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VER-O-PESO POR O grupo de teatro HELLY PAMPLONA encenação INterpreta o ato da cabanagem

A GASTRONOMIA NO PARÁ POR ÁLVARO ESPÍRITO SANTO

revistapzz.com.br

AUGUSTO MEIRA EA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE BELÉM DOGRÃO PARÁ TEATRO

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FOTOGRAFIA

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MÚSICA

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LITERATURA l DOCUMENTÁRIOS

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ED. 23 MARÇO 2016

ISSN: 21768528

FILHO

INDÚSTRIA l ARTES VISUAIS www.revistapzz.com.br 1


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BELÉM DE TODOS NÓS. FELIZ 400 ANOS, BELÉM. Belém será sempre a nossa Belém, cidade morena e amorosa, cheia de cheiros, encantos e histórias. E de uma história que cada um de nós ajuda a fazer e a contar todos os dias, com o maior orgulho. Mas ela será também, e cada vez mais, a cidade mais importante da Amazônia, inspirando o Brasil e o mundo com suas belezas, seus sabores, sua cultura e com a criatividade da sua gente. Da nossa gente. Nos 400 anos de Belém, o Governo do Estado, que trabalha para melhorar a vida de todos os paraenses, reafirma seu compromisso de investir cada vez mais em obras e ações que ajudem esta cidade a cumprir seu destino de grande cidade: crescer com mobilidade, sustentabilidade e qualidade de vida. Parabéns, Belém. Parabéns, Pará.

BELÉM, MELHOR AOS 400 ANOS. MELHOR PRA VOCÊ.

GOVERNO DO www.pa.gov.br www.revistapzz.com.br 3


UMA HISTÓRIA QUE SEMPRE TERMINA BEM: EMPRESAS PARAENSES COMPRANDO NO PARÁ.

FIEPA: Unindo quem produz e quem compra, sem sair do Pará.

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O conhecimento é um grande parceiro de qualquer negócio. E é bom saber que, quando uma empresa paraense compra de outra empresa no Pará, faz o melhor negócio: fortalece o comércio e a indústria, melhora a arrecadação, gera empregos e o dinheiro circula dentro do estado. Os produtos chegam mais rápido, a confiança é maior e os impostos que você paga voltam em benefícios para a população. Muitos descobriram as vantagens de comprar no Pará, até quem não é daqui. Empresas nacionais responsáveis por grandes projetos no estado já compram mais da metade dos seus produtos de fornecedores paraenses, estimuladas pela iniciativa FIEPA/REDES. Este número pode crescer ainda mais. Escolha produtos paraenses para sua empresa, sua casa, seu município. Informe-se e comece a lucrar. Vamos juntos fortalecer a economia www.revistapzz.com.br do Pará. Comprou no Pará, lucrou.


EDITORIAL

#revistapzz23 A PZZ, guiada pela utopia de uma arte acessível a todos, de elevada qualidade, e não por modismos circunstanciais, traz uma linha editorial intuitiva, nutrida pela sensibilidade artística e de conhecimento, movida pelo sentimento de que a arte e a cultura re-significam o mundo. É nessas ações que encontramos a forma de criar, fazer mundos a partir dos mundos que temos dentro de nós. Nosso processo de difusão é emergir a qualidade do que se denomina de temporalidade transversal, que atravessa as linhas horizontal e vertical da temporalidade histórica. Alinhavar a memória da nossa identidade cultural e do inconsciente coletivo é costurar um mosaico crítico contemporâneo. Assim, como a música contém uma luz capaz de reacender a sua claridade a cada vez que é executada, a PZZ reacende a luz do que estava extinto ou esquecido, ofuscado ou sombreado pelo Mainstream. E na perspectiva de que alcançamos nossa 23 edição e Belém seus 400 anos de histori/ cidade, temos a honra de divulgar a pesquisa de Augusto Meira Filho que iniciou a elaboração do livro ‘Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará’ em 1964, escrevendo à mão em um caderno, e depois numa máquina de escrever Remington. Sua intenção, desde o início, era a de discorrer sobre a ‘evolução urbanística’ da cidade, desde 1616 até 1950. Parou em 1823, data da chamada ‘adesão’ do Pará à independência do Brasil. A primeira edição, logo esgotada, foi lançada no ano de 1976. Eram dois volumes somando 893 páginas, com ilustrações, mapas, cópias e transcrições de documentos sobre a história da cidade de Belém. A edição comemorativa foi lançada em janeiro de 2016 e celebra o centenário de nascimento do autor, e o quarto centenário de Belém do Pará. Com texto crítico introdutório de Aldrin Figueiredo, o livro é uma obra prima fundamental para conhecer a construção da cidade que inclui ilustrações reproduzidas dos séculos XVII, XVIII e XIX a retratar diversos aspectos de Belém reforçando sua função histórica, literária e educacional. Grandes telas históricas nascem com o destino da eternidade, tornando-se análogas ao evento que pretendem narrar. Parece contra-senso pensar que a vida longa de uma tela seja marcada exatamente pelo nexo do efêmero, da efeméride, do passageiro, do transitório. Neste sentido, Aldrin Figueiredo, investiga esse tema no artigo, BATISMO VISUAL: A BELÉM MÍTICA DE THEODORO BRAGA, enquadrando nos limites do centenário de uma tela histórica do acervo do Museu de Arte de Belém - A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, considerada desde a sua apresentação, há mais de cem anos, a obra-prima de Theodoro Braga (1872-1953). A história desse objeto de arte, imerso em diferentes memórias, remonta uma longa tradição da pintura histórica no Brasil das últimas décadas do século XIX. Não bastava, no entanto, ser bom pintor. Era fundamental o domínio da pesquisa histórica. O pintor teria se armar de historiador e vice-versa. Pintura e história, natureza e cultura: eis o encontro que revelou a obra prima de Theodoro Braga. O debate histórico é fortalecido com a historiadora Maria de Nazaré Sarges que revisita o mito de Antonio José de Lemos, pesquisando sua biografia e sua época, além de acompanhar a trajetória pública desse personagem e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado. Dando continuidade aos documentários sobre as representações do Ver-o-Peso na fotografia, depois do Pierre Verger e do Janduari Simões, destacamos o trabalho do Fotógrafo Helly Pamplona que aporta suas lentes no mercado do VER-O-PESO e registra as multifaces do maior mercado livre da América Latina, através de uma relação íntima de vivência e convivência, particular e histórica do ambiente fotografado e do ato fotográfico. Belém é o berço de muitos poetas e de outros que aportaram na cidade a traduzir seus encantos, mistérios, memórias e contradições. O site Cultura Pará, faz homenagem à cidade, com antologia poética de 22 escritores, a serem publicados no livro “Belém 400 Anos”. Pablo de Pão analisa as correspondências deixadas por Dalcídio Jurandir e nos permitem uma leitura abrangente de suas considerações sobre a realidade de Belém e do mundo.Maciste Costa enriquece com suas imagens diversos livros infantis para escritores locais e também fora do estado. Seus livros tem tido ótima aceitação na rede de ensino, onde são adotados como leituras paradidáticas. Seu trabalho se caracteriza pela temática amazônica, conheçam o trabalho desse autor. O grupo de teatro Encenação interpreta o Ato da Cabanagem no espetáculo “Cabano - Uma Viagem no Tempo”. Belém em seus 400 anos revive na peça um dos atos mais importantes da História Amazônica. O STUDIO Z vem realizando vários projetos musicais de excelente qualidade técnica e musical. Dentre eles o de Nego JO, Lari Xavier, Lívia Mendes, Rafael Azevedo e muitos outros que sairão nas próximas edições da PZZ. A fotógrafa Walda Marques, um dos principais nomes da fotografia paraense, muito conhecida pelos retratos, lança mais uma fotonovela. E para degustar uma leitura de expedição rumo à Gastronomia, quem fala da história da Gastronomnia no Pará é Álvaro Negrão do Espírito Santo, professor da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará e doutorando em Turismo e Cultura na Universidade de Coimbra. Enquanto o artista visual Almir Trindade inaugura a Galeria da PZZ. E para entender o contexto economico em que o Estado do Pará se encontra, o jornalista Evandro Flexa Jr. apresenta a versão executiva atualizada do estudo ‘Pará Investimentos (2015-2020)’ elaborada pela iniciativa da REDES/FIEPA - Inovação e Sustentabilidade Econômica, reunindo as principais previsões de entrada de recursos em território paraense a partir de projetos estruturantes para os próximos cinco anos e avulta cifras que a Cultura nem sonha para si um dia.

Edição 23| março 2016

Diretoria Executiva Carlos Pará e Fábio Santos Editor Responsável Carlos Pará2165 - DRT/PA Edição de Fotografia Adriana Lima Diagramação Carlos Pará Webdesigner

Andrey dos Anjos Computer to Plate Hélio Alcântara Revisão Final: Elias Teles Impressão Gráfica Sagrada Família Distribuição Belém, Pará, Brasil. Assessoria Jurídica Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 OAB-PA Contatos (91) 98335-0000 / 91 3249-5800

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Boa Leitura www.revistapzz.com.br 5


SUMÁRIO

literatura

08 lETRAS E PENSAMENTO

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POESIA

O site Cultura Pará, faz homenagem à cidade, com textos poéticos de 22 escritores, intitulada “Belém 400 Anos”.

música

ARTE

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studio z

O STUDIO Z vem realizando vários projetos musicais de excelente qualidade técnica e musical. Dentre eles o de JO RIBEIRO, LARI XAVIER, LÍVIA MENDES, RAFAEL AZEVEDO e muitos outros que sairão nas próximas edições da PZZ.

FOTONOVELA

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especial capa

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DUAS MARÍLIAS EMAMA-ME COMTERNURA

Maciste Costa, artista plástico, ilustrador e escritor de livros infantis, tem a capacidade de sintetizar momentos vivenciados do cotidiano e do mundo poético, que perpetuam múltiplas intenções e compreensões do que é a vida.

documentário

Augusto Meira Filho iniciou a elaboração de Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará em 1964, escrevendo à mão em um caderno, e depois numa máquina de escrever Remington. Sua intenção, desde o início, era a de discorrer sobre a ‘evolução urbanística’ da cidade, desde 1616 até 1950.

BATISMO VISUAL: A BELÉM MÍTICA DE THEODORO BRAGA por Aldrin Moura Figueiredo

história

Lançamento da Fotonovela ‘Duas Marílias em Ama-me com Ternura), da Fotógrafa Walda Marques.

LITERATURA /ARTE

O grupo de teatro Encenação interpreta o Ato da Cabanagem. Belém em seus 400 anos revive na peça um dos atos mais importantes da história amazônica.

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CORRESPONDÊNCIAS

Pablo de Pão analisa as correspondências deixadas por Dalcídio Jurandir e nos permitem uma leitura abrangente de suas considerações sobre a realidade de Belém e do mundo.

teatro

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TEATRO

literatura/arte

antonio lemos:

A historiadora Maria de Nazaré Sarges revisita o mito de Antonio José de Lemos, pesquisando sua biografia e sua época, além de acompanhar a trajetória pública desse personagem e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado.

ENSAIO FOTOGRÁFICO

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VER-A-CIDADE

O Fotógrafo Helly Pamplona aporta suas lentes em Belém no mercado do VER-O-PESO e registra as multifaces do maior mercado livre da América Latina, através de uma relação íntima de vivência e convivência, particular e histórica do ambiente fotografado e do ato fotográfico.


documentário Augusto Meira Filho

fotoensaio

ugusto ra Filho

galeria PZZ

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE BELÉM DO GRÃO-PARÁ Fundação e História 1616-1823

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ém - Pará

2015

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25/11/2015 15:09:22

INDÚSTRIA

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PARÁ INVESTIMENTOS

Uma versão executiva atualizada do estudo Pará Investimentos (2015-2020) foi elaborada pela iniciativa REDES/ FIEPA - Inovação e Sustentabilidade Econômica, reunindo as principais previsões de entrada de recursos em território paraense a partir de projetos estruturantes para os próximos cinco anos.

TURISMO

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BOLETIM DO TURISMO

O Boletim do Turismo do Estado do Pará, estudo inédito foi lançado, na Associação Comercial do Pará, pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) em parceria com a Secretaria de Estado de Turismo (Setur).

gASTRONOMIA

106 GASTRONOMIA NO PARÁ

Álvaro Negrão do Espirito Santo é professor da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará,onde fez a graduação em Turismo e o mestrado em Geografia e doutorando em Turismo e Cultura na Universidade de Coimbra fala sobre a Gastronomia no Pará.

capa Augusto Meira Filho iniciou a elaboração de Evolução Histórica de Belém do GrãoPará em 1964, escrevendo à mão em um caderno, e depois numa máquina de escrever Remington. Sua intenção, desde o início, era a de discorrer sobre a ‘evolução urbanística’ da cidade, desde 1616 até 1950. Parou em 1823, data da chamada ‘adesão’ do Pará à independência do Brasil. A primeira edição, logo esgotada, foi lançada no ano de 1976. Eram dois volumes somando 893 páginas, com ilustrações, mapas, cópias e transcrições de documentos sobre a história da cidade de Belém. A edição comemorativa foi lançada em janeiro de 2016 e celebra o centenário de nascimento do autor, e o quarto centenário de Belém do Pará. O conteúdo do livro é o mesmo da edição de 1976, mas enquadrado nas regras ortográficas e bibliográficas de hoje. Possui dez capítulos, que seguem uma ordem cronológica, notas, bibliografia e ilustrações. Incorporou modificações de forma, ajustes na exposição do texto, além de novo projeto gráfico, uma introdução crítica e o perfil do autor. Todos os acréscimos iconográficos têm o intuito de enriquecer com imagens o conteúdo da obra, e reforçar a sua função cultural e educacional. Um caso exemplar, entre outros, é a inclusão da planta mais antiga de Belém hoje conhecida, feita pelos holandeses em 1640, e descoberta recentemente no Arquivo Nacional da Holanda.Produzida via Lei Semear, essa edição de “Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará” conta com uma introdução do historiador Aldrin Moura de Figueiredo e texto sobre o autor assinado pela arquiteta Elna Trindade, admiradores do legado de Augusto Meira Filho, cuja biografia ilustrada também integra a obra, além de ilustrações reproduzidas dos séculos XVII, XVIII e XIX que retratam diversos aspectos de Belém. www.revistapzz.com.br 7


POESIA

Vasco Cavalcante

CIDADE poesiA

Em comemoração aos 400 Anos de Belém, o site Cultura Pará resolveu fazer uma homenagem à cidade com textos poéticos de 22 escritores que fazem parte atualmente do projeto, em uma publicação virtual e posteriormente em uma edição impressa, intitulada “Belém 400 Anos”

O

Cultura Pará tomou a iniciativa de convidar os escritores que fazem parte do site, à participarem de uma publicação virtual tendo como tema os quatrocentos anos da cidade de Belém, comemorado no dia 12 de janeiro de 2016. Com isso, 22 autores enviaram textos para compor esta obra de forte expressão poética e sentimental, com emoções bem variadas sobre o que representa Belém para cada um deles nos dias de hoje, com reflexos do passado e o desejo de se viver em um lugar mais humano, mais saudável e mais pacífico. Isso tudo nos leva à uma grande reflexão sobre o que somos como cidade e o que sonhamos diante das tantas mudanças que sofremos ao longo dos anos, gerando em cada um de nós uma certa ansiedade quanto ao futuro dos que vivem aqui e amam esta cidade. No dia de seu aniversário, foi lançado o livro virtual. De-

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pois iniciou-se uma campanha para a viabilização da obra impressa. Para isso, fez-se uma chamada em redes virtuais apresentando o projeto e a meta a ser alcançada, com total transparência para todos os seguidores do site. O Apoio veio

O Cultura Pará tomou a iniciativa de convidar os escritores que fazem parte do site, à participarem de uma publicação virtual tendo como tema os quatrocentos anos da cidade de Belém naturalmente, reafirmando a credibilidade dos que nos seguem e aprovam este projeto de valorização da arte e da cultura paraense como uma forma de melhor educar, desenvolver e criar senso crítico para viabilizarmos melhores condições

de vida social e cultural para todos. “Criado em 1997 pelo web designer e poeta Vasco Cavalante como uma página cultural para lançamentos de exposições e vitrine para os artistas da terra o site Cultura Pará cresceu e tornou-se não apenas fonte de pesquisa sobre a produção artística, mas verdadeiramente um guia para os que, ao longo desses anos, quiseram conhecer um pouco da produção de Belém e outros municípios paraenses, no que se refere à pintura, literatura, fotografia e teatro” certifica a fotógrafa e jornalista Maria Christina. Além das informações sobre as várias expressões artísticas da cidade, o site possui dados biográficos de artistas plásticos e escritores, e de vários museus e galerias da região. Há 19 anos mantém uma agenda semanal, contendo informações sobre eventos artísticos como shows, exposições, espetáculos e lançamentos de livros.


Muro Soledade Um silêncio de cimento atravessa a vida de mãos dadas com a morte. Do lado de fora uma voz afronta a fúria luminosa dos metais: carros e passos passos passos – soluções da pressa. Uma voz envolta em fúria e fuligem e saber qual boca a insinua, ultrapassa este gesto da ferrugem. Daqui não distingo forma alguma, se humana ou ave estranha vinda de um nunca mais. Vez em quando brilha entre a fenda do olvido, colorindo a falta com um abissal mistério. Uma voz insiste. Não reconheço sequer uma cor. Segue o dia, mar entre pedras, e na espuma alguma coisa, arfando seu soluço, afoga-se na praia de motor e passos – sem imprimir seu segredo. Do lado de dentro, uma oculta voz; que a todos, um dia, impõe a sua língua; une Babéis ao chamado irrecusável do tempo e lembra ao corpo, em sussurro, sua irrevogável sentença: – pasto para os cavalos alados do esquecimento.

JOSETTE LASSANCE Belém não é a mesma como aquela primeira casinha feita no caderno de desenho na sala de aula, na última fileira de carteiras da escola . A rua dos Mundurucus tinha uma pintura leve de asfalto onde caíam folhas das árvores, eu apanhava a folha e a fazia rodar no dedo. Um dia perdi a merendeira, abaixo da sumaumeira da Praça Batista Campos. Morava em frente ao Horto. Quando a chuva cai ainda sinto o aroma do limo que desprendia dos muros enquanto chovia, colhíamos taperebás enquanto chovia, olhava pela janela a vala cheia de piabas - nadando na claraboia do esgoto - Belém era doce A terra da rua engolia o sumo da manga – as salamandras corriam para esconder-se no escuro das pedras Andar na garupa de bicicleta às sete horas da noite – respirando o vento –enquanto os gordinis e os jeeps faziam seus barulhos de motor Dentro de mim cabia a infância – e Belém era a minha cidade – parecia tão larga A avenida Nazaré quando os blocos de carnaval passavam – vinha o diabo – lembro de seu rosto vermelho – os chifres – o rabo e um tridente –puxando o bloco dos sujos. A fantasia dos bobos - Era tão bom ser bobo Belém faz 400 anos – mas, ainda é uma menina Que fantasia – viver de um passado. A fantasia dos bobos. Que presente para nossa cidade caberia em nossos bolsos? A pedrinha da Canção: - Se essa rua, se essa rua fosse minha...

FOTO: LUIZA CAVALCANTE

MARCÍLIO COSTA

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Autores que estarão na plaquete, apresentados em ordem alfabética, exatamente como estarão apresentados no livro: Ademir Braz, Airton Souza, Alfredo Garcia Bragança, Andreev Veiga, Antônio Juraci Siqueira, Antonio Moura, Aristóteles Miranda, Dand Moreira, Daniel Da Rocha Leite, Joãozinho Gomes, Jorge Andrade, Jorge Henrique Bastos, Josette Lassance, Laura Nogueira, Lilia Chaves, Marcílio Costa, Paulo M Nunes, Paulo Vieira, Pedro Vianna, Rosângela Darwich, Vicente Franz Cecim e Vasco Cavalcante. Nesta edição especial da PZZ sorteamos 10 autores. Foi realizado uma campanha bem sucedida para viabilizar a edição impressa do livro com previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2016. O projeto/homenagem do site à Belém é uma iniciativa louvável do site Cultura Pará que divulga a riqueza e a diversidade cultural da cidade há 19 anos. ••• Copyright © Cultura Pará, 2016 Belém 400 Anos Editor Vasco Cavalcante Projeto Gráfico / Capa Vasco Cavalcante Foto da Capa Luiza Cavalcante

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POESIA

II Outubros florescem na hóstia das palavras, no suor das promessas, nas hostes dos gestos, no sal das horas. III Outubros naufragam no sal do suor de horas e promessas, romaria de hóstias à flor das palavras. IV Outubros caminham na floração das horas, no suor das hóstias, no sal das promessas, à sombra das palavras. V Sob o silêncio das horas, sob as vestes das palavras, sob o sal do suor das genuflexões, outubros vivificam em Belém.

ROSÂNGELA DARWICH A cidade tem patas e asas e quando mergulha respira debaixo da água. O céu que amanhece a cidade é feito de flores, esta floresta. Os faróis anoitecem as ruas e os passantes de todas as épocas recolhem conjuntamente o azul.

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I Outubros nascem na hóstia das horas à flor das promessas, no sal do suor da romaria dos gestos.

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(Dalcídio Jurandir)

Para Maria de Belém Menezes e Maria do Céu De Campos Jordy

És casa, sim e me desvelas à beira do teu abismo. És casa, fui e voltei, Sinal afoito de um reparo no assoalho (tábua amarela e preta): fruto da mangueira e o paneiro para pegá-la. Obturas, casa, sem eira nem beira, os ontens meus, Arsenal, sinais da vacaria, Hospital onde nasci, o Recreio da Armada sob auspícios do Paco, Hoje, fincamos nossa nau no bar do Bacu para beijar o luar.

Casa combalida, tresoitada, Malacabada fome, mofina de arquiteturas banguelas. Se me convertes no teu rio eu te assovio, barro sobre sabre, bairro do Umarizal dos pretos e nem mais aquela flâmula encarnada na esquina. Não à vela de Nossa Senhora das Candeias na janela da casa de palha Não ao batuque de Ogum-Jorge, mestre de meu pai, Lança e poder de me nominar.

ARISTÓTELES MIRANDA

Fragmento Busco teus rastros nos barrentos rios da memória (restos?) Num tempo (sem charme) De ferro, grades e alarmes. Um tempo de fel, de sangue e de sombras. Onde as praças europeias, os casarões faustosos, as calçadas brancas de lioz, os tuneis de mangueiras e os luares de antigamente -ascarroçasdoleiteiroamorcegar nastardesdainfância– fogueiras,petecas,piões,baladeiras,papagaiosqueseempinava, carrossel, carrocinha, cavalinhos, roda gigante, Festa de Nazaré? em que cidade se perdeu para sempre a minha cidade outra foto na parede? De que casa se já não as há? mesmo assim, meu coração coagulado de ternura observa a memória vomitando os iníquos fatos destrava em desavir e perplexo ainda te procura

Cidade, és o banho de cheiro de minha avó vinda de longe, o Marajó. És a “tienda” da outra, a das castanholas. Cidade: pés, sovela e a agulha de meu avô, o sapateiro. Ainda guardas os envelopes de papel de cheiro do Pará da tia que cruzava tuas esquinas? A máquina Singer da mãe ainda tramela seus moldes e bainhas numa rua tua, fantasma. Casa, se não tens mais castanheiras

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Belém já não é a imagem que passa nas retinas na dialética de quadro e parede é a força de caladas estátuas na praça da república é as paredes de outros séculos a mastigar solidões durante as chuvas das tardes Belém é o muro do poeta & algumas linhas subscritas de apressados homens e mulheres enfáticos de atravessar alardes e o relógio de sina impassível que rasga ecos na praça enquanto no cais da baía do guajará barcos surdos arquitetam estórias de amor, desamor e a força de naufrágios o poeta tira da garganta o pó da história de outras beléns.

VICENTE CECIM Para alegrar uma rua deserta e é Assim que habitas uma Meditação de Estrelas e Árvores e se apagando ao teu redor Onde não todos choram juntos não Todos riem juntos, e Não se sabe até Saber: que uma Lágrima é Meditação de Tudo E o Riso: Meditação de Tudo e são esses os Dons Escuta: O Eco, o sermos

O sorrindo chora O chorando ri

ANDREEV VEIGA

dentro da noite terrível o ar que chega com o voo pousa na palavra sitiada, tempo confins do agora abrindo a cidade para instrumento, excremento assombro que pensa ser dentro de mim, alimento cego que roga a distância dentro da manhã quente e destruída por um sono inviolável por uma cabeça soluçante orbitando o ar quente da boca num dia de janeiro visão de infernos! a chuva escorre pela calçada as luzes que agora são trevas

ANTONIO MOURA Após o dilúvio Pela manhã, após o dilúvio, a lama nas calçadas, os cacos de trovões no chão, o silêncio branco do céu ensopado em gaze, as casas de lodo e as alamedas disparando seus alarmes, os caranguejos caindo dos ninhos das árvores e as aves, no solo, querendo refazer o voo ao peso do barro e das h’eras sobre as asas, o navio encalhado no topo de um telhado, os animais estátuas sob a argila crosta à beira do mar morto de sede bebendo vento nas mãos em concha da areia, os jardins, Ó, os jardins desabrochando em lodo, o sangue das crianças jorrando das torneiras dos palácios e correndo em sarjetas para os esgotos, o sol lambendo a pele das cobras que – relâmpago – agora mudam de casca e pendem entrelaçadas nos parapeitos dos edifícios entre as flores entre abrindo as pálpebras de musgo para o arco-íris refletido nos olhos do rosto sobrevivente que aspira o ar, ainda úmido, após o dilúvio

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AIRTON SOUZA

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POESIA ALFREDO GARCIA BRAGANÇA

Participar da plaquete comemorativa dos 400 anos de Belém, organizada pelo gestor do site Cultura Pará, poeta Vasco Cavalcante, é um privilégio. O poema “Outubros em Belém”, já premiado pela Academia Paraense de Letras no Concurso de Poemas Para Belém com o primeiro lugar, quer traduzir esta religiosidade inata do paraense, sua devoção que mescla arte, festa e religião.

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AIRTON SOUSA

Esse poema traz uma dupla homenagem. Primeiro, a homenagem direta a cidade de Belém, um espaço sonhado, como a geografia sublime, dos paraenses que nunca puseram os pés em solo belenense. A segunda homenagem é direcionada ao poeta Paulo Nunes, um homem que mostra a força poética de Belém em muitos de seus versos. Aqui nesse poema é possível ver que esse é um diálogo com um dos poemas de Drummond. Mas, com o peso do contrasenso. Esse é na verdade um poema de lugar. Esse livro/plaquete foi sem sobra de dívidas um dos grandes presentes que Belém recebeu. Porque esse projeto traz a tona diversas vozes poéticas, grande parte de rara dicção, para uma homenagem direta a cidade de Belém. O Site Cultura Pará e o seu idealizador Vasco Cavalcante estão de Parabéns pela grande iniciativa.

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ANDREEV VEIGA

“dentro da noite terrível”, é algo que vivo: a cidade como terminal para se construir um novo dia. Um “sono inviolável” que me permite abrigo. Um porto. Um conflito que caminha lado a lado do que me separa e do que me torna anônimo das coisas que faço: um flâneur que caminha com a intensão de experimentar a cidade, como bem disse Baudelaire. A literatura é a chave para compreender que a linguagem da vida é suscetível a outro hemisfério, o da poesia. E esta se faz presente em vários estilos nesta plaquete que tem como objetivo homenagear Belém. Gerações se cruzam no intuito de criar/recriar a voz que irrompe com a arte.

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ANTONIO MOURA

“Não há como explicar um poema. Ainda mais quando se destina esta inglória tarefa ao próprio autor. Seria como pedir a um pássaro para falar sobre o seu canto. Então, prefiro passar a palavra a Paulo Ferraz, referindo-se a edição em catalão de Após o dilúvio. “Sua poesia, recolhida em Després del diluvi, não nos convida a passear por uma paisagem tropical, antes ela nos arrasta para uma viagem pela linguagem, pois Moura emprega os recursos mais radicais para dar suporte a um torrencial discurso, mesmo que fragmentado ou enigmático, que articula sob o signo das águas um caudaloso pensamento filosófico que abarca mitos e cosmogonias do Ocidente e Oriente. Como resultado, temos uma poesia inventiva e exuberante que, tal como os rios amazônicos em suas cheias, arrasa o que está em sua frente, extravasando suas margens, cuja aparência é a da destruição, mas cuja essência é o renascimento, a fecundação. Sua poesia, ora límpida e ora turva, ora mansa e ora bruta, faz com que novas vidas brotem da lama que sobra de nossa rotina.”

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ARISTOTELES GUILLIOD DE MIRANDA

O poema é uma obra aberta. O que autor quer/quis dizer fica a critério de quem se aventurar no jogo. Mas arriscaria que “Fragmento” é uma anti-ode(?) a Belém, por seus desv(ar)ios; o ritual da memória em busca da (impossível) era de ouro, com direito à compaixão a/final.

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ROSÂNGELA DARWICH

Um poema é quando imagem, ritmo e emoção se disfarçam de palavra. O poema que fiz e que consta da plaquete em homenagem aos 400 anos de Belém se mistura com ela e gosto de compreender todos os versos de todos os autores ali representados como diferentes cantos e espaços da nossa cidade. Tudo se complementa, tudo reflete e comemora.

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PAULO NUNES

Meu poema é ao mesmo tempo uma homenagem a Belém e uma biografia calcinada na minha memória pessoal. Sou leitor da cidade na medida que ela me lê e me constrói. Integrar esta plaquete é uma honra pra mim. Veja, salvo engano, a antologia - homenagem do Cultura Pará reúne um timaço de grandes escritores do Pará. A poesia ganha em volume e densidade quando reúne bons autores, e a Belém quatrocentona é contemplada com a boa literatura. Estamos todos de parabéns com a iluminada ideia de Vasco Cavalcante.

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VICENTE CECIM

O que eu quis dizer com esse poema é apenas o que o título dele por si mesmo diz: cintilou em uma esquina real da cidade e foi captado na hora e escrito assim como é.

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JOSETTE LASSANCE

O poema que fiz para Belém tem um cheiro guardado na memória afetiva de quem viveu sua História de florestas, Matintas e fantasmas. Tenho uma fantasia: Que Belém volte a ser doce. Estou feliz e honrada em participar da Plaquete 400 anos sobre a cidade que merece ser amada por todos nós.

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MARCÍLIO COSTA

O poema nos coloca diante da transitoriedade da vida. Parte de um espaço referencial da cidade, o muro do cemitério soledade, para abordar a algaravia e o silêncio, movimento e quietação, vida e morte dentre outras coisas que o poema guarda em suas camadas. Não como contrários, mas como instancias que movem a máquina do mundo, da vida. A iniciativa de reunir várias vozes poéticas numa publicação sobre os 400 anos de Belém, propõe uma maneira original de pensar a cidade. ( Poesia é sempre origem). A plaquete “Belém 400 anos” oferecenos um caleidoscópio cujo movimento das páginas expõe abordagens únicas e múltiplas a partir da diversidade poética que essa publicação pretende. Um mapa, uma cartografia poética sobre Belém.

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LITERATURA/ ARTE

Pablo de Pão

cartas

dalcidianas as correspondências deixadas por Dalcídio jurandir nos permitem uma leitura abrangente de suas considerações sobre a realidade de Belém e do mundo. páblo de pão analisa cartas em que o romancista enviou e recebeu com familiares e amigos revelando a sua grandeza poética propícias à conservação da memória artística e da dignidade humana.

O

s escritores brasileiros, até 1922, reentoavam modelos, ruminavam fórmulas de escrita, preescreviam modelos e nuances do bem escrever. Mero desencantamento! Fim confuso de uma metodologia que funcionava sob as luzes do Velho Continente, mas não trazia a brasilidade típica de nossos artistas, latejante em nosso povo. Eram marionetes que repetiam sistematicamente, em dinâmica de eco, uma organização e uma rede ideológica que nem de perto esbarrava em sua experiência. Experienciar, um bom verbo para começar este artigo. Não pretendo me deter em uma obra ou esgotar um tópico narrativo. Estes são os registros de alguém que, apaixonado pela “assinatura” brasileira (leia-se por “assinatura” a capacidade de impressão da autenticidade em um ato ou registro), foi impressionado já na primeira leitura dos escritos de Dalcídio Jurandir. Almejo um texto entrecortado mesmo, que funcione à guisa de incitação e não de fechamento – estratégia também utilizada pelo autor paraense. Quando

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narra seus enredos, Jurandir interpreta aspectos sociais na gente de seu Pará não com aquela linearidade sisuda, mas com a liberdade e a habilidade de alguém que também é fruto da terra, que a vive, a experimenta. Quando em 1922 o quebra-cabeça literário se monta, culminando naquela

Na realidade, ao analisar as correspondências remetidas e recebidas por Dalcídio, podemos entender, em linhas gerais, a sua perspectiva de Marajó, enquanto zona de conforto em que foi criado, e Belém, a “cidade grande” para a qual os estudos fatalmente o levariam – e levaram. Semana de Arte Moderna que alargou a visão de mundo e pleiteou novas plataformas de criação em arte, os literatos bebem da fonte do povo, das histórias e dos modos de um falar brasileiro, fragmentado, mas que não marca (ainda)

regionalidades. Aqui está o menino Dalcídio, nascido em 1909 na Vila de Ponte de Pedras (Ilha de Marajó, PA) e criado em Vila de Cachoeira, na mesma ilha. Embora nada saiba do que acontece lá no centro ideológico do Brasil, a cidade de São Paulo, seu destino estava sendo traçado criativamente. Na realidade, ao analisar as correspondências remetidas e recebidas por Dalcídio, podemos entender, em linhas gerais, a sua perspectiva de Marajó, enquanto zona de conforto em que foi criado, e Belém, a “cidade grande” para a qual os estudos fatalmente o levariam – e levaram. Em um país de educação historicamente precária, eram apenas os grandes centros urbanos (em maioria, as capitais) que ofertavam um ensino de qualidade. Pena não terem hábito, neste tempo, de adolescentes registrarem suas memórias em cartas! Pego de empréstimo, desta monta, o menino Alfredo, protagonista de nove entre os dez títulos que compõem o chamado “Ciclo do Extremo-Norte”, “depoimento agreste e íntimo das coisas e gentes de Marajó e Belém do Pará” (Dalcídio


FOTO: ACERVO CASA DE CULTURA DALCÍDIO JURANDIR

Jurandir discursando ao receber da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 29 de junho de 1972). Este termo caracteriza a saga da personagem citada de sua infância ao retorno enquanto jovem. Seus medos, suas memórias de vida, suas conquistas são construídas quadro a quadro, livro a livro. Cada título é uma unidade que, aproximada das outras, gera uma maior – a vida de Alfredo. Focalize aqui, neste primeiro momento, as expectativas e a apreensão do infante ao se debruçar sobre uma cidade rodeada de expectativas e de desafios – saía da barra da saia da mãe, fiava-se a descobrir um mundo novo. Esta nova realidade trazia ao escritor um de seus definitivos escopos: repleta de sonhos e de mitologias, Belém era uma cidade viva, com todos os defeitos que se pode ter nesta louca maquinaria civilizatória chamada sociedade. Os olhos do menino se desprendiam de um mundo baseado em narrativas que não eram ficção – Cobra Norato, o Boto, Matinta Pereira existiam, existem! O que

As correspondências deixadas por Dalcídio nos permitem uma leitura abrangente de suas considerações sobre a realidade de Belém. se apresentava agora eram as temidas pessoas, personagens de uma realidade hostil e pouco lírica, buliçosa. O intelecto humano é uma complicada rede de imaginários e de hierarquias. Ler Dalcídio é, de certa forma, perceber certos mecanismos sociais. Em 1929, depois de uma ida rápida e frustrada ao Rio de Janeiro para tentar nova vida, o escritor já estabelecia a primeira versão de seu primeiro romance, Chove nos campos de Cachoeira. A literatura, antes tão engajada em estabelecer uma comunicação brasileira e afrontar a tradição, trazia uma visão mais regionalista, assumindo que o estilo deveria prevalecer sobre as estéticas. No período imediatamente após 1930, segundo Alfredo Bosi (2006, p.386), “grosso modo, o panorama literário apresentava, em primeiro plano, a ficção regionalista, o ensaísmo social e o aprofundamento da lírica moderna no seu ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do eu à sociedade e à natureza”. Esta alcunha mais comprometida com a análise

social serviria para Dalcídio Jurandir colocar em seu Alfredo todo o desapontamento que Belém o causara – a cidade, as pessoas da cidade, eram falhas. Bosi (2006, p.426) reconhece na obra do escritor “mais complexo e moderno de todos” os amazônicos “um inegável valor documental”. Neste sentido, as correspondências deixadas por Dalcídio nos permitem uma leitura abrangente de suas considerações sobre a realidade de Belém. Ao ler as anotações e o material, disponíveis em parte na Casa

AMIGOS DE BELÉM A imagem acima exibe o escritor em Belém e foi divulgada no Jornal Dom Casmurro como a do ganhador do Norte. Dalcídio envia a foto à sua esposa, com dedicatória: “Para Guiomarina como recordação de junho de 1940”. Quando recebe no Rio de Janeiro o Prêmio Vecchi – Dom Casmurro por Chove nos Campos de Cachoeira www.revistapzz.com.br 15


Cartas de Dalcídio, da prisão (1937):

Guiomarina, É preciso não perder nunca o entusiasmo de viver. Você deve saber que é moça e sabendo qual hoje é o caminho da vida a seguir, deve ante o sacrifício e a desgraça, a brutalidade da reação sanguinária e famacenta, ser perseverante e alegre como uma lutadora. Não desespere. Lembre-se de milhares de mulheres que têm maridos, irmãos, noivos, namorados e filhos presos, torturados, assassinados. Lembre-se da heróica Geni Gleizer que foi violentada nas masmorras paulistas e da Olga Prestes encarcerada nas hediondas prisões de Hitler. Lembre-se que as mulheres na Espanha estão na vanguarda da luta pela libertação do povo, pela defesa da democracia e da cultura, pelo futuro de seus filhos e do mundo. Portanto deixe de desanimes e de preocupação pequeno-burguesa de ser feliz porque tem um cantinho sossegado etc. Não. Encare tudo isto com serenidade. Já passamos dias piores aqui. Agora é canja pra nós. [...] Não receie de nada. Confie em si. O desalento é um mal que esgota todas as forças morais. Confie em si própria e venha sempre pronta a enfrentar todas as dificuldades e as brutalidades. Tudo passará. O lodo da reação os confundirá. Você deve se orgulhar de pertencer a esta época. Você teve os olhos abertos, tem sofrido e lutado. Agora sabe qual a direção a tomar na confusão geral. E basta saber para ter fé em si própria, não desesperar e não se abater. "Só os fracos se abatem." Não estou eu aqui com tanta coisa a fazer e preso? Eu me rio deles porque são mais dignos de lástima que de ódios. A estupidez é tanta que eles se devoram a si próprios... [...] Mandei chamá-la pra ler isto e ter fé em si própria! Fé! Nunca perder a fé! A mocidade quando chega a ter consciência do futuro e do papel a representar nesta época deve se encher de uma alegria tão forte e bela como o mais belo dos heroísmos.

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Guiomarina - Os livros que recebi um é de Nicolau Gogol - e outro do nosso Dostoiewsky. Deste já lemos na A novela - as etapas da loucura - no livro tem o título Nietótchka - o nome da filha do músico louco. Quando te mandar creio que deves ler. A gente sempre se deixa empolgar pela paixão que ésem limites em Dostoiewsky. Acabei de ler a novela de Gogol que achei magnífica. Gogol é da mesma linhagem dos Tolstoi, Gorki, Dostoiewsky. Inteligência mandarei domingo com os artigos assinalados, muitos bons para você ler. Creio que você, apesar de todos os tropeços aí, deve aumentar sua curiosidade pelas questões que se debatem na Inteligência, assuntos relativos a nutrição, alimentação, ciência em geral. Você agora com a idade deve enriquecer mais o espírito e não ficar parada. As cartas que lhe escrevo não são mais que continuação das conversas e discussões que temos, [...] Do Dalcídio

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Guiomarina Vão dois livros e a carta magnífica que Machado Coelho me escreveu. Estou com o corpo mole, Resfriamento. Tinha de ser. Como vai João Sérgio? Mandou pesar? Não se descuide dele. Para o meu resfriamento creio que só amanhã, o médico. Estou aqui há 50 dias, sem que a polícia saiba ao certo porque me deteve, e atirado a um xadrez onde o mínimo que posso adquirir é uma pneumonia. Seja calma e forte, O atual chefe de polícia bem sabe que a minha prisão foi uma coisa injusta e por isso mesmo produzida pelo ódio gratuito de gratuitos, anónimos adversários meus. Não tenho escrito nada. Meu livro encalhou. Estou num grande mar de tédio hoje. Creio que é a gripe. Mas ao mesmo tempo que o tédio me enche as horas sinto-me sereno como pronto para receber tudo desde uma pneumonia até uma carta qualquer que algum cretino me escrevesse. Creio que estou até estúpido hoje. Ou melhor, um pouco fatigado. A fadiga é um começo de estupidez... Então João Sérgio é doido pela rua, não? Ainda bem. A rua é o mar alto das cidades, é o rio onde corre a vida mais intensa e onde se colhe na experiência dos homens, a perfídia, a estupidez e a miséria dos homens... Mas a rua para o João Sérgio não vem dos homens, vem das coisas que sabem ser mais humanas, vem das árvores e das pedras, do sol e do céu que parece ondular em cor e em ritmos de asa, indiferente, sobre a cabeça dos homens... Adeus, um abraço, um beijo sem gripe no Sérgio. O meu tédio é, ainda, uma forma de alegria. Mesmo o nome do meu filho lembra sempre a alegria...

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FOTO: ACERVO CASA DE CULTURA DALCÍDIO JURANDIR

de Cultura Dalcídio Jurandir (Niterói, RJ), é corroborada a sua apreensão e o seu desencantamento frente a uma cidade que fora tão almejada, sobre a qual o povo tece expectativas de vida melhor e de reflexo do MODUS VIVENDI. Esta abordagem foi enriquecida por um currículo em que constam cargos públicos e colaboração em muitos jornais locais. A perspectiva dalcidiana é jornalística, do cronista, do observador social. Com uma linguagem popular, assume um posicionamento muito claro de valorização e de necessário resgate de toda uma cultura ignorada e empresta suas letras para representar um pedaço de Brasil quase em caricaturas. Quando se pensa na Amazônia, “região à margem da margem” (NUNES In LEITE, 2006, p.48), no Norte rico e versificado nas narrativas orais, parece haver uma uniformidade do discurso: vastos biomas e muitas lendas. Tudo verdinho, com troncos variados e muitos bichos escondidos. Tudo criatividade, justificativas míticas. Para o índio e para o ribeirinho, não. E

esse é o maior desafio de um leitor dalcidiano: entender que não se está falando em verdades ou mentiras ou em um mundo distante. Ali é Brasil, com uma convivência menos contaminada pela URBS confusa, supostamente centro do país. As explicações que dependem do festejado folclore de 22 de agosto não são invenções, mas leituras de um mundo palpável. Assim, o exotismo é falho e limitador – abra nossos olhos, “riomancista”. UMA CIDADE EM PAPEL Cartas e livros são tradicionalmente feitos dos mesmos componentes: papeis e palavras. O ato de escrever é já uma tentativa de sistematizar dados, portanto história manipulada, arquitetada por uma consciência. Ao escrever, o indivíduo coloca um tanto de si e um tanto de interpretação – totalmente ficcional ou baseada em fatos reais. E há tanto valor nisso! O estudo de escritos humanos deve sempre considerar a multiplicidade de fatores que concorrem para um ato de criação – falar de gente parece ainda mais difícil.

DALCÍDIO NA PRISÃO No Pará, em 1937, por conta dos ideais comunistas e do vínculo à Aliança Nacional Libertadora -ANL, foram novamente presos Dalcídio Jurandir e Ritacínio Pereira (irmão de Dalcídio), e outros camaradas, no Presídio São José, onde atualmente funciona o Polo Joalheiro. Alfredina, irmã de Dalcídio, também participava, embora disfarçadamente, da vida política, levando bilhetes de Dalcídio e Ritacínio a ativistas políticos de esquerda, e chega a ser apresentada a Luís Carlos Prestes em Belém, pelas mãos do irmão. Em 1937 também, aos onze meses de idade, morre Alfredo, seu primeiro filho.

Diz o imaginário popular que, ao apontar um dedo para a análise do outro, está-se apontando quatro outros para si mesmo. De certa forma, ao revelar o outro, realmente deixa entrever virtudes e descuidos, desejos e afastamentos. Principalmente ao analisar o material de um homem das letras como foi Dalcídio Jurandir, hábil na elaboração de seus períodos prosaicos, por isso latentes. Ao se deter em uma obra que tem uma abordagem nitidamente social, é comum e apropriada a interpretação de ser uma espécie de retrato, de registro de algo que se viveu. Cartas e obras, registros de uma gente em um tempo. Vicente Salles (In: JURANDIR, 1978) chancela: “Não é possível escrever a história social paraense sem o conhecimento da obra de Dalcídio Jurandir”. Dalcídio é um cotejador entre memórias muito pessoais e uma apresentação competente da dinâmica de seu tempo. Afinal, “nas nossas narrativas de vida há uma ambiguidade entre o imaginário singular e o imaginário coletivo e entre eles não há fronteira que os defina ou separe sem que um já esteja com as marcas e as pistas do outro” (PORTO, 2010, p.19). Assume este estudo que o menino Alfredo, nome do pai de Dalcídio Jurandir e de seu primogênito, protagonista do Ciclo de sua obra literária, registra impressões do mundo que o menino Dalcídio trazia. Sem estabelecer uma visão extremista da literatura alienada nem totalmente comprometida com a verdade, sabe-se, com Aguiar e Silva (1973, p.276), tratar-se de um “cronótopo”, ou seja, uma atividade situada em determinado tempo e lugar históricos e, por isso, entrevê marcas autorais. Desta forma, a cidade de Belém comwww.revistapzz.com.br 17


FOTO: ACERVO CASA DE CULTURA DALCÍDIO JURANDIR

LITERATURA/ ARTE AMIGOS DE BELÉM Os amigos de Belém - na ordem, Juracy Reis Costa, Mário Couto, Francisco Paulo Mendes, Lourival Damasceno - e Dalcídio. to com a cidade se dá principalmente pelo sonho da mãe, dona Amélia, de retirá-lo do ambiente hostil que já arde no primeiro capítulo de Chove nos campos de Cachoeira. O cenário de Cachoeira é marcado pelo contraste entre as inundações, quando aquela vontade do envio se acentuava, e a queima dos campos, marcando o período complicado do Ciclo da Borracha. Vale ressaltar, neste estudo, que, na vida cotidiana, o que se experimenta é uma Belém em transição: com o declínio do Ciclo, a vida das pessoas não é apenas afetada econômica, mas socioculturalmente. O protagonista não estabelece uma relação de identidade com Belém, o que vai ser agravado pelo descontentamento que as pessoas causam. BELÉM REAL Quando, em 1940, Dalcídio Jurandir recebe o Prêmio Vecchi – Dom Casmurro por Chove nos campos de Cachoeira, registra

Quando, em 1940, Dalcídio Jurandir recebe o Prêmio Vecchi – Dom Casmurro por Chove nos campos de Cachoeira, registra que, fora de Belém, sua fama é reconhecida. põe o universo ficcional do leitor dalcidiano – seja das cartas, seja das obras. Para tanto, é essencial identificar dois momentos de apresentação: um primeiro, brevemente já apontado neste estudo, marcado pela antevisão de Belém, uma cidade em expectativa; um segundo, em já a experienciando, tece considerações nem tão doces de sua gente. BELÉM DOS SONHOS Não há dificuldade em entender o mecanismo que se deu na cabeça do menino Dalcídio Jurandir acerca de Belém: ao mesmo tempo em que era pressão (pois futuro inequívoco de uma formação escolar eficiente), estava cercada de possibilidades (não era lá, como diziam, que o mundo ia se abrir para ele?). “logo inventaram uma crisma com seu Virgílio por padrinho. Sabia lá que vícios e doenças trazia o moleque, por certo cabeça rude, avesso a 18 www.revistapzz.com.br

estudos, arrastado pela mãe, que desejava ter ‘um filho estudando na cidade’” (JURANDIR, 2004, p.52); “Alfredo acorda com aquela cidade cheia de torres, chaminés, palácios, circos, rodas giratórias que lhe enchem o sonho e o carocinho. De olhos abertos, para o telhado, pensa na sua ida para Belém. Seu grande sonho é ir para Belém, estudar” (JURANDIR, 1978, p.46). Era a “cidade grande”, orgulho dos que visitavam os interiores do Pará e desejo dos que “ainda não estão na idade” para descobri-la. E talvez seja exatamente este o problema como bem sintetizou Gunter Karl Pressler (2011, p.46): “Na cidade, Alfredo é o menino pobre do interior, e [sic] na ilha, é o rapaz da cidade”. Não há um “empoderamento” do espaço narrativo pelo personagem, o que cria um clima propício ao desconforto decorrente da insatisfação da sua expectativa. Antes de ir estudar em Belém, o conta-

que, fora de Belém, sua fama é reconhecida: “Estou gosando a risada do pessoal sabendo que o romancista premiado está de catapora!” (carta a Guiomarina, sua esposa, em 05 de agosto de 1940). Em um hospital, prevê dez dias ainda para sua saída, instigado pelo silêncio que ali se estabelecia. No entanto, não é incomum, em uma rápida consulta ao acervo da Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, encontrar cartas em que o romancista mostra o desapontamento em ter de viver no anonimato e em pobreza. Mais do que um desconcerto com a profissão escolhida, as condições de vida na cidade não eram propícias à conservação da memória artística e da dignidade humana. Recepção hostil de uma Belém em decadência, tal qual Alfredo experimenta em Ponte do Galo. Ao encontrar a mãe na cozinha, ao retornar da capital em férias


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LITERATURA/ ARTE

Dalcídio Jurandir recebendo da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 29 de junho de 1972. Ao lado da foto , em 1940, Dalcídio Jurandir recebe o Prêmio Vecchi – Dom Casmurro por Chove nos campos de Cachoeira nas mãos de Jorge Amado e em 1952, Dalcídio aterriza no aeroporto de Moscou com uma comitiva de comunistas entre eles o ilustre, Graciliano Ramos, de onde escreve um diário.

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dos estudos ginasianos, ela ralha: “Espera eu ficar de bôca aberta por teres chegado do Ginásio, etc e tal? Estamos eslaldados [escaldados]” (JURANDIR, 1971, p.10). Naquele discurso, registra-se a amargura de um povo que só será superada no derradeiro romance, Ribanceira. O compromisso de Dalcídio com a família que criara, ademais, justifica a sua permanência no Rio de Janeiro nesta época. “Você sabe a responsabilidade da grande família que temos. Isto é que faz pensar. Aqui há probabilidades para vencer. Restanos não precipitar. Também não é possível fazer concessões. Viver, mas com decência, com dignidade e com fidelidade ao povo donde vivemos” (em outra carta à esposa Guiomarina, sem data). A capital fluminense tornara-se, para o real escritor, a Belém do pequeno protagonista dos escritos seus – fonte de crescimento e de honradez. Em contraponto, remetendo à amiga Divina, sem data explícita, promove uma análise da sociedade em que vivia no seu Pará, “dirigida ainda pelo dinheiro, pelos mitos e pela ignorância”, em que os escritores se corrompem para tornarem sua obra reconhecida. Dalcídio se reconhece “muito pobre”, mas servidor dos seus concidadãos e receptor de “uma força espiritual que [o] sustenta”. Esta herança toda amazônica, encantamentos e vocações, com seus índios e sua convivência pacífica que norteia até hoje o imaginário sobre a região. Mas o Ciclo da

Borracha também fez Dalcídio Jurandir se preocupar com o tratamento brutal dado àquela cultura primitiva: “Belém se cobriu também de sangue de índio, batizou-se nesse sangue [...] Temo pela descaracterização de Belém, condenada a urbs desumana, poluída, igual a qualquer cidade. Esse progresso desigual faz robots, não cria alma. Aumenta a riqueza e multiplica a necessidade” (em carta a Maria de Belém, In: MENEZES, 1996, p.20). A cidade deste segundo tempo de registros do escritor esquece sua história, apaga sua memória em nome do progresso. Uma marcha que deteriorou inquestionavelmente as metrópoles brasileiras, ecoando pelos grandes centros urbanos. A Belém violada pela ambição humana é a cidade dos terrores de um paraense que vê o triunfo de um povo em seu chão original. Em carta de 08 de setembro de 1947, tece comentários ao amigo Hermes sobre a necessidade da reação das pessoas através de uma unidade de ação. Esta ideia, que reflete a sua envergadura comunista e engajada politicamente, tira o foco da capacitação de um grupo social ou outro pela luta e traz a questão para a comunidade: “Não é com Botelhos, com Agostinhos, com Baratas, que se pode fazer alguma coisa. Faz-se com o povo, partindo do princípio da defesa da Constituição e da união entre Partidos para a discussão franca e leal dos problemas mais imediatos do povo”.


FOTOS: ACERVO CASA DE CULTURA DALCÍDIO JURANDIR

Circunscreve, assim, sua Belém, em uma área de conflito político em que a individualidade sobressai a uma consciência social de luta compartilhada. Quando pensa em uma revolução para o povo, é ele próprio o agente da transformação, seja jovem ou velho, experiente ou não. Aparece, deste modo, o anti-herói, o “grupo dominante” que age com agressividade e perseguições antidemocráticas. Segundo a correspondência de Dalcídio, é ele quem impede o “progresso em nossa terra”. Estabelecida a dicotomia básica dos registros que Dalcídio deixou: a opressão empregada pelos detentores dos valores capitalistas é muito mais expressiva do que a resistência dos que tem piores condições de sobrevivência. A garantia de manutenção desta dinâmica estava no cerceamento do povo e no convencimento oriundo da vitimização da periferia. No entanto, não estamos falando, em literatura, de um desmerecimento da cidade, mas de uma abordagem em que os diversos tipos humanos, com suas qualidades e seus defeitos, desenham um lugar muito mais interessante e promissor. “É por intermédio deles [dos “seres humanos” de Belém do Grão-Pará] que Belém se transforma numa paisagem interior riquíssima, num conjunto de vivências coordenadas, que dão forma aos acontecimentos e expressões, ao que de objetivo, histórico e socialmente relevante está envolvido nos episódios particulares e circunstanciais”

(NUNES, 1961, p.1). Nas correspondências que troca com os amigos na década de 1970, a sua última, Dalcídio resgata uma capital paraense mítica de heroísmos de Bruno de Menezes e de Tó Teixeira, perpassada pelas emoções de um tempo em que realidade não lhe era tão violenta. “Belém está impregnada de suas [refere-se a Tó Teixeira] serenatas e cada acorde faz cobrir de jasmim os velhos portões dos namorados. [...] Ah se o mundo sempre acordasse, toda madrugada, ao som da serenata! Explodissem violões pela terra em vê de bomba atômica” (carta a Maria de Belém, de setembro de 1973. Uma Belém do qual Dalcídio Jurandir foi “exilado” (Cf. carta a Ribamar, sem data), que traz tantas lembranças bonitas ao romancista: “S. João não tem mais no Rio. Raro se falar. Um e outro lugar, há um vago rumor junino. Os balões sumiram. Espero que isso não se passe em Belém. Me lembro do cheiro e da fogueira na cidade. Segui bois e cordões na noite encantada. Comi maniçoba no arraial. Tive namorada no boi e nos pássaros. Violei a regra de passar fogueira, passando com as meãs fiteiras de compadre, de padrinho. Pecado!”. Festas que reacendem paixões e alimentam almas distantes. Toda a gente, buliçosa presença e constante refeitura do espaço citadino, atribui a Belém uma delicada gama de caracteres

que ultrapassa os desapontamentos do escritor. Falo de um orgulho de sua terra, da cultura do Pará, que o fez e o desfez, que tanto o desenhou. É a escritura mesma da sua obra que decisivamente traz este vazio e descontentamento ao romancista (cf. carta a Maria de Belém, de 01 de agosto de 1972). Hoje Belém reconhece Dalcídio Jurandir como Cidadão Honorífico, embora sua luta ainda não tenha sido concretizada. Sua leitura ainda não foi expandida. Suas ideias ainda figuram para poucos em ensaios de empossamento, como o que te aqueceu a alma em epístola a Maria de Belém de 11 de julho de 1975, “espécie de caroço de tucumã a palma da não ao sabor da [sua] fantasia”. O povo ainda não tomou as ruas, não descobriu a força da coletividade nem impunhou seus direitos, menino eterno Alfredo...ops: Dalcídio. Meus protestos de admiração.

*Pablo de Pão Assessor Literário da Casa de Cultura Dalcídio Jurandir. Produtor LiterárioCultural. Formado em Letras (Português e suas Literaturas) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. pablodepao@gmail.com www.revistapzz.com.br 21


LITERATURA/ ARTE

MACISTE COSTA

M

Maciste Costa, artista plástico, ilustrador e escritor de livros infantis, tem a capacidade de sintetizar,momentos vivenciados do cotidiano e do mundo poético, que perpetuam múltiplas intenções e compreensões do que é a vida.

aciste Costa, artista plástico, do Pará onde vivia com seus pais. ilustrador e escritor de livros infantis, enriquece com suas Maciste Costa enriquece com suas imagens diversos livros infantis para escritores brasileiros. Particiimagens diversos livros infantis pou de várias exposições em Belém e fora para escritores locais e também do Estado, como artista plástico. Tem 06 livros publicados, dois pelo edital do IAP fora do estado. Como escritor, tem (Instituto de Artes do Pará) e, 03 pela 06 livros publicados, dois pelo Tempo Editora e um pela Twee Editora. edital do IAP (Instituto de Artes do Seus livros tem tido ótima aceitação na rede de ensino, onde são adotados como Pará) e, 03 pela Tempo Editora e leituras paradidáticas. Seu trabalho se um pela Twee Editora. Seus livros caracteriza pela temática amazônica. tem tido ótima aceitação na rede Maciste Costa, é natural de Belém do Pará e começou seu interesse pelas arde ensino, onde são adotados como tes ainda na infância, quando usava suleituras paradidáticas. Seu trabalho catas, papelões e jornais para exercitar se caracteriza pela temática a sua criatividade, na pequena escola da localidade onde morava. Eram tempos amazônica. escassos e muitas limitações, porém, de infinitas alegrias e felicidade, no interior Estudou na Escola Agrotécnica Fede22 www.revistapzz.com.br

ral do Pará, onde se formou em Técnico em Agricultura e Pecuária, porém, exerceu a profissão por alguns anos, após passar em concurso publico federal, o qual, logo depois, pediu seu desligamento, o que não era de se estranhar, devido o grande envolvimento com as artes. Passou em mais um concurso Público, abandonando em seguida. Convicto de sua inclinação pela arte, dedicou-se de corpo e alma, mesmo consciente das mazelas que teria que enfrentar por sua escolha. Hoje, após morar em alguns estados no Brasil, reside em Ananindeua, município próximo à Belém. Maciste Costa vive de seu trabalho literário e artístico (ilustrações e pinturas...) sabe de sua responsabilidade nesse cenário. Hoje é acadêmico do curso de letras.


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LITERATURA/ ARTE

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“O que impressiona em seus desenhos, é a capacidade que o artista possui de sintetizar,momentos vivenciados do cotidiano, que perpetuam múltiplas intenções e compreensões do que é a vida.” Renato Martins - Arteducador, especialista em estudos culturais da Amazônia.

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LITERATURA/ ARTE

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LIVROS PUBLICADOS: IAP (INSTITUTO DE ARTES DO PARÁ) prêmio de Literatura, edital 2007, na categoria infanto-juvenil, com o livro: PEDRINHO E O PEIXE AZUL. Em 2012 tornou a ganhar o edital do IAP com o livro infantojuvenil: MARCELINO, NO TEMPO E SUAS VERDADES. A TAPERA – INFANTOJUVENIL (TEMPO EDITORA) SEU HONORATO - INFANTOJUVENIL (TEMPO EDITORA) OS OLHOS DA MATINTA- INFANTOJUVENIL (TEMPO EDITORA) O IGARAPÉ ENCANTADO – INFANTO JUVENIL (TWEE EDITORA) ARTES PLÁSTICAS ALGUMAS EXPOSIÇÕES COLETIVAS Museu da Casa Brasileira, São Paulo-SP Macapá Shopping, Macapá-AP Espaço Cultural Templo Bar, Bauru-SP Teatro das Bacabeiras, Macapá-AP Galeria do Marco Zero, Macapá-AP Escola de Artes Cândido Portinari, Macapá-AP Galeria do SESC ARAXA, Macapá-AP Espaço Cultural do Aeroporto Internacional de Belém Galeria de Arte “Angelina W. Messenberg”, Bauru-SP Galeria do CCBEU, Belém-PA (2008/2009) ALGUMAS EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS Espaço Cultural do SESI, Bauru-SP Espaço Cultural do Correio Central, Bauru-SP Espaço Cultural Templo Bar, Bauru-SP Teatro das Bacabeiras, Macapá-AP Galeria do Marco Zero, Macapá-AP Espaço Cultural Banco da Amazônia, Belém-Pa, Edital 2011. ALGUNS LIVROS ILUSTRADOS Procura-se um inventor - Daniel Leite A casa de ser feliz – Edvandro Pessoato Paca, tatu; cutia não! – Antônio Juraci Siqueira Com a formiga atrás da orelha – Edvandro Pessoato O bicho folharal – Antônio Juraci Siqueira Natais de um norte – Daniel da Rocha Leite Apanhadores de historias: contadores de sonhos vol I e II, vários autores. O menino astronauta – Daniel da Rocha Leite O chapeu do boto – Antônio Juraci Siqueira Com amor e devoção – Antônio Juraci Siqueira Girândolas – Daniel da Rocha Leite Pesovero – Daniel Leite e Paulo Vieira A turminha da mata – Preto Michel Causos amazônicos – Octavio Pessoa A historia de um sino – Paulo de Tarsso Barros O água – Daniel da Rocha Leite (no prelo-IAP) Quando eu era grande – Jorginho Quadros Antologia – Belém 400 anos (no prelo-editora cromos) A tapera – Maciste Costa Pedrinho e o peixe azul – Maciste Costa Marcelino no tempo de suas verdades – Maciste Costa O igarapé encantado – Maciste Costa Seu Honorato – Maciste Costa Antologia Belé 400 anos – Editora Cromos Os olhos da Matinta – Maciste Costa Dia de Maria – Airton Souza (no prelo) Kukrã e o camaleão - Mario Zumba (no prelo)

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TEATRO

CABANAGEM EM CENA O grupo de teatro encenação interpreta o ato da cabanagem, com ação e romance. Belém em seus 400 anos revive na peça um dos atos mais importantes da história amazônica.

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FOTO: AFRÂNIO BRITTO

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TEATRO

N

o mês que Belém completa 400 anos, o grupo de Teatro Encenação Cultural do Pará trouxe a cidade o espetáculo “Cabanos – Uma viagem no tempo”. As apresentações ocorreram nos dias 29, 30 e 31 de janeiro, no Teatro Margarida Schivazzappa, Centur. O grupo Encenação trabalha em prol da cultura e educação do povo de nossa região há 21 anos. A peça encena a Cabanagem, que foi o fato mais importante, tanto do ponto de vista histórico, econômico, como político

A peça encena a Cabanagem, que foi o fato mais importante, tanto do ponto de vista histórico, econômico, como político e social, que aconteceu na Amazônia no período imperial. O referido espetáculo aborda justamente a tomada do palácio do governo pelos líderes cabanos Angelim e Vinagre após a morte do Cônego Batista Campos, quando por ocasião dos desmandos do governador Bernardo Lobo de Souza e as atrocidades do Coronel José Joaquim da Silva Santiago,. e social, que aconteceu na Amazônia no período imperial. O referido espetáculo aborda justamente a tomada do palácio do governo pelos líderes cabanos Angelim e Vinagre após a morte do Cônego Batista Campos, quando por ocasião dos desmandos do governador Bernardo Lobo de Souza e as atrocidades do Coronel José Joaquim da Silva Santiago, apesar de o Brasil já se ter tornado independente politicamente de Portugal. O espetáculo, não só interpreta o fato histórico, mas apresenta também, trechos de ficção romancista, vivido pelos personagens Miguel Aranha e a filha do Governador Lobo de Souza, senhorinha Elizabeth, além de prestar homenagem ao escritor paraense Marco Antônio de Oliveira, apresentando um pequeno trecho de sua obra “A AMEAÇA”. A peça tem duração de 90 minutos onde se reproduz, no palco, os acontecimentos vividos na época.

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FOTOS: AFRÂNIO BRITTO

GRUPO ENCENAÇÃO Cenas do grupo de Teatro Encenação Cultural do Pará que trouxe a cidade o espetáculo “Cabanos – Uma viagem no tempo”. O grupo Encenação FICHA TÉCNICA Atores – Personagens: Adiel Cuca - Geraldo Gavião e Tonico Albert Oliveira - Caboclo Ana Thais - Cabana Andrea Oliveira - Mundica Ariele Macedo - Cabana Carol Souza - Cabana Cleo Ducarmo - Sargento Floro e caboclo Dayci Oliveira - Das Dores Douglas Nogueira - Cabano Eduardo Viana - Antônio Vinagre e Caboclo Eric Nascimento - Caboclo Fabiola Martins - Eulália Flávio Marcos - Cabo e caboclo Glaucia Macedo - Cabana Hanna Santiago - Cabana Hudson Cassio - Cabano e Caboclo Janaina Jardim - Cabana Jorge Moraes - Cabano e Caboclo Jorgeanne Lelis - Luiza Clara Kallil Marques - Miguel Aranha Kyria Monteiro - Elizabeth Paloma Silva - Cabana Pamela Rosário - Cabana Phellipe Marques - Eduardo Angelim e caboclo Priscila Borges - Cabana Rai Moraes - Germano Aranha e Caboclo Raquel Gonçalves - Cabana Ricardo Tomaz - Bernardo Lobo de Souza Robson Carrera - Coronel Santiago Sergio Gabriel - Cabano e Caboclo Vanessa Tavares - Cabana Weslley Potrafke - Vicente Ferreira de Lavor Papagaio Widson Gonçalves - Cabano e Caboclo Zezão Trator - Domingos Onça e Caboclo TÉCNICA Direção geral: Fernando Matos Produção geral: Phellipe Marques Figurinos: Irlene Rocha Cenário, Luz e sonoplastia: Daniel Matos Fotografias: Afrânio Britto.

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MÚSICA

STUDIO

Z

O STUDIO Z nasce da iniciativa do músico / compositor e engenheiro de som autodidata Thiago Albuquerque e do empresário e fomentador da Cultura, Ná Figueredo. atualmente vem realizando vários projetos musicais de excelente qualidade técnica e musical.

O

projeto do Studio Z nasce da iniciativa do músico / compositor e engenheiro de som autodidata Thiago Albuquerque que atua na área há mais de 12 anos. Seu bom gosto musical e experiência em estúdio, deu início a uma parceria com outro grande apaixonado pela música, o empresário e fomentador da Cultura, Ná Figueredo. Essa parceria resultou na concretização de um estúdio bem estruturado e bem localizado que vem realizando vários projetos musicais de excelente qualidade técnica e musical. Nesta edição especial da PZZ, selecionamos alguns dos artistas que realizaram serviços no Studio Z: JOSIBIAS DOS SANTOS RIBEIRO Trombonista, Pianista popular, Arranjador e Compositor. Bacharel em trombone pela Universidade do Estado do Para (2005); Pos Graduando em Arte e Educacao pelo Centro Universitario Leonardo da Vinci -UNIASSELVI; Integrante da Amazônia Jazz Band (2000 até os 32 www.revistapzz.com.br

dias atuais). Trombonista integrante do Projeto Social “Jovens Talentos” desde 2014 até hoje, ministrando aulas no interior do Estado (PA). Participação em inúmeros Concertos Didáticos, em escolas Públicas e Teatros, organizados Pela Secretaria de Cultura (SECULT/PA). Já gravou e tocou com vários artistas renomados, como Sandra de Sá (show), Billy Blanco,(DVD), Nosso Tom (DVD), Mundo Mambo (shows e CD), Fruta Quente (shows e DVD), Marco Monteiro (shows e CD), Almirzinho Gabriel (CD’s), Lia Sophia (Shows, CD’s e Clip), Mg Calibre (Shows e CD), Banda Calipso (DVD), Manoel e Felipe Cordeiro (Shows), Ney Conceição (shows), Rafael Lima (shows), dentre outros. Como compositor participou de duas edições do Festival de Música Instrumental do Amapá, sendo premiado em terceiro lugar com a música “Ver-o-rio”. Desenvolveu arranjos para Amazonia Jazz Band, Banda Sinfônica do Conservatório Carlos Gomes e vários outros grupos. Em 2009 produziu e arranjou o Show instrumental “Latin Jazz”, o qual reuniu grandes clássicos da música latina

instrumental. Em 2015 produziu e arranjou o CD “Amazônia Lounge” de Joelma Kláudia, a ser lancado no segundo semestre de 2016. Falando sobre o meu mais novo projeto , E AÍ, NEGÃO? Que é um disco autoral de música instrumental pop com ênfase em melodias simples. A proposta é colocar o trombone em evidência, o balanço , groove, solos empolgantes e bastante performance no palco e em estilos musicais já consagrados como rock, black music ,reggae , skar e um pouco de regionalismo apimentando tudo isso!, quero também ressaltar que nesse trabalho tenho como parceiros grandes músicos, produtores , e artistas como: no baixo elétrico Meireles; guitarra Davi Amorim e Tiago Belém na batera que gravaram e ajudaram a produzir a concepção desse disco e eu, nego Jô, no trombone, teclados, produção, arranjo e composição. Além desse amigos tenho como parceiros o estudio Z , do Thiago Albuquerque, Ná Figueiredo , MG calibre e Pipira do Trombone. O lancamento previsto para abril de 2016!


FOTO: walda marques

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FOTO: EVNA MOURA

MÚSICA

LARI XAVIER

Musicista nascida e residente em Belém, integrou a banda “La Orchestra Invisível”, formada em 2009, que lançou dois EPs desde então, Primeiro em 2010 e Tratado do Vazio Perfeito em 2012, o grupo é também integrado por Marcelo Kahwage, Daniel Souza e Helenio César. Os dois EPs podem ser baixados no blog http://laorchestrainvisvel.blogspot.com.br/. Em 2012 também passou a integrar o grupo “A Volta do Astronauta”, acompanhada pelos músicos, Emanuel Paz, Bruno Oliveira e Ricardo Maradei, que lançou em 2014 um álbum com o mesmo nome. O trabalho pode ser ouvido no endereçohttps://soundcloud.com/avoltadoastronauta. Em ambos os projetos atuou como cantora compositora e instrumentista (violão, guitarra, teclado, ukelelê). Atualmente volta-se para carreira solo, buscando ampliar seus horizontes como musicista. Finalizou um EP intitulado “Alguém”, que foi lançado virtualmente dia 20 de Fevereiro desse ano na sua página do Facebook. O EP trás influências do pop e rock sessentista que faziam parte de suas composições nas bandas, porém com a mistura a nuances mais contemporâneas, passando pelo folk rock, indie rock e eletrônico. Com letras sinceras e linhas melódicas cativantes, o EP “Alguém” tem alcançado uma boa recepção junto ao público desde seu lançamento. Para ouvir acesse: https://www.facebook.com/laaarixavier https://soundcloud.com/lari-xavier

LÍVIA MENDES Lívia Mendes é uma das vozes que surgem agora no tecido artístico do Pará. Aos 28 anos, a cantora apresenta um projeto que une universalidade e experiências sonoras regionais, numa mistura de música pop e folk, com a presença constante da sonoridade do violão, do ukulele e do violino. Influenciada por bandas indie, folk e pela Jovem Guarda, Lívia compõe suas próprias canções, tem dois singles lançados tocando em rádios de Belém e prepara o lançamento de seu primeiro EP para 2016. Nascida em Belém do Pará, começou a cantar aos 8 anos em apresentações familiares. Aos 13, já tocando violão, começou a compor timidamente. Durante uma temporada de dois anos na Europa, a cantora estudou Canto Popular e Violão. De volta ao Brasil, já aos 18 anos, Lívia emplacou uma carreira na noite belenense tocando nos bares da cidade, onde ganhou experiência e influência, além de dar continuidade nos estudos musicais. Em 2014, iniciou seu voo solo na carreira autoral. Com dois singles e um videoclipe lançados, Lívia Já se apresentou em eventos como o Ensaio Aberto Ná Figueredo, Barzarte, Casa Aberta Se Rasgum, Quarta Autoral Old School e Projeto Belém Cidade Luz da Amazônia, todos com repertório completamente autoral. Atualmente Lívia está em estúdio na gravação de seu primeiro EP, a ser lançado em maio deste ano com produção musical de Fabrício Bastos. 91. 98364-2725 producaolivia@gmail.com facebook.com/liviamendesmusic soundcloud.com/livimendes

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LARI XAVIER

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FOTO: sergio malcher

LÍVIA MENDES

RAFAEL AZEVEDO

91. 99170 2279 Instagram: @rafaelazevedomusic producaorafaelazevedo@gmail.com

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STUDIO Z Av. Serzedelo Correa, Vila Julieta, 160 Batista Campos 91 981340070 studiozbelem@gmail.com

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Rafael Azevedo, músico contrabaixista e produtor musical, com aproximadamente 20 anos de carreira. Lança agora seu primeiro CD instrumental de funkmusic, mais voltado ao funkjazz. Como amante da música que é, fez uma coletânea ao longo desses 20 anos, para produção do seu CD, com a participação de vários músicos que colaboram também para a concretização deste tão almejado sonho. O CD terá um tom bem dançante, com influências de Herbie Hancock, Jaco Pastorius, Black in rio, entre outros.Também conta com uma regravação da música "Marmota" de Pedrinho Callado. Será lançado, no primeiro semestre, um EP virtual com três faixas.

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RAFAEL AZEVEDO

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FOTONOVELA

Rosa Cardoso

AMA-ME COM TERNURA Fotonovela “Duas Marílias em Ama-me com Ternura”, da Fotógrafa Walda Marques, conta a história de duas mulheres, que decidem aproveitar a noite de São Paulo e, nas andanças pela ‘paulicéia’, descobrem o Bar do Vavá, localizado na Vila Madalena, bairro nobre da capital paulista famoso por ser um reduto boêmio.

A

fotógrafa Walda Marques, um dos principais nomes da fotografia paraense, muito conhecida pelos retratos, lança no dia 09 de Abril, às 20h, mais uma fotonovela ‘Duas Marílias em Ama-me com Ternura’. O lançamento será no Espaço Cultural Boiúna, conhecido também, como Bar do Mario, que funciona na Rua dos Pariquis n°1556, lugar que reúne os artistas da cidade e ponto de encontro da boa música local. A publicação tem patrocínio da Fundação Rômulo Maiorana e conta a história de duas mulheres, que decidem aproveitar a noite de São Paulo e, nas andanças pela ‘paulicéia’, descobrem o Bar do Vavá, localizado na Vila Madalena, bairro nobre da capital paulista famoso por ser um reduto boêmio. Na região mais badalada de São Paulo, as jovens encontram nada mais, nada menos, que Elvis Presley, o ‘Rei do Rock’. A brincadeira é, na verdade, uma homenagem a um dos mais antigos bares de São Paulo, que celebrava a cultura pop e que já não funciona mais. ‘Um amigo meu, o Pedro Palhares, me convidou para tomar uma cerveja nesse bar e eu achei que além de beberidade o bar era 36 www.revistapzz.com.br

fotogênico’, lembra a fotógrafa. Pedro Palhares, que assina a produção da fotonovela, conta como foi o encontro com a fotógrafa, que resultou em mais uma aventura artística. ‘Conheci Walda Marques em 2015 na primeira edição da Semana Epson de Fotografia. Já conhecia suas fotonovelas e estava um tanto familiarizado com seu imaginário poético. Nosso encontro gerou uma afinidade certeira e momentos depois eu já estava contando para Walda sobre o bar do Seu Vavá, mais conhecido como ‘Bar do El-

O bar do Vavá ou ‘Bar do Elvis’, como era chamado, ficou 51 anos em funcionamento, de 1957 a 2008. ‘Lá, havia mais de 30 cartazes diferentes de Elvis Presley expostos nas paredes. vis’ e lhe cantando a possibilidade de realizar um trabalho naquele que era o mais charmoso e antigo bar em atividade na Vila Madalena’. O bar do Vavá ou ‘Bar do Elvis’, como era chamado, ficou 51 anos em funcionamento, de 1957 a 2008. ‘Lá, havia mais de 30 cartazes diferentes

de Elvis Presley expostos nas paredes. O bar pertenceu ao pai do Vavá, e ele o assumiu com a ajuda do João, seu irmão e fiel escudeiro - ambos grandes fãs de Elvis Presley’, conta Pedro. O trabalho foi realizado em São Paulo durante maio de 2005 a produção é a por Pedro Palhares , Walda Marques teve o auxílio luxuoso de Cristine Klautau e projeto gráfico da designer Maria Alice Penna. As protagonistas São Marília Fernandes e Marília Zarattini que tb contribuíram com o figurino, e pra acontecer o projeto teve o patrocínio e a realização da Fundação Rómulo Maiorana. ‘Duas Marílias’ é a quinta fotonovela de Walda Marques. A fotógrafa já lançou o ‘O Espelho da Princesa’ (1994), ‘O Homem do Hotel Central’(1996), ‘A Iludida’( 2002) e ‘Lembranças’ (2010). ‘Adoro contar histórias. Acho que isso vem de quando meu filho Ugo Garcia era pequeno. Eu adorava ler para ele. Naquela época, existia em Belém uma livraria ótima chamada ‘Fadas e Duendes’, de uma amiga querida. Eu era fã e cliente. Ali começou essa brincadeira de escrever e nasceu a primeira história, ‘O Espelho da Princesa’, que fala de bruxas e princesas’, explica Walda. A descoberta do olhar - A Fotógrafa


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FOTONOVELA Walda Marques nasceu em Belém, em 1962. Antes da fotografia trabalhou com maquiagem quando tinha apenas 18 anos. A maquiagem abriu portas para o teatro, para a televisão e para os estúdios fotográficos. Em 1989, ingressou na TV Cultura do Pará como maquiadora, figurinista e também compondo personagens e suas caracterizações. Nessa época, descubriu o teatro e chegou a atuar como atriz na TV e nos palcos. A fotografia surgiu a partir da oficina do fotógrafo e mestre Miguel Chikaoka, fundador da Fotoativa. A partir daí vieram as exposições fotógraficas, individuais e coletivas, e as fotonovelas, que revelam muito do imaginário poético de uma das maiores artistas visuais de Belém. SERVIÇO: Lançamento da Fotonovela ‘Duas Marílias em Ama-me com Ternura), da Fotógrafa Walda Marques. Data: 09 de abril de 2016 Hora: 20h Local: Espaço Cultural Boiúna (Rua dos Pariquis, 1556 ) OBS: A fotonovela custa dez reais (R$10,00)

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DOCUMENTÁRIO

Márcio Meira*

AUGUSTO MEIRA

FILHO

EA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE BELÉM DOGRÃO PARÁ Augusto Meira Filho iniciou a elaboração de Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará em 1964. A edição comemorativa foi lançada em janeiro de 2016 e celebra o centenário de nascimento do autor, e o quarto centenário de Belém do Pará.

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DOCUMENTÁRIO

INTRODUÇÃO AO LIVRO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE BELÉM DO GRÃO PARÁ

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bservando a evolução da cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão -Pará, concluímos que seu desenvolvimento ainda não havia sido caracterizado naquele sentido urbanístico de que nos fala a ecologia contemporânea, indispensável à compreensão mais larga de sua história. Surgiu daí o desejo de evidenciá-la analítica e cronologicamente, quando uma ação dinâmica visaria compor sua perspectiva em seus vários aspectos evolutivos. Partimos da leitura meticulosa de velhos cronistas, investigamos documentos, códices primitivos, consultamos desenhos e efetuamos pesquisas nos museus, nas bibliotecas e arquivos, decifrando segredos centenários entre os seus mais credenciados historiadores. Encontramos, finalmente, a encantadora paisagem da urbe no fascinante reflexo de três séculos e meio de existência, confirmando seu destino histórico de que não seria a menor de todas [Nequaquam Minima Es]. Dar a este ensaio caráter próprio, um sentido lógico no encadeamento dos diversos episódios de sua vida urbana, é o nosso propósito, tentando senti-la desde seus primórdios no século XVII até nossos dias. Os caminhos a que nos propusemos seguir, louvados no espírito generoso dos mestres, fixam, em cores singelas, e autênticas, uma nova urbanística de Belém do Grão-Pará, função, sobretudo, da verdade, do bom senso e do dever de servir o rincão onde nascemos. Em síntese, procuramos demonstrar o crescimento de Belém na ordem de sua revelação. Não, somente, a resultante de um laborioso esforço de investigação técnica; antes, a do artista que nela procurasse se inspirar, a fim de traduzi-la através de uma fonte permanente de beleza e de uma forma literária essencialmente histórica. Nosso cuidado maior na elaboração deste trabalho foi o de apresentá-lo em termos de humildade. Belém, 12 de maio de 1964. Augusto Meira Filho

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* 1631: A CIDADE, SENTIDO URBANÍSTICO DE SUA EVOLUÇÃO, O PIRI, A COLONIZAÇÃO EM MARCHA.

REPRESENTAÇÃO ANTIGA DE BELÉM Desenho com a representação mais antiga da cidade de Belém, feito pelos holandeses provavelmente em 1640. Note-se que havia algum tipo de amurada nos limites da atual Cidade Velha, com uma única ‘porta’ de acesso à praça onde se situava o pelourinho, em frente à igreja de Nossa Senhora. No outro extremo, vê-se o convento de Santo Antônio, no atual bairro da Campina. Anônimo. 1640. Arquivo Nacional de Haia, Holanda, Nestor Goulart Reis, Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, EDUSP, 2000.

“Deixáramos Belém se expandindo, quando da posse de seu terceiro governante. Daquela época aos últimos fatos que contribuíram à indicação de Feliciano Coelho, a cidade se dinamizara, recebendo substanciais impulsos em seu desenvolvimento urbano. No decorrer desse tempo, construções surgiram nos caminhos primitivos que, agora, se dirigiam para o interior, buscando maiores distancias na floresta. Nos fins da rua do Norte, os primeiros sinais do Convento Carmelita e de sua capela já contrastavam no verde colorido da densa mataria. Os colonos acatavam as ordens superiores, determinando o avanço da cidade para o interior e, assim, apareciam as novas estradas transversais ao rio, contribuindo à forma primitiva das quadras urbanas, em todas as direções do povoado. Além do largo central da matriz – fonte perene do berço de Belém – a capelinha de São João, que Bento Maciel erguera a sua própria custa, ali estava, silenciosa, dominando a paisagem nascente da colônia... Ao lado do forte, então reconstruído em proporções maiores, descia a ladeira aberta em direção do mangue; largo, argiloso, marginava a fortificação e, em seu aspecto alagado, parecia envolver toda a área da cidade edificada a partir do Presépio. Primitivamente, os moradores julgavam que a colônia se assentara em uma ilha, tal era a gravidade dessas baixadas pantanosas que emolduravam a sede da capitania. Águas paradas, aves multicores, ambiente tranquilo e soberbo de verdejantes mururés, compunham o Piri que os nativos denominavam baixios da Juçara, para caracterizar o igapó que originava a formação do “lago”, criando uma enorme bacia alagada no interior da urbe. Daí a impressão de ilhota atribuída, em nossos primeiros tempos, aos fundamentos de Belém. Partindo de sudoeste, o valado do Piri circundava uma área apreciável da cidade; no verão, secava a medida da maior ou menor força do estio. No inverno, atingiam suas www.revistapzz.com.br 43


DOCUMENTÁRIO

PRIMEIRA ROTA Mapa da região entre São Luis e Belém, registrando o primeiro caminho de terra entre as duas cidades, atravessando a Província dos Tupinambás. Pequeno Atlas do Maranhão, João Teixeira Albernaz I, 1629. Biblioteca Nacional do Brasil.

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águas mortas quase a cota de um metro, em toda a superfície perimetral represada, despejando, finalmente, sua corrente, no Guajará, a face oriental do Presépio. Dois séculos após, como veremos, o Piri seria ainda um dos mais graves problemas de Belém, impedindo a expansão de seu traçado, dificultando seu ensecamento, sua drenagem e a urbanização de novos bairros. Os portugueses, na lida da caça, então um dos principais alimentos da população, logo ultrapassaram esse Piri e no delírio de penetração continental, percorreram suas margens debruçadas sob a mata. Marginando os barrancos, um caminho sinuoso partia do alagado, seguindo o litoral emaranhado de raízes e cipós; em toda parte, parasitas e gramíneas cresciam entre aguapés que floresciam na praia movediça de argilas

e tronqueiras seculares. Levava a vereda litorânea às instalações dos capuchos de Santo Antonio, que começavam a edificar seu convento nos confins da cidade, transferidos do Una onde viviam desde sua chegada ao Grão-Pará, em 1617. Os frades, agora, poderiam desfrutar de um belo clima, lugar seco, alto, que deslumbrava os olhos com as belezas da paisagem da baía fronteira, de ilhas distantes que mergulhavam nas águas buliçosas do Marajó, o horizonte perdido da Baía do Sol e do Separará! Na colheita de especiarias, os colonizadores encontraram outro campo para o conhecimento do sertão. O povoado, assim, se expandia, nessa penetração constante, nessa ambição de conquista. Cada percurso novo, cada picada aberta na floresta solitária, cada trilha do caçador recolhendo sua fortuna, transformar-


BELÉM EM 1629 Mapa da região do arquipélago do Marajó, na foz do rio Amazonas, onde já aparecem registradas a cidade de Belém e as fortalezas holandesas e inglesas. Pequeno Atlas do Maranhão, João Teixeira Albernaz I, 1629. Biblioteca Nacional do Brasil.

se-ia nas fontes onde a cidade encontraria a sua própria formação, embora rude e empírica. Nesse êxodo do centro urbano para o interior da selva, nessa fuga do rio para o continente desconhecido, Belém fixaria as suas primeiras artérias paralelas ou normais ao litoral; logradouros surgiriam desse processo dinâmico, sem perder sua poesia natural, suas tortuosidades topográficas, suas copas fechadas de árvores gigantescas, seu chão vermelho e cascalhudo que o colono conhecia e castigava em suas andanças e conquistas. E tomavam seus nomes, das raízes inesquecíveis da pátria. Também de suas características locais, suas cores, suas nuanças típicas. Cresciam, na espontaneidade da voz popular, humilde, tentando fixar um aspecto novo da colônia, ou, talvez, um desejo humano de perpetuá-los na denominação dos varadouros, dos caminhos, dos becos

que se tornariam travessas, ruas, avenidas da grande capital do Grão -Pará. Depois daquele arranco da clareira que avançara dando os rumos certos do traçado que o povoado ia incorporando a sua vida urbana, essa dilatação imposta pelo crescimento de Belém, daria à capital do Pará novas ruas de acesso à mata e aos seus arredores: rua do Aljube, da Alfama, rua Longa e já algumas transversais, igualmente indisciplinadas, de concepção primária onde prevaleciam, ainda, os motivos preponderantes do lugar: travessa da Residência, da Atalaya, da Água das Flores, da Barroca, dos Ferreiros. Essa, a imagem que podemos sentir da cidade em sua plena formação no correr de seus primeiros tempos. Vivia a colônia já quinze anos na www.revistapzz.com.br 45


DOCUMENTÁRIO

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PRIMEIRA PLANTA GEOMÉTRICA DE BELÉM Planta Geométrica da Cidade de Bellem do Gram Para – Tirada por Ordem de S. Excia. o Sr. Don Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão General do mesmo Estado – no Anno de 1753. Autor: João André Schwebel – É a primeira planta em que a cidade aparece levantada geometricamente e assinala os pontos principais de Belém, àquela época do período Pombalino. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

comunhão de portugueses e indígenas, de europeus e ameríndios que aqui deveriam fundar um novo império e uma nova raça. A população era constituída dos soldados da expedição e dos missionários que se entregavam a catequese dos nativos trazendo-os a fé cristã. Chegavam, vez por outra, imigrantes de outras capitanias, degredados, fugitivos, gente que vivia dispersa nas explorações, ingleses, franceses e holandeses que restavam, aprisionados ou vencidos nas lutas internas pela conquista da região. Como os indígenas, habitavam em pequenas palhoças espalhadas nas redondezas do Presépio e, assim, uma coletividade nascia para fortalecer a vida social da povoação. Durante muito tempo o estado do Maranhão foi destinado ao degredo de toda espécie de gente que a coroa bania e enviava da Europa e se tornara hábito dos governadores-gerais do Brasil em adotar aqui o mesmo exemplo da corte. E o Grão-Pará necessariamente recebia, também, uma parcela desses degredados enviados à sede da capitania. Dessa forma, a população de Belém era composta desse tipo de povoamento desordenado, oriundo de regiões diferentes e que, em conjunto com os silvícolas, originaria esse caldeamento de raças heterogêneas de onde se gerou, também, em seus fundamentos, o povo brasileiro. No Pará Grande [Grão-Pará] achei Neerlandezes, Inglezes e pessoas de outras diferentes nações que alli se conservavão captivas, e que, havia muitos annos, tinhão sido aprisionadas no paiz das Amazonas, entre outros, um Jacob Heyns, de Flessinga, que alli estava, já havia 15 www.revistapzz.com.br 47


DOCUMENTÁRIO

PRAÇA DO PELOURINHO Desenho da “Praça do Pelourinho” – Observar o barraqueamento destinado às vendas de frutas, hortaliças, legumes etc.. Neste lugar, hoje, está o Mercado Municipal de Belém [Conhecido como Mercado de Carne]. Veja-se o “pelourinho” ao centro e a visão paisagística do desenho, mostrando pedestres, militares, sacerdotes, a praia e o rio com suas embarcações. Desenho da Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. Biblioteca Nacional do Brasil.

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annos e outros Neerlandezes prisioneiros; trabalhando todos para o seu sustento e manutencão, com o risco de ficarem de tudo privados e morrerem de fome. Também vi no Pará Grande, e eu mesmo lhes falei, alguns dos onze marinheiros do navio, O Blaeuwen Haen, que tendo ido com sua chalupa em demanda de refrescos, foram attacados pelos Portugueses e apprhendidos. Vivem como prisioneiros no Pará Grande e são muito maltratados: nova prova de que o que disse acima he a verdade. São palavras de Maximiliano Schade em seu “Relatório” datado de 4 de novembro de 1644, conforme transcrição de Cândido Mendes de Almeida (Memórias do extinto estado do Maranhão, 1874, t. 2, p. 453-454). Confirmam essas expressões, de quem viu e assistiu o processamento de nossa colonização e tendo dela participado, a natureza do povoamento inicial da colônia, como vimos analisando. Mais tarde, o sangue do africano viria completar essa mistura sui generis, onde o negro deixaria na alma desse mesmo povo aquele sentido de nostalgia e de fixação à terra que, em boa parte, caracterizam os nossos sentimentos. O problema da colonização se tornava, portanto, função direta do braço do

indígena. Era do gentio que o colono recebia as primeiras experiências para a adaptação de sua vida à região do Grão-Pará. Ainda era do seu conhecimento e do seu apoio que dependeriam as conquistas da selva e a prosperidade da civilização que os portugueses desejavam implantar nestas vastidões da Amazônia imatura e deslumbrante. Portugal, pela sua escassa possibilidade populacional diante de seus domínios que se estendiam em todos os continentes, não poderia, sem dúvida, remeter colonos para reforçar os trabalhos de conquista de seus generais no novo mundo. O Estado do Maranhão, como parte dessas conquistas, também se ressentia do espírito resoluto do colono para os serviços mais importantes da capitania. Belém, como centro das regiões do Grão-Pará, igualmente, sofria das mesmas necessidades para o seu desenvolvimento, já que a sua evolução urbanística estava condicionada ao crescimento de sua população. Soldados, missionários e índios representavam o volume total dos moradores, habitantes primitivos da cidade que se fundara às margens do Guajará. Vem de 1621 a chegada a Belém dos pri-


meiros casais, vindos de Açores, como parte da remessa enviada ao Maranhão (Arthur Reis, Aspectos econômicos da dominação lusitana na Amazônia, p. 17). Localizados no interior da colônia como sesmeiros, em nada contribuíram para o aumento dos residentes na capital, e o braço do gentio continuava sendo a única fonte garantida e certa para os trabalhos, dos quais dependeria o futuro da colonização portuguesa entre nós. Não fora a sua inesgotável quantidade no litoral e nos sertões da planície, e os fundadores lusitanos jamais teriam a oportunidade de dominar a majestade dessas florestas, a caudalosidade desses rios imensos e, expulsando intrusos, incorporar ao seu domínio colonial essa gigantesca Amazônia, como a maior contribuição da conquista lusitana realizada no século XVII. O trabalho do indígena e que conhecia a gleba em todos os seus segredos, tornava-se, portanto, a força decisiva para a prosperidade da colônia. Ele era explorado em todos os sentidos; na sua capacidade, nos seus conhecimentos da colheita de especiarias, como caçador, marinheiro e soldado emprestava com ardor todo o seu devotamento ao colono, ao “branco que era a cabeça pensante, e

sobretudo o estômago insaciável, que digeria toda a substância do trabalho alheio” (João Lúcio de Azevedo, Estudos de História Paraense, p. 41). Como o objeto de maior valor dentro da floresta, pela sua fartura e pela sua insubstituível aplicação e necessidade, o nativo, o gentio que os desbravadores lusitanos aqui encontraram distribuídos nas várias tribos de que faziam parte, passou a ser aos colonizadores a razão maior para os seus empreendimentos, para os seus desejos de conquista e de enriquecimento. Uma razão econômica pesava naquela unidade humana servida na floresta que o português procurava dominar a qualquer preço e o missionário transformava em um elemento novo para a civilização e para a cristandade. O colono escraviza, violenta, explora o braço do gentio. O missionário, ao contrário, em luta aberta pela liberdade desse mesmo gentio contém-lhe os ardores guerreiros, as impetuosidades marciais, conduz com habilidade as suas inclinações, exercita-o para uma vida menos selvagem, ensina-lhe as novidades da cultura da terra e da criação do gado. (Arthur Reis, Aspectos econômicos da dominação lusitana na Amazônia, p. 16).

Sob outro aspecto, a presença dos aborígines, dos valentes Tupinambás que habitavam as margens do Guajará e o interior da capitania, significava a posição do orientador diante do desconhecido, do inexorável que deveria ser vencido e conquistado pelos recém-chegados e ignorados da região. Seria ele o guia indeclinável, o primeiro que acompanharia o próprio inimigo aos insondáveis mistérios da planície e que, depois, viria a ser escravizado pelo invasor de suas próprias terras a quem, em boa fé, ajudara a adaptar-se com os ensinamentos e conselhos que trazia desde o berço, da formação de suas tribos nestas terras de deslumbrantes riquezas naturais e que lhes pertenciam, antes que as caravelas portuguesas debruçassem suas velas nos horizontes guajarinos e as suas âncoras vitoriosas se derramassem nas águas turvas do rio.” * Trecho do livro Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará, capítulo II, pp. 104107.

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DOCUMENTÁRIO

Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará, de Augusto Meira Filho.

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ugusto Meira Filho iniciou Nacional da Holanda. a elaboração de A Evolução A paixão que o autor devotava Histórica de Belém do Grão às ‘tradições’ de sua cidade natal, -Pará em 1964, escrevendo o animou na pesquisa solitária à mão em um caderno, e depois numa e minuciosa a que, desde 1964, máquina de escrever Remington. Sua se dedicou por mais de dez anos intenção, desde o início, era a de dis- de, dividindo-a com atividades correr sobre a ‘evolução urbanística’ políticas e de engenheiro. O esda cidade, desde 1616 até 1950. Parou forço empreendido por Augusto em 1823, data da chamada ‘adesão’ Meira Filho incluiu pesquisas em do Pará à independência do Brasil. A arquivos e bibliotecas do Brasil, primeira edição, logo esgotada, foi - em Belém e Rio de Janeiro -, e lançada no ano de 1976. Eram dois de Portugal, principalmente em volumes somando 893 páginas, com Lisboa e no Porto, onde localizou ilustrações, mapas, cópias e transcri- inclusive documentos até então ções de documeninéditos sobre a tos sobre a história obra do arquiteO esforço empreendido por da cidade de Beto Antonio José Augusto Meira Filho incluiu Landi na Amalém. A edição comepesquisas em arquivos e zônia, que divulmorativa foi lançanas páginas bibliotecas do Brasil, - em gou da em janeiro de do jornal A Pro2016 e celebra o Belém e Rio de Janeiro -, e víncia do Pará. centenário de nasde Portugal, principalmente Como atestam cimento do autor, a ampla biblioe o quarto cente- em Lisboa e no Porto, onde grafia e as notas nário de Belém do localizou inclusive documen- de cada capítulo, Pará. O conteúdo tos até então inéditos sobre Meira Filho esdo livro é o mesmo creveu seu livro da edição de 1976, a obra do arquiteto Antonio auxiliado pelos mas enquadrado José Landi na Amazônia, que textos de muitos nas regras ortográcronistas e histodivulgou nas páginas do ficas e bibliográfiriadores que lhe jornal A Província do Pará. a n t e c e d e r a m , cas de hoje. Possui dez capítulos, que como também seguem uma ordem cronológica, no- de seus contemporâneos, mas tas, bibliografia e ilustrações. Incor- com uma interpretação própria, porou modificações de forma, ajustes mais próxima da crônica. Neste na exposição do texto, além de novo aspecto, o livro pode ser caracprojeto gráfico, uma introdução críti- terizado também como fruto de ca e o perfil do autor. Todos os acrés- uma imaginação romântica, uma cimos iconográficos têm o intuito de postura sentimental, mas tamenriquecer com imagens o conteúdo bém de compromisso político do da obra, e reforçar a sua função cultu- autor em relação à formação culral e educacional. Um caso exemplar, tural da cidade de Belém, sobreentre outros, é a inclusão da planta tudo de sua base territorial mais mais antiga de Belém hoje conheci- primitiva, - e portuguesa, - em da, feita pelos holandeses em 1640, e termos de tecido urbano, os bairdescoberta recentemente no Arquivo ros da Cidade Velha e da Campina.

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IGREJA DOS MERCEDÁRIOS Uma visão da Igreja dos Mercedários (Mercês) e o Convento. Observar os seis pavilhões para comércio e outras utilidades. Desenho da Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. À esquerda e ao fundo, a “praia”, os barcos e a Guajará com a Ilha das Onças no horizonte. Biblioteca Nacional do Brasil.

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DOCUMENTÁRIO

PROSPECTO DA CIDADE DE BELLEM Em 1750, com a assunção ao poder, ao lado de D. José I, o Marquês de Pombal envia ao Grão-Pará, como governador, seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Este desenho, um retrato da cidade vista desde o rio, foi feito provavelmente pouco tempo após a chegada à Belém, em 1753, do engenheiro militar alemão João André Schwebel. Ele fazia parte de um corpo de naturalistas, engenheiros e arquitetos que acompanhavam Mendonça Furtado, com o intuito de ajudá-lo nas tarefas das demarcações de limites entre Portugal e Espanha na Amazônia. Prospecto da Cidade de Bellem, do Estado do Gram Pará. João André Schwebel. 1756. Biblioteca Nacional do Brasil.

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Embora possuísse uma formação de base para toda a região amazônica. Ao longo do humanística, com viés positivista, trazida dos período abordado, Belém constituiu-se no anos de estudos no Ginásio Paes de Carvalho, principal polo econômico, político, militar e Meira Filho graduou-se como engenheiro ci- religioso da expansão colonial portuguesa vil pela antiga Escola de Engenharia do Pará, na região hoje conhecida como Amazônia. cujo currículo incluía cadeiras de arquitetura Desde 1621, na América Portuguesa, o e urbanismo. Sua condição de engenheiro ‘Grão-Pará’, - onde se falava majoritaexplica a ênfase dada riamente o nheengatu em seu livro à ‘evolu(língua de origem tupi ção urbana’ da capital Ao discorrer sobre a história usada na catequese dos do Grão-Pará, e a um povos indígenas) e não de Belém de sua fundação ‘sentido urbanístico’, o português -, vinculavaaté 1823, o autor oferece uma se diretamente à Lisboa, sempre presente, que incluiu a preocupação cronologia do poder colonial – permanecendo cerca de com a composição 200 anos separado polítido traçado urbano e civil, militar e religioso - confe- ca e administrativamente os processos constru- rindo destaque aos seus aspec- do Estado do Brasil, cujas tivos das edificações tos paisagísticos, como também capitais, no mesmo períerguidas na cidade odo, foram as cidades de a sua territorialidade urbana, Salvador e Rio de Janeiro. nos séculos XVII, XVIII e início do XIX. expansão geográfica e importân- Esses fatores geográficos Ao discorrer sobre históricos de base colocia administrativa e geopolítica enial a história de Belém foram determinantes para toda a região amazônica. e estruturantes na formade sua fundação até 1823, o autor oferece ção e ‘invenção’ da Amauma cronologia do poder colonial – civil, mili- zônia contemporânea. tar e religioso - conferindo destaque aos seus Ao fazer referência a Belém como capital aspectos paisagísticos, como também a sua do ‘Grão-Pará’, o autor pretendia plasmar territorialidade urbana, expansão geográfica o papel e a importância estratégica desta e importância administrativa e geopolítica cidade durante a época colonial. Ela for-


mou, juntamente com São Luís, a dupla de capitais do antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará, tornando-se posteriormente, em substituição àquela fundada pelos franceses, a capital do ‘novo’ Estado do Grão-Pará, Maranhão e Rio Negro, criado pelo Marquês de Pombal em meados do século XVIII, e cujo primeiro governador foi Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês. Tempos de fortes mudanças na capital e em todo o Estado, como o livro procura mostrar. Ao construir sua narrativa sobre a cidade e sua disposição estratégica na Amazônia colonial, Augusto Meira Filho assumiu posições claras em relação aos principais ‘atores’ e ‘situações’ do processo histórico. Por exemplo: há uma honesta devoção ao caráter lusitano desta cidade e à ‘bravura da gente portuguesa’, em erguê -la e defendê-la, procurando dar um sentido legítimo e épico à obra colonizadora, mesmo quando critica agentes do Estado ou da Igreja por abusos e violências, inclusive contra os povos indígenas, caso do governador Bento Maciel Parente, pelas barbaridades que cometeu contra os Tupinambás no século XVII. Os povos indígenas são tratados em geral como ‘primitivos’ ou ‘bárbaros’, e em

algumas situações como ‘guerreiros’ que lutam em defesa de seus territórios, dependendo, seja dito, se eram aliados ou inimigos dos portugueses. Há uma ambivalência nesse caso, embora com uma perspectiva convicta, de clara influência positivista, na inexorabilidade do extermínio dos indígenas em função de um processo civilizacional encarnado pela colonização lusitana e o papel das missões religiosas. O autor comungava das ideias de Gilberto Freire e Câmara Cascudo (inclusive manteve com o escritor potiguar intensa correspondência), e deixou implícita em sua abordagem que creditava aos indígenas e negros ‘domesticados’ e integrados à colônia, mestiçados com os colonos portugueses ‘civilizados’, a base da formação sociocultural da cidade e da região. Em contraponto, julgava os demais colonizadores franceses, ingleses e, sobretudo holandeses, que rondavam a região das Guianas e a foz do Amazonas no século XVII, como ‘hereges’, ‘piratas’ e ‘invasores’, portanto ilegítimos ‘donos’ da região. No entanto, como dito acima, o que interessava mesmo ao autor é a formação urbana da cidade. Ela, a cidade, cujas construções antigas estavam amea-

çadas já nos anos 1960, constitui sua principal ‘personagem’ histórica. Nesse sentido, a obra é marcada pelo enfoque de um técnico, político e jornalista de seu tempo. Um ‘cronista’ que embora tivesse um perfil de historiador ‘leigo’, possuía sólidos conhecimentos de arquitetura e engenharia, inclusive sanitária e de solos. Dessa investida decorre um dos interesses que o livro desperta desde seu primeiro lançamento: uma obra de referência para arquitetos, urbanistas, além de outros profissionais ou quaisquer cidadãos que têm interesse em preservar o patrimônio edificado e urbanístico de Belém. Ele interessa também, pelas projeções de futuro que faz ao final do livro, a quem pretende compreender e gerenciar o legado da cidade colonial e os desafios da Belém de hoje: metrópole complexa, caótica, socialmente desigual, e ainda assim de personalidade forte e bela, cuja gente tem suas raízes culturais profundamente marcadas pela formação colonial luso-afro-indígena. Isto em pleno século XXI, quando completa 400 anos. Este é um dos motivos porque este livro será sempre atual.

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DOCUMENTÁRIO

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Planta do Pará – Sem assinatura. Levantamento efetuado no começo do século XIX. Belém aparece mais desenvolvida e o sertão mostra os novos caminhos de penetração para o centro e laterais (Guamá e Guajará). Já aparece o “Campo de Exercícios Militares” ao lado, entre o Igarapé da Fábrica (planta de 1791) e o Igarapé das Almas. Ambos, aí, estão separados em suas bacias hidrográficas. E, desde então, a designação certa: Igarapé das Almas. Este desenho foi o primeiro feito no começo do século XIX. Esta é a planta que fixa os arredores da cidade, após o “campo da pólvora”, Nazareth, e em direção ao “Sitio de Queluz”, ainda existente nas artérias que lhe herdaram o nome. Pela face guamaense atinge o lugar “Pedreira” (hoje, início do Núcleo Pioneiro da Universidade do Pará) e pelo litoral guajará, alcança o Igarapé do Una. Na penetração, após o “largo” da pólvora, já há referência à “Memória” e “Nazareth”. AUGUSTO MEIRA FILHO E A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO DE BELÉM. As políticas nacionais de proteção ao patrimônio histórico e artístico do país, fortalecidas em 1937 com a criação do SPHAN (hoje IPHAN) e muito focadas, nos seus primórdios, no patrimônio de pedra e cal, exerceu forte influência sobre o autor e em alguns de seus contemporâneos no Pará, principalmente a partir da década de 1950, os quais procuraram defender esse patrimônio, quase sempre sem sucesso. Como vereador de Belém no final dos anos 1960 e início de 1970, Augusto Meira Filho foi o autor da primeira lei municipal de proteção do bairro da Cidade Velha, que, no entanto, nunca foi aplicada pela municipalidade até a lei de tombamento municipal dos anos 1990. Há, portanto, que se registrar que a cidade de Belém ‘construída’ ao longo do período analisado em seu livro é aproximadamente aquela que atualmente constitui o chamado ‘centro histórico’, reconhecido nas últimas décadas e tombado pelo patrimônio histórico nacional, estadual e municipal, tanto na sua integralidade espacial quanto em conjuntos e bens individuais, onde se pode destacar o mercado e a feira do Ver-o-Peso. Até mesmo o Círio de Nazaré, - sobre o qual o autor dedica algumas páginas do livro -, www.revistapzz.com.br 55


DOCUMENTÁRIO

PALÁCIOS DOS GOVERNADORES Desenho de Antonio José Landi da fachada principal e interior do Palácio dos Governadores, onde atualmente funciona o Museu Histórico do Estado do Pará. Biblioteca Nacional de Portugal.

CAPELA DE SÃO JOÃO BATISTA Desenho primoroso de Antonio José Landi - Fachada (frontaria) da Capela de São João Batista. Biblioteca Nacional do Brasil.

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Sobre Augusto Meira Filho

o patrimônio ‘imaterial’ mais importante de Belém, inscrito no Livro das Celebrações pelo IPHAN, é festejado há mais de 200 anos dentro dos limites da cidade estudados nessa obra. Infelizmente, apesar de louváveis esforços recentes de restauração e renovação de monumentos, espaços e conjuntos históricos, e da legislação patrimonial que visa protegê-los, não podemos contar mais com a integridade do conjunto arquitetônico e urbanístico do centro histórico de Belém, que sobreviveu razoavelmente bem até meados do século XX. Na realidade, boa parte dele foi ou está sendo destruída, de forma muitas vezes irrecuperável, pela brutalidade da especulação imobiliária ou pela cobiça e ignorância de muitos, desde os anos 1970. Meira Filho já denunciava o início des-

sa destruição desde os anos 1950, como político e jornalista. A reedição do livro de Augusto Meira Filho, quando Belém completa 400 anos, favorecido via Lei de Incentivo a Cultura - Semear com patrocínio da Sol Informática, visa oferecer uma contribuição, pelas informações que traz sobre os antigos monumentos e seus significados sociais, estéticos e políticos, para a maior conscientização dos cidadãos de hoje e de amanhã em relação à proteção e promoção do patrimônio urbanístico e paisagístico da cidade de Belém, uma causa e um desafio de interesse nacional, pelos quais o autor se dedicou de forma militante ao longo de sua vida.

O engenheiro Augusto Meira Filho foi um apaixonado por Belém e pela sua cultura. Nascido em 5 de agosto de 1915, foi gestor público, atuando como diretor do antigo Serviço de Águas do Pará no governo de Magalhães Barata, onde teve como desafio a questão sanitária e regularização do abastecimento urbano; foi um dos fundadores da Sociedade Artística Internacional e da Sociedade dos Amigos de Belém, entidades voltadas a promoção e defesa das artes e do nosso patrimônio cultural nas décadas de 1940, 50 e 60. Meira Filho ainda se destacou como primeiro presidente da Fundação Cultural do Estado do Pará (a primeira instituição de política cultural do Estado, que deu origem à atual SECULT) no início da década de 1970, no governo de Fernando Guilhon, sendo o responsável pela restauração do antigo Palácio do Governo (atual Museu Histórico do Estado), concluída em 1973, e que o credenciou a ser tombado pelo IPHAN. Como Vereador, foi eleito presidente da Câmara Municipal de Belém, cuja sede hoje leva seu nome. Historiador autodidata que produziu livros e crônicas sobre a história de Belém, Augusto Meira Filho também era jornalista, escrevendo para o jornal A Província do Pará desde os anos 1950. Suas colunas, ‘Ronda da Cidade’ e ‘Jornal Dominical’ deram origem aos primeiros livros, entre os mais de 10 publicados – como ‘O Bi-secular Palácio de Landi’ -, sendo “Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará” sua obra mais importante e de maior fôlego, e a que lhe rendeu o carinhoso apelido de ‘namorado de Belém’, pela vocação preservacionista e a defesa apaixonada da cidade, do verde e de seu patrimônio cultural, até a sua morte, em 8 de julho de 1980.

* Márcio Meira é antropólogo do Museu Emilio Goeldi

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ARTE / HISTÓRIA

Aldrin Moura Figueiredo

BELÉM MÍT BATISMO VISUAL: A BELÉM MÍTICA DE THEODORO BRAGA

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TICA

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THEODORO BRAGA: A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, 1908. Óleo sobre tela, 226 x 510 cm. Belém, Museu de Arte - MABE.

randes telas históricas nascem com o destino da eternidade, tornando-se análogas ao evento que pretendem narrar. Parece contra-senso pensar que a vida longa de uma tela seja marcada exatamente pelo nexo do efêmero, da efeméride, do passageiro, do transitório. Em suas origens, a noção de efeméride – do grego ephemerís, ídos, pelo latim ephemeride – esteve relacionada, no entanto, a uma data exata, um marco que pudesse ser uma baliza do tempo. Era, de fato, uma tabela que fornecia aos astrônomos, em intervalos de tempo regularmente espaçados, as coordenadas que situavam a posição de um astro. Da natureza à cultura, a efeméride guardou o sentido de grandiosidade e eterno retorno dos questionamentos que a tornariam uma data importante. Por que seria uma determinada obra seria obra-prima? Por que seu autor seria um grande artista? Nesta comunicação pretendo investigar esse tema, aqui enquadrado nos limites do centenário de uma tela histórica do acervo do Museu de Arte de Belém - A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, considerada desde a sua apresentação, há mais de cem anos, a obra-prima de Theodoro Braga (18721953). Porém, a história desse objeto de arte, imerso em diferentes memórias, remonta uma longa tradição da pintura histórica no Brasil das últimas décadas do século XIX. Olhando o tema de hoje, o que se nota é uma verdadeira oscilação dos valores da estética [e por que não dizer do próprio ethos da obra] na bolsa das artes públicas e do patrimônio nacional. A narrativa do passado, por isso mesmo, tende a esclarecer o presente. Senão vejamos. Em 1908, a capital do Pará acompanhou o nascimento de um quadro feito para ficar na memória visual da cidade. O dia era 17 de dezembro daquele ano, a data de aniversário do principal chefe político de Belém – o intendente Antônio José de Lemos (1843-1913). O local era o suntuoso Teatro da Paz, a grande vitrine da civilização da borracha. O ato era o vernissage de um pintor ainda pouco conhecido mesmo nas searas brasileiras, o Dr. Theodoro Braga. Nesta feita, em meio a uma platéia de convidados ilustres, foi entronizada a tela A fundação de Belém, divulgada imediatamente na imprensa da época como a obra-prima de seu autor. Aqui vou tentar desvelar um pouco da história desse quadro, que trouxe para o campo das artes plásticas uma nova leitura da história da Amazônia. www.revistapzz.com.br 59


ARTE / HISTÓRIA Belém, sua terra natal. Exatamente aí o velho projeto toma corpo e Theodoro Braga, agora sob o patrocínio de Antônio Lemos viaja para Europa em busca dos documentos originais sobre o fato que seria narrado pelas tintas. Antes da escolha, o mecenas obviamente havia se certificado das origens intelectuais do pintor, que então contava 36 anos. Rapidamente o intendente percebeu o gosto do artista pela história e, mal sabia ele que, naquela encomenda estava nascendo uma nova escrita da história emersa da pintura. Theodoro Braga, como todos os seus contemporâneos, ambicionou o bacharelado, estudando na Faculdade de Direito do Recife. Mas, enquanto se diplomava, por volta de 1893, conheceu o paisagismo pela mão de Jerônimo Telles Júnior (1851-1914), um pintor pernambucano muito influenciado pela pintura do século XVII, especialmente pela obra de Franz Post (1612-1680), um dos grandes artistas do período holandês do Brasil. MesTheodoro Braga (1872-1953) Pintor, educador, historiador, geógrafo e advogado, nasceu em Belém, 08 de junho de 1872 e formou-se em bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. Enquanto estudava Direito, tinha aulas particulares de pintura com Telles Junior. Uma vez diplomado, viajou para o Rio de Janeiro onde foi aplicado aluno da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) na década final do século XIX. Em 1921, fixou residência em São Paulo, onde atuou como professor do Instituto de Engenharia Mackenzie e na Escola de Belas Artes. Assumiu o cargo de diretor da escola, ocupando-o até seu falecimento. A Fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, é considerada desde a sua apresentação, há cento e sete anos, a obra-prima dele. Tudo começa em 1899, quando os pintores italianos Domenico De Angelis (18521900) e Giovanni Capranesi (1851-1936), entregam à Municipalidade local, o painel Últimos dias de Carlos Gomes, retratando a célebre morte do músico ocorrida em Belém em 1896, sob um funeral heróico. As dimensões da tela fizeram crer ao intendente a necessidade de uma outra para adornar o salão do Conselho Municipal com o feito rememorativo da fundação da cidade. O passo seguinte foi encontrar o artista “idôneo” para a feitura da obra e que ao mesmo tempo pudesse empreender a arqueologia dos arquivos à caça dos documentos que ainda estavam à sombra dos compêndios de história. O encontro entre o intendente e o pintor ocorreu em 1906, quando o artista retornado da França começava a fazer sucesso com suas exposições no Rio de Janeiro, Recife e depois 60 www.revistapzz.com.br

Não bastava, no entanto, ser bom pintor. Era fundamental o domínio da pesquisa histórica. O pintor teria se armar de historiador e vice-versa. Pintura e história, natureza e cultura: eis o encontro que revelou a obra prima de Theodoro Braga. mo quando o assunto era a paisagem, a plena descrição da natureza, a história tocava fundo o aprendizado do jovem pintor. Encorajado pelo mestre, Theodoro Braga viajou para o Rio de Janeiro, onde recebeu aulas de uma tríade já bem conhecida nos círculos cariocas: Belmiro de Almeida (1858-1935), Daniel Bérard (1846-1910) e Zeferino da Costa (1840-1915). O próximo passo foi dado em 1899, quando ganhou o prêmio da Escola Nacional de Belas Artes, de viagem à Europa. No ano seguinte, já estava em Paris, como pensionista na Academia Julian, sob a orientação de Benjamin Constant (1845-1902), Henri-Paul Royer (1869-1938) e principalmente do experiente Jean Paul Laurens (1838-1921), havido então como o nome mais importante da pintura histórica na Franca. No ateliê de Paris, o artista descobriu de fato a história, a pintura da história. De volta à Amazônia, sob a proteção de Antônio Lemos, e mais do que nunca impregnado pelo gosto do passado, transformou a história em assunto de Estado e a pintura em tema de interesse popular. Embora atento às vanguardas que então explodiam do lado de

lá do Atlântico, Theodoro Braga olhou com desprezo até mesmo o impressionismo. Porém, essa desconfiança com sua formação afrancesada e os modismos europeus lhe serviu para redescobrir a Amazônia nos fragmentos arqueológicos do Museu Paraense Emílio Goeldi e, daí para em diante, revisitar o próprio traço dos índios de antes de Cabral. Foi assim que, ao mesmo tempo em repensava o cânone da pintura histórica, ajudava a criar um novo movimento nas artes da Amazônia, com a estilização da flora e da fauna brasileira – o neomarajoara –, deixando vários discípulos. Não bastava, no entanto, ser bom pintor. Era fundamental o domínio da pesquisa histórica. O pintor teria se armar de historiador e vice-versa. Pintura e história, natureza e cultura: eis o encontro que revelou a obra prima de Theodoro Braga. Pelas tintas, o artista formulou sua primeira narrativa da história, traduzindo para outra linguagem passagens inteiras da obra de tratadistas, cronistas, missionários e homens de governo. Velhos documentos ganharam novas tonalidades; pintores-viajantes foram acolhidos pelos pincéis do mestre. Theodoro Braga passou em revista os primeiros registros escritos sobre a América Lusa, através dos relatos de cronistas portugueses como Pero Vaz de Caminha com sua Carta (1500), Pero de Magalhães de Gandavo com sua História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil (1576) e Gabriel Soares de Sousa com Tratado Descritivo do Brasil (1587), além das narrativas de viajantes franceses e alemães, como de Jean de Léry, autor de Viagem à Terra do Brasil (1578), e Hans Staden, que escreveu Duas Viagens ao Brasil (1557). Esses e outros testemunhos do passado estiveram entre os seus principais informantes. Em páginas impressas e noutras manuscritas, ficaram os registros dessa façanha da história como pintura e da pintura como história. Numa verdadeira arqueologia da arte, inventiva e subjetiva, Theodoro Braga redescobriu os antigos Tupinambá, que habitaram a costa do Pará no século XVII e que haviam sido riscados do mapa no século seguinte. Como reencontrar aqueles índios, suas marcas corporais, sua imagem enfim. O pintor encontrou aqueles que julgou ser seus prováveis descendentes. Os velhos índios Tupinambá estavam lá, nas notícias sobre os Apiacá e dos Munduruku feitos por Hercules Florence (1804-1879), comparadas com as informações colhidas em pesquisa no acervo do Museu Paraense. Da famosa Expedição Langsdorff, no segundo quartel do século XIX, sobreveio


um dos principais registros que poderia ser útil a um pintor – com sombras, luzes e cores, muitas cores. A história foi arte cara no projeto de Theodoro Braga, tanto que foi necessário explicar tudo aos primeiros que compareceram diante da grande tela. O quadro A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará tem uma versão em livro, com grande parte dos conceitos, referenciais e inspirações presentes na tela. Mas como transpor para as tintas a narrativa literária da fundação do Pará? Theodoro usou dos pintores renascentistas, optando pelo díptico, pois assim poderia narrar duas cenas independentes e, ao mesmo tempo, preservar uma visão de conjunto. Aqui o díptico deve ser lido da direita para a esquerda, seguindo o modelo oriental, contrastando, portanto, com as regras interpretativas européias. Na primeira cena do quadro, vê-se, ao longe, a chegada das três embarcações que traziam “a expedição civilizadora” – uma caravela, um patacho e um lanchão, tal como faziam crer os velhos anais da marinha portuguesa, exaustivamente consultados pelo artista. O pintor concebeu a pequena esquadra ainda não ancorada, indo ao sabor da corrente, revelando o ângulo de observação em relação à beira do rio. Em terra, encontravam-se os Tupinambá, “olhando com ódio a chegada de seus mortais inimigos”. Aqui houve o desejo de imprimir à cena uma nova percepção desse reencontro: não se tratava mais de representar a curiosidade dos índios em relação ao branco e muito menos a admiração com o desconhecido europeu. Estava em jogo o fato histórico de os índios Tupinambá já conhecerem os portugueses de longa data, em lutas, “através do Rio, Bahia, Pernambuco, Maranhão e finalmente nas terras do Pará”. Na imagem, os índios aparecem montando posto num pequeno igarapé que desaguava na baía do Guajará. A cena, vivida em 1616, vinha ao presente, em 1908, por nova explicação: o pequeno curso d’água onde estavam os nativos “é o que mais tarde foi chamado Ver-o-Peso”. Do escuro das matas, rumo ao igarapé, ainda “chegavam outros índios retardatários de suas tabas situadas no interior”. A margem do rio era o lugar onde eles estabeleciam, aqui e ali, suas atalaias de defesa, “pontos de espreita” segundo o pintor. A segunda cena, ao lado esquerdo do espectador, representa o adiantado estado da conquista e do senhorio português na nova terra. Esse enquadramento retomava as origens da ocupação da região: “uma vez escolhido o lugar quase isolado e boa altura defensável, deram mãos à obra”. É

fundamental perceber que essa cena resultou de um grande esforço de Theodoro Braga em sua tentativa de construir uma nova versão desse acontecimento fundador, com um acalorado debate com alguns eminentes historiadores sobre o padrão das construções depois da conquista. Todos os documentos de época referem-se a um fortim construído em madeira, uma simples paliçada. A grande capital da borracha não poderia, no entanto, aos olhos do pintor e principalmente de seu mecenas – o intendente Antônio Lemos, ter experimentado uma origem tão simplória. O presente reinventou o passado na paleta do pintor: fez-se então um forte de pedra, como sólida e eloqüente deveria ser a certidão de batismo da cidade. Apesar dessa polêmica, o significado da distância da imagem babélica de um primeiro contato entre europeus e indígenas deveria ser preservado a todo custo na primeira imagem da Amazônia. Índios e europeus começavam aí a falar

Theodoro usou dos pintores renascentistas, optando pelo díptico, pois assim poderia narrar duas cenas independentes e, ao mesmo tempo, preservar uma visão de conjunto. uma mesma língua. À sombra de uma visão singela do trabalho de construção de uma “pequenina igreja” no interior de um forte de pedra, o pintor procurou dar cabo a uma elaborada interpretação da política sobre a chegada dos portugueses à Amazônia. De primeira olhada, vê-se, na tela, a igrejinha consagrada à Nossa Senhora de Belém, levantada “em taipa, coberta de palhas, ainda não ressequidas e já pronta”. Ao fundo, apareciam as modestas habitações dos novos colonos, simples casebres e algumas palhoças. Mais à frente, o principal alvo da tal querela historiográfica: o forte do Presépio. Na imagem, “o forte, com a sua frente de cestões entre os quais peças de artilharia já estão assentadas começa a terminar-se; um muro com a sua guarita é construído e o resto avança rápido”. Nos contornos internos da moldura, começava a sobressair o vaivém dos trabalhadores portugueses e indígenas. Com efeito, era necessário marcar o ato histórico com a presença de um herói fundador. Na horizontal, o quadro é descrito em duas cenas. Na vertical, em dois planos, divididos ao meio pelo longo risco da flo-

O quadro A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará tem uma versão em livro, com grande parte dos conceitos, referenciais e inspirações presentes na tela. resta na outra margem do rio. No primeiro dos planos, ao centro da tela, “sob a espessa sombra de grandes árvores”, estava o herói, Francisco Caldeira Castelo Branco, antigo capitão-mor do Rio Grande do Norte, cercado por seu estado-maior, os comandantes das embarcações. O instante procurou traduzir a preparação da viagem de Pedro Teixeira ao Maranhão, “a fim de levar a nova da fundação da cidade de Belém”. Este enquadramento está diretamente relacionado à cena da construção do forte do Presépio, na qual Theodoro Braga redesenhou a imagem dos homens que vinham na frota de Castelo Branco. Contrariando seus confrades de ofício, o novo historiador insistia que “os expedicionários não vinham nem na miséria, a ponto de pedirem o que comer aos índios, nem desprovidos de tudo, como é corrente, a ponto de serem ajudados por piedade pelos caboclos do Guajará na construção do forte e habitações”. A imagem esquálida e indigente da aventura européia não combinava com o mito fundador da grande capital da borracha. Cabia ao pintor, reinventar, pelas tintas, uma outra imagem dos súditos de Portugal e Espanha. Do mesmo modo, a presença da Igreja Católica nessa história foi ponto de discórdia entre os especialistas no assunto. Tentando mais uma vez retificar as leituras dos historiadores Domingos Antonio Raiol (1830-1912) e Arthur Vianna (18731911), o artista trouxe ao acontecimento www.revistapzz.com.br 61


ARTE / HISTÓRIA dois religiosos franciscanos: frei Antonio de Mercianna e Frei Christovão de S. José, que teriam acompanhado Castelo Branco no episódio da fundação. Já que não havia nenhuma pista sobre uma primeira missa, restava então apresentar os clérigos envolvidos na empreitada da construção de uma nova terra sob as bênçãos da Igreja. Ao invés de uma celebração, como fizera frei Henrique em Porto Seguro, em 1500, unindo na assistência os infiéis e os cristãos, na epopéia amazônica os índios já sabiam que os portugueses traziam outros costumes diferentes dos seus, pois que eram, na visão de Theodoro Braga, remanescentes daqueles mesmos Tupinambá que habitaram o litoral da Bahia ao tempo de Cabral. A presença dos padres na narrativa visual causou polêmica. Os historiadores da época sabiam apenas que os franciscanos acompanham a expedição de Jerônimo de Albuquerque para a conquista do Maranhão, em 1615, mas não acreditavam na seqüência de viagem ao Pará, em 1616. As fontes documentais possíveis à época informavam tão somente que, desde 1617, os ditos padres se instalam no sítio Uma, nos arredores da recém-fundada Belém do Pará. Os franciscanos de Santo Antônio estão, portanto, na leitura visual da de Theodoro Braga por terem sido os primeiros religiosos a chegar à Amazônia. Em 1617, quatro missionários dessa ordem estavam em Belém: Frei Antônio de Mercianna, Frei Cristóvão de São José, Frei Sebastião do Rosário e Frei Felipe de São Boaventura, os dois últimos ignorados na tela da fundação. Descrita a história, era imprescindível emoldurar a cena com a exuberância da natureza amazônica em seus mínimos detalhes. O pintor migra então da ciência da história para o domínio das ciências naturais. Pela primeira vez, as águas da baia do Guajará, na confluência dos rios Pará e Guamá, trazem uma moderna representação dos rios tributários da foz do Amazonas: a cor barrenta, turva e amarelada. Esse viso era algo impensável para os pintores do século XIX, muito marcados pelos modelos e contornos dos rios europeus. Em contraste com a lenda de um Danúbio Azul, como na música de Johann Strauss, Theodoro Braga pincela um Amazonas barrento, com arrepios de brisa, reflexos do céu em algumas manchas azuladas em meio à tonalidade do rio. Às margens estão os verdes em seus diferentes tons e escalas. A vegetação que orna a vista foi pensada como espécimes de um herbário característico da flora equatorial do Brasil. Ao centro, duas árvores com fortes conotações simbólicas para a Amazônia: a seringueira, responsável pelo triunfo do progresso contemporâneo do artista, via exploração do látex, e a imbaubeira, típica 62 www.revistapzz.com.br

de floresta secundária e, por isso mesmo, representando o trabalho de colonização da região. Enrolada em cipós, ao centro da tela uma grande árvore – uma espécie de síntese visual da flora amazônica, exibindo “a majestade grandiosa das nossas florestas tropicais”. Houve lugar ainda para a palmeira do açaí, que produz o fruto de onde se extrai a bebida mais popular entre os paraenses e, à beira d’água, plantas aquáticas da Amazônia, como o mururé e a aninga, comuna nas redondezas de Belém. E o cenário foi composto por analogia às características ecológicas do litoral lamacento que circundava o Guajará, em cuja vegetação de mangue vicejavam também os aturiás, vistos no quadro como uma espécie de símbolo da vegetação amazônica. Muito evidente foi a intenção do autor em mostrar o contraste dessa pequena planta com “as árvores colossais e enormes das matas paraenses”, que cresciam em direção à terra firme. Ao

Na primeira cena do quadro, vê-se, ao longe, a chegada das três embarcações que traziam “a expedição civilizadora” – uma caravela, um patacho e um lanchão, tal como faziam crer os velhos anais da marinha portuguesa, exaustivamente consultados pelo artista. O pintor concebeu a pequena esquadra ainda não ancorada, indo ao sabor da corrente, revelando o ângulo de observação em relação à beira do rio. Em terra, encontravam-se os Tupinambá,“olhando com ódio a chegada de seus mortais inimigos”. fundo, no horizonte, aparece a “longa fita arroxeada da verdejante Ilha das Onças”, intacta e contínua, fronteiriça ao desembarcadouro dos portugueses. Todo esse corpus fitológico foi concebido como a parte ornamental da natureza amazônica transposta para um retrato da história, a fim demarcar seus contornos. Trata-se, portanto, da certidão de origem de uma cidade que nascia em meio a maior das florestas do mundo. Ao lado da magnitude da flora local, parecia essencial reconstituir um retrato climático do evento que, ao mesmo tempo, refletisse o traço meteorológico mais comum naquela latitude. O pintor fez assim um “céu tranqüilo e belo” como adorno ao empreendimento da fundação, “enquanto que para

o lado da embocadura do rio uma nuvem plúmbea lembra-nos as fortes bátegas da chuva quase diária”. Theodoro Braga se voltou à comparação com a realidade presente, em 1908, quando o regime pluviométrico da área da foz do rio Amazonas praticamente não apresentava flutuações e mudanças bruscas de tempo. Com isso, o artista imprimiu uma espécie de cena intermediária, na qual aparecem, sobre o horizonte, as “pesadas nuvens branco-azuladas”, características daquela hora da manhã e, ao lado direito do expectador, as nuvens mais escuras da chuva tradicional do início da tarde. Desse modo o pintor conclui a feitura da tela. Mas o empreendimento ainda estava pela metade. Para uma grande cena, uma grande moldura. Uma pintura histórica só é capaz de eclodir num quadro de grandes dimensões, guarnecido e emoldurado com a mesma eloqüência da cena narrada pelas tintas. Theodoro Braga construiu para sua obra -prima uma moldura capaz de traduzir as mudanças que procurava imprimir em suas linhas de trabalho. A moldura é aqui um campo de bricolagens, de mistura e tradução cultural. Sobre a madeira, o ferro e o estuque, o artista esculpiu, modelou, forjou e pintou uma Amazônia brasileira. Na superfície do estuque e de seu douramento, entrecruzam-se ornamentos do classicismo – com seus medalhões – e outros elementos então “desconhecidos” pelos artistas da terra. Ao lado das célebres folhas de acanto, tão características do emolduramento acadêmico, Theodoro Braga construiu moldes de aturiás e folhas de aninga. Ao centro, no alto, ladeando o Brazão de Armas da Cidade de Belém, palmas de açaí, de onde se extrai o vinho dos paraenses. Com isso o pintor estabelecia os contornos de uma arte nacional, angulada por viso amazônico. Estilizando a flora da região, o artista questionava o contorno clássico e aquilo que parecia ser uma velha janela de visão da realidade. Temos à vista, portanto, uma moldura que é alegoria da mestiçagem e do encontro de culturas. No alto, ao centro da moldura, como insígnia de Belém, está o Brasão de Armas. Aqui está uma legítima prova das proezas arqueológicas do artista. A primeira versão desse emblema teria sido feita por Bento Maciel Parente, capitão-mor do Pará entre 1621 e 1626. Perdido, a notícia desse escudo ficou guardada numa biblioteca de antiguidades em Braga, Portugal. Em 1825, o gosto pela heráldica e pelos demais registros da história, caro aos intelectuais do romantismo brasileiro, levou Paulo José da Silva Gama, barão de Bajé (1779-1826), a mandar reproduzir em tela a descrição do brasão. No final do século XIX, vários artistas e intelectuais se debruçaram sobre essa peça, entre eles o próprio Theodo-


ro Braga. Grosso modo, trata-se de um brasão esquartelado: O primeiro, em azul, ostenta os braços com flores e frutas e a legenda Ver est aeternum – Tutius latent, alusivos à natureza do rio Amazonas e à geografia escondida do rio Tocantins. O segundo, um castelo de prata com um colar de pérolas, distintivo da nobreza, do qual pende a quina portuguesa com cinco castelos de ouro em escudo azul, enfatizando a fidalguia de Castelo Branco, o fundador da cidade. A estrada em amarelo que dá acesso ao castelo alui o caminho que devem seguir os sucessos do herói da tela – o da obediência à Coroa de Portugal. O terceiro representa um sol-poente em céu prateado, referindo a hora em que Castelo Branco ancorou na baia do Guajará. A legenda Rectior cum retrogradus, indica que o comandante esperou o desembarque para o dia seguinte. O quarto traz os ícones de um boi e uma mula num prado verde à margem de um rio, com as divisas Nequancam minima es, em alusão a Belém da Judéia, inspiradora do nome da futura capital do Pará, da qual dissera o profeta que não seria a menor de todas. Há também que se pensar sobre o suporte, a técnica e as preferidas pelo pintor. Sobre uma tela de linho branco, o artista realizou aplicações mistas de tinta a óleo, obedecendo um riscado que privilegiasse a luminosidade. Nas águas da baía do Gua-

jará, em parte do céu e em algumas figuras humanas as pinceladas são finas e diluídas camadas de tinta quase imperceptíveis. Nas nuvens, terrenos e imediações do Forte do Presépio aparecem tênues empastes e, na copa das árvores e nas demais folhagens,

Theodoro Braga construiu para sua obra-prima uma moldura capaz de traduzir as mudanças que procurava imprimir em suas linhas de trabalho. A moldura é aqui um campo de bricolagens, de mistura e tradução cultural. aplicação de densos empastes com pinceladas soltas e muito evidentes. Com isso, Theodoro Braga acabou por imprimir um colorido é variado e luminoso, tendendo ao verde-amarelo, – com óbvias preocupações de marcar as cores da nacionalidade, nos sobre-tons de verde e na longa escala do amarelo tendendo ao ocre. Esse amarelo, que certamente é a cor mais incisiva da tela, mistura-se também a outros tons vão do ocre ao vermelho, passando por variações do azul ao cinza, em vários matizes. Por fim, o branco em contraste com ligeiros toques de negro, terminam por contorno e realçar o traço colorista da descrição da natureza

em contato com a história. Eis a grande invenção de Theodoro Braga. A obra cuja fatura lhe rendeu a reputação de pintor, o destruiu como historiador. Certamente está aí a resposta para a pergunta que fiz lá bem no início deste artigo. A tela de Theodoro Braga é afinal obra-prima por ser símbolo de uma época, clímax de um gênero, fronteira de um estilo e marca de um autor. Conta uma história e, no entanto, é transtemporal. Pintada em 1908, remete-se a 1616 e pode ser relida hoje, em seu centenário, como a qualquer momento, em qualquer lugar. Polissêmica, como todo produto da arte, a cada viso do expectador ganha uma nova leitura. À primeira vista, sobrevém o traço acadêmico, o contorno pompier, o registro histórico. No entanto, de segunda olhada, no quadro a natureza toma conta da história, no imenso amarelo-barrento da baía do Guajará, nos tons verdes da floresta de várias idades e ainda nas nuvens carregadas da foz do Amazonas – tudo isso é muito mais que um simples cenário.

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HISTÓRIA

Maria Nazaré Sarges

Antonio Lemos:

a construção do mito A historiadora Maria de Nazaré Sarges revisita o mito de Antonio José de Lemos, pesquisando sua biografia e sua época, além de acompanhar a trajetória pública desse personagem e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado.

O

trabalho de um historiador é uma empresa difícil, sobretudo quando ele incursiona pela biografia. Para escapar das armadilhas ao revisitar um mito é que fui obrigada a olhar para trás, acompanhar a trajetória pública do personagem Antonio José de Lemos e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado. A relembrança é uma reconstrução orientada pela vida atual, pelo lugar social e pelas necessidades do presente e, neste momento, relampejam insistentemente a história e as memórias de uma cidade que caminha em direção aos seus 400 anos. Reunidos aqui, rememorando a figura do Intendente Antonio Lemos, especialmente no dia de seu aniversário de nascimento (lá se vão 170 anos) e no ano do centenário de sua morte, parece um ajuste de contas depois de um século de história da

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república paraense. Trata-se de um ajuste de contas com o tempo e para com o indivíduo que se reencontrou com a vida, no dizer do emocionante discurso proferido pelo escritor paraense Corrêa Pinto, diante do

“Com a vida que foi madrasta, nos últimos dias da tua existência, e que agora te é maternal, no reconhecimento de teus méritos, na glorificação de teus feitos, na reabilitação de teu nome”. túmulo do Intendente na cidade do Rio de Janeiro, por ocasião do traslado dos restos mortais para a cidade de Belém, no dia 15 de dezembro de 1973: “Com a vida que foi madrasta, nos últimos dias da tua existência, e que agora te é maternal, no reconhecimento de teus méritos, na glorifica-

ção de teus feitos, na reabilitação de teu nome”. Não esquecera o escritor de quanto este indivíduo foi maltratado em vida, lembrando que “a multidão que o levou ao triunfo, o levou igualmente ao opróbrio [...] esse povo que o cobriu de ultrajes [...] acabou por enxotá-lo como um réprobo”. Na cerimônia fúnebre, o escritor assumira o papel de redentor de uma memória que ao longo das décadas fora relembrada apenas como uma alma penada que assombrava as noites escuras de Belém. Havia chegado o momento da cidade se preparar para o erguimento de um panteão em sua memória: Antonio Lemos deixaria de ser “a criatura funesta, como chamavam os seus inimigos”, para ficar eternizado como o administrador da cidade que a memória teima em não esquecer. De certa forma, a morte recupera o seu caráter público, condição que ela teve na Idade Média


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HISTÓRIA e, neste caso, a relembrança do morto também tinha este sentido. Todas as honras militares lhe foram prestadas. As bandeiras do Maranhão, do Pará e de Belém cobriam a urna exposta no saguão do aeroporto militar, guardada solenemente pelos soldados da Aeronáutica. Uma multidão que se misturava com as representações religiosas, civis, militares, de sindicatos e de colégios aguardava o cortejo que se realizaria no dia 17 de dezembro. Todos estavam curiosos, afinal quem era aquele homem que todos conheciam pelo “ouvi contar”? A vinda honrosa dos restos mortais do Intendente para Belém faznos lembrar do que teria registrado Humberto de Campos em relação ao espírito vaidoso de Lemos. O traço curioso, segundo Campos, é que o político temia que a sua memória fosse enterrada com o seu corpo. Disfarçava esse temor dizendo: “Eu não dispenso as homenagens a que tenho direito no dia da minha morte. Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. As honras, as homenagens, o barulho se concretizaram, não na ocasião pensada pelo político, mas naquele dia de dezembro de 1973, quando retornaram à cidade os restos mortais envolvidos na forma triunfal de sua memória. No dia seguinte, o jornal A Província do Pará transcreveu o depoimento de um morador da cidade que, aos 80 anos, teria dito: Eu o conheci pessoalmente e assisti queimarem “A Província” e a casa dele. Não foi o povo que expulsou o senador Antonio Lemos de Belém. Foi uma meia dúzia. O povo mesmo o amava e continua amando, como a gente pode ver [...]. O depoimento, as lembranças, o ritual de glorificação do ilustre morto se espalhará pela cidade e repousará no palácio e, naquela lápide ficará marcado o triunfo de uma memória que lançará fachos de luz sempre que a cidade for ameaçada em sua história. E, são nesses fachos de luz que buscarei a figura do Intendente Lemos para trazê-la à cena, mais uma vez, neste dezembro do ano de 2013. No ano de 1904, auge da adminis66 www.revistapzz.com.br

ANTONIO LEMOS A elegancia do Intendente, na época, era motivação suficiente para multiplicar várias editorias de jornais comparando o Senador aos nobres tiranos da Europa.


tração lemista, o jornalista Carlos Fernandes torna pública uma biografia do Intendente, em que a figura do homem no seu gestual, no seu modo de vestir, nas tarefas cotidianas, constitui-se em elementos de composição de uma personagem trabalhadora, refinada e exigente: São três horas da madrugada, Antônio Lemos vai principiar a sua faina. Assenta-se à mesa de trabalho, diante da vela acesa e começa a leitura da correspondência da época [...] quando termina essa tarefa exaustiva, já reluz por trás das venezianas um pálido e esquivo raio de sol [...] segue-se o arranjo simples e distinto de sua toilette. Colarinho decotado, um laço preto, horizontal, preso ao botão por um elástico, às vezes à moda do Príncipe de Gales, alindado com um alfinete de pérola ou diamante. Calça de casimira de cor e sobrecasaca negra, em cuja boutonniére há sempre uma flor colhida de fresco. Botinas de pelica também negras, bem polidas, com a sola sempre limpa e o tacão sempre perfeito [...] Agora é somente por a cartola bem anediada e tomar uma de suas artísticas bengalas, saltar para a sua elegante e lustrosa vitória e trotar pelo distrito e ver e examinar o estado das obras municipais, a conservação dos jardins, o asseio das sarjetas, o calçamento das ruas, a segurança da higiene e todo esse mundo de coisas, que fornecem o assunto do Detalhe da Intendência. Nesse tom de embevecimento pela figura do Intendente, Carlos Fernandes vai construindo a imagem do homem elegante e distinto. Mesmo que registrasse que o seu vestuário fosse simples, não deixou de construir a imagem do homem público de vestes finas e elegantes, afinal botina de pelica, cartola, sobrecasaca e alfinete de pérola ou diamante são apenas alguns símbolos que tornaram Antonio Lemos a marca da distinção e da elegância. O trajar de Lemos destacado por Fernandes, no entanto, será ridicularizado por outro biógrafo, Valente de Andrade, que considerava o vestuário do Intendente uma postura exibicionista numa cidade de calor escaldante, coisa própria de quem “se sentia bonito, elegante, rico, querido e popular”, como registrou em relação ao oligarca. Contudo, devemos considerar que, no caso de Lemos, que

não pertencia a nenhuma família da aristocracia local, era natural que assim se comportasse diante do círculo fechado da alta sociedade paraense. São sinais exteriores necessários a uma sociedade, a qual, por meio das roupas, marcava o seu lugar e mantinha o poder de controlar a ascensão social e política do indivíduo, como observou a historiadora Gilda de Mello e Souza. É importante observar que apenas “um detalhe” – a roupa – foi apropriado pelos biógrafos para dar significados diferentes, o que nos permite afirmar que tanto para Fernandes como para Andrade o vestuário não passou despercebido da composição da figura pública do Intendente, vis-

“Eu não dispenso as homenagens a que tenho direito no dia da minha morte. Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. to que são meios apropriados pelo indivíduo para imprimir admiração, respeito e, sobretudo, autoridade considerando o cargo ocupado por Antonio Lemos. Mas este homem vaidoso era cheio de virtudes no dizer de Fernandes. Pai de família exemplar dedicava à esposa e aos filhos um amor incondicional, condição necessária aos homens daquele tempo, afinal o respeito e a honradez estavam intrinsecamente ligadas à devoção ao lar. Valente de Andrade desmistifica, no entanto, a áurea de “bom esposo” quando relata a paixão que o “velho” Intendente devotou a uma jovem professora do interior, ao ponto de pedir a membros da Igreja que desaparecessem com o registro de casamento religioso, o que, na certa, não foi atendido, provocando-lhe um ataque de fúria e de desafio à sociedade, ao exclamar que “no civil eu caso quantas vezes quiser”, segundo os relatos do biógrafo. Essa fama de conquistador de Lemos corria a cidade, como bem enfatizou Dalcídio Jurandir em sua obra Belém do Grão-Pará, ao colocar uma fala do personagem Virgílio que, “vendo

Inácia (sua esposa) no auge do fervor lemista, temeu pela fidelidade da mulher, pelo menos por sua reputação”, o que decerto é considerado por Humberto de Campos mais uma das maledicências criadas pelos inimigos políticos. Era um devoto, tanto que, apesar de ser maçon, recebeu das mãos da Ordem Romana o título de Grão Cavaleiro da Ordo Romanus Princeps Patronorum a Sancto Petro, concedido pelo papa Leão XIII. Valente de Andrade, Ricardo Borges e Carlos Rocque viram com desconfiança esse ato, por considerarem Lemos capaz das mais insuspeitas artimanhas para consolidar a sua autoridade e poder no cenário político paraense. O Intendente era considerado “a encarnação de um czar-mirim, um sátrapa de sobrecasaca e cartola, um sultão fardado de coronel da Guarda Nacional”, segundo Valente de Andrade. Para a Folha do Norte não passava de um “florido Cavour indígena”. Vejam quantas metáforas nessas representações: o sátrapa e o Cavour italiano simbolizam o tiranismo, o expansionismo e a dominação. De minha parte, também fico a me perguntar: como um indivíduo que muito antes de ser Intendente de Belém havia se envolvido numa querela com o padre Mâncio acerca dos jogos de loteria poderia receber uma honraria tão importante? Lemos os considerava imorais, enquanto o padre os defendia por motivos humanitários, afinal o dinheiro serviria para libertar os escravos, promover obras pias e ajudar a instrução pública. O Intendente se envolveu ainda em outra briga com o dito padre em torno de um projeto de construção de um teatro no Largo das Mercês, defendido por membros do Partido Liberal. Tal projeto colocaria abaixo a Igreja e parte do convento dos mercedários. E, por último, houve a famosa briga com o clero por não concordar com a anulação do seu casamento religioso. São apenas reflexões que nos convidam ao debate, afinal, como diria o historiador Benito Schmidt: “não é fácil a tarefa de contar uma vida, seja com luz ou papel, realidade ou imaginação”.

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HISTĂ“RIA

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ANTONIO LEMOS Todas as obras de Lemos foram realizadas com verbas municipais, notadamente através de taxas e tributos recolhidos direta ou indiretamente de lucros auferidos com a produção, transporte, financiamento, venda e exportação da borracha de látex, produto extraído da seringueira (Hevea brasiliensis)

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HISTÓRIA

Cada relato traz a marca do indivíduo, então continuemos a capturar as impressões de homens que viveram a contemporaneidade de Lemos e daqueles que foram recolher em tempos vividos os fragmentos das memórias lemistas. Entre 1915 e 1919, Humberto de Campos, jornalista que havia trabalhado na A Província do Pará, escreveu um livro intitulado Carvalhos e Roseiras, enfocando as mais ilustres personalidades brasileiras e, dentre elas, obviamente, estava a figura de Antonio Lemos. O escritor reconhecia que tudo o que haviam escrito sobre Lemos era com desmesurada paixão: ou o amavam ou o odiavam, e aqueles que lhes teciam os maiores louvores, geralmente, eram pessoas que o haviam servido servilmente. Por essa razão estava escrevendo após a morte do Intendente. Distanciando-se do indivíduo e do tempo, propôs-se a descrever a vida pública daquele “cuja corte era proporcionalmente, a corte de um príncipe italiano da Renascença”. O texto de Campos é mesclado de alegorias. Figuras da antiguidade 70 www.revistapzz.com.br

e da renascença italiana são apropriadas para retratar o indivíduo e o político biografado. Considera o Intendente a reencarnação de um Lourenço de Médici, visto que “como um homem sem uma cultura refinada poderia ter um espírito acabadamente aristocrático, prezando o luxo, amando a magnificência, apreciando as artes, protegendo as letras em uma sociedade burgue-

Antonio Lemos seria a concepção da majestade e da beleza, pena que o cenário fosse uma pequena cidade na longínqua Amazônia, o que nos leva a afirmar que o literato valorizava padrões europeus de civilização. sa e mercantilizada, sem o auxílio de uma cultura que lhe sugerisse tais sentimentos?”. Somente uma explicação considerava plausível, a crença na metempsicose. Como “os homens se repetem nos homens, não seria difícil ver em Antonio Lemos a inoportuna repetição de um Médici ou do Rei Sol, desvalorizada, apenas, no homem e na obra, pelo

evidente prosaísmo da época e pela triste vulgaridade do cenário”, enfatizava o escritor. Antonio Lemos seria a concepção da majestade e da beleza, pena que o cenário fosse uma pequena cidade na longínqua Amazônia, o que nos leva a afirmar que o literato valorizava padrões europeus de civilização. Preocupou-se o escritor em detalhar as festas promovidas pelo Intendente consideradas elegantes e civilizadas. Até mesmo uma simples regata na baía do Guajará mostrava soberba e magnificência desse. Eram regatas dignas das dos Doges de Veneza, no dizer de um memorialista. O que dizer então do carnaval? Mesmo sendo uma festa popular, a Intendência derramava conto de réis, como aconteceu em uma em que foram construídos camarotes para a elite e arquibancadas para o povo. Enfatizava que até mesmo Calígula construindo uma Via Ápia sobre as ondas e César construindo uma suntuosa residência não escandalizavam tanto a sociedade romana como Antonio Lemos com os seus gastos nababescos na promoção de festas. Murilo Menezes relembra a


suntuosidade das festas de carnaval, comparando-as aos carnavais de Nice, justificando que isso era possível porque a cidade e o seu comércio nadava em ouro. Mas, o Intendente era também um apreciador das artes, como Augusto que apreciava vasos famosos, um Francisco I que amava as esculturas, um Lourenço de Médici que adorava os pintores. Bastava olhar o seu gabinete na intendência e a sua residência que mais parecia um museu de Arte. Machado Coelho registra que “a cidade inteira era um autêntico museu e as galerias de pintura pertencentes a amadores, ao Estado e à Prefeitura municipal ostentavam telas dos mais renomados pintores nacionais e estrangeiros”. Eram objetos do mais apurado bom gosto, sobretudo, da França, da Itália, da Inglaterra e da Holanda. Voltando a Humberto de Campos, o escritor não podia deixar de observar que aquele homem que aparecia, todas as manhãs, com sobrecasaca irrepreensível, gardênia no peito, bengala de marfim incrustada de ouro e de pedras, não deixava de lembrar a figura de um grão-duque

educado em Paris. Assim, o Intendente era pintado em tons coloridos, vibrantes e refinados por um biógrafo que fez questão de registrar que escrevia sem a paixão daqueles que lhe emprestaram extravagantes qualidades de demônio ou de deus. Mais grandiosa do que essas palavras de Humberto de Campos é impossível encontrar outras com tanto vigor na busca dos rastros de uma

Com a finalidade de comemorar o aniversário do Intendente, foram criados clubes de honra como o União e Perseverança (o qual criou até uma folha dedicada a esse dia – o 17 de Dezembro), União e Firmeza, a Liga Política Senador Lemos vida tensa, ambígua, que insiste na diferença e que coloca ao historiador o desafio de dar a palavra a todos os protagonistas dessa história. A figura de Lemos precisava ser constantemente revigorada, portanto, nada mais oportuno do que comemorar a data de nascimento do ilustre político. Com a finalidade de comemorar o aniversário do Inten-

dente, foram criados clubes de honra como o União e Perseverança (o qual criou até uma folha dedicada a esse dia – o 17 de Dezembro), União e Firmeza, a Liga Política Senador Lemos, os quais eram apoiados em suas programações do dia 17 de dezembro pela A Província do Pará. Eram agremiações cujo fim específico era transformar a data numa verdadeira expressão de prestígio e poder do senador. O próprio Lemos reforçava essa imagem, tanto que em seu Relatório de 1907 transcreveu uma nota de jornal que registrava que: O dia 17 de dezembro tornou-se, com efeito, no Estado do Pará um dia de regozijo geral, um feriado popular, em que todos, em um conceito unânime, procuram patentear a sua gratidão a este cidadão. A notícia procurava dar a dimensão dos festejos que começavam de madrugada com o toque da Alvorada, com os espocar das girândolas no ar e com as fanfarras que animavam a presença dos que se concentravam em frente à sua residência. Em se guida, era celebrada uma missa em louvor à vida, cerimônia da qual deveriam participar todos aqueles que www.revistapzz.com.br 71


HISTÓRIA quisessem cair ou permanecer nas boas graças do aniversariante, segundo a acidez de Valente de Andrade. Posteriormente, o Intendente dirigia-se à sua casa para ler as mensagens enviadas pelos amigos e correligionários, eram cartas, cartões e telegramas que vinham de todas as paragens; era a ocasião de conferir os presentes que poderia ser desde “um simples bom-bocado que se desmancha na boca”, segundo Romeu Mariz, até uma medalha de ouro, uma valiosa estatueta ou uma carruagem de luxo. Os presentes eram tão valiosos que chegavam a ficar expostos em lojas da cidade, como ocorreu no aniversário do ano de 1902: No Palais Royal está em exposição um presente oferecido ao senador Antonio Lemos, pelos empregados da Recebedoria, no dia do seu aniversário natalício. Na Casa Krause & Irmãos também se acha em exposição outro presente [...]. Esse periódico, O Notícias, costumava sempre reproduzir os mínimos detalhes da festa, sobretudo a programação estabelecida pelos clubes como a executada pelo Clube União e Perseverança, no Instituto Carlos Gomes, que começava com uma “Marcha da ópera Aída, executada pela banda do Corpo de Bombeiros municipais, sob a direção do professor Cincinato de Souza”, terminando com o Paso doble “La Banda Trompetas”, depois do eloquente discurso proferido por Paulino de Brito. No aniversário do ano de 1908, ainda é possível perceber, mesmo que timidamente, a reunião de apoiadores em torno da data. O próprio Intendente assim descreveu em seu Relatório anual: No Hotel Paris reuniram-se ontem vários amigos do sr. Senador Antonio Lemos, em almoço íntimo para comemorar a data de seu aniversário natalício[...] Foi servido o seguinte menu: Hors d’oeuvre, poisson; Entrée: grillé, legumes; dessert: fruit, fromages; vins, champagnes; eaux minérales, café et liqueurs. Mesmo que o número de amigos fosse reduzido, ainda permaneceria o refinamento na Comemoração, como podemos perceber no cardápio oferecido pela ocasião, afinal o menu demonstrava requinte e apreciação da língua de Victor Hugo. O dia 17 de dezembro era o dia estabelecido para o beija-mão, uma prática que faz-nos lembrar de Pedro II, que apreciava o ritual dos sábados na Quinta da Boa Vista. No aniversário de Lemos não 72 www.revistapzz.com.br

era diferente, afinal essa prática monarquista era reproduzida por aqueles que faziam parte de seu círculo político ou de amizade, ou que desejavam integrá -lo e, dessa forma, procuravam mostrar admiração, subserviência por meio de reverências, de poesias, de notas de júbilo e louvor pela data. Enfim era um dia de louvações “ao venerando chefe”, “ao grande estadista”, “ao proeminente senador”, ao “benemérito”, chegandose muitas vezes a compará-lo a Napoleão “com o peito inexpugnável diante das pirâmides do Egito”. Os áulicos não cansaram de homenageá-lo e Lemos sabia muito bem que essas comemorações significavam o momento de reafirmar a sua autoridade, ao mesmo tempo em que servia para reforçar a “política

“Os áulicos não cansaram de homenageá-lo e Lemos sabia muito bem que essas comemorações significavam o momento de reafirmar a sua autoridade.” do favor”, prática que espelhava a política central e tão bem aproveitada pelos amigos e parentes que desejassem obter concessões para a exploração de serviços urbanos ou para a construção de obras. Os contemporâneos procuraram, de uma forma ou de outra, manter esse vínculo com o passado lemista, aprisionar a sua memória, estabelecer lugares da memória, mesmo que os acontecimentos violentos de 1912 tivessem marcado as lembranças da cidade. Portanto, relembrar as festas de aniversário era uma forma de buscar a permanência do passado pelos guardiões da memória. Passados alguns anos após a expulsão de Antonio Lemos da cidade, diante da crise econômica que havia atingido, sobretudo, os negócios públicos, começaram a surgir os primeiros relampejos de uma memória saudosista, que foram se tornando cada vez mais fortes e presentes ao passar das décadas. E, um dos indícios eram as reclamações contra o abandono e a sujeira da cidade, como bem registrou Franciane Lacerda em um dos seus textos, ao relembrar as imagens da cidade de 1916, veiculadas na imprensa destacando a contundente

frase “Belém era porca como Constantinopla”. Em 1924, A Província do Pará reavivou a memória do seu fundador com um artigo “Senador Antonio Lemos: seu dia natalício”, um texto laudatório que procurava retirar das cinzas a imagem do administrador chamuscada pelo fogo dos incêndios de 1912. Em 1931, o jornalista Romeu Mariz, retomando as imagens do aniversário do Intendente, comparava os presentes recebidos no dia do aniversário a ex-votos, como se este homem pudesse ser comparado à veneração dos santos. Os vestígios do senador intendente não se apagaram e, em 1940, Raul Azevedo publicou, em A Província do Pará, um longo artigo retratando a administração lemista e ratificando o caráter bondoso do administrador, ao lembrar o seu esforço junto a Lauro Sodré para trazer o maestro Carlos Gomes para Belém, embora este já estivesse bastante enfermo. Em 1943, é a vez do Instituto Histórico e Geográfico do Pará rememorar o político, ao promover uma sessão em homenagem ao centenário de nascimento de Lemos. Romeu Mariz, mais uma vez, foi o escolhido para fazer a saudação ao homenageado. Enfatizando os traços pujantes do homem, do político, do administrador e do jornalista, procurou colocar essas lembranças num lugar de permanência da memória de um determinado grupo. A partir da década de 1960, uma série de obras, embora algumas não tivessem um caráter propriamente biográfico, privilegiou em seu enfoque a figura do grande urbanizador da cidade, numa espécie de salvamento de uma memória ameaçada pelo esquecimento. Constituiu-se num esforço da construção de uma memória coletiva. Basta observar que em 1963 o escritor Leandro Tocantins, sob a forma de um guia histórico, escreveu Santa Maria de Belém do Grão -Pará. Segundo o autor, o propósito não era descrever a figura do político que a oposição teimava em afirmar que este não sabia ter adversários, pois, mesmo que assim fosse, as suas obras e o seu desempenho na Municipalidade “o redimiriam dos erros ou dos excessos de mandonismo”. A memória de Mariz lembra um pouco aquela que biografou Humberto de Campos, ao comparar Intendente às grandes figuras da história universal, além de conside Em 1968 vem a público a obra de Cor-


A PROVÌNCIA A sede do Jornal A Província do Pará crivada de bala e incendiada pelos opositores de Antonio Lemos.

rêa Pinto, intitulada Belém: Imagens e Evocações. No capítulo dedicado à “Belém da Belle Époque”, o escritor faz uma apologia do tempo lemista, considerando que Lemos foi um governante de todas as classes ao procurar nivelar a todos num só ideal: o engrandecimento da cidade. Assim como Tocantins, o escritor Corrêa Pinto tentou redimi-lo de suas ações caudilhistas, pois: Na realidade, atribuíram-lhe atos que nunca praticou, frases que jamais proferiu, vinganças que nem por sombra concebeu. E mesmo que houvesse cometido um sem número de erros, como político, o que realizou em Belém, como administrador, davalhe direito ao amor público irrestrito e perene. Essa memória abominável não era a

que deveria ser cultuada, é o indizível que os seus guardiões procuram tornar subterrânea, é como se todas as ações condenáveis pudessem ser enterradas

A partir da década de 1960, uma série de obras, embora algumas não tivessem um caráter propriamente biográfico, privilegiou em seu enfoque a figura do grande urbanizador da cidade debaixo das grandes realizações do esteta, do homem público que protegia as artes e embelezava a cidade. No jogo da memória, há um tempo que deve ser conservado e consagrado. Como diz Marina Maluf, a memória é sagrada e a história, profana, dessa-

cralizadora dos mitos, mas , nesse jogo enquadramento da memória, a figura de Lemos sobressai como o elemento redentor de um passado de glória. O ano de 1973 marca uma série de acontecimentos nesse circuito de re avivação da memória lemista. Nesse ano do traslado dos restos mortais do Intendente para Belém, o jornalista Carlos Rocque publicou o livro Antonio Lemos e sua Época, obra encomendada pelo prefeito Nélio Lobato, para fazer parte dos eventos de retorno das cinzas de Antonio Lemos. Rocque propôs-se a fazer uma “análise fria” para que “o leitor sinta com mais crueza ou mais realismo”. Compartilhando com autores que escreveram no início do século XX, ele deu ênfase aos embates político-partidários e às vozes dos biógrafos lemistas, desprezando um olhar social www.revistapzz.com.br 73


HISTÓRIA que pudesse trazer à cena os indivíduos anônimos, os trabalhadores da cidade, a gente simples que circulava nas ruas, atores dessa história construída em fragmentos. O autor, ao mesmo tempo em que tenta justificar a neutralidade de sua análise, enfatiza que não saberia dizer em que Lemos foi mais perfeito, visto que: Como político, criou a maior oligarquia que já houve no Pará, enfrentando os mais respeitáveis nomes do republicanismo local; como jornalista, fez de “A Província do Pará” o melhor jornal de todo o Norte, e sem qualquer exagero, um dos maiores do Brasil; como administrador transformou a pequena Belém em uma das mais modernas metrópoles do país. Trata-se de uma análise fragmentada muito comum nos escritos biográficos

“A Província do Pará” o melhor jornal de todo o Norte, e sem qualquer exagero, um dos maiores do Brasil; transformou...”. de então, lembrando que Carlos Fernandes, um dos primeiros biógrafos de Lemos, também havia pensado a sua obra compartimentando as ações do Intendente, no homem, no político, no jornalista e no administrador. Aliás, esta mesma compreensão tinha Romeu Mariz, como se o indivíduo a cada momento tivesse que desempenhar um papel que lhe era atribuído. É sabido que o contexto econômico da época favoreceu a execução de um audacioso projeto de urbanização da cidade, assim como a qualificada equipe de jornalista de A Província do Pará deu-lhe condições para tornar-se chefe de um dos melhores jornais do país, assim como a própria conjuntura política lhe favorecera a sua ascensão política. Isto não quer dizer que não possamos reconhecer a competência do urbanizador e o seu compromisso com a cidade que lhe acolhera, tanto que é possível afirmar que as obras de urbanização sobreviveram ao seu desaparecimento, funcionando como

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testemunhos de um passado que deverá ser sempre lembrado. Nesse mesmo ano de 1973, dedicado ao sesquicentenário da Adesão do Pará à Independência do Brasil, o historiador Ernesto Cruz, com o patrocínio da Universidade Federal do Pará, publicou um livro em dois volumes, intitulado História de Belém, no qual dedica um dos capítulos a Antonio Lemos. Nesta obra, o historiador fez questão de ressaltar apenas as obras urbanísticas realizadas na cidade que se transformou em “um ninho de cultura e de beleza [...], por isso não era [...] possível calar, a admiração profunda e respeitosa pelo esteta que soube fazer de uma cidade despretensiosa, a mais bela capital do Norte”. Como herdeiro de uma tradição positivista, Ernesto Cruz procurou inserir a cidade de Belém no modelo de civilização, a partir da compreensão

dos fatos, e ao consolidar a imagem de Lemos como “um verdadeiro urbanista, um artista primoroso, plasmando com o cinzel de sua imaginação a cidade que amava com o enternecimento de um po-

“Um verdadeiro urbanista, um artista primoroso, plasmando com o cinzel de sua imaginação a cidade que amava com o enternecimento de um poeta”. eta”. Em 1978 surge uma publicação intitulada Antônio José de Lemos, o plasmador de Belém: em defesa de um nome, de autoria de Augusto Meira Filho, engenheiro, político, historiador, em resposta ao ataque à figura do Intendente, feito


PEIXE COM FARINHA A charge publicada na época que representa os comerciante contra a taxação de imposto sobre o preço da farinha e do pescado na cidade de Belém. cidade. Os guardiões da memória não o vincularam a seu poder de mando político. Ele se con stituiu no mais competente urbanizador da cidade, e suas obras devem sempre ser relembradas, pois é este o passado que continua dando à cidade o estatuto de civilização. Há um intenso trabalho de enquadramento dessa memória e ela fez-se necessária para firmar um passado cuja imagem deveria manter os referenciais do grupo social que ajudou a construir o mito da belle époque. Ainda penso que a recuperação do tempo de Lemos ainda é necessária, é a utopia, é “o sonho que nós ainda podemos sonhar”, como escreveu um anônimo, é a esperança que paira sobre a cidade e que busca preencher uma lacuna que ainda perdura.

por Emanuel Sodré em uma entrevista concedida a Carlos Rocque. Sodré teve a pachorra de chamar o ilustre Intendente de “jardineiro”. Em desagravo à memória de Antonio Lemos, o vereador Meira Filho fez mais: utilizou a tribuna da Câmara Municipal e proferiu um contundente discurso em resposta “ao terrível e grande veneno de intrigas e ódios” destilado pelo filho de Lauro Sodré. Lembrava o orador que a memória de Lemos estava sendo deturpada da mesma maneira que enxovalharam a memória dos cabanos, que por muito tempo foram considerados sanguinários, bárbaros, por isso, era preciso combater esta associação da imagem do político a da destruição. Afinal, dizia Meira em tom pedagógico, que era preciso que a mocidade paraense “tomasse conhecimento de exemplos do passado, conhecer a vida política do Estado, nos albores do século para dignificá-la”. Ainda

ressaltava que esta era uma vida de um homem com “um cabedal de inteligência insuperável”, que conseguiu superar até mesmo a sua própria condição humana. Enfatizava que os seus “filhos iriam tomar conhecimento e reconhecer no maranhense de nascimento o notável paraense de coração”. Percebe-ae que há uma tensão na memória do “político de fora”. Osvaldo Orico registra que Lauro Sodré levava vantagem sobre Lemos, por ser “paraense nato, caboclo da terra – à qual estava unido por vínculos de sangue e sentimento”. Portanto, esse entrelaçamento dos lugares de Lemos reflete uma necessidade de enraizar não só o indivíduo, mas também a sua própria memória. No lugar do Maranhão, Antonio Lemos teria a sua memória assentada definitivamente no solo paraense. Todas as obras conhecidas até a década de 1970 procuraram ligar a figura de Antonio Lemos ao de o maior urbanizador da

Em desagravo à memória de Antonio Lemos, o vereador Meira Filho fez mais: utilizou a tribuna da Câmara Municipal e proferiu um contundente discurso em resposta “ao terrível e grande veneno de intrigas e ódios” destilado pelo filho de Lauro Sodré. Em desagravo à memória de Antonio Lemos, o vereador Meira Filho fez mais: utilizou a tribuna da Câmara Municipal e proferiu um contundente discurso em resposta “ao terrível e grande veneno de intrigas e ódios” destilado pelo filho de Lauro Sodré. Ao longo deste texto, procurei apresentar os fragmentos das memórias do idealizador da belle époque, percorrer os rastros de um mito e, como os mitos não podem ser simplesmente destruídos, aqui está a história de um deles, talvez o mais poderoso, o mais revisitado, o mais emblemático da história republicana paraense.

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HISTÓRIA

FIM DE UMA ERA Acima, residência de Antonio Lemos ocupada e destruída pelos Lauristas.

DEPOIEMENTO Ao lado, documento escrito por Lemos despedindo-se do Pará.

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Maria de Nazaré Sarges possui graduação em História pela Universidade Federal do Pará (1968), mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1990),doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1998) e pós-doutorado pela Universitat de Barcelona/ES (2011). Atualmente é professora associada da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império, atuando principalmente nos seguintes temas: Belém, cidade, Amazônia, migrações, belle époque. (Texto informado pelo autor)

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Carlos Pará

VER -OPESO Fotografias de Helly Pamplona

O Fotógrafo Helly Pamplona aporta suas lentes em Belém no mercado do VER-O-PESO e registra as multifaces do maior mercado livre da América Latina, através de uma relação íntima de vivência e convivência, particular e histórica do ambiente fotografado e do ato fotográfico.

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TROVA Se me mandassem pesar o peso que a vida tem, eu passaria minha vida a Ver-o-Peso em BelĂŠm. JosĂŠ Ildone

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ENSAIO FOTOGRテ:ICO

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VER-A-GARÇA Nossa vida vista em foco Asa branca da cidade Olímpico voo da paz. Ao prumo a postura audaz Em ser livre sem mistério Garça rasante em cartaz. O segredo é pesar bem Ululante Ver-o-Peso Autoestima de Belém. GARIBALDI NICOLA PARENTE

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

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enho um encanto e um fascínio particular pelo Ver-o-peso. Quando tinha uns 12 a 13 anos, eu e meu irmão Max e o meu Pai vínhamos num batelão do Marajó com o nome de “Anjo da Guarda” e sempre descíamos no Ver-o-Peso. Era fantástico chegar em Belém e ver toda aquela movimentação depois de horas de viagem. Antes o mercado era muito mais rústico, cheio de barracas de lona, canoas a vela atracadas no porto, batelões do Marajó, de Ponta de Pedras, de tudo que é parte do interior chegavam carregados de manga, banana, açaí, jambo, farinha, peixe, galinha, pato, porco, cerâmica, artesanatos de Abaetetuba, uma coisa que me encantava. Era um universo desconhecido para mim quando eu nem sonhava em ser fotógrafo ou ter a pretensão de registrar uma realidade com o olhar focado na cultura ou no patrimônio histórico” comenta o fotógrafo Helly Pamplona. O saudosismo que se aguça na memória, nas lembranças de suas vivências no Marajó fazem Helly procurar em Belém paisagens e lugares que brotam a natureza. Por isso, encontra no Ver o Peso, no Parque do Utinga, no Bosque, no Museu, no Mangal das Garças espaços da memória. “Há uns quinze anos atrás, quando vim pra Belém, de mala e cuia e resolvi assumir a fotografia profissionalmente, surgiu um concurso de fotografia: Um Olhar para Belém, foi que direcionei meu olhar para o Ver-o-peso. O resultado disso, foi que tive duas a três fotos selecionadas para entrar no catálogo. A partir daquele mmomento, dei continuidade aos registros do lugar e fui fazendo amigos por lá, com as erveiras, as boeiras, os pescadores, os barqueiros. Eu me identifico com as pessoas de lá. O Ver-o-peso tem mil faces, eu consi-

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dero o maior cartão postal do Pará. Cada dia que vou lá está diferente a luz, a arrumação dos barcos, a maré, o céu. Às vezes está com chuva outras vezes um sol escaldante. O ver o peso é imprevisível, permanente em suas transições de cor e de cenário. De repente o tempo se transforma e propicia fotos maravilhosas, um encanto constante. Eu sei que já fizeram milhares de fotos do lugar mas eu tenho uma coisa comigo que é de fazer uma foto diferente de tudo o que já fizeram e que tenham usado. E quando eu aporto no Ver-o-Peso, onde foi que começou toda a história de Belém, vejo a nossa cultura, uma coisa muito forte, muito rica, fico maravilhado. Quem consome o açaí, o peixe, as frutas,

O Ver-o-peso tem mil faces, eu considero o maior cartão postal do Pará. Cada dia que vou lá está diferente a luz, a arrumação dos barcos, a maré, o céu. Às vezes está com chuva outras vezes um sol escaldante. O ver o peso é imprevisível, permanente em suas transições de cor e de cenário. De repente o tempo se transforma e propicia fotos maravilhosas, um encanto constante. a farinha, e tudo que se vende por lá. Não tem a noção de onde e como vem, de todo o processo da origem ao consumo, da dedicação e do esforço daqueles que vivem, muitos de geração a geração, trabalhando de sol a sol, de chuva a chuva no mercado do Ver-o-Peso”. Helly Pamplona por entre as frestas dos barcos e dos paneiros, entre voos rasantes de urubus e garças, entre o ir e vir das embarcações, banhado pela chuva ou pela

luz do crepúsculo, seu olhar fica cheio de uma cidade que não é só sua, mas de uma multidão de feirantes, de fregueses, de barqueiros, de peixeiros e toda uma população invisível e indiferente que não passa despercebida por suas lentes ávidas de um belo registro. Entrar no Ver-o-Peso no cais das embarcações que vem das lIhas, do Guamá, do Salgado, do Tocantins, do Marajó, atracados defronte do Mercado de Ferro, da Praça do Relógio, da Feira do Açaí, estacionadas no porto secular de transações e transições culturais onde os velhos sobrados comerciais se perpetuam atravessando gerações da cidade, davam a Helly Pamplona a impressão dos lugares que via nas revistas que colecionava no Marajó. As embarcações construídas em municípios do interior do Pará, Vigia, Igarapé-Miri, Vigia, batizados pelos donos com nomes de santos, com nomes próprios à devoção, à homenagens, estacionam no mesmo lugar onde há quatro séculos atrás, caravelas aportaram e fincaram seus pilares de civilização, de domínio territorial. Ao mesmo tempo que construíram uma fortaleza, e erigiram em seu centro uma pequenina Igreja, lançando assim os humildes cimentos de uma nova cidade, declarando a padroeira Nossa Senhora de Belém. Ao tempo da descoberta e da fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão Pará, era a raça tupi que predominava nessas vastíssimas regiões com o nome de Tupinambá, raça e povo que nos herdaram as características físicas e os elementos da cultura que se perpetuam na tradição do povo paraense, além dos vestígios da língua indígena perpetuados nos nomes de ruas, comidas típicas, animais e lugares de Belém: tacacá, jambú, tucupi, andiroba, copaíba, arara, guará, tamaquaré, mandioca, Guajará, bacuri, açaí bacaba. O que Manoel Bandeira falava no poema “Beleza eterna da paisagem/ Bembelelém! / Viva Belém! (...)Terra da castanha / Terra da borracha /Terra de


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biribá bacuri sapoti /Terra de fala cheia de nome indígena / Que a gente não sabe se é fruta pé de pau ou Ave de plumagem bonita / Nortista gostosa / Eu te quero bem” Herdamos as tecnologias sociais da feitura da farinha, do tucupi, dos paneiros de talas de miriti, do matapi, do artesanato e do moqueio que faz parte da gênese da gastronomia paraense. “Sou fascinado pelas ervas e cheiros do Ver-o-peso, sou um adepto da medicina natural e há muitos anos vou comprar medicamentos lá, a casca da socuba, o leite da socuba, a andiroba e copaíba, o amor crescido para fazer chá, um excelente antiflamatório e para dor de estomago, o banho de cheiro para atrair sorte. Tem o Jucá que é um cicatrizante, o barbatimão que vem sendo pesquisado pelo Butantã para 84 www.revistapzz.com.br

ser usado contra mordida de serpente. No Ver-o-peso tem um universo medicinal que já ajudou muita gente a combater o câncer e outras doenças, merece inclusive ser mais incentivado as pesquisas das ervas e ser reconhecido o conhecimento popular tradicional das Erveiras. Tenho certeza que num futuro bem próximo vamos ter esse reconhecimento dessa medicina caseira” afirma o fotógrafo. As fotografias de Helly tem um caráter singular por essa relação íntima que vem cultivando por anos e por essa relação que se identifica com suas crenças e seus costumes marajoaras. Ao longo de sua temporada em Belém registra as multifaces do Ver-o-Peso através dessa relação próxima de vivência e convivência, particular e histórica do ambiente fotografa-

do e do ato fotográfico. Através das lentes consegue enxergar o que um cidadão que passa diariamente por aquele espaço da cidade não se apercebe da dimensão econômica, social, cultural, natural e artística que o lugar abriga. O importante é sentir-se parte daquele universo, ver de dentro pra fora e dar visibilidade ao que é invisível aos olhos comuns, registrar o contato que está todo voltado para o que se vê, cheira, come, sente, numa relação do fotógrafo com a paisagem e com tudo que envolve essa paisagem. O fotógrafo, sem anunciar-se, fecha o ângulo e mira sua lente, que mantinha à distância. Aproxima-se o zoom, adentrase, sem a permissão de eternizar pequenos instantes em grandes imagens. De barco, caminhando, flutuando pelas águas barren-


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ENSAIO FOTOGRÁFICO tas do Guajará, espreitando a movimentação desse universo sem ser percebido reveste-se da atmosfera do lugar. As fotografias do Helly tem essa particularidade, o foco direcionado para as belezas naturais e para o povo paraense, principalmente os ribeirinhos. A fotografia não registra a algaravia da feira, os burburinhos, os tecnomelodis, os bregas e guitarradas, o ruído dos pôpôpôs dos motores, dos ônibus, do rádio cipó, oculta os odores e as dores do lugar, as insanidades, a prostituição, os pequenos crimes, as vozes do Ver-o-Peso no íntimo rumor de suas emoções, a cidade vem e vai, o mercado vai e vem, maré delirante de imagens e como num rio de Heráclito flutuando num mar invisível, toda vez que retorna no veropa o rio não é o mesmo, a luz, a chuva, o calor, o lugar não são mais o mesmos, nem ele é mais o mesmo, um outro. Helly compara-se a um turista aprendiz, de um olhar estrangeiro que se encanta e se apaixona e se deixa arrastar pela intuição através daquele labirinto histórico cultural. Helly compara-se a um turista aprendiz, de um olhar estrangeiro que se encanta e se apaixona e se deixa arrastar pela intuição através daquele labirinto histórico cultural. Agora, homem da cidade, afirma-se no cenário de grandes fotógrafos pelo seu modo de fotografar. O olhar é outro.

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Max Martins

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Ver-O-Peso A canoa traz o homem a canoa traz o peixe a canoa tem um nome no mercado deixa o peixe no mercado encontra a fome a balança pesa o peixe a balança pesa o homem a balança pesa a fome a balança vende o homem vende o peixe vende a fome vende e come a fome vem de longe nas canoas ver o peso come o peixe o peixe come o homem? vende o nome vende o peso peso de ferro homem de barro pese o peixe pese o homem o peixe é preso o homem está preso presa da fome ver o peixe ver o homem vera morte vero peso.

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Bembelelém! Viva Belém! Belém do Pará porto moderno integrado na equatorial Beleza eterna da paisagem Bembelelém! Viva Belém! (...) Terra da castanha Terra da borracha Terra de biribá bacuri sapoti Terra de fala cheia de nome indígena Que a gente não sabe se é fruta pé de pau ou Ave de plumagem bonita Nortista gostosa Eu te quero bem Me obrigarás a novas saudades Nunca mais me esquecerei do teu Largo da Sé Com fé maciça das duas igrejas maravilhosas barrocas O renque ajoelhado de sobradinhos coloniais tão bonitinhos Nunca mais me esquecerei das velas encarnadas Verdes Azuis Da doca de Ver-o-Peso Nunca mais E foi pra me consolar mais tarde Que inventei esta cantiga: Bembelelém! Viva Belém! Nortista gostosa Eu te quero bem. Manoel Bandeira, 1928.

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INDÚSTRIA

Evandro Flexa Jr.

pará investimentos Uma versão executiva atualizada do estudo ‘Pará Investimentos (2015-2020)’ foi elaborada pela iniciativa da REDES - Inovação e Sustentabilidade Econômica, da FIEPA, reunindo as principais previsões de entrada de recursos em território paraense a partir de projetos estruturantes para os próximos cinco anos.

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posicionamento geográfico estratégico, a diversidade de riquezas naturais, e uma população acolhedora fazem do Pará um solo fértil para investimento em novos negócios. Nos últimos anos, o Sistema Fiepa, por intermédio da iniciativa Redes – Inovação e Sustentabilidade Econômica, vem mapeando a atração desses investimentos estrangeiros - ou de outras regiões do Brasil - no Pará, a partir da publicação Pará Investimentos. O objetivo é fomentar a atração de parceiros estratégicos, bem como nortear, de maneira objetiva e pragmática, o setor público e as cadeias produtivas na busca por soluções para os inúmeros desafios estabelecidos no estado. A diversidade da vocação econômica do estado do Pará, que agrega cadeias produtivas em setores estratégicos como infraestrutura, logística, energia, mineração, agronegócios, petróleo e gás coloca o estado em posição privilegiada na economia brasileira. Grandes projetos industriais estão sendo atraídos para o território paraense: Segundo o estudo Pará Investimentos, da REDES/FIEPA, até 2020, estima-se que o estado receberá quase R$ 200 bilhões de investimentos. Esta cifra corresponde a um aumento de 38% na expectativa de investimentos em pouco mais de dois anos, já que em 2012 o cenário identificado sinalizava R$ 130 bilhões para o mesmo período de acordo com o mesmo estudo. É preciso destacar que mais de 90% destes investimentos são da iniciativa privada*. Esta previsão tem se confirmado nos últimos meses com a apresentação e celebração de convênios junto ao Sistema FIE96 www.revistapzz.com.br

PA de novos projetos industriais em setores como logística, infraestrutura, energia, biotecnologia, agroindústria e mineração. Neste contexto favorável, destacamse os setores de infraestrutura e logística, que devem atrair mais de R$ 61 bilhões, correspondentes a 34,2% dos investimentos; energia, com mais de R$ 55,9 bilhões, responsável por 31,2% dos investimentos; e mineração, com quase R$ 50 bilhões, que corresponde por 28%.

Segundo o estudo Pará Investimentos, da REDES/FIEPA, até 2020, estima-se que o estado receberá quase R$ 200 bilhões de investimentos. Esta cifra corresponde a um aumento de 38% na expectativa de investimentos em pouco mais de dois anos, já que em 2012 o cenário identificado sinalizava R$ 130 bilhões para o mesmo período de acordo com o mesmo estudo. Estes projetos têm expectativa de geração de mais de 200 mil novas vagas de trabalho na região e têm como condição para implantação e operação priorizar a produção sustentável, processos inovadores e as compras junto à cadeia de fornecedores locais, estimulando a rede dos micro, pequenos e médios negócios e gerando desenvolvimento mais equitativo para o estado. O Sistema FIEPA, instituição mantida pela iniciativa privada, está preparado para

atender a demanda destes novos projetos, duplicando a atuação do SENAI na capacitação da mão de obra local e com serviços e soluções, além do SENAI, do SESI, IEL, iniciativa REDES e Centro Internacional de Negócios (CIN) para o desenvolvimento humano, empresarial, tecnológico e a responsabilidade socioambiental em frentes como educação: básica, profissional e executiva; tecnologia e inovação; saúde, segurança, qualidade de vida, gestão e internacionalização de empresas. Nos próximos 5 anos, o SENAI irá investir aproximadamente R$ 260 milhões em melhorias de instalações como o Instituto SENAI de Inovação em Tecnologias Minerais, unidades e equipamentos. Ao longo dos próximos 3 anos, o SESI Pará investirá aproximadamente R$ 180 milhões em melhorias de instalações, unidades e equipamentos. Por meio do IEL, os novos projetos industriais terão assessoria técnica para selecionar e monitorar os programas de estágios destes empreendimentos; Com o CIN serão disponibilizadas consultorias em gestão e diversos serviços de apoio à internacionalização de empresas e por meio da iniciativa da REDES - Inovação e Sustentabilidade Econômica, da FIEPA, serão desenvolvidas ações de fomento, aprimoramento dos fornecedores locais bem como a interface destes negócios com grandes projetos industrias instalados, em instalação ou em ampliação no estado. O Sistema FIEPA tem contribuído no processo de atração de investimentos também com estudos da REDES/FIEPA, que sinaliza as projeções e perfis dos investimen-


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INDÚSTRIA tos, que envolvem recursos a partir de R$ 30 milhões, previstos para o estado e com o estudo Norte Competitivo, que mapeia e oferece um diagnóstico dos modais logísticos de nossa região, mostrando a necessidade urgente de investimentos para renovação deste setor. Estes estudos têm sido consultados por governos federais e estaduais e pela iniciativa privada, que vem confirmando os investimentos sinalizados e soma-se a um novo posicionamento do governo do estado, que incentiva a atração de empreendimentos que priorizem a verticalização do setor produtivo. Neste caminho, acreditamos que o Pará, considerando a necessidade ainda de aprimorar políticas públicas de incentivos fiscais que reduzam o Custo Amazônia, avança em um novo modelo econômico mais competitivo. NOVOS EMPREENDIMENTOS Ao todo, estão previstos 54 grandes projetos em território paraense, sendo que boa parte deles apresentam obras em estágio avançado, e outros se encontram em operação. Pelo menos 90% destes projetos são de domínio da iniciativa privada, o que demonstra a credibilidade do estado perante o mercado nacional e mundial. E novas prospecções de investidores estrangeiros continuam acontecendo. Somente este ano, o Pará assinou protocolo de intenções com o maior grupo de construção integrada do mundo, a China Railway Construction Corporation Limited (CRCC), que firmou compromisso junto ao governo paraense para uma série de investimentos, com destaque para a área de logística. Nos últimos anos, diversas comitivas internacionais estiveram no Pará, estabelecendo acordos co-

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merciais. Entre os mais recentes está a visita do cônsul comercial da província de Ontário, localizada no Canadá, Todd Barrett, que esteve em Belém para prospectar o desenvolvimento de novos negócios. Entre os novos investimentos previstos para o estado – não mapeados na versão anterior (2015) do Pará Investimentos -, está o aporte do Grupo Jari, empresa do grupo Orsa, que solicitou ao BNDES R$ 400 milhões, a serem distribuídos entre as três operações da companhia: Jari Celulose (R$ 250 milhões), Jari Florestal (R$ 100 milhões); e a Fundação Jari (R$ 50 milhões). O principal objetivo da injeção financeira é adaptar a fábrica do Vale do Jari, região amazônica entre os estados do Pará e do Amapá. A companhia entrará para o mercado de celulose solúvel e se tornará a segunda produtora relevante desse tipo de matéria-prima na América Latina. A execução do projeto em regime EPC (do inglês Enginnering, Procurement and Construction) ficou a cargo da Jaraguá Equipamentos, já contratada pelo grupo. Outro importante projeto em curso está sendo conduzido pela empresa DTA Engenharia Ltda, que venceu a licitação de R$ 520,6 milhões, relativa ao derrocamento do Pedral de São Lourenço. A forma- ção rochosa no Rio Tocantins tem 43 quilômetros de extenDESAFIOS são e está localizado entre a Ilha do Bogéa Diante dos vultosos investie a localidade de Santa Terezinha do Tauri, mentos previstos para o estado, em Itupiranga, no Pará. O trecho integra o alguns desafios têm se tornado corredor logístico CentroNorte, que vai unir prementes, sendo que a necesMarabá até Vila do Conde. O derrocamento sidade de verticalizar a produção facilitará o escoamento da produção local e local é um dos principais deles nacional pelo transporte hidroviário. A obra deve ser entregue pelo governo federal em cidos em território paraense até 2020 estão quatro ano. em operação ou passam a operar a partir de 2016. O Projeto S11D, por exemplo, rePROJETOS CONSOLIDADOS Quinze por cento dos projetos estabele- alizou, no início deste ano, os primeiros testes na correia do Transportador de Longa Distância (TCLD). Os testes fazem parte da etapa de comissionamento e permitem avaliar se o funcionamento dos equipamentos está conforme o planejado. Esta foi a primeira vez que o TCLD foi movimentado. Após os testes sem carga, o equipamento será liberado para o comissionamento com carga. Outro empreendimento em etapa final de testes é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que deve começar a gerar energia ainda no primeiro quadrimestre de 2016. Já no caso dos projetos em operação, ganham destaque o Porto da Bunge em Miritituba, no oeste do estado. Do total dos investimentos previstos para o estado até 2020, segundo os levan-


FOTO: eny miranda / arquivo agência vale

PORTO DE MIRITITUBA ITAITUBA (PA) tamentos do Sistema Fiepa, na ordem de R$ 178,7 bilhões, 27,74% (R$ 49,6 bilhões) estão sendo injetados diretamente na indústria da mineração. Somente a região de Carajás, maior concentradora da atividade minerária do estado, reunirá 52% dos investimentos previstos para o território paraense. Das dez maiores empresas (considerando a receita líquida), quatro são do setor de metalurgia e mineração: Vale, Hydro Alunorte; Albras; Mineração Rio do Norte (MRN) e Sinobras. Vale ressaltar que o setor mineral cresce anualmente acima de 10% no Pará. Outro ponto de destaque é investimento das empresas Hydro e Sinobras no processo de verticalização da cadeia mineral. Empresas com aporte confirmado ou com projeto em andamento entre elas a Cevital com R$ 7 bilhões; Sinobras com R$ 200 milhões e a Timac Agro com R$ 150 milhões. DESAFIOS Diante dos vultosos investimentos previstos para o estado, alguns desafios têm se tornado prementes, sendo que a necessidade de verticalizar a produção local é um dos principais deles. A indústria paraense também vem buscando: desenvolver técnicas inovadoras de extração e beneficiamento de minério de ferro com menor impacto ambiental e que contribua diretamente

com índices de sustentabilidade social e econômica; facilitar o escoamento da produção a partir de uma logística de transporte eficiente, pluralizando as modais de vazante (hidrovias e ferrovias – redução no custo do transporte); qualificar a mão de obra paraense, de forma que os empregos gerados a partir dos grandes projetos possam interna-

No ano passado (2015), dentre os 26 estados brasileiros, apenas o Pará apresentou projeções positivas de crescimento real do PIB, na ordem de 0,95%, contra uma expectativa de crescimento negativo (-3,02%) do Brasil. lização a renda e gerar um efeito cíclico em termos sociais e econômicos. SITUAÇÃO BRASILEIRA E REALIDADE PARAENSE Mesmo diante do atual cenário econômico vivenciado pelo País, o Pará vem resistindo aos indicadores negativos. O Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma de todas as riquezas de uma determinada região, é um dos balizadores deste equilíbrio

de desempenho. No ano passado (2015), dentre os 26 estados brasileiros, apenas o Pará apresentou projeções positivas de crescimento real do PIB, na ordem de 0,95%, contra uma expectativa de crescimento negativo (-3,02%) do Brasil. Outro fator relevante é o crescimento da indústria, já que o Pará apresentou a maior variação (5,7%) do País dentre os 14 estados pesquisados pelo IBGE no ano passado. Doze, das 14 unidades federativas avaliadas registraram números negativos em 2015. De acordo com as projeções da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), o PIB paraense deverá crescer acima de 2% a partir do ano que vem (2017). A estimativa é justificada a partir de três grandes setores que receberão vultosos investimentos nos próximos anos: o extrativo mineral; o de infraestrutura e logística; e o de geração de energia elétrica. As três atividades, juntas, representam cerca de 80% dos investimentos que o Pará receberá nos próximos anos e explicam o dinamismo da economia do Pará no quadriênio vindouro. Os estudos da Fapespa mostram ainda que dois fatores vêm sendo fundamentais para desempenho do Pará, que teve atenuado os impactos da recessão instalada na economia brasileira: (1) a base econômica, assentada na produção de minérios, na construção de grandes usinas geradoras de www.revistapzz.com.br 99


energia elétrica e obras de infraestrutura e logística, para dar suporte ao modelo atualmente existente; (2) o ambiente macro institucional, uma vez que o estado apresenta finanças públicas equilibradas, sendo a unidade federativa com o menor grau de endividamento frente aos demais estados, além das medidas de equilíbrio fiscal promovidas pelo governo. INVESTIMENTOS PREVISTOS POR REGIÃO (2015 - 2020) Mais da metade dos investimentos previstos para o estado será injetada na região de Carajás, que receberá um aporte de R$ 92,8 bilhões até 2020, representando 52% do total de recursos aplicados no Pará a partir dos projetos estruturantes. Os municípios de Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas estão entre os principais polos da região. A região Tapajós receberá um aporte de R$ 47,8 bilhões, montante que representa 27% do volume total de investimentos previstos para o estado. Neste contexto, os municípios de Santarém, Itaituba e Almeirim apresentam destacada relevância no que tange a participação nos projetos. O distrito de Miritituba, em Santarém, também ganha ênfase no contexto nacional, sendo uma alternativa econômica para o escoamento da produção brasileira, sobretudo no caso dos grãos da região Centro-Oeste. No caso da região Grande Belém, que inclui a área metropolitana e o nordeste paraense, vai receber o maior número de projetos, que juntos totalizam R$ 23 bilhões. É o terceiro maior volume de receitas por região recebidas no Pará, representando 13% do montante total injetado em território paraense até 2020. O município de Barcarena, assim como a capital, Belém, estão entre os principais polos atrativos de investimentos desta região. Já a região Xingu, a previsão de investimentos gira em torno de R$ 15 bilhões, totalizando 8% do montante a ser injetado no Pará nos próximos quatro anos. O município de Vitória do Xingu, a partir da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, e de Senador José Porfírio, em virtude da extração do ouro, pela empresa Belo Sun Mineração, surgem como protagonistas na região. O projeto de exploração mineral corresponde a R$ 2 bilhões em termos de investimentos. Investimentos por Segmentos Econômicos O setor de Infraestrutura e Logística do Pará receberá, nos próximos quatro anos, o aporte de R$ 61,1 bilhões, totalizando um 100 www.revistapzz.com.br

terço do volume de investimentos previstos para o estado. A partir deste montante, será o segmento com a maior injeção de recursos, o que deve fomentar o ingresso de novos negócios em território paraense, uma vez que otimiza e desonera o custo de transporte. Entre os principais projetos estão a construção dos terminais no porto de Vila do Conde, o maior do Norte, e a implantação de terminais de uso privativo na região do Tapajós e na Grande Belém, como o da Bunge, com investimentos na ordem de R$ 250 milhões, bem como os terminais fluviais do grupo argelino Cevital em Santarém e Miritituba, com aporte de R$ 6 bilhões. Outro segmento que apresenta relevância no contexto dos novos projetos é o da geração deenergia elétrica. Em função da UHE de Belo Monte, na região Xingu, e a partir do complexo do tapajós, na região Tapajós, somados ao projeto de outra nova UHE, que deverá ser instalada no município de Marabá. O setor receberá um aporte de quase R$ 56 bilhões, e terá a missão de suprir uma demanda nacional. O segmento da Mineração, receberá um montante de R$ 49,6 bilhões, perfazendo 28% da injeção global de recursos previstos para o estado até 2020. Dentre os projetos que mais se destacam neste segmento está o S11D, da Vale, na região de Carajás, com investimentos que superam a casa dos R$ 50 bilhões. O projeto prevê a construção da mina e a duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que permitirá o escoamento da produção na planta. A previsão é que o projeto entre em operação no primeiro semestre de 2016. Os investimentos voltados para a Indústria em Geral devem bater a casa dos R$ 8,6 bilhões, ou seja, quase 5% de todo o aporte injetado na economia paraense a partir dos grandes projetos, no próximo quadriênio.

Investimentos por segmento econômico

FOTO: SIDNEY OLIVEIRA / AG. PARÁ

INDÚSTRIA

JOSÉ CONRADO SANTOS

“O Sistema FIEPA, instituição

mantida pela iniciativa privada, está preparado para atender a demanda destes novos projetos, duplicando a atuação do SENAI na capacitação da mão de obra local com serviços e soluções, além do SENAI, do SESI, IEL, iniciativa REDES e Centro Internacional de Negócios (CIN) para o desenvolvimento humano, empresarial, tecnológico e a responsabilidade socioambiental em frentes como educação básica, profissional e executiva; tecnologia e inovação; saúde, segurança, qualidade de vida, gestão e internacionalização de empresas .

Este segmento sinaliza projetos estratégicos em implantação, como é o caso da fábrica de correias transportadoras, a empresa Correias Mercúrio, já em implantação, além do projeto da Sinobras, única siderúrgica de aço longo do Norte e Nordeste do Brasil, que está em fase de duplicação de sua produção. Com um aporte de R$ 3,5 bilhões, o Agronegócio representa 1,9% do volume total de investimentos previstos até 2020. Entre os


FOTO: Antônio Silva - Agência Pará.

CANÃA DOS CARAJÁS - PARÁ

Região dos Carajás principais aportes feitos no setor estão os projetos de fertilizantes de fosfato e potássio. Como o Brasil importa estes fertilizantes, que servem, por exemplo, para corretivo de solo, o Pará, em pouco tempo, terá como diferencial competitivo a produção deste insumo. Surgindo pela primeira vez nesse estudo, o segmento Petróleo e Gás, receberá um investimento de R$ 80 milhões, a partir das pesquisas do grupo Georadar, que pretende prospectar em solo paraense a viabilidade de exploração petrolífera. O recurso representa apenas 0,04% das receitas previstas totais, mas já demonstra o crescimento do interesse nesse segmento no Estado do Pará, uma vez que estão sendo feitas análises de viabilidade na região Tapajós.

Detalhamento dos Projetos de Investimentos Carajás deve receber 14 dos 54 grandes projetos previstos para o estado até 2020. A empresa Vale está entre as principais investidoras no estado, e deve colocar em operação ainda neste semestre o S11D, onde já estão sendo feitos os primeiros testes na correia Transportadora de Longa Distância (TCLD). Já a Anglo American apresentou o Projeto Jacaré, de exploração de níquel laterítico e saprolítico, a ser construído na cidade de São Félix do Xingu (PA). O projeto segue em fase de obtenção das licenças ambientais. No caso da Votorantim Metais, foi conquistada a licença provisória, e agora segue em busca da licença de instalação. Quem também

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INDÚSTRIA aguarda licença de instalação é a Mineração Caraíba, que prevê se instalar em Tucumã. Outro investimento destacado é o da Avanco, com o projeto que acumula 50% de progresso e tanto o orçamento quanto o prazo estão dentro do planejado. A planta deve ser comissionada no primeiro trimestre deste ano. A Correias Mercúrio iniciou no mês de outubro do ano passado as atividades de preparação de terreno e terraplanagem da sua nova planta localizada no distrito industrial de Marabá TAPAJÓS A segunda maior expectativa de injeção de recursos no Pará a partir de projetos estruturantes até 2020, a região Tapajós receberá um aporte de R$ 47,8 bilhões, sendo grande parte dele oriundo do setor energético. Entretanto, dos 16 projetos, dez são voltados para o segmento de infraestrutura e logística. Este é o caso da EDLP, que investe na ferrovia que interligará Miritituba (PA) à Sinop (MT). Os estudos elaborados para a concessão do trecho ferroviário entre Lucas do Rio Verde (MT) e Miritituba foram entregues ao Ministério dos Transportes no ano passado, e estão sendo avaliados. Da mesma forma ocorre com a Hidrovias do Brasil, que obteve Licença de Instalação (LI) em dezembro de 2013 e agora se prepara para entrar em operações no início do segundo semestre deste ano. No mesmo segmento, a Embraps cumpriu, no início deste ano, a etapa de audiência pública, e segue para a fase seguinte. Já no segmento de indústria em geral, a Cevital assinou um protocolo de intenções em outubro do ano passado, reafirmando o interesse de investir no Pará, sobretudo na região Tapajós, com a construção de um Terminal de Uso Privado (TUP). GRANDE BELÉM A Grande Belém concentra o maior número de projetos previstos para o estado nos próximos quatro anos: 22 de um total de 53. Entre os mais destacados está a Fepasa, que se encontra na etapa de estudos de viabilidade, a ser elaborado pela empresa Pavan Engenharia. A ferrovia estadual será uma concessão à iniciativa privada, responsável por todos os investimentos na implantação e operação da ferrovia. Este projeto inclui ainda a construção de um porto em Colares, que também está na etapa de estudo de viabilidade a ser elaborado pela Pavan Engenharia. Já a B & A Mineração investe no projeto de termofosfato calcinado em Bonito, que está em construção desde o início do ano passado, demanda investimento de R$ 75 milhões. Já a fabricante de produtos de limpeza Bombril planeja instalar sua quarta fábrica em Castanhal, no Pará, com investimentos na ordem de R$ 75 milhões O município de São Félix do Xingu está recebendo a terceira maior usina hidrelétrica do mundo e a segunda do país, a UHE de Belo Monte. O projeto, orçado em aproximadamente R$ 35 bilhões, com uma previsão de investimento restante de R$ 13 bilhões até a conclusão da obra, deve começar a gerar energia ainda no primeiro semestre deste ano. A UHE terá cerca de 11,2 mil megawatts (MW) de potência instalada, e vem cumprindo com todas as determinações e obrigações do licenciamento ambiental. A usina tem mais de 87% das obras civis concluídas e, atualmente, está na fase de enchimento dos reservatórios. A previsão para início da operação comercial é no primeiro quadrimestre deste ano. A região tem ainda o Projeto Volta Grande, da canadense Belo Sun Mining Corp. Ano passado, a empresa cumpriu a etapa de Estudo de Viabilidade e agora segue em estágio avançado na busca das permissões para exploração.

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PORTO DE VILA DO CONDE BARCARENA (PA) www.revistapzz.com.br 103

FOTO: david alves / agência pará

FOTO: eny miranda / arquivo agência vale

LOGÍSTICA Entre os principais projetos estão a construção dos terminais no porto de Vila do Conde, o maior do Norte, e a implantação de terminais de uso privativo na região do Tapajós e na Grande Belém, como o da Bunge, com investimentos na ordem de R$ 250 milhões, bem como os terminais fluviais do grupo argelino Cevital em Santarém e Miritituba, com aporte de R$ 6 bilhões.


TURISMO

boletim do turismo

o Boletim do Turismo do Estado do Pará, estudo inédito foi lançado, na Associação Comercial do Pará, pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) em parceria com a Secretaria de Estado de Turismo (Setur), durante a reunião do Grupo Interinstitucional de Estudos e Análise Conjuntural (Geac). O estado do Pará, conhecido por suas riquezas naturais e culturais, vem se destacando tanto nacional como internacionalmente, especialmente, no turismo. Somente nos últimos quatro anos o estado apresentou crescimento de 28% no número total de visitantes motivados pelos atrativos turísticos do Pará, o que possibilitou um incremento quantitativo de 1,1 milhão de turistas no ano passado, quando foi injetada uma receita total, pelos visitantes, de US$ 187 milhões na economia do estado. É o que aponta o Boletim do Turismo do Estado do Pará, estudo inédito lançado na Associação Comercial do Pará, pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) em parceria com a Secretaria de Estado de Turismo (Setur), durante a reunião do Grupo Interinstitucional de Estudos e Análise Conjuntural (Geac). Além de dar destaque para os principais atrativos do estado com uma descrição dos seis polos turísticos denominados Belém, Xingu, Tapajós, Marajó, Amazônia Atlântica e Araguaia, o estudo mostra alguns indicadores relativos ao fluxo de turistas, geração de emprego, investimentos diretos e indiretos, entre outros dados. De acordo com Eduardo Costa, presidente da Fapespa, a publicação retrata o diferencial do turismo paraense e a importância do fortalecimento desse setor para a economia do estado. “Nós precisamos compreender o estado do Pará a partir de uma nova lógica, de um novo olhar para a nossa dinâmica produtiva, e, sendo assim, o setor turístico chama a atenção pelos 104 www.revistapzz.com.br

impactos positivos gerados na movimentação da renda pelos pequenos empreendimentos. Isto se confirma neste boletim, que indica que nos últimos cinco anos houve um crescimento de mais de 100% no número de estabelecimentos relacionados à alimentação e alojamentos, o que revela o potencial de investimentos no turismo de negócios por pequenos e microempreendedores.”, destacou Costa.

Segundo o secretário de Estado de Turismo, Adenauer Góes, o turismo paraense oferece, portanto, inúmeras possibilidades de desenvolvimento para todos os agentes evolvidos no setor. Segundo o secretário de Estado de Turismo, Adenauer Góes, o turismo paraense oferece, portanto, inúmeras possibilidades de desenvolvimento para todos os agentes evolvidos no setor. “Nós estamos vivenciando um momento ímpar no setor, com várias oportunidades e visibilidade, em que Belém, por exemplo, já é reconhecida como Cidade Criativa da Gastronomia, título mundial que foi concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Desta forma, consideramos que o boletim, resultante dessa parceria entre a Setur e a Fapespa, é um salto qualitativo para nós,

pois traz informações estratégicas acerca da atividade turística no estado, auxiliando não só no planejamento do Governo do Estado, mas também no da iniciativa privada, de modo que o setor venha se fortalecer e, é claro, fortalecer a economia paraense de forma geral”, concluiu o secretário. Conforme o economista Luiz Alberto de Souza Aranha Machado, a gastronomia paraense é, de fato, um tipo de economia criativa dentro do setor turístico.”É uma forma muito inteligente de se conduzir o turismo, pois além de agregar valor, é sempre um atrativo marcante para os turistas, por isso, considero ser uma forma criativa de se trabalhar o turismo local” finalizou Machado. Já para o empresariado paraense a obtenção desse conjunto de dados coletados e divulgados é fundamental para investimentos de forma assertiva no turismo e para ampliar o conhecimento sobre o setor. “O Sebrae tem quatro grandes projetos para o turismo alinhado com o governo e com o setor produtivo, que dão suporte para as micro e pequenas empresas. Em função disso, esses números da Fapespa e da Setur são muito úteis para nós, nos dão uma segurança quando se fala, por exemplo, em geração de emprego no turismo, uma atividade econômica importante para o desenvolvimento do Estado ”, explicou o superintendente do Sebrae no Pará, Fabrizio Guaglianone. Acesse o Boletim do Turismo no site www.fapespa.pa.gov.br


FOTOs: paulo favacho / ascom fapespa

POTENCIAL TURÍSTICO De acordo com Eduardo Costa, presidente da Fapespa, a publicação retrata o diferencial do turismo paraense e a importância do fortalecimento desse setor para a economia do estado. “Nós precisamos compreender o estado do Pará a partir de uma nova lógica, de um novo olhar para a nossa dinâmica produtiva, e, sendo assim, o setor turístico chama a atenção pelos impactos positivos gerados na movimentação da renda pelos pequenos empreendimentos. Isto se confirma neste boletim, que indica que nos últimos cinco anos houve um crescimento de mais de 100% no número de estabelecimentos relacionados à alimentação e alojamentos, o que revela o potencial de investimentos no turismo de negócios por pequenos e microempreendedores.”, destacou Costa.

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GASTRONOMIA

gastronomia por álvaro espírito santo

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A construção da gastronomia do Pará - Os três primeiros séculos (XVII a XIX) INTRODUÇÃO A Amazônia recebeu, desde o período colonial, uma plêiade de estudiosos estrangeiros, em missões científicas de origens diversas, que procuravam entender a complexidade dessa imensa região. Além do exame dos recursos naturais – com seus diversos matizes – a cultura do homem amazônico sempre esteve sob o foco do olhar do estrangeiro. No universo cultural, a gastronomia, sem status de objeto central de pesquisa, foi observada a partir dos produtos consumidos e hábitos alimentares, muitas vezes inusitados, sob o prisma cultural estrangeiro. A consolidação dos registros consignados, em especial na literatura dos viajantes, permite a formação de um mosaico que configura a evolução da gastronomia do Pará ao longo dos primeiros três séculos. SÉCULO XVII

1867 - James Orton: Uma Cozinha Amazonica.

no pará

Com a chegada dos franceses ao Maranhão, em 1612, é possível vislumbrar o cenário da alimentação dos índios tupinambás, habitantes da região que se constituiria na futura Província do Grão-Pará e Maranhão. Os frades Claude D`Abbeville e Yves D`Évreux, integrantes da Ordem dos Capuchinhos de Paris e residentes do Convento Franciscano da rua Saint-Honoré, documentaram a experiência dos franceses na então denominada Ilha do Maranhão. D´Abbeville observou que os tupinambás não tinham um horário fixo para as refeições, como a hora do almoço e do jantar, pois comiam a qualquer hora, quando sentiam fome, e o faziam de forma sóbria, sem exageros (D`ABBEVILLE, 2008:323). Ressalta ele que a mandioca, de quatro tipos diferentes, estava no centro da dieta alimentar tupinambá. A farinha produzida das raízes da planta era costumeiramente adicionada ao caldo de peixe ou carne, originando uma sopa chamada de nugã. A carne era obtida nas caçadas de animais silvestres, como a paca, a cutia, a capivara e o queixada, chamado pelo francês de javali. Quanto à fauna aquática, D’Abeville relaciona os peixes pirápen, parati, curemã-açu, e o peixe-boi, como alimentos www.revistapzz.com.br 107


Caรงa do Javali

GASTRONOMIA

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largamente utilizados pelos indígenas, que preferiam os produtos cozidos ou assados e tinham por hábito o uso de um tempero que, nas refeições, era adicionado gradativamente às porções levadas à boca, sendo constituído por sal e pimenta moída. A essa mistura denominavam jonquere. (D´ABBEVILLE, 2008:325). O frade francês anotou ainda a existência de roças de mandioca, além de plantações de batata, ervilha, fava, milho e alguns tipos de ervas. Entre as bebidas, destacou o caju-cauim, obtido dos frutos do cajueiro, o qual classifica como excelente e “forte como os vinhos regionais de França e com essa particularidade: quanto mais velhos, melhores” (D´ABBEVILLE, 2008:321). A obra de D`Évreux complementa a de D´Abbeville no relato dos costumes tupinambás. Na cultura alimentar, assinala as atividades indígenas na busca de suprimentos, notadamente a pescaria, a caça dos jacarés e a procura da tartaruga. Apresenta as impressões gustativas que os franceses tiveram sobre os alimentos locais: o jacaré, com o gosto “semelhante à carne fresca de porco, um pouco mais adocicada, gordurosa, e com cheiro de almíscar” (D’ÉVREUX, 2007:175). Já as tartarugas “os selvagens

comem-nas com muito gosto, e dizem que elas lhes conservam a saúde, e fazem bem ao estômago. Cozinham-nas em seus cascos inteirinhos, sem tirar nada de dentro, e nós as achamos assim preparadas muito melhores do que de outra forma” (D’ÉVREUX, 2007:176/177). O frade

As crônicas de D´Abbeville e D’Évreux estabelecem um perfil de hábitos alimentares autóctones, fundamentos para o processo de construção da trajetória da gastronomia paraense. franciscano pontua que, em decorrência da incipiência do abastecimento e do custo do vinho, a opção mais econômica é o consumo da “cerveja do lugar que é muito boa por ser feita de milho, e não é muito cara por haver abundância deste gênero na terra e serem as águas boas e puras” (D’ÉVREUX, 2007:209). As crônicas de D´Abbeville e D’Évreux estabelecem um perfil de hábitos alimentares autóctones, fundamentos para o processo de construção da trajetória da gastronomia pa-

Caça de Tartasrugas

A carne era obtida nas caçadas de animais silvestres, como a paca, a cutia, a capivara e o queixada, chamado pelo francês de javali.

raense. As primeiras notícias chegadas a Lisboa sobre a recém-fundada cidade de Santa Maria de Belém já informavam sobre a alimentação da população formada por cerca de 150 luso-brasileiros. Sylveira (2000:273), na obra Intentos da Jornada do Pará, publicada em 1618, dois anos após a fundação de Belém, relatou que há “tartarugas de boa carne, de que se faz manteiga muito boa do ovo delas, muita diversidade de peixe - alguns muito grandes [e de] peixe-boi ...”. Não foge à observação do autor a disponibilidade de animais silvestres, como antas, pacas, porcos e veados, além de aves como patos, galinhas, tucanos, garças e pombas, entre outras da região. Os hábitos dos tupinambás do Pará não se diferençavam daqueles observados por D’Abbeville e D’Évreux, na ilha do Maranhão, ou seja, praticavam o plantio da mandioca, que constituía a base da alimentação, na forma de farinha. Além disso, coletavam frutas, caçavam com arco e flecha e pescavam as mais variadas espécies da fauna aquática.

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GASTRONOMIA

1834 - Orbigny - Belém

SÉCULO XVIII O padre João Daniel, na clássica obra Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, elaborada nas prisões portuguesas, rememora suas observações sobre a vida amazônica, nos dezesseis anos em que viveu na região, traçando um vasto painel sobre os aspectos naturais e culturais do século XVIII, inclusive acerca dos costumes alimentares. Dois ícones da culinária paraense - o açaí e o tacacá - são registrados pelo padre jesuíta como iguarias de larga popularidade, já habitualmente consumidas pela população. Lembra o autor a existência de quatro tipos de farinha: “a farinha de água, a farinha seca equivalente à broa, a farinha carimã e a farinha tapioca. Sobre elas, faz uma detalhada descrição das características e do processo de produção, além de evidenciar que são oriundas de uma planta cuja estrutura tem

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denominações diversas: “a sua haste se chama maniba, a folha, maniçoba, e a raiz, mandioca, de que há várias espécies (DANIEL, 2004:413). Aliás, sobre a folha maniçoba, assegura que é “excelente para cozer com carne, peixe, e qualquer outro guisado” (DANIEL, 2004:419). Da raiz mandioca se obtém o tucupi, “veneno refinado comido cru”, mas que, após o cozimento, “é um excelente tempero nos guisados, aos quais dá uma especial galantaria: e por isso a carne e peixe cozidos em tucupi têm muita graça, e os índios e ainda os brancos de ordinário não o perdem” (DANIEL, 2004:419). O jesuíta reporta-se também às frutas da Amazônia com uma descrição pormenorizada daquelas que eram mais consumidas e foram incorporadas aos hábitos alimentares entre os anos de 1741 e 1747. La Condamine, por sua vez, na sua passagem pelo Pará, no mesmo

século, em 1743, assinala que navios mercantes mantinham uma conexão entre o Pará e Lisboa. Eles traziam produtos que atendiam “as comodidades” dos habitantes locais e levavam, na viagem de volta, “a casca da madeira de cravo, a salsaparrilha, a baunilha, o açúcar, o café e sobretudo o cacau, que é a moeda corrente na região e faz a riqueza dos habitantes.” (LA CONDAMINE, 1992:108).


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1867 - Keller-Pescador com pescado


GASTRONOMIA

SÉCULO XIX Henry Bates e Alfred Wallace, contemporâneos de Charles Darwin, realizaram na Amazônia, no século XIX, pesquisas que se aproximaram da concepção científica do trabalho do autor da Origem das Espécies. Durante os oito anos em que viajou na Amazônia, e em especial por territórios que hoje integram o Estado do Pará, Bates registrou na sua obra “Um Naturalista no Rio Amazonas” várias impressões sobre os hábitos alimentares locais. Vivenciou, inicialmente, um certo conflito entre suas experiências culinárias originais e a oferta de alimentos regionais: “...a carne era um alimento tão imprescindível ali naquele clima extenuante quanto o era na Europa seten112 www.revistapzz.com.br

trional. Uma tentativa feita por mim para viver só de legumes e verduras falhou inteiramente e eu não conseguia habituar-me ao detestável peixe salgado que os brasileiros comiam.” (BATES,1979:84). Ao ampliar seu convívio com as comunidades regionais, o pesquisador inglês registra, naquela obra, o cardápio do seu cotidiano alimentar, que é indicativo do padrão alimentar da segunda metade do século XIX no Pará. A dieta alimentar incluía o consumo de peixes, como o pirarucu, tanto fresco como salgado. Esta última forma implicava na adoção de uma prática ancestral de origem portuguesa para conservação do produto. Além dessa espécie, outras são nominadas pelo autor: “acari, acará, peixe

agulha, sarapó, surubi, pirapeua e piramutá”. Ao olhar arguto de Bates não escapa o uso de dois ingredientes que se perpetuaram e estão presentes nas criações culinárias contemporâneas: o arubé e o tucupi, ambos produzidos a partir da mandioca, mas através de processos distintos. No caso do arubé, que é uma pasta similar à mostarda, o autor observa que sua produção “é feita fervendo-se o suco da mandioca até engrossar e temperando-o depois com pimenta” (BATES,1979:126) . O tucupi, por sua vez, é elaborado “fervendo-se ou aquecendo-se o suco da mandioca durante vários dias, depois de separado da fécula, temperando-se o molho com pimenta e peixes miúdos” (BATES,1979:126). Na avaliação


Preparo do Cauim, bebida fermentada dos povos indígenas da América do Sul. O Cauim é feito através da fermentação da mandioca. e

Ritual de Preparo do Cauim

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GASTRONOMIA

Pirarucu

do autor, o arubé “dá um excelente sabor ao peixe” e o tucupi lembra o sabor da “essência de anchovas”. Seu olhar registra as frutas, destacando a laranja, a goiaba, o abacate, o abiu, o jenipapo, a banana, o melão e a melancia. Registra também a existência de hortas com produtos importados da Europa, como os repolhos e cebolas, além de plantações de cacau, fumo, mandioca, milho, arroz, cana-de-açúcar, algodão e ananás. As palmeiras açaí, bacaba e pupunha – presentes na mesa contemporânea – foram também identificadas por Bates na dieta do paraense do século XIX. Alfred Wallace, na obra Viagens pelo Amazonas e Rio Negro, apresenta um panorama da alimentação no qual assegura que o principal produto da dieta local é a carne de vaca. Assegura ainda que há uma distinção no cardápio usual da população. “A farinha, o arroz, o peixe salgado e as 114 www.revistapzz.com.br

frutas constituem o principal alimento dos índios e dos negros” (WALLACE, 2004:51). Por outro lado, os brancos alimentavam-se de “peixe salgado, bananas, pimenta, laranjas e açaí” (WALLACE, 2004:51). Esta parcela da população também consumia manteiga de origem irlandesa ou americana, entre outros produtos importados. Além disso, na produção do pão, utilizava farinha de trigo oriunda dos Estados Unidos. Wallace acrescenta novas frutas à lista elaborada por Bates: biribá, fruta-pão, maracujá, nozes, entre outras. Observa também a importância do pirarucu na dieta alimentar: “é um peixe seco, que se come com farinha, constituindo o alimento principal da população nativa”. (WALLACE,2004:66). Anota também o consumo de tartaruga, um hábito alimentar que remonta ao século XVII. E a presença do pato, ave que, ainda no século XIX, comporia um dos mais tradicionais pratos típicos da culinária paraense: o pato no tucupi.

* Alvaro Negrão do Espirito Santo é professor da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará,onde fez a graduação em Turismo e o mestrado em Geografia.É autor ,em parceria com o jornalista Fernando Jares Martins,do livro Gastronomia do Pará-o sabor do Brasil. Atualmente é doutorando em Turismo e Cultura na Universidade de Coimbra e exerce a função de Diretor daSecretaria de Estado de Turismo e Coordenador-geral do PRODETUR/PA.


O Pirarucu (The-pirárucu), ilustração de Franz Keller-Leuzinger, utilizada por James Orton, 1873 (gravura, 10,8 x 6,9 cm)

Caça dos Jacarés, ilustração de Franz KellerLeuzinger.

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GALERIA PZZ

#STREETART

por ALMIR TRINDADE

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A produção artística de Almir Trindade, marcada pela constante experimentação, em diversos formatos e dimensões, novas texturas, constituídas por uma linguagem contemporânea que vai além das formas e entra numa geometria das cores é usado pelo engenheiro civil de formação que procura na realidade caótica da cidade a poética do espaço em permanente mutação sobrepor com camadas geométricas de cor e poesia para encontrar a identificação com a arte que procura para si.

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