Revista Dasartes 59

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SP-ARTE ANITA MALFATTI MARCOS AMARO RUBEM LUDOLF CHAUMONT-SUR-LOIRE ANDRÉ AZEVEDO




Pino Pascali, Letters, 1964 na Galeria Studio d’Arte Campaiola.

DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin PRODUÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com DESIGNER Arruda Arte & Cultura

Capa: Éder Oliveira, Autorretrato, 2016. (Detalhe). Foto: Otavio Cardoso

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RUBEM LUDOLF

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CHAUMONT SUR-LOIRE

08 De arte a z

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MARCOS AMARO

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62 Livros 64

Resenhas

SP-ARTE

68 Coluna do meio

ANITA MALFATTI

ANDRÉ AZEVEDO

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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte

A PAIXÃO DE PICASSO EM LEILÃO DE NOVA YORK A Christie's Nova York está leiolando uma rara e impressionante pintura de Pablo Picasso. Intitulado “Femme assise, robe bleue”, o trabalho é um retrato de sua amante Dora Maar e foi pintado em 25 de outubro de 1939 – aniversário do artista. A pintura será oferecida com uma estimativa de USD 35 - 50 milhões.

Arte moderna asiática

Acervo do MASP Online

ARCOlisboa 2ª edição

Sotheby’s Hong Kong

Experiência interativa

De 18 a 21/5

Unindo belas peças de mestres modernos, a edição deste ano do leilão de arte asiática moderna da Sotheby’s Hong Kong inclui obras de Zao Wou-Ki, Chu Teh-Chun e Wu Guanzhong. O óleo de Luo Zhongli, de 1948 (foto), apresenta a característica do artista, enquanto obras vívidas e coloridas de Walasse Ting ilustram abstrações e figuras.

O aplicativo Google Arts & Culture disponibilizou obras do MASP, para que pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo possam visitar o Museu. É possível navegar por mais de mil itens inseridos por uma linha do tempo, por cores ou por popularidade, além de seis exposições e 12 obras selecionadas pelos curadores do MASP.

Com a qualidade dos conteúdos como principal objetivo e a aposta das galerias participantes em projetos com nível, a ARCOlisboa voltará como grande evento artístico e social da capital lusa. Soma-se ainda à feira uma programação artística e cultural pela cidade, que atrairá o interesse de colecionadores e do público em geral.

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Novos espaços ARTE CONTEMPORÂNEA DOMINA MUSEUS NOS EUA Há 20 anos, o Impressionismo dominava

Os principais museus norteamericanos, muitos com coleções que se estendem por séculos, senão milênios, dedicam agora quase metade de suas exposições temporárias a espetáculos de arte contemporânea. Mais de mil exposições - 44% dos mais de 2.300 shows organizados por 29 grandes museus dos EUA entre 2007 e 2015 - foram dedicadas ao trabalho de artistas ativos após 1970. Os dados são da pesquisa feita pelo jornal The Artnewspaper, que quantifica um desafio enfrentado por muitos museus com coleções históricas nos EUA e no exterior.

GALERIAS AURA E ALICE FLORIANO As diretoras Bruna Bailune e Alice Floriano apostam em um espaço compartilhado para alavancar a mais recente geração de artistas visuais e artistas joalheiros nacionais e internacionais. Para a inauguração, Aura Arte apresenta a mostra “Scénario”, com curadoria de Mario Gioia, e a Galeria Alice Floriano, exposição de seus artistas joalheiros contemporâneos. RUA WISARD, 397 VILA MADALENA, SÃO PAULO

Para refletir “Os diretores de museus precisam abraçar a tecnologia como um veículo para falar e atrair audiências, sem prejudicar a experiência especial da obra de arte imediata e direta”. Declaração de Michael E. Shapiro, especialista em administração de artes e autor do livro “Onze Museus, Onze Diretores: Conversas sobre Arte e Liderança”

ADELINA GALERIA Projeto pessoal do executivo Fabio Luchetti, que sempre admirou as artes, a galeria se propõe a desmistificar esse mundo e também a contribuir para a formação de público. Junto a inauguração, a galeria abre a exposição “Para que eu possa ouvir”, que busca levar ao público uma reflexão sobre quebra de paradigmas e como se pode ver o mundo com os olhos dos outros. RUA CARDOSO DE ALMEIDA, 1285 PERDIZES, SÃO PAULO

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Novos espaços

GALERIA CRUA Misto de espaço cultural, galeria de arte e bar, a Crua foi idealizada pelo artista paraibano Gen Duarte, que aproveitou o espaço que já servia como seu ateliê para entregar uma nova opção de cultura para o bairro onde foi criado. O objetivo é ser um espaço cultural de divulgação, produção e comercialização de artes. RUA CONSELHEIRO NÉBIAS, 1441 CAMPOS ELÍSIOS, SÃO PAULO

JAPAN HOUSE O público brasileiro será convidado a ter uma experiência genuína e única da cultura, da tecnologia e dos modos de viver do Japão contemporâneo. Com inauguração em maio de 2017, a JAPAN HOUSE promoverá, em seus três andares, exposições, seminários, workshops e atividades que trarão ao Brasil os mais relevantes criadores e empreendedores japoneses da atualidade nas artes, no design, na moda, na gastronomia, na ciência e na tecnologia. AV. PAULISTA, 59 SÃO PAULO

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AI WEIWEI ANUNCIA NOVO E PROVOCATIVO PROJETO DE ARTE PÚBLICA Intitulado "boas cercas fazem bons vizinhos" e abrangendo vários bairros de Nova York, o grande novo projeto multi-site do artista e ativista chinês Ai Weiwei instalará uma variedade de cercas em diversos locais específicos por toda a cidade. Inspirando-se na crise da migração internacional e das batalhas sociopolíticas associadas, o projeto transforma a cerca de segurança de fio metálico no que é descrito como "um poderoso símbolo político".

VISTO POR AÍ

A escultura de porcelana de cinco metros da artista britânica Rachel Kneebone, “399 Dias” (2012-13) é o maior e mais ambicioso trabalho da artista, apresentado entre as obras-primas da coleção de escultura da Victoria and Albert Museum, em Londres.



RUBEM LUDOLF POR CELSO FIORAVANTI A cor tinha um plano em relação a Rubem Ludolf. E o plano da cor já se mostrava claro nas primeiras pinturas do artista, produzidas entre 1950 e 1954, diletantemente, ainda figurativas. A cor iria subjugar Ludolf e torná-lo seu dependente. Em seus primeiros trabalhos figurativos, de início de carreira, as cores simulam um "trompe-l'oeil" sem perspectiva ou claro-escuro. Elas 14 ALTO RELEVO

determinam a dramaticidade dos elementos/personagens, simulam movimentos e ambivalências visuais. O rigor das formas e o apuro cromático enredam a percepção do espectador. A cor plana, plena, rigorosa, concretista, surgiu em 1954 e dominou o artista já no ano seguinte, em 1955, quando foi selecionado para a 2ª Bienal Internacional de São Paulo. Ludolf nunca havia realizado uma mostra individual e tinha apenas uma


Imagens: Óleos sobre Tela, 2004.

exposição coletiva em seu currículo: a participação na 2ª Mostra do Grupo Frente (1955), que era liderado pelo professor Ivan Serpa (1923-1973). A mostra aconteceu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Palácio Gustavo Capanema, então sede do MEC. Ludolf participou ainda de outras Bienais de São Paulo, em 1959 (5ª edição), 1961 (6ª), 1965 (8ª), 1967 (9ª - em que ganhou o Prêmio Aquisição), 1973 (12ª) e da Bienal Brasil Século 20, em 1994. Nos anos 1960, o concretismo perdeu força no circuito de arte nacional e foi substituído pela produção de artistas que assimilavam as influências da arte pop, da arte política, do expressionismo abstrato, do tachismo e de outras vertentes que ganharam força no Brasil apenas no final dos anos 1950 e início dos anos 1960. "Em 1965, eu fiz uma exposição importante no IBEU, mas aquele espaço não fazia mostras individuais. Eu então convidei o Décio Vieira para expor comigo. Era a época da Nova Figuração, com Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Antonio Dias... Nós não éramos mais a vanguarda... A arte é cíclica, sempre com novos valores... Nós achávamos que a geometria havia se esgotado... Naquela época, aconteceu de eu ir a uma Bienal de São Paulo e ver trabalhos do Piero Dorazio, que me marcaram muito. Era uma trama e eu passei então a criar as minhas tramas, algo que se tornou a minha grife durante uns dez anos", disse. A partir dos anos 1970, vítima de seu amor incondicional à cor e também de

O rigor das formas e o apuro cromático enredam a percepção do espectador.

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Sem título, 1954. Acima: Sem título, 1999.

sua dedicação à carreira de arquiteto, Ludolf pouco pintou... "Eu já pensei em parar de pintar... Eu sou um artista que nunca fez concessões. Sempre pintei o que eu quis e acho que paguei um preço por isso... Em algumas mostras coletivas, eu estava entre 'os outros'. Os jornais escreviam 'irão participar fulano, sicrano e outros'. Eu muitas vezes fui esse outro. Isso me chateava", disse. Mas o século 21 deu um novo combustível a Rubem Ludolf. O pintor alagoano, de DNA carioca, voltou à ativa com todo o gás. Pintou telas, retomou o guache sobre papel, produziu objetos em acrílico. O artista experimentou novas aventuras e reatou antigos laços, na busca de recuperar seus grandes amores: a cor e o concretismo.

Rubem Ludolf e o Plano da Cor • Galeria Berenice Arvani • São Paulo • 22/3 a 28/4

Celso Fioravante é jornalista, curador e diretor do periódico "Mapa das Artes São Paulo". Em 2010, lançou o projeto "Salão dos Artistas sem Galeria", destinado a artistas que não possuem representação em galerias de São Paulo.

16 RUBEM LUDOLF



DOMÍNIO DE CHAUMONT-SUR-LOIRE

Obra do artista brasileiro Henrique Oliveira. Foto: Éric Sander.

16 DO MUNDO


POR CHANTAL COLLEU-DUMOND Situado a menos de duas horas de Paris e aberto o ano inteiro, o Domínio de Chaumont-sur-Loire faz parte da Loire, região classificada como patrimônio mundial da UNESCO sob o título de paisagens culturais. Seus 32 hectares oferecem uma vista única sobre o rio mais longo da França, selvagem e cercado por uma natureza ainda intocada. Como a cada ano, uma quinzena de artistas, jovens e de renome mundial, são convidados a criar especialmente para o Domínio. Em 2015, Chaumontsur-Loire teve o prazer de expor uma obra de Tunga. O artista transformou os estábulos do Domínio em um ateliê de alquimista com sua instalação "Eu, Você e a Lua", e nos fez transitar entre referências arcaicas e contemporâneas. Este ano, a partir de 1º de abril, 14 novos artistas serão apresentados na 9ª temporada de arte de Chaumont-sur-Loire, que, desde sua inauguração, reflete sobre os vínculos traçados entre arte, natureza e patrimônio. Americana instalada há anos na França, Sheila Hicks é a convidada de honra deste ano. Assim como os artistas utilizam suas tintas, Sheila Hicks serve-se do material têxtil para realizar suas criações. A obra que a artista montará no Domínio, uma instalação monumental feita com fios de lã e linho, é parte de uma grande

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encomenda financiada pela região Centro-Vale do Loire. Com Sheila Hicks, "a tapeçaria deixa os muros para se tornar obra de arte". Influenciada pelas técnicas têxteis da América do Sul, Sheila Hicks faz de cada obra uma viagem. Outro evento importante deste ano é a exposição de Sam Szafran. Apaixonado por vegetais, o artista reinventa a natureza com uma potência poética excepcional. Suas pinturas de arborescências nos convidam a entrar em uma espécie de floresta sagrada e nos conferem uma energia comparada a dos sonhos. Este ano, o Domínio verá também o retorno do grande artista ganês, El Anatsui, pela terceira vez consecutiva. 18 CHAUMONT-SUR-LOIRE

Reunidos, esses diversos geodos se tornam um imenso amplificador de nossos sussurros, ecoando nossos pensamentos e emoções.


À esquerda: Obra de Sam Szafran © GCB /Jean-Louis Losi. Acima: Obra de Sheila Hicks e abaixo Instalação de Marie Denis, “Herbier de Curiosités”. Fotos: Éric Sander.

Ele se inspira nas tradicionais gabarras do Loire, barcos de fundo chato, para criar sua obra. O escultor francês Stéphane Guiran ocupará os estábulos de Chaumont com uma instalação feita de flores de quartzo translúcido e intitulada "O Ninho dos Sussurros". Reunidos, esses diversos geodos se tornam um imenso amplificador de nossos sussurros, ecoando nossos pensamentos e emoções. Com gestos simples, a jovem artista Sara Favriau dará uma nova funcionalidade aos suportes de madeira normalmente usados na construção, transformando-os em cabanas sólidas e frágeis ao mesmo tempo. Enquanto isso, Marie Denis vai



Miguel Chevalier, In - Out / Paradis artificiels, 2017. Fotos: Eric Sander.


22 DO MUNDO

Ursula Von Rydingsvard, Anastazia, 2013/2014. Foto: © Ursula von Rydingsvard.


Em 25 edições, foram criados mais de 700 jardins na propriedade protótipos de espaços verdes do amanhã, já que o Festival, berçário de talentos com ideias inovadoras, revitaliza as "obras de arte vivas".

criar um gabinete de curiosidades vegetais e Karine Bonneval apresentará flores esculpidas com açúcar levantando, assim, uma discussão sobre as complexas dinâmicas estabelecidas pelo cultivo e consumo da cana-de-açúcar. Ursula von Rydingstadt instalará uma escultura monumental, "Anastasia", dentro do parque histórico. As esculturas em cartão de Andrea Wolfensberger ganharão uma nova dimensão com o movimento dos espectadores. Mâkhi Xenakis, que divide seu tempo entre a escultura, o desenho e a pintura, expõe delicadas coroas coloridas que nos aproximam da nossa universalidade e da vida mesmo. Desde 1992, O Domínio de Chaumontsur-Loire organiza também um Festival Internacional de Jardins reconhecido mundialmente. Renovando-se constantemente, o evento propõe uma visão geral das tendências do paisagismo e jardinagem. Em 25 edições, foram criados mais de 700 jardins na propriedade - protótipos de espaços verdes do amanhã, já que o Festival, berçário de talentos com ideias inovadoras, revitaliza as "obras de arte vivas" que são nossos jardins. O Festival Internacional de Jardins comemora este ano a sua 26ª edição em torno do tema "Flower Power" e nos convida a descobrir o poder simbólico das flores e a sua força dentro do nosso imaginário. Como os jardins do século 21 valorizam e utilizam esse extraordinário e inalterável poder das flores, essa é a questão que os paisagistas responderão com seus jardins.


Obra de Túlio Pinto na Baró Galeria. Rebecca Louise Law, Beauty of Decay. Foto: Rachel Warne.

De acordo com o tema do Festival Internacional de Jardins de 2017, dois criadores do universo digital nos farão descobrir universos fantásticos: Miguel Chevalier, com sua obra "In outParadis artificiels", e Davide Quoyola, com o fascinante "Jardim de verão", fruto de uma residência à Chaumontsur-Loire. Quanto à artista britânica Rebecca Louise Law, ela suspenderá milhares de flores naturais, deixando que sua obra siga um ciclo natural. Em constante transformação, as flores frescas vão aos poucos perdendo suas cores e se deteriorando. Essas novas encomendas - assim como as "flores fantasmas", de Gabriel Orozco, os vitrais de Sarkis, a floresta de vigas e sinos de Jannis Kounellis, a escultura de Henrique Oliveira, os scanogramas de Luzia Simons e as diversas outras instalações que 24 CHAUMONT-SUR-LOIRE

ocupam os parques do Domínio enriquecem, ano após ano, as coleções de Chaumont-sur-Loire. Por ser considerado um patrimônio excepcional e trazer uma rica programação cultural, o Domínio de Chaumont-sur-Loire é um dos mais belos castelos do Vale de la Loire.

9ª Temporada de Arte Chaumont-sur-Loire • França • 1/4 a 5/11

Chantal Colleu-Dumond é diretora do Domínio de Chaumont-sur-Loire e curadora da programação de arte contemporânea e do Festival Internacional de Jardins.





Escultura Vira-Lata, 2014. o Rinaldi.

MARCOS AMARO SOBREVOO

28 DESTAQUE


POR RICARDO RESENDE Marcos Amaro trabalha com restos de aviões sucateados transformando-os em esculturas monumentais. De forte identidade pessoal, seus trabalhos, embora se apresentem à primeira vista como uma visão um pouco catastrófica, sugerem paixão pela aviação. Paixão acumuladora, como a de muitos artistas que colecionam, guardam, museificam e transformam as coisas inventadas pelo homem que são descartadas. No seu caso, vai encontrar a matéria dos seus trabalhos nos cemitérios de aviões. Os sinais de falência e obsolescência das aeronaves têm como resposta positiva de Marcos esculturas, "pinturas" e instalações de rara beleza expressas no caos. A paixão que não se manifesta, contudo, por aviões novos, de alta tecnologia. Seu interesse parece recair para o sonho nostálgico de voar que resta nos aviões que não voam mais de tão velhos. Jannis Kounellis, Giovanni Anselmo, Michelangelo Pistoletto, Robert Rauschenberg, John Chamberlain e o brasileiro Rubens Espírito Santo - que mantém o Ateliê do Centro, em São Paulo, onde Amaro estudou filosofia e encontrou o caminho para a escultura de apropriação

Dispositivos Insólitos, 2016. Todas as Fotos: Ricardo Rinaldi.

Poema Enterrado no Espaço Cultural BNDES. Foto: Odir Almeida

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Todas imagens do artista: Foto: Marcelo Magalhães.

de materiais - são alguns dos nomes da família de artistas que são referências para sua obra. Nascidos da arte povera, eles nos dão o caminho para a compreensão de sua produção escultórica. Também devem ser lembrados o norte-americano Tom Sachs e o pioneiro da arte povera sem sabê-lo: Arthur Bispo do Rosário, artista sergipano que, ao longo de sua vida, reordenou as coisas do mundo, museificando-as para a eternidade. O que faz também Marcos Amaro. Depois de destroçar, reordena as "ossadas" dos aviões. Junta a esses pedaços de avião outros materiais "sujos", envelhecidos e descartados como feltro, madeira, ferro, plástico, pneu, cano, corda, lâmpada 30 MARCOS AMARO

fluorescente, água, colchão e aparelho de televisão, intercalados com suas amarrações e soldas. Em alguns trabalhos, encaixa outro elemento: a luz das lâmpadas neon e dos vídeos (imagens de televisão), transformando em um amontoado de coisas organizadas, sem deixar de evidenciar o equilíbrio precário das peças, esculturas e instalações, diria ainda, em seu estado bruto. Marcos Amaro desbrava o campo da escultura contemporânea onde não se define muito bem os limites do que se entende por escultura e instalação. Em um segundo olhar, percebe-se que a arrumação que faz com os resíduos aeronáuticos não é aleatória, há uma ordenação que resulta nessas formas


geométricas meio moles. Divagando sobre a diversidade de materiais e formas que acumula, Marcos confere às carcaças de aviões e sua maquinaria um novo "status", conduzindo o olhar do espectador a objetos ressignificados, em muitos momentos com humor e afeto. Desmonte, acúmulo e colagem são o processo de criação. Um inventor que tem gosto de reinventar as coisas. O ateliê, na cidade de Itu, lembra uma oficina mecânica ou um hangar, mas também tem ares de laboratório. As mãos são usadas para levar, orientar e levantar, através de carros hidráulicos, as peças pesadas e volumosas. Os trabalhos são partes combinadas que constroem formas inusitadas que, de tão reais, ainda exalam cheiros. Sente-se no ar o odor do querosene, do óleo queimado das turbinas, dos feltros e lonas que de faz uso para criar suas "pinturas" matéricas, superfícies que vão dependuradas na parede. Na

Marcos confere às carcaças de aviões e sua maquinaria um novo "status", conduzindo o olhar do espectador a objetos ressignificados, em muitos momentos com humor e afeto.

À esquerda: Sem título, 2016. Acima: Sem título, 2014.


Sem título, 2016.

exposição "Sobrevoo", há uma série delas. Camadas (campos) de cores e texturas carregadas ainda daquela sujidade, da poeira e do enegrecimento provocados pela passagem do tempo. As esculturas, quando observado seu entorno, mais se parecem com o caos de um desastre aéreo. Mas aí, Amaro entra com luzes. Luz que lava com a cor sedosa emitida pelas lâmpadas de neon as ferragens, as borrachas e os pneus e se tornam um dado sensível sobre as carcaças. Dá-lhes contorno suave, como as naves de uma odisseia espacial (O Jedi, s/d), ao espalhar a cor brilhante pelas paredes e pelo chão. Em sua poética, ao reutilizar as partes dos aviões, o artista dá novo sentido ao transformá-los em objetos de arte. Mesmo que para pura contemplação, 32 DESTAQUE

voltam carregados de memória e lhe são devolvidos, assim, seus dias gloriosos, agora como matéria pousada no chão, suspensas, ou na parede do espaço expositivo.

Marcos Amaro – Sobrevoo • Centro Cultural Correios • São Paulo • 4/3 a 18/6

Ricardo Resende é mestre em História da Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea.


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SP-ARTE


DIAS DE UM FUTURO MELHOR

Impressão em metal de Anish Kapoor, Shadow III 9 2016 na ArtEEdições Galeria.


36 CAPA

Michelangelo Pistoletto, Black and Light na Galleria Continua e ImpressĂŁo Silkscreen de Damien Hirst na Other Criteria.


INTITULADO COMO "FESTIVAL INTERNACIONAL DE ARTE DE SÃO PAULO", A SP-ARTE ESTREIA SUA 13ª EDIÇÃO COM MAIS DE 120 GALERIAS DE ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA E UMA EXTENSA PROGRAMAÇÃO PARALELA PELA CIDADE

Para dar início aos trabalhos, repetindo o sucesso do ano passado, a SP-Arte traz de volta a segunda edição do Gallery Night. Colaboração entre a feira e as galerias paulistas, a ação ocupa a cidade durante dois dias com exposições, palestras, performances e visitas guiadas. Na mesma semana, uma parceria com a Associação Videobrasil apresenta uma mostra coletiva de trabalhos em vídeo de artistas brasileiros centrais da cena contemporânea. Durante a feira, entre as novidades para esta edição, destacam-se o novo setor "Repertório". Sob curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, o espaço apresenta obras de artistas fundamentais para a compreensão das práticas artísticas contemporâneas, com nomes ainda não devidamente reconhecidos pelo público. Também, em uma nova parceria com a Fundação Marcos Amaro, a SP-Arte anuncia um novo prêmio de R$ 25 mil, que visa dar suporte a artistas que tenham se destacado em sua produção criativa. Veja mais informações e agenda completa em nosso site. Nas páginas seguintes, a Dasartes faz um passeio por todas as áreas da feira e o convida a uma pequena viagem ao novo, ao lúdico, ao sonho e à inspiração.


Abaixo em sentido horário: Esculturas de Henrique Oliveira na Galeria Millan, Artur Lesher na Galeria Nara Roesler e Claudio Alvarez na Galeria Ybakatu.

Entre as contemporâneas, destaque para as galerias, White Rainbow, de Londres, e KOW, de Berlim, que participam pela primeira vez, junto de outras 20 galerias iniciantes. A curitibana Ybakatu volta pela nona vez e apresenta trabalhos de Hugo Mendes, Washington Silveira e Claudio Alvarez. Também de Curitiba, a SIM Galeria desembarca obras de seus jovens artistas como André Azevedo, Júlia Kater. De São Paulo, a Casa Triângulo apresenta nova série de Nino Cais, a Carbono Galeria, novas gravuras do artista Paulo Pasta e, na Millan, esculturas de Tunga e Henrique Oliveira surpreendem. Direto de Brasília, O Gabinete de Arte K2o aposta em obras dos artistas Roland Gebhardt, Marco Ribeiro e Galeno. 40 SP-ARTE


ARTE CONTEMPORÂNEA

Acima em sentido horário: Óleo de Alan Fontes na Galeria Luciana Caravello e obras de Nino Cais na Casa Triângulo e Damien Ortega na White Cube. Foto: copyright: Todd-White Art Photography Courtesy White Cube.


40 CAPA


ARTE CONTEMPORÂNEA

Uma acrílica com carvão mineral e folha de ouro sobre papel de Bruno Vilela e uma escultura de Waltércio Caldas são alguns dos destaques da galeria carioca Anita Schwartz. Do Rio, também participam a Galeria Movimento, que apresenta uma nova fase de seu artista Toz e a Galeria Mercedes Viegas, com obras de Vania Mignone, Antonio Bokel e Gustavo Speridião. Este último, com um trabalho feito em madeira, lona e nanquim, com as palavras "Boa Sorte", imprimindo um pensamento de positivismo, bastante sugestivo para este momento ainda incerto de uma inquietação política e econômica. Dos destaques internacionais, participam a inglesa Other Criteria galeria fundada por Damien Hirst -, que desembala, em sua maioria, obras do próprio artista. White Cube e David Zwirner abrilhantam seus estandes com obras de Damien Ortega, Georg Baselitz, Yayoi Kusama, Josef Albers e Donald Judd. Já a italiana Continua destaca obras de Michelangelo Pistoletto, importante nome da Arte Povera. De Nova York, a galeria Cheim&Read trará três artistas mulheres centrais na arte da metade do século 20: Louise Bourgeois, Lynda Benglis e Joan Mitchell. Em sentido horário: Desenho bordado sobre lona de Bel Barcellos no Gabinete de Arte K2O, Fotografia de Flávia Junqueira e tela de Bruno Novelli na Zipper Galeria e óleo de Antonio Malta Campos na SIM Galeria.


A arte moderna será, mais uma vez, muito bem representada por galerias tradicionais como Hilda Araújo Escritório de Arte, que destaca óleo de 1970 de Alfredo Volpi, Galeria Rabieh com telas recentes de dois metros do artista inglês Julien Porisse e pela Galeria Berenice Arvani, com acrílicas da arte concreta de Lothar Charoux e Judith Lauand. A Fólio Livravia, além de obras de Mira Schendel e Julio de Parc, apresenta uma tiragem limitada de cem exemplares do livro "Objetos" incluindo dez serigrafias do artista Julio Plaza.

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ARTE MODERNA

ร esquerda de cima para baixo: Tela de Alfredo Volpi na Hilda Araujo Escritรณrio de Arte, Paulo Roberto Leal na galeria Ronie Mesquita, cromografia sobre aluminio de Carlos Cruz-Diez na galeria Raquel Arnaud e mandala de Mira Schendel na Fรณlio.


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ARTE MODERNA

De Curitiba, a Simões de Assis Galeria de Arte, leva obras de nomes como Gonçalo Ivo, Cícero Dias e José Bechara. Acrílicas sobre madeira de Abraham Palatnik e Ascânio MMM são os destaques. A paulista Pinakotheke Cultural expõe óleos de grandes artistas brasileiros como Emiliano Di Cavalcanti, Anita Malfatti, e Guignard, além de uma chapa de metal pintada de 1976 do americano Alexander Calder. Também de São Paulo, a Galeria Almeida e Dale que, este ano, apoia o lançamento do Instituto Rubem Valentim com doação de obra para o Museu de Arte de São Paulo (MASP). O evento acontece dia 6, às 18h30min no estande do artista Rubem Valentim, no novo setor "Repertório". As esculturas também marcam presença com obras do escultor italiano Victor Brecheret nas Galerias Arte57, Ricardo Camargo e Dan Galeria; Saint Clair Cemin na Bolsa de Arte; Cícero Alves dos Santos (Véio) na Galeria Estação e Jannis Kounellis e Joseph Beuys na Bergamin & Gomide.

Em sentido horário: Acrílica sobre madeira de Lothar Charoux na Galeria Berenice Arvani, Óleo de Julien Porisse na Galeria Rabieh, “Relevo Um” de Ascânio MMM na Simões de Assis e díptico de José Bernnô na Galeria Estação. Foto: João Liberato.


O setor Showcase, realmente dá um show à parte. O espaço, que fica no andar térreo, dá oportunidade a jovens galerias vindas de várias regiões do Brasil e do exterior, trazendo um frescor e respiro ao trajeto percorrido dentro da feira. Participam este ano, pela primeira vez, as Galerias Movimento e Cavalo, do Rio de Janeiro; Aura, de Porto Alegre; Periscópio, de Belo Horizonte, Luis Maluf, de São Paulo, e Via Thorey, do Espírito Santo. A Galeria Mamute, de Porto Alegre, expõe obras de Frantz e Pablo Ferretti, artista que já foi garimpado pela Dasartes em suas páginas, enquanto a Galeria Mezanino de São Paulo dispõe de carimbos de dimensões variadas da artista Giselle Beiguelman com uma pergunta impressa que fica pairando no ar: "Como é viver onde tudo aqui era?"

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SHOWCASE

Na pรกgina anterior: Fotografia de Jorge Mayet na Galeria Inox, รณleo de Felipe Scandelari na Boiler Galeria e tela de Frantz na Mamute. Abaixo: Site Specific de Reynaldo Candia na Galeria Mezanino e tinta sob madeira de Marcone Moreira na Periscรณpio. Foto: Mรกrio Grizzoli.


REPERTÓRIO A grande novidade desta edição fica com o novo setor "Repertório". Tendo a curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, o espaço é dedicado a obras de artistas contemporâneos nacionais e internacionais que transmitem a compreensão das práticas artísticas. Participam os artistas Michelangelo Pistoletto e Pino Pascali, ligados à Arte Povera; Richard Long, um dos mais importantes artistas ingleses da segunda metade do século 20; e Lothar Baumgarten, artista alemão com uma obra profundamente influenciada pela paisagem, história e cultura amazônica. Do Brasil, os destaques são o fotógrafo baiano Mario Cravo Neto, Rubem Valentim, Guilherme Vaz e Carlos Vergara, representado pela Galeria Ronie Mesquita do Rio de Janeiro.

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SOLO

Para a quarta edição do setor "Solo", os destaques ficam com as galerias estrangeiras como White Rainbow e Lamb Arts de Londres; espaivisor, de Valência; KOW e Plan B, de Berlim. A Richard Saltoun Gallery apresenta uma série de trabalhos da artista Renate Bertlmann. Um deles é a instalação "Urvagina", de 1978, composta por dez caixas acrílicas, cada uma com um cordão umbilical feito de látex.

Na página anterior: Pintura sobre vidro de Carlos Vergara, fotografia de Mario Cravo Neto e instalação de Lydia Okumura. Acima: Obras de Renate Bertlmann na Richard Saulton, Navid Nuur na Plan B e Bruno Cidra na Baginski.


JAPAN HOUSE

Antecipando sua aguardada inauguração no mês de maio na capital paulista, a Japan House passa primeiro pela SPArte. Participam as galerias japonesas Koyanagi, Mizuma e SCAI THE BATHHOUSE, de Tóquio; a Blum & Poe, de Los Angeles; a White Rainbow, de Londres, e a TAI Moderns, de Santa Fe. Os destaques vão para as dezenas de esculturas que ficarão espalhadas pelo espaço, de artistas como Mariko Mori, Hiroshi Sugimoto, Yoshitomo Nara e Jin Morigami. Yayoi Kusama, representada pela galeria Ota Fine Arts, de Tóquio e Cingapura, invade o setor com sua famosa obsessão pelas bolinhas coloridas, em uma tela de 2010 e um exemplar de suas emblemáticas abóboras gigantes.

Acima: Obra de Kohei Nawa, Abóbora de Yayoi Kusama e esculturas de Jin Morigami e Hiroshi Sugimoto.


DESIGN

A fim de repetir o sucesso de público e crítica de sua primeira edição no ano passado, o setor "Design" amplia o número de participantes reforçando a produção de mobiliário e objetos nacionais. Peças de artistas conhecidos do público como Sergio Rodrigues, Zanine Caldas e Jorge Zalszupin se misturam com outras de novos destaques da geração contemporânea como Zanini de Zanine, Jader Almeida e Irmãos Campana. Haverá também um novo projeto especial entre a designer Etel Carmona que, ao lado do artista Carlos Vergara, inicia uma conversa cujo objetivo principal é cruzar fronteiras e contar histórias entre o design de mobiliário e a arte. A coleção ETEL ainda reeditará seis novas peças de Lina Bo-Bardi que serão apresentadas exclusivamente no evento.

SP-Arte • Pavilhão da Bienal • Parque do Ibirapuera • São Paulo • 6/4 a 9/4

Acima: Banco cadeira de Felipe Protti, objeto simbiótico parede de Ale Clark | Nuno FS, Cabinet de Nat Wilms e Andrea Zambelli e poltrona balanço de Rodrigo Simão.


ANITA MALFATTI 100 anos depois


Vista do Fort Antoine em MĂ´naco , c. 1925. Foto: Jaime Acioli.


MOSTRA NO MAM SÃO PAULO CELEBRA CENTENÁRIO DA PRIMEIRA INDIVIDUAL DE ARTE MODERNA NO BRASIL

POR REGINA TEIXEIRA DE BARROS

Cem anos se passaram desde que a exposição de arte moderna Anita Malfatti alterou os rumos da história da arte no Brasil, por ser a primeira mostra reconhecidamente moderna realizada no país e considerada o estopim para a realização da Semana de Arte Moderna de 1922. Realizada no centro de São Paulo, entre 12 de dezembro de 1917 e 10 de janeiro de 1918, a individual da artista exibia 53 obras, sendo 28 pinturas de 54 FLASHBACK

paisagem e retratos, 10 gravuras, cinco aquarelas, além de desenhos e caricaturas. O conjunto representava um consistente resumo de seis anos de produção da artista, compreendidos pelos anos de aprendizado na Alemanha (1910-1913) e nos Estados Unidos (19141916), além de trabalhos realizados no regresso a São Paulo. Até então, a cidade de São Paulo só havia sediado mostras de arte de cunho acadêmico. A mostra de Anita foi recebida com assombro e curiosidade,


tendo visitação intensa e venda de oito quadros expostos, mas após a publicação da crítica de Monteiro Lobato intitulada "A propósito da exposição Malfatti", no jornal O Estado de S. Paulo de 20 de dezembro de 1917, boa parte do público concordou com as ideias do renomado autor, fazendo com que cinco obras compradas fossem devolvidas. Desde então, o nome de Anita ficou associado ao de Lobato. Adepto fervoroso da arte naturalista, Lobato desdenhou dos ismos da arte moderna (como expressionismo e cubismo), mas não deixou de reconhecer a competência de Anita elogiando o talento fora do comum e as qualidades latentes da jovem artista. No MAM, a mostra Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna conta com obras que abrangem diversos aspectos da produção, apresentando uma artista sensível às tendências e discussões em

A mostra de Anita foi recebida com assombro e curiosidade, tendo visitação intensa e venda de oito quadros expostos…

À esquerda: Meu irmão Alexandre, 1914. Foto: Leonardo Crescenti. Coleção Sylvia Malfatti. Acima: Tropical , c.1916. Foto: Isabella Matheus. Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo.


Academia XI, c.1917. Foto: Romulo e Valentino Fialdini.

A exposição tem como finalidade apresentar um recorte da trajetória de Anita, dividindo em três momentos…

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pauta ao longo da primeira metade do século XX. A exposição tem como finalidade apresentar um recorte da trajetória de Anita, dividindo em três momentos: os anos iniciais que a consagraram como o "estopim do modernismo brasileiro"; a época de estudos em Paris e a produção naturalista; e, por fim, as pinturas com temas populares. A exposição inicia com um conjunto de trabalhos realizados na Alemanha, seguido de retratos e paisagens expressionistas exibidos em 1917, que causaram grande impacto no, até então, tradicional meio paulistano, entre as quais os óleos sobre tela “O japonês” (1915/16), “Uma estudante” (1915/16), “O farol” (1915) e “Paisagem (amarela) Monhegan” (1915). Desse período também consta um conjunto de desenhos a carvão, composto de nus masculinos e retratos. Entre a primeira e a segunda parte da mostra, sobressai o interesse pela temática nacional, onde figuram trabalhos famosos como “Tropical” (c.1916), “O homem de sete cores” (1915/16) e “Figura feminina” (1921/22). Além desses, constam obras realizadas a partir do convívio com os modernistas como o pastel “Retrato de Tarsila” (1919/20), a pintura “As margaridas de Mário” (1922) e o célebre desenho “O


Interior de Mônaco, c.1925. Foto: Romulo Fialdini.

grupo dos cinco” (1922), que retrata os modernistas Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e a própria Anita Malfatti. No segundo nicho são apresentados os frutos dos anos de estudo em Paris, que representam uma fase mais naturalista em que são produzidas paisagens europeias como nas pinturas a óleo “Porto de Mônaco” (c. 1925) e “Paisagem de Pirineus”, “Cauterets” (1926), e nas

aquarelas “Veneza, Canal” (c.1924), “Vista do Fort Antoine em Mônaco” (c. 1925), somados a desenhos de nus feitos com linhas finas e suaves na década de 1920. São desse período também pinturas singulares como “Interior de Mônaco” (c. 1925) e “Chanson de Montmartre” (1926). Para finalizar, a terceira parte engloba trabalhos realizados nos anos 1930-40, época em que a artista se dedicou a 57


retratar familiares, amigos e membros da elite, além de temas populares. Destacam-se as obras “Liliana Maria” (1935-1937) e “Retrato de A.M.G.” (c. 1933), em que figuram sua sobrinha e o amigo Antônio Marino Gouveia, ambas com tratamento naturalista. Na primeira, o fundo neutro é substituído por uma paisagem à maneira renascentista; na segunda registra uma de suas pinturas que pertencia à coleção do retratado. Nessa fase, apresentam-se ainda paisagens interioranas e temáticas populares como em “Trenzinho” (déc. 1940), “O Samba” (c. 1945), “Na porta da venda” (déc. 1940-50). A mostra se encerra com pinturas aparentemente naif e reveladores da habitual ousadia da artista, em que utiliza cores fortes para criar espaços mais achatados como em “Composição” (c.1955) e “Vida na roça” (c.1956).

Regina Teixeira de Barros é curadora independente e historiadora da arte especializada em arte brasileira moderna.

Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna • MAM São Paulo • 7/2 a 30/4 60 FLASHBACK

Acima: O Homem de Sete Cores, 1915-16. Foto: Leonardo Crescenti e Grupo dos Cinco, 1922. Foto: Romulo Fialdini.



LIVROS lançamentos Guy Veloso, volume 6 Texto: Eder Chiodetto Ipsis Gráfica e Editora - 100 p. - R$ 50,00 Uma cultura imaterial existente, riquíssima, que emociona e transcende, assim Guy Veloso define as manifestações religiosas que fotografa há 30 anos, com especial destaque aos penitentes que cometem auto-flagelo, um dos destaques da 29a Bienal de Arte de São Paulo. Trabalho dedicado, vivenciado, fruto de uma pesquisa aplicada, que abriu um diálogo tão intenso entre autor e objeto fotografado que findou numa rara e extraordinária situação: “virei meu próprio tema”, diz o fotógrafo. O curador Eder Chiodetto, destaca a intensidade da imersão alcançada pelo fotógrafo com o tema de seu trabalho que ultrapassa a própria fotografia e remete ao transe, criando uma transcendência entre o autor e sua área de pesquisa.

Elza Lima, volume 5 Texto: Eder Chiodetto Ipsis Gráfica e Editora - 100 p. - R$ 50,00 Com um trabalho intenso permeado de inovações, ambos desenvolveram linguagens próprias que abordam temas densos: Elza evoca o onírico e faz uma narrativa de poética singular sobre a vida de ribeirinhos e caboclos amazônidas. A fotografia entrou na vida de Elza antes mesmo que tivesse consciência dela quando, ainda criança, descobriu fascinada dentro de um armário uma foto que o bisavô havia trazido da Europa. Ao retratar o interior da região amazônica ela relembra o rico imaginário vivenciado na infância ampliado com a leitura de clássicos, de obras sobre a Amazônia e de mitologia. 62


Escultura contemporânea no Brasil - Reflexões em dez percursos

Marcelo Campos Editora Caramurê Publicações - 420 p. - R$ 130, 00 O livro, que é resultado de três anos de intensa pesquisa do professor e curador carioca Marcelo Campos, será lançado no dia 11 no Rio de Janeiro (Casa França-Brasil) e dia 27 de abril em Salvador (Palacete das Artes). Convidado pela editora baiana para destacar, a princípio, um pequeno grupo de escultores, Campos contrapropôs, a partir de um primeiro levantamento, contorno conceitual mais abrangente. O editor Fernando Oberlaender aceitou o desafio que resultou em uma obra de fôlego, com suas 420 páginas e 300 ilustrações. Marcelo Campos mapeia a produção escultórica brasileira a partir dos anos 1960 sob dez critérios temáticos, entre eles, herança construtiva e geometria revisada, ritual, totemismo e ídolos, paisagem, casa e jardins, etc.

Guia de Arquitetura de Porto Alegre Rodrigo Poltosi, Wlademir Romam Escritos Editora - 232 p. - R$ 100,00 Porto Alegre, desde sua origem, passou por uma evolução urbana e arquitetônica cujos remanescentes preservados, aliados às novas edificações, permitem vivenciar as marcas de sua trajetória muito além de registros fotográficos e documentais. Para compor um panorama desse patrimônio, o Guia de Arquitetura de Porto Alegre reúne textos, fotografias e informações sobre 100 obras arquitetônicas, urbanísticas, paisagísticas, históricas e culturais da cidade. A publicação, registra os exemplares mais representativos, entre edificações como museus, igrejas, estádios de futebol, centros culturais. 63


RESENHAS exposições

Desenvolvimento da Street Art na Itália - Entrevista com Bros POR REBECCA MOCCIA Daniele Nicolosi al secolo, conhecido como Bros, foi um dos mais importantes autores da cena italiana do grafite. Atualmente envolvido em processos por crime de poluição e vandalismo da propriedade pública contra a prefeitura de Milão, contemporaneamente realizou intervenções no PAC (Pavilhão de Arte Contemporânea) e na EXPO 2015, em Milão; no MacRO (Museu de arte contemporânea de Roma), modificou permanentemente o espaço museal com uma obra sua; participou de exposições coletivas e individuais em numerosos espaços institucionais e galerias privadas na Itália. Bros: A cena do grafite milanês, no início de 2000, era uma das mais ativas da Europa, o contexto urbano era completamente invadido de sinais. A administração municipal decidiu então atuar em duas direções: a primeira, agravando as penas para a grafitagem; a segunda, descontextualizando

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completamente as obras, organizando a maior mostra de Street art na Itália. Rebecca Moccia: Trata-se da "Street Art Sweet Art" (PAC - 2007), realizada, porém, sem uma pré-seleção qualitativa por parte de pequenas realidades privadas como galerias ou espaços, não criando os pressupostos para a compreensão da escolha do suporte "rua" como elemento de uma pesquisa artística. Este curto-circuito levou os artistas, que tinham escolhido essa prática, a serem marginalizados pelo sistema da arte. De fato, a classificação "street art" para o fruidor, especialista ou não, hoje tem um significado unívoco: quem faz grafite na Itália parece não poder percorrer uma pesquisa no âmbito da arte contemporânea. B: Não há diferença, para mim, em considerar arte contemporânea uma obra realizada para ser exposta em um âmbito artístico tradicional, em relação a um trabalho realizado em um


lugar que nasce para uma utilidade diferente, como uma praça. Por exemplo, Osgemeos com "Efêmero" (2016), apresentado no HangarBicocca, de Milão, conseguiram modificar aparentemente a escala da estrutura, tratando o museu como suporte e como parte integrante da obra da mesma forma que o tema pintado. RM: Os grafites, inicialmente, modificaram a paisagem de forma disruptiva; depois, com o passar dos anos, tornaram-se parte da paisagem, perdendo a sua carga política e estética. B: Nos meus trabalhos, a carga política ficou no próprio ato de pintar, enquanto antes era representada. Escolhi considerar os grafites como paisagem a contestar. Nascem assim sinais pictóricos essenciais que são "escrita", mas não mensagem; intituleios "Nuovo linguaggio" [Nova Linguagem], uma série que compreende intervenções realizadas na rua de 2012 até hoje. RM: Fora das exclusivas classificações é, certamente, uma operação artística sobre a qual começar a refletir.

Rebecca Moccia é artista plástica e atua em crítica e eventos de arte. Vive e trabalha em Milão e Roma e se interessa pelo cenário artístico no Brasil.

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ANDRÉ AZEVEDO POR ELISA MAIA A produção do curitibano André Azevedo, que já trabalhou com moda e ilustração, transita por entre diferentes técnicas como o desenho, a pintura, a fotografia e a costura. Em todas elas, sempre houve o interesse pela superfície dos tecidos e o desejo de fazer com que eles se expressassem a partir do que lhes era específico, explorando suas possibilidades e experimentando com suas limitações e imposições. Para sua 66 GARIMPO

mais recente exposição, na galeria SIM, em Curitiba, André exibe obras que são o resultado dessa pesquisa com tecidos, especificamente com o linho, enfatizando a costura como uma forma de dar corpo e conferir materialidade às linhas do desenho, explorando os intervalos entre a bidimensionalidade do traço e a tridimensionalidade do objeto. "Utilizo a máquina de costura como uma máquina de desenhar, que aqui não cumpre apenas o seu papel de unir as partes mas de trazer a relevo traços


que organizam as superfícies", conta. Esses traços percorrem caminhos tortuosos que se prolongam, se entrelaçam, se interrompem, produzindo relevos e volume no espaço. Para a série tessituras, André investiga a estrutura de diferentes tipos de amarrações, desde os nós de marinheiro até as amarrações de tecelagens, que foram primeiro desenhados por ele e depois ampliados para servir de base para os bordados. As extremidades dos tecidos expõem o esgarçamento e a fragilidade do material e, por entre os espaços vazios das tramas, pode-se ver as telas, montadas com o mesmo tecido dos bordados, que servem de fundo para as composições. "Todo o trabalho é realizado dentro do ateliê, sou o responsável da montagem do chassi até o feitio dos bordados."

As extremidades dos tecidos expõem o esgarçamento e a fragilidade do material e por entre os espaços vazios das tramas pode-se ver as telas , montadas com o mesmo tecido dos bordados, que servem de fundo para as composições.

André Azevedo • SIM Galeria • Curitiba • 18/3 a 29/4

Elisa Maia é doutoranda do programa de Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ.

Tecitura, 2017.


COLUNA DO MEIO Fotos: Paulo Jabur

Quem e onde no meio da arte

Pedro Varela, Adriana Malfitano e Ronaldo Simões

Luciano Figueiredo, François Thiolat e Luciana Caravello

Pedro Varela e Márcia de Moraes Luciana Caravello Rio de Janeiro Beto Silva, Luciana Caravello e Patrícia Garcia

Ana Elisa Cohen, Alessandra Monteiro de Carvalho e Camila Siqueira

Raul Leal e Patrizia D'Angello

Fotos: Denise Andrade

Eduardo Oliveira, Cesar Fraga de Moraes e Fábio Szwarcwald eMárcia Gina Elimelek

Tamara Brandt Perlman e Myrine Vlavianos

Alice Floriano e Bruna Bailune

Abertura das Galerias Aura Arte e Alice Floriano São Paulo Claudio Waks e Lia Fajer

Cristina Sorrentino, Maria Clara De Sa e Fernanda Biancheri

Miguel Saint Yves e Bruno Batistela

Mario Gioia e Julia Flamingo


Fotos: Paulo Jabur

Márcia Barrozo do Amatal e Viviane Aguiar

Carlos Vergara e Ricardo Kimaid

Toz Galeria Movimento Rio de Janeiro Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Alencar e Elodie Viana eVera Ginade Elimelek

Toz e Luiz Aquila

Anna Kut, Beto Silva e Helen Morales

Ira Etz e Alexandre Ephivos Fotos: Paulo Jabur

Ângelo Venosa, Sérgio Sister, Waltercio Caldas e Daniel Feingold

Beny Palatnik, Gabriela Moraes e Vandinha Klabin

Sérgio Sister Galeria Nara Roesler Rio de Janeiro Ângelo Venosa, Marcos Chaves e Sérgio Sister

Nelson Félix, Marcos Chaves, Sérgio Sister, Gabriela Machado, Daniel Senise e Ângelo Venosa

Evandro Salles e Nelson Félix

Carlos Zílio, Suzana Queiroga e Ana Linnemann


Acima: Gustavo SperidiĂŁo na Galeria Mercedes Viegas. Abaixo: Gisele Beiguelman na Galeria Mezanino.


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