ao criar novas tramas corn a arquitetura e o urbanismo e as situacoes sociais ao redor. 0 que esta em discussao é o espago urbano, nao o que j6 esta garantido. 0 espago urbano e o resultado da intervengao artistica, nao o campo pre-organizado, estabelecido para que isso se de, caso a atividade artistica tenha alguma forca e alguma fungao. IntervengOes como as apresentadas aqui nao sao, portanto, meras exposigoes coletivas. Na verdade, elas propOem uma adequacao aos espagos e uma relacao entre artistas e linguagem. E uma experiencia do espago. A ci-

dade é pretexto para colocar a questao do lugar da arte, a questa° da natureza do trabalho artistic° e, por outro lado, a questaoda cidade. Em minha opiniao, as duas coisas vem juntas. E implicam, inclusive, uma ruptura corn o esquema tradidonal da criagao artistica, corn o genio e o mecenas que banca o sujeito que faz uma obra, o artista e o trabalho artistic° desligados dos processos de producao. 0 artista nao é aquele que pensa para que outras pessoas facam. No contexto que discutimos aqui o artista é jogado em uma situagao na qual a produgao do trabalho artistic° 6 parte constitutiva do resultado final, em que sua participagao no processo como urn todo é parte constitutiva da obra. Ou seja, ele se relaciona corn todos os processos: pedir permissao ou auxilio de organismos püblicos ou privados, fazer as montagens e desmontagens, obter materiais complementares. /lido isso passa a set parte do trabalho artistic° que, par isso, tomase menos esquizofrenico. A experiencia da cidade passa a ser constitutiva do fazer arte, o que aponta para o surgimento da figura do artista como ser metropolitano — uma figura que esta me interessando muito.Thdo isso obviamente traz a tona, mais do que nunca, a questa() da atualidade da obra para um lugar, urn sitio especifico. Corn a ressalva, sempre, de que sao intervengoes locais, ligadas a experiencia e a historia de determinado lugar. Sao intervengOes modestas, muitas vezes muito efemeras, ainda pontuais e, sobretudo, que reconhecem a complexidade da cidade. A grande contribuigao das decadas de 1980 e de 1990 é o reconhecimento de que a cidade é grande demais, complexa demais, confusa demais, agressiva demais para que urn urbanista, urn arquiteto, urn ulna) artis-

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ta possa desenha-la, possa impor a ela seus designios de leitura e articulacao. A cidade já nao se deixa mais reduzir como a grande utopia modernista e Brasilia é exemplar quanto as ambigoes que se tomaram pequenas diante das situacaes urbanas enfrentadas hoje redefinindo claramente o que seja intervengao urbana, a experiencia da cidade. 0 confronto corn esse complexo imensamente grande passa a nortear e dar outra escala para a intervencao de cada um na cidade. Esse caos urbano — e basta chover para tomar daro o que significa isso— o pano de fundo de minhas questoes. Nem é preciso lembrar as observagoes de artistas como Serra, de que a obra feita para urn "Inge nao implica uma simples adequagao as caracteristicas historicas ou tradicionais desse local. A arte nao vem ressaltar apenas os aspectos já inscritos no local, revelar uma magia que já esteve presente nele, reduzindo toda obra a decoragao.Trata-se de se distanciar do conteado preexistente no lugar, adicionando algo a ele. 0 trabalho de leitura que vem sendo feitoe o de analisar o sitio e defini-lo em funcao da obra, nao em fungdo da configuragao preodstente naquele espago. 0 sitio é redefinido e nao simplesmente representado. A forga desses trabalhos traz isso. A obra pan urn lugar especifico evidencia, entao, que o local este em permanente mutacao, que urn espaco de passagem. E é assim que experimentamos a grande cidade hoje. Nao ha referencia a uma localizacao primordial, estavel, ao nosso lugar de nascenca onde tudo deu certo, onde ha arvorezinhas, onde se passeia, a nossa casa... Ha urn espago tensionado, questionado, dificil. 0 artista nao busca lugares particularmente dotados de significado historic° ou 490

imaginario ja garantido. Ele nao trabalha corn a imagem deles, mas corn essa confrontagao espacial. Ele procura converter esses locais de transit°, tipicos de nossa dinamica urbana moderna, em locais de experiencia. A cultura contemporanea, porem, opera sempre de acordo corn o dispositivo das insos museus, os centros de novas tecnologias, os circuitos das grandes exposigOes que ja chegaram ao Brasil, corn a de Rodin —, tudo isso. Por tras dessas mega-exposigOes esti sempre a ideia de criar monumentos que sirvam de base ou lugar para uma especie de reanimagao da cultura contemporanea. Independentemente do fato, de extraordinaria importancia, de que tantas pessoas tenham ido a Pinacoteca para vet a exposigao de Rodin, fiquei surpreso ao ver que a televisdo apresentou essa exposicao como se fosse urn renascimento da cultura na cidade. A exposigao acabou e acho que o que sobrou foi que compraram alguns Rodins dos franceses... Quero enfatizar que, por tras de grandes exposicoes como essa, esta a ideia de criar monumentos que sirvam de base — como se eles o garantissem — para o ressurgimento da cultura. Nao pot acaso, coexiste corn essa tendencia outra, que a gente já ye nos Ultimos anos, que é a da construgao acelerada de novos centros culturais, comportando uma gama de atividades cada vez mais abrangentes. E infinito, parece que tudo tende a ser centro cultural. Isso me lembra o filosofo Francois Lyotard, segundo o qua!, nas cidades atuais, tudo deve ser assinado, comentado, portanto monumentalizado. Parece que as capitais modernas dedicam todo o seu tempo a essa memoria das civilizacees e os inventarios nunca estao completos, os mu-

seus estao sempre em provas, nun trabalho infinito de catalogacao, de reuniao, de exibigao. Tudo o que é introduzido transforma-se em monumento, corn urn cartao de identificagao, uma etiqueta dentro de uma colegao. 0 museu monumentaliza. Entrar no museu é o reconhecimento definitivo da obra. Os vestigios monumentais, porem, nao• sao fieis aos acontecimentos passados. Obviamente, os museus nunca apresentam ao vivo o que passou, portant° as obras perderam sua presenga efetiva. No caso do museu, isso é curioso, o evento tern de set perdido para depois ser comentado como vestigio de si mesmo. 0 museu é urn registro, o que esta la e um registro do que foi. Adomo faz uma comparacao interessante entre os inuseus e os gabinetes de histofia natural, abrigando objetos corn que o visitante nao tern mais uma relagao vital e em processo de perecimento. Nada do que é exposto no museu contemporaneo ao olhar.

Arte & Museu Isso nao quer dizer que o museu seja necessariamente urn mausoleu da arte e que o grito daquelas obras nunca ecoe ali. E comum dizer-se que as obras estad presas no museu. Ao contrario, tambern se pode dizer que, em geral, as obras estao encarceradas 11 fora, como objetos culturais e de espetaculo, objetos de consumo. Isso depende muito do ponto de vista. Pot afastar as obras dessa contingencia, o museu poderia revelar o que elas tern de mais vital, poderia conservar muito de sua capacidade criativa. Dai por que a selegao de obras dos museus precisa set muito guiada pela escuta do apelo que esses restos ainda guardam. 0 museu, no entanto, tambem pode ser urn outro tipo de lugar. Como diz o arquiteto

Louwys, pode ser um lugar diante do qual adquirimos o senfido da presenga, no qual percebemos que alga emerge, algo acontece em meio a esse caos do mundo. E o acontecer da obra de arte que estou procurando evocar aqui, um instante que interrompe o fluxo da histOria e lembra que algo ocorreu an. Os grandes tirmulos tern que ver corn isso, a obra esti all. Evoco, portant°, a presenca inexoravel, o espanto do encontro corn a obra de arte na cidade. Exposicao é a idea de que ocorre alguma coisa, de que isso existe em arte agora. Na verdade, o dilema enfrentado pelos museus modemos — e eu nao queria estar na pele de quem lida corn museu — é abstrair as obras cu repti-las em seu lugar de Origem. As exposigees sempre tentam reconstituir o que era ou colocam a obra isolada deritro de uma sala branca. Fazer pegas dispares dialogarem ou justapo-las, reconstituir a erica ou canceler as referencias, tudo isso diz respeito a criagao desse momento, desse instante. 0 museu pode fazer emergir o que esta presente na obra. Mas, em geral, a obra é ignorada em sua heterogeneidade, e o interessante é justamente essa heterogeneidade, as diferengas que permitiriam que algo acontecesse. 0 monumentum converte-se entao ern estabelecimento quando, de fato, absolutamente nada esta estabelecido. 0 monumento erguido contra a inercia toma-se justamente o estabelecimento do esquecimento. Assim as obras podem ate morrer nos museus, pois, como dizia Lyotard, a obra, no fundo, é esquecida como grito. Assim, o museu nao contribui absolutamente para a arte, nao aporta nada a criagao artistica. Pot isso é que muitos dos centroi culturais modemos caminham rapidamente para o esquecimento. Em outras palavras, a arte nao esti nos monumentos.

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Cidade & Paisagem As obras para urn lugar especifico, como defende Serra, por exemplo, ao superarem o comercio e as instituicaes culturais, já que nao podem ser vendidas, nab podem ser endausuradas nesse espno a-historic° dos museus. Constituidas no contexto de instituicoes, as obras correm o risco de serem iidas como signos dessas instituicties. Dal a busca de sitios abandonados ou sem uso cultural, por exemplo, como alternativa. A ideia e tirar a obra dos lugares considerados estabelecimentos culturais e leva-las a um dialog° muito mais amplo corn a ddade. Em minha opiniao, a (mica maneira de compreender a obra de arte é fazendo fisicamente a experiencia do lugar. Nisso eu concordo corn esses novos arquitetos Cu escultores. Por outro lado, contemporaneamente, todo local da arte é, ou deveria ser, urn lugar de encontro. Manet já inaugura essa nova condicao corn pinturas, como uma manifestnao da existencia dos museus e da interdependencia que os quadros dele provocavam. Isso tambem me lembra Diderot que, ao falar num sale° de 1767, descreve os

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quadros de paisagens do Sala° como se estivesse caminhando no meio das cores, lido diante de sua disposicao, como se a propria natureza fosse urn museu de cores. AO dizer que as paisagens sao exposigees, ele nao estaria tambem sugerindo que as exposicaes so paisagens? Ao evocar esse trecho, pro: curo sugerir que, num museu, as obras sdo desprovidas de suas intencoes miticas ou ideologicas, sendo simplesmente expostas por sua presena, seu aqui-agora. Por isso uma exposigao pode ser percorrida como uma estrada a beira-mar, dizia Diderot. Levanto a questao:a cidade pode ser essa pais agem? A obra de arte pode ser uma intervenao em urn determinado espno, alterando sua conformacao, requerendo outra forma de apreensdo, provocando outras experiencias. Ela pode ser essa afirmnao de uma presenca, de uma manifestagao particular, de uma particular internao corn o lugar e as outras obras. Nos dais casos, porem, é urn acontecimento. Em vez do monumentum erguido pela cultura institucionalizada, é o momentum da crinao artistica.

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A arte da presensa

MARCIO DOCTORS Este texto, ossim como a conceituacao do projeto A Forma no Floresta coma o primeiro Espaco de Instalacdes Permanentes do Brasil, deve muito as relieve- es teoricas e an trabalho plastic° de minha mulher, Claudia Bakker.

as viagens que fazia a sua casa na Praia Raza, em BUzios, Mario Pedrosa,ao passar pela ponte RioNiteroi, envolto pela paisagem da Baia de Guanabara, gostava de imaginar o impacto visual que teriam experimentado os europeus que pela primeira vez viram as montanhas e as ag-uas do Rio de Janeiro ha cinco seculos anis. Nao ha dtivida de que esta deve ter sido uma experiencia fantastica. Ainda hoje, apesar de todas as tentativas em contrario, em que se insiste em estragar a beleza . natural da cidade, e possivel viver uma experiencia do impacto da natureza. 0 Museu do Acude, na Floresta da Tijuca, é certamente urn dos lugares aonde esta experiencia é ainda possivel. Para alem da colecao de arte deixada por Raymundo Otoni de Castro Maya, o parque de 150.000 mz do Museu é um patrimentio visual da major importancia. Foi a partir deste conceito muse°logic°, de que a mata que envolve o museu é urn acervo visual tao importante quanto as pecas reunidas no seu interior, que foi gestada a ideia, durante a direcao de Carlos Martins, de que era possivel convidar artistas plasticos que estabelecessem uma fric-

cao entre suas obras e o ern tomo do museu, como espaco museologico. Em 1993, realizou-se uma primeira experiencia nesse sentido, quando a artista inglesa Shelagh Wakely fez a instalagao "Aguadorado", em que o espelho d'agua, que se encontra entre os pavilhoes do museu, foi transformado em urn espelho dourado atrayes de uma finissima pele formada par p6 metalico sobre a Igua. A rearticulagao desse espaco a partir da presenca da obra, empolgou Carlos Martins e Thnga, que havia sugerido o nome de Shelagh Wakely, em desenvolver urn projeto mais amplo corn a participacao de outros artistas. Carlos Martins, entao, em 1994, me convidou a levar adiante este projeto. Sugeri a realizacao da exposicao "As Potencias do Organico", que propunha trabalhar corn o paradox° transitoriedade da materia / permanencia da arte. A ideia foi a de trabalhar corn o limite em que a indeterminacao da materia é atravessada pela detenninacao do artista, criando uma organicidade: uma organizacao material e de sentido que so é possivel atraves da Ka° da arte. Foi uma tentativa de explicitar que o discurso da arte é capaz de redesenhar


suas proprias fronteiras ao aceitar realizar obras corn materials pereciVeis; corn materiais que possuem explicitamente, em um quase-cinema, o ciclo da vida e da morte num espaco curto de tempo. Foi urn exercido radical , que criou, naquele momento, urn territorio/espaco rico em experimentagoes. Thnga realizou "0 Gabinete Entomologico", uma instalagao constituida de duas mesas recobertas de melado, penduradas nas arvores e corn urn abajur corn luz ultravioleta em cada uma delas. Dessa forma, estabeleceu uma fina ironia corn o discurso cientifico, na medida em que, ao serem atraidos pela luz, os insetos eram capturados pela viscosidade do melado, que as alimentava e os destruia, criando uma obra que ora vivia ora morria; que denunciava-acolhendo a pratica da ciencia que mata pan investigar. "0 Gabinete Entomologico" é uma obra que cria uma circularidade entre saber, poder e natureza, fustigando de pet-to a morte coma alavanca do saber para o conhecimento. Artur Banjo fez a "Cancela de Caine", teoricamente a obra mais agressiva, porque recobriu uma cancela corn came de boi, mas estranha e paradoxalmente, menos revoltante que a obra de Adriana Varejao ,que fez nascer da terra, como se ela estivesse se abrindo e mostrando suas entranhas, representagees de came feitas corn tinta a oleo. 0 atrito entre essas duas obras , uma feita de_ came real e outra feita de uma representagao da carne, sendo que o horror pendia mais para a representagao do que para o real, gerou estranheza e perplexidade, remetendo a condigao atual do mundo informacional e virtual contempoaneo em que nos sentimos anestesiados diante do real e sensibilizados diante da representagao do real. A obra de Barrio , num primeiro momento, incomodava quando se sabia que aquela car494

ne era real e, num segundo moment°, quando se passou a sentir o cheiro ; era uma relacao de nomeacan e de olfato. ja a obra de Adriana Varejao incomodava pela visa() ; era uma relagao estritamente visual. Esse artificio ou esse poder da imagem em manipular as sentimentos e as sentidos das coisas, por urn lado, e a perda ou o esvaecimento do real, por outro, cravou e marcou a necessidade de dar continuidade a esse projeto, coma veremos mais detidamente adiante, atraves da realizacao de urn Espago de Instalacees Permanentes .no Museu do Acude, que é o projeto "A Forma na Floresta". Fernanda Gomes realizou uma experiencia vivencial, deixando-se envolver pela mata e criando uma relacao afetiva corn aquele espaco, cuja obra passou a ser os residuos que foram deixados na floresta como forma sutil de sua passagem pot aquele lugar. Eram pequenas coisas como' garrafas, cascas de frutas , pedacos de papel, que denotavam uma vivencia do coddiano, que poderiam estar all por obra do acaso , mas que nao estavam porque havia urn claro indicio de intencionalidade, que marcava a diferenga: os objetos estavam todos sustentados no ar atraves de fios e se misturavam cam a floresta , ora fazendo-se visiveis on fazendo-se invisiveis. Requeriam urn esforco de descoberta, que reinvindicava uma relacao afetiva do espectador corn o espaco. Essa mesma nocao de relacao afetiva corn o espaco, Fernanda Gomes desenvolveu em uma outra obra ,em 1995, e que se encontra ,hoje, no Museu do Acude e que foi realizada atraves da bolsa RioArte de Anes Plasticas. Claudia Bakker criou a instalacao "0 Jardim do Eden e o Sangue da Gorgona" , corn goo magas boiando em uma das fontes do Museu. 0 mais marcante dessa obra foi o

poder de sedug5o que exerceu sobre as visiT tantes e o jogo de espelhamentos que foi capaz de estabelecer corn os outros trabalhos da exposicao. Como na instalacao de 'amp, a atragao era elemento constituinte da obra: assim como os insetos eram atraidos pela luz, as magas, por sua carga simb6lica e nutritiva, atraiam as pessoas e os animais pelo desejo. Dais epis6dios confirmam esta afirmaga o: no dia seguinte a inauguragao, as magas foram roubadas (depois foram devidamente repostas pela direcao do Museu), e em uma repetigao do gesto primeiro de Ad5o e Eva em corner do fruto proibido, profanando o paraiso; e, no Ultimo dia, uma cobra atravessou a instalagao deslizando por sobre o mum da fonte. Outro dada desse trabalho é que como nas instalaceies de Artur Barrio e Adriana Varela°, 56 que de forma simetricamente inversa, a ligagao se dava pelo real e pela imagem do real: as pessoas se sentiam atraidas pelas magas, — que eram tao reais quanto a came de Barrio assim como pela carga simbalica da maga — que é uma realidade tao impalpavel quanto a representacao da came em Adriana Varejao. Em 1996, Claudia Bakker apropriou-se mais uma vez dessa mesma fonte e realizou "Via Lactea Brasil". Encheu a fonte corn 3000 litros de tinta branca, criando uma pintura no espago, coma alusao ao branco na pintura de onde tudo se origina. No ano seguinte, em 1997, Renata Padovan realizou uma instalacao no "Picadeiro" (uma grande clareira eliptica no meio da mata aonde Castro Maya treinava seus cavalos) criando corn piche urn desenho no espaco, que rasgava o chat) de terra batida. A soma de todos esses atos plasticos foi consolidando a certeza de que era importante transformar o parque do Museu do Agude em urn Espaco de Instalac6es Permanentes.

Foram a atencao e o empenho de Vera de Alencar, atual diretora da Fundagao Mueus Castro Maya, que conseguiram levar adiante esse projeto e perceber a importancia que ele teria para as artes plasticas brasileiras, enriquecendo o debate visual e teorico da atualidade, assim coma para os Museus Castro Maya, na medida em pie dava continuidade a iniciativa de seu fundador de apoiar a arte de seus contemporaneos; dava continuidade a acao premonitaria de deixar um parque de 150.000 m 2, que é hoje o (mica espaco museologico do Rio de Janeiro capaz de absorver um projeto coma a "Forma na Floresta", que relaciona meio ambiente e arte como as potencias capazes de preservar a qualidade da vida; e, finalmente, dava continuidade a colecao Brasiliana, que é uma investigacao do olhar de urn tempo sabre o seu em tomo , buscando registrar aspectos da vida social e da paisagem, tal coma as instalagoes, que suo a forma atual de inquirir as potencias do tempo atraves do espago. 0 projeto 'A Forma na Floresta" nao 6 de urn parque de esculturas tradicionais ao ar livre, mas de instalacees permanentes inseridas na paisagem da Floresta da Tijuca. E importante marcar esta diferenga. Enquanta a escultura é pensada e realizada fora do espago ao qual ela se destina, a instalagan tern um conceito espandido, que envolve as relacees do objeto plastic° corn o seu "em torno". A escultura estabelece uma continuidade linear entre o trabalho do artista no atelie e sua destinacao final, nao sofrendo desvios de percurso em fungao de interferencias possiveis do espaco. Esta diferenga de atitude, que pode parecer insignificante, denota uma outra relagao entre o artista e a realidade, que quebra o circuito convencional do artista , enquanto agente ativo da visibilidade, e da

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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A ARTE DA PRESENCA - MARCO DOCTORS

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paisagem, enquanto lugar passive que abserve o olhar. A histeria da paisagem e uma histOria da distancia. E uma histeria de alguem que ve e urn lugar que e visto; como se fossem universes aparte , s6 tocados pela distancia intrinseca ao ato de ver. Por isso que gosto da imagem de Mario Pedrosa atravessando a ponte Rio-Niter6i: ha algo de ativo na sua observagao que corresponde ao deslocamento de seu corpo em meio a paisagem da Baia de Guanabara. Nao é uma visa° de cartao postal, mas de uma experiencia corpOrea de quern atravessa urn espaco e percebe a potencia da paisagem que o envolve; de alguem que-se sente afetado, em todos os seus sentidos, pela proximidade ie imersao na paisagem. David Nash aborda esta questa° , quando afirma que "o termo "paisagem" é como "retrato". E uma expressao de distanciamento: aqui estou eu e au i esta ele. Mos o que tern acontecido nos ultimos vinte anos é que os artistas tern chegado diretamente la, dizendo nao, nao 6 la fora . E aqui. Queremos fazer nossas imagens corn o que esta aqui — aqui. Por isso é chamado de "Land art" (arte da terra) e nao de "Landscape" (arte da paisagem), "escape" denotando distanciamento." (Malpas, William. Land Art, Earthworks, Installations, Environments, Sculpture. Crescent Moon Publishing, Kidderminster.) Pensar a "Paisagem" , assim como toda a producao plastica comprometida corn a atualidade, pela 6tica da aproximacao, é cornpreender que a cadeia da representacao foi quebrada. Fomos nos aproximando cada vez mais da "materia-imagem "do mundo como necessidade crescente de afirmacao de que nossos sentidos nos dizem: "nao estamos aqui, e a paisagem esta la". Nao ha mais a tela separando o mundo da realidade humana e o mundo da realidade da representa496

cao. Penso aqui em Turner, que pedia pan ser amarrado no mastro do navio, em meio a tempestade, para continuar pintando. Era o pintor da representactio daquela paisa gem ou era a encarnactio da ternpestade? Penso aqui em Aleijadinho, doente, que pedia que amarrassem seus instrumentos de trabalho nos tocos de macs que lhe restavam para continuar cinzelando a pedra. Era o escultor da representactio dos Profetas ou era a encarnaceio do desejo de expressao? Penso aqui em Monet, já perdendo a visao, e construindo urn jardim que pudesse ser o cenario de suas pinturas. Era o pintor da representagao daquele jardim ou era o criador de urn jardim que encarnava suas pinturas? 0 mundo da representacao Renascentista, que paradoxalmente violentava cadaveres para descobrir camadas internas de visibilidade (anatomia), é o mundo da distancia. E o mundo do afastamento: de uma terra vista do espago — uma bola azul que cabe no meu olho. E esta distancia entre o eu e a paisagem que os Impressionistas tentaram desarmar quando passaram a pintar ao ar livre. E esta distancia que Cezanne tenta paradoxalmente desarmar quando diz: "Precisamos reter a imagem, antes que ela nos escape." E esta distancia que a Modemidade tenta paradoxalmente desarmar quando Klee enuncia: "Eu nao pinto o visivel. Eu face o visivel." E esta distancia que os Muralistas Mexicanos tentam paradoxalmente desarrnar quando criam uma dimensao da presenca. E esta distancia que Pollock desarma, horizontalizando e pintando dentro da tela. E esta distancia que Helio Oiticica desarma, inventando os penetraveis. E esta distancia que Barrio, Robert Smithson ou Lygia Clark desarmam, interferindo diretamente na acao, na terra e na clinica media E o esforco de aproximar arte e vida.

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Por que a representacao nao nos basta mais? Por que a realidade da arte passou a ser a realidade daquilo que nao era aceito como arte? Por que os artistas precisam es' tar , hoje, do lado do que antes era representado? Porque houve uma inversao de termos: no lugar da unidade da identidade temos a multiplicidade das diferencas como base da realidade do mundo. 0 que garantia a representacao era urn olhar transcendente, que recolhia mentalmente uma identidade essencial no objeto a ser representado, que era repassado para a tela por uma mao adestrada , que repetia ,atraves do gesto, a semelhanca que identificava no que era visto. A distancia assegurava urn afastamento necessario para garantir o contomo da forma, que é igual a imagem mental que produzimos das coisas. Sabemos que a Terra é uma esfera, mas nao a vivenciamos enquanto esfera. Quando a vimos no horizonte da lua como uma esfera no ceu, essa imagem foi igual a idea que tinhamos da Terra, mas foi necessaria a distancia para que obtivessemos o contorno desta forma. Ao abstrair as diferengas, a distancia nos fomece uma imagem da identidade. Mas quando nossas certezas encontram-se , abaladas per um mundo que nao garante a sobrevivencia de si mesmo, como 6 o mundo da atualidade virtual e da degradacao ambiental ; quando experimentamos que as certezas nos escapam diante da iminencia da morte, passamos a nos deslocar em um mundo onde as "forcas da relagao e da diferenca" imperam sobre as "forcas da imobilidade e da identidade". Quando isto acontece, deixamos de pensar a materia cartesianamente apartir de suas qualificacaes espaciais, para pensa-la bergsonianamente, enquanto materia-imagem, a partir de suas qualificaceies temporais; em mudanca. Os contornos se

desfazem, ela se torna indeterminada e intempestiva, e é esta materia que o artista agora deseja e procura proximidade.-A materia das potencias da natureza, como um Rimer em meio a tempestade ou urn Parangole que precisa de urn corpo-danca para fazer-se arte. E uma materia que ancora a imagem no mundo e faz corn que as artes plasticas deixem de ser artes visuais para serem artes da presenca. A chave pan apreendermos o sentido das instalacoes é esse ancoramento das imagens no mundo atraves da articulacao da materia. Essa questa. ° foi se evidenciando na medida em que a tecnologia foi se aproximando do duple do mundo, as imagens, e as manipulando no sistema de informacao de forma desencarnada (virtual). A perda da espessura da aparencia e o descolamento da imagem, produziram urn mundo que é pura abstragao, gerando distanciamento, indiferenca e urn sistema de mobilizacao emocional centrado na auto-compaixao. 0 individuo se ye emocionalmente mobilizado por imagens que encarnam ideais absolutes como o amor, a dor, a felicidade, a tristeia, sem nenhuma intermediacao relativa da sua singularidade e da singularidade do outro. As " grandes causas" foram substituidas por "grandes sentimentos", mas que nao pertencem a ninguem em especifico. Restam somente sentimentos de indiferenca diante do sofrimento ou da felicidade alheias porque a imagem desprendeu-se da materia e aliou-se a fantasia. Ela perdeu o ancoramento material, que determinava sua dimensao temporal. A imagem virtual é absoluta e atemporal. E incapaz de lidar corn o especifico, com o particular, com o individual, que pertencem a ordem do sensivel. Ela é capaz de manipular as fantasias e os impulsos primaries, que nao reconhece o

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outro. Interrompida a articulacao sensorial, o real passou a ser vivido na ordem da indiferenca (como na reacao do paha) diante da obra de Barrio e Adriana Varejao nas Potencias do Organico). A liberacao da multiplicidade das imagens gerou a identidade do indiferenciado. Dal a importancia da arte como "exercicio experimental da liberdade" (Mario Pedrosa). Exercicio experimental daquilo que caracteriza o que é livre, o que é singular e o que é diferente. Dai a importancia do artista, como aquele que garante esse campo de atuagao da singularidade. A relevancia de urn projeto como o Espago de Instalaceies Permanentes do Museu do Acude esta em estabelecer urn territ6rio capaz de absorver esse pensamento da arte, que é o de reter a imagem na sua presentificacao material, antes que ela escorra totalmente pelas fendas da virtualidade. Antes que o mundo desapareca pela degradacao do meio ambiente. Fazer frente a virtualidade e a poluicao, como desagregadoras da potencia da vida; é funcao de uma arte que se pensa coma criadora de presengas. Dal a importancia das instalagoes , que sao urn desdobramento da questa() da diluicao das fronteiras entre arte e vida dos anos 6o, mas s6 que permeada agora por uma experiencia radical de perda da camalidade do mundo sem a morte. Em outras palavras, se para as gerageies anteriores a ameaca da morte era

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camalmente real porque o alvo era a mateHa, como na Segunda Guerra Mundial ou na Guerra Fria corn a ameaca atOmica, a ameaca hoje é de urn mundo que esta perdendo sua condicao material porque a tecnologia separou a imagem da materia. Elas continuam vivas, mas vivendo separadamente, como mortas-vivas. A funcao da arte tern sido a de restabelecer a uniao entre imagem e materia. Mas de uma materia que é apreendida Bergsonianamente enquanto imagem; atravessada e constituida no tempo. Pot isso que as instalagoes, assim como todas as outras formas expressivas da visualidade que rompem corn a classificacao tradicional das artes plasticas ,nao podem mais set pensadas nem na ordem da visualidade nem na ordem da espacialidade, mas na ordem da plastica da presenca, como tempo espacializado. Como uma espacialidade capaz de set moldada pot estados de tempo. 0 Parque de Instalac5es Permanentes do Museu do Agude, atraves do projeto A Forma na Floresta, é a possibilidade de tomar presentes essas ideias e criar, ao longo dos anos, urn circuito de visitagao que evidencie a arte como uma das potencias de conservagao da vida. Comecamos corn lole de Freitas e Anna Maria Maiolino, duas mulheres, cujos trabalhos ,e o processo como trabalham, me segredaram a certeza de que estamos no caminho certo.

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Da adversidade vivemos

FERNANDO COCCHIARALE

T

otalizada a partir de sua origem co-

lonial iberica, a America Latina real transborda as margens em que foi confinada pelos discursos hegem8nicos, tanto dos que a ;teem a distancia, como um conglomerado etnico ex6tico, quanto daqueles que, nela vivendo, produziram respostas criticas e defensivas, embora igualmente fundadas em nocees de identidade (simb6lica, cultural ou econOmico-politica). Ambas as posicees s6 sac) possiveis a partir de urn universo teorico de raiz comum, mesmo dividido entre esquerda e direita, que desconsidera a pluralidade de valores, gostos e ideias dos diversos paises do continente e a pr6pria diversidade intema que cada urn deles apresenta, em mime da ideia de identidade. Sem falar da omissao freqiiente quanto as culturas transnacionais, delimitadas nao pot fronteiras politicas, mas por peculiaridades geograficas de tal sorte que criaram ao longo dos ultimos seculos laws econ8micos e simbolicos muito fortes (a Amazonia, os pampas, os Andes, as florastas da America Central e o Caribe) e da indiferenca hist6rica entre as Americas espanhola e portuguesa. Para compreender porque se tornou o lado menos ocidental do Ocidente, distinta da Asia e da Africa, mas rejeitada pela

Europa que a produziu, legando-lhe a lingua e a religido, a America Latina vem pensando ha varias decadas sua tensa insergao no panorama politico, economic° e social mundiais. Intelectuais das ciencias humanas e sociais, sob graus diversos de influencia do pensamento mandsta, muitas vezes em condicoes adversas, construiram teorias sabre esta realidade. A da Dependencia pensou os paises latino-americanos a partir da relacao de subordinacao estmtural mantida corn suas metrOpoles, posteriormente corn o capitalismo imperialista e, hoje em dia, corn a globalizacao. Entretanto, desde a decada de 1970, concepcoes p6s-estruturalistas como a de Foucault, Deleuze, Guattari e Derrida, passaram a informar outras possibilidades de uma atividade intelectual a esquerda, embora crftica aos sistemas te6ricos totalizadores. A reordenacao mundial da hierarquia econ8mica, politica e cultural suscitou, ap6s o fim da Uniao Sovietica, o surgimento de novas maneiras de pensar as relac8es sociais nascidas corn o advento da Informagao, corn a aceleracao da crise do sujeito e a exteriorizacao (montagem ou edicao) dos processos intelectuais e tecnologicos de totalizacao dominantes hoje em dia.


No caso latino-americano, a globalizacao precipitou nao somente o aumento da miseria e do desemprego, mas a reavaliagao da vasta gama de teorias a respeito deste continente produzidas por seus cientistas sociais. Fundadas em matrizes intelectuais europeias que foram transformadas em funcao de sua adaptacao a realidade, as teorias dos intelectuais latino-americanos sac) para o intelectual europeu e norte-americano simultaneamente familiares, se consideradas suas raizes teOricas, e estranhas, devido a critica aguda que fazem a algumas delas. De qualquer modo, essas teorias possuem legitimidade epistemologica suficiente para terem se tornado um dado novo no relacionamento entre o mundo europeu /norteamericano e a America Latina. A nova atitude dos paises centrals frente as especificidades dos paises latino-americanos nao se libertou, no entanto, dos velhos cliches que num passado ainda recente os associavam redutivamente as fazendas, as bananas, a preguica e a festas eternas. Nao é, pois, urn reconhecimento, mas urn esforgo de compreensao, ora interesseiro, ora desarmado, que devemos receber corn muita reserva critica e corn relativa disponibilidade. No campo das artes, as coisas vem-se passando mais ou menos da mesma maneira. 0 interesse europeu e norte-americano pela arte produzida na America Latina parece, em alguns casos, reduzi-la a esfera tematica, condenando- a a uma especie de compromisso explicit° corn suas realidades politicas e sociais. Certamente ignoram que a avidez corn que gerac5es de artistas desse continente se debrugaram sobre as ideias vindas dos 'Daises hegemonicos desde o Iluminismo ate a recente mostra Sensation GOD

(Royal Academy, Londres, 1997) nao se deve ao desejo de serem o que nao sao ou a sua incapacidade de produzir cultura. Essa busca incessante de informacao foi deterrninada, do ponto de vista historic°, par urn processo colonial especifico que, ao contan° do que se passou na Asia e na Africa, transferiu para as americas contingentes populacionais europeus de peso determinante na formacao economica, politica e cultural desses paises. A independencia da America Latina diferiu daquela da fndia, de Angola ou Mocambique pois nao foi promovida, em sua essencia, por suas populac5es autoctones. Mesticas, afro-europeias, brancas ou de predominancia indigena, as populacees latino-americanas que, na primeira metade do seculo XIX, sob a inspiragao do Iluminismo, fizeram suas independencias, jamais,pretenderam a restauracao da realidade pre-colonial, pois nasceram de sua destruicao. Sem outro passado real que nao o dos colonizadores, obrigadas pelas circunstancias a olhar para urn future idealizado e sob a regencia de suas elites brancas, essas populagoes so podiam encarar seu destino do ponto de vista dos modelos nacionais europeus. 0 continuo esforgo de equiparacao aos padr5es do chamado Primeiro Mundo, que se manifesta ate mesmo na reducao acritica dessa pretendida paridade ao consumismo das classes dominantes latino-americanas, tern muito a ver corn o carater problematic° de sua insercao no universo ocidental, ao qual pertencem, nao por escolha, mas par destino. Quis, portant°, a historia que as latinoamericanos ficassem situados nas fronteiras mais remotas do mundo Europeu e norteamericano. Posicao de inclusao que nos co-

locou, pela distancia de seu micleo central, num ponto privilegiado da alteridade cultural em relagao a esses paises. A reavaliacao do campo das artes na America Latina parece situar a producao visual brasileira das ültimas cinco decadas numa posicao de destaque. Tanto a Europa quanto as Estados Unidos descobriram, enfim, nossa singular sintonia corn as questoes universais da arte, relativizando a velha curiosidade em tomo das manifestacoes tipicas de urn paraiso tropical. Nesse sentido a recente descoberta do vigor contemporaneo da arte brasileira par alguns teoricos e por algumas instituicees, publicas e privadas, dos 'Daises hegernonicos, nao se deve a transformees ocorridas repentinamente em nossa tradicao artistica. Ela é fruto da critica feita por esses setores ao desconhecimento, ate entao deliberadamente cultivado, do que acontece em paises como o nosso. A vitalidade da arte brasileira contemporanea, inversamente, reside na qualidade da obra de muitos artistas das tres ou quatro Oltimas geracOes que construiram urn solo de referencias visuais ao qual as novas gerac5es podem se reportar de modo inteligivel e sem qualquer receio: urn ‘passado modemo e contemporaneo que poucos paises talvez possuam. Num momento em que o projeto multiculturalista, correspondente cultural do processo de globalizacao, permite a muitos tearicos dos paises centrals buscarem o sentido mais profundo da contribuicao intelectual dos paises perifericos e nao apenas seu rosto reduzido a urn pastiche de torn folclorizado, esse quadro de referencias historicas proprias pode explicar, embora a revelia, as condicees que emprestaram a arte contempor'anea brasileira sua atual qualidade e

autoconfianca, permitindo o stibito interesse intemacional por nossa visualidade. E necessario ressalvar, porem, que a busca de vinculos corn a cultura universal nao é comum a todas as manifestac5es culturais do pals. Muitas de nossas tendencias ardsticas, inversamente, alimentam-se das especificidades regionais buscando nã arte popular as raizes que lhes emprestariam sentido. Entretanto, para considerarmos de maneira abrangente, sem maniqueismos faceis, o conjunto de nossa producao visual, devemos ultrapassar uma dompreensao polarizada, tanto teorica quanto geografica, de seus tracos basicos. A oposicao, pura e simples, de uma visualidade ligada aos problemas gerais da arte do Ocidente aquela voltada para as raizes regionais, parece dogmatica e improcedente. Algumas de nossas tendencias esteticas mais significativas mantiveram e mantem estreita ligagao, embora nao ilustrativa, cam as manifestag5es culturais populares au tracos especificos de uma regiao, conseguindo assimild-las as questees mais universais da arte de nosso seculo. Par outro lado, a caracterizacao do chamado eixo Rio-Sao Paulo, enquanto reduto de todo cosmopolitismo ou dos "modismos" intemacionais no pais, perde a cada dia sentido devido a descentralizacao da producao visual contemporanea em relacao a este eixo, observavel ha pelo menos duas decadas. Cidades como Belo Horizonte, Brasilia, Curitiba, Fortaleza, Goiania, Porto Alegre, Recife e Salvador, apenas para criar algumas das capitais mais populosas, viram nascer, muitas vezes ao lado de posicees regionalistas fortemente entranhadas, nacleos de artistas cujas obras, embora singulares, buscam a contemporaneidade tal qual aqueles do Rio de Janeiro e Sao Paulo (que possuem,

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DA ADVERSIDADE VIVE MOS - FERNANDO COCCHIARALE

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alias, ao lado de sua vocagao cosmopolita, tragos regionais fortissimos restritos, contudo, as identidades locais). Nossa origem colonial talvez tenha determinado que o estado brasileiro, desde sua formacao ha quase dois seculos, buscasse uma integracao corn o mundo ocidental simbolicamente diversa da que fora estabelecida no passado. Considerando a realidade, essa reversao so poderia frutificar corn alguma consistencia no campo simbOlico. Quase duzentos anos de tenso esforco em igualar-se aos padraes europeus, terminou resultando, nao no sucesso dessa empresa imaginaria, mas em urn modo brasileiro de assimilar, recusar e sintetizar as influencias internacionais (modelo que aparece, por exemplo, na Antropofagia modemista de Oswald de Andrade). 0 fluxo do tempo tornou-se para nos urn fator fundamental de abrasileiramento de tudo o que vem de fora. A primeira iniciativa consistente do Estado na area artistica 6 fruto da transferencia, em 1808, da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro. Remonta a 1816, epoca da vinda da Missao Artistica Francesa, convidada pelo principe regente D. Joao, para a introducao no Brasil dos padroes visuals do Neoclassicismo. Segundo a lOgica de uma monarquia europeia deslocada nas Americas, era necessari° atualizar a arte do novo reino em relacao aos paradigmas academicos entao vigentes na arte do velho continente. Geragees de artistas locais, sobretudo atraves da Academia Imperial de Belas Artes, fundada no Rio de Janeiro pelo fiances Debret, foram sendo formadas, ao longo do Imperio e da Primeira RepUblica, em tomo de urn reperton° tecnico-profissional que manifestava, principalmente, esse desejo de insercao da cultura do pals no panorama ocidental em nivel de igualdade. 502

rt.

Nao foi senao a busca de uma atualizacao dessa insercao que movimentou o primeiro surto de modernizagao da arte brasileira, ocorrido entre 1917 e 1924 (ano do Iancamento do Manifesto Pau-Brasil, texto inaugural da questa° da brasilidade modernista), cujo evento culminante foi a emblem& tica Semana de Arte Modema realizada em Sao Paulo, em 1922. 0 comeco da Arte Modema no Brasil, na segunda decada do seculo, foi marcado nao somente pelo confront° corn as vertentes academicas, como pelas restrigOes a sua propria expansao impostas por uma realidade socioeconomica paradoxal: se-por urn lado as grandes cidades, sobretudo o Rio de Janeiro e Sao Paulo, viviam um cotidiano moderno, propiciado pela industrializacao nascente, por outro, a articulacao organica dessas metropoles corn uma economia entao predominantemente agroexportadora, socialmente retrograda e da qual dependiam, conspirava contra a implantacao generalizada do capitalismo que nelas se anunciava. Trancada corn alguns fios de modemidade e as amarras de uma estmtura arcaica, essa contradicao historica ja colocava para os intelectuais e artistas da epoca problemas urgentes, extra -artisticos, sobre os quais tinham que se pronunciar: qual a relacao entre as questoes universais nascidas no terreno moderno da cidade e as nacionais, germinadas ha seculos no solo conservador do latifUndio e da monocultura? Como articula-las em urn projeto cultural modemo que criticando obstaculos sociais profundamente enraizados no passado mantivesse suas tradicoes? Em maio de 1928, o poeta e escritor Oswald de Andrade lancou em Sao Paulo o Manifesto Antropofago, publicado no prin -reiro nUmero da Revista tie Antropofagia. Dentre as tres formulagOes originadas no marco

emblematic° da Semana de Arte Moderna (Sao Paulo, 1922), a que mais mobilizou algumas das geracees futuras de artistas e intelectuais brasileiros foi a Antropofagia. 0 modelo antrop6fago, atualizado pelos debates culturais travados desde meados dos anos 6o, na primeira fase da ditadura militar, contribuiu para estabelecer bases inidais da atual autoconfianca das artes plasticas brasileiras, em parte responsavel por sua insercao positiva no contexto intemadonal. A antropofagia, porem, nunca se constituiu em urn ismo ou movimento artistico corn padthes forrnais definidos. Era antes um modelo que prescrevia ser a cultura local o resultado da degluticao e digestao das influencias extemas. Mesmo assim, apesar de propor urn modelo cultural sem chauvinismos ou exclusaes etnicas, centrado na atitude criadora e nao em uma ontologia da nacionalidade, a antropofagia nao foi de imediato vitoriosa, tendo coexistido, em desvantagem ate, corn outras respostas ao problema. Na verdade, o interesse despertado pelo modelo antrop6fago é mais recente. Ele ressurge na atencao dos poetas concretos Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Decio Pignatari e do artista Hello Oiticica, difunde-se entre os tropicalistas nos anos sessenta e consolida-se nos numerosos estudos feitos nas universidades, a partir do cinqiientenario da Semana, ern 1972. Talvez par isso, todo o desenvolvimento da arte brasileira, ate o surgimento das vertentes abstracionistas na passa gem dos arms 40 para os 50, continuou sobredeterminado pela discussao dos fundamentos nacionais, nao-artisticos, da modernidade. Ao longo daqueles 30 anos, a producao cultural do pals gravitou em torno de questhes essencialmente ideologicas, como a brasilidade e o regionalismo, que terminaram par

eclipsar a possibilidade de uma polemica estetica similar a que ocorria na Europa. Nao seria improprio dizer que a politizacao e a conseqiiente desestetizacao do debate sobre a arte brasileira foi urn fator que adiou, ate o final da decada de 40, sua efetiva modernizacao estetica. Contra essa arte quase tematica formaram-se, logo ap6s a segunda Grande Guerra, no Rio de Janeiro e em Sao Paulo, os primeiros grupos de artistas abstrato-concretos do Brasil. 0 nascimento da nova tendencia nao s6 coincidia com a redemocratizacao ocorrida em 1945, apos a queda da ditadura de Getirlio Vargas, no poder desde 1930, como manifestava, no campo cultural, o espirito propiciado pela reconquista . dos direitos civis, aos quais agregou, simbolicamente, a liberdade de divergir para renovar. Nesse sentido, a simples emergencia dos abstracionismos geometric° e informal no panorama cultural do pals era, naquele momento, mais politizada e radical do que o desgastado realismo social, pois instaurava ulna dissidencia capaz de abalar o monopolio da arte dominante: Foi, contudo, a Bienal Internacional de Arte de Sao Paulo, inaugurada em 1951, que colocou, pela primeira vez, o artista, a critica e o Sao brasileiros em uma situagao de contato direto, embora sazonal, corn as principais tendencias e obras daArte Moderna internacional. A criacao, no final dos anos 40, do Museu de Arte de Sao Paulo e dos Museus de Arte Modema de Sao Paulo e do Rio de Janeiro, constituiram urn territhrio seguro para a veiculacao da renovada producao artistica brasileira do periodo, entao caracterizada pela emergencia dos abstracionismos geometric° (Concretismo e Neoconcretismo) e informal, marcando a

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DA ADVERSIDADE VIVEMOS - FERNANDO COCCHIARALE

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sincronia definitiva da arte produzida no . Brasil corn a do exterior. A penetracao das ideias construtivas no Brasil, no momento em que a arte intemacional gravitava em tomo dos abstracionismos (Informalismo, Expressionismo abstrato e, posteriormente, o tachismo) foi certamente determinada por circunstancias locals. Periodo de intensa industrializacao, a decada de cinqiienta mobilizou segmentos importantes da arte e da intelectualidade em tomo das transformacties em curso, simbolizadas pela construcao da nova capital, Brasilia, inaugurada em 1961. Se ao interessarse pelas tradicties populares o Realismo Social terminava refem do passado, a racionalidade do Construtivismo, inyersamente, permitia projetar o futuro. Pela primeira vez e tardiamente a arte brasileira pode, enfim, produzir suas primeiras vanguardas, desde logo envolvidas, por divergencias teoricas e praticas, em um a intensa polernica, que se estendeu durante os anos 50 e teve por p6105 principais os grupos concretistas de Sao Paulo (Grupo Ruptura, 1952) e do Rio de Janeiro (Grupo Frente, 1953), e, secundariamente, o Informalismo que, por privilegiar a expressao individual, nao chegou a formar grupos organizados. Os grupos concretistas de Sao Paulo (Geraldo de Barros, Charoux, Waldemar Cordeiro, Fiaminghi, Sacilotto, Judith Lauand etc.) e do Rio de Janeiro (Ivan Serpa, Carvao, Amilcar de Castro, Lygia Clark, Hello Oiticica, Lygia Pape, Weissmann, Decio Vieira etc.) trabalharam, desde suas origens, questoes diversas. Enquanto os primeiros seguiam criteriosamente os princfpios do Concretismo internacional, formulados, desde 1930, por Theo Van Doesburg, os Ultimos os desrespeitavam E04

sempre que os caminhos abertos por suas experiencias o exigiam. A trajetOria dissidente do grupo do Rio de Janeiro culminou, em 1959, coin a fundacao do Neoconcretismo, ao qual aderiram Hercules Barsotti e Willys de Castro, de Sao Paulo. Sua rebeldia critica em relacao aos postulados internacionais da arte concreta, adotados pelo grupo paulista, possibilitou o surgimento de propostas que estao na origem de parte significativa da arte contemporanea do pals, referenciando, em particular, a producao daqueles artistas Iigados ao Rio de Janeiro. Entretanto, ao contrario do que seriamos levados a supor, a principal contribuicno neoconcreta para a arte contemporanea brasileira nao e exclusivamente formal (construcao), mas metodologica: consiste na valorizacao do experimental (processo) frente a quaisquer principios normativos que limitern a invencao. A originalidade das obras de Lygia Clark, Hai° Oiticica e Lygia Pape, por exemplo, deve ser creditada antes a experimentacao, que flies possibilitou transcender as questoes formais do Concretismo e depois do preprio Neoconcretismo, do que a estreita °NO° pela geometria, feita, alias, por outros setores da vanguarda brasileira sem os mesmos resultados. E importante deixar aqui registrado que O Experimentalism° de origem neoconcreta permitiu, sobretudo se consideramos os tres artistas acima mencionados, a formulagao de questoes que a arte intemacional hoje em dia consagra como essenciais para a contemporaneidade: a quebra das categorias convencionais que dividem as praticas artisticas em pintura, desenho, escultura e gravura, registrada na Teoria do nao-objeto (1960) de Ferreira Guitar, a participacao do espec-

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tador e, finalmente, a integragao entre arte e vida, que, no caso, surge enquanto transbordamento da proposta neoconcreta de integragao da espacialidade da obra corn o espaco real. Nos anos 60, quando despontaram as novas tendencias da arte americana e europoia como a Pop, o Noveau Realisme, etc., nascidas da exaustao do repertorio estrito do Abstracionismo, a arte produzida no Brasil ja possuia referencias essenciais pr6prias que emprestavam sentido singular a sua insercao nas questnes da vanguarda intemacional. Ao mesmo tempo tinha que se posicionar frente aos problemas politicos suscitados pela ditadura militar implantada em 1964, e que permaneceu no poder ate 1985. Sob o impacto das primeiras medidas repressivas do govern° militar, a chamada Nova Figuracao, foi lancada nas mostras Opiniao 65, realizada em agosto no Rio de Janeiro e Propostas 65, inauguradas em Sao Paulo no mes de dezembro. 0 sentido politico dessas exposicoes já se anunciava em seus proprios titulos que propunham, claramente, a liberdade de express5o e decorreu da participacao de alguns artistas oriundos das vanguardas da decada anterior, configurando uma frente cultural difusa formada em tomo da defesa da liberdade de propor e de opinar. Embora de tom etico-politico, a questa° teve implicacoes esteticas duradouras: nao por estabelecer urn novo movimento, mas por explicitar, para aquela geracao, principalmente atraves da reflexao de Hai° Oiticica (1937-1980) e do pensamento de Mario Pedrosa (1900-1982) o sentido hist6rico especffico de sua contribuicao para o futuro da arte brasileira. No catalog° da mostra Nova Objetividade Brasileira, inaugurada em 1967, Hello

Oiticica publicou o text° "Esquema Geral da Nova Objefividade" que "seria a formulacao de urn estado da arte brasileira de vanguarda atual" e nao "urn movimento dogmatic°, esteticista (como, p. ex., o foi o Cubismo, e tambem outros ismos constituidos como uma 'unidade de pensamento'), mas uma `chegada', constituida de mUltiplas tendertdas, onde a 'falta de unidade de pensamento' é uma caracteristica importante...". Listava tambem as seis caracteristicas desse estado geral (entre elas, tendencia para o objeto face ao esgotamento do quadro, participagao do espectador, tomada de posicao em relacao a problemas politicos, sociais e eticos, criagdo de novas condicoes experimentais), reconhecendo na Antropofagia (1928) urn dos passos decisivos em direcao a Nova Objetividade. Tracava, entao, uma genealogia preocupada, antes de tudo, corn a caracterizacao de uma atitude brasileira de vanguarda e tido com o estabelecimento de caracteristicas plastico-formais tipicas de nossa arte. As profundas afinidades entre a logica antrop6faga e a do experimentalismo neoconcreto legifimaram a aproximacOo proposta por Oificica: ambas privilegiavam o processo (tempo) como a garantia de uma expressao genuina, preservada dos ruidos externos de norrnas avalizadas pela "verdade" de prim cipios esteticos cujo contexto pertencia a outros sistemas te6ricos ou culturais. Tanto a Antropofagia quanto o Experimentalismo atribuiam ao processo,à sua dinamica pr6pria, intema, o papel fundamental de ultrapassar e subverter limites, in invencao de altemativas estetico-criativas grupais e individuais, simultaneamente comprometidas com questees da arte universal. Essa base hist6rica, resultado do entrecruzamento, na Nova Objetividade, de dois

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momentos extremamente inventivos da producao artistica do pals ; possibilitou a progressiva formagao de urn campo de agao experimental constituido pela contribuicao de artistas de varias tendencias e nao apenas daquelas construtivistas. E importante assinalar que o experimentalismo, quando pensado enquanto uma questa() que possui uma dupla origem, antropefaga e neoconcreta — "exercicio experimental de liberdade" — é, no Brasil, uma especie de divisor de aguas coletivo, nao devendo, por isso mesmo, ser confundido corn processos experimentais nascidos espontaneamente ins praticas artisticas. Questao que permitiu a configuracao de uma tradicao em transito que, sem construir urn reperterio formal cu tematico, vem referenciando, caso a caso, a obra de parte de algumas geragaes de artistas contemporaneos brasileiros. Suas obras, ainda que involuntariamente, participam de uma constelacao que, embora muito variada visual e formalmente, configura parte consideravel da histeria recente de nosso olhar. Tomadas separadamente elas podem, ate, ser remetidas as questiies da arte internacional. Seu sentido essencial deve ser buscado, porem, numa cadeia de nexos especificamente brasileiros. Esse breve diagnostico evidencia que os entraves fundamentais para o desenvolvimento das axles visuais no Brasil localizamse no tanto na producao, mas na ausencia de urn circuito de artes ancorado em um mercado forte, dinamico e descentralizado, movido por profissionais e destinado a difundi-la e a escoa-la tal como nos parses hegemonicos. Isto é: urn conjunto expressivo de museus e instituicees profissionais, ptiblicas e privadas, a existencia plural de 6rgaos de difusao de informagOes sobre a producao artistica atraves da midia (colunas 50B

especializadas na grande imprensa, revistas e jornais especificos, edicaes de livros, programas de televisao etc.) e, finalmente, o funcionamento efetivo de uma rede de galerias particulares e demais eventos de comercializacao, como os leiloes, em diferentes cidades do pals, que negociem nao 56 as obras do passado ainda disportiveis no mercado, mas principalmente a producao artistica contemporanea, indispensavel para a sobrevivancia dos artistas e demais profissionais e tecnicos ligados as artes visuais. E claro que nao cabe ao Estado substituir a iniciativa privada, nem tampouco subsidiar os riscos inerentes a atuacao empresarial no mercado de ape. Pode, porem, compreendendo o papel vital e insubstituivel do circuit° de arte, atuar, de virias maneiras na formacao e ampliacao do public°, na intensa difusao e intercambio de informagoes, nacional e intemacionalmente, na formacao de recursos humanos e no apoio a infra-estrutura, que terminarao, futuramente, contribuindo para atualizar urn potencial de consumo ainda sequer deflagrado. Dal decone a imperiosa necessidade de profissionalizacao, ainda incipiente, de todas as advidades voltadas para esse objetivo: familiarizar e despertar o interesse do major mimero de pessoas possivel, em todas as regioes do pals, pela producao visual moderna e contemporanea, por seu passado historic° e pela pluralidade das manifestaciies visuals brasileiras, universals e regionais. 0 desenvolvimento de recursos humanos refere-se antes as atividades tecnicas indispensaveis para o pleno funcionamento do circuito de arte do que aos artistas propriamente ditos. Existe uma enorme gama de atividades tecnico-profissionais ainda nao contempladas pelo ensino formal brasileiro mas que exigem de seus agentes a execu-

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cao de tarefas complexas vitals para o fun : cionamento das instituicaes culturais e eventos artisticos. Curadores, criticos, arquitetos de espacos expositivos, mas tambem montadores, tecnicos de iluminacao, preservacao, conservacao etc., atuam, na maior parte dos casos, desconhecendo os fundamentos tecnicos, internacionalmente assentados, de suas praticas. Outro aspecto fundamental, muitas vezes ignorado ate por instituicoes culturais destinadas a exibicao de obras de arte, refere-se as condicaes infra-estruturais. A montagem de exposicoes, o transporte de obras de arte, seu manuseio e embalagem, o armazenamento em reservas tecnicas e sua preservagao e conservacao carecem de nogoes

bisicas de museologia e museografia acarretando numa concepgao simplificada e reducionista dessas atividades. 'Panto os recursos humanos indispensaveis para a difusao da producao artistica, quanto os financeiros, quinhao da iniciativa privada e do Estado, no caso da omissao empresarial, nfio contemplam as necessidades minimas dessas etapas invislveis ao public°, mas que, contudo, fazem a diferenca entre o amadorismo e o profissionalismo. Sao providos (quando sao) apenas para aquilo que seri visto (a exposicao), comprometend° qualquer possibilidade de urn salto qualitativo na producao de mostras relevantes, nacionais ou estrangeiras, deseducando o pablico.' Da aduersidade uivemos.2

Notas 1. Algumas das ideias centrals desse artigo foram trabalhadas nos seguintes textos de minha autoria: Arte contemporfinea brasileira: urn exercicio experimental de liberdade, publicado no catalog° da mostra Suspended Instants, Art in General, Nova York, 1997. Da antropofagia ao experimentalismo: a construed° de urn projeto para a arte brasileira, ainda inedito, e, Artes vi-

suais, publicado no livro Urn olhar sobre a cultura brasileira, Francisco Weffort e Marcia de Souza, organizadores. Rio de Janeiro: Associacdo de Amigos da Funarte, 1998. 2. Citagao de Hello Oiticica no texto Esquema geral da nova objetividade, publicado no catalog° da mostra Nova objetividade brasileira, Rio de Janeiro, 1967.

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Um panorama e algumas estrategias LUIZ CAMILLO OSORIO A idea de o Museu de Arte Moderna de Sao Paulo reunir tres curadores - Paulo Reis (Curitiba), Ricardo Basbaum (Rio de Janeiro) e Ricardo Resende (Sao Paulo) - pan conceberem este primeiro Panorama da Arte Brasileira do seculo XXI, nao poderia ter sido mais oportuna. Abriu-se assim urn campo de discussao sem rancos regionais e menos vulneravel a idiossincrasias conceituais. De imediato, fica clara a opcao de as curadores procurarem estrategias poeticas desviantes em relagao ao circuito hegem8nico. A relevancia destas estrategias, buscando novos caminhos para a producao de arte, é inversamente proporcional a sua visibilidade e reverberacao atuais. Indepehdentemente da capaddade institucional de absorcao de praticas artisticas nao convencionais, o mercado e os meios de comunicacao mantem-se vinculados ao valor do objeto e, portant°, as formas tradicionais. Nao vai aqui nenhuma critica a qualidade da producao vinculada a estas formas, como a pintura e a escultura, chama-se, isto sim, a atencao pan a necessidade de se viabilizar a experimentacao corn meios de dificil insergao comercial. A criacao recente, em varias cidades brasileiras, de organizagOes de artistas - Agora/ Capacete (RJ), Alpendre (CE), Torreao (RS),

MICO (SP) - que buscam ampliar os canais de circulagao para o trabalho de arte, é uma novidade bastante positiva. Ao contrario de mera adocao ou negacao simplista das regras do mercado, o que estas organizacees procuram é redireciona-las, aceitando certos melds e buscando outros fins. Sem thivida, o enfrentamento do circuito, a procura de microcircuitos, retoma certos vinculos politicos que ha muito haviam sido negligenciados. Aqui poremos o foco de nossa discussao. As tens5es entre arte e sociedade, arte e politica (que inclui, é clam, a relagao corn as histituicoes e o mercado), ganharam novos desdobramentos corn o fim da guerra-fria e a liquefacao das utopias. Ao contrano do que se propaga, este nova contexto nao representou uma despolitizacao da arte, nem tampouco da sociedade, mas sim a necessidade de se reinventar novas formas de engajamento. 0 fim das ideologias, longe de ser o fim da hist6ria, é seu recomeco sem urn quadro de referencia predeterminado. Fomos lancados diante de urn horizonte indefinido, obrigados, coletiva e individualmente, a experimentacao e a liberdade - ambas, condicaes pr6prias e comuns tanto a arte coma a politica. Uma citacao de Italo Calvin° vem a lembranca: "o que a literatura pode nos ensinar


nao sao os metodos praticos, os resultados a serem atingidos, mas somente as atitudes. 0 restante nao é lick, a ser extraida da literatura, é a vida que deve ensina-lo." Estas atitudes poeticas nu° exigem desdobramentos praticos, nao sao definidoras de linhas de atuacao, apenas ampliam nossas perspectivas de compreensao da realidade. Nesta medida, o engajamento politico da arte deve buscar formas pi-I:Tun de legitimagao, onde o real e o ficcional nao se excluem, mas se complementam. Guardadas as diferengas geracionais, muitas sao as afinidades entre a producao atual e a das decadas de 1960 e 1970. Aguela altura, recuperando uma dimensao tragica das vanguardas historicas, a arte sacrificava sua autonomia em nome de uma potencializacao da existencia, do ser no mundo. Verificava-se, coma era de se esperar, uma transformagao bastante radical das nogoes de arte e artista. Evidentemente os riscos inerentes a esta estetizacao da vida sao enormes. Ha uma assimetria entre o que a vida, na sua imprevisibilidade alcanca, e o que a arta, corn sua intencionalidade, realiza. Todo artista, ao abrir mao de sua espacialidade especifica (refiro-me, principalmente, ao museu e a galeria), deve assumir a responsabilidade do anonimato e da indiferenca - suspende-se assim a expectativa que vem embutida em uma certa "atitude estetica", que faz corn que todos aqueles que se dirigem a "Obra de Arte" já tragam alguma predisposicao a urn tipo de emocao previamente determinado. Suspendida esta "atitude", libera-se a possibilidade da surpresa. Foi no silencio de urn final de tarde qualquer que o Ducha avermelhou o Cristo Redentor. 2 A repercussao deste "desvio para o vermelho" foi infinitamente major do que a expectativa do projeGig

to. Nesta disparidade entre o que se quer e o que se produz surge o coeficiente artistico destas interferencias urbanas. Como ha varias estrategias poeticas neste Panorama que buscam a ma para se disseminar ou o espaco urbano para intervir Atroddades Maravilhosas, Mico, spmb, Clube da Lata, Ducha, sem esquecermos as duas referencias histericas destacadas no livro, Artur Barrio e Paulo Bruscky cabe qualificar melhor o sentido deste anonimato assinaiad° acima.2 0 importante é nao torna-lo coma alga que inviabilizaria o artistic° (e o artista), mas que o obrigaria a certos cuidados. Este anonimato dura o tempo necessario para se negociarem as possiveis sentidos da intervencao e sua(s) forma(s) de insercao no espaco artistic° - seja atraves de fotografia, filme, texto e/ou outras materialidades possiveis. 0 anonimato é importante, pois a intervencao acontecera em urn territorio cujas regras de Ka° e reacao nao sao dadas pela arte, mas pela sociedade. Aceitar estas regras, nao significa sucumbir as suas determinacoes, mas correr as riscos de seus impedimentos. 0 exemplo mais claro al é o de Flavio de Canralho entrando em uma procissac) religiosa, desafiando-a e enfrentando-a sem qualquer defesa do tipo "trata-se de uma experimentacao artistica". Por sinal, em momento algum do seu livro Experiencia n. 2, ele descreve o acontecido como arte, nao obstante podermos assim defini-lo hoje. 3 Seria o caso de lembrarmos tambem as trouxas 4 dias e 4 noites de Artur Barrio ou as Insercees em circuito ideologic° de Cildo Meireles. E claro que muitos happenings aconteceram e acontecem na rua, corn hora marcada e corn uma clara delimitacao do espaco, que passa a ser urn "espaco de arta". Isto é valido, muitas coisas interessantes foram feitas ai, mas nao me parece ser o que busca a

maioria das interveng5es apresentadas no Panorama, que assumem a indiferenca da rua coma condicao para o estranhamento poetic°. Como manter a especificidade do artistic° dentro da vida? Que deslocamentos sera° necessarios para pensarmos de modo mais arejado e interessante estas insergaes da arte em circuitos ideologicos? Estas perguntas nao encontxam respostas imediatas, cabendo, apenas, mante-las pox - pet-to. No subtitulo da tese de doutorado do artista Milton Machado, lemos: "(arte) e sua exterioridade". Comentando a presenca destes parenteses em torn° da palavra arte, ele observa: "Par que entre parenteses? Porque arta nao existe, existem apenas trabalhos de arte (nossas homenagens a Gombrich, que foi quern escreveu isso af, e quem escreveu A Esteria da Arte - 'story', que nao é 'histOria', como quer a traducao brasileira). A minha maneira, digo que arte nao acontece, ao menos nao acontece como arte. Do mesmo modo a histeria. Nada acontece como histeria, nada acontece como arte. Nao fosse assim, se arte adquirisse existencia plena garantida em documento de identidade, nao existiriam mais trabalhos de arte, incluindo al a negociacao de sua significacao. E existiria finalmente sua Historia, escrita, ponto final. Parenteses delimitam um interval°, como na notacao matematica".4 0 fato de a (arte) existir neste intervalo, entre ser e poder ser, tornandose sempre algo diferente no embate corn as exterioridades que lhe conferem sentido (o public°, a instituicao, o circuito, a realidade), faz corn que ela, a Arte, nao se defina a priori, mas apenas a partir de uma negociacao constante corn sua tradicao e atraves das insercaes possiveis na cultura e na sociedade de seu tempo. Neste intervalo, onde as certezas estao suspensas, o proprio

artista ve-se obrigado a redefinir seus cornpromissos e responsabilidades. Se, por um lado, corn as multiplos deslocamentos para fora do espaco protegido do museu (e ma volta para ele) a arta deve ser colocada entre parenteses, o artista, por outro, redefinindo sua posicao, coloca-se tambem entre parenteses. A incerteza sobre o estatuto de artista o desobriga de uma subjetividade forte, de uma associacao, essencialmente modema, entre o "eu" e a criacao. Talvez isto nos de alguma pista para pensarmos sabre a razao de tantas "parcerias poeticas" na cena contemporanea. 0 artista, alem do seu tradicional papel de sujeito-criador, que mantem sua pertinencia, tambem passou a poder ser pensado como um propositor-coletivo. A remissao ai a Lygia Clark, Lygia Pape e Hello Oiticica é obvia. Este é um direcionamento ainda indefinido, que tern como expectativa a vontade de redimensionar e transformar a insergao da arte no espaco public°. Em uma entrevista onde comentava seu trabalho Teresa, 'limp foi bastante sugestivo no trato desta questa°. "Eu acho que cada vez mais a dissolucao do poets nao se di dento das estrategias que o modernism° pensou, mas pode se dar em outras no sentido de uma criacao mais ampla, de uma poetica coletiva. Uma poetica sendo a poetica de urn povo inteiro, de uma cultura inteira. Acho que isso al indica uma possibilidade, indica a possibilidade de voce construir uma obra corn varios poetas, e essa obra seja permeada de poeticas diversas, mas tendo sempre o seu nUcleo central dirigido por uma pessoa ou talvez por uma pulsao social".5 Enfim, destas breves consideracoes sobre as relapies sempre tensas entre a arte, seu estatuto e seus espacos de atuagao, cabe sublinhar que a aposta da curadoria do Panora-

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UM PANORAMA E ALGUMAS ESTRATEGIAS - LUIZ CAMILLO OSORIO

UM PANORAMA E ALGUMAS ESTRATEGIAS - LUIZ CAMILLO OSORIO

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ma nestas estrategias desviantes tern como pano de fundo a situacao de crise geral de todos os valores da tradigao. Diante da crise, quando tudo parece obscuro e poucas referencias surgem como pontos de orientagao, resta-nos a liberdade e a experimentagao. Qualificando as reticencias deste nosso presente, disseminando neste texto, encerro-o corn uma ñltirna citacao que me parece exemplar. "Os artistas pos-modemos estao

condenados a viver, pode-se dizer, a credit°. A pratica produzida por suas obras ainda nao existe como um 'fato social', deixa intocado o 'valor estetico', e nao ha nenhum modo de decidir antecipadamente que algum dia havera de tomar-se isso. Afinal, so se pode acreditar no futuro dotando o passa. do da autoridade que o presente é obrigado a obedecer. Nao sendo isso verdade, so resta aos artistas uma possibilidade: a de experimentar". 6

Notas 1. Refiro-me a intervencao do jovem artista carioca, Ducha, que durante mais ou menos i hora deixou o Otto Redentor vestido de vermelho, colando uma folha de gelatina vermelha aos holofotes. No dia seguinte, apareceu uma fotografia na primeira pagina do Jornal do Brasil. 2. Poderia falar tambem, por exemplo, dos trabalhos de Marcos Chaves, Marepe, Monica Nador, Jarbas Lopes, Raul Mourao e Marta Neves. Cada urn deles Ma, a sua maneira, corn a tenseo entre espaco urbano e espago artistic°. Todavia, por estarem já de saida incluidos no museu, net) precisam assumir este requerido anonimato. 1st° nao tira em nada a validade e a qualidade dos seus trabalhos. Sao apenas diferencas a serem apontadas.

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3.0 livro sobre a Experiencia no 2,-de Flavio de Carvalho, foi reeditado em zoo!, pela Editora Nay, Rio de Janeiro. Cabe ainda sublinhar que no livro deste Panorama, em entrevista corn Artur Barrio, cito a Experiencia de Flevio de Canralho e, por pun desatencao de todos que a editaram, principalmente minha, apareco falando em passeata e comicio, em vez de procissao. Aproveito para corrigir o erro. 4.Trecho extraido de uma conversa por e-mail corn o artista Milton Machado que saira na Revista Item 6. 5.Entrevista realizada por mim e publicada no catalog° da exposicao de ilinga no GCBS de Brasilia em junho de 2001. 6.Bauman, Zygmunt - 0 Mal-Estar da Pos-Modemidade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1958, p. 137.

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As politicas do gesto

WALTER SEBASTIAO esta exposigao que mune Hilal Sami de, antes de tudo, a intengao dos autores de Hilal, Marco Tali° Resende, Manfre- pensar urn certo conhecimento visual. E de do de Souzanetto, Paulo Laender e uma perspectiva especifica: aquela que nao Marcus Andre, é born saber que estamos diabre mac) da nogao de gesto responsavel, de ante de urn conjunto avesso a aproximagao projeto, de artesania, mesmo ante forcas por semelhancas. Obvio que elas existem. A advers as. &Silica é a questa() da linguagem, as deterHilal Sami Hilal minageies da materia (que aqui é tambern Arte é renda, trama, bordado, malha cacultura), os transbordamentos que resultam do choque entre pratica e conceitos que eles paz de articular o visivel, e o invisivel pareelegem como motivo de especulagao. Mas ce sussurrar os trabalhos de Hilal Sarni Filial. basta deter-se corn urn pouco mais de aten- Materia, sim, mas devaneio do gesto tamcao em cada pega para observar que cada bem. Visualidade pura e ainda 'uma hist& uma carrega um batimento especifico, que ria Social. Especulacao intelectual e evocase nao chega a negar a articulagao de uma cdo de urn fazer que nao tern como alojar o trajetOria (ou serie), alimenta quase o dese- seu sereno delirio na lOgica produtiva das sociedades industriais. E inventa entao o jo de ser uma anica. Dizer que sao superficies e volumes, por prazer de cifrar, tecer, uma vivencia silenciosa capaz de vazar o tempo. N5o se trata de exemplo, esclarece pouco. Ate porque estes trabalhos promovem uma intrincada re- naturalizar uma descendencia pessoal, hislacao entre forma e histOria. Vale ressaltar torica ou metodo pre-fabril. Mas, pelo conainda que sac) obras que estao longe da trario, de deslocar estes elementos e conotagoes, de torna-los menos familiares, para ideia de fragmento. 0 seu nude() poetic° é a questa° do todo, da tonalidade, da intei- fazer soar um batimento lUdico-dramatico, reza e coesao do discurso plastic°, mas esse que escapole da condicao de excluido e se oferece como poliedro de temas e subte- quer ser ouvido (ou visto). E se torna, entao, mas que parecem proliferar indefinida- alegoria de outros tantos batimentos, igualmente. Sao trabalhos que ate experimen- mente reprimidos, que da margem (da martarn o desvio, o devaneio, o desconcerto, gem da poesia), fazem valer o seu conhecimas essa linha de argumentag5o respon- mento da vida.


1 t 1 r: 1.1

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Marco Tülio

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bem conhecida, a perSpectiva que Marco Tao Resende imprime a sua obra: uma tensao continua entre o desenho e a pintura. Mas e o primeiro que incide e se sobrepbe ao segundo, fazendo, nao poucas vezes, da massa pict6rica o suporte do desenho e assim invertendo relagees classicas. Acrescente-se a teimosia, reiterada e permanente evocacao das ideias de letra, marca, rastro, tudo apontando na direcao de urn gesto que nao s6 aspira e provoca o signo, mas parece quera-lo em aberto, inconcluido, para que o dito e o interdito se tomem evidentes. Tal perspectiva tern feito soar algumas metaforas do projeto: chao, livro, jogo, corpo, fluxos etc. E corn urn significado preciso: a delimitacao de urn campo entre o texto e a critica do texto, aguele na sua dimensao de jorro proliferante; este afirmando o contra-poder do nao-verbal.

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Manfredo de Souzanetto

Na mira de Manfredo de Souzanetto, ao longo de sua carreira, sempre esteve nao a pintura como objeto de analise, mas a analise do objeto-pintura. Isto é, como quadro, artefato, construcao, canone, lugar etc. Para tanto ele se apropria do imaginario da arte abstrata - geometrico, mas tambern informal - metonimicamente tomada, urn codigo analitico da pintura. E sua agao tern sido montar e desmontar este modelo ao sabor de diferentes questionamentos poeticos. Domou o gesto, praticou a metalinguagem, investigou materiais e estruturas, comentou a memoria do oficio, formatos, posicaes etc. Ate o hmite de, corn humor sutil e sem abandonar a especificidade de uma pratica, produzir um confronto corn as ideologias da pintura. Sejam elas os dogmas da planaridade (a pintura é urn objeto tridimensional, argumenta o artista) ou a condicao de ponto cego no espa-

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go, de enfeite para casas abastadas e instancia civica para momentos herOicos. Paulo Laender

Nao deixa de ser curioso o sentido que o escultOrico tern para Paulo Laender. Ele é a escultura, peca escavada, polida Cu construida e tambern relevo e objeto. Nao menos intrigante sao as referencias que regem o trabalho. Nos extremos estao o fossil e o argue°logic°, por urn lado, e a arquitetura e arte modema, por outro. Ambos sinalizando uma consideragao formaLmas tambem urn ponto de vista historico-cultural. Isto é, ha urn antes que nao deve ser negado; ha urn depois que coloca compromissos. Ambos nao podem (e nem devem) ser ilustracaes de uma certa temporalidade remota ou futurista mas sim recriados a cada momento da sane histarica, num Unico e mesmo gesto que se (Id no presente. Evidancia deste movimento sao pecas recentes, nas quais aparece urn dado ins6lito: uma evocacao a actionpainting, ao expressionismo abstrato, via uma citacao a Pollock, como se corn o gesto do pintor esclarecesse a natureza do gesto que sua obra deseja encetar.

mento).E como sea superficie se transforrnasse em lugar onde residuos destas consideragees se fizessem ver (ou ouvir). As pinturas antes de serem apenas fatos pictOricos ideais, traem a natureza de campo de batalha entre forcas adversas: a massa (de tinta) as vezes irrompe a tranqiiilidade do piano; a cor (ou sinais dela) perturba urn ideal de piacidez contemplativa; a vista vadla entre uma representagao evasiva e adentra experiencias pictoricas avessas, a outras determinacoes que nao seja o seu acidentado fluir.

Conclusao

I-Usti:ilia do heteroganeo, letra cravada sobre a pele, construcao/desconstrucao do artefato arte, relativizacao e evidancia de determinageies sociais, tradicao dilacerada corn seu existir. Eis al alguns aspectos que as obras desta exposicao apontam. Correspondem, é born que se diga, a politicas do gesto - este minimo da hist6ria artistica tao apagado na producao recente -que insistem em apontar dilemas, problemas, prazeres, conhecimentos, iluminacoes etc.

Marcus Andre

Nesta exposicao, a pintura de Marcus Andre soa de modo especifico. Ela sinaliza aquilo que, por falta de melhor definicao, chamamos de tradicao. 1st° é, certas questoes, formas-ideias, que sao tomados e retomados e desenvolvidos. Mas é born estar atento ao que estas pinturas desfocam para melhor tomar visivel urn eixo que, saindo do romantismo (a questa° da paisagem), passa pela modemidade (aquele instante luminoso/opaco entre o impressionismo e as primeiras abstragoes) e ronda regioes vizinhas do expressionismo abstrato (o gesto e seu mo-

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Colecionadores em movimento Livros, olhos, exercicios de leitura

MARiLIA PANITZ (..) a Histoire de l'Oeil ndo é uma obra profunda: tudo ai é apresentado a superficie e sem hierarquia, a metefora este exposta no seu todo; circular e explicit°, nact remete para nenhum segredo: estamos aqui perante uma significacilo sem significado (ou na qual tudo é significado); (..) uma literature de ceu aberto, situada pan, M de toda a decifracao... 1 0

o olho a mais do ciclope, desvenda os sinais descontinuos que o olhar do human° ocuha: tom° legivel o visivel, a fim de minorar seus poderes. Arrancar-se do visivel, sim; mos quando o visivel se arranca de rids, que acontece? 2

Let par° urn cego uma experiencia curiosa, porque, embora corn algum esforco eu me sentisse no controle do torn do leitura, era todavia Borges, o ouvinte, quern se tomava o senhor do text°. Eu era a motorist°, mas a paisagem, o espaco que se desenrotava, pertencMm ao passageiro (...). Borges permitia que as palavras chegassem ate ele. Eu era invisive1.3 Todas as coisas soo palawas lidas / Na lingua em que Algo cu Alguem, noite e dia, escreve essa infinita algaravia/ Que é a historic) do mundo. (...)Atros do name he o que nil° se cite,' Use meu corpo como as poginas de urn (tyro (...) Sabe... algumas culturas nao permitem imagens. 5

obre olhos e livros e colecoes... sobre a constmcao de metaforas, figuras de linguagem que orientam a producao de imagens na construcao das poeticas. Sobre partilhar essas metaforas e provocar, a partir delas, o desdobramento, as versOes. Sobre a construcao de uma sintaxe comum, estrutura sobre a qual repousam os trabalhos e o olhar dos que os abordam. Sabre urn lugar possivel de onde se situar pan poder abordar a obra da Ana Miguel, Chico Amaral, Elder Rocha, Ge Orthof e Ralph Gehre: ê disso que trata este exercicio.

Gentil Reversao é investigagdo sobre as possibilidades de dialogo e de entrelacamento de trabalhos resultantes de ideias que vem se construindo em conjunto, ao Iongo dos anos. E, portanto, tecido que se faz tambem pelos fios das palavras. Os trabalhos dos cinco artistas foram pensados, na mostra e neste texto, como uma rede de relacoes que se estabelecem entre dois eixos: o temporal e o espacial. Isto pode ser tornado da maneira mais direta possivel e fara sentido: ha uma hist& ria comum partilhada por mais de dez anos


e ha o espago expositivo que agora atuafiza e situa esse compartilhamento. Mas isto tambem pode ser pensado lancando mao de urn ponto de vista tornado pelas ciencias da linguagems e, depois delas, pela psicana1ise7 e provocara outros sentidos. Nesse caso, o eixo temporal se apresenta como forrnador de paradigmas. t o eixo da age° de substituigao, de associagao, de similaridade, da proposigao de urn sentido que se apresenta como resultado de muitos sentidos. t o eixo em que Lacan sugere localizar a operacao de condensageo nocao proposta por Freud em sua teoria dos sonhos - para nomear aquilo que na elaboragao onirica refere-se a certos objetos, personagens ou acontecimentos, investindo um dnico elemento corn as caracteristicas de varios outros que importamos do universo da vigilia... urn que pode ser muitos outros. t o eixo da metdfora, que se apresenta estando ausente, evocando urn significado por outro. E Borges diria, por meio de uma abordagem etimologica, que toda metafora urn dia sera palavra de uso corriqueiro (o que faz pensar que todo enigma - e neo é disso que a arte trata? - urn dia sera desvendado, nao por adivinhageo, mas por reconfiguracao, agregagao de significados possiveis... ausencia que se presentifica por recorrencia, por envelhecimento, par costume). 8 Pensandose em Gentil Reverse°, esse poderia set o eixo das obras. Já o eixo espacial se apresenta como sintagma, fazendo sentido pela contingencia de seus terrnos, sua contigiiidade, urn ao lado do outro, adquirindo significag5es a partir de sua localizagao no espago, em relagao aos outros termos ou... imagens (e, portanto, refere-se a convivencia, a contaminacao). Este é o eixo do discurso. Para Lacan, é o eixo dos deslocamentos que, nos sonhos, corresponSIB

dem ao investimento de um determinado elemento, corn o afeto destinado a outro. to eixo da metonimia, a outra figura de linguagem que se configura pot presenca: a parte significando o todo, o efeito no lugar da causa, a materia no lugar do objeto, o abstrato no lugar do concreto. Em Gentil Reverse° esse seria, entao, o eixo da mostra, dos textos, dos olhares cruzados. Mas, por que langar mao dessa proposigao lingiiistica para estabelecer uma possivel leitura da articulaceo entre as obras essencialmente imageticas de artistas diferentes? Cinco ragies - path manter o nomero de fios do urdimento de nosso tecido-justificam a escolha dessa linha de abordagem: Em primeiro lugar a evidencia de que qualquer ato de linguagem (e produzir arte certamente o é), qualquer ato de constituigao de sentido se dá dentro dessa relacao biaxial (espaco/tempo). E do que tratamos aqui? Do corpo de uma obra, nascido do dialogo entre cinco pensamentos/obras - construcoes no tempo e no espago. Em segundo, trata-se de trabalhos aos quais é langado urn olhar retrospectivo, que tenta rastrear suas fontes, sua genealogia... tenta tragar as suas relacoes de parentesco... os tracos comuns que determinaram o encontro e a parceria. 'flaws que nos permitiram chegar a leitura de um pela leitura das imagens produzidas pelos outros. Em terceiro, trata-se de experimentar a possibilidade de uma abordagem te6rica set o urdimento do tecido de uma poetica. Assim, a imagem seria a da distribuicao espacial das obras portando infimeras camadas de sentidos (e nao-sentidos, por certo, naquilo que delas nos escapa, quando as abordamos na condigao de criador ou de fruidor, ambos leitores que "arrancam" a si mesmos do visivel; ambos fadados a perder algo de

vista, ao articula-lo em uma versao; ambos sujeitos a armadilha do olhar que a obra devolve a seu olhador, que é o que ocorre quando "o visivel se arranca de nos..."). Em quarto, trata-se aqui de transito entre imagem e texto, subversao operada a partir do inicio do seculo XX e pie produziu imagem conceitual e texto imagetico (podemos, como exemplo, pensar nas obras de Marcel Duchamp e de Georges Bataille), lice° aprendida pot tantos herdeiros. Reuniao de fragmentos, vestigios. 0 metodo do jogador e do colecionista, o metodo da escuta analitica e da abordagem poetica de produce° de sentido. 0 sentido esti na superficie, nela que ele se desdobra... para quem se dispuser ao exercicio de imaginagao (de ace° sobre a imagem)... para quern souber let! Podemos pensar nesse metodo como tributario de duas vertentes cruciais para o pensamento e a produce° artistica contemporanea: por um lado, a experiencia surrealista de associagao de imagens distantes conceitualmente uma da outra, o que lhes dava uma caracteristica extremamente forte, ja que sua leitura estava imbricada corn o ndmero de associagOes que traziam para dentro delas (adquirindo o estatuto de receptaculo de indmeras possiveis significacOes); por outro, da experiencia cubista (e construtivista) da colagem, da montagem de significagOes pela combinageo de partes de diferentes elementos (de copula, como afirmava o mestre da colagem cinematografica Serguei Eisenstein, essa tambern uma lick) herdada: do ideograma, dos hier6glifos, da escrita imagetica dos alquimistas). Essas imagens carregadas de sentidos, oferecem uma mudez que tera de ser transposta. Este é o caminho que tera de ser percorrido pelo fruidor: o de re(des)cobrir os elos que aproximam os diferentes fragmentos que se cons-

tituem em obra. Resignifica-los. E este sera urn ato pot palavras. 0 que nos remete a quinta razao para o uso dessa moldura linguistica. Gentil Reverse° se prop5e a colocar o texto do leitor em paralelo a obra, comprometido e contaminado par ela. 0 pressuposto é, entao, de que se abra lugar (ou de que 56 reste lugar) pan urn text° critic°, que nao mais se configure como uma orientagao assertiva de leitura ou de juizo de valor (como um olhar "de fora"), que de conta do todo das obras, e sim comb uma abordagem delas por urn vies que seja necessariamente parcial e fragmentario - ja que, em linguagem, algo sempre escapa ou se deixa ver de diferentes formas e por dife. rentes olhares. Ha algo, na propria materialidade dessas obras, indicador desse "olhar interior" (que nao se- confunde corn co-autoria, nao se trata disso). Gentil Reversao, vista pela moldura desses pressupostos, pode ser pensada (metaforicamente) coma urn mapa ou uma rede ou urn tecido, que se desenha balizado pot alguns referenciais tornados paradigmaticos para estes muitos, possiveis cruzamentos. Corn o tempo, urn objeto, urn 6rgeo anatOmico e uma agao parecern ter adquirido o estatuto de metiforas dessa gentil reverse° (e essa é, certamente, uma suposicao arbitraria, minha possivel versao). 0 livro, o olho e o ato de colecionar - de estabelecer/organizar colecoes - sao as bases dessa proposta de leitura (necessariamente fragmentaria). 0 livro-objeto e a metifora do livro

Ao longo do periods° em que se foi construindo a Gentil Reverse°, a troca de ideias, situada nas caixas de mensagens da Sala de Visitas9 , foi estabelecendo uma bibliografia possivel do projeto. Bataille, Calvino, Borges,

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COLECIONADORES EM MOVIMENTO - MARILIA PANITZ

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Ginzburg, Kafka, Pokot, Nolan, Apollinaire, Mailer, Auster, Benjamin, Lacan, Barthes, Occam, Rosa, Freud, Cummigs, Richter... autores, nomes. TUdo ja esta escrito, tudo se oferece pan as inumeras possiveis combinagOes. Cada objeto-livro corn sua escritura, sempre a mesma, tao diferente pan cada olho que sobre ela se deposita. Ao longo deste ano, Ge Orthof veio inscrevendo seus "livros", compondo sua bibliotecadostripper. Corn uma nova localizagao pan esses objetos dentro de sua obra repleta de citagOes aos tantos autores queridos, agora eles nao tern palavras: sao objetos-livros "gravidos" de narrativas. Urn deles, o livro niaisurnanoite, a ser manipulado por luvas/seres-que-olham, lembra outros livros: os que comp5em a serie Circulacian de Ana Miguel. Ao vestir as luvas oferecidas pela artista (essas cirargicas, adequadas para a manipulacao do corpo aberto do humano) seu provivel leitor esta exposto a uma inscrigao de cicatrizes (Moi—Toi—Lui). Cicatrizes que estao presentes nas p5ginas/telas do livro Solve et Coagula, de Elder Rocha, combinagao das lembrancas de seu manual de anatomia corn o delirio de transcendencia da iconografia crista. Mas este enorme livro é composto de grandes superficies de cor e pequenos fragmentos. AnotacOes criptogrificas de algo divorciado já de suas fontes. Anotagoes sao o que compoe as livros/cadernos/diarios de Ralph Gehre, repletos de vestigios, repletos de croquis de objetos a serem feitos por/para os outros membros da Gentil Reversao. Imagem e texto se equivalendo, prevendo a anulacao da marca, da assinatura, tomada textura, em suas Ultimas obras. Fim da identidade marcada pelo trago. Esse trago que vai inscrever, por imagem e texto, o auto-retrato-feito-por-outros de Chico Amaral. Identidade que é escritura... e que 520

é alteridade: urn que é outro. Urn que é outro, jogando consigo mesmo para formar poesias do acaso, num jogo de cartas... evocando Mallarme e seu jogo de dados. Um que poderia estar presente nessa biblioteca.x° 0 que nos faz passar da materialidade do objeto para sua condigao de metafora. Se o livro aparece como objeto em algumas obras, isso traz para a superficie uma questa° que permeia o conjunto das obras em exposicao: o de constituir-se como escritura, mesmo que muitas vezes portadora do miter inelutivel da imagem. Assim, tecem-se as elos feitos de palavras. LivrO portador da escritura... do saber-sobre algo... o pr6prio saber... a prOpria escritura... a arte como exercicio de uma escritura, corn ou sem palavras... o mundo sendo escrito (e inscrito) para ser lido pelos olhos de ver... e de let 0 Orgao olho e a metifora do olhar/olho Ver e ler é o que nos propoem os Oculos de Chico Amaral, urn de seus equipamentos de ver. E o que vemos quando vestimos esses Oculos? Nossos pr6prios olhos. Olhos que reconhecemos arrancados de suas orbitas e fixados no fruidor, ou citados na reproducao rigorosa e superdimensionada daqueles dos desenhos animados japoneses, como aparecem na pintura de Elder. E Elder tambem faz olhos metaforicos em seus assoalhos/constelacoes, cujas estrelas baleadas/perfuradas cumprem sua sina de serem os mil olhos que velam o sono do homem durante a noite," já cegos de saida, pois frutos da perfuracao da materia. Ou olhos que sao circulos, bolas, pontos, mil pontos espalhados pelos papeis e telas de Ralph, todos velando par n6s, as fruidores.Todos nos ameagando corn os seus olhares de enigmas, todos tambem escrituras cripticas.

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Os olhos, muitos deles, se espalham pe las instalagOes de Ge. Wiggle eyes revirando se em suas orbitas de plistico, langando-no seu inquisidor olhar cego, posicionam-s' nas paginas dos livros e nas luvas do leitoi nos acess6rios dos livros de vestir e despir. coma se, independentemente do leitor, ele pudessem instaurar o ato de ler e suspende lo pela agao de desnudamento. E precisi carregar-se de olhos (e livros) para ver (poi ver é ler a partir do olhado, como já nos en sinaram Cezanne e Freud)." Olhos similare se espalham pelos objetos/seres que An cria. Olhos de boneca que se amalgamam a uma anatomia inusitada e que piscam L: abrem e fecham, olham para dentro e pat fora... Tornam-se equivalentes a perolas.

linguistic°, eles parecem refletir sobre a propria poetica de que sao veiculos. Espalhamse pela exposigao lembrando, a quern os aborda, que olhar é operacao 6ptica e sim&Shea simultaneamente. A anatomia do olho se altera pela insergao de marcas provocadas por olhares anteriores. 0 olho, entao, carrega sua historia. Coleciona suas cicatrizes de olhar o mundo. As obras assim, se oferecem como espelho, coma duplo possivel de tantos diferentes olhares. Nos olhando nos olhos. A metafora da colecao e o exercicio de colecionar taollituo.

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ras do mundo, que apontam suas instalapries. Migram de uma para a Dutra (colecdo se faz por eleicao, portant°, o numero de objetos colecionados 6 limitado). Sua caixa certamente contem a amostragem do mundo. Já as caixas de Ana aludem a uma questa° recorrente em seu trabalho, a de tensionar o estatuto do feminino: sao caixas de uma habilidosa costureira ou crocheteira. Sao caixas corn linhas, botees, agulhas, perolas, fitas, tules, todos a caminho de se tornarem a manifestagao do desconforto do humano. Uma colecao que produz outra: de objetos antropomorfizados que se portam como se pudessem reproduzir autonomamente parte das funcoes que reconhecemos coma exclusivamente nossas. Portam-se como nossos fantasmas. A caixa de Chico tern muitas bolinhas, de chumbo, de pinguepongue, letras 0 de muitos OutrOs, de regras do jOgO. Seu tesouro desdobrado ad infinitum. Guardara, certamente, aquele brinquedinho adquirido recentemente: o jogo de pinguepongue de corda e lata "coin um jogador nervoso".'4 E regras de jogos que ele subverte em suas obras, tornando-as exclusivamente uma reuniao de palavras-materia. Na Enciclopedia del Coleccionista ' 5 - compendia concebido pan orientar os colecionadores em busca do rigor - o prolog° trata de delinear o perfil de uma colecao, dandolhe uma configuracdo mais cientffica e distanciando-a "da curiosidade desordenada do comeco", distanciando-a do perfil dos gabinetes de curiosidades, frutos da paixao, da escolha subjetiva. Esse texto procura definir estilos, definir qualidades que determinem o valor dos objetos: "harmonia, personalidade, estilo de epoca, canter, qualidade de execucao, tema, prestfgio da materia, antigilidade, historic°, virgindade, estranheza, raridade". Entre as muitas observaE22

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caes sobre valor de mercado, herancas e cloaca- es, ha algo que chama a atencao: urn colecionador é alguern que guarda a mem6ria da humanidade. E pot estes fragmentos, reunidos corn maior ou menor rigor, que se pode(m) tecer a(s) historia(s). E pelo incomum, pelo resto, pelo raw... Dados interessantes para se abordar a colecao como menfora desse tecido entretecido por cinco fios. Uma colecao formada por cinco colegees que passam a ser so uma. A diversidade de elementos expostos articulados por esses fios de sentidos. Sao as objetos diversos colocados em seus lugares o que vai construir o sintagma, a sentenca que é essa mostra. Assim, a diversidade se constitui como discurso harmonico... polissemico, polifonico... mas uma sonata. A teia como suporte e a exposicao como frase escrita por seis pares de mans Essa ideia da teia, do trabalho minucioso da aranha, sua estrategia de captura, parece perpassar a correspondencia da Sala de Visitas da Gentil Reversao. Alguns dos artistas já a configuraram concretamente, mas ela pain efetivamente como estrutura, como grade, como mapa que localiza as obras dentro de urn discurso comum. Ela pode, entao, ser tomada como menfora do suporte sobre o qual repousa a genese do trabalho coletivo que se apresenta na mostra. Diferentemente do processo corn o qual trabalhamos de maneira geral, em que a mostra se consgoi a partir de uma organizacao das obras do(s) artista(s) propbsta pelo curadar- sua versa° sobre o conjunto das obras, sua sentenca construfda a partir delas, sua acao de investi-las de novas significagOes, por meio de sua sale*, e do lugar que lhes cla, dentro do corpo de trabalhos - o que se

experimentou aqui foi a criacao de urn unico tecido, no qual as obras provocam textos que provocam obras. 0 lugar desejado do texto é "dentro" do tecido da mostra, como mais urn fib (de palavras) a tece-lo. Seu destine é misturar-se a ele, nao como mais uma obra, mas como parte do suporte/teia. A linha conceitual que se comp8s, pelo contato corn (e entre) as obras e seus autores, tomou-se, dessa maneira, urn fib da teia. Construiu-se, da mesma forma, este livro/

caderno de anotagpes dos itineraries de construed° da Gentil Reversao: os textos que se referem a cada artista se invadem uns aos autos, conversam entre si formal e conceitualmente. Ao serem criados, foram tambem invadidos pelos outros que se compunham on-line e ao serem colocados ao lado das imagens (e nao ha outro lugar para eles) sao igualmente invadidos par elas. Urn que é outro... urn que é seis e é urn. Esse que oferecemos, nossa gentil reversao.

Notas a. Roland Barthes, A metcifora do olho (escrito em 1963), sabre o texto A histeria do olho de Georges Bataille, In: Textos Crfticos, Editorial 70, 1977, p. 333-333. 2. J-B Pontalis, Perde de Vista, Jorge Zahar, p. 220. 3. Alberto Manguel, sobre as suas recordagoes do tempo em que ha para o cego Jorge Luis Borges, Uma histeria da leitura, Cia. das Letras, p. 33. 4. Jorge Luis Borges, Uma bussola (0 outro, eu mesmo), In: Obras completes II, Ed. Globo, p. 276. 5. Falas do personagem vivido par Ewan McGregor no filme 0 livro de cabeceira, de Peter Grenaway. 6. Em especial como é proposto por Roman Jakobson. 7. For meio da leitura que Lacan faz do texto freudiano, lancando mao da lingilistica. 8. Vet sin conferencia sabre a materia no livro Esse oficio do verso, Cia. das Letras, p. 29-49. 9. Nome da troca de e-mails que se estabeleceu durante todo o anode 2001 entre as participantes da Gentil Reverse°. 1o. Ge, em um e-mail de 28/10 lembra a presence retrospective de Mallarme na Gentil Reversao: 'A lembranca: quando voce fala que Mallarme poderia ser urn dos autores presentes, ele estava na Oxford-Brazil, a instalacao de pratos perfurados, cadeados e dados. A obra era para ele (que estava cited° em urn dos folders, da Sergio Porto, do MAC/SP ou da Rubem Valentim, nao lembro)".

Na conferencia sabre a metifora, urn dos modelos usados par Borges é o das estrelas como olhos. Os exemplos sao desde uma suposta frase de Platao "Eu queria ser a noite, de modo a poder velar teu sono corn mil olhos", a "As estrelas olham do alto", citado sem autoria, ou mesmo urn poema de Chesterton "Mas nao chegarei a idade de vet surgir a noite enorme, / uma nuvem maior que o mundo / E urn monstro de mil olhos", In: Esse ofieio do verso, p. 32-33. 12.De Cezanne aprendemos que a representacao da realidade pela pintura nao se di pot reproduce° da imagem vista, mas pelo que nos é possivel ler a partir do que vemos. Freud, pot outro caminho, ao desenvolver sua teoria dos sonhos, fala de uma interpretacao (par palavras) como um andar sabre as pegadas da elaborated° onixica em sentido contrario, ou seja, uma esti intrinsecamente ligada a outra ou, sabe-se da experienciapela versa° que somos capazes de constituir a partir dela. 13. Herdeiro daquele projeto de Andre Malraux, urn museu portatil, urn livro-museu, capaz de canter, pot referencia, as esculturas produzidas ao longo dos seculos. 14. De sin descried°, em urn e-mail, de o5/o8. 15. De G. Savage, F. Fosca e F. Daulte, Ed. Noguer, Madri, 1963.

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Faxinal das Artes no Faxinal do Ceti AGNALDO FARIAS ikat

to: or mais de urn motivo o projeto Faxi-

nal das Artes, nome que acompanha o municipio paranaense de Faxinal do Ceu, fascinante como o titulo de urn poema de Drummond, e cuja etimologia ultrapassa a geografia fisica para ajustar-se a perfeicao corn a ideia de limpeza e arejamento de ideias, ficard como prova que o nosso meio das artes plasticas passa por um momenta dos inais fecundos, corn os artistas adensando a discussao sobre suas po&ices, seu papel dentro da sociedade e sobre o que vem send° feito sobre a produto de seu trabalho pelo circuito de artes, entendendo al curadores, criticos, jornalistas, marchands e a diversas instituicees - museus, centros culturais etc. - que se ocupam da sua conservacao e exibicao. Acontecido na segunda metade do ultimo mes de maio, ocupando menos de um terCo dos trezentos e cinqUenta chales coloridos, dispostos ao longo de urn declive suave cercado de morros e que vez por outra amanhece corn seu verde ostensivo submerso na neblina, o Faxinal dos Artes foi pioneiro nao so por ter sido o primeiro grande projeto de residencia artistica do pals - cem artistas de todas as regioes como tambem pela estrutura de organizacao do evento que, mais do que a produce-ode obras no local corn ?4ttr.

vistas ĂĄo incremento do acervo da institui cao promotora, a Secretana de Estado da Cultura do Parana, o que por si sĂł seria merit& rio, privilegiou, gracas a sensibilidade da Secretaria Monica Rischbieter e da coordenadora do projeto Sandra Fogagnolli a troca de experiencias entre artistas num encontro de envergadura nacional. Coube a Fernando Bini a responsabilidade de convidar trinta artistas paranaenses representativos do que hoje se faz em termos de arte contemporenea. A mini, a honra de convidar os outros seterta cuidando igualmente pare que des fossem representativos daquilo que de medlar se anda realizando pelo nosso pals. Cada artista convidado apresentou urn projeto que, respeitada a dinamica de cada urn e o peso que entao se passou a dar ao intercembio entre eles, poderia ser ou nao ser integralmente desenvolvido no decorrer do evento. Sob essa orientacao, Cristina Mendes e Jucimara Bacil, emprestando docilidade a nocao de eficiencia, criaram a atmosfera rnais proxima possivel do ar puro que se respirava durante as longas caminhadas. 0 grupo de monitores reunidos para apoio ao trabalho dos artistas foi, mais de uma vez, alvo de homenagens. A partir dal, pode-se comecar corn as manilas sempre reservadas as apresen-

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tacOes de obras por parte de seus respectivos autores, o arculo de Pa'auras e Imagens, competentemente coordenado par Cristiana Tejo, curadora da Fundacao Joaquim Nabuco, de Recife, e as frias noites faxinenses aguecidas par filmes, palestras e debates de profissionais de dentro e fora do setor, da visada critica acerba, inteligente, exasperante para alguns, de Rodrigo Naves, do balanco sobre as relacoes entre midia e cultura, de Zuenir Ventura, das colocacOes estimulantes sobre o controverso tema da curadoria, por parte de Moacir dos Anjos e Daniela Bousso, para os momentos, porque nao dizer, sublimes, de Paulinho da Viola, entoando seu processo de criacao, e do matematico Ton Marar, introduzindo o modo pelo qual a topologia pensa o espaco. Enquanto isso, atento a tudo e a todos, Helmut Baptista, urn artista cuja poetica tanto se baseia na radicalidade de processos e conceitos quanto na generosidade e inclusao dos outros colegas, elaborava uma edicao especial de seu jomal, Capacete, integralmente dedicada ao Faxinal. Urn outro aspecto a sublinhar o Faxinal das Artes como uma oportunidade (mica, foi o fato dele ter acontecido na esteira de urn processo de reacao dos artistas ao atual quadro do meio das artes plasticas, processo marcado por incompreensoes e urn certo descontentamento acerca dos rumos d a nossa cultura. Esse processo, diga-se de passagem, foi o mesmo que favoreceu o surgimento de grupos de artistas, como o Torreao e o Areal, de Porto Alegre, ao Alpendre, de Fortaleza, ao Agora e o Capacete, do Rio de Janeiro, e a Linha Imaginaria, que refine artistas de diversas regiOes, todos eles interessados em discutir e apresentar questoes e obras mais afinadas corn a expressao contemporanea, todos eles devidamente representados no Faxinal das Artes. G26

Par mais que houvesse imaginado a coordenagao do Faxinal this Artes, nao podia supor que ele fundonaria coma uma especie de fecho simbolico de uma primeira etapa, corn as artistas celebrando o contato entre si, compartilhando certezas e davidas, mostrando uns acs outros seus trabalhos e assistindo, sempre sob urn clima de interesse, os maltiplos caminhos poeticos que perfazem nosso panorama atual. Habitualmente isolados em seus ateliers, os artistas, mesmo aqueles que pertencem aos grupos mencionados, estarao sernpre as voltas coin os dilem as e as inquietagees tipicas de sua pratica, mergulhados numa solidao que as vezes se revela insuportavel, e perplexos diante de urn meio de arte como o nosso, que ao passo em que cresce parece que se vai tomando mais e mais diluido, sem abrir espact) para investigacoes mais experimentais. 0 Brasil na era dos espetaculos

Quem acompanha mais de perto o processo de desenvolvimento do meio das artes plasticas, viu as grupos acima mencionados, alem de outras iniciativas de natureza efemera, igualmente conduzidas por artistas e seus pares, pipocarem desde meados da decada de 90, tomando clara a inadequagao do desenho atual do circuito artistico que nao garante a veiculacao da totalidada de obras e ideias comprometidas corn a expressao contemporanea. Publicacoes coma as cariocas Item e Capacete, para ficar apenas em duas das mais regulares, revivem iniciativas efemeras e memoraveis coma Malasartes e Parte do Fogo, ambas surgidas nos sombrios anos 70, quando o debate era amordacado e nao havia espaco dentro das instituicees e na midia para a exibicao e debates de obras experimentais.

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Para que se possa compreender as raizes do fenomeno atual, é fertil considerar que ele nasceu em contrapartida a sabita afluencia de dinheiro no setor da cultura em geral e no das artes plasticas ern particular, verificada ao longo da Ultima decada. Ainda que mantendo a habitual inconstancia e a incoerencia que nos consagra, é fato que ao sabor das leis de incentivo e da mira avida dos departamentos de marketing das grandes empresas acerca dos possiveis dividendos capazes de serem extraidos da cultura, museus e cantos culturais foram criados, e vános dos já existentes foram beneficiados, assinale-se que em escalas desiguais, corn reformas, profissionalizacao de pessoal e aquisicao de acervo. Em relacao a arte contemporanea, as museus brasileiros, galerias institucionais e mesmo comerciais, ao menos do Rio de Janeiro e Sao Paulo, mesmo pie timidamente, passaram a figurar nas rotas de exposigoes internacionais. Uma nova Bienal — a do Mercosul — foi inaugurada e a tradicional Bienal de Sao Paulo, cujo cothando ate o inicio dos 90 era vista como urn abacaxi feerico, passou a ser alvo de encamicadas brigas entre a elite paulistana. 0 desenvolvimento do processo, ao par dp crescente interesse geral pela nossa arte, ainda que nao na velocidade que o ufanismo local esperava, redundou tambem em novas e surpreendentes escaramucas e diz-que-diz entre agentes e instituicOes, como a acirrada disputa entre algumas metropoles brasileiras pelo "privilegio" de sediar o Guggenheim e a criacao da produtora de eventos Brasil Connects, de raio de acao internacional, cujo arranque foi dado corn a megaexposicao devotada aos quinhentos anos de descobrimento do Brasil e cujo custo, jamais apresentado explicitamente, teria sido, naquele ano, segundo seus detratores, o res-

ponsavel pelo enxugamento total dos novos, mas finitos recursos destinados ao setor. Visto de fora o panorama cultural da decada passada fazia crer ao espectador otimista que as artes plasticas estavam na bica de se transformar na nova coqueluche. De Monet e seus quatrocentos mil espectadores a Mostra do Redescobrimento e seu mais de milhao e meio, as nameros de visitantes das grandes exposigees sao brandidos aos quato ventos coma indices de sucesso, prestacao de contas que na pratica passa tambem par certificado de qualidade. Sob o pretexto de popularizar-se o acesso a arte, a sindrome cinica do compromisso social que no nosso pals é tao digna de fe quanto o termo democracia, que desde o fim da ditadura vem sendo empunhado cam veemencia par todos as matizes ideologicos, da esquerda a extrema direita, as museus yam optando par aquilo que garante um grande publico, como foi o caso, para ficar em urn (mica exemplo, da recente exposicao sobre Pele, cuja "arta" a rigor dispensa a chancela do MASP, e nao aquilo que deve ser mostrado ao pablico coma exemplo de excelencia no campo da arte que, par mais polim6rfico, ainda nao o é a ponto de ser confundido corn o campo onde joga futebol. 0 Brasil, a exemplo das nacaes mais avancadas no trato corn a cultura, atingiu nos go anos a era dos espetaculos sem, no entanto, ostentar o mesmo cuidado dessas. Sem que os museus fossem consolidados, sem que se garantisse seu papal de instancia complementadora da formacao da comunidade, sem que suas colegoes fossem completas, sem que o objetivo comezinho de conservar e exibir as obras mais representativas da nossa hist6ria da arte, fosse levado a urn born termo. Embora afeitos que somos aos milagres, as museus e as instituicoes culturais, salvo

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escassas excegnes, capricharam mesmo foi nas mostras temporarias,.prodigas em blico, o que é o mesmo que dizer patrocinio, deixando para urn segundo piano o cuidado corn o acervo, sua analise, sua conservacao, sua exibigao. Descontados os programas como os levados, em Sao Paulo, pelo Paco dos Artes, Raft Cultural e Centro Cultural Vergueiro e, no Rio de Janeiro, pelo Centro Cultural Sergio Porto, que, a excegao daquele que leva a chancela da instituigao bancaria, vivem da mao para a boca, nao houve nenhuma agao consistente junto aos jovens artistas, segmento aqui entendido como a ponta de Ianca da express d- o. Os sal5es de arte, principalmente apos a virtual falencia do setor de artes visuais da Funarte ao final da decade, mantiveram sua formula tradicional de eflciencia questionavel e que 56 nao foi substituida por falta de altemativa. Os museus e centros culturais, ao mesmo tempo em que passaram a atrair urn public° de carter sazonal, consoante o charme do evento e da verba alocada para a divulgacao na midia impressa e televisiva, n5o cuidaram em formar o pUblico: de urn modo geral o setor educativo nao saiu do piano secundario, isto pan nao se referir aos lugares em que inexiste ou que acontece extemporaneamente, sob a forma de servigos contratados a terceiros, o que contaria a compreensao do museu como instancia pedagogica acima mencionada. Urn outro indice dos novos tempos foi a desaparicao dos cursos e atividades paralelas, que em outros tempos fizeram a fama de museus como o MASP de Sao Paulo e o MAM, no Rio de Janeiro, como pOlos que aglutinavam os artistas e public°, estimulando a produce° e a reflexao sobre a producao estetica. No momento mesmo em que este texto esta sendo escrito dois dos mais importantes museus paulistanos set ;

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guem como naus 5 deriva, sem orientac5o curatorial que responda pelos seus rumos e pela guarda de seu patrimonio. 0 primeiro e mais escandaloso é justamente o MASP, o mais valioso acervo da America Latina. 0 segundo, surpreendentemente para alguns, mas a rigor dentro da expectativa de quern se acostumou corn a falta de continuidade tat) caracteristica do nosso pals, o MAM de Sao Paulo, que demitiu seu curador ao mesmo tempo em que sua presidencia deixava notar que seu interesse major consiste em romper o "elitismo" da instituigao. Arte para os artistas Urn dos corolarios mais perversos desse crescimento e o paulatino distanciamento entre a obra de arte exibida e o seu autor. Do curador ao encarregado pelo desenho da exposigao — seja ele arquiteto Cu cenografo foram crescentes as queixas, algumas vezes cheias de razao, por parte dos artistas, quanto ao uso indevido de suas obras. Numa dinamica que aparentemente esta longe de cessar já que se trata de uma tendencia mundial, assistiu-se algumas vezes o cardter autoral das curadorias se sobrepor as obras de arte apresentadas, em particular mostras coletivas e tematicas. ExposigOes foram montadas deixando-se de lado a opini5o dos artistas, como se se tratassem de meros fornecedores de materia-prima. Em varios casos, sequer sac) consultados sabre a melhor maneira de expO-las, como se a colocacao da pega no espaco expositivo nao fosse, quase sempre, uma extensao da propria obra e, como tal, uma prerrogativa do artista. 0 cume desse constrangimento verifica-se nas varias instituicOes que sequer recebem o artista, salvo se ele vier apresentado por urn projeto simultaneamente assinado por urn curador e por produtor.

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Ao artista o onus da producao da obra, a nao ser quando se trata de trabalho encomendado, uma peca inedita, muito embora devem-se levar em conta que inUmeras vezes o item "prO-labore" acaba tragado pelos custos de produgao da mesma. Se é fato que nos Ultimos anos as artes visuais proporcionaram espetaculos feericos, é forcoso reconhecer que de um modo nada sutil os protagonistas da festa, os artistas, ficaram do lado de fora. Todos esses percalgos podem ser creditados ao processo de crescimento do setor, o que nao impede que se reflita sobre as danos que ele vem causando, entre as quais chama a atengao o compreensivel ressentimento dos artistas. Nesse sentido tanta é lamentavel o papel de poderosos intermediarios que alguns criticos e curadores, legitimados pelo sistema, vem assumindo, quanta é lamentavel a desconfianga genericamente lancada sobre todos eles. Pior ainda quando essa desconfianca vem apoiada na crenca de que curadores e criticos sao as Unicos responsaveis pela visibilidade das obras. 0 fato é que urn elo foi quebrado, a bem dizer antes mesmo de se haver constituido, e é imperativo que seja restabelecido em bons termos uma vez que nao se concebe urn meio cultural consistente sem a interlocugao cerrada entre a produgao artistica e os seus estudiosos, ou seja, a fracao de seu 106blico que Ihe é mais pr6xima, a urn so tempo apaixonada e interessada em examinela em profundidade. Alpendre, Toned°, Agora, Linlia Imagindria, Areal, esses grupos surgiram corn reacao natural a esse estado de coisas e, em alguns casos, tambem em reacao a indiferenca e ao

isolamento em que se encontram. Se o Agora e o Torreao, o primeiro sediado no Rio de Janeiro e sob a coordenacao dos artistas Eduardo Coimbra, Ricardo Basbaum e Raul _ Mourao, e o segundo em Porto Alegre, sob a coordenacao de Elida Tessler e Jailton Moreira, possuem programas de exposigao e publicacao consistentes, altemativos ao carater refratario das instituigoes e do mercado, o Alpendre, de Fortaleza, sob a coordenacao de Eduardo Frota, trabalha duro tentando garantir urn fluxo continuo, ainda que minimo, de ideias numa cidade onde pouca coisa acontece. Foi diante desse quadro que o Rodnal das Artes surpreendeu a todos, senrindo- coma urn forum de debates entre as artistas, uma fonte ampla de informag5es diversas e matizadas, envolvendo aspectos intemos e extemos ao universo estrito das artes visuais. Quinze dias que, contas feitas, serviram apenas para que se avistasse apenas a ponta do "iceberg", o que já é urn comego. Tera continuidade? Talvez nao, uma vez que na iminencia das eleiceies estaduais qualquer previsao é urn exercicio arriscado. Ainda sim, nao importa. 0 Faxinal das Artes continuara acontecendo durante muito tempo, mesmo que de forma topica e assistematica, a partir dos lagos que foram criados entre artistas que nao se conheciam e pelo estreitamento de relagOes entre aqueles que já se freqiientavam. Nesse sentido, as obras produzidas ao longo da estadia dos artistas e deixadas para o acervo da Secretaria de Estado da Cultura, afora suas qualidades intrinsecas, ficarao coma testemunhos de urn encontro memoravel ocorrido num cenario paradisiaco, entre morros, ar frio e neblina.

[MICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS -FAXINAL EMS ARIES NO FAXINAL DO CEU - AGNALDO FARIAS

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0 corpo na arte contemporanea brasileira VIVIANE MATESCO s expressoes artisticas do imagina- rio do corpo servem de baliza para . a compreensao dos novos papeis que ele desempenha na estrutura socioeconomica do seculo XX. 0 corpo aparece em acees, performances, trabalhos sensoriais, moldes, panes proteticas, videos e fotografias, o que revela uma mudanca significativa nas formas de sua percepcao. Os artistas exploram sua temporalidade, contingencia e instabilidade, compreendem sua importancia na busca de novas formas de liberdade e no questionamento de convencoes artisticas e sociais. Esta reflexao sobre o corpo na arte brasileira focalizard tres momentos: o primeiro parte da ruptura operada na ciecada de 1960 corn a introduce° da nocao de happenning, por Wesley Duke Lee e Nelson Leiner, e o desenvolvimento de modelos participantes que integram o priblico em experiencias sensoriais , p or Oiticica, Clark e Pape. Urn segundo momento envolve a conjuntura da decada de 1970, e investiga a importancia que o corpo do artista assume na desmaterializacao da arte e no clima de protesto politico e da contracultura. 0 terceiro momento envolve a geracao dos anos 80/90, marcada pelas novas tecnologias e pelo retorno ao objeto, sem o fervor e o aspecto dramatic° de libe-

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raga° do corpo dos arms 6o/76. Selecionamos trabalhos pontuais no intuito de anahsar a questa° em contextos artisticos diversos, sem a pretensao de abranger, em tao pouco espaco, o grande nUmero de manifestagoes ocorridas ao longo de 40 anos. Na decada de 1960, sob a influencia das teorias de Althusser e Marcuse, a utopia visando a liberar o individuo de sua alienacao na sociedade de massas capitalista estava diretamente ligada a reconquista do proprio corpo.' A descoberta do corpo pela arte, nos anos 6o, significava uma subversao de tabus e interditos, e tornava o espectador testemunha da transgressao das regras socioculturais. Contra a hipocrisia do sistema e o apelo a autenticidade, constrei-se o mito de urn corpo puro. Nesta conjuntura, as acees dos artistas associados corn o Fluxus e happennings marcam a dimensao hist6rica e social da vida: o corpo como locus do "eu" e o sitio onde o dominio public° encontra o privado.2 No Brasil, apesar do antecedente historic° da intervencao de nevi° de Carvalho, 3 a introduce° da nocao de happenning devese a Nelson Leiner e Wesley Duke Lee. Em 1963, Duke Lee provoca o primeiro happenning no Brasil, no Joao Sebastiao Bar em Sao Paulo, onde realiza uma exposicao, na epoca considerada pomografica, em que as


pessoas utilizavam lanternas para ver os quadros.4 Em r966, Wesley funda, junto corn Nelson Leiner e Geraldo de Barros, a Rex Gallery, uma tentativa de forrnar uma cooperativa de artistas, 5 cujo objetivo era questionar a precariedade do sistema de arte. Depois de uma serie de eventos, no decorrer de um ano, resolvem fechar a galeria corn urn happenning de Nelson Leiner. 0 happenning Exposicao-nao Exposicao convidava o poblico a cortar as correntes que prendiam os quadros presos as paredes e a levar tantas obras quanto possivel. Esses dois primeiros happennings baseiam-se em uma subversa. ° das condicoes habituais de exposicao, em uma clara referencia as condic6es do mercado de arte. Enquanto as correntes internacionais escapavam dos mecanismos oficiais da arte, buscando alternativas contrarias ao seu funcionamento capitalista, aqui, sintomaticamente, os happennings surgiam atrelados a insatisfacao corn a quase inexistencia de urn sistema formal de arte.° Os happennings subsequentes de Leiner objetivavam uma relac5o n5o hierarquizada corn o public°, e se inseriam em uma visa° desmistificadora da arte, emblema do conjunto de sua obra. Playground, realizado em 1969 nas partes externas do MASP e do MAM/ RJ, incluia objetos que previam a participacao do public°. Deve-se ressaltar, contudo, que a necessidade de transmitir ao pUblico uma vis5o critica em relacao ao aspecto institucional da arte toma sua obra singular em relac5o a outras proposig6es da epoca. 9 Durante os anos 6o, Helio Oiticica, Lygia Clark é Lygia Pape diluem a separacao entre arte e public°, desenvolvendo modelos participativos que integram o public° em experiencias sensoriais. Provenientes do Neoconcretismo - movimento que significa uma humanizacao da linguagem construtiva

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atraves de uma investigacao, baseada na nocao de olhar corporificado de Merleau Ponty - Oiticica, Pape e Clark radicalizam o desvio do projeto construtivo ao negar a esfera estetica mediante novas praticas artIsticas. Em Lygia Clark, o sentido de manipulagdo da-abra já se encontra nos Repantes e nos Bichos, mas 6 no final dos anos 6o que seu trabalho radicaliza o envolvimento do corpo, assumindo urn carter de terapia mediada pelos "objetos relacionais". Em A Casa é o Corpo, Clark relaciona corpo e arquitetura em uma estrutura em forma de labirinto, na qual as pessoas vivenciam sensorial e emocionalmente as diversas fases da gestac5o; destina-se, segundo a artista, a experiencia fanstamatica e simbolica da interioridade do corpo. 8 As mudancas que ela prop6e na relac5o sujeito-objeto contestam os opostos tradicionais, tais como corpo e mente, interior e exterior, real e imaginario, masculino e feminino. 0 corpo torna-se o centro das atencoes e . espaco para o autoconhecimento."Na fantasmatica do corpo, o que me interessa nao é o corpo em 5i",9 afirma a artista, referindo-se ao conjunto de conteados psiquicos que determinam a percepcao, a memaria de vivencias do mundo que habita o sujeito. Dal o desenvolvimento de estrategias para desentorpecer, no espectador, seu "corpo vibratil", fazendo corn que o fluxo coletivo de pensamentos corporificados, sentimentos e ideias, constituintes do ser, revele-se para ele proprio.mNa Sorbonne, na decada de 70, a artista desenvolve o "corpo coletivo" em experiencias como Time?, Baba Antropolagica e Rede de Elastic°, nas quais urn grupo vive proposicoes em conjunto e troca entre si conteUdos psiquicos. A noc5o de corpo praticamente se identifica com a concepcao de cor na trajetoria de Oiticica." Dos primeiros trabalhos concre-

CRITICA DE ART E NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS 0 CORPO NA ARTE CONTEMPORANEA BRASILEIRA- VIVIANE MATESCO

tos as propostas de Antiarte, a cor assume uma agao transitoria que funda a obra na propria relagao corn o sujeito. A partir dos Penetraveis, &Slides e Parangoles, esta dimens5o sera Tadicalizada pela manipulacao e utilizacao do "plurissensorial", termo utilizado pelo pr6prio artista para designar urn alargamento da percepcao crometica, que agora se desvencilha do monopolio visual, requisita o corpo do individuo e instaura uma nova ordem: a fruicao como proposta de arte. 0 Parangole, de 1964, é uma manifestacao que tern como base capas feitas corn panos interligados, revelados apenas quando a pessoa se movimenta. A cor ganha urn dinamismo no espaco, atraves da associacao corn a danca e a mUsica, e assume urn careter literal de vivencia, reunindo sensacoes visuals, tateis e ritmicas. A 1' III dos Poranfiolils, a ear passa a Sc relacionar corn E:C!r1:1:Acbe:: corporals e ernucties clue supaern, ranitas vmtes, 111Ila ViVE:!!-!Cia desestibilizadora, uria vez clue Mia se vincula a pressupostus estf.iricas estabelecidos. tygia Pape cornecti I in be u deSel ivolver mxperiencitts corn pm ticipacim do pnbliIto nu final do dactyl' de 60. Trubolhos corno Divisor, 0 Ovo e Radii dos Pritzeres evidenciarn urn caraler coleti(plias n carpi) do espectador 6 estiMI

dada t011t0 ql1M110 01710-

cionalinente. A construcao de urn nova FloMerit - ideal construtivo quo pennant-ice na decarla de Go-- e a proposta tie vivencias clue ilependem exelusivamente da partiCipa00 do especiador, e par isso no° tem um cararor de espetneulo, distanciam os traballms de Clark, Oiticica e }'ape de outras expressees corporals no rtivel internacional. Au inves de contestar a disciplina, os cedigos e as :1011MIS sociais, a opciio sera de abrir novos caroinhos, ampliando a percepccio e a consciencia do sujeilo. inna relaccio que iosili-

Va para despertar, diversa da europeia e americana que contesta para denunciar. 0 Sala° da Bassola, em 1969, introduz no cenerio brasileiro as transformac6es na linguagen1 artistica que já ocorriam interimcionalmente: as praticas experimentais questionam a autonomia da pintura e da escultura, o monopolio da visualidade e a tradicao da recepcao da arte. He uma radicalizacao das proposicOes duchampianas, uma reavaliacao da arte, uma interrogacao sobre seu sentido e funcao na sociedade. A ruptura dos suportes habituais e a mescla de tecnicas acentuam o carater multidisciplinar da arte, o que leva a uma major abrangencia da atividade artistica, incorporando desde objetos, ambientes, intervencoes, fotografia, rriapa , filIOC::::,VIC1005.1, ate carimbott i.'mirneogrutos. Muitus trabrilhos envolventio o corpo 5o realizados posses suportus, por meio de experiencias estaticas inavadoras is litenoloOds geradoras de irnagerm Indust] tars. tto en Lint°, mu vez tie tiaLi-los cm no tuna linguagem conclicicmada bistoncarnet-lie, pi Ica izarn a precarimludc tecuica e o it/wok/linento corn srluocoes ernoeinnais e coriditinus." 0 confronto direto do urtista corn A cthnesa I (Ostia gesto1 pei forma t icos no!: trabulhos de . lose Roberto Aguilar, tole de l'reitas, Paulo 13ruseky, Leticia Parente, Ivens Machado, Anna Bella Geiger, Anita Malin Maiolino, Sonia Andrade, ctntrc., outros. Dais trabalbos emblernaticos representain esta p oduc;-Ito: Marco Rernstrada, de 1974, video no qual Leticia Parente bordou as painvras "Made In Brasil" sobre a propria Planta dos pas, coin uma agulha e 'Mita preta, e a filme Super-8 In-Out, de Anna Maria Mujolino, em que a cainera fixa em close uma boca inicialmente taparla corn fita adesiva e, depow, livre, tentanclo articular algurn cliscurso ern uma clara referencia a censura e a um-

14 AM" NO B1110, 11.:1!1 ■ 11111( A% CNIt MPORANI AS (.91W1 5 I:A MOE c.t7N9E MPORANI A BR/9 .111iltA VIVIAN! MAll SIM

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possibilidade de expressao. No final da decada, o grupo 3NOS3, que reline Hudinilson Jr., Rafael Franca e Mario Ramiro, foi responsave' por imarneras intervengOes urbanas, muitas delas corn plastic° industrial, realizadas clandestinamente nas primeiras horas da manha, criando situagOes ca6ticas em pontos estrategicos de Sao Paulo.r 3 Paralelamente, desenvolvem a experimentacao de novas meios - o uso artistic° da fotoc6pia, conhecido por Copy Art nos Estados Unidos e Xerox Art no Brasil, envolve a relagao corn o prOprio corpo na producao dos tres artistas. No entanto, foi sem chlvida Hudinilson Jr. quem mais radicalizou a relagao perforrnatica corporal. Desde seus trabalhos anteriores corn colagem, xilogravura e grafite notase a presenca do corpo no vies de uma poetica homossexual; entretanto, nas performances corn a maquina xerox, ele praticamente se coloca em urn embate sexual. De uma maneira mais distanciada, Paulo Bmscky desenvolve, em Recife, alguns trabalhos corn maquina xerox. Corn LMNUZX,fogo!, de 1980, filma em Super-8 o ato de colocar fogo em diversos materials em cima do visor da copiadora. Em Xerperformance mostra, tambem atraves do Super-8, o relacionamento corpora° corn a maquina xerox. 0 clima de protesto no final da decada de 1960 é acirrado no Brasil par condigiies especificas como o endurecimento da ditadura militar, o decreto do Al-5, a censura dos meios de expresso e uma repressao sangrenta. Essa situacao repercute na elaboracao dos trabalhos, que exaltam a contracultura e tern o sentido de rebater a carga repressiva do ambiente. As transgressees dos artistas irrompem alem das fronteiras da arte, uma vez que nao pretendem refietir passivamente a sociedade em que vivem: produzem intervencees na paisagem urbana, passam a uti534

lizar o proprio corpo como suporte artistic° e convertem suas obras em performances no espago public°. Corpobra, de Antonio Manuel, é simbolo da postura assumida na decada de 70.0 nu de Antonio Manuel, desfilado sem autorizacao no uernissage do Salao de Arte Modema de 1970, expressa um posicionamento politico que questiona o elitismo da cultura e do sistema. Da mesma maneira, Tiradentes: Totem - Monument° ao Preso Politico, uma acao realizada por Cildo Meireles em Belo Horizonte, em que ateia fogo ern dez galinhas vivas, é uma referencia literal a tor. _ tura. A questao politica tambem reverbera no experimentalism° radical de Barrio. 0 trabalho com trouxas ensangilentadas, constituido de sangue, came, ossos, barro e cordas, era uma clara alusao aos corpos esquartejados e a repressao militar. Os dejetos, as materiais pereciveis e as intervencoes no cotidiano Tido s6 questionam os pressupostos esteticos, como representam uma oposigao aos valores de uma sociedade desigual. Suas intervencOes partem da agao do corpo do artista que, par meio de atuagoes inesperadas, mobiliza as espagos e revela outros sentidos da realidade. 0 foco na transitoriedade dos materiais, sobretudo aqueles que supoem urn fluxo organic°, distancia suas experiencias da racionalizagao inerente aos processos conceituais da decada. A putrefagao, as dejetos, as humores do corpo e a violenta sensualidade da came supoem um envolvimento sensorial do corpo de maneira particular, pois implicam uma experiencia de repulsa pelo seu carter escatologico.mEste aspecto, no entanto, engloba uma sensibilidade que ultrapassa a mera descricao material; seus trabalhos alcancam outras dimensoes poeticas, constituindo-se em situagOes que impossibilitam a divisao tradicional entre subjetividade e objetividade ou entre mente e corpo.

Ivens Machado desenvolve uma serie de instalagaes, performances e videos, nos quais o corpo ocupa lugar central, seja pela referencia sanguinolenta de uma carcaga bovina, seja pela atmosfera hospitalar de bandagens e azulejos assepticos, au por videos que registram performances de situagoes obsessivas. No final da decada, inicia a sorie cam cacos de vidro que prenuncia a substituigao de procedimentos conceituais par trabalhos nos quais sobressai o aspecto imaginativo. Grandes esculturas de cimento, revestidas de pontiagudos cacos de vidro, Tapete, Bumerangue, Consolador tern urn claro carater simbedico que supOe a ideia de afligao: o toque, o aconchego, o prazer sexual sao sugeridos por um vies perverso, coma se corporificasse a ideia do corte.'s 0 sentido de corporeidade tambem esta presente nos trabalhos de TUnga, corn feltro, borracha e materiais eletricos, do final da decada de 70, que sugerem uma experiencia visivel de manifestacOes inconscientes, como se a obra fosse uma plastica do desejo. Seu trabalho nao lida somente cam as caracteristicas fisicas dos materiais, mas cam significacees que se produzem nas diversas formas adquiridas pela materia. Cabelos, ossos, cranios e pr6teses dentarias sao indicadores de uma presenga que nao se esgota em sua manifestacao. 0 que interessa nao e o corpo, nao é o objeto em si mesmo, mas sua fantasmatica, aquilo que mesmo nao podendo se ver, produz efeitos. ,6 As performances de limp já se inserem em uma conjuntura diversa daquela do experimentalismo da virada dos anos 60/70. Ern limp, a dimensao objetual e performatica encontram-se de tal modo entrelacadas que o sentido de urn trabalho se completa no outro; assim, as 7Yancas originaram-se do artigo sabre as gemeas siamesas, par sua vez ligado a performance das

Xifopa gas Capilares e a performance corn serpentes, Van guarda Visperine. Ap6s o dominio quase exclusivo da pintura nos anos 8o, a performance e a arte corporal sao utilizadas de maneira radicalmente novas. 0 engajamento direto do corpo desaparece em proveito de uma metafora do corpo, que adquire agora uma nova concepquo. A identificagao do artista corn o pr6prio corpo desempenha um papel central nos anos 60/70, já para a geracao atual o corpo perde o carater provocador. Para a arte corporal dos anos 60, o corpo constitui o original par excelencia, que nao se pode falsificar, enquanto as artistas atuais pensam que a diferenga entre autentico e falso, verdadeiro e artificial, original e copia nao delimita fronteiras nas discussoes de arte.r 7 Muitos retomam a metodos de representagao e de narracao, seja em objeto, seja em imagem, coma os fragmentos de marmore de Angela Freiberger, trabalhados a partir do proprio corpo da artista, óu as visceras e corpos esquartejados na pintura de Adriana Varejao, ambos bem diferentes dos c6digos de desmaterializagao da obra de arte, vigentes na decada de 70. A fragmentagao do corpo em objetos ou imagens tambena é uma via recorrente na arte contemporanea, como se observa nos trabalhos em madeira esmaltada de Edgard de Sousa, que tanto se referem a fluidos do corpo como nas pegas em formato de gotas, on a fragmentos coma dorsos, au mesmo a fusao de dois homens pelo tronco. Aqui, da mesma forma que nas imagens processadas em computador a partir do registro corn camera automatica de performances privadas, o artista convene-se no protagonista de sua arte, explorando a natureza e a pertinencia de sua auto-apresentacao.'s Na producao de Nazareth Pacheco, as objetos possuem uma relagao de carater agressivo

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRiTICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

0 CORPO NA ARTE CONTEMPORANEA BRASILEIRA - VIVIANE MATESCO

0 CORPO NA ARTE CONTEMPORANEA BRASILEIRA - VIVIANE MATESCO

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e sadico corn o corpo. Na mostra de suas pequenas caixas, em 1993, este carater se exprime por meio de materiais que falam de sua experiencia corn o corpo: fragmentos, como mechas de cabelos, fotografias, bulas e receitas, referem-se aos tratamentos medicos e de beleza, aos sacrificios impostos mulher pelos padrOes esteticos dominantes. Seus trabalhos posteriores corn especulos e forceps complementam a imagem de tortura na relagao corn o corpo feminino. Na Inesma linha, os vestidos feitos de laminas de barbear ou de bisturi, assim como seus colares perfurantes, denunciam a perversao do toque ou do adorn° que fere: 9 Dois artistas sao exemplares para mostrar como a utilizagao do corporeo pode ter

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aprocirriacir,es opostas, 'rips tralii i. lbos Karin Lambrecirt, a utilli:acao de mai.:ulais orgnnicos assocrailos a palavras condo pur parte:i tin filcut), nixo an ue e tanner: corpo, conk) Erns, .c.adrnacd, conic•o, .Z.eVer-; tcf se de um citrate( 51.inbolill•T: ClUO fume te ;Jos ciclos dit naturcila, ao CC:ipl3 a inorte. As rnarert) nni; ccrres e o tra tan -lento fisico leva. tarribern a 1-c:beret -tar rnineria piciorica Li carnalirlade. Au lenge cla sua trajeteala, a cargii draniatica de seu indica() 'or arnpliado COM a ideia di) SaCrliiCitli, do abate de animals, o debater agonisante da Caine e 0 escorrimento do sanguesobre a tela eoutros suportes. 2`) Ern, postura oposia, a recorrencia, nos traballms de Arlgeth Verrosa, de vertebras, denies, cilinios, irnagens tomogralicas, moldes facials, pseuclocartilagense irnagens corporais se.cionadas rervidencia urn desejo de exploraclio formal pela ordenactio clas part.es quo se apresentarn sera villa, coma se fossem resicluos muclos, imagens descarnadirs de urn corpo. Em rnuitos artistas, coma Ricardo Ventura, Ernesto Neto, Eliane Duarte e Franklin

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Cassaro, o corpo tangencia o trabalho pot meio de urn sentido latente de corporeidade. Os trabalhoS de Ricardo Ventura ecoam carnalidade a partir de uma concretude tactil e sensual que provoca o individuo em uma dimensao anterior a razao. De forma paralela, na obra de Eliane Duarte, a fantasmatica requer uma corporeidade, urn corpo interim e visceral. Na serie corn meias de seda recheadas corn chumbinho, de Ernesto Neto, os elementos se prolongam sensualmente no espaco, como se fossem corpos que distendessem sua pele. Neto privilegia o espago da troca: nao se trata de esculpir corn formas organicas, mas de estabelecer urn processo que contenha a ideia de fusao. Nos trabalhos posteriores, o visual é acorn-

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infancia a sexualidade, como Fabrica Fallus e Kaminhas-sutrinhas, originadas das performances Sex Manisse e Lovely Babies. Na serie Fabrica Fallus, a artista transforma corn humor objetos comprados na sex shop em brinquedos, questionando a proibicao da imagem do penis. Em Desenhando corn tergos, utiliza uma infinidade de tergos para ocupar o chao de uma sala corn figuras de penis. Unir uma imagem sexual, o penis, a uma imagem religiosa, o terco, expOe em came viva a censura da sexualidade pela religiao. A relagao entre performance e outros meios de expressao tambem caracteriza as geracoes mais recentes, urn exemplo disso é o trabalho da pernambucana Juliana Notari. Na sua produgao, o corpo esta presente nao apenas nas performances, mas tambem em objetos que sugerem seres hibridos. Seus trabalhos podem misturar seres vivos, como na proposta corn jabutis, ou o andar sobre cacos de vidro, e muitas vezes incluem videoinstalagao. A extensao do corpo corn partes protedcas cria corpos estranhos a referenda humana. Urn antecedente dessa pratica sac) as roupas coletivas de James Lee Byars e as esculturas de corpo de Rebecca Horn. Ana Miguel costura seres de outro planeta corn o croche: boneca corn varios olhOs, bicos de seio que brotam de suti5s, luvas corn olhos ou corn garras. Nos trabalhos de Laura Lima, pessoas utilizam vestes ou partes proteticas pie estendem o corpo, sugerindo seres hibridos, como aquele em que dois homens, ligados pela cintura por uma fralda, movemse constantemente pelo espaco, a formar uma nova especie. As esculturas de ferro de Felix Bressan sac) prolongamentos de urn corpo ausente. Corpos hibridos que sugerem imagens de maquinas e seres pre-historicos, seus trabalhos recentes radicalizam a relacao corn o corpo ao utilizar moldes de pias e

bides, fundidos em ferro sem acabamento, cujas irriperfeigOes, buracos e ferrugens funcionam como ferimentos na prOpria pele." Os prolongamentos do corpo tambern estao no cerne de trabalho de Michel Groisman. Em sua triologia de performances, compostas por Criaturas,"flansferencias e Tear, desenvolve uma linguagem constituida por urn tipo de movimentagao corporal integrada ao uso de aparelhos. Compostas por rodas, extensees, dobradiga, tubos, entre outros, essas extensees sao construidas pelo ardsta para cada pane do corpo, em referenda a um tipo de agao, como em D-ansferincia, em que passa a chama de urn ponto ao outro do corpo, pot meio da movimentagao e de urn complexo sistema de tubos e velas. 0 corpo retoma em imagens de fotografia ou de novas midias. Apesar da sua exposicao obsessiva na ültima decada, este se apresenta de maneira ambigua, pois as imagens reforcam uma ausencia. Fragmentado, o corpo aparece para provar sua presenga fisica atraves de videos, fotografias e outros meios tecnologicos. A proliferacao de imagens de fragmentos corporais parece refletir sua desmaterializagao. Uma nova geracao de artistas discute o aniquilamento do individuo na sociedade de massas, utilizando a fotografia como meio. A impossibilidade de identificar o outro e a si mesmo em uma sociedade esfacelada e a recusa em produzir obras fotograficas, nas quais a objetividade da imagem seja a tecnica principal, levaram a fotografia a beira da abstragao, tendo como base o proprio corpo ou o corpo do outro.22A segmentacao do corpo aparece relacionada a perda de identidade ou a hibridizacoes nos trabalhos de Rubens Mano, Rochelle Costi, Marcia Xavier, Marcelo Hara, Rafael Assef, Vicente de Mello, Janaina Tschape, entre muitos outros.

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Duas . abordagens sugerem posigOes divergentes em relacao a tecnologia e a virtualizacao das relacees. 0 grupo Corpus Informaticos, coordenado por Beatriz Medeiros da Universidade de Brasfiia, desenvolve experiencias performaticas por meio de uma rede informatizada, na qual a telepresenca elimina a necessidade de urn corpo fisico e palpavel para ocorrer uma interacao. 23 0 objetivo e investigar a possibilidade de um "corpo informatico", de urn "corpo-carne numerico" e verificar a sobrevivencia de urn corpo sensual e sexual transformado em imagem. A performance em telepresenca realiza-se via webdialogos, correio eletronico e outros softwares de comunicageo, permitindo texto, imagem e som em tempo real. 0 grupo Corpus Informoiticos afirma a telepresenga como uma quase-presenca, capaz de encontro e afeto, assim como de prazer estetico. De maneira oposta, o trabalho de Yiftah Peled refiete a experiencia alienada do corpo diante da falta de densidade de urn mundo cada vez mais virtual, e questiona as possibilidades de comunicacao pelo olhar e pela pele. Na Bienal de Curitiba, de 1995,

Peled mostra uma fotografia elaborada de sua pele, enquanto se ouve o ritmo de seu corageo. Seguindo esta mesma linha, outro trabalho tern por foco o ato da respiragdo. Em ambos, o tempo se refere ao registro do ritmo da vida, do tempo proprio do humano. 24 A questa° do corpo tern sido objeto de muitos estudos nos (izltimos anos, devido a prOpria relevancia que o tema assumiu em todas discussoes contemporaneas e, par isso mesmo, vem sendo pesquisada por diversas areas, como a antropologia, sociologia e psicanalise, que freqfientemente utilizam a arte como ilustracao. Pen- outro lado, grande parte das pesquisas relativas a arte tem se restringido a aspectos especificos as performances e as 'novas interees corn recursos tecnolOgicos. Neste texto, procura-se lancar urn olhar mais amplo sobre o tema, sempre a partir dos proprios contextos e discussoes artisticas, e as varias facetas que a relacao corpo/arte pode assumir: corpo e performance, corpo em imagens e midias eletr8nicas, corpo e sexualidade, corpo fragmentado e hibrido e corpo como projecao psiquica ou corporeidade.

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CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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0 CORPO NA ARTE CONTE MPORANEA BRASILEIRA - VIVIANE MATESCO

0 CORPO NA ARTE CONTEMPORANEA BRASILEIRA - VIVIANE MATESCO

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Fronteiras moveis'

MARISA FLORID° CESAR m horizonte constituido por centenas de habitantes perfilados na paisagem de varias cidades que Marcelo Cidade reline e fotografa. Em troca, a cada personagem-fragmento de horizonte solicitado a participar da acao, o artista oferece uma camisa na cor que identifica a cidade, que desenha a linha, que funde os corpos a paisagem. Se Sao Paulo é cinza, Belo Horizonte é bege: como devolver o continuo daquele infinito, o elo entre os nos? 0 horizonte foi, talvez, a fronteira entre a terra e o ceu que colocava aquele que olha no centro do mundo que ela limitava. Ficcao de um sujeito universal que submeteu os horizontes do mundo a seu olho e sua medida. Que subjugou todos os desvios: as da came, os do impensado, as do outro obscuro que erra a nossa volta, a urn ponto de fuga referendado por seu olhar, na altura exata de sua contemplacdo. 0 olho que este ná origem do quadro. Ao mesmo tempo que se agregam e se fragmentam pela fotografia, os horizontes de Marcelo se deslocam e se dispersam. Recusam a paisagem, a arte, a vida submetidas a um olhar centralizado, para apresenta-las como centenas de horizontes que nos olham e que nos dissipam como unida-

de. Eis o titulo da obra-processo que expoe nossa fragil e contingente condigao neste mundo vasto e impreciso: Eu sou ele assim coma twee' é ele ctssim como

voce sou eu e nas somos todos juntos2

Afinal, este é munda que se experimenta na fluidez das fronteiras e dos horizontes. Nessa fluidez, as delimitacees geopoliticas desvelam-se nebulosas e contestaveis. As identidades fechadas de estado-nagao, de cultura, de povo - e de arte- exibem-se coma &goes ideolOgicas da modemidade, ficceies de totalidades sonhadas, estrategias de suas grandes narrativas. Nao vivemos mais no tempo linear da historia, que se desenrolava em relacOes de causalidade e finalidade, impondo suas determinacoes e fundament° aos outros saberes e a vida em geral. A histOria nuo mais explica e justifica, enfim, nossa prOpria existencia e nosso estar em comum. Estamos, como disse Foucault, em urn mundo que nao mais se ensaia "como uma grande via se desenvolvendo atraves do tempo", mas coma uma "rede que religa pontos e entrecruza sua trama": estamos na epoca do "simultaneo, da justaposicao, do disperso"3. Ha uma confluencia de relageies


locais e de lenges distancias, de proximida- mais geral prometida, e pare a qual devedes e afastamentos que atravessam as \Teri- rfamos trabalhar em conjunto, a humanias texturas da vide. dade, como sua esfera especffica relative Os poderes, que controlam as fronteiras a arte: a comunidade estetica universal, e exilam o estrangeiro, reforcam seu apa- uma comunidade sentimental que supurato coercitivo na medida em que a frontei- nha o jufzo de gosto, inscrito naturalmenra se toma a zona de conflitos, mas tambem te em cada sujeito, coma horizonte de um de perigosas, complexes e ricas contamina- consenso sempre esperado. Um jufzo, como cOes. Confrontam-se corn movimentos cada o conceberia Kant na Terceira Critica, afevez mais nomades: circulam nao so as pes- tivo e transcendental que permitiria a cosoas e a arte, como ainda o capital global, municagao intersubjetiva e o compartias imagens do mundo pela mfdia, as infer- lhamento entre todos. 0 sensus com-munis4 macees processadas e emitidas pelas novas kantiano era esse pedido de partilha a tecnologias. 0 presente deixa de ser o mo- uma comunidade original ditada pela mento de transicao entre urn passado e urn pr6pria humanidade. futuro qua lhe de sentido, para ser o interEscapam-nos, sem console, as figures de vale dilatado e digressive da experiencia ou totalidade, unidade e universalidade, proo agora sincr8nico e etemamente presente metidas pela modernidade e que se interdas mfdias eletronicas. 0 espago dilui suas relacionavam: as categorias artisticas como distancias fisicas e geometricas para ser o unidades distintas, bem delimitadas e auinfinite das conexoes e da ubiqiiidade da tOnomas entre si e em relacao corn o munimagem virtual. do; o sujeito como unidade substancial e oriAntigos repertories que supunham hoginaria; a esfera publica iluminista e seus cimogeneidades fechadas e excludentes ou dadaos fratemos; a comunidade universal do dicotomias e polaridades originarias (come gosto e seus espectadores idealizados. o eu e o outro, o indivIduo e a sociedade, Perda e promessa tramam-se a pr6pria o pnblico e o privado), grandes estruturas nocao de comunidade. Pois a historia foi coerentes de decodificacao - velhas cole- pensada, como disse Jean-Luc Nancy, "sobre coes*desbotadas e erodidas - neo deo con- o fundo de comunidade perdida - a reenconta de responder a complexidade da vide trar e a reconsfituir.s . Tanto o esgotamento contemporanea. Sequer de enunciar a perde uma concepcao finalista e unfvoca da hisgunta apta a interrogar nossa perplexidatOria, qua afirma o uno e o homogeneo, como . _ de diante destas epocas de dispncoes e a insuficiencia do pensamento dialetico nos descontinuidades no tempo e no espaco. obriga, por outro lado, a perceber a emergenAs utopias historicas, anunciadas pe- cia de espacialidades estranhas e fronteirilas grandes narratives, refluem coma uma gas, temporalidades de diferentes modeles, miragem. Mas corn alas, extravia-se tarnacontecimentos e narratives discretas. bem o horizonte de uma sociedade univerOuvimos corn freqiiencia que as fronsal e fraterna, como destino comum a ser teiras migraram dos estados nacionais realizado por todos n6s e que nos agrupapara o interior das cidades. Murmuramos, ria. Furta-nos como possibilidade realize- assustados, que vivemos em meio a guervel tanto essa especie de comunidade ras civis, a guerras aos civis. No foco de 542

urn mundo fluidamente conectado, estao as cidades globais em rede, encores dos fluxos desterritorializados de capital e informacao, competindo pan atraf-los e concentra-los. Sao simultaneamente desterritoriali zacoes, territorialidades excentricas e fragmentadas, reterritorializacOes produzidas pelo capital. E se esse redesenho de fronteiras parece dar lugar a estranhas microconstelacaes, a movimentos tribais qua disputam os territ6rios contemporaneos (das gangues de rua as associacOes do trafico de drogas, das comunidades etnicas e religiosas acs atentados terroristas), tal fenomeno nao deixa de denunciar o paradoxo em que vivemos: as cidades tornamse protagonistas do mundo atual, enquanto a nocao de civilizacao (mica se estilhaca internamente. 0 terror, a truculencia cotidiana das associacees do trafico de drogas ou dos esquadraes de extermini°, em uma cidade como o Rio de Janeiro, exibindo seu poder sabre um outro sem feigoes eleito aleatoriamente para a morte, sao, a urn so tempo, as ecos desse estilhacamento e a preservacao perverse dessa visao monolitica que nao distingue diferencas e singularidades. "0 estado do mundo nao é uma guerra de civilizagoes", diz Jean-Luc Nancy. "E uma guerra civil, é a guerra intestina de uma cidade, de uma civilidade, de uma cidadania se desdobrando ate os limites do mundo e ate a extremidade de seus proprios conceitos. E na extremidade, urn conceito se quabra, uma figura distendida se estala, uma abertura aparece". 6 Algo se passa nas fronteiras de nossa percepcao do mundo, do outro, deste "nos" obscuro e indistinto. 0 outro, por sua vez, nao pode ser mais emoldurado como o modelo de uma onto-

logia negative, reflexo contrario do espelho do qual derivariamos por contraposicao a nossa identidade enquanto o Mesmo. Tampouco, o sujeito é a unidade partir da qual o mundo se projeta como urn livid° reflexo. No deslocamento pot varies teias, subjetivacees sao alteradas e reconstrufdas incessantemente nos contatos exteriores ao qual somos expostos. Se atravessamos as fronteiras, alas tambem nos atravessam. Eis nossa irremediavel condicao: o eu é sempre outros atraves e corn outros. Como viver em um mundo em qua se ye fracassar seu projeto civilizatorio? Qua lugar a ante ocupa nas "guerras intestinas" de uma cidade, espago por tradicao da vide em comum? Como enderecar a esse outro, inscrito em contingencies e singularidades, o que é tocado par minha sensibilidade? Quern somos nos neste outro? Creio qua sao essas as inquietacOes subentendidas nas experimentacees artfsticas no espago urbano da jovem produce° contemporanea brasileira, entre as quais se incluem os horizontes de Marcelo Cidade. Operando em rede, atuando em projetos coletivos ou individuais, eles intervem artisticamente nas ruas de todo opals, na disperse° e na contaminacao das fronteiras e territories, como em suas casas, onde vivem, trabalham, recebem, hospedam outros artistes, onde abrigam exposicoes de arte. Comunicando-se principalmente pelas redes eletrOnicas, interrogam, experimentam, abrem mundos inesperados em mundos. Eles intervem, enfim, naquela que foi por tradicao, a arena dos conflitos e da convivencia de complexes diferencas, a cidade, e naquele qua foi o espaco da intimidade domestica, abrigo metaf6rico da interioridade do sujeito e das relacees familiares, a case. Como escreve a curadora Juliana Monachesi,

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

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FRONTEIRAS MOVE'S - MARISA FLORID° CESAR

FRONTEIRAS MOVEIS - MARISA FLORIDO CESAR

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"a potencia major da arte contemporanea esta na ma ou esta na casa duas possibilidades nao antagOnicas de encontro, troca e afeto. (...) do ponto de vista do museu, a ma é a casa tambem"7. Nao é gratuita, portant°, nem a multiplicacao dos grupos que surgem por todo o pals, nem a intensidade corn que interferencias urbanas tern acontecido, desde o fim dos anos go. Nao é casual que esse fenomeno tenha comegado no Rio de Janeiro's e se estendido as ruas de cidades do norte ao sul do pals. Afinal, essa é a cidade onde logo foram explicitados os dilaceramentos viscerais, nossa hist6rica violencia. As monstruosidades destas cidades-medusa que nos fitam corn os olhos da morte. 0 sistema de arte no pals 6 precario e rarefeito (tendendo a concentragao em Sao Paulo, uma vez que é all o centro financeiro) e, certamente, muitas dessas experiencias e grupos surgiram para preencher as varias lacunas onde seu circuito é quase inexistente. Pot outro lado, apontam para uma dispersao geografica em que as periferias se cobcam em contato e clam circuitos maltiplos e paralelos. E, de modo geral, partilham da tentativa de tornd-lo mais descentralizado e aberto, menos hierarquico e mais representativo de sua diversidade. Poderiamos tragar suas genealogias e in fluencias: as vanguardas modernas; o fluxus; as praticas situacionistas da arte; o legado brasileiro das experimentagoes neoconcretas de Melia Oiticica, Lygia Clarke Lygia Pape; os trabalhos e as insergoes nos circuitos ideologicos de Cildo Meireles e de Antonio Manuel; as "situagoes" geradas pot Artur Barrio; o Grupo Rex, de Nelson Leirner, entre muitos outros. A excursao rnais expressiva da pratica artistica para o alem-muros dos espacos 544

expositivos tradicionais a partir dos anos 6o, rejeitou o cenario de neutralidade exigida no ideal do cubo branco como filtro da recepgao estetica e guardiao da autonomia da obra de arte, renunciou as condigoes abstratas e ideais de espago e de tempo que esta reivindicava, dissolveu os limites entre as categorias artisticas. A cidade revelou-se, entao, o campo expandido e fecundo de suas experimentacoes. No entanto, o que ocorre hoje na jovem produgao artistica brasileira exige uma outra refiexao. E isso que o critic° Fernando Cocchiarale muito bem coloca ao observar que, sem os objetivos comuns das utopias histOricas, os grupos de artistas contemporaneos relacionam-se em rede pot conexaes instaveis, nomades e provisorias. Pondera Cocchiarale: "se os grupos nos anos 70 se formavam em tomo de questoes que a todos afetavam (a ditadura, pot exemplo), atualmente eles se formam pot uma especie de empatia intersubjetiva (que revela e traz a tona a crise do sujeito no mundo contemporaneo). (...) A consolidagfio da democracia no Brasil cornbinada corn as questoes essenciais do mundo contemporaneo aponta nao mais para objetivos comuns a grandes grupos, antes representado pela utopia socialista, mas para aquilo que Foucault chamou de micropoderes. A luta social passa agora pelas meras esferas constituidas pot campos profissionais especificos ou pot estamentos e minorias. Essa fragmentagao de objetivos gera nao so uma dispersao na esfera do sujeito coma tambem na do objeto politico. (...) Ainda nao possuimos um novo repertorio etico, politico e estetico que substitua o velho repert6rio das grandes utopias coletivas do passado".9 E nesse vacua que a jovem produgao vem atuar. Inscritas em urn momento limitrofe de

uma mudanga radical nas formas de relagao social e de construgao da realidade, as experiencias dos grupos e de artistas dos anos 6o e 70 estavam impregnadas ainda de uma sensibilidade histOrica, isto e, comprometidas corn seu destino comum. Como urn nervo tenso e extremamente sensivel, a produgao atual traz a tona, complementando Cocchiarale, uma grave crise no sentido do comum, do viver junto, na qual amigos modelos e dialeticas, como as oposicees entre public° e privado, perdem sentido e fronteiras evidentes e identificadoras. E justamente a Husk de uma essencia do comum na assergao de uma Humanidade generica que desaparece. E essa dimensao do comum, tao enigmatica como diffcil, tao indisponivel como esquiva, em urn mundo jamais comum ou familiar, que esta radicalmente problematizada. Uma dimensao da qual a arte é indissociavel, já que é sempre enderegamento, publicacao, pedido de partilha. Nao ha como nao encarar "o abismo dessa ausencia", coma fala Nancy. Nao ha como nao olhar em face desse outro insondive' e estranho e colocar-se sob seu olhar. Nao ha como nao enfrentar essa historia voltada para o indestinado, para a finalidade sem fim e aberta em suas poss'ibilidades e vertigens. Nao é urn eu - e ainda que se enunciem "coletivos" ou "grupos" na imprecisao de uma nomeacao -, é um "nOs" cornplexo e precario. Os trabalhos recentes investem-se da forga questionadora das vanguardas, mas sem teleologias ou a simples preocupagao de transpor e ampliar o conceito e as fronteiras tradicionais da arte, propria dos anos 60 e 70, ou mesmo para reivindicar identidades etnicas ou sexuais de comunidades minoritarias, como ocorreria nas decadas seguintes na arte internacional. Tampouco, a enfase dos

trabalhos realizados incide sobre a interferencia visual na trama urbana, como se esta fosse apenas urn receptaculo espacial, mas sim sobre a indefinigao de urna existencia coletiva na qual as partilhas e os conflitos sao engendrados. As cidades revelam-se entao estrategicas para se pensar a articulagao da diversidade e da diferenca, corn suas aliangas enviesadas. A prapria utilizagao das redes eletrenicas, desvirtuando sua mera fungao de fazer circular a informagao pan explorar sua potencia transformadora de sociabilidades, demonstra uma percepgao relacional, como fluxo e interconectividade. Por isso, estas sat) as questees que tais experiencias implicitamente colocam: como nao se fechar em guetos reservados de pequenos interesses, muito localizados e determinados? Como nao se encerrar nas clausuras de comunidades interiorizadas, fundadas nas afinidades identitarias? Como pensar a comunidade, resistindo e conjurando um nOs substancial que se anuncia a partir de uma unidade original a ser recuperada ou coma "obra" teleologica da vontade de urn sujeito coletivo, como percebeu Nancy? Como pensar a utopia (e seu nao lugar) nao mais definida pot urn telos? Como escapar da unidade esvaziada do mercado global e da espetacularizagao da vida social, da conversao em mercadoria da cidade e da arte? Como possibilitar a convivencia das diferencas? Como possibilitar, enfim, a vida em comum? Com poeticas distintas, essa producao tern uma constituicao relativa que implica e evidencia a trama de relagaes na qual esses trabalhos se inserem, engendram e criticam: uma trama de afetos, sistemas, poderes e fenomenos exteriores ao universo soberano e autonomo da arte rnoderna. Assumem diversas faces: invadem-se pela

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FRONTEIRAS MOVEIS - MARISA FLORIDO CESAR

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alteridade, realizando-se nos encontros for: tuitos. Intervem na paisagem, nos drcuitos condicionados das sinalizaceies urbanas, questionando a familiaridade do mundo. Provocam situagoes rapidas e perturbadoras, pequenos ruidos na entropia urbana, interferindo, ainda que momentaneamente, nas praticas e nos habitos culturais de grupos sociais distintos que dominam cu se deslocam por urn determinado territorio. Desregulam o funcionamento e o controle dos espacos e dos tempos, pan reconfigurar e rearticular os modos e as relaceies entie o sentir, o agir e o pensar. Interferem nas relagees de controle e poder, inclusive nas instituicoes de arte, realizando-se nas circunstancias que o agora oferece, criando e multiplicando as inflexoes singulares que escapam aos determinismos e exploram as pequenas frestas. Uma estrategia operando, como percebera Cocchiarale, "de modo semelhante ao de urn outro componente hoje inseparavel da web, o virus (...)", pois "invadem sistemas codificados por normas estabelecidas para coloca-los em pane, pan questionalos em suas entranhas, p8-los em curto-circuito, ainda que por instantes"."' Por pactos constituidos em rede, em combinacOes previas pela Internet, realizam, por vezes, a mesma acao sincronicamente em varias partes do pals e do mundo, atuando em urn tempo intervalar e na ubiqiiidade do espace: um fora do lugar, um desvio no tempo. Acionando e abrindo, enfim, varies angulos de visao, explicitam conflitos

dissimulados, buscam partilhas inusitadas. Se nas casas, uma certa reflexao sobre a hospitalidade que se tece em rede se impee, tais interferancias nas ruas obrigam o agenciamento recorrente de laces e trocas, de pequenos pactos e contratos, acordos provisories corn espectadores/ participantes, os mais diversos. 0 que é colocado sob suspeita é a possibilidade de urn acordo universal (come unanimidade comunicativa ou sentimental) e a prOpria concepcao de comunidade sem conflitos (pragmatica, politica, etica ou estotica), como algo originario on destinado, excludente dos diversos modos do estar junto. A arte como fronteira é uma superficie de contatos e friccoes: urn entre-dois, urn entreoutros multiples. Nessa zona intersticial e flutuante, emergem figuras complexas de alteridade e estranhamento, temporalidades e espacialidades plurais, fortuitas e contraditarias. Uma zona que se abre para acolher a diferenca e o alheamento em sua fenda, que opera outras subjetivacoes, que ensaia a reinvencao de outros modos de convivencia. 0 horizonte do em comum essa estranha fronteira em perpetua renegociacao e em imprevisivel fuga. Urn em comum que talvez nao seja mais universal ou etemo, todavia desejado. Pois é a partilha de urn "nos" que talvez so possa existir em seu proprio e dificil exercicio. Ou, como nos propOe o artista: Eu sou ele assim como wee' é ele assim como voce sou eu e nos somos todos juntos.

2. Trabalho apresentado na exposicao Sobre(A)ssaltos, em Belo Horizonte, em fevereiro de 2002. 3. FOUCAULT, Michel. Outros Espacos. In: Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 2001. p.41 4. KANT, Immanuel. Critica da faculdade do juizo. Traduce. ° de Valerio Rohden e Antonio Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1995. § 22. 5. NANCY, Jean-Luc. La communaute desoeuvree. Paris: Christian Bourgois Editeurs, 1986. p. 29 6. NANCY, Jean-Luc. La Communaute affrontee.Paris: Editions Galilee,.2oor. 7. MONACHESI, Juliana. A casa onirica.Catalogo da exposicao realizada no Espago Cultural Fernando Arrigucci, no periodic, de 26 de abril a rz de maio de 2003, em Sao Joao de Boa Vista, SP. 8. Podemos apontar as tres principals iniciativas do Rio de Janeiro: a Ga/eria do Poste, em Niteroi, fundada

e dirigida por Ricardo Pimenta desde 1997; o Premio Interferencias Urbanas de Santa Tereza, idealized° porJulio Castro, iniciado em 2000; e o Projeto Atrocidades Maravilhosas concebido Alexandre Vogler em woo. 9. COCCHIARALE, Fernando. 0 jogo das subjetividades convergentes. Entrevista a Juliana Monachesi. In: A explosdo do a(r)tivismo .55o Paulo: Folha de Sao Paulo, Cademo Mais!, 2003. to. COCCHIARALE, Fernando. A (outra) Arte Contemporanee Brasileira: intervencdes urbanas micropoliticas [Palestra realizada no Congresso 0 Futuro da Arte Contempordnea no Limier do Seculo 21, em Valencia, Espanha, em marco de 2003 e publicada no Brasil In: Arte & ensaios n° Ir. Rio de Janeiro, Programa de POs-Graduacao em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/ UFRJ, 2004. (editores FERREIRA, Gloria e VENANCIO FILHO, Paulo)]

Notas r. Este texto resume o contelido de uma serie de palestras realizadas em algumas cida des do Brasil desde 2003 e em Rosario, Argentina, em 30 de marco de zoos, no evento Arte hoy: Borradores legitimos. Publi-

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cado corn o titulo de Fronteras moviles. In: Revista Lucera. Rosario: Centro Cultural Par que Esparia, Ano 3, n° zo, primavera de 2005. [Editor Martin Prieto, Diretora Susana Dezorzij.

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Sobre os autores

Agnaldo Farias

Itajubci, MG, 1955 Professor, critico e curador. Professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Curador do Institut° Tomie Ohtake desde wor. Comegou a escrever sobre artes plasticas em 1987 e foi diretor de exposi'ias do MAC-USP (x99°g5es temporar 1992). Curador-adjunto da Fundacao Bienal de Sao Paulo (x994-1997), e da a Bienal de Johannesburgo (1995); curador-geral do MAM-RJ (1998-acoo); e curador da representackbrasileira para a >OW Bienal de Sao Paulo (2002). E organizador do livro Icleia Cattani (Funarte, 2004) e autor dos livros Bienal so anos -1951/2000 (Fundacao Bienal, zoor), Nelson Leimer (Paco das Artes, 1994), e Arta Brasileira Hoje (Publifolha, 2002), entTe outros. Alberto Tassinari

Sao Paulo, SP, 1953 Critico de arte. Formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da USP. Desde 1982, publica artigos sobre ante contemporanea brasileira. Colaborador regular da Folha de Selo Paulo em 1987, 1988 e 1991. Publicou artigos no jornal 0 Estado des. Paulo e em diversas revistas, como Novos Estudos - Cebrap, da qual tambern é membro do conselho editorial. Editor do livro Amilcar de Castro (Editora Tangente, 199!) e co-editor e autor de Nuno Ramos (Atica, 1996). E tambern autor de Pequeno Guia Berlendis de Historia da Arte (Berlendis & Vertecchia, 1995), Anselm Kiefer (Mu-

seu de Axle Modema, 1998), e 0 Espago Modemo (Cosac & Naify, 2001). Aline Figueiredo

Corumbei, MS, 1946 E animadora e critica de ante. Fundou e dirigiu a AMA-Associagdo Mato-Grossense de Artes (1967/72), em Campo Grande. Em 1971 filiou-se a ABCS. Em Cuiaba ingressou in Universidade Federal de Mato Grosso (1973) e, junto corn Humberto Espindola, elaborou o projeto de criagao do Museu de Ante e de Cultura Popular (1974), responsavel pelo movimento de artes plasticas no estado. Integrou jiiris de sallies de ante em quase todos os estados brasileiros. Autora dos livros Artes Plasticas no Centro-Oeste (Cuiaba: Ed. UFMT/MACP, 1979) Premio Gonzaga Duque da Al3CA (Rio de Janeiro, 1980); Arta Aqui é Mato (Cuiaba: Ed. UFMT/MACP, 1990); A Pro/265ft° do Boi (Cuiaba: Ed. unfr, 1994) - Premio de Ensaio Cultural da Uniao Brasileira de Escritores (Rio de Janeiro, 1996). Em 2001 editoti 0 liVIO Dalva Maria de Barros - Garimpos da Memoria (Cuiaba: Ed. Entrelinhas)- Premio Sergio Milliet, da ABCA. Angelica de Moraes

Pelotas, RS, 195! Jornalista, critica de arta e curadora. Doutoranda em Comunicacao e SemiOtica pela PUC-SP, sob orientacao da prof. Lucia Santaella. Criou o projeto editorial e foi editora do Cademo T, publicagao sobre politica cultural encartada mensalmente na revista Bravo! de novembro de 2000

a maio de 2602. Organizadora e autora de textos no livro Regina Silveira: cartografias da sombra (EduspFapesp, 1996). Curadora de exposigoes para diversas instituic5es, entre elas Pinacoteca do Estado (SP), Paco Imperial (Ill), Paco das Artes (SP) e Museu . _de Ante Moderna de S5o Paulo. Escreve na revista Bravo! e fez inUmeras reportagens de artes visuals no exterior para o jomal 0 Estado de S. Paulo. Anna Maria Maiolino

Scalea, Italia, 1942 Gravadora, pintora, escultora, artista multimidia e desenhista. Nascida na Italia. Estudou na Escola de Belas Artes Cristobal Rojas (Venezuela) entre 1958 e 1960, ano em que se transfere para o Brasil. Em 1961, inicia curso de gravura em madeira na Escola Nacional de Belas-Artes ENBA, no Rio de Janeiro, corn o professor Adir Botelho. Na decada de I960, concentra-se na xilogravura, paralelamente a produck de objetos. Na decada de 1970, realiza filmes e instalacaes. Participou de exposicoes coletivas e individuals em todo o Brasil e no exterior. Em 1990, recebe o prernio de melhor mostra do ano, da Associagao Brasileira de Criticos de Ante -ABCA. Realiza em Nova York (2002), exposicao retrospectiva acornpanhada do livro A Life Line/Vida Afora, Em 2005, apresentou Entre Muitos, sua primeira exposigao retrospectiva no Brasil, na Pinacoteca do Estado (SP), e no MAC, Miami (EUA) com o tftulo Territories of Immanence.


Antonio Dias Campina Grande, PB, 2944

Arlindo Machado

Artista. Em 1965 é premiado na Bienal de Paris e participa da mostra Opiniao 65. Recebe balsa do govemo trances e reside ate 1968 em Paris, transferindo-se para Milao, onde mantem atelie. Participa de exposigoes coletivas e individuais no Brasil e no exterior. Em 2978, retoma ao Brasil e é professor da Universidade Federal da Paraiba, onde cria o NUcleo de Arte Contemporanea. £m 1988, reside em Berlim como bolsista do Daad (Servigo Alemao de Intercambio Academico). Entre 2000 e 2001 sua exposicao retrospectiva Antonio Dias: o pals inventado é vista em Salvador, Curitiba, Sao Paulo, Rio de Janeiro e Vila Velha. Em 2004 foi lancado o DVD Territerio Liberdade A Arte de Antonio Dias, corn produgao e diregao de Roberto Cecato. Entre os livros publicados sobre sua obra estao Antonio Dias, de Lucia Carneiro e Ileana Pradilla (Lacerda Editores, 1999) e Antonio Dias, de Jorge Molder e Paulo Herkenhoff (Cosac& ify,155g).

Aracy Amaral

Sao Paulo, SP, 1930 Curadora, historiadora e critica de arte. Professora titular de Historia da Arte na FAU-USP. Diretora da Pinacoteca do Estado de S.Paulo (r9752979) e do Museu de Arte Contemporinea da USP (1982-1986). Autora de diversos estudos sobre o Modernismo no Brasil como Blaise Cendrars no Brasil e os Modernistas, (Editora 34, 1997), Tarsila - sua obra e seu tempo (EDUSP / Editora 34, 2003), Artes Plasticas na Semana de 22 (Editora 34, 1998), Arte para Qui? A preocupagao social na Arta Brasileira (1930-1970), (Nobel/Rao Cultural, 2003), A Hispanidade em Sao Paulo, (Nobel/EDUSP, 1981), Arte e Meio Artistica - entre a feijoada e o X-Burguer (Nobel, 1985). Co-autora e organizadora de antologias de arte brasileira e latinoamericana. Membro do jUri internacional do Prince Claus Fund, Flab, (2001/2005). Coordenadora do Programa Rumos Rail Cultural Artes Visuais 2005-2006. Reside em Sao Paulo.

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Sao Paulo, SP, 1949 • Cineasta, professor e pesquisador. Doutor em Comunicacao e SemiOtica pela PUC-SP, onde é professor, e do Departamento de Cinema, Radio e Televisao da US!'. Editor da revista Cineolho (2978 e 1979). Curador de exposiceies como Ape e Tecnologia (MACUSP, 2985), e A Arte do Video no Brasil (MAM-RJ, 2997). Organizou varias mostras de arte eletronica brasileira pan eventos intemacionais como Getxoko III (Bilbao), Arce9r (Madri), Art of the Americas (Albuquerque), Brazilian Video (Washington) e L.A. Freewaves (Los Angeles). Recebeu o Pramio Nacional de Fotografia da Funarte, em 1995. Publicou, entre outros, os livros A Arte do Video (Brasiliense, 1988), 0 Quarto Iconoclasm° (Contracapa, 2001) e Made in Brasil tres decadas de video brasileiro (Rail Cultural, 2003). Carlos Vergara Santa Maria, RS, 1942

Artista plastic° que trabalha em %/arias midias como pintura, gravura, fotografia, instalacao.Na Okada de 7950, transfere-se pare o Rio de Janeiro, e, paralelamente a atividade de analista de laboraterio, dedica-se ao artesanato de jaias, que sao expostas na 7' Bienal Internacional de Sao Paulo em 1963. Nesse mesmo ano, volta-se para o desenho e a pintura, realizando estudos corn lbere Camargo (1914 - 1994). Participa das mostras Opiniao 65 e 66, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM/RJ. Em 1967, é um dos organizadores da mostra Nova Objetividade Brasileira. Atua ainda como cenografo e figurinista de pegas teatrais. Durante a Okada de 2970, trabalha fotografia e filmes Super-8. Desde o fim dos anos z980, utiliza pigmentos naturais e minerios. Realiza exposigiies no Brasil e no exterior. Em 2003, apresenta a primeira grande retrospectiva de seu trabalho. Carlos Zilio Rio de Janeiro, RI, '944

Artista plastic° e professor da Escola de Belas Apes da UFRJ. Realizou diversas exposigoes individuais,

sendo a primeira em 1975 na Galeria Luiz Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt no Rio de Janeiro e as mais recentes em 2996 Carlos ZinoAtte e politica 1966-1976 no MAM-Rio, MAM-SP e MAM-BA, em 2000 no Centro de Axle Helio Oitica, Rio de Janeiro e Trabalhos sobre pope!, em 2004, no Paco Imperial, e em 2005 na Estacap Pinacoteca do Estado de Sao Paulo. £ doutor em Arte pela Universidade de Paris VIII. Publicou o livro (originalmente tese de doutorado) A querela do Brasil - A questa° de identidade na arte brasileira (RelumeDumari, 1997), e foi editor-fundador da Revista Gavea, PUC-Rio, 1984. Christine Mello Rio de Janeiro, W. 1966

Pesquisadora em linguagem da arte e doutora em Comunicagao e Semi(idea pela PUC-SP. E professora do Mestrado de Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina -SP, da FAAPArtes Plasticas e coordena a Pos-Graduagao Lab Sensu "Criagao de !magem e Som em Meios Eletronicos," do Senac-SP. Realiza conferencias sobre o video e as novas midias e tern artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, como a Parachute art contemporain -contemporary art. Vol curadora da representagao brasileira de net art da 25 4. Bienal de Sao Paulo e de exposigiies e festivals no Brasil e no exterior. Desenvolveu em 2005 a curadoria Vorazes, Gratescos e Malvados para o Pago das Aries em Sao Paulo e integra o Conselho e a Comissao de Selegao e Programagao do Festival Internacional de Arte Eletronica Videobrasil.

Cildo Meireles (Phaidon Press, 1999 / Cosac&Naify, 2000). Participa de exposicees coletivas e individuais no Brasil, Estados Unidos, Franca, Portugal, Espanha e outros. Participa tambem de diferentes ediceies da Bienal de Veneza, Bienal de Sao Paulo e Documenta de Kassel. £m 2006 apresentou a exposigao Babel no Museu Vale do Rio Doce (Vila Velha, ES). Decio Pignatari

Jundiai, SP, 1927 £ um dos principais nomes da poesia Concreta. Fundou o Grupo Noigandres (1952), corn Augusto e Haroldo de Campos. Entre x956 e 1957 participou do lancamento oficial da Poesia Concreta ma I Exposicao Nacional de Arte Concreta (MAM/SP e MEC/RJ). Publicou o Plano-Piloto para Poesia Concreta (7958), ern co-autoria corn Augusto e Haroldo de Campos. Traduziu obras em frances, ingles e russo. Foi urn dos criadores da editora e da revista Invengelo (2962). Membrofundador da Associagao Internacional de Semiotica, em Paris (1969). Has decadas de x 98o e r990 colaborou em varios peri6dicos, entre os quais a Folha de S. Paulo, e (oh professor de Semiotica e Comunicagao da FAU/ USP. Publicou livros como Exercicio Findo (1958), Poesia poise Poesia (1977) e Poetc, 1976/1986 (1986). Foi professor em diversas InstituigOes de Ensino Superior, tais como a USP,ESDI, PUC-SP e atualmente esti lecionando, ha cinco anos, para o Curso de Pos-Graduacao em Comunicacao e Linguagens ma Universidadelleuti do Parana, em Curitiba.

Artista. E urn dos fundadores da Unidade Experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM/RJ, em 1969, ma qual leciona ate 2970.0 carater politico de suas obras revela-se em trabalhos como Tiradentes - Totem-monumento ao Pres° Politico (1970) e Insercaes ern Circuitos Ideologicos (197o). Vol urn dos diretores da revista de arte Malasartes (197576) e A Porte do Foga (1980). Entre as publicagOes sobre seu trabalho esti

Evandro Salles

Belo Horizonte, MG, 2955 Artista plastic°, produtor cultural, professor. Estudou ma Escola de Artes Visuals do Parque Lage (RJ). Trabalha desde 1973 como ilustrador e programador visual tendo trabalhos publicados em jomais e revistas do pals. Participou da fundagao da Associagao Nacional de Pesquisadores em Aries Plasticas (SP, 2987). Organizador da Associagao dos Artistas Plasticos de Brasilia. Em 2000 foi o responsivel pela exposicao de abertura do Centro Cultural Banco do Brasil em Brasilia. Funda, em Brasilia, com a jomalista Graga Ramos o espaco cultural Arte Futura e Companhia (2002). Realizou exposigoes individuals e .participou de coletivas em varias cidades brasileiras e no exterior, tendo recebido vários prernios nessa trajetoria. Foi curador da exposicao de Amilcar de Castro no Ano Brasil ma Franca, em 2005. Fernando Cocchiarale

Diana Domingues Cildo Meireles Rio de Janeiro, RJ, 1948

ca pela PUC/SP, corn mestrado em artes pela £CA/USP. Participou de virios eventos intemacionais dedicados a arte e tecnologia. Organizou em Sao Paulo a importante conferencia-evento Arte no Seculo XXI: a Humanizagao das Tecnologias (1995). Foi curadora de exposigoes como Ciberarte: Zonas de Interagao, na 11 Bienal do Mercosul (1999) e participou de exposiciies como a 25° Bienal de Sao Paulo (2002). Entre os livros publicados esti Arte e Vida no Seculo XXI (Unesp, 2003).

Palm Filho, RS, r947 Artista multimidia. Explora a criacao corn recursos computacionais e multimidia, corn tratamento e geragio de imagens, instalaciies interativas e comunicacao de dados em ambientes sensoriais, redes neurais, entre outros sistemas. professora titular do Departamento de Artes da Universidade de Caxias do SW (RS), onde coordena as pesquisas do Grupo de Pesquisa Artecno, do Laboratorio de Novas Tecnologias nas Artes Visuais. Doutora em comunicacao e semioti-

Rio de Janeiro, RJ, 1951 Critic° de arte, professor e curador. Coordenador de Artes Visuals d a Funa rte (1991-1999). Professor de Estetica e do Curso de Especializagao em HistOria da Arte e Arquitetura no Brasil, na PUC/RJ e professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage/RJ. Autor de Lygia Pape entre o olho e o espirito (Mimesis, 2004) e de Abstracionismo geometric° e informal (Funarte, 1987), junto corn Anna Bella GeigenTem textos publicados em catalogos e revistas de axle. Participa como curador-coorde-

nador do programa Rumos hair Cultural Artes Visuals, das ediciies 1999woo e 2001-2002. Curador de exposicaes como 0 Corpo no Arte Contemportico Brasileira (ltau Cultural, 2005). Desdenovembro de 2000 e curador do Museu de Axle Modema do Rio de Janeiro. Ferreira Cu liar

Sao Luiz, MA, 1930 Poeta, critico de arte e jornalista. Inicia sua carreira jomalistica escrevendo para revistas como 0 Cruzeiro e Manchete, e par jornais, como o Dicirio Carioca, Jomal do Brasil e Diario de Noticias. Integra a equipe que elabora o Suplemento Dominical doJornal do Brasil e deflagra a renovacao do prerprio jomal (2956). Participou, entre outras, da I Exposigao Nacional de Arte Concreta (MAM/SP e MEC/RJ, 2956-57), corn o poema concreto 0 Forrnigueiro, e da I Exposigao de Arte Neoconcreta (MAM-RJ, 1959), corn o Livro-poema. E autor de inumeros textos teOricos sobre arte contemporanea, como o Manifesto Neoconcreto e a Teoria do Nao-Objeto, ambos de 1959, muitos deles reunidos em Evros como Etapas do Arte Contemporanea (Revan, 2999), Cultura pasta em qtiestao: Vanguarda e Subdesenvolvimento (lose Olympio, 2002), e Argumentagao contra a morte da arte (Revan, 2003). Francisco Bittencourt

Itaqui, RS, 1933 130110 Alegre, RS, 1997 Poeta e critic° de arte. Durante cinco anos fez jornalismo na Radio do Cairo, Egito. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1957, e em 1969 administrou a Galeria Celina. Escreveu para os jornais Correia da Manho eJornal do Brasil. Frederico Comes

Barra do Peer, RI, 1947 Colaborou COM o jomal Opiniao (19731974), Suplemento Prosa e Verso do jomal 0 Globo (1976-2000), Revista Arte Hoje (1977-1979), Revista Modulo (1980-1982), Jornal do Pais ( 1 98 4) , RevistaFo(1985),ArPlistca: Revista Galeria (1987), Letras e Axles (1988- z 552), fOrnal do Brasil (19907996), Brazilian Book Magazine (1595).

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTE MPOFtANEAS

CRiTICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

SOBRE OS AUTORES

SOBRE 05 AUTORES

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Teve uma coluna semanal de artes plasticas no Jomal do Brasil (1982). Foi subeditor e redator dos Cademos do MAJ.(. do Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro (1983). Trabalhou no Institut° Nacional de Apes Plasticas / Funarte (1984-1985). Fez revise° e edicao de textos na Funarte (19931997), e ins editoras Topbooks (19961999). Record (1999) e Rocco Em 1998, recebeu bolsa pare escritores da Biblioteca Nacional (RJ). Entre os livros publicados estao Poemas Ordinarios (7 Letras, 1995) e Outono e Inferno (Topbooks, 20o2). Frederico Morals

Belo Horizonte, MG, 1936 Critico, historiador de arte e curador independente. Publicou livros e ensaios sobre arte brasileira e ladno-americana no Brasil, Mexico, Colombia e Cuba. Lecionou na PUC-RJ, na Escola Superior de Desenho Industrial e na Escola de Comunicagao da UFRJ. Foi professor, coordenador de cursos e diretor de artes plasticas do MAM-RJ e urn dos fundadores da area experimental do MAM/RJ (1966-1975); diretor da Galeria de Arte Banerj (1984-1987); diretor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (1987-1988); e consultor do Institut° 'tau Cultural (SP). Reazou audiovisuais, colaborou corn intImeros jomais e revistas, e manteve colunas no Diario de Macias e 0 Globo. Organizou exposicoes e manifestacoes de arte e publicou diversos livros, entre eles Artes Plcisticas: A cite da hora atual (Civilizacao Brasileira, 1979), e Cronologia dos Artes Plasticas no Rio de Janeiro - 1816-1994 (Topbooks, 1995). Uma selegao de seus textos este publicada em Frederica Morals (Funarte, 2004), corn organizagao de Silvana Seffrin. Glauco Rodrigues

Rage, RS, 1929 Rio de Janeiro, RJ, 2004 Pintor, desenhista, gravador, ilustra dor. Autodidata, recebeu, em 1949, bolsa de estudos da Prefeitura de Bage na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro No mesmo ano, estreia no Sala° Nacional de Belas Artes (RJ) obtendo "Mencao Hon-

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rasa" e em 1950 recebe "Medalha de Bronze", ambas na Divisao Modema. Fundou o Clube de Gravure de Sage (1951) corn Glenio Bianchetti e I/anal° Conceives e participou do Clube de Gravure de Porto Alegre. Em 1958, a convite de Carlos Scliar, muda-se pare o Rio de Janeiro e integrou a primeira equipe da revista Senhor. Em 1961, fez sua primeira exposigeo individual na Petite Galetie. Realizou imimeras mostras individuais e coletivas de seus trabalhos no Brasil e no exterior, como a XXXII Bienal de Veneza (1964). No Brasil, participou de exposicoes como Opiniao 66 no MAM-Rio. Entre os premios recebidos este o Premio Ministerio da Culture Candido Portinari - Artes Plesticas (x g). Tern obras em museus e colecoes particulares no Brasil e no exterior. Grace de Freitas jaragtal, GO

Critica de Arte, curadora e professora. Bacharel em Pintura na Universidade Catolica de Goias, Mestre em Sociologia da Arte na Ecole des Hautes Etudes da Sorbonne, Paris, Doutora em Artes Plisticas in Universidade de Sao Paulo e Pos-Doutora no Centre d'Histoire et Theorie de l'Art-Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sodales. Professora na Universidade de Brasilia desde 1975, coordenou a refundagao do Institut° de Artes. Foi diretora do Institut° de Artes em duas gestiies (1989-1994 e 1998-2002). Participou ern forums, debates, conferencias, palestras, congressos. Participou de comissoes julgadoras. Publicacees em catalogos, anais e materias em jomais. Atualmente é presidente da Fundacao Athos Bulcao. Grupo Nervo optic°

Porto Alegre, RS, 1976-1978 Grupo Nervo Optic° atuou entre 1976 e 1978, em Porto Alegre (RS). Faziam pane do grupo Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Clovis Dariano, Jesus R. G. Escobar, Mara Alvares, Romanita Martins, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcellos. Depois de lancer urn manifesto em 1976, iniciaram no ano seguinte um a publicacao homOnima, na forma de urn cartazete, corn

distribuigao gratuita, destinada a divulger "novas poeticas visuals". Pubficado mensalmente, durante 13 meses, cada Milner° reproduzia uma obra inedita de componentes do grupo ou artistas convidados, alem de servir como urn veiculo pare a difuseo de posicionamentos sobre arte e divulgagao de eventos. Durante sua Mirage°, o grupo realizou e participou de exposicees coletivas. 0 livro Espago N.O. /Nervo Optico (Funarte, 2004) refine material inedito sobre o grupo, corn organizagao de Ana Maria Albani de Carvalho. Grupo Rex

Sao Paulo, SP, 1966-1967 0 Grupo Rex, formed° por Geraldo de Barros, Nelson Leimer eWesley Duke Lee e os jovens artistas Carlos Fajardo, Frederico Nasser e Jose Resende, comegou suas atividades em junho de 1966 corn a abertura de urn espago de exposigees em Seo Paulo, a Rex Gallery & Sons e o langamento de urn jomal-boletim, o Rex Time. Em quase urn anode atividade, o grupo promoveu conferencias; sessoes de flumes experimentais e de documentarios; organizou cinco exposigoes, uma delas reunindo artistes jovens, e editou cinco nUmeros do jomal Rex Time. 0 fm do grupo foi marcado pela Exposicao Nao-Exposicao, em maio de 967, na Rex Gallery & sons. Guy Amado

Londres, Inglaterra, 1968 Critico, pesquisador em arte contemporanea e curador independente. Graduado ern Apes Plasticas pela Fundageo Armando Alvares Penteado - FAA]' [SP) e mestrando em HistOria da Arte pela ECA-USP. Integra o corpo editorial da Revista Ntimero e colabora para publicagoes especializadas do setor no Brasil e America Latina. E coordenador curatorial do Projeto ArteNEXO iSao Paulo, atualmente corn as atividades interrompidas]. Vive e trabalha em Sao Paulo. Haroldo de Campos

sao Paulo, SP, 1929 sao Paulo, SP, 2003 Formou-se em Direito pela Universidade de Sao Paulo em 1952, mes-

mo ano em que fundava, com Augusto de Campos e Decio Pignatari, o Grupo Noigandres, de poesia concreta. Em 1956 e 1957, participou do langamento oficial da Poesia Concrete na I Exposicao Nacional de Arte Concreta (MAM/SP e MEC/RJ). Nos anos seguintes, alem da sua atividade poetica, atuou como tradutor de diversos idiomas, critico e teorico Iiterário, no Brasil e no exterior. Foi Professor Titular na pOs-graduacao ern Comunicagao e SemiOtica da Literatura na PUG/SF, tendo ministrado cursos na Universidade de Stuttgart, de Austin e de Yale. Recebeu oito premios Jabuti, como o de Personalidade Literaria do Ano, em 1992, e pot seu livro Crisantempo: No Espaco Curvo Neste U171 (1998), em '999. Harry Laus

Tijucas, Sc, 1922 Florianopolis, SC, 1992 Escritor e critico de arte. Comecou como critico de arte substituindo Jayme Mauricio, em sua coluna no Correio do Martha (RJ), em 1961. Entre 1963 e 1967 assinou a coluna de Artes Plasticas do Jornal do Brash, onde criou a exposigao anual Resumo de arte.Transferindo-se para sao Paulo, encarregou-se do mesmo setor da revista Veja. Publicou trabalhos de literature e ficcao. Participou das reflexoes envolvendo a exposiceo Nova Objetividade Brasileira (MAM-RJ, 1967), corn Helio Oiticica, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro e outros. Entre 1980 e 1982 dirigiu o Museu de Arte de Joinville. Dirigiu do Museu de Arte de Santa Catarina, em Florianopolis (1985-1987). De 1986 a 1989, manteve a coluna Artes no Diana Catarinense. Teve toda a obra literaria traduzida para o frances por Claire Cayron e publicada pela editora Corti, ern Paris. Hello Oiticica

Rio de Janeiro, RI, 1937 Rio de Janeiro, 11), 1980 Artista. Participou do Grupo Frente (1955-1956) e do Grupo Neoconcreto (i959). Participou de exposiglies coletivas como Opiniao 65 (1965) e Nova Objetividade Brasileira (1967), e exposiciies individuals como Whitechapel

Experience, realizada em 1969 na Whitechapel Gallery, ern Londres. Sua obra se aproxima de uma visao organica da cor e da forma, rompendo corn a superficie bidimensional do quadro na direcao de experiencies sensoriais, corn a participagao ativa do espectador, sempre ma tentative de integraceo da arte corn a vide. Ern 1981, e criado no Rio de Janeiro o Projeto Hello Oiticica, destinado a preserver, analisar e divulger sua obra. Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realize uma grande mostra retrospective, corn itinerancia internacional e publicagao de urn catalog° reunindo obras, imagens e textos do artiste. 0 Projeto HO mantem em andamento a organizacao de um catalogue raisonne do artista, em parceria corn o Museum of Fine Arts de Houston (Texas, EUA). Icleia Borsa Cattani

Porto Alegre, RS, x951 Professore Titular da UFRGS.Doutora em HistOria da Arte Contemporanee - Universidade de Paris I - Pantheon -Sorbonne. Pos-doutorado em Filosofia da Arte - Paris I. Vice-Diretora do Institut° de Artes (1989'993); Coordenadora do PPG em Artes Visuais (1995-1999), UFRGS. Editora da revista Porto Arte (1990-2000) e das colecoes Estudos. de Ante (19901 993) e Visualidade (1995-2000). Pesquisadora do CNPq, pesquisa atualmente as mesticagens na arte conlemporanea. Foi membro dos Comites Assessores de Artes Visuais do CNPq, Funarte e Fapergs. Curadora de exposicees, autora de liyros e capitulos de livros, artigos em revistas especializadas e catalogos de exposigeo, sobreiiido no Brasil e na Franca. Recebeu o Premio de Pesquisa - Artes da Fapergs (1999). Parte de seus textos este publicada em !dela Cattani (Funarte, 2004), corn organizacao de Agnaldo Ferias. Jailton Moreira

Sao Leopoldo, RS, 1960 Artiste plastic°, professor e curador. Bacharel em artes plasticas do Institut° de Artes da UFRGS. Como artista participou de diversas exposi-

goes individuais e coletivas como a III e V Siena] do Mercosul, o Panorama da Arte Brasileira de 2001, 2003 e 2005, no MAM-SP, e Tropicana - A Revolution in Brazilian Culture, no Bronx Museum (NY). Em 1993 inaugura, corn a artiste Elide Tessler, o • especo Torreao, espaco de formacao e produce° de arte em Porto Alegre (RS). Co-curador do programa Rumos Itatl Cultural ArtesVisuais 1999/2003. Como professor, ministrou cursos de arte contemporfinea em varies cidades brasileiras. Vive e trabalha em Porto Alegre. Joaquim Ferreira dos Santos Florianopolis, SC, 195o

Jomalista, escritor, critico musical. Lancou livros como Antonio Maria Noites de Copacabana (Relume Dumare, 1996) e Feliz 1958, 0 ATIO Que Nao Devia Acabar (Record, 1998). Em 1969, comegou a atuar no Jomalismo como reporter do Dian° de Noticias. Dois anos depois, transferiu-se para a Revista Veja, atuando como reporter e critico de milsica e show. Em 1983, foi sub editor do Cademo B, Editor das Revistas Domingo e Programa, do Jomal do Brasil. Ern 1991, transferiuse para o Jomal 0 Dia, no qual atuou como editor do Cademo D e editor executivo. No ano 2001, voltou para o Jornal do Brasil . como colunista. Atualmente, assina a coluna Gente boa do jomal 0 Globo. Jorge Guinle

Nova torque, EUA, 1947 Nova lorque, EUA, 1987 Artiste plastic° e critico de arte. Seu trabalho ganha repercusseo e, na decade de 1980, integra as principais exposicees de arte do pals. Jorge Guinle foi urn importante incentivador da revalorizagao da pintura promovida pelo grupo de jovens artistas conhecido como Geragao 80. Participou da mostra Como Vai Voce, Geroge() 8o?, na Escola de Aries Visuais do Parque Lage (R), 1984), escreveu urn texto para a edicao especial da revista Modulo dedicada a essa mostra, participou de varies exposicees e eventos realizados por esses artistes e escreveu sobre sues obras. Entre 1980 e 1982, fez entre-

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL; TEMATICAS CONTEMPORANEAS

SOBRE OS AUTORES

SOBRE OS AUTORES

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vistas pare a revista Interview, de cirenlace° nacional, corn importantes artistas brasileiros, como: Hello 01ticica, Rubens Gerchman, Antonio Dias e Lygia Clark, entre outros. Jose Resende

Sao Paulo, SP, 1945 Artista plastic°. Forrnado em arquitetura pela Universidade Mackenzie (SP) em 1967. Estudou gravura n a FAAP e teve aulas corn Wesley Duke Lee. Fundador (corn Wesley Duke Lee, Nelson Leimer, GeraIdo de Barros, Carlos Fajardo e Frederico Nasser) do Grupo Rex (Sao Paulo, 1966-1967) e (corn Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo e Frederico Nasser) da Escola Brasil (Sao Paulo, 1970-7974). Editor das publicacOes Ma lasartes (xis1976) e A Parte do Fogo (1980). Professor em instituicoes como ECA-USP, FAAP e Mackenzie. Entre 1984e 1985, residiu em Nova York como bolsista da Fundacao John Simon Guggenheim. Participou de importantes exposiciies no Brasil e no exterior, como ediceies da Blend de Sao Paulo, Bienal de Paris, Documenta de Kassel, Bienal de Veneza (r988) e Bienal do Mercosul. Desde 1974 realiza exposicees individuais no Brasil e no exterior. Entre os livros e catalogos sobre sua obra este° Jose Resende, de Liicia Cameiro e Ileana Pradilla (Lacerda Editores, 1999) e Jose Resende, de Patricia Correa (Cosac & Naify, 2004). Julio Plaza Madri, Espanha, 1938

Scio Paulo, SP, 2003 Artiste e curador. Iniciou formagao artistica em Paris e em 1967, ingressou na Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, corn bolsa de es tudos concedida pelo Itamaraty. Lecionou linguagem visual e artes plasticas, como artista-residente, junto ao Departamento de Humanidades da Universidad de Puerto Rico (1969-1973). Em 7973, tomou-se professor da FAAP, ECA/ USE', PUC/SP e Unicamp. Professor doutor do Departamento de Multimeios do Institut° de Artes da Unicamp (7992-1997). Professor Titular da Universidade de Sao Paulo desde 1996. Editor da revista Trilhas, do Ins-

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tituto de Artes da Unicamp (19971999). E autor de livros de artistas e publicacees teericas como Videografia em Videotexto (Hucitec, 1986), Traduce° Intersemiatica (Perspective, 1987) e Os Processos Criativos COM OS Meios netrenicos: poiticas digitais (Hucitec, 1998), corn Monica Tavares.

da imaginagao criativa. No periodo de 1978 a 7985, usou Objetos Relacionais corn fins terapeuticos. Participou de importantes exposicoes no Brasil e no exterior, como cinco edigoes da Bienal de Sao Paulo. Em 2036, a Pinacoteca do Estado (SP) apresentou a exposicao Lygia Clark - Da obra ac acontecimento. Somos o molde, vote cabe o sopro... corn curadoria de Suely Rolnik e Corinne Diserens.

Ligia Canongia Rio de Janeiro, RJ

Critica e curadora de arte independente. Atua atraves de curadorias de exposicoes, cursos, palestras e textos criticos para catalogos, livros, jomais, e revistas de todo opals. Foi titular da coluna de arte do jomal 0 Globo, no final da decade de 1980, e colaborou corn o Caderno Maas do Jornal do Brasil. Fez parte da equip& de curadoria do MAM-RJ, assessorou o departamento de Artes Visuais da Funarte. Entre seus trabalhos como curadora, destacam-se as retrospectivas de Raymundo Colares (1997), Djanira (2000), Waltercio Caldas 19852000 (200 r), e a mostra ArteFoto (20022003). Fez a coordenacao editorial do catalog° Ivens Machado -0 Engenheiro de Fcibulas (2001).Autora dos livros Quase Cinema (Funarte, 198 z), dedicado a flume de artistas, Artur Barrio (Modo Edicoes, 2002), e 0 Legado dos anos 6o e 70 (Jorge Zahar Editor, 2005), entre MIMS.

Lygia Clark

Belo Horizonte, MG, 1920 Rio de Janeiro, RJ, 1988 Artista. Aluna do paisagista Rude Marx no Rio de Janeiro (1947). Participou do Grupo Frente (1954) e do Grupo Neoconcreto (1959). Participou de exposicoes coletivas como Opiniiio 65 (2965) e Nova Objetividade Brasileira (7967). Desdobrou gradualmente o piano em articulacOes tridimensionais, em obi-as como Casulos e Trepantes, onde vai se insinuando a participacao do espectador. Criou os Bichos, estruturas moveis de placas de metal, que convidam o public° a manipulacao. Em 1968, fixou residencia na capital francesa por cinco anos. Como professora na Sorbonne prop8s exercicios de sensibilizaceo, buscando a expressao gestual de contetidos reprimidos e a liberacao

Lygia Pape

NOVO Friburgo, RI, 1927 Rio de Janeiro, RI, 2004 Artista. Estudou corn •Fayga Ostrower e Ivan Serpa. Participou do Grupo Frente e do Grupo Neoconcreto e de importantes exposicees no Brasil e no exterior como Opinieo 65 (1965) e Nova Objetiuidade Brasileira (1967). Trabalhou corn o Cinema Novo, fazendo cartazes, roteiro, montagem e direcao (7962). Em 7990, mostrou Amazoninos, trabalhos em chapa metalica, recebendo premio da Associacao Brasileira de Criticos de Arte. Em 2001, apresentou no Centro de Arte Helio Oiticica (RI), a instalaceo Carandiru. Foi uma das convidadas da 4' Siena! de Artes Visuais do Mercosul, em Porto Alegre (2003). Mestre em estetica filosOfica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi professora no Museu de Ape Modema do Rio de Janeiro, nos anos 1970, da Faculdade de Arquitetura Santa Ursula, de 1972 ate 7985 e, a partir de 1982, lecionou na Escola de Belas Artes da UFRJ. Entre os livros publicados sobre sua obra este' Gavea de Tocaia (Cosac & Naify, 2000). Lisette Lagnado

Republica do Congo, Zaire, 1961 Critica de arte e curadora independente. Doutora em Filosofia pela USP, foi editora das revistas Arte ern Sao Paulo e Galeria. Atuou como jomalista especializada na Folha de Silo Paulo. Implantou e coordenou o Projeto Leonilson, para a catalogacao das obras e dos arquivos do artista (1993). Sistematizou os notebooks de Hello Oiticica (1999-2001). Em 1996, integrou a comissao de curadores da mostra Antarctica Artes corn a Folha.

Publica regularmente ensaios especializados em arte contemporane a em publicacoes nacionais e in-temacionais. Desde 2007, é editora da revista eletranica Tropic° (www.uol.com/br/tropico) . E autora de Conversacaes corn There Camargo (Iluminuras, 7994) e Leonilson: sao tantas as uerdades (DBA / Melhoramentos / Projeto Leonilson, 1998), entre outros.ECuradora Geral da 27" Bienal de Sao Paulo (2006). Lorenzo Mammi Roma, Italia, 1957

Critic° de musica e artes plasticas. Formado em Materias Literarias pela Universidade dos Estudos de Florenga e doutor em Filosofia pela Universidade de Sao Paulo (US?). Reside no Brasil desde 1987. Critic's de mtisica e de arte, foi professor de Hist6ria da Musica no Departamento de Mtisica da Universidade de Sao Paulo de 1989 a 2002 e é professor de Filosofia na FFLCH/USP desde 2003. Publicou ensaios em coletaneas como Artepensamento (Companhia das Le. tras), e em monografias como Nuno Ramos (Atica, 1997), e Sobreveo - role de Freitas (Cosac & Naify, 2002). Organizou as edicaesbrasileiras da Vida de Rossini de Stendhal e de Classico Anticlassico (Cia. das Letras, 1999) e lmagem e Persuasao (Cia. das Letras, 2004) de Giulio Carlo Argan. E autor d a s monografias Volpi (Cosac & Naify, 1999) e Carlos Comes (Folha Explica, 2001). Luiz Camillo Osorio Rio de Janeiro, RI, 1963

Curador, critico de arte e professor. Doutor em filosofia pela Pontificia Universidade Catelica do Rio de Janeiro, professor de Estetica e Historia da Arte da UniRio e da PUC-RJ. Critic° de arte do Jomal 0 Globo e autor dos liwos Flat/lode Carvalho (Cosac & Nally, 2000), Abraham Palatnik (Cosac & Naify, 2004) e Razoes da Critica (Jorge Zahar, 2005), alem de artigos e ensaios sobre ante contemporanea para revistas especializadas no Brasil e no exterior. Foi Diretor de Teoria e Pesquisa no MAC-Niteroi entre 1997 e 2000. Consultor da Colecao de Arte do Banco )PM Morgan Chase.

Marcio Doctors Rio de Janeiro, RI, 1952

Critico de arte e curador. Mestre Si estetica pela UFRJ.Tern artigos pub1icados nas principais revistas de ante do Brasil. Curador da Fundacao Eva Klabin e do Espago de Instalacties Permanentes do Museu do Acude (12,1). Organizou intimeras exposicees, entre elas Teoria de Valores (MAM-SP, 1997; Casa Franca-Brasil - RI, 1998); Tempo, malaria e permankcia: 0 Egito via eclectic) Eva Klabin Rapaport (MAMSP, oor; Casa Franca-Brasil-1U, 2002); Universos sensiveis (Pinacoteca-SP; MNBA-RJ, 2004), Projeto Respiracto (FEK, 2004/2006); LIE ZUL (Centro OAtural Telemar - W, 2006). Recentemente foi eleito para o Conselho Intemacional do DEMHIST/ ICOM orgao ligado a Unesco. Organizou o livro Tempo dos Tempos (Zahar, 2003). Marcus Lontra Rio de Janeiro, RI, 1954

Critico de arte e curador independente. Formado em comunicacao Social pela PUC, RJ. Realizou diversas curadorias entre elas a celebrada exposicao Como Vai Voce Geracao Bo?, em 1984, no Parque Lage onde atuou tambem como diretor da Escola de Artes Visuais, entre 1983 e 7988. Foi assessor do Ministerio da Cultura entre 1988 e 1989. Foi diretor de importantes museus tais como o Museus, de Arm Modema de Brasilia, 1989, o Museus, de Arte Moderna do Rio de Janeiro, de 1990 a 1997, e o Museu de Arte Modema Aloisio Magalhaes, em Recife, de 1998 a 2001. Publicou diversos textos sobre a obra de artistas, entre des Carlos Scliar, Tomie Othake, Franz Krajcberg, entre outros. Atualmente é Secretario Municipal de Cultura da cidade de Nova Iguacu, RJ. Marilia Andres Ribeiro Belo Horizonte, MG, 1948

Historiadora, curadora e professora. Doutora em Artes pela ECA/USP e Mestre em Histeria da Arte pela State University of New York at Stony Brook, EUA. Foi professora de Hist& ria da Ante nos cursos de graduacao e pos-graduacao do Departamento de Histeria da Fafich/UFMG. Atualmen-

te é coordenadora de projetos da Editora C/Arte ePresidente do Cornite Brasileiro de Historia da Arte. Publicou artigos coma "A formacao da ante contemporanea" [In: Manta Andres Ftibeiro e Fernando Pedro da Silva (org). Um Seculo de Mister-la das Artes Plcisticas em Belo Horizonte. Belo Horizonte: C/Arte: Fundacao Joao Pinheiro/Coleceo Centenirio, 19971 e "Arte e politica no Brasil: as neovanguardas artisticas nos arms 6o" [In: Annateresa Fabris (org). Arte e Politica. Algumas possibilidades de leitura. Belo Horizonte: C/Arte e FAPESP, 7998), e livros, entre eles Neovanguardas, Belo Horizonte, Anos 6o (C/Arte, 7997). Marilia Panitz

Soo Leopoldo, RS 7958 Critica de ante, professora, curadora independente. Mestre em Teoria e Histeria da ArteContemporanea pela UnB, é professora do Institut° de Artes da mesma Universidade. Foi diretora do Museu de Arm de Brasilia. Desde 1991, atua como pesquisadora e coordenadora de programas educativos de grandes exposigoes. Em 1999, inicia a publicacao de artigos sobre artistas de Brasilia, em jornais, revistas e catalogos. Atua como curadora independente em mostras como Felizes para Sempre e Todos os que caem de Adriano e Fernando Guimatees, (Dl', RJ e SP, 2001/2005); Gentil Reverse° com Ana Miguel, Ralph Gehre, Chico Amaral, Elder Rocha e Ge Orthof, (DF e RJ 2001/2003); Lüdico, Uric°, corn Ana Miguel, Chico Amaral, Nazareno e Galeno, (Berlim, 2002); CentrolEXIcentrico, corn Ge Orthof, Andrea Campos de Si, Eduardo Frota, Jailton Moreira, Milton Marques, Regina de Paula e Walter Menon, (Dl', 2003); Heterodoxia, (Vitoria, 2004), e Situagoes Brasilia, corn Elder Rocha e Evandro Salles (Dl', zoos). Foi curadora adjunta do Programa Rail Cultural Rumos Visuais 2001-2003. Mario Barata Rio de Janeiro, 1920

Jomalista, professor e historiador. Comecou na imprensa como secretan° de Redacao do periodic° Homem Livre, em 1939. Destacou-se como critico de artes plisticas do

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SOBRE OS AUTORES

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SOBRE 05 AUTORES

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Diana de Noticias, nos aureos tempos dojomal de Orlando Dantas, nos anos 40 e 50. Em 1946, foi urn dos fundadores, no Museu do Louvre, em Paris, do Conseil International des Musees, a convite do Sr. George Salles. A convite de Samuel Wainer, em 1951, integrou a equipe fundadora de Ultima flora, na qual escrevia ern duas colunas, a intitulada Dois Mundos e a de Artes. Trabalhou tambem em 0 Jamul e no Jornal do Commerdo. Professor da Escola Nacional de Belas-Artes - ENBA e do Institut° de Filosofia e Ciencias Socials -IFCS, é membro de diversas instituicoes internacionais dedicadas a preservacao e defesa de monumentos de valor historic°, artistico e cultural no mundo inteiro. Mario Pedrosa

Timbauba, PE, 1900 Rio de Janeiro, RI, 1981 Critico de arte. Militante politico, corn o Estado Novo, exilou-se em Paris e Nova torque (1937-1945). Como critic° estreou em 1933, atuando ate 1968 em diversos jomais cariocas. Em 1946, criou a secao de artes piesticas do jornal Correia da Manful, e escreveu artigos sobre arte para a Mbuna da Imprensa. Publicou irtümeros ensaios sobre a arte e artistas brasileiros. Em 1957, criou a coluna de artes plasticas do Jornal do Brasil. Foi diretor artistic° do MAM-SP (1961-1962), tendo trabalhado na organizacao da II e VI Bienais de Sao Paulo (1953 e 1961) e realizado o Congresso Internacional de Criticos de Arte (Brasilia, 1959). Foi membro da AICA (da qua] foi vice-presidente) e da ABCA (da qual foi presidente). Publicou livros coma Dos Murals de Portinari aos Espagos de Brasilia (Perspectiva, 198x); Mundo, Homem, Arte em Crise (Perspectiva, 1986); e a coletanea Textos Escolhidos (Edusp, 1995- z000), organizada par Otilia Beatriz Fiori Arantes; foram publicados e reunidos seus artigos. Mario Schenberg Recife, PE, 1914 Sao Paulo, Si', 1990

Critico de arte e Fisico. Presidente da Sociedade Brasileira de Fisica e

EGO

membro da Academia Brasileira de Ciencias e da Academia de Ciencias do Estado de Sao Paulo. Pioneiro da fisica e da astrofisica no Brasil. Seus estudos no campo das artes se inidaram em 1930, na Europa. Foi curador da primeira exposicao individual de AlfredoVolpi, 1944, bem como de sua retrospectiva na Bienal de Sao Paulo (196 x).Trabalhou na Universite Libre de Bruxelas (1948-1953), aprofundando entao o seu conhecimento da axle flamenga e belga. De volta ao Brasil, liga-se aos artistas do grupo concreto de Sao Paulo e posteriormente aos neoconcretos, coma Helio Oiticica e Lygia Clark. Participou dos jtiris de selegao brasileira nas Bienais de Sao Paulo de 1965, 1967 e 1969, eleito pelos artistas. Parte de suas criticas de arte este° no livro Pensando a Arte (Nova Stella, 1988). Marisa Florid° Cesar

criado Institut° de Arte Contemporanea do MASP. Em 1953, integrou o Grupo Ruptura, corn o qual exiles durante toda a decada de so, em mostras como a I Exposicao Nacional de Arte Concreta (MAM-SP, 1956; MAM-RJ, 1957), e a Konkrete Kunst (Zurique, 1960). De 1953 a 1957, cursou Arquitetura e Urbanismo no Mackenzie, em Sao Paulo. No final da decada de 6o, foi um dos organizadores da mostra Nova Objetividade Brasileira. Em 1974, iniciou sua atividade como docente na FAU-USP. Anos depois, tambem lecionou na FAA]', no Mackenzie, e nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo de Santos, de-Tatui, e de Mogi das Cmzes (Bras Cubas). Fez projetos diretamente no meio urbano, em Sao Paulo, no Largo Sao Bento, na Praca Roosevelt, nas estacees de metro Sao Bento e Santana, e no Elevado Costa e Silva (Minhocao).

Rio de Janeiro, IV Critica de axle e curadora independente. Doutora em histaria e critica da axle pelo Programa de Pos-Graduace° em ArtesVisuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal .do Rio de Janeiro. Publicou textos em livros, revistas de arte, catalogos e peri6dicos tais como "0 fascinio da pedra especular" e "0 enigma do tempo e sua poetica" [in: Sonia Andrade: videos 200411974. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005), "Sobre(A)ssaltos" [in: Rumos hall Cultural Artes Visuals, 20021 e "0 atelie do artista" [in: Revista Arte & Ensaios n° 9, 2002]. Participou como curadora adjunta do Programa Rumos !tail Cultural Artes Visuais 2001/2003, foi curadora da exposicao Sobre(A)ssaltos (2002), assim como membro de jitri e comissaes de selecoes. Atuou como critica de arte na coluna Exposicao Coletiva, no )ornal do Brasil (RI), de novembro de 2004 a margo de 2005.

Rio de Janeiro, IV, /947 Artista plastic° e pesquisador. Doutor em Artes Visuais (PhD Fine Arts) pelo Goldsmiths College University of London, 2000. Desde 1970, tern realizado exposicoes no Brasil e no exterior, coma as individuals Sobre a Mobilidade (Paco Imperial, RJ, 2001 e Instituto Tomie Ohtake, SP, 2005) e Homem Muito Abrangente (Museu da Republica, RJ, 2006) e em coletivas coma a 19° Bienal de Sao Paulo (1987), e Territarios (Institut° Tomie Ohtake, Sao Paulo, 2002). Tern textos publicados em livros, revistas, jomais e websites, coma "Dance a Nolte Inteira Mas Dance Direito" [in: Ricardo Basbaum (org) Arte Brasileira Contemporanea em Textos. Rio de Janeiro: Marca d'Agua, 20011. E professor de Historia e Teoria da Arte na Escola de Betas Artes EBA / UFRJ, onde tambem é professor do Programa de Pis Graduacao ern Artes Visuais.

Mauricio Nogueira de Lima

Moacir dos Anjos

Recife, PE, 1930 Campinas, SP, 1990 Estudon axles plasticas no Instituto de Belas Artes da UFRGS, de 1947 a 195o. Voltou a Sao Paulo em 1951, onde estudou nos cursos do recem

Recife, PE, 1963 Curador e critico. Pesquisador da Fundacao Joaquim Nabuco desde 1989. Diretor do Museu de Arte Modema Aloisio Magalhaes (MAMAM). Recife, entre 2001 e 2006. Entre suas

Milton Machado

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SOBRE OS AUTORES

curadorias incluem-se Babel - Cildo Meireles, no Museu Vale do Rio Doce, Vila Velha (2006); Jose Pedro Croft (z°06), no Museu de Axle Modema, Rio de Janeiro; Parale/a (2004), Sao Paulo; Rosangela Renn6 (2006), Ernesto Neto/Rivane Neuenschwander (2003) e Adoragao - Nelson Leirner (2002), no MAMAM; Entre a Mundo e o Sujeito, no Institut° hair Cultural, Sao Paulo (2oo2); e Nordestes, no Sesc Pompeia, Sao Paulo (1 999).Tem ensaios sobre historia e teoria da ante e textos criticos sobre artistas publicados em livros, catalogos e revistas. E autor de Local/Global: rate em transit° (Rio de Janeiro: Zahar, 2005).

ris. Nomeado adido cultural da Embaixada do'Brasil em Roma, leciona literatura brasileira nas universidades de Roma e Pisa. Amigo dos maiores pintores europeus, seu livro de poemas Janela do Caos e ilustrado par Picabia. Publica ainda Tempo Espanhol: A Wade do serrate, em *68. Ap6s sua morte, sua vitiva doou uma importante colegao de ante ao Centro de Estudos Murilo Mendes da Universidade Federal de Juiz de Fora. 0 livro Murilo Mendes: critico de arte - A Invengao do Finito (Nankin, 2002), refine parte de seus textos criticos. Nelson Brissac Peixoto

Monica ZielinsIcy Rio de Janeiro, RJ

Critica de ante, curadora e professora. Doutora em Arte e Ciencias da Ante, Universidade de Paris I - Pantheon- Sorbonne, 1998. Professora do Institut° de arte da UFRGS na graduagao e na pOs-graduacao. Atualmente, coordena o Centro de Documentacao e Pesquisa em Arte Contemporinea no Rio Grande do Sul e a catalogagao da obra completa de there Camargo. Co-autora de Espagos do corpo - Aspectos das artes visuals no Rio Grande do Sul-1977-1985 (UFRGS, 1995); organizadora de Fronteiras: arte, critica e outros ensaios, (UFRGS, 2003). Dedica-se, ainda, desde 1998, a escritos em artigos em jornais e peri6dicos sobre ante contemporanea e aspectos de sua mediacao (curadorias e exposicties e sobre a critica de ante contemporanea) e integra o Conselho Curador da Fundacao there Camargo. Murilo Mendes juiz de Fora, MG, 1901

Lisboa, Portugal, 1975 Poeta e critic° de arte. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1920, apes ter publicado Chronicas, no jornal A Tarde, de Juiz de Fora. Publica em 1930 seu primeiro livro: Poesias. Recebe o Premio Graca Aranha juntamente corn Rachel de Queires (romance) e Cicero Dias (pin tura). A partir de 1953, di conferencias sobre Arte, Historia e Sociologia do Brasil em Bruxelas, Amsterdam, Louvain e Pa-

Sao Paulo, SP, 1951 Curador independente. Doutor em filosofia pela Universidade de Paris. Foi pesquisador visitante na Columbia University de Nova York. Professor do Depanamento de Comunicacao e Semiotica da PVC-SRCriador e curador do Projeto Arte/Cidade, que ha ro anos promove intervencOes artisticas na capital de Sao Paulo. Publicou Paisagens Urbanas (Senac, 2003), Intervengaes Urbanas - Axle Cidade (Senac, 2002), entre outros, alem de varios artigos, em particular nas coletaneas 0 Olhar (Cia das Letras, 2988), 0 Desejo (Cia das Letras, 1990) e A rtepensa men to (Cia das Le tras, 1994). Atualmente coordena o projeto de implantageo do CIAC - Centro da Inchistria, Arte e Cidade, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Paulo Bruscky

Recife, PE, 1949 Artista multimidia voltado, desde os aims 70, para as acoes do experimentalism°. Em 1981 recebe a Bolsa Guggenheim de Artes Visuais. Suas experiencias corn arte-correio, audio-arte, videoarte, artdoor e xero gra fia/faxarte, sao apontadas como pioneiras dentro das discussties acerca da utilizagao de novas midias na arte brasileira. Possui importante acervo documental sabre as vanguardas artisticas do p6s-guerra, incluindo trabalhos originais do Grupo Fluxus e Gutai (Japao). Tern xx livros publicados sobre a rte e literatura.

Paulo Herkenhoff

Cachoeira de Itapenfirim, I, 1949 Critic° de axle e curador. Dirigiu o Institut° Nadonal de Axles Plasticas da Funarte e coordenador gem! do MAM-RJ (1985-1990). Atualmente e diretor do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Foi Curador Geral da 242 Bienal de Sao Paulo (Antropofagia, 1998) e curador adjunto do MolvIA/NY (1999-2002). Realizou palestras emuniversidades de varios continentes. Escreveu textos pan museus como Pompidou, o MAM de Paris, a Fondaci6 Tapies entre outros. Foi curador de diversas exposicoes, tais como Tempo (MoMA, 2002), Guillermo Kuitca (Museu Reina Sofia em Madrid e MALBA, Buenos Aires, 2003), Cildo Meire/es, geografia do Brasil (MAMAM-Recife e MAM-BA), Arte brasileira na colegao Fade?: da inquietagao do moderno A autonomia da linguagem (CCBB-Rio e SP, 2002) entre outras. Paulo Sergio Duarte

Jodo Pessoa, PB, 1946 Critic° de axle e professor. Pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Pret-Reitoria de PasGraduacao e Pesquisa da Universidade Candid° Mendes. Projetou e implantou o programa Espaco Ante Brasileira Contemporanea - Espago ABC - da Funarte (1980-1982). Foi Diretor do Institut° Nacional de Artes Plasticas da Funarte (1981-1983) e Diretor geral do Paco Imperial (1986-2990). Possui textos publicados em diversos catalogos de exposicao e revistas especializadas, no Brasil e no exterior. Publicou diversos estudos e artigos sobre axle modema C contemporanea, dentre os quais destacam-se as livros Anos 6o Thinsformagties da Arte no Brasil (Campos Gerais, 1998), Wa herd° Caldas (Cosac & Naify, 2001), Carlos Vergara (Santander Cultural, 2003) e a Trilha da Trama e outros estudos sobre arte (Funarte, 2004), organizado por Luisa Duarte. Paulo Venancio Filho Rio de Janeiro, RI, 1953

Critico de ante e professor. Doutor em comunicacaopela UFRJ. Professor de

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS SOBRE OS AUTORES

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Historia da Arte na EBA-UFRJ e pesquisador do CNPq. Publicou artigos e textos em revistas, jomais e catalogos de exposic5o sobre artistas brasileiros modemos e contemporeneos, entre os quais Cildo Meireles, Waltercio Caldas, Mira Schendel e lole de Freitas. Entre os catalogos publicedes no exterior destacam-se, entie outros, ThinscontinentaVNine Latin AmericanArtists(Londres eNovaYork). Curador de Rio deJaneiro 1950-1964 na exposicao Century City: art and culture in the modem metropolis (Londres,Thte Modern, 2001), Rachel Whiteread (MAM-Rio e MAM-SP, 2004) e Soto -A Construed° da Imateria/idade (CCBB-Rio e CCBB-SP, 2005), entre outras. Autor dos livros Waltercio Caldas: Manual de Ciencia Popular (Funarte, 1982), Marcel Duchamp: A Beleza da Indiferenca (Brasiliense, 1986), e Dacosta (Cosac & Naify, 1999), enti-e outros. Pedro Geraldo Escosteguy

Santana do Livramento, RS, 1916 Santana do Livramento, RS, 1989 Medico, poeta, escritor e artista. Formou-se na Faculdade de Medicina da Universidade do Rio Grande do Sul, 1938. Exerceu paralelo h medicine, as artes plasticas e a literature ativamente, participando coma secreterio-geral do 1° Festival brasileiro de Poesia, Porto Alegre, r958. Em 1960 passou a viver no Rio deJaneiro, onde publicou poesias e educes nas revistas Leitura e 0 Cruzeiro. Escreveu tambem textopara o catalog° da primeira individual de Antonio Dias (1964 Em 1968 foi membro da Comissao de planejamento da Associacdo Internacional de Artes Plcisticas, Rio de Janeiro, e no mesmo ano escreveu texto e roteiro para o curta-metragem Arte Pablica. Como artiste, participou de importances exposicoes, entre outras, Opinido 65 (M.AM-RJ, 1965); °pinkie 66 (MAM-RJ, 966); IX Bienal de Selo Paulo (MAM-SP, 1967); Nova Objetividade Brasileira (MAM-RJ, 1964; I Saldo da Bassola (MAM-RJ, 1969). Raimundo Colares

Greio Mongol, MG, /944 Montes Claros, MG, 1986 Artista plastic°. Estudou, em 1966, na Escola de Belas Aries da Univer-

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sidade Federal do Rio de Janeiro EBA/UFRJ, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, debca a EBtA e passa a freqiientar o atelie livre de Ivan Serpa (2923- 1973), flO Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro - MAWRJ. No mesmo ano participa da exposiet/ Nova Objetividade Brasileira, no MAM/RJ. A partir de 1968, passa a produzir os "gibis" - livros-objeto, nos quais explore as dobras e cores do papel, cujas folhas devem ser manuseadas pelo espectador. Apresenta, em 1969, os primeiros trabalhos tridimensionais, nos quais utilize aluminio pintado. No mesmo ano, leciona no Atelier Livre do MAM/ RJ. Recebe o prernio de viagem ao exterior, do Salao Nacional de Arte Modema - SNAM, em 197o. Viaja para Nova lorque,Trento e Milo, em 1972. Em 1983, as galerias Saramenha e Paulo Klabin, no Rio de Janeiro, re6nem-se para realizar uma mostraresumo de sua producao. Nessa data, volta a lecionar no atelier do MAM/RJ.

Renato Landim Rio de Janeiro, RJ, 1944' Rio de Janeiro, RJ, 1982

Artista plastic°. Pertenceu a primeira turma que ingressou na ESDI - Escola Superior de Desenho Industrial, onde assimilou tecnicas e valores que iriam influenciar seus trabalhos mais adiante. Antecipouse aos grafismos, por exemplo, pintando corn pistola e jato de tinta ja nos anos sessenta. Abandonou o Desenho Industrial pare dedicar-se apenas h pintura trabalhando corn Frank Shea ffer e depois, quando morava em Ouro Preto, corn Ivan Marquetti. No decorrer das decades de r96o e 197o, expos sects trabalhos individualmente e participou, tambem, de diversas exposicOes conjuntas corn Angelo de Aquino, Rubens Gerchman, Carlos Vergara e Antonio Dias. Sua produce° encontra-se hoje quase toda em posse de sua familia, amigos e colecionadores. Reynaldo Roels

Raul Cordula Cam pina Grande, PB, 1943

Artista plastic° e pesquisador. Nos anos 6o, freqfientou os cursos de pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM/RJ. Atua como membro da Associacao Brasileira dos Criticos de Axle e é &Selofundador da Associacao Brasileira dos Pesquisadores em Arte. Em 1967, fundou e dirigiu o Museu de Arte Assis Chateaubriand da Universidade Estadual da Paraiba - MACC. Entre os anos de 1978 e 1988, coordena o Nucleic de Axle Contempothnea da Universidade Federal da Paraiba, UFPB, leciona historia da arte e fundamentos da linguagem visual nos curses de Educac5o Artistica e Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Artes da UFPB, e é diretor da Oficina Guaianases de Gravure. Nos anos 90, coordenou a implantacao do Sale° MAWBahia de Artes Plasticas e foi diretor de Desenvolvimento Artistic° e Cultural da Funesc. Em zoos a Funarte publicou Nticelo de Arte contemporenea da Paraiba/NAC, organizado por Dy6genes Chaves Comes.

Rio de Janeiro, RJ, 1951 Critico e historiador de axle. Critico do Jornal do Brasil (1985-1990), coordenador do Centro de Documentacao e Pesquisa do MAM-R) (1990-1994) e, na mesma instituicao, curador da colege° Gilberto Chateaubriand (r'2000). Desde 1988 professor de Teoria e HistOria da Arte na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (RJ), onde foi coordenador do Nacleo Teorico (1992 e 1993), e desde 2002 e o diretor. Entre 1993 e 1997 coordenou o Sala° Carioca de Arte, da RioArte. Foi ainda assessor da Funarj e da Secretaria Municipal de Culture, e, entre outras, das exposicoes retrospectivas de Ivan Serpa (CCBB-Rio, 1993), Flavio Shiro (Museu Hera, TOquio, 1993) e Franz Weissmann (CCBB-Rio, MAM-RJ e MAM-SP, '998-99). Ricardo Basbaum

Sdo Paulo, SP, 1961 Artista, escritor, critic() e curador. Professor do Institut° de Axles da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Possui diversos textos publicados em revistas especializadas e catalogos, no Brasil e no exterior.

Organizou a colet5nea Arte Contempordnea Brasileira - textures, diccoes, fiegOes, estrategias (Contra Capa, 2001). Colaborador em diversos livros tais como Axle / Estado, Funarte, 2005 e The next documenta should be curated by an artist, Ed. ens Hoffmann, 2004, entre outros. Foi co-diretor do espaco Agora e da revista Item, voltados para arte e culture contemporaneas (1999 a 2003). ExpOe desde 1981, tendo realizado exposicoes come sua individual no MAM-RJ (woo), a XXV Bienal de S5o Paulo, 2002, e Domestic Incidents (Tate Modern, Londres, 2006), entre outras. Curador da mostra Mistura + Confronto (Porto, 2001), e co-curador do Panorama da Axle Brasileira 2001 (MAM-SP). Roberto Pontual Recife, PE, 1939

Paris, Franca, 1994 Critico e historiador de axle. Ainda jovem foi pare o Rio de Janeiro, onde colaborou corn critica literaria, ensaios, poemas e traduce/es, nos jornais 0 Metropolitano - onde foi responsavel par uma pagina de arte, ate 1960 Jornal do Brasil (Suplemento Dominical), onde assumiu uma coluna sobre Artes Plasticas em 1974, e Correio da Manhii. Colaborou tambern no Suplemento Literario Minas Gerais de Belo Horizonte e na Revista GAM. Foi editor dos nes primeiros nameros da Revista Tempo Brasileiro, do Rio de Janeiro. Foi Diretor da Divisao de Educac5o Extra-Escolar e da Campanha de Assistencia ao Estudante, orgaos do Ministerio da Educeeä° e Culture (1963-1964). Colaborou na Enciclopedia Delta-Larrouse, redigindo as verbetes de artistes plasticos, e .e autor do Dicionario de Axles Plasticas no Brasil (1969). Cornpôs visuals e corn eles participou das exposiciies de arte neoconcreta no Rio de Janeiro (7960) e em Sao Paulo (196x). Foi secreted° da Associacao Brasileira de Criticos de Arte (2969). Entre as suas publica goes est5o Explode geraecio! (Avenir, 2984) e Entre dois seculos: arte brasileira do seculo XX na colecdo Gilberto Chateaubriand (Jomal do Brasil, 1987).

Rodrigo Naves

Silo Paulo, SP, i955 Critico e historiador da arte.K doutor em filosofia pela USP e obteve bolsa de pesquisa concedida pelo Centre of Brazilian Studies do St. Antony's College, em Oxford, Ingleterra. Tern publicado ensaios e artigos sobre artistas modernos e contemporaneos brasileiros em catalogos, revistas e jomais. Foi editor do suplemento Folhetim, da Folha de Seio Paulo, e da revista Novos Estudos - Cebrap, tendo participado ainda das publicacoes A parte do fogo e Beijo. Publicou os livros El Greco - urn mundo turvo (Brasiliense, 1985), Amilcar de Castro (Tangente, 1991), A forma dificil (Atica, x997), a ficcao Ofilantropo (Companhia das Letras, 1998), entre outros. Foi responsavel pelo projeto editorial da colegfio Espacos da axle brasilbira, na Cosac & Naify. Ronaldo Brito

Rio delaneiro, RI, 1949 Critic° de arte. Professor de Estetica e Historia da Arm no Centro de Artes da Uni-Rio e no mestrado de HisRirie Social da Culture da PUC-Rio. Iniciou sun atividade como critic° de axle assinandouma coluna no semanano Opinitlo entre 1973 e 1977. No mesmo periodo foi urn dos editores da revista Malasartes e do jomal A Parte do Yoga. Publicou muitos ensaios e artigos em livros, peri6dicos e catalogos sobre a obra de diversos artistas tais coma Arnilcar de Castro, lbere Camargo, Sergio Camargo,Jose Resende,Thnga, Antonio Manuel, entre outros. Integrou o Conselho Editorial da Revista Goma. K autor dos volumes de poesia Asmas e Quarter do singular, de 0 Mar A Pele, corn Thnga (Editora Pano de P6, 1977) e dos livros Aparelhos -Waltercio Caldas (GBM, 1979) 1 Neoconcretismo: vertice e rupture do projeto construtivo brasileiro (Funarte, 1985 / Cosac & Nail)', 1999) e Amilcar de Castro (Taken°, 2001), entre outros. Rubens Gerchman

Rio de Janeiro, RI, 1942 Artista Plastic°. Em 1960 estudou na Escola Nacional de Belas-Artes, afastando-se do curso em 1961. Par-

ticipou das principais exposiciies do final da decade de 6o no Brasil, tais como Opiniao 65 (MAM/FtJ, 1965), Pare! (RJ, 1966), Opinido 66 (MAM/RJ, 1966), Nova Objetividade Brasileira (MAWRJ, 1967). Conquistando em 19670 premio de viagem ao estrangeiro do Sala. ° Nacional de Arte Modema, em 19680 artiste parte para. os Estados Unidos, vivendo ate 2972 em Nova York. Co-fundador e diretor da revista Malasartes (2975-76), Gerchman dirigiu entre, 1975 e 978, a Escola de Aries Visuais do Parque Lage (RJ). Em 1982, a convite do DAAD - Deutsche Akademischer Austauschdienst Kanstler Program permanece cerca de urn ano em Berlim como artiste residente. Desde entao tern exposto corn regularidade, em diversas cidades no Brasil e no exterior. Sami Mattar

Mejdlaia, Libano, 193o Artista Plastic°. Transferiu-se para o Brasil em 1936, vivendo inicialmente em Belo Horizonte. Em xg.eg mudase pare o Rio de Janeiro, onde participa das principais exposicoes no final da decade de 196o, como o XV Sala° Nacional de Arte Moderna (MEC, RJ, 1966), Nova Objetividade Brasi/eira (MAM/RJ, 1967), o XVI Sala° Nacional de Axle Modema (MEC, RJ) e a IX Bienal de Sao Paulo, em 1967, entre outras. Foram publicados diversos artigos sobre seu trabathe em periodicos e revistas no Brasil e no exterior, tais como o jornal 0 Globo, Jornal do Brasil, revista Veja, no Rio de Janeiro, a Alternative magazine, em Boston, EUA, entre outras. Referencias sobre o seu trabalho podem set encontradas em varios livros, entre eles, Dicionario this Artes Plasticas no Brasil, de Roberto Pontual, Diciondrio de Pintores Brasileiros, de Walmir Ayala. Sergio Mil liet Sete Paulo, SP, 1898

sao Paulo, SP, 7966 Jomalista, escritor, pintor, sociOlogo e critico de literature e arte. Estudou na Suica e no Brasil. Participou ativamente da Semana de 1922 e foi uma das principais figures do

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

SOBRE OS AUTORES

SOBRE OS AUTORES

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modernism°. Vol diretor do Departamento de Culture da Prefeitura de Sao Paulo e da Biblioteca Municipal Mario de Andrade e tambem membro da Academia Paulista de Letras e do Institut° Historic° da Sociedade de Etnografia e Foldore. Divulgou a literature brasileira na Franca, atraves da traducao de varias obras de autoresbrasileiros pan o trances. Publicou diversos livros, poesias e ensaios tais como o Dicirio Critic° (6 volumes) -1940/1950, A marginalidade da pintura moderna (1942), Desenvolvimento da pequena propriedade de Sao Paulo (r939) e Poemas andlogos (1927), entre outros. Sheila Leirner

Seto Paulo, SP, 1948 Critica de arte, jomalista e curadora independente. Estudou cinema, sociologia da arte e urbanismo na Franca e, em 1975, tomou-se critica de axle no jomal 0 Estado de s. Paulo. lntegrando o International Council of Museums e a ABCA, entra para a AICA em 1992. Publicou diversos ensaios em peri6dicos nacionais e internecionais, tais como nas revistas, Modulo, Ars (ECA-USP), Arcola tine (Madrid), Arte en Colombia, entre outras, g autora dos livros Arte como Medida e Arte e seu Tempo, da Colegao Debates/Critica (Ed. Perspective, Sao Paulo, 1983, 1991), Horizontes del arte latinoamericano, antologia de ensaios (Ed. Tecnos, Madrid, 1999), entre outros. Foi curadora de diversas exposicoes tais como as 18° e 19° edicOes da Bienal de Sao Paulo (1985- 87), Ameriques Latines, art contemporain, HOtel des Arts (Centre Pompidou, Paris, 1993), entre outras.Vive e trabathe em Paris ha 15 arms. Solange Escosteguy

Porto Alegre, RS, 1945 Artista plistica. Autodidata. Comecou a realizar exposicoes em 1964 no Rio de Janeiro. Participou do movimeMo da Nova Objetividade Brasileira em 1967 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Viveu em diferentes cidades no Brasil e do exterior e expOs seu trabalho em Washington, Los Angeles, Nova lorque, Montevideu, Punta del Este, Santia-

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go, Quito, Rio de Janeiro, Porto Alegre, S.Paulo, Curitiba e Brasilia, em mostras coletivas e individuais. Foi prerniada na XXXI Exposicao de Arte do Parana. em 1974 e, em 1978, na I Documenta de Arte Contemporanea em Brasilia. Possui urn site preprio www.arteuy.com onde se tern acesso a sua obra completa. Atualmente vive em Brasilia. Sonia Salzstein

Sao Paulo, SP

Curadora e professora. Professora de Histeria da Arte no Departamento de Artes Plasticas da Escola de Comunicacoes e Artes da USP, tendo se doutorado em Filosofia pelo Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da US?. Escreveu, entre iniimeros trabalhos sobre arte modema e contemporanea brasileira, os livros Volpi (Silvia Roesler/Campos Gerais, 2000) e Franz Weissmann (Cosac & Naify, 2001). Organizou ample public nu° sobre a obra de Mira Schendel - No vazio do mundo: Mira Schendel (Galeria de Arte do Sesi/Marca D'Agua, 1997) - e Didlogos corn There Camargo (Cosac & Naify, 2003). Atualmente, dirige colecao dedicada a arte e 5 teoria junto a Editora Cosac & Naify. No periodo de 19891992, foi responsive' pelo setor de axles visuais do Centro Cultural Sao Paulo, onde implantou projeto institutional voltado a axle contemporanee brasileira. Tadeu Chiarelli

Ribeirao Preto, SP, 1956 Critico de arte, professor e curador. Livre-docente em Historia da Arte pela ECA-USP, onde leciona Histeria da Axle no Brasil (seculos XIX e XX), no Departamento de Axles Plasticas, e coordena o Centro de Pesquisa de Arte & Fotografia. Como critico de arte, colabora em revistas e jomais nacionais e internationals desde o final dos anos 70. Curador-chefe do MAM-SP (1996-2000). Publicou, entre outros, Um Jeca nos vernissages: Monteiro Lobato cc desejo de uma Arte Nacional no Brasil (EDUSP, r995) e Arte Internacional Brasileira (Lemos Editorial, 1999).

Viviane Matesco

Salvador, BA, r957 Critica e professora de HistOria da Arte. Desenvolve doutorado em Histeria e Teoria da Arte na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Leciona Histciria da Arte, desde 1988, na EAV/ Parque Lage, onde tambem atuou como Coordenadora de Ensino e Diretora Adjunta. Vol curadora adjunta do Museu de Arte Modema (1987 a 1990) e do Rumos ltaü Cultural Artes Visuais (1999). Realizou curadorias, como a Sala Especial de Amilcar de Castro (Funarte, 1998) e em parceria corn Fernando Cocchiarale 0 Corpo na Arte Contemporanea Brasileira (Rao Cultural, 2005). Tern ithimeros artigos e ensaios publicados, entre des, "Corpo-Cor em Helio Oiticica" [In: Catalog° da XXIV Bienal de Sao Paulo. Nikko historico: antropofagia e histeria de canibalismos. Sao Paulo: Fundacao Bienal, 1998] e "0 Feminino na Arte" [In: Axle & Ensaios, n. 8, 2001].

Waldemar Cordeiro

Roma, Italia, 1925 Sao Paulo, SP, 1973 Artista, jornalista e critico de arte. Iniciou formacao em Roma. Vem para o Brasil em 1946, instalandose em Sao Paulo, onde trabalhou como jomalista. Nesse periodo produziu critica de arte, fez caricaturas para o Diario Latino e foi contratado pela Folha da Manha para fazer reportagens e ilustraciies. Em 1952, fundou o Grupo Ruptura, que, no mesmo ano, expos obras de carater concreto e lance manifesto no Museu de Axle Modema de Sao Paulo. Realizou pesquisas no final da decada de 1960 sobre o uso de novas tecnologias nas artes visuais. Em 1971 realizou em Sao Paulo a mostra Arteeinica - 0 Llso Criativo dos Meios Eletr8nicos em Arte, que resulta em livro de mesmo titulo. Em 1972, tornou-se professor na Unicamp, onde dirigiu o Centro de Processamento de Imagens do Instituto de Artes. g considerado urn dos pioneiros internationais do uso do computador nas artes.

Walmir Ayala ' Porto Alegre, RS, z933

Rio de Janeiro, RI, 199z Critico de arte, escritor e poeta. A pardr de 1955, publicou varios livros de poesia e peps de teatro infantil e adulto, corn os quais recebeu diversos premios no Brasil e no exterior. Em 1956, comecou a colaborar regularmente no Suplemento Dominica] do Jornal do Brasil. Em 1967, passou a integrar os conselhos de teatro e axles plasticas do Museu da Imagem e do Som e, juntamente corn Manuel Bandeira, organizou e publicou uma Antologia dos poetas brasileiros da fase Modemista. Assumiu a coluna de axles plasticas do Jornal do Brasil (1968-1974). A partir desse ano, integrou %ratios juris, assessorou galerias de axle e organiza exposicoes. Colaborou ainda corn os jornais e revistas nacionais e internacionais tais como Folha de Sao Paulo, Correio da Martha, Jornal do Cameral°, entre outros. Em 1969 passa a integrar ABCA. Publicou, entre outros, A criacao plcistica em questa° (Vozes, 197o) e o Dicionario Brasileiro de an. tistas plasticos (Institut° Nacional do Livro, 1974 Walter Sebastiao

de Fora, MG, 1954 Jomalista e critico de axle. Graduado pela UFJF.Atuou como critico de axle no jomal Estado de Minas, trabalhou como reporter no jornal Tribune de Minas. Foi curador de varies exposi, cbes, entre elas Imagens Brasileiras (Museu de Axle da Pampulha, BR); A

Juiz

Linha no Espaco (Museu Mineiro); Cor e Luz (Espaco Cultural Cemig, B14); Amor, Doce Corner° da Minha Vida (Casa Guignard, BR); Identidade Virtual (Ouro Preto, MG); e Prospeccaes Axle NOS Anos 8o e go (Palacio das Axles, Participou de equipes de selecat, de projetos para exposicOes no Palacio das Artes, Rau Galeria, Espaco Cultural Cemig e Centro Cultural da UFMG, todas em Belo Horizonte, e na Funarte, no Rio de Janeiro. Possui textos publicados em peri6dicos de axle, catalogos de exposicoes e livros de artistas, entre eles, "ProspeccOes: arte nos anos 8o e go". [In: Manta Andres Ribeiro e Fernando Pedro da Silva (org) Urn Seculo de Histdria das Artes Plcisticas em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundagaoloao Pinheiro/Colecao Centenario, 1997]. Walter Zanini

Sao Paulo, SP, 1925 Critico de arte e professor. Doutor em rundamentos e Critica das Artes pela Universite de Paris VIII (1961). Realizou tambem estudos de Angiologia. Foi professor titular a US?, e presidente da ANPAR Como diretor do MAC/USP, foi responsavel pela criacao de urn setor de producao de video, iniciativa essential para o desenvolvimento da videoarte no Brasil (1976). Foi curador da 164 e da 17 3 ediciies da Bienal de Sao Paulo (1981-83). Entre 1985 e 1988 foi professor e diretor da Escola de Comunicacao e Axles da US?, e lecionou na Fundacao Armando Alvares Penteado - Faap entre 1970 e

1984. Publicou diversos artigos e ensaios em livros, periedicos e revistas especializadas no Brasil e no exterior. g autor dos livros HistOria geral da arte no Brasil (Fundagao Walter Moreira Sales/Fundacao Djalma Guimaraes, 1983), Tendencies da escultura moderna (Cultrix, 1971), A axle no Brasil nas decades de 1930-40:0 grupo Santa Helena (Nobel/ Edusp, 1991), entre outros. Wilson Coutinho Rio de Janeiro, Al, 1946 Rio cle Janeiro, RJ, 2003

Critico de axle e curador. Mestre em Filosofia na Universidade Catolica de Louvain, na Belgica. Publicou textos em catalogos, nos principais periodices do Brasil e em revistas especializadas, tais como os jomais Opiniao, Jornal do Brasil (1981), Tribune da Imprensa, Folha de Sao Paulo e 0 Globo, onde manteve uma coluna de Artes Plasticas; e as revistas Arte Hoje, Gauen e Veja. Criou e foi editor do Cademo Wiles do Jornal do Brasil e da revista Modulo. Em 1997, foi curador do MAWRJ, e entre as suas principais curadorias entao as exposigOes 0 Moderno e o Contemporaneo, Colegao Gilberto Chateaubriand, 1981 (corn Fernando Cochiarale), no MAWR) e na Fundacao Gulbenkian, em Lisboa e Opinieto, no CCBB/RJ, entre outras. Dirigiu documentarios sobre a obra de verbs artistas, entre eles Rubens Gerchman, Luiz Aquila e Cildo Meireles. Coordenou, entre 1993-2003, as publicacoes e o jomal da FtIOARTE.

cRITKA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEmPoRANEAs

CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS

soBRE OS AuTORES

SOBRE OS AUTORES

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indice onomastico

ABE, Shuya, 397 ABRAMO, Claudia, 156 ABRAMO, Livio, 120 ACCONCI, Vito, 398 ACHA, Juan, 104, 105, no ADAM!, Andre, 448 ADES, Dawn, 317 ADORNO, 126, 227, 423, 491 AFONSO, Albano, 376, 380 AGUTLAR Jose Roberto, 140, 386 402, 403, 405..533 ALBERS, Josef, 120, 121, 365, 366, 367 ALBRIGHT, Thomas, 165 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz, 307 ALBUQUERQUE, Manila Saboya de, 4o3 ALEIJADINHO, 205, 496 ALENCAR, Malu de, 389 ALENCAR, Vera de, 495 ALETO, 153 ALEXANDER, C., 384 ALLOWAY, Lawrence, 165 ALMEIDA, Guilherme de, 120 ALMEIDA, Jose Americo de, 303 ALMEIDA, Paulo Mendes de, 120, 121, 157 ALMEIDA, Rosalina Candido Mendes de, 258 ALPHONSUS, Luiz, 175, 177, 178, 18o, 184, 185, r86, 187, 189, 1 97, 198 ALTHUSSER, 531 ALVARES, Mara, 167 ALVES, Linton, 448 AMARAL, Antonio Henrique de, 178,321 AMARAL, Aracy, 93, 94, 117, 1 34 AMARAL, Chico, 517, 520, 522 AMARAL, Tarsila do, 46, 89, 102, ITO, 115, 120, 169, 205, 365 AMIN, Samir, 470 ANCIAES, Estela Guerra, 258

ANDERSON, Laurie, i89 ANDRADE, Carlos Drummond de, 358,525 ANDRADE, Famese de, 178 ANDRADE, Mario de, 88, 89, 123, 159, 197, 200, 205, 215, 235 ANDRADE, Oswald de, 89,91,94,115 1 ri8, £19, 120, 121, 122, 123, 157, 159, 161, 311, 502 ANDRADE, Rodrigo, 333 ANDRADE, Sonia, 4021, 40 1 404, 458, 459, 533 ANDRE, Marcus, 513, 5 14 ANDRES, Maria Helena, 127, 129, 130 ANGELO, Eduardo, 177, 179, 18o, 199 ANGOS, Moacir dos, 526 ANTONIO, Celso, 205 ANTUNES, Arnaldo, 486 APOLLINAIRE, 47, 203, 520 AQUILA, Luiz, 354 AQUINO, Adriano de, 354 AQUINO, Angelo de, 140, 402, 403, 405 ARANTES, Onlia Beatriz Fiori, 2 33, 479 ARAUJO, Dilton, t96, 198, 199 ARENDT, Hannah, 226 ARGAN, Giulio Carlo, 108, 334, 393, 4 1 7,423,42 9,433 ARLAND, Marcel, 204 ARP, Jean, 51, 98, 103, ua6, 365, 366, 367, 371 ARRUDA, Terezinha, 292 AFtRUDAS, Ribeirao do, 198 ARTAUD, Antonin, 116 ARVATOV, Boris, 121 ASP, Carlos, 167 ASSEF, Rafael, 537 ASS'S, Machado de, 122 AUGUSTO, Nelson, 258 AUs I ER, 520 AVILA, Affonso, 119,123 AYALA, Walmir, 175, 176

AYRES, Lula Cardoso, 303 AZEVEDO, Militao, 425, 426, 427 AZULAY, Daniel, 257 AZULAY, Jorn, 402, 403 BABALU, 152 BACHELAFtD, 392 BACIL, Jucimara, 525 BACON, 478 BAHIA, Dora Longo, 458 BAHIA, Norma, 403, 405 BAJ, Enrico, 327, 331 BAKKER, Claudia, 493, 494, 495 BALDESSARI, John, 398 BALZAC, 473 BANDEIRA, Manuel, 91, 203, 205, BAPTISTA, Helmut, 526 BAR, Decio, 153 • BAR, Joao Sebastiao, 53r BARATA, Mario, 150 BARAVELLI, Luiz Paulo, 153, 155, 392 BARCELLOS, Vera Chaves, 167, 411 BARD!, P.M., i56 BARNETT, 103 BARNITZ, Jacqueline, 103 BARR Jr., Alfred, 90 BARRAGAN, Luiz, 106 BARRIO, Artur, 175, 177, 178, 179, 184, 188, 256, 257, 258, 2 59, 3 1 5, 385, 392, 453, 494, 495, 496, 498, 510, 512, 534, 538, 544 BARROS, Geraldo de, 84, 86, 87, 88, 98, 115, 118, 152, 153, 155, 504,532 BARROS, Lenora, 427, 428 BARROS, Umberto Costa, 177, 178, 179, i8o, r85, 187, 189, r90, 199, 256 BARSOTT1, Hercules, 71, 76, 84, 88, 117, 323, 366, 368, 504 BARTELS, 372 BARTHES, Roland, 318, 409, 520, 523


BASBAUM, Ricardo, 317, 509, 529 BASELITZ, 335 BASTOS, Oliveira, 83 BASUALDO, C. 539 BATAILLE, Georges, 235, 240,454,

BONADEI, 127 BONAPARTE, Napoleao, 473 BONEVARD1, Marcelo, 1o4 BORBA FERO, Gabriel, 402, 403, 404 BORGES, Jorge Luis, 318, 405, 518,

455, 5 1 9 BATTCOCK, Gregory, 102, 212 BAUDELAIRE, Charles, 144, 226, 227, 228, 229, 233, 240, 473, 474, 475 BAUDRILLARD, Jean, 263, 268 BAUHAUS, 51,52,55,5 6 , 101 ,367 , 4 1 7

519, 523 BOROFSKY, Jonathan, 327, 330, 33! BOFtRIELLO, Mario Jose, 257 BOSCH, 378 BOTERO, Fernando, 341 BOTO, Marta, 102 BOTTOMORE, Torn, 123 BOURDIEU, Pierre, 268 BOUSSO, Daniela, 317, 526 BOWLES, Jerry G., 165 BRADFORD, Susan, 102, 103 BRANDAO, Eduardo, 309 BRAQUE, 250 BRAVO, Manuel Alvarez, 341 BRECHERET, Victor, 120 BRECHT, 125, 125 BREITMAN, Rubem, 354 BRESSAN, Felix, 537, 539 BREST, Jorge Romero, to5, 213, 366 BRETON, Andre, 236, 317, 391 BFtEIT, Guy, 102 BRIDI, Andre Luiz, 448 BRITO, Ronaldo, 133, 1 34, 192, 222, 225, 423 BROODTHAERS, Marcel, 318 BRUSCKY, Paulo, 164, i65, 458, 510,

BAUMGARTEN, 218 BAVA, 127 BAZAINE, 250 BAZIN, Andre, 439, 442 BEATLES, 162, 173 BECHER, Bernd, 318 BECHER, Hula, 318 BECKMAN, Max, 327, 328 BEETHOVEN, 477,478 BEK, Bozo, 383 BELLUZZO, Ana Maria de Moraes, 86,317 BEN, Jorge, 280 BENILTON, B., 538 BENJAMIM, Marcos Coelho, 315 BENJAMIN, Walter, 77, 125, 223, 226, 297. 395, 429, 43 0, 450, 455, 470 , 471, 52o BENSE, Max, 77, 81, 116 BENTO, Antonio, 255, 257 BEOTHY, 103 BERDIAEFF, Nicholas, 207 BERENSON, Bernard, 203 BERGER, John, 438 BERGER, Rene, 398, 447 BERGMILLER, 87 BERMAN, Abrao, 387, 389 BERMAN, Marshall, 191 BEFtNI, 139 BERFtEDO, Hilton, 355 BERTOLINO, Pedro, 158 BIANCHETTI, Glenio, 276 BILL, Max, 4 8 , 55, 56, 57, 67, 70, 77. So, 83, 86, 87, 88, 90, 94, 97, 98, 101, 102, 105, 106, 108, 109,

533,534 BUCHHEISTER, 372 BUCHLOCH, Benjamin, 367, 372 BULCAO, Athos, 112, 113, 276 BURGER, Peter, 233, 413, 423 BURKE, Edmund, 360, 362, 363 BURRI, 372 BURSON, Nancy, 441 BYARS, James Lee, 537

115, 116, T18, 128, 251, 365, 366,

371 BINI, Fernando, 525 BITTENCOURT, Francisco, 197 BIZZARRI, Edoardo, 160 BLANCHOT, Maurice, 313, 324, 313 BLOCH, Ernst, 125 BLUME, Peter, 251 BODMER, 249, 251 BOGHICI, Jan, 139 BOIS, Yves-Alain, 363, 364, 372, 38o BOMFIM, Emi, 156 368,

EBB

CABOT, Roland, 154, 1 55 CABRAL, Joao (DE MELO NETO), 116,118 CADEMARTORI, Ligia, 447 CAGE, John, 318, 34 1 , 397 CALDAS, Waltercio, 365, 367 CALDER, Alexander, 52, 62, io6, 119, 120, 121, 355, 365, 371 CALLE, Sophie, 318 CALVIN째, ftalo, 318, 377, 38o, 509,919 CAMARGO, lbere, 134, 312, 313, 314, 333.358 CAMARGO, Ralph, 402 CAMARGO, Sergio, 101, 102, 105, 127, 128,133, 1 34, 372 CAMERON, Eric, 398 CAMPIGLI, 250

CAMPOS, Augusto de, 83, 9 1 , 94, 115, 116, 117, 118, 123, i58, 162, 311, 503 CAMPOS, Dileni, 177, 178, 199 CAMPUS, Haroldo de, 83, go, 115, 118, 138, 311, 503 CAMPUS, Peter, 398 CANONGIA, Ligia, 455, 539 CAPITA() FANTASMA, 152 CARABALO, Jorge 164 CORALINA, Con , 358 CARAVAGGIO, 376, 378 CAFtDOSO, Ines, 458 CARDOSO, Ivan, 385 CARLUCCIO, Luigi, 410 CARO, Antonio, 292 CARRION, Ulyses, 398 CAFtROL, Lewis, 318 CARTA, Mino, x56 CARVALHO, Carlito, 333 CARVALHO, Flivio de, 120, 254, 311, 317, 510, 512, 531 CARVALHO, Marcelino de, 156 CARVAO, Aluisio, 64, 65, 71, 76, 101, 374, 375, 376, 380, 5 04 CARYBE, 303 CASARES, Bioy, 318 CASSARO, Franklin, 536 CASSIRER, E., 51 CASTELLANI, 372 CASTRO MAYA, Raymundo Otoni de, 493, 495 CASTRO, Amilcar de, 59, 66, 68, 69, 70, 71, 76, 85 86, 87, 88, go, 98,102, 107, I r7, xiS, 134, 315, 358 , 421, 504 CASTRO, Fidel, 437 CASTRO, 'alio, 547 CASTRO, Willys de, 71, 76, 84, 88, 117, 5 04 CATUNDA, Eunice, 122 CAULFIELD, Patrick, 341 CEDRON, Alberto, 292 CELANT, Germano, 366, 388 CERVERUS, 398 CEZANNE, 4 1 , 54, 130, 169, 170, 171 205, 207, 47 8 , 496, 521, 523 CHACEL, Mag, 258 CHACRINHA, 174 CHAIA, Lia, 458, 460, 462 CHAROUX, L., 84, 86, 115, 311, 322, 504 CHASTER 250 CHATEAUBRIAND, Gilberto 282, 283 CHAVES, Marcos, 452, 512 CHEVREUL, 474 CHIARELLI, Tadeu, 317, 538, 539 CIAFREIS, Hironie, 403

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

CIDADE, Marcelo, 54 1 , 543 CINTO, Sandra, 312 CLAREBOULT, Jean, 398 CLARK, Lygia, 59, 62, 63, 64, 66, 69, 70, 75, 76, 86, 87, go, 98, IOI, 102, 104, 117, 143, 144, 148, 150, 152, 170, 171, 172, 192, 193, 1 94, 3 1 4, 315, 318, 366, 367, 368, 369, 431, 43 2, 457, 49 6, 504, 5 11 , 53 1 , 532, 533, 538, 544 CLEMENTE, Francesco, 327, 330, 331 COCCHIAFtALE, Fernando, 134, 4 03, 405, 544, 545, 54 8, 547 COCTEAU, 203 COELHO, Jose Luis Ligiero, 258 COHN, Thomas, 356 COIMBRA, Eduardo, 529 COLARES, Raymund째, 150, 178, 184, r85, 312, 328, 387, 389 COLASSANTI, Marina, 354 COLOMBO, 372 COMFORT, 210 COOPER, Paula, 330 COP?, Fletcher, t65 CORALINA, Cora, 358 CORDEIRO, Waldemar, 83, 84, 86, 88, 89, go, 92, 93, 98, x r5, 116, I17, 131, 240, 148, 311, 399, 5 04 CORDULA, Raul, 322 CORNWELL, Regina, 402 CORONA, Eduardo, 47 COROT, Beryl, 398 CORREA, Jose Celso, 159 CORREA, Moacyr Costa, 156 CORREA, Tomaz Souto, 153 COSTA, Cacilda Teixeira da, 402, 403 COSTA, Franco da, 127 COSTA, Joao Sebastiao,321 COSTA, Loci째, 102, 105, ro6, /18, 275, 276 COSTA, Mario, 448 COSTA, Rogerio, 448 COST1, Rochelle, 318, 537 COTRIM, 156 COUCHOT, Edmond, 463 COURBERT, 365 COURBET, 475 CRANE, Mike, 165 CRAVO NETO, Mario, 41o, 411, 412 CROTTI, jean, 164 CRUZ-DIEZ, 102, 110 CUCCHI, Enzo, 327, 329, 330 CUlvIlvIINGS, 47,520 CUNEO, Graciela, 398 CURTIUS, Ernst Robert, 423 DACOSTA, Milton, 97, 127, 130, 131 132, 134 DADA, 210

DALL Salvador, 12! DANOWSKY, Miriam, 403, 4 05 DANTAS, Beatriz, 392 D'AQUINO, 240 DARIANO, Clovis, 167 DARWIN, Charles, 374 DAVID, Zack, 165 DAVIS, Douglas, 398 DE GAULLE, Charles, 173 DELLA, Francesca, Nero, 45 DE STIJL, 367 DEVRIES, 372 DEBORD, Guy, 226 DEBOURG, 202 DEBRAY, Regis, 226 DEBRET, Jean Baptiste, 502 DE DUVE,Thierry, 372, 450,455 DEGNy Michel, 363 DELEHANTY, Suzana, 403 DELEUZE, 366, 499 DELLA FRANCESA, Piero, 45 DEL SANTORO, 127 DELVAUX, 250 DEMARCO, 102 DEMOCRITO, 50 DENIZART; Hugo, 412 DERAIN, 207 DERRIDA, 499 DI CAVALCANTI,209,120, 127, 169, 205 DIAS, 127 DIAS, Ant8nio, 117, 140, 150, 182, 189, 222, 365, 366, 371, 385, 388, 355,403,454,455 DIAS, Cicero, 130, 131, 205, 3 04 DICKENS, Charles, 474 DIDEROT, 221, 492 DILLON, OSIMI, 257 DI PRETE, 127 DINE, Jum, 1 54 DINIZ, Celso Roberto, 257 DOMINGUES, Diana, 448,457 DFtEIER, Katherine, ra2 DUARTE, Eliane, 536 DUARTE, Jorge, 355 DUARTE, Paulo Sergio, 134, 182,538 DUBOIS, Philippe, 45 0, 454, 455 DUBORGEL, Bruno, 367 DUCHA, 510, 512 DUCHAMP, Marcel, 102, III, 164, 169, 171, 192, 193, 194, 2 13, 263, 300, 328, 349, 376, 379, 399, 432, 449, 450, 47 0, 471, 519 DUNCAN, Barbara, 102 DUNKEL, Bertha. Ver SCHWARZ, Roberto DUNN, Marty, 398 DURAS, Marguerite, 318

ECO, Umberto, 142 EHRENBERG, Felipe, 398 EISENSTEIN, Sergei, 5x9 EL LISSITZICY, 65, 107, 116 ELIASSON, Olafur, 365 ENGELS, 77, 187 ERENBURG,12I ESCOBAL, Jesus R G., 167 ESCOSTEGUY, Pedro Gerald째, 240, 150 ESCOSTEGUY, Solange, iso ESPINDOLA, Humberto, 290 ESPfNOLA,Silvino, 182 ESTEVAM, Carlos, 1 24 EUVALDO, Celia, 134 FAJARDO, 153, 155, 392, 538 FANON, 470 FARADAY, 5/ FARKAS,Thomaz, r4 FAULHABER, Henrique, 387 FEJER, 86, 88, its FELIX, Nelson, 482, 483 FERNANDES, Armand, 164 FERRARI, Arnaldo, 97, 127 FERRARI, Donato, 402, 4 05 FERRAZ, Geraldo, 120 FERRAZ, Odila, 175, 178 FERREIRA, Gloria, 538, 547 FERRO, Sergio, 153 HAMINGHL Hermelindo, 84, 86, 88, x18,322,504 FIEDLER, Konrad, 98 FIERENS, Paul, 207 FIGUEIREDO, Mine: 293 FIGUEIREDO, L., 538 FILLOU, Robert, 164 FIORE, Quentin, 174 FISCHER, Herve, 165 FISCHLI, 318 FLAVIN, Dan, 375 FLECK, Robert, 538, 539 FLEMMING, Alex, 376, 377, 380 FLUSSER, Vilem, 402 FOGAc.A, Paulo, 388 FOGAGNOLLI, Sandra, 525 FOLDES, 139 FONSECA, Claudio, 356 FONSECA, Tatiane Tschoepke, 448 FONTANA, Lucio, 102, 105, 317, 366, 37 2, 375 FONTES, Alfredo Jose, 198 FOREST, Fred, 398, 402 FOSTER, Hal, 218, 220, 226 FOUCAULT, Michel, 158, 312, 318, 369,

499, 544, 547 FOX, Terry, 398 FRANcA, Rafael, 534 FRANCESCO, Poll, 297

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

569


FRANCO, Ceres, 139 FRANKENTHALER, Helen, 322 FREIBERGER, Angela, 535 FREIRE, C. • 538 FREIRE, Jadir, 355 FREITAS, Conceiclio, 292 FREITAS, IOLE de, 386, 389, 411, 498, 533 FREITAS, Iv, 140 FREUD, Sigmund, 314, 518, 520, 521, 523 FREYRE, Gilberto, 303 FRIEDMAN, Ken, 164, 165 F'RIEDRICH, Caspar David, 365 FROTA, Eduardo, 529 FUKUSHIMA, Tikashi, 29x, 323 GABO, 70, 107, 1x6, 208 GABOR, 125 GAMS, 139 GALANTERNICK, Nina, 458 GALCERAN, M8nica, 257, 258 GALDAMEZ ESCOBAR, Jesus, 164 GALLINARI, Adrianne, 318 GALVANI, Mara, 448 CAN, A., 107 GANDELMANN, Vitor, i6 GARCIA CANCUN}, Nestor, 215, 307 GARCIA, Paula, 458 GARCIA, Wagner, 487 GARCIA, Wilton, 458 GARCIA-ROSSI, 102 , GAUGUIN, 207, 299 GEHRE, Ralph, 517, 520, 521 'GEIGER, Anna Bella, 134, 402, 4 03, 40 4, 426, 427, 458, 459, 533 GENOVES, Juan, 139,140 GERALMENT, Rubens, 182 GERCHMAN, Rubens, 117, 14o, 148, x50, 189, 291, 292, 402 GERZSO, Gunther, 104 GIANNOTTI, Jose Arthur, 423 GIANOTTI, Marco, 485 GIL, Gilberto, 118, 280 GILBERTO, Joao, 132, 422 GILLETTE, Frank, 398, 399 GIMAN, Giuliano, 398 GINZBURG, 520 GIORGIO DE CHIRICO, 121 GIRKE, 372 GISMONDI, Maria Cecilia, 152 GLEIZES, 115 GLUSBERG, Jorge, 383, 404 GODARD, 233 GOELDI, Oswald°, 170, 205, 275 GOEPFERT, 372 GOERITZ, Mathias, 86, 102, xo6, 109, no

570

GOLDBERG, Joao Carlos, 258 GOMBRICH, 5x t GOMES, Alair, 410, 41r GOMES, Femanda, 494 GOMIDE, Antonio, 120 GOMRINGER, Eugen, 116, 117 GONZAGA, Luiz, 303 GONZALEZ-TORRES, Felix, 370

GORIct, 122 GOTLIEB, Adolf, 103 GFtACIANO, Clovis, 156 GREGORIO, 385 GRENAWAY, Peter, 523 GROH, Klaus, 166 GROISMAN, Michel, 537 GROPIUS, ziG GROSS, Carmelo, 403, 405. 4 85 GROTOWSKY, 402 GRUNWALDIANO, 329 GRUPO FLUXUS, 164, 165, 453, 395 GRUPO FRENTE, 64, 5 04 GRUPO REX, 153, 154, 1 55 1 58 , 544 GRUPO RUPTURA, 5o4 GUARNIERI, Rossini Camargo, 120, 123, 123 GUATTARI, 368, 499 GUERRA PEIXE, 122 GUIGNARD, 170, 205, 312, 313 GUIMARAES, Luiz Alphonsus de Ver ALPHONSUS, Luiz GUINLE, Jorge. 348, 349, 350, 356,358 GUINTA, Andrea, 372 GULLAR, Ferreira. 59, 75, 83, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 98, 107, 116, 117, 124, 170, 172, 193, 257, 311, 367, 368, 369,504

GusmAo, Luciano, 196, 198, 199, 318 GUSTON, Philip, 327, 335 GUTENBERG, 417 HAAR, Leopold, 88, 115 HABER, Abrao, 211 HAFTMANN, 103 HAHN, Otto, 281 HALL, Stuart, 307 HARA, Marcelo, 537 HARE, David, 251 HATOUNI, Mona, 366, 370 HAUSSAMNN, 395 HAYDEN, Tom, 173 HEGEL, 227, 360 HEGEWISCH, Katharina, 224, 226 HEIDEGGER, Martin, 97, x58, 413,423 HELICON, Jean, 121 HELL'S ANGELS, 173 HELMHOLTZ, 54 HELT, George, 199

HENDRIX, Jimmi, 175 HENRIQUE, Caste° Manuel, 14° HERBIN, 103 HERKENHOFF, Paulo, 353, 403, 405, 458, 459 HERMANO, Luiz, 376 HERZOGENRATH, Wulf, 398 HESS, Thomas B., 363 HILAL, Sami Hilal, 513 HILTMANN, Jochen, 398 HIRSCH, Eugenio, 152 HITCHOCOCK, S., 165 HITLER, Adolf, 438 HODICKE, H. K., 327, 329, 330 HOFFMAN, Abbie, 173 HOIANDA, Luiz Buarque de, 98 ROMERO, 470 HOMPSON, David Det, 165 HORN, Rebecca, 537 HORTA, Ana, 356, 358 HORTA, Arnaldo Pedroso, i56 HUDINILSON JR., 428, 534 HUGO DE SAO VITOR, 415 HUGO, Victor, 208 HUSSEIN, Saddam, 438 IANELLI, Arcangelo, 323 IMMERDOFF, Hans, 329 ImPtruo, Flavio, 140, 153, 1 55 IOMMI, 88 IRIGARAY, Clovis, 292 JACKSON DO PANDEIRO, 303 JACQUET, 86 JAFFE, Lee, 198 JAKOBSON, Roman, 523 JALLAGEAS, Neide, 458 JAMESON, Fredric, 420, 4 23, 479 JANNIS, Sidney, 103 JARDIEL, 139 JARDIM, Reynaldo, 59, 83 JAUBERT, Alain, 437 JDANOV, A., 122, 1 23 JIMENEZ, Marc, 226

joAo VI, D., 502 JOAOZINHO TRINTA, 354 JOBIM, Tom, 280 JOHNS, Jasper, 322, 349 JOHNSON, Ray, 164, 165 JONAS, Joan, 398 JONES, A., 538 JOSIPOVICI, Gabriel, 423 JOYCE, James, 47, 80, 94, 94, 158 JUDD, Donald, 368 KAFICA, Franz, 318, 520 ICAGEL, Mauricio, 123 ICALENBERG, Angel, 104

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

KANDINSKY, Wassily, 51, 52, 53, 54, 107, 123, 208, 379 KANT, Emmanuel, 218, 223, 226, 227, 349, 360, 361 542, 547 ICAPOOR, Anish, 370 KASSEL, 104, 224, 322, 326 KELLY, Ellsworth, 367, 372 KIEFER, Anselm, 229, 334, 335, 422 KIERKEGAARD, 97 KIM, Byron, 370, 372 KING, Marge}, 366 KIRCHNER, 329 KLEE, Paul, 51, 52, 162, 39 2. 393, 496 KLEIN, Yves, 366, 367, 368, 370, 371 KLEINER, Art, 442 KLINE, 333 KNUDSEN,Tadeu, 487 KOCH, Lucia, 318, 375, 376 KOELLREUTEFt, 122 KONATE, Abdoulaye, 37o KOONING, Willen de, 3331 348, 349 KOSICE, Gyula, 85, IOI, 102, 317 KOSTAKIS, Alik, 156 KRAUSS, Rosalind, 373, 380 ICRITSINOLIS, Manlene Metran, 258 KUBITSCHEK, Juscelino, x08, 289 KUBOTA, Shigeto, 398 KOHM, Heimz, 127, 322 ICULTERMAN, Udo, 102 KUPERMANN, Claudio, 354 KURELA, 125 KUSAMA, Yayoi, 366, 368, 372 KUSUNO, Tomoshige, 139, 323, 388 KUTKA, Vicente, 355 LA TOUR, Georges de, 376 LACAN, Jacques, 518, 520, 523 LAENDER, Paulo, 513, 5 14 LACE, Bezanzone, 354 LAGNADO, Lisette, 316, 317, 318, 372 LAM, Wilfredo, 34/ LAMBRECHT, Karin, 536 LAMELLAS, David, 398 LANDIM, Renato, io LANES, Telmo, 167 LANCER, Susanne, 74, 104, 392 LANNA, Milon, 403 LANZA, Alcides, 123 LAPLANCHE, 479 LAUAND, Judith, 84, 86, 504 LAUER, Mirko, 105 LAURENS, 249 LAUSANNE, 372 LAUTREAMONT, z iG LAZZAROTTO, Gustavo, 448 LE CORBUSIER, 101, 102, 105, 106 LE PARC, Julio, 102, 104

LEAL, Paulo Roberto, 257, 291, 322, 3 23, 35 1 , 354, 355 LEAO, Lucia, 447 LEARY, Thimoty, 173 LEBEDEFF, Olga, 258 LEE, Rita, 187 LEE, Wesley Duke, 117, 140, 152, 1 53, 1 55, 53 1 , 532 , 538

LEEPA, Allen, 52, 53, 54 LEGER, Femand, 106, 115, 121, 250 LEIRNER, Nelson, 152, 153, 155, 177, 210, 210, 376, 531, 532, 538, 544 LENIN, Vladimir Ilyich Ulyanov, 122, 125, 161,437 LENTTA, 152 LENNON, John, 173 LEONARDO, 340, 379 LEONTINA, Maria, 45, 48, 98, 129;130 LES LEVINE, 398 LESCHER, Arthur, 375, 376 LESKOV, Nikolai, 226 LESSING, 218 LEVI-STRAUSS, Claude, 214 LEVY, Hannah, 212 LEWIN, Kurt, 52 LIDIA, 152 LHOSE, Richard Paul, 84, 249, 365, 366,371 LHOTE, 115 LI PO, 125 LICHTENSTEIN, Roy, 88, 1 54 LIGON, Glenn, 366, 370, 372 LIMA, Alceu Amoroso, 325 LIMA, Jose Ronald°, 198, 199 LIMA, Laura, 318, 537 LIMA, Leandro, 458 LIMA, Mariza Alves, 156 LIMA, Mauricio Nogueira, 84, 86, 88, 150, 322 LINDOTE, Fernando, 458 LOBATO, Bruno Maisonette, 258 LOBATO, Monteiro, 211 LOBO, Lotus, 196, 198 WEB, Geraldo, 153 LOEFFLER, Gad, 165 LONGINUS, 360 LOPES, Felipe Zacarias, 258 LOPES, Jarbas, 512 LOUFtENCO, Maria Cecilia Franca, 120 LOUWYS, 491 LUCENA, Lucia Pereira de, 258 LUETI, Dib, x61 WIZ, Orlando, 276 LUKACS, Georg, 125 LUNATCHARSKI, 122, 125 LUPERTZ, 335 LUPION, GetUlio Martins, 448

LYOTAFtD, Francois, 3 83, 490, 49! LYSSENKO, 478 MARE, Manabu, 323, 369, 372 MACHADO, Arlindo, 459, 463 MACFIADO, Ivens Olinto, 179, 403, 405, 45 8, 459, 533, 535, 539 MACHADO, Milton, 511, 512 MACTURE, Victor, 355 MAFALTII, 120 MAGALHAES, Alofsio, 276. MAGALHAES, Fabio, 222 MAGALHAES, Costa°, 403, 405 MAGALHAES, Paulo Ribeiro de, 120 MAGALHAEs, Roberto, 140, 189 MAGER, Sandra, 354 MAGNELLI, 120, 121, 249 MAGNO, Carlos, 458 ivIAGNO, Juarez, 323 MAGRITTE, Rene, 327 MAHLER, 477, 478 MATAKOVSKI, 1I7, 122, 125, 125 MAILER, 520 MAIOLINO, Ana Maria, 15o, 182, 498, 533 MALCOM X, 198 MALDONADO, Tomes, 77, 87, 88, 94, 102, 105 MALEVITCH, Kasimir, 51, 58, 59, 6', 62, 65, 66, 97, 101, /07, nx, 116, 208, 365, 366, 367, 3 68, 37 1 , 37 2 , 478 MALFATIT, Anita, 88, 205, 211 MALLARME, 47, 48, 80, 94, 116, 158, 159, 161, 164, 520, 523 MALPAS, William, 496 MALRAUX, Andre, 204, 523 MALUF, Antonio, 84, 88 MAMMI, Lorenzo, 134 MANDELA, 370 MANET, Edouard, 207, 376, 478, 492 MANN, Thomas, 478 MANO, Rubens, 318, 427, 48 8, 537 MANRIQUE, Jorge Alberto, 104 MANUEL, Antonio, 174, 175, 178, 184, 185, 186, 188, 37 1 , 534, 544 MANZONI, Nero, 366, 368, 470 MANZU, 251 MAO TSE-TUNG, 125, 437 MARAR, Ton, 526 MARCHAN FIZ, Simon, 268 MARCIA X,536 MARCUSE, Herbert, 174, 188,259, 531 MAREPE, 512 MARIATEGUE, Jose Carlos, 317 MARIN, Jollier, 250, 398, 403 ' MARINETTL 470, 471 MARQUES, Antanio, 363, 547 MARSALIS,Wynton, 422

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

671


MARSHNER, x56 MARTINOTTO, Andre Luiz, 448 MARTINS, Anna Maria, 374, 380 MARTINS, Carlos, 493 MARTINS, Romanita, 167 MARX, Karl, 77, 92, I6t, 423, 475 MARX, Roberto Burle, 3 14 MASCARENHAS, Carlo, 355 MASCHIO, Lilian, 448 MATARAZZO SOBRINHO, Francisco, 90, 249, 372 MATESCO, Viviane, 372, 538 MATHE1JS, Rodrigo, 3r7 MATISSE, Henri, 4r, 144, 207, 249, 250, 345. 347, 37 1 , 414 MATOS, Breno de, 182 MATTA-CLARK, Gordon, 315, 318 MATIAR, Sami, 150 MATUCK, Artur, 402,405 MAUTNER, Jorge, 386 MAVIGNIER, Almir, 86, to5, 115, 118, 127, 129 MAXWELL, 5 1 .474

MAYER, Charles, 276 McGLADE, Terry, 398 McCARTNEY, Paul, 162 McGREGOR, Ewan, 523 McLUHAN, Marshall, 157, 16o, 16r, 1 74, 398 McNAMARA, 469 MEDALLA, David, 237, 238, 240 MEDE1R0S, Beatriz, 538 MEDICI, 189 MEGERT, 372 MEIRELES, Cildo, 171, 172, 175, 177, 1 79, 180, 182, 184, 186, 189, 198, 291, 300, 301, 315, 365, 371, 388, 510, 534, 544 MELHEM, Georgete, 178 MELLO, Christine, 463 MELLO, Vicente de, 537 MELO NETO, Joao Cabal de, 108 MENDES, Cristina, 525 MENDES, Gilberto, 122, 123, 126 MENDES, Murilo, 159, 366, 369, 372 MENDES, Paulo. Ver ALMEIDA, Paulo Mendes de MEND1ETA, Ana, 318 MENEZES, Aureliano, 88 MENEZES, Djacir, 303 MERIDA, Carlos, 103, 109 MERLEAU-PONTY, Maurice, 56, 57,6o, 74, 75, 98 , 364, 368, 532 MESQUITA, Ivo, 539 MESQUITA, Newton, 323 MEYER, Augusto, 3z3 MICHEL, Regis, 366 MIGUEL, Ana, 517, 520, 521, 522, 537

sip

MIGUEZ, Flit, 333 MILHAZES, Beatriz, 365 MILLIET, Sergio, go, 121 MINKOFF, Gerald, 398, 402 MIRANDA, Duda, 317 MIRANDA, Luis Aquila da Rocha, 276,322 MMM, Ascanio, 178,184, r£35, 186, 188 MODERN°, Joao Ricardo, 388 MOHOLY-NAGY, Lasalo, 51, 208 MOLES, A., 16o MOUES, 392 MONACHESI, Juliana, 543, 547 MONDRIAN, Net, 51, 52, 54, 55, 56, 58, 59, 61, 62, 64, 70, So, 83, 90, 92, 97, 10 3, 107, III, 116, 145, 162, 208, 345, 346, 347, 359, 36 1 , 362, 365, 367, 368, 37 2, 379, 387, 478 MONET, 496, 527 MONTAIGNE, 370, 371,474 MONTEIRO, Adolfo Casais, go MONTEIRO, Ascanio Maria Martins. Ver MMM,Ascanio MONTEIRO, Paulo, 334 MONTEIRO, Tereza, x56 MONTEIRO,Vicente do Rego, 115,304 MOORMAN, Charlotte, 397 MORAES, Angelica de, 380 MORAIS, Frederica 75, 89, 150, 175, 176, 177, 179, 18o, 184, 185, 186, 315, 318, 388 MORANDI, 129, 368 MOREIFtA, Jailton, 529 MOREIRA, Rita, 403, 405 MOFtELLER, 372 MORGUE, 474 MORRIS, Robert, 387 MOSCATI, Jorge, 383 MOSQUERA, Gerardo, 307 MOTTA, Gisela, 458 MOURAO, Raul, 512, 529 MOYSSEN, Xavier, xo6 MUGNOL, Mateus, 448 MULLER, Heiner, 379 MUNCH, Edvard, 378 MUND JR., Hugo, 276 MUNTADAS, Antoni, 398, 403 MUSA1C, 220 MUTT, R., 310 MUYLAERT, Roberto, 337, 341 NADOR, Monica, 512 NAIFECH, Steven, 363 NAKAUCHI, Massaald, 398 NANCY, Jean-Luc, 542, 543, 545, 547 NASH, David, 496 NASSER, Frederica 153, 392, 538 NAUMAN, Bruce, 398

NAVES, Rodrigo, 130, 134, 526 NAZAR, Tereza, 153 • NEGRER, Edgar, to6 NEGRET, no NEGRI, Antonio, 312, 318 NERVIS, Bruna Paula, 448 NERY, Ismael, 205 NETO, Ernesto, 536 NEUENSCHWANDER, Rivane, 318 NEVELSON, Louise, 103 NEWS, Gabriel Novis, 290, 293 NEVES, Marta, 512 NEWMAN, Barnett, 103, 154, 359, 36o, 361, 362, 383, 3 64 NEWTON, Isaac, 5o NICHOLSON, Ben, 120, 121 NIEMEYER, Oscar, to; 118, 315, 316 NIEPCE, Joseph Nicephore, 378 NIETZCHE, Anitnio Henrique, 160, 178 NITSCHE, Marcelo, 182, 403, 405 NOE, Luis Felipe, no NOLAN, 520 NOLAND, 154 NOLDE, Emil, 327, 329 NOTARE Juliana, 537 NOVAES, Adauto, 359 NULTY, Mike, 165 NUNES, Benedito, 191 NUSBERG, Lev, 107 O GRIVO, 318 O'NEILL, John P., 363 OCCAM, 520 OHTAKE, Ricardo, 485 OHTAKE, Tomie, 322, 323, 366, 369 OITICICA FILHO, Jose, 409,410 OITICICA, Hello, 64, 65, 66, 71, 76, 85, 90, 98, 101, 102, 104, 117, 118, 119, 143, 145, 150, 170, 171, 172,

192, 193, 1 94, 1 95. 198, 300, 311, 318, 355, 365, 366, 367, 368, 369, 372, 376, 377, 388, 389, 431, 432, 496, 503, 504, 505, 507, 5 11 , 53 1 , 532, 533, 544, 53 8 OLIVA,E539 OLIVARES, Rosa, 372 OLIVIER, 152 OMAR, Arthur, 486 ON KAWARA, 318 OPALKA, Roman, 318, 372 OPPENHEIM, Dennis, 323, 398 ORNAR, Arthur, 318 ORTEGAY GASSET, 84 ORTHOF, Ge, 513, 520, 521, 523 ORTLIEB, Harold, 398 OSORIO, Luiz Camillo, 309 OTEIZA, Jorge, 106, 109 174, 175, 190,

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

OTERO, Alejandro, T06, 366, 369 OTTH, Jean, 398, 402 OZENFANT, lox PACHECO, Nazareth, 535, 539 PACKER, Amilcar, 458 PADIM, Clemente, 164, 165 PADOVAN, Renata, 495 PAGU, 123 PAIK, Nam June, 397, 39 8, 400 PAIVA, Claudia, 178 PALADIN°, Mimmo, 327, 331 PALATNIK, Abraham , 85, 88, 97, 102, 115, 251 PANCETTI, 170 PAPE, Lygia, 59, 75, 76, 85, 1 50, 1 74, 365, 375, 376 , 388, 403, 411, 412, 504, 511, 531, 532, 533, 544 PARENTE, Leticia, 403, 4 04, 45 8, 459, 462, 533 PASQUALIN1, Vilma, 139 PASQUETTI, Carlos, 167 PASTA, Paulo, 134 PASTERNAK, Anne, 488 PAULINHO DA VIOLA, 526 PAULIN°, Rosana, 427, 4 27 PAZ, Juan Carlos, 123 PAZ, Octavio, 92 PEDROSA, Adriano, 314, 317, 318, 371 PEDROSA, Mario, 73, 83, 89, 98, 104, 107, x x8, 130, 214, 369, 43r, 491 496 , 498, 505 PEIRCE, Charles, 74, 368 PELE, 527 PELED, Yiftah, 538, 539 PEMIOLA, Mario, 448 PENNA, Maura, 307 PERAZZO, Melly, 539 PEREIRA, Rice, 251 PEREZ ORAMAS, Luiz, 372 PERMECKE, 250 PERPETUO, Matheus, 316 PERROY, Oliver, 154 PERUCCHI-PETRI, Ursula, 372 PESSOA, Fernando, 116 PETORUTTI, Emilio, 105 PEVSNER, 51, 59, 62, 70,107, 116, 208 PICABIA, Francis, 327 PICASSO, Pablo, 41, 152, 112, 121, 187, 207, 208, 230, 249, 250, 361,

478 PICCOLI, Valeria, 371 PICICWICK, 474 PIENE, Otto, 372, 398 PIGNATARI, Dacia 83, 87, 88, 93. 94. 115, 116, 118, 311, 503 PIMENTA, 354 PIMENTA, Ricardo, 547

416,

PIMENTEL, Wanda, 178, 179, 184, 185, 188, 323 PINE, Tama, 383 PINOCHET, A., 437 PINTO, Sergio Castro, 182 PINTO, Wladimir Dias, 116 FIRMER 482 PITTA, Matheus Rocha, 316, 317 PIZA, 127 PIZARRO, Luiz, 356 PLANCK, 51 PLATA°, 523 PLATINO, C., 538 PLAZA, Julio, 4o1, 402, 403, 405 POE, Edgar, 1 57, 473 POINSOT, Jean-Marc, 165 POKOT, 520 POLLOCK, Jackson, 251, 327, 331, 349, 359, 47 8, 496, 5 1 4 PONONA, 152 PONS, Mirk), 403,405 PONTALIS, J. B., 479, 523 PONTUAL, Roberto, 88, 255, 307 POONS, 154 POPPER, Frank, 102, 477 PORTINARI, 109, 127, 169, 205, 313 PORTINHO, Cannern, 255 PORTO, Sergio Augusto, 178 POUND, Ezra, 47, 78, 8o, 94, 116 PRATI, Lidy, 88 PRETI, Danilo di, 323 PROENCA, Antonio Henrique de, 257 QUEIROZ, Raquel de, 303 QUINCE'', 473 RAFAEL, 4i,45 RAGON, Michel, 102 RAMIREZ VILLAMIZAR, Eduardo, 102, 103 RAMIRO, Mario, 534 RAMO, Sara, 316 RAMOS, GTaCillaTIO, 122, 303 RAMOS, Nuno, 318, 334 RAMOSA, Edival, 291, 292 RAUSCHENBERG, Robert, 366,367,372 READ, Herbert, 120, 203 REBOLO, 120 RECHELDT, Robert, 166 REGO, Jose Lins do, 303 RE! DA VELA, 174 REICHARDT, Jasia, 383 REINALDO, Gelson, 448 REIS, Paulo, 376, 380, 509 REMBRANDT, 41, 378 RENATO, Celso, 3'5 RENNO, Cristiano, 318 RENNO, Rosangela, 426, 427

RENOIR, 207, 474 RESENDE, 153, 155 RESENDE, Jose, 486, 538, 392 RESENDE, Marco Tolio, 513, 5 14 RESENDE, Ricardo, 509 RESTANY, Pierre, 102, 148, 368, 370 REVERON, Armando, 365 TUBAS, Cristina, 316 RIBEIRO, Darcy, 354 RIBEIRO, Manlia Andres, 199 RIBE1 ES, Jean-Michel, 366 RICARDO, Cassiano, 120 RICHARD, Nelly, 307 RICHARDS, Ceri, 121 RICHTER, Gerhard, 370, 520 RIED, Terry, 165 RILKE, 203 RIMBAUD, 475 RIO BRANCO, Miguel, 182, 385, 454,455 RISCHBIETER, Monica, 525 RITCHIN, Fred, 440, 442 • RIVERA, Diego, 317 ROCHA, Elder, 517, 520, 521 ROCHA, Glauber, 16x, 3! ROCHLITZ, Rainer, 314, 318 RODCHENICO, Alexander, 65, 66, 101, 107, 362, 372, 378, 379 RODIN, 490 RODRIGUES, Glauco, 150 RODRIGUES, Inacio, 323 RODRIGUES, Martha, 178 ROHDEN, Valeria 363, 547 ROLFE, Nigel, 366, 370 ROLLING STONES, i73 ROLNIK, S., 538 ROOD, 474 ROPERTO, Afonso, 428 ROSA, 520 ROSALEN, Rachel, 376, 377, 378 ROSENBERG, Harold, 363, 3 64, 386, 387 ROTHFUSS, Rod, lox ROTHKO, Mark, 103, 478 ROUX, Madeleine, 120 RUBIN, lsaak Illich, 423 RUBINE, Jerry, 173 RUCHTI, Jacob M., 119, 120, 121 RUSKIN, 386 RUTHENBECK, Renier, 398 RYMAN, Robert, 366, 369, 372 !

SA, Douglas Marques de, 276 SAAD, Maria Aparecida, 156 SACILOTTO, Luis, 83, 84, 86, 88, 89, 11 5, 11 7, 504 SAITO, Yoshishige, 341 SALDANHA, lone, 127, 200

CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS INDICE ONOMASTICO

573


SALEME, Marina, 379 SALOME, 329 SALVADOR, Gilberto, 323 SALVATI, Edson, 448 SALZSTEIN, Sonia, I32 134, 243 SAMPAIO, Marcia 389, 392 SAMPAIO, Marcos, 29! SANDBERG, Willen, 179 SANTAELLA, Lucia, 448 SANTIAGO, Daniel, 164 SANTO, Dinisio Del, 130 SANTORO, Claudio, 122 SANTOS, Alcides, 321 SANZIO, Rafael, 376 SARAMAGO, 318 SARDINHA, Minnie, 276 SARDUY; Severn, 104 SARTRE, z 6o SARUBI, Valdir, 292 SAUSSURE, 217 SCHENBERG, Mario, r r8, 122, 148, z54, 175, 176 SCHENDEL, Mira, 97, 127, 128,

SILVEIRA, Regina, 312, 402, 403, 405,486

.smarn, 372 simeEs, Thereza, 175, 177, 179, r86, /89, 198 SIQUEIROS, David Alfaro, 317 SISTER, Sergio, 1 34 SMITH, Adam, 479 SMITH, Gregory W., 363 SMITHSON, Robert, 3i5, 318, 453,496 SOARE,Terzinha19

132, 133, 134, 3 12 , 3221 3231 366,369

SCHERPENBERG, Katie van, 366 SCHILLER, 259 SCHMIDT, Augusto Frederico, 120 SCHNABEL, Julian, 327, 328, 329, 330, 334, 335 SCHOFFER, 102 SCHOONHOVEN, 372 SCHORSKE, Carl E., 423 SCHWARZ, Roberto, 124, 125, 126, 130, 134

SCHWARZKOGLER, Rudolf, 471 SEBASTIAN, 'to SEGALL, Lasar, 120, 205, 313 SELF, Adriana, 442 SENDIM, Armando, 323 SERPA, Ivan, 85, 116, 139, 188, 504 SERPA, Manoel, 200 SERRA, Richard, 398, 420, 423, 492 SERRANO, Andre, 370 SEUPHOR, Michel, 101, 103 SEURAT, 161, 207, 473,474 SHARP, Willoughby, 399 SH1ELE, Egon, 330 SHIOMI, Chieko, x65 SHOSTAKOV1CH, 122 SIDK1, Cathleen, 276 SIEDT, Teresa, 458 SILESIO, Mario, 127, 129, 130 SILVA, Jose Antonio da, 321 SILVA, Maria Helena Vieira da, 103,129 SILVA, Quirino da, 120, 156 SILVA JUNIOR, Francisco Pereira da, 182

574

SOARES, Valeska, 318, 427 SOBRINO, 102 SOFFER, Liliane, 403 SONTAG, Susan, 214 SOTO, Jesus, 102, 110, 366, 369 SOUSA, Alcidio Mafra de, 255 SOUZA, Decio Soares de, 313 SOUZA, Edgard de, 535, 539 SOUZA, Marcio de, 507 SOUZA, Pompeu de, i59 SOUZA, Roberto Pinto de, 153 SOUZANETTO, Manfredo de, zoo, 353, 5 1 3, 5 14 SOVIAGES, 333 SPANUDIS, Theon, 59, 103, 116 SPENGLER, 16o SPIEGEL, Samuel, 155 SPILL, Nicholas, 165 STALIN, 122 STEELE, Lisa, 398 STELLA, Frank, 102, 154 STELLA, Joseph, 102 STELLO JR., Edgar, 448 STERN, Grete, 105 STOCKHAUSEN, x62 STORR, Robert, 369, 372 STRAVINSKY, 123 STRINA, Luiza, 356 STRZEMINSKI, 372 STUDIO LEVI ESPANHA, 165 STUPAICOFF, Otto, 152 SUED, Eduardo, 131, 1 34, 345, 346, 347, 422 SZENES, Azpad, 129 SZYSZLO, Fernando de, ro5 TAKAHASHI, Jo, 378, 380 TAMBELLINI, Aldo, 398 TAP1ES, Antoni, 318 TATLIN, 62, 65, 66, 101, 107, 116,208 TAOBER-ARP, Sofia, 62, 249, 251 TAVARES, Ana Maria, 312, 318 TAZZI, Pier Luigi, 366 TEIXEIRA, Anibal, 358 TEJO, Cristiana, 526 TENREIRO, 127 TERRA, Paula, 538

TESSLER, Elida, 24/, 373, 376, 377, 5 29 THOMPSON, John, 223, 225, 226 1180NI, Marcela, 376, 378 T1SSERAND, 139 TIME, Yeddo, 276 TOLEDO, Amelia, 375, 376 TOMASELLO, 103 TOMKINS, Calvin, 372, 398 TORRES-AGUERO, Leopoldo, lo,, 103, 104 TORRES-CARCIAJoaquim, 102, 103, 105, X06, 109, 130, 317, 365, 367, 372

TOZZI, Claudio, 182, 321, 387 TRABA, Marta, 104, 212, 307 TRISTAO, Mari'Stella, 195 TROTSKI, Leon, 317,437 TSCHAPPE, Janaina, 537 TU FU, 125 TUNEU, 322 TUNGA, 134, 182, 300, 45 2 , 493, 494, 495, 511, 512, 535, 539 TUPINO, Ada, 258 TUFtELLY, Carine Soares, 448 TURNER, 365, 496, 497 'FZARA, Tristam, 164,395

VELOSO, Caetano, 118, 175, 28o VENANCIO FILHO, Paulo, 132, 133, 1 34, 366, 547 VENOSA, Angelo, 536 VENTURA, Ricardo, 536 VENTURA, Zuenir, 526 VENTURI, Lionello, 70, 203, 204, 207 VERGARA, Carlos Augusto, 140, 150, 178, 200, 392 VICENTE, Carlos Fadon, 442 VIDOCQ 473 VIEIRA, Decio, 71, 101,504 VIEIFtA, Jose Gerald째, '56 VIEIFtA, Mary, 86, 87, 88, to5, rx 5 VIEIRA, Valeria 4 25, 426, 427 VIGO, Edgardo Antonio, 163, 164, 165 VILLA-LOBOS, Heitor, 123 VILLAMIZAR, 110 VILLANUEVA, Carlos Raul, 106 VINCI, Laura, 482, 483 VIOLA, Bill, 376, 378, 398 VLAVIANOS, 153 VOLPI, Alfredo, 48, 88, 97, 104, r18, 122, 127, 128, 130, 131, 132, 365, 392

VON GRAEVENITZ, 372 VOFtDEMBERG-GILDEWAKF, Friedrich, 103, 365, 366, 371 VOSTELL, Wolf, 397, 398 WAACK, William, 124 WAICELY, Shelagh, 493 WALKER, Robert, 398 WANG WE!, 125 WARCHAVCHIK, Gregori, 102 WARHOL, Andy, /54, 210 WATSON, Charles, 354 WATSON, Leda, 276 WEBER, Max, 102 WEBEFtN, 162 WEFFORT, Francisco, 507 WEGMAN, William, 398 WEIBEL, Peter, 442 WEISS, 318 WEISSMANN, Franz, 59, 66, 67, 68, 76, 85, 86, 87, 90, 98, 102, 105, 117, 504 WERDEN, Rodney, 398 WERNER, 103 WHITEHEAD, 475 200 ,

WIENER, Norbert, 47, 74, 77, 161, 368 WIESER, Wolfgang, 157, r6o, 162 WILLIAMS, Tennessee, 371 WINCICELMANN, 218 WINSOR, 369 WLADYSLAW, Anatol, 115 WLAMINCK, 207 WOLLNER, Alexandre, 83, 84, 87 WOLNER, Alexandre, its }CANDO, Niobe, 323 XAVIER, Marcia, 318, 428, 537 YAMAGUCHI, Katsuhiro, 398 YPIRANGA FILHO, 165 ZABALA, Horacio, 163, 165 ZACCAGNINI, Carla, 3x ZALUAR, Abelardo, 323 ZANO'ITO, Luigi, 406 ZELENANSKY, Lynn, 366, 369, 372 ZILIO, Carlos, 150, 171, 172, 189 ZI/vINIER, Brend, 329 ZOLA, 474

UCHOA, Delson, 365 UECKER, 372 UHLMANN, 251 URBAN, W. M., 54 VALE, Senia do, 258 VALENTIN!, Rubem, 97, 103, 109, 110, 127, 130, 276, 321, 322, 523 VALERY, Paul, 157, 208 VALLAURI, Alex, 358 VALLIER, Dora, lox, 107 VAN DER LINDEN, Gicelda, 258 VAN DOESBURG, 5r, 61,345, 365, 367, 372, 504 VAN GOGH,144, 169, 171,205, 365, 376 VAN STEEN, Ricardo, 322, 323 VANTONGERLOO, 70, 103, 365, 367,372 VARAVELLI, 291 VAREJAO, Adriana, 494, 495, 498, 535 VARGAS, Cattail째, 289, 503 VASARELY, 102 VASCONCELOS, Cassia 485 VATER, Regina, 178, 405 VAUTIER, Ben, 318 VAZ, Guilherme Magalhaes, 175, 179, 187, 188 VAZAN, Bill, 398 VEDOVA, Emilio, 54, 34 1 VELHO,Gilberto297

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CRITICA DE ARTE NO BRASH.: TEMATICAS CONTEMPORANEAS iNDICE ONOMASTICO

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Agradecimentos

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Alberto Frederico Beuttenmuller; Alessandra Similes; Almerinda Lopes; Ana Luisa; Martins (Editora BEI); Andre Seffrin; Carlos Perktold; Cesar Giobbi; Cirio Simon; Denise Mattar; Eliane Longo; Elvira Vernaschi; Leilah Assuncao; Frederico Morals; Guilherme Bueno; Icleia Cattani; Izabel Ferreira; Jacob Klintowitz; Joao Carlos Lopes dos Santos; Joao Ricardo Moderno; Jose Armando; Jose Roberto Teixeira Leite; Julia Pelegrino; Justo Werlang; Ledy Gonzalez; Leila Fonseca Barbosa (MAM/UFJF); Leilah Assumpgao; Lelia Frota; MAC/USP Divisao de Acervo e diretoria; Magno Femandes dos Reis; MAWSP Divisao de Acervo; Marcus Lontra; Maria Elizabete Santos Peixoto; Maria Lucia Bastos Kern; Maria Luisa Tavora; Mania Mazzuchelli (Paco das Artes); Mariza Benoit Marlene Custodio (Funarte); Mauricio Becker do Valle; Monica Zielinsky; Osmar Dillon; Paulo Reis; Pedro Comes; Pisani; Radha Abramo; Renato Rosa; Ronie Prado; Roseli Schmitt; Sandra Makowiecky; Sandra Regina Ramalho e Oliveira; Silmara Cordeiro; Tadeu Chiarelli; Vicente de Percia; Walter Domingues; e Zahide Lupinacci Muzart. Arquivo Historic° Wanda Svevo - Fundacao Bienal de Sao Paulo; Biblioteca do Museu de Arte Moderna de Sao Paulo; Casa das Rosas (SP); Centro Cultural Banco do Brasil; Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Porto Alegre/RS); Centro de Documentacao do Jomal do Brasil; Centro de Documentacao do Museu de Arte Modema do Rio de Janeiro; Funarte / Coordenacao de Documentagao e Informagao (CEDOC); Fundagao Bienal do Mercosul e Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS)


Critica de Arte no Brasil: Temoticas Contempordneas Este livro foi produzido pela Fundacao Nacional de Artes - Funarte, na cidade do Rio de Janeiro e impresso na Imo's Grafica e Editora Ltda, no Rio de Janeiro, no terceiro trimestre de dois mil e seis, corn arquivos digitais fornecidos pela Funarte.



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