Revista RAIZ. 08

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RAIZ

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PUBLISHER Edgard Steffen Jr. EDITOR CHEFE Ricardo Soares REDAÇÃO Thereza Dantas (editora assistente); Fábio Rayel (repórter) DIREÇÃO DE ARTE fernando balsamo INTERVENÇÕES GRÁFICAS Fernando balsamo PUBLICIDADE Edgard Steffen Jr. INTERNET PROGRAMAÇÃO Eduardo de Araújo INTERNET CONTEÚDO Fábio Rayel e Thereza Dantas COLABORADORES Alexandre Santini, Antônia Cristina De filippo, bismarque villa real, Davi pinheiro (fotografia), Dimitri Ganzelevitch, fabíola resende, Gringo Cardia (fotografia), Josie moraes, Karol Ximenes, Leonardo melgarejo (fotografia), Líllian pacheco, Ligia Hipólito, Lívia Deodato, márcio Caires, nathalya buracoff, nice Lima, rosangela Cordaro, roberto rugiero, rui faquini, sergio vaz, vilma eid. RAIZ. É UMA PUBLICAÇÃO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO

AVENIDA IPIRANGA, 795/101, 01039-000, SÃO PAULO, SP, TEL: (11) 3333 3030 E-MAIL: info@revistaraiz.com.br PORTAL RAIZ. www.revistaraiz.com.br AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 8ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ.

APOIO INSTITUCIONAL

Tiragem desta edição: 20 mil exemplares Impressão: Gráfica parma Proibida a reprodução, total ou parcial dos textos, fotografias e ilustrações, sem autorização da editora Cultura em ação.


colaboradores. 1 2 3

1 LIVIA DEODATO é jornalista, formada pela pontifícia Universidade Católica de são paulo. Desde 2004 trabalha no Caderno 2 do jornal o estado de s. paulo. 2 LEONARDO MELGAREJO é fotógrafo gaúcho e reside em porto alegre, rs, desde 1972. formado em agronomia, dedica-se fundamentalmente à fotografia de questões sociais atinentes ao espaço rural, com ênfase para o mst (movimento dos trabalhadores rurais sem terra). Colaborador permanente do Jornal brasil de fato, do Jornal sem terra e da revista sem terra.

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3 JOSIE MORAES é jornalista especialista em escrever sobre música. É repórter free lancer de algumas revistas e sites que tratam de diversos assuntos. além disso, cuida do blog (www.musicaparabrasileiros.blogspot.com) e do site (www.josiemoraes.com.br). 4 NICE LIMA é graduada em Comunicação social / rádio e tv pela Universidade federal de pernambuco. Com experiência em atividades de produção, reportagem e locução em emissoras de rádio e tv do recife. É assessora de imprensa da banda ticuqueiros e do Coco de toré pandeiro do mestre. 5 ANTÔNIA CRISTINA DE FILIPPO, mineira de Juiz de fora, jornalista pela UfJf e 'tetra' pós-graduada em Comunicação empresarial (pUC-minas), Gestão em negócios (fDC), Gestão responsável para a sustentabilidade (fDC) e Gestão Cultural (Una/fCs). passou por redações de jornais como repórter e editora de economia e finanças, mergulhando, posteriormente, no vasto mundo da comunicação corporativa integrada e customizada. RAIZ 5


sumário . MOVIMENTO DOS SEM TERRA, MAS COM ARTE

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Grupos de teatro, de música e cultura popular estão pipocando dentro do mst por Leonardo melgarejo

radicais

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Andamento 08 acontecimentos artísticos que fazem parte da pauta cultural do país Figuras 12 Dona teté, a família dos arturos e Dona Zefinha e a homenagem ao samba carioca Figura especial 16 o brasil de Janete Costa Raiz da questão 18 Um bate papo com intelectuais sobre cultura popular brasileira

tronco

atos.................................................

MST é igual a MCA 24 os novos planos culturais do mst

O Caleidoscópio Popular 38

a periferia é antídoto, semana de arte e musa dos artistas

sons................................................

Mantra de Matracas e Pandeirões 48 o boi no maranhão

viagens..........................................

Na terra das montanhas desponta um vale 54 É o lendário vale do Jequitinhonha, norte de minas, que vai abrigar um museu a céu aberto

Estrada Colonial no Planalto Central 60 projeto resgata trecho da mais extensa estrada colonial

cenários........................................

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Do barro viemos 64 as loiceiras da paraíba

copa

mercado.......................................

Tesouro Escondido 68

está na hora da pintura popular brasileira mostrar seu valor

políticas........................................

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Aos mestres com carinho 82 Lei dos mestres e o patrimônio imaterial no país

frutos

Gastronomia da Ilha de Santa Catarina 88 sabor, aroma e tradição como destino


A PERIFERIA NOS ASSUSTA, A PERIFERIA NOS REVELA no ápice do individualismo e do concentrado mundo dos lucros e aquisições, algo no ar parece dar uma volta no sentido gregário mais primitivo do homem. numa ponta, a internet, em geral e a chamada Web2.0, em particular, crescem solidamente baseadas na cultura do coletivo. em outra ponta a economia solidária, coletivos criativos economicamente integrados como é uma escola de samba, ou uma troça de frevo, ou um forno comunitário no alto do moura em pernambuco. manifestações que mobilizam bairros, cidades e países. Como nós, que temos na raiZ, uma produção artística coletiva histórica do artesanato, teatro de arena e hip-hop contemplamos os novos paradígmas econômicos e sociais? assim, fomos mergulhar nos campos com o mst, na periferia paulista pelas mãos da semana de arte da periferia. nos campos e na cidade, a periferia tão temida revela toda sua poesia e oportunidades para o futuro. a periferia como centro aprofunda nossa compreensão de como é marcadamente forte nosso viés social, tribal, "da comunidade".e como somos bonitos por natureza. no mergulho nas 12 horas da rave do boi maiobá nos mostra um universo lúdico único, cheio de tradição e descobertas. o famoso boi maranhanse ultrapassa em muito o mito e estigma do conhecido bumba-meu-boi. nos remédios apresentados pelo antÍDoto do itaú Cultural pelas receitas de diferentes periferias. vemos uma cultura viva também pulsando na caminhada dos Griôs para formar novos mestres; nas ações públicas em reconhecimento desses nossos mestres – nosso “fareinhet 495” desde sempre e tão importante para uma cultura oral, pois analfabeta. na revelação do potencial artístico de nossa produção popular fomos decifrar o barro e as cores. Das Loiceiras da paraíba, mais uma exemplo de apropriação coletiva, ao porque da ausência da nossa pintura popular das grandes curadorias. a pintura que sai das telas e vai para os muros grafitados. a pintura onde o simbólico popular dialoga em alto nível com o contemporâneo em forma e cores. para finalizar fomos aos percursos continentais brasileiros. a pesca da tainha determina toda uma cadeia de valores materiais e culturais. e fomos bater pernas no resgate do nosso mais antigo caminho colonial, de salvador ao mato Grosso desde 1736. também falamos do museu de percursos do vale do Jequitinhonha que nasce fruto da parceria entre a secretaria de estado de Cultura de minas Gerais, a fUnDep e as prefeituras municipais das cidades envolvidas. mais uma ação estruturadora da secretaria de Cultura mineira para uma costura de várias matrizes cujo objetivo é dotar unidades museológicas como meio de preservar, difundir seu patrimônio cultural e colaborar com o seu desenvolvimento socioeconômico, turístico e cultural. raiZ. 8 revela um mundo de possibilidades e oportunidades, que nos oferece uma visão rica e particular de uma cultura nova, feita no brasil. aproveitem e cresçam a nossa "comunidade".

Edgard Steffen Junior RAIZ 7


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LEVE SÓ AS PEDRAS atualmente, é comum grandes talentos brasileiros chegarem ao país, após reconhecido sucesso internacional. Após lançar cinco CD´s (a maioria distribuído no Japão) e de várias temporadas de sucesso no exterior, a cantora e compositora valéria oliveira lança seu sexto CD “Leve só as pedras”. nascida em natal (rn), valéria atuou como engenheira civil por oito anos. em 1999, apaixonou-se pela música e adotou integralmente a profissão de cantora em 2002. Gravado integralmente por músicos potiguares, no segundo semestre de 2006, no estúdio megafone (rn), o sexto CD da carreira de valéria oliveira “Leve só as pedras", produzido por ela em parceria

com Kazuo Yoshida, está recheado de composições próprias que marcam sua carreira como compositora. o CD traz também releituras de “a tua presença morena”, de Caetano veloso e “o Último pôr-do-sol”, de Lenine e Lula Queiroga. o CD é permeado de poesia e de samba, mas de uma poética cujas palavras não se envergonham diante do poder de melodias e harmonias, e de sambas sem medo de atravessar padrões rítmicos na busca por conexões com o pop contemporâneo. “Leve só as pedras”, foi lançado em março de 2007, no Japão e distribuído pela omagatoki Co., em agosto, na suíça. (Thereza Dantas) CD Leve Só as Pedras: 20 reais – www. valeriaoliveira.mus.br

RABECA E MUITO MAIS beto brito traZ noviDaDes nUma CaiXa reCHeaDa De CorDeL e mÚsiCa Com fala mansa, vocabulário extenso e roupas coloridas, beto brito resolveu apostar em uma proposta diferente em seu terceiro disco oficial, o imbolê. nascido em uma cidade pequena chamada santo antônio de Lisboa (pi) e admirador da rabeca, preparou o projeto “cordel e som na caixa”, que contém um CD, uma foto, um pôster e 12 8 RAIZ

livretos de cordel. “É difícil de acreditar, mas tem gente que nunca leu um cordel. Quero que o público conheça a sua forma e estética, com a xilogravura na capa e tudo mais. e ainda levar a música junto”, confirma brito. o poeta popular utiliza dos encantos da linguagem coloquial da literatura de cordel no duelo “a nova peleja de Zé ramalho com Zé do Caixão” e na declaração de amor aos estados nordestinos em “o nordeste tá na moda”. o CD conta com 14 faixas e mostra versatilidade em composições repletas de influência de coco, repente, embolada, baião, toré e martelo. tudo misturado com batidas eletrônicas e até distorção de guitarra em doses homeopáticas e equilibradas. Convencido pelo produtor robertinho do recife, o músico quebrou as próprias resistências em arranjos mais contemporâneos em fusão com a estrela principal: a rabeca. revela em “Desligue a tv” uma injeção de ânimo sobre a felicidade. Já em “Dureza” reflete sobre o difícil caminho do músico brasileiro na luta pelo pão de cada dia. em “Zé Limeirando” homenageia o repentista Zé Limeira com participação de Zé ramalho. no nordeste, seus shows lotam com público de todas as idades. o som também agradou ouvidos europeus


O cordel e a rabeca de Beto Brito

em apresentações que fez na frança e bélgica neste ano. agora quer projetar o trabalho nos outros estados do brasil. a produção independente conta com o apoio da Companhia Hidrelétrica de são francisco (Chesf) e tem distribuição pela tratore. o site de beto brito também disponibiliza algumas faixas do CD em mp3. Como seu público se comporta nos shows? "eles cantam, dançam, tocam, gritam. o pessoal vai para me ver mesmo, tem muito jovem que gosta do meu trabalho, principalmente quem gosta de forró pé de serra. eu nunca vou esquecer de um show que fiz em João pessoa (pb) embaixo de uma chuva torrencial. tinha umas duas mil pessoas e elas ficaram até o final. sim, no nordeste também chove!" (risos). De onde veio à idéia de fundir linguagem regional com a mais pop? no nordeste o forró nos remete a idéia de grupos e bandas que, geralmente, têm letras obscenas. Queria fazer um trabalho menos rotulado. tinha uma resistência interna de mudar, pois tenho um carinho muito grande pelo som regional, mas percebi que podia trazer elementos novos para o som e, assim, projetar o meu trabalho. Quem trabalha com música popular brasileira tem que ser bem resistente para

não se prostituir. temos que enfrentar tudo com força, porque a cultura popular brasileira tem poder para ser propagada. (Josie Moraes). site oficial: www.betobrito.com. Contatos: (83) 3252-1287/ (83) 9983-6294 Livro: A festa junina em Campina Grande - PB (editora UniversitáriaUpfb/2007. 219 p.). informações complementares: o livro teve vários lançamentos. o próximo será em ponta Grossa (pr); no dia 19 de setembro no Congresso brasileiro de folclore, em fortaleza (Ce); e no dia 6 de novembro, no Congresso internacional de Comunicação, na pUCRS. Serviço: telefone: (83) 3224-9809. e-mail: recifrevo@uol.com.br

PARA BRINCAR JUNTO

se entende a brincadeira de vários ritmos: o maracatu rural, a ciranda, o cavalo-marinho, o coco. tudo é brincadeira e tudo é samba. em meio há tantos sambas, alessandra escolheu para o seu “brinquedo de tambor” dois gêneros musicais centrais que nortearam as composições e os arranjos do CD, o coco de roda pernambucano – mais especificamente à maneira de recife e olinda e o da Zona da mata norte do estado; e o samba de roda do recôncavo baiano. o coco sempre foi a principal referência para a cantora, uma relação de paixão pela forma, métrica, ritmo e pelas vozes de coquistas como Zé neguinho do Coco, biu roque, Zé de teté , aurinha,

“brinQUeDo De tambor” tem Cara De Uma festa peCULiar. eUforia LaDo a LaDo Com refLeXão pelo nome, “brinquedo de tambor” já dá dicas do que se vai encontrar no CD: uma festa de sonoridades de brincadeiras populares cuja anfitriã é Alessandra Leão, jovem musicista e produtora pernambucana que há mais de dez anos convive com os sambas e as sambadas do interior de pernambuco. por samba, RAIZ 9


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Cila do Coco, todos pernambucanos. Com o samba de roda, a relação é mais recente, mas também apaixonante. ela conheceu o ritmo mais intimamente em 2004, quando atuou como assistente de coordenação do etnomusicólogo Carlos Sandroni durante os trabalhos no Dossiê do samba de roda do recôncavo baiano, que serviu para a candidatura e proclamação do samba a patrimônio imaterial brasileiro (pelo minc) e da Humanidade, pela UnesCo. no CD se identificam referências à música do maranhão, Cuba, venezuela, república Dominicana, Cabo verde, ilha da reunião e Angola. Para brincadeira tão farta foram convidados Juliano Holanda na guitarra semi-acústica; rodrigo samico no violão de 7 cordas; maíra macêdo, bruno vinezof e Carlos amarelo, todos na percussão e voz, Caçapa na viola de 10 cordas. além da voz, alessandra também assume a percussão. participaram também na gravação do CD, isaar (que integrou, juntamente com alessandra Leão, o grupo Comadre fulozinha), siba, biu roque, Cosmo antônio e mané roque. “brinquedo de tambor” também 10 RAIZ

serve para mostrar que artistas ditos populares interpretam mais do que canções de domínio público, pois muitos têm sua produção renovada a cada dia. “fizemos uma escolha em não gravar músicas de domínio público", pois acho que é importante deixar claro que nem tudo é domínio público, existe um trabalho autoral, por parte de muitos mestres populares, sim”, completa alessandra. e a brincadeira continua: para a produtora executiva na área cultural e musicista alessandra Leão, a cadeia produtiva de música em pernambuco ainda precisa de melhor formação de seus agentes para se tornar mais desenvolvida. nesse sentido, ainda este ano, ela deve ministrar a primeira edição do Curso básico de produção Cultural para músicos, onde dará o primeiro passo em busca da melhoria da formação de profissionais da música. também este ano, deve ser lançado o CD do Projeto Folia de Santo – idealizado por alessandra e executado de forma coletiva. (nice lima) Alessandra Leão – Brinquedo de Tambor (independente) média de preço: r$ 20,00. Contatos: vitrô recife

55 (81) 9244 9612, 55 (81) 9614 5973, 55 (81) 9195 2181, www.alessandraleao. com.br, vitroproducoes@yahoo.com.br, brinquedo@alessandraleao.com.br e dois.cordoes@gmail.com

ARTISTAS E ARTEIROS em reunião diversificada de obras lúdicas e brinquedos elaborados por criadores de diversas regiões do país, a mostra artistas e arteiros propõe uma aproximação com o imaginário popular brasileiro. são objetos antigos de autores desconhecidos (como uma delicada maleta de mamulengos dos anos 20, ou um casal de noivos ventríloquos de mais de 1 ½ m) até peças de artistas renomados, como nino (Ce), aberaldo (aL) e vitalino (pe). a exposição compreende desde peças do sertão cearense, como é o caso de um impressionante totem de madeira de nino, até as construções com latinhas de refrigerante do paulistano fernando Guerra – jogos completos de bateria em miniatura (com direito a bumbo e pratos), carros de corrida que incorporam a própria marca dos refrigerantes. o reconhecido artista mestre saúba alarga esta inventividade lúdica construindo uma


Apresentação de Ana Lucia e Leonardo Altino no X VIRTUOSI em Recife

Casa de farinha motorizada em que cada atividade manual ganha movimento. entre outros “arteiros” estão ainda: mestre Zé Lopes, o mamulengueiro de Glória de Goitá, pe; Cunha, do recife, com seus carros e

aviões antropomorfos; oziel, da paraíba, o fazedor de cachorros, macacos e pessoas. (Thereza Dantas) Artistas e Arteiros até 21 de dezembro de 2007; segunda a sexta, das 11h às 18h, sábado das 11h às 15h. entrada franca. Galeria estação - rua ferreira de araújo, 625, pinheiros. fone: (011) 3813 7253. www. galeriaestacao.com.br

MARATONA VIRTUOSI DE MÚSICA o festival virtUosi - festival internacional de música de pernambuco comemora dez anos de atividade trazendo ao recife uma programação musical que alia sofisticação e ousadia com a presença de artistas convidados de diversas partes do mundo com performances incríveis. em sua décima edição, o virtUosi, que acontece de 10 a 16 de dezembro no teatro de santa isabel, homenageia o escritor ariano suassuna e a música armorial. o concerto de abertura acontece no dia 10 de dezembro, no palácio do Campo das princesas, com a orquestra Jovem de pernambuco sob a regência do maestro rafael Garcia. mais de 80 instrumentistas vêm a recife, incluindo

nomes mundialmente famosos, como o pianista suíço Gerard Wyss, o violinista italiano mauro Loguercio, o trombonista sueco Christian Lindberg, o pianista sueco Roland Pontinen, a cantora soprano russa valeria stenkina, o tenor norueguês Johann Christer novsjo, o violinista sueco stig nilsson e o violinista israelense, spalla do maestro Zubin mehta, Yehezkel Yerushalmi. esse ano, também acontece uma maratona de música clássica que terá também a primeira edição do Yellow Lounge, criado pela Deutsche Grammophon, no brasil, o virtUosi peLa paZ. o evento tem início às 20h do dia 14 de dezembro e vai até às 20h do dia seguinte. a partir de 1 hora da manhã, começa o Yellow Lounge, uma “rave” de música clássica, comandada pelo DJ terrible, artista em residência do projeto em berlim com o apoio do vJ safy sniper, também de berlim. Durante as 4 horas de “rave”, a música eletrônica será intercalada por música ao vivo com a participação de grandes artistas que participam desta edição do virtUosi. (Thereza Dantas) X VIRTUOSI: Teatro de Santa Isabel, recife, pe, de 10 a 16 de dezembro – programação completa: www.virtuosi.com.br RAIZ 11


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NEM RUIM DA CABEÇA, NEM DOENTE DO PÉ. em 9 de outubro o samba do rio de Janeiro comemora uma vitória histórica. suas matrizes: samba de terreiro, samba partido-alto e samba-enredo foram registradas oficialmente pelo instituto do patrimônio Histórico e artístico no Livro de registro e formas de expressão. Com apoio de vários sambistas, do Centro Cultural Cartola e da Liga independente das escolas de samba, o pedido de reconhecimento do samba carioca foi encaminhado, no final de 2004, para o instituto do patrimônio Histórico e artístico nacional (iphan). “o fato tem importância não só carioca como brasileira, já que diz respeito a matrizes do brasil que surgiram no rio de Janeiro e hoje são formas de expressão históricas e contemporâneas que estão vivas nas mais recentes formas de samba disseminadas no país e até no mundo”, afirma márcia sant'anna, diretora do Departamento de patrimônio imaterial do iphan. foram dois anos de pesquisas de campo, análise de materiais, levantamento de dados e elaboração de um dossiê a respeito das três matrizes selecionadas como parte de um projeto que visa ainda reconhecer outras formas tradicionais do samba. o registro significa que o samba-enredo, partido-alto e terreiro, como qualquer patrimônio imaterial, foram identificados como expressões culturais e bens especiais importantes para constituição de memória e identidade própria e que, como critério fundamental para o processo, ainda fazem parte do dia-a-dia da sociedade de maneira viva e tradicional. o trabalho de salvaguarda exerce um papel importante como conseqüência do reconhecimento e merece ser destacado. “o que chamamos de salvaguarda não é nenhuma ação de congelamento, de colocar o patrimônio em uma redoma de vidro. na verdade, trata-se de um conjunto de ações que visa fortalecer a transmissão de conhecimento, melhorar condições de reprodução e manter a tradição dessas expressões”, diz márcia. JOSIE MORAES 12 RAIZ


foto: Davi pinHeiro

TRANÇANDO MODA. Dona Zefinha tem a voz mansa. É a líder do grupo de mulheres que participam da associação dos trançados de pitimbu, cidade a 70 quilômetros de João pessoa. ela dá o tom manso, o jeito tranqüilo da mestra do trançado. suas mãos constroem bichos, flores – de todos os tipos – que enfeitam tantas e tantas casas do país. são copos-de-leite, papoulas, espirradeiras, beneditas, helicônias, lírios, flores-de-madeira, antúrios, flores que surgem da criatividade de mestra Zefinha e da maciez da fibra do coqueiro. nos anos 50, a mestra iniciou seu aprendizado com Dona Joana, na praia de Cabedelo, fazendo chapéus e pratos. Depois ela foi sofisticando as formas, “graças a minha inteligência”, criando galinhas, emas, caranguejos ou pavões de cores claras, que chamaram a atenção de vários decoradores. suas peças ajudaram a criar seus dois filhos, mas até hoje, mestra Zefinha vai colher sua matéria-prima nas fazendas de coco. feito os feixes, transporta para a casa e desse material é retirado o fio da fibra do coqueiro, “fio por fio, um por um”. a partir daí começa a tecer e finalmente, após a peça terminada, uma fina camada de verniz fosco é passada. são 20 mulheres que trabalham na associação do trançados de pitimbu. “a associação ainda não está oficializada, mas nós dividimos todo o lucro igualmente”. a mestra mostra sua obra-prima: a alcachofra de quase um metro de altura. “o que saiu da minha cabeça foi a galinha e a alcachofra”. a peça, com corpo de cesta e tampa com cabeça de galinha é carinhosamente chamada de “mestra Zefinha”. thereza dantas RAIZ 13


foto: GiLson CarvaLHo

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OS ARTUROS. a família dos arturos vive em Contagem, minas Gerais. são cerca de 400 descendentes de escravos. símbolo de luta e resistência, a comunidade iniciou-se há 108 anos, desde o nascimento do pai artur Camilo silvério, em 1885. Durante todo o ano, realizam diversas festas religiosas como a de nossa senhora do rosário (outubro), João do mato e folia de reis (dezembro), 13 de maio – abolição da escravatura. os mais velhos dos arturos comandam as apresentações e regem os assuntos da comunidade, como manda a tradição, mas quem rouba a cena do espetáculo são os meninos da família (Grupo afro brasileiro filhos de Zambi), com suas danças saltitantes, cantando e tocando os instrumentos, vestindo chapéus, penteados exóticos, roupas coloridas, e alegria contagiante que faz prosperar a continuidade do reinado. Hoje, essa herança cultural está sendo descoberta por antropólogos e pesquisadores que acreditam que esses festejos devem ser tombados como patrimônio imaterial. os congados da região, por longo tempo, foram demonizados pela igreja Católica que não aceitava os seus cortejos, tratando-os como macumba. antigamente, o povo de Contagem zombava do grupo quando eles saíam nas ruas para festejar. Hoje, as manifestações regadas a batuques de congado, danças africanas, trajes tradicionais formam a "grande festa cartão-postal da cidade". FÁBIO RAYEL 14 RAIZ


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DIVINO CACURIÁ DE DONA TETÉ. Quando se pensa em cacuriá logo se associa a imagem de Dona teté. a dança de roda foi criada pelo maranhense aureliano almeida, mais conhecido por seu Lauro, em 1973. teve origem no carimbó de caixeiras, brincadeira realizada no fim da festa do Divino espírito santo, que ocorre sempre cinqüenta dias após a páscoa. Dona teté, àquela época, fazia parte do grupo de seu Lauro como uma das tocadoras de caixa, além de rezar ladainhas para diversos santos. "ele não gostava de ensinar sobre o cacuriá e só admitia senhoras de idade, que tinham de usar roupas folgadas", relembra Dona teté. Certa vez, seu Lauro se irritou ao ver meninas dançando ao som do cacuriá – suas saias subiam a cada girada que davam. Dona teté, então, percebeu que era chegada a hora de dar uma nova cara à dança que ninguém sabe dizer a origem do nome.seu Lauro, falecido no ano de 2000, de fato, era um homem de poucas palavras e de "coração muito bom", na opinião de Dona teté. em 1986, nelson britto, fundador do Laborarte, grupo independente do maranhão que congrega diversas expressões artísticas e acaba de completar 35 anos de vida, convidou Dona teté a montar um grupo de cacuriá, com direito a toda a liberdade de recriação e aprimoramento da dança. "mudei um pouco as letras e chamei todo mundo para entrar na roda", diz, com modesto orgulho. Duas das canções mais pedidas pelo público é Cofo e Jacaré/Jabuti, de domínio público, mas que receberam um toque pra lá de especial de Dona teté: os versos são carregados de duplo sentido e na dança deve-se esbanjar sensualidade (ouça Dona teté cantando as duas músicas no site da revista raiz., www.revistaraiz.com.br). nascida como almerice da silva santos e apelidada de teté pelo padre que a batizou por ser muito miúda, está com 83 anos, mesma tenra idade que seu afilhado de fogueira, mestre felipe. não pode mais dançar durante suas apresentações por sentir muita dor nas pernas. "tenho medo de cair e sabe como o povo é, né? vão dizer que eu tô bebendo." por isso só canta, que é o que mais gosta de fazer nessa vida. e quer ainda rodar muito por esse país. "vou viver até os 100 anos", diz, certeira. Que são João, seu santo de devoção, te ouça e te proteja, Dona teté. muita gente ainda precisa ser cativada pela alegria de seu cacuriá. livia deodato RAIZ 15


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O BRASIL DE JANETE COSTA


A acusação dos músicos Maurício Tapajós e Aldir Blanc de que “o Brasil não conhece o Brasil”, na canção “Querelas do Brasil” está caindo por terra. Pelo menos na avaliação da arquiteta e pesquisadora Janete Costa, “Finalmente as pessoas estão acordando para a Arte Brasileira. Acredito que por causa da globalização as pessoas estão acordando para suas próprias raízes. É uma questão de auto-estima”, avalia a pesquisadora. Natural de Garanhuns, PE, a arquiteta Janete Costa notabilizou-se no Brasil e no exterior como uma das profissionais que, no seu trabalho, se dedica a valorizar a arte popular brasileira. São 40 anos trabalhando com o marido, o também arquiteto Acácio Gil Borsoi. Nesse período construíram um rico acervo de peças de artistas populares. No seu currículo como curadora de exposições se inclui a realização de mostras nacionais e internacionais, além de projetos para promover a auto-sustentabilidade da produção de artistas populares e artesãos. “O artesanato é a base do trabalho dos artistas populares brasileiros”, afima a curadora. Nesse ano, duas grandes homenagens foram prestadas a ela: a exposição “Do Tamanho do Brasil: Mostra de Arte Popular” no Sesc Paulista, em São Paulo, contou com 300 peças de artistas como Nino, do Ceará; Mestre Vitalino, Nuca e Nicola, de Pernambuco; Rezendio, José Cícero, José Bispo e Irinéia, de Alagoas; Agnaldo e Louco, da Bahia; GTO e Ulisses, de Minas Gerais; Chico Tabibuia, do Rio de Janeiro, entre outros. E o Museu do Estado de Pernambuco, em Recife, montou a exposição “Uma vida, coleção de Janete Costa e Acácio Gil Borsoi”, que vai ficar aberta ao público até o dia 2 de dezembro. A curadora Janete Costa batalha há mais de 40 anos pela Cultura Popular Brasileira. “Isso sempre esteve comigo, desde criança. Eu freqüentava as feiras, comprava bonecas de pano, panelas de barro. Quanto mais me afastava da minha cidade, mais eu adquiria as peças de barro e madeira”. Segundo a brasileira Janete Costa: o Brasil do século 21 quer conhecer o Brasil. THEREZA DANTAS

divulgação

Serviço Exposição “Uma vida, coleção de Janete Costa e Acácio Gil Borsoi” Até 2 de dezembro de 2007 Museu do Estado de Pernambuco Avenida Rui Barbosa, 960, Graças – Recife – PE Mais Informações: (81) 3427 0766.


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. raiz da quest達o


foto: LeonarDo meLGareJo

O BANQUETE DA CULTURA POPULAR. DEVORAR OU SER DEVORADO? raiZ propôs a quatro pessoas envolvidas com o debate ao redor da cultura popular brasileira que respondessem às mesmas questões. para isso contamos com a ajuda da galerista vilma eid, proprietária da Galeria estação são paulo. foram reunidos então o ator e um dos fundadores do grupo parlapatões, Hugo possolo, o jornalista, poeta e escritor, José nêumanne pinto, o artista gráfico ricardo othake, e o músico, integrante do Quinteto violado, toinho alves. todos integrantes do iipb , instituto do imaginário do povo brasileiro, criado por vilma eid. pedimos ao leitor que imagine agora uma sala com poltronas e sofás confortáveis, em torno de uma bela mesa de centro rodeada de pipoca, canjica, mungunzá e tapioca para conversar sobre nacionalismo, fusão, xenofobia e cultura popular brasileira. muita cultura popular brasileira. RAIZ 19


. raiz da questão Como os senhores debatedores entendem nossa cultura no mundo globalizado em relação ao pensamento que nós, da revista raiz., propomos? nossa capacidade antropofágica, oriunda de nossa formação mestiça, permite visualizar uma produção cultural particular e inovadora. o maracatu se funde com o rock, os santeiros se fundem com o cartoon, as danças juntam áfrica com hip hop e assim vamos. o olhar estrangeiro, cada vez mais presente na promoção da nossa cultura, faz com que a gente pare e pense; "se eles dão valor, por que eu não?". adélia Prado diz que o mundo está a distância de um grito. o mundo "encolheu" ? então o que temos que fazer ecoar o nosso grito?." HUGo possoLo – evidentemente, cada período histórico traz seus embates econômicos e sociais, o que aponta conseqüências no âmbito da cultura. as manifestações artísticas são apenas parte desse processo. ao mesmo tempo aparecem mais, por sua necessidade expressiva de se lançar diante da sociedade e também podem ter função transformadora ou conservadora da situação. ou seja, é necessário ao artista uma visão crítica ampla e enorme dedicação ao seu ofício para que não se submeta ao pensamento hegemônico. Uma das funções de nosso instituto é dar espaço a manifestações populares, cuja pouca visibilidade pode turvar o olhar externo. essas manifestações, por manterem tradições, podem equivocadamente ser avaliadas como artes conservadoras. se ela ganha espaços de interferência social pode ganhar novos significados e, assim, retomar a visão transformadora que teve em sua origem. JosÉ nêUmanne pinto – o que me entusiasma no projeto do instituto do imaginário do povo brasileiro (o nosso iipb) é ultrapassar limites, cruzar fronteiras, arrombar porteiras. Conosco não há esta conversa de arte popular e arte contemporânea, cada macaco no seu galho, cada artista na sua moldura. É arte, ponto. boa ou ruim. original ou usada. a velha e boa velha nova arte. nosso espírito é daquela canção-manifesto que o ministro Gil compôs e gravou nos tempos do tropicalismo: "a geléia geral brasileira que o Jornal do brasil anuncia". no tempo em que ainda havia, ai que saudade, o Jornal do brasil. ninguém aqui está a fim de passar a mão na cabeça do artista popular e lhe dizer o quanto ele é bom. interessa-nos e nos importa é valorizá-lo. o que, aliás, nem é novidade, porque nossa diretora executiva, vilma eid, que vive batendo os sertões, sabe, ele já tem idéia muito precisa de qual é o próprio valor e está disposto a cobrar por ele. nosso grito é este: não caia no papo conceitual, venha aqui e compre a verdadeira arte que antônio Dias está fazendo e alcides fez até morrer. nem somos originais nisso. miles Davies já fundia o jazz com o rock. Guimarães rosa tornou internacionais as conversas de tropeiros que ouvia na venda do pai, ali pertinho da gruta de maquiné. pablo picasso sabia o valor que os pintores tribais africanos tinham. Heitor villa-Lobos transformou a canção popular do vale do seridó "o, mana, deixa eu ir" no tema de uma bachiana. e por aí afora... toinHo aLves – esta visão universal sobre a cultura brasileira é uma necessidade de sobrevivência. a mistura e a leitura, criadas por comunidades além dos nossos limites, representa a renovação e atualização dos nossos valores culturais e, afirmo, que o folclore além dos pensamentos dos tradicionalistas, é dinâmico e muda com o tempo. permanecem as características, mas,os fatores atuais de mídia, influenciam fortemente as verdades folclóricas. o mundo está de ouvidos abertos para reconhecer os nossos valores, no entanto é preciso reunir valores de referências para o melhor entendimento dos espectadores. essa história de que os "gringos" querem/gostam de forró pé de serra é mais folclórico que o próprio folclore. tornar a nossa riqueza cultural em um produto é a real maneira de comercializar a nossa cultura. riCarDo oHtaKe – Há muito que a fusão centro x periferia tem dados pontos muito interessantes. a maior contribuição brasileira tem sido, sem dúvida, em música popular urbana e rural. villa-Lobos, trazendo ritmos e melodias colecionados nos interiores, fez ele mesmo a fusão erudita-popular, ou européia-brasileira. a bossanova trouxe a “influência do jazz”, e tom Jobim e outros excepcionais músicos, contribuíram para formar uma escola de alcance mundial até hoje. o tropicalismo junta rock e mpb. samico, há muito, realiza imagens populares medievais brasileiras, num construtivismo erudito europeu. só mesmo a sua genialidade e excepcional talento consegue fundir suassuna e aloísio magalhães, os dois com quem samico conviveu, acho eu. estas são algumas sínteses que deram resultados muito inovadores, não ignoram o mundo e mantém a cultura brasileira no seu cerne. e creio que são inúmeros exemplos, que eu não sei classificar correta e cientificamente, pois não sou antropólogo e nem teórico de arte, mas a minha intuição diz que são contribuições. 20 RAIZ


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foto: antonio sCarpa


. raiz da questão

"a paLavra naCionaLismo viroU paLavrão, QUase sinônimo De faCismo" Ricardo Ohtake

a defesa da cultura Popular é muitas vezes confundida com nacionalismo. o radicalismo de intelectuais e artistas como ariano suassuna é carregado de xenofobia? ou isso é mais uma armadilha de uma visão preconceituosa sobre nossa cultura mais popular? JosÉ nêUmanne pinto – ariano é um dramaturgo genial, um bom romancista e, acima de tudo, um cara muito engraçado. sua aula-espetáculo, filmada pelo vladimir Carvalho, é um dos melhores programas humorísticos que já vi numa tela. mas a xenofobia dele não passa de piada. Um dia ele reclamou de alguém que tinha recebido o prêmio sharp, porque pensava que sharp era uma multinacional. e se fosse? Quero ver ele se recusar a receber o prêmio portugal telecom da Literatura. arre égua! negócio seguinte: esse gênero de xenofobia é o preconceito pelo avesso, mas preconceito de qualquer forma. Uma das canções mais lindas que conheço é a parceria de bráulio tavares com sebastião da silva, repentista popular, contando a vida de um menestrel como eles, robert Johnson, o blueseiro maluco do Delta do mississipi. Uma vez, meu parceiro Zé ramalho produziu um disco do grande violeiro pernambucano oliveira de panelas e me levou para ouvir. aí, botei para rodar robert Johnson na vitrola. Da fusão do negrão que fez um pacto com o diabo numa encruzilhada para tocar sua guitarra e do poeta popular nordestino Zé ramalho, compôs uma obra-prima de nosso cancioneiro popular: Chão de giz. É por aí... toinHo aLves – essa é uma besteira dos "intelectuais". ariano suassuna é um grande artista, um grande conhecedor da cultura popular a serviço de um projeto estabelecido por ele próprio, ótimo e engraçado nas suas palestras, mas com uma contribuição pífia no resultado geral. o seu trabalho é valioso em benefício próprio. ele só participa de projetos que trazem as suas características. ele não abraça nenhum projeto que não seja o seu. Casos como Chico science são comuns na sua história. não querer ver o progresso, a atualização do valores culturais é a pior das cegueiras. HUGo possoLo – eu creio que sim. o preconceito se dá por uma visão folclórica da arte popular que reflete esse sentido conservador que o nacionalismo abriga. É difícil a tarefa de quem defende a arte popular, pois sempre tem de explicitar o valor simbólico e a função social das manifestações dessa origem, enquanto que outras formas de arte, oriundas de outros segmentos sociais, sempre passam ao largo de tal leitura. o preconceito se dá também pela falta de auto-valorização dos próprios artistas e artesãos que não se enxergam dentro de uma sociedade complexa e excludente. o instituto do imaginário do povo brasileiro tem o objetivo de reconquistar o valor simbólico tanto para a sociedade, quanto para os próprios artistas. riCarDo oHtaKe – nestes últimos 20 e tantos anos, a palavra nacionalismo virou palavrão, quase sinônimo de fascismo, de provocador de guerras, o inverso do pacificado universalismo. então tudo o que se diz que tenha um conteúdo nacionalista, leva pau de imprensa, dos intelectuais, da elite. no caso da cultura popular, a visão preconceituosa ao seu resultado importante, é desqualificá-la, e isto acontece muito comumente. se formos ver as exposições realizadas na estação são paulo, pelo iipb – instituto do imaginário do povo brasileiro, dirigida por uma gigante de um metro e meio de altura, meiga, mas muito decidida, chamada vilma eid, as peças mostradas do alcides, de brinquedos, dos santuários, comprovam que não há nacionalidade, regionalismo ou o

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DivULGação

que quer que seja que vá construir ou desvalorizar as obras. portanto, por aí, a discussão é empobrecedora, mas talvez seja necessário fazê-la de forma inteligente. na busca da sustentabilidade, a cultura popular ainda é muito dependente das leis de incentivo e de secretarias de cultura. uma nova bandeira: "Periferia" tem sido uma moeda muito aceita pela mídia e o consumo, vide programas de televisão com essa tarja ou o sucesso do filme "tropa de elite". esse consumo é aceito pela conquista de nossa cultura popular ou a suposta "não qualidade" é aceita pelo selo Periferia dentro de uma visão, não menos preconceituosa, mas complacente do mercado e da mídia? toinHo aLves – essa é outra estratégia usada por "malandros culturais", pessoas que não têm compromisso real com a Cultura popular e que geralmente ocupam os lugares de destaque nos órgãos oficiais de cultura de municípios e estados. sob a capa das leis de incentivo tem-se magníficos eventos programados de forma oficial e sem nenhum benefício cultural previsto. foram estes políticos e gerenciadores que transformaram as políticas de incentivo em uma nova forma de lucros para as empresas. são raríssimos os casos de emoção pela realidade cultural. existe,mas,são poucos os casos. HUGo possoLo – É forte a tendência que quer confundir mercado e arte. abordagem equívoca que leva a misturar o que é uma manifestação periférica daquela que pretende ler a periferia. não se trata de modismo, pois refletem um determinado momento histórico com todas as suas contradições. JosÉ nêUmanne pinto – as leis de incentivo e as secretarias de Cultura sempre me lembram aquele verso de Zé Dantas no baião vozes da seca, de Luiz Gonzaga: "mas, dotô, uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão". na verdade, as duas coisas acontecem simultaneamente. o camarada se cobre de envergonha e se vicia. Qualquer forma de arte que se possa sustentar no mercado, em qualquer mercado, é legítima. e a arte de periferia se legitima em sua capacidade de sobrevivência, sem necessidade de apadrinhamento da crítica, da academia, da mídia e do mercado fora dos bairros onde ela é produzida. periferia não é uma visão preconceituosa, mas uma realidade, mais que cultural, sociológica, brasileira. e como tal precisa ser entendida e respeitada. se o negrão pode comprar o disco e o ingresso para o show do mano brown, bom proveito! nem por isso, este classe média aqui vai ter de ir lá. vai se quiser. se estiver disposto a ouvir e curtir. não é por aí ou estou falando besteira? riCarDo oHtaKe – existe uma moda muito favorável a tudo isto. os filmes, os programas de televisão, a atuação de solidariedade de D. ruth Cardoso, todos os projetos sociais em favelas, a participação de ongs, a famosa responsabilidade social das empresas, que se juntam ao museu afrobrasil de emanoel araujo, os pontos de Cultura do minC, e aos projetos do presidente Lula, que, estamos vendo, além de tudo, faz ganhar eleições... o que chama a atenção de todos para esta questão de diminuir a miséria e a pobreza do país. não resolve mas vai tendo alguma influência. veja o que acontece na venezuela á Chavez, argentina de Kirchner. talvez no equador, bolívia ... da moda ao concreto, a distância é grande, mas pode ser pequena. Quanto menor, melhor, oras bolas... RAIZ 23


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P達O, TERRA E BELEZA


POR THEREZA DANTAS FOTOS LEONARDO MELGAREJO

movimento Dos Com arte

MST=MCA

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“Cuidado com a troca de tiros!” essa foi a última frase ouvida antes da viagem de são paulo para o assentamento barra do feijão, no vale do Jaguaribe, interior do estado do Ceará. a pauta surgiu em função do número de releases e depoimentos de grupos de teatro, de reisados e cocos, músicos e dançarinos formados por assentados que chegam à nossa redação . eles dão conta da participação desses artistas em festivais e mostras de arte espalhados no país. a imagem dos invasores desdentados e furiosos, tão incessantemente veiculada na grande imprensa, resumida nessa frase gentil: “Cuidado com a troca de tiros!” era o oposto dos relatos e informações sobre os grupos de artistas “sem terra”, mas “com arte”, formados nos assentamentos que estavam criando suas peças ou recuperando folguedos tradicionais. Com esse material, uma pergunta ficava no ar: o que está acontecendo dentro desse esse movimento que atrai tanto amor e ódio ?

ENTRE OS ASSENTADOS na tentativa de entender o que se passa dentro do movimento dos sem terra mas com arte chegamos no assentamento da barra do feijão, na cidade de tabuleiro do norte, sertão cearense. ali 560 pessoas moram e vivem em 3 mil hectares de terra, produzindo queijo e mel. ali onde cada cabeça tem direito a um sol particular, a comunidade criou o grupo de teatro terra e arte. mesmo à sombra, dentro do espaço da associação dos moradores o calor do sertão se faz sentir e jovens entre 14 e 22 anos formam a roda para ensaio e discussão . os irmãos maia-, alexandre, marcos e adriana- mais Giovana Galvão bueno e Galeano baldino, alguns dos integrantes do terra e arte, falam sobre os prazeres e os problemas do ofício. “são cerca de 10 integrantes. Quando somos convidados a participar de algum encontro nos mobilizamos, marcamos os ensaios e nos preparamos para a apresentação”, explica Galeano. os problemas são a alta rotatividade dos integrantes dos grupos de teatro e a ausência de remuneração que dificulta a estabilidade dos artistas assentados. o pai, estudante e trabalhador, Galeano baldino, não pode dedicar mais tempo para o artista Galeano baldino. “o grupo tem dificuldades em manter uma boa quantidade de ensaios ou criar os figurinos. na montagem da quadrilha para apresentações nas festas juninas conseguimos agrupar um número maior de pessoas da comunidade”, explica o artista com a foto da quadrilha com 40 participantes nas mãos. pelas mãos de Galeano, o assentamento se mostra na “secura” de atrações, mas recheado de vontades de melhorar a qualidade de vida dos que vivem na comunidade. a “praça” é imaginada embaixo de uma jurema, enquanto o chão quente e cinza não deixa esquecer do calor. Galeano desenha a praça no ar com um projeto paisagístico de plantas nativas, de juremas, mandacarus e cajueiros “e alguns bancos no meio dessa praça para poder sentar e pensar”. esse sonho é tão palpável como os grupos de teatro, capoeira, dança, reisados ou são Gonçalos. tão palpável como esse movimento artístico que está sendo desenhado pelos artistas assentados. o grupo terra e arte ensaia suas peças no espaço da associação dos moradores, com direito a figurino RAIZ 27


. saberes criado pelas mães, tias e avós, e se apresentam em feiras, escolas públicas e mostras de arte, a convite das secretarias municipais de Cultura da região. o grupo de jovens faz questão de mostrar a sala de paredes caiadas onde guardam os figurinos da quadrilha junina e da peça “efeito borboleta”. as fotografias das oficinas- como a do ator orlangelo Leal, integrante do grupo de música e teatro Dona Zefinha- das apresentações nos teatros de escolas, dos integrantes felizes reunidos nas festas juninas, são mostradas com orgulho pelos “artistas assentados”. marcos maia fala de sua carreira solo de humorista, conta uma piada com segurança e diz que já foi mestre de cerimônias na porta do inCra. “o pessoal dos assentamentos protestava sobre a falta de financiamentos e fui “convidado” para “animar” o evento”, diz o mC. Já alexandre maia não vê futuro na vida de artista. “Quero mesmo é ser vaqueiro”. pelo que conta, a profissão impressiona mais as mulheres. o terra e arte faz parte de uma iniciativa pioneira dentro do inCra do Ceará: um projeto voltado para o desenvolvimento de projetos artísticos culturais dos assentados. segundo a coordenadora do projeto “arte e Cultura na reforma agrária”, silma magalhães, essas manifestações culturais são um importante passo dos assentados para “o auto reconhecimento e principalmente para a melhora da auto estima”. Desde 2003, a coordenadora pesquisa e promove apresentações dos grupos de artistas assentados com o objetivo de resgatar a cultura tradicional existente nos assentamentos e incentivar a produção artística dos jovens em projetos de reforma agrária. o projeto “arte e Cultura na reforma agrária” apóia grupos de 40 assentamentos federais no Ceará e já produziu dois encontros, as “mostras paralelas da arte e Cultura na reforma agrária”, com grupos de teatro, capoeira, dança de são Gonçalo, dramas, cocos e reisados. “Cada encontro são novas descobertas e aprendizagens. acredito que essas são as grandes transformações que estão acontecendo e muita gente não vê”, diz silma magalhães.

A ORIGEM DA EFERVESCÊNCIA a irmã elizabeth, que atua no assentamento Juca Grosso, da cidade de morada nova, Ce, dá uma pista: “a nossa ordem de são vicente de paula oferece oficinas de tricô, teatro, capoeira e mamulengos”, explica. essas oficinas surgiram como necessidade de criar atividades para os jovens. “temos problemas graves de violência entre os jovens”. segundo a irmã elizabeth, a bebida alcoólica é responsável por problemas de gravidez na adolescência, brigas e dependência química. mesmo o mst tendo regras severas sobre bebidas alcoólicas, os assentados não vivem em um mundo a parte. a trabalhadora rural eliene de Holanda maia, mãe dos irmãos maia do grupo de teatro terra e arte, reforça essa preocupação. “nós vamos para a roça, os meninos não ficam o tempo todo lá com a gente. as apresentações são uma boa oportunidade de aprendizado e também para mostrarmos as nossas dificuldades para quem vai assistir as peças”, conta a mãe. a mãe eliene fala da peça que o Grupo terra e arte criou especialmente 28 RAIZ


para denunciar as más condições da estrada que dá acesso ao assentamento. “fizemos a peça e apresentamos ao secretario de saúde e de educação de tabuleiro do norte mostrando esse nosso problema”, explica Galeano baldino. os integrantes do terra e arte têm razão. a areia da estrada de acesso ao barra do feijão só é vencida por um carro com tração nas quatro rodas. o que não se esperava é que essas necessidades de lazer e aprendizado gerassem um movimento que, só no Ceará conta hoje com 75 grupos culturais envolvendo 8 mil pessoas. são grupos de teatro em sua grande maioria, mas existem grupos de capoeira, quadrilhas de são João, corais, dança, músicos e poetas. o que impressiona são os assentados trabalhando na recuperação de vários folguedos tradicionais. existem vários grupos de reisados, de Congo e Caretas, grupos de Coco e São Gonçalo, tradições que estão sendo resgatadas por essas comunidades. Um bom exemplo dessa iniciativa de resgate da cultura tradicional é o reisado de Caretas da família ramos. a família ramos, do assentamento ipueira da vaca no Canindé, Ce, mantém um reisado com a tradição das máscaras ou Caretas, há três gerações. mestres locais, os trabalhadores rurais raimundo e noel ramos deram início ao grupo há 40 anos. eles aprenderam a dança com o pai, José ramos, que participava de um grupo de reisado na serra de aratanha, nos anos 20. o reisado foi introduzido pelos portugueses no século 19. É um espetáculo popular comemorado inicialmente no período das festas de natal e reis. Uma característica é o uso de muitos adereços, trajes com cores quentes e chapéus enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos. são compostos por 4 a 6 mascarados que dão vida e humor à brincadeira. são esses mascarados que a família ramos faz questão de manter vivos nas apresentações. “nossa preocupação é manter uma tradição com o apoio das crianças. nós percebemos que a cultura tira as nossas crianças do caminho do mal”, explica a sra. teresa ribeiro da silva, líder da banda raízes e Dança de Coco, da comunidade Caetanos de Cima, do assentamento de sabiaguaba, na cidade de amontada, Ce. mas são vários os grupos que tentam resgatar e preservar tradições populares como o grupo de manero-pau do assentamento massapé, da cidade de mombaça, ou Dança de são Gonçalo, do assentamento riacho novo, de santa Quitéria, todos no Ceará. o grupo de teatro muc’arte, do assentamento mucuim de arneiroz, Ce, participa de diversos festivais com o espetáculo de poesia dramática “sons de mucuim”, uma criação coletiva das crianças e dos adolescentes sobre o cotidiano do assentamento. o grupo composto por 25 integrantes, atua desde 2004, orientado pelo diretor de teatro Júnio Santos, e está se organizando para criar a Casa de Cultura Comunitária do mucuim. “Queremos ampliar o intercâmbio entre os grupos artistas dos assentamentos. nosso trabalho é o de sensibilização. estamos plantando um teatro de rua com visão social”, explica o ator, pedagogo e autor Júnio santos. Da necessidade de atividades para os jovens, um movimento de artistas constrói uma outra realidade. RAIZ 29


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CRIAÇÕES COLETIVAS a partir da necessidade de contar uma história que espelhasse a própria realidade, os integrantes dos grupos de artistas dos assentamentos criam textos, dramaturgia, uma estética própria muito preocupada com a narrativa de sua história, avalia o coordenador da brigada de teatro da rede Cultural da terra, do mst, Douglas estevam. a Comissão pastoral da terra, o Cpt, é um organismo da igreja ligado a Conferência nacional dos bispos do brasil, Cnbb. Criado em 1975, é parceiro do movimento pela reforma agrária. esse grupo de padres e bispos trouxeram o ritual da mística, hoje ação cênica sobre determinado assunto criado a partir das necessidades dos integrantes de um assentamento em contar a sua história nos encontros que são promovidos pelo mst. “sempre existiu atividade cultural. Desde o início do movimento. a mais específica manifestação cultural talvez seja a mística. ela é uma espécie de manifestação artística e estética que fazemos em todas as nossas reuniões, encontros nacionais ou mesmo nas ocupações de terra”, explica Douglas estevam. “a base vem da experiência religiosa dos integrantes ligados a Comunidades eclesiais de base. Com o passar do tempo, essa experiência foi se secularizando, tomando um carater político.” Quem também inspira esse movimento cultural é pensador peruano, José Carlos mariátegui (1894-1930) que diz: “devemos não apenas conquistar o pão, mas também conquistar a beleza”. após certo tempo essa necessidade de trabalhos ligados á linguagens culturais começaram a fazer parte da pauta dos assentados. a primeira pauta, ou interesse, era a ocupação da terra, a segunda, os modelos de produção. Logo veio a necessidade da educação, e junto com ela, a Cultura. em 1996, o mst constituiu um setor específico para a Cultura, e em 2001, nasceu a brigada nacional de teatro patativa do assaré, uma homenagem ao poeta do Cordel cearense. neste contexto, o mst vem produzindo coletivamente, músicas, representações teatrais, poesias, símbolos e pinturas em painéis em que as lutas dos trabalhadores rurais estão representadas. os painéis de grandes proporções são o melhor exemplo desse pensamento. alguns com mais de dez metros são inspirados nos trabalhos do artista mexicano Diego rivera, um dos criadores do movimento muralístico mexicano, que considerava a pintura de cavalete pequeno burguesa por ficar confinada em coleções particulares. esses painéis são encomendados para os encontros nacionais sobre a Questão agrária para coletivos de artistas, como o movimento dos artistas da Caminhada (marCa) que criou o painel “subjetividade e Compromisso”, de 4 metros por 6 metros, ou 30 RAIZ

o painel “mst 20 anos”, de 10 metros por 5 metros, da frente de artes plásticas criado para o aniversário da entidade. pelos tamanhos dessas obras, elas não cabem em cavaletes e são expostas nos encontros que chegam a reunir 20 mil pessoas, como tanto almejava o artista mexicano.

A CULTURA DO MST INVADE OS ESPAÇOS CULTURAIS os painéis, os CDs, os livros, as peças de teatro tem uma estética particular. no caso do teatro, inspiradas no teatro do oprimido, do diretor augusto boal e no trabalho do dramaturgo César vieira, do Coletivo União e olho vivo. “não dá para criar de forma dogmática. a nossa preocupação é com a indústria cultural, com um excesso de técnica que pode criar uma estética”, avalia Douglas estevam. Já a coordenadora do projeto “arte e Cultura na reforma agrária”, silma magalhães acredita que o importante é criar articulações. “Desde 2005 tivemos 9 projetos selecionados pelos editais públicos do banco do nordeste, o bnb. Queremos mostrar esses trabalhos, fazê-los circular.” o Coletivo filhos da mãe... terra, do assentamento Carlos Lamarca, em sarapuí, sp, participou da ii mostra Latinoamericana de teatro de Grupo que aconteceu de 30 de abril a 6 de maio em 2007, no Centro Cultural são paulo, na capital paulista. apresentaram-se junto com grupos de Cuba, venezuela, república Dominicana, argentina e bolívia. o grupo de teatro peça pro povo foi formado em 2003, por filhos de agricultores assentados do rio Grande do sul, com integrantes das comunidades de viamão, veranópolis, palmeira das missões, porto alegre, Jóia, Gravataí, santana do Livramento, são Gabriel, nova santa rita e pontão. o grupo já realizou mais de uma dezena de espetáculos. “a intenção não é formar atores e atrizes, mas sim atuadores da cultura local, que produzam coletivamente, sem a distinção produtor-consumidor”, explica sérgio reis marques, um dos articuladores do peça pro povo. o grupo montou e apresentou as peças como a bundade do patrão, paga Zé, Que bonito papel e a peça morte aos brancos, baseada no texto de César vieira, um dos pioneiros na utilização dos processos de criação coletiva. “o teatro é uma ferramenta de debate. Queremos montar o teatro fórum. Claro que há aspectos lúdicos, mas a questão política é muito importante”, explica sérgio.

A TROCA DE INFORMAÇÕES, NÃO DE TIROS “meu patrão, eu não vim te pedir/vim cobrar o que é meu por direito/nas estradas que já percorri/ vi retratos de sonhos desfeitos/vi favelas engasgadas de fome/e o campo sem ter plantação/ mas agora paciência minguo/ e aqui tô que tô, seu doutor/e não tô


só não...” a letra da música Coração brasil, do mineiro Zé pinto, é um hit dos encontros nacionais do movimento. o CD “Uma prosa sobre nós” é vendido em todos os encontros e nas secretarias regionais do mst. É dessa forma que os trabalho artísticos são distribuídos e chegam aos quatro cantos do país. não existe uma grande preocupação de todos os artistas assentados na questão da profissionalização artística, mas há uma preocupação em criar formas de convívio, laços, de estabelecer redes de trocas de saberes com outros setores da sociedade. não há menor sinal de movimento desses grupos para divulgação e inserção no mercado tradicional, mas os grupos de teatro, de dança, músicos, poetas se apresentam em colégios, festivais e encontros. para silma magalhães, “além de espaços produtivos, os assentados pensam numa reforma agrária como forma de desenvolvimento humano integrado, onde interajam a cultura, a produção, a educação, o crédito, a assistência técnica e a saúde”. Já para o integrante do peça pro povo, sérgio reis marques, confirma esse desinteresse dos artistas assentados no mercado tradicional. “não estamos interessados no mercado. Queremos agregar conteúdo ás nossas obras”. Um exemplo de construção coletiva de uma obra artística é o documentário que acabam de produzir sobre o 5º Congresso nacional, que aconteceu de 11 a 15 de junho deste ano, em brasília. “esse documentário é a prova de como pensamos a criação de uma obra. são 30 minutos de vídeo que roteirizamos, captamos a imagem e editamos”. para montar o documentário, 50 pessoas estão envolvidas no roteiro. não demora mais para concluir? “sim, mas estamos interessados no processo coletivo, na clareza da compreensão de nossos sonhos e objetivos”, diz Douglas. mas a rede Cultural da terra, do mst, promove oficinas sobre produção cultural, vários cadernos sobre processos de montagem e divulgam textos dramáticos como a “peleja de boi bumbá contra a águia imperiá” ou “privatleite”. outro detalhe, o mst faz parte do conselho editorial da editora expressão Popular. na atual fase, o mst pode também ser chamado de movimento dos Com arte. esse movimento vai da ação de tirar “as crianças do caminho do mal”, como faz a coquista teresa ribeiro da silva com seu grupo de dança de Coco no interior do Ceará, ao trabalho de formação teatral do Centro do teatro do oprimido, do dramaturgo augusto boal, que afirma em seu texto “a terra é redonda”: “é necessário que cada camponês seja consciente do país e do mundo em que vive, (...) que suas reivindicações não se reduzam aos slogans e às frases feitas, mas que se tornem poesia, pintura, música – arte”. e os trabalhadores rurais ou camponeses estão trabalhando duro por arte e cultura.

Serviço: Projeto “arte e cultura na reforma agrária” - silma magalhães - fone: (85) 3299 1344. rede cultural da terra - douglas estevam - e-mail: cultura@mst.org.br.

BREVE HISTÓRICO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA são 23 anos de mst, mas a luta pela terra no brasil é antiga. os bem humorados dizem que esse movimento começa com Caramuru, ou Diogo Álvares Correia, português sem berço que em 1509, perdido em terras pindoramas, une-se ao povo tupinambá, por obra e graça da índia paraguaçu. essa união lhe confere um status dentro do “cunhadismo” e proporciona a concessão de terras do donatário da sesmaria da Capitania da bahia, francisco pereira Coutinho, em nome da sua convivência “cordial” com os índios e os brancos. bom humor a parte, se as sesmarias são o ponto de partida na política de má distribuição da terra no brasil, as Ligas Camponesas são a alma do mst. elas surgem na década de 50, em pernambuco, respaldadas pelo advogado francisco Julião. no golpe militar de 1964, o movimento desaparece sob a repressão e uma versão light de Lei de reforma agrária no brasil, é redigida pelo então presidente-marechal Castelo branco. passado os anos de tutela militar, os brasileiros redescobrem a democracia na década de 80 e, em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel, no paraná, ocorre o primeiro encontro do movimento dos trabalhadores rurais sem terra, o mst. são 23 anos de mst e nesse período grupos de trabalhadores rurais foram assentados em terras indicadas pelo instituto nacional de Colonização e reforma agrária, inCra, órgão criado no governo militar e que se manteve nos governos eleitos pelo povo brasileiro. nesses assentamentos, famílias foram constituídas. filhos nasceram, cresceram e hoje, adolescentes e jovens são motivo de preocupação dos pais. preocupação compartilhada com pais de qualquer periferia dos grandes centros ou condomínios das classes média e alta de centenas de cidades brasileiras.

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Do dia 4 a 11 de novembro de 2007 um grupo de artistas proclamou a Semana de Arte Moderna da Periferia do alto dos morros da chácara Santana, zona sul paulistana, a uma considerável distância geográfica e temporal da primeira Semana de Arte Moderna que aconteceu no ano de 1922 no período, entre 11 e 18 de fevereiro, no Teatro Municipal da cidade de São Paulo. Uma exposição com quadros de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti e esculturas de Victor Brecheret ficou à disposição dos olhares do público paulistano durante sete dias e, nas noites dos dias 13, 15 e 17 de fevereiro ocorreram apresentações de poesia, música e palestras sobre a modernidade que eternizaram nomes como Oswald e Mário de Andrade e causaram espécie à culta platéia paulistana quando o poeta Ronald Carvalho lê Os Sapos, de Manuel Bandeira. Os sapos voltaram 85 anos depois. Eles moram nas periferias dos grandes centros do país e não querem mais porta-vozes. Eles falam de suas vidas e cotidianos através da música, do cinema, das artes plásticas, da dança, do teatro e, apesar de nossas deficientes escolas públicas e privadas, da literatura. A Semana de Arte Moderna da Periferia deixou claro que suburbano, periférico ou favelado não são números que enchem planilhas de estatísticas, mas são pessoas complexas e sedentas de conhecimento. Um dos coordenadores do Cooperifa, Sérgio Vaz, ao ser questionado da necessidade de uma Semana de Arte Moderna na periferia, respondeu: “e por que não?”

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Sapos coaxam na semana de arte da periferia fotos eduardo toledo

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povo LinDo, povo inteLiGente Desde a criação do sarau da Cooperifa, há 6 anos, no bar do Zé batidão, na mesma chácara santana, se viu transformado em um centro cultural. poetas, cronistas e romancistas apresentam seus trabalhos. Lá, todas às quartas-feiras, a partir das 21 h, mais de duzentas e cinqüenta pessoas reúnem-se para ouvir e falar poesia. alguns lêem, outros constroem cenas com suas palavras, todos manifestam seu amor, sua dor e sua cor. a Literatura periférica transformou-se na locomotiva artística, que tem guiado as comunidades mais carentes para um reconhecimento de sua história e tem gerado um número substancial de obras e também de consumidores de arte e cultura. para sérgio vaz, “hoje, seguindo o exemplo da Cooperifa, vários saraus estão acontecendo nas periferias do brasil. no embalo dessa tropicália periférica, outras artes, antes adormecidas, também começaram a ser produzidas com o mesmo afã que os poetas e escritores”. o trabalho do mecânico Casulo, no sacolão das artes do parque santo antônio, é o exemplo dessa vontade de transformação. sua obra, exposta durante os sete dias, são capôs de carros que foram transformados em casas de aranhas ou rostos de um universo muito particular. no antigo galpão das frutas e verduras, as roupas penduradas da estilista ana paula de medeiros tem como inspiração o cangaço, moda verão, e os catadores de papelão , moda inverno. a estilista tem preocupação com o meio ambiente, não só como inspiração, mas também como matéria-prima para as roupas que cria, pois os tecidos de calças e camisetas são feitos de material como a da reciclagem com garrafas pet, lonas e algodão. além de ana paula e Casulo, artistas de rua como Ganu, boicote e Jerry batista, grafiteiros que tomam conta das paredes exteriores do sacolão das artes e contrastam com os morros tomados de casas, muitos ainda sem cor, dos moradores da região. “a arte não transforma” o secretário de Cultura do município de são paulo, sr. Carlos augusto Calil foi a única personalidade do poder público que participou da “conversa entre convidados e público” sobre o cinema da periferia. vídeos de curta duração como “onomatomania”, de Diego soares, “Defina-se” de Kelly regina alves, tio pac e Daniel Hilário ou “poeira” do Coletivo nerama, causaram tamanha impressão ao professor universitário e atual secretário, que ele declarou que “a arte não transforma”. esse questionamento secular que acompanha o homem artista foi resolvido pelo secretário de Cultura, que defendeu a educação como única forma de transformação e melhoria da qualidade da criação artística no que foi duramente contestado pelos cineastas que participavam da conversa . Questionavam os artistas ao secretário de que se apenas a educação transforma, onde está então a presença do estado como agente transformador. para o artista plástico Jair Guilherme filho, graduado na Unicamp e curador da área de artes plásticas da semana de arte da periferia, a formação dos artistas na Universidade é muito importante, mas cobra dessas instituições uma vontade, 36 RAIZ

uma ação em direção ao entendimento da arte criada na periferia. “a investigação desses artistas é uma forma de pesquisa, que não é acadêmica, mas me lembra muito o trabalho de experimentação”, avalia. “alguns são autodidatas, alguns iniciaram e abandonaram a faculdade, outros terminaram o curso, mas a universidade ainda não está voltada para esse tipo de artista. ela está interessada no artista que pesquisa o espaço e a forma no período renascentista. e alguns artistas da periferia têm tinta na alma”. CorrenDo atrÁs Dos CLÁssiCos o dia dedicado à literatura foi uma quarta-feira, na programação da semana de arte moderna da periferia. Um debate “a produção literária na periferia” foi produzido durante pelo menos 90 dias e os debatedores alessandro buzo (autor do livro: Guerreira), sacolinha (autor dos livros: Graduado em marginalidade e 85 Letras e um Disparo), a cronista elizandra souza, o poeta sergio vaz (autor do livro: o Colecionador de pedras), com a participação especial do representante da onG ação educativa, eleilson Leite, fizeram o que o mundo das artes oficiais há muito não faz: debateram. “a Cooperifa também quer sacudir o marasmo cultural que se instalou no país”, trecho extraído do manifesto da Antropofagia Periférica. o encontro de escritores e poetas numa sala, em um espaço de cultura da periferia de uma grande cidade do terceiro mundo, versou sobre qualidade do texto, sobre formação versus informação, machado de assis, mídia e como se relacionar com ela, mercado editorial, Universidade, críticos literários, da “onda” periferia, da temporalidade de um texto, de personagens e de um bairro, e da universalidade de um texto, de personagens e de um bairro. o microcosmo discorreu e debateu com sinceridade e sem afetação, sobre o universo literário. tudo isso tendo como referências explícitas o rap do movimento Hip Hop, a literatura de Cordel, o gibi e a televisão. “Como há muito não se via, o futebol e o samba, não são os únicos meios dos jovens mostrarem seus talentos e esforços. Hoje é comum vê-los produzindo seus próprios discos e documentários, espetáculos de dança e teatro, artes plásticas e grafites, produzindo seus próprios livros, só no sarau da Cooperifa já foram lançados mais de 40 livros”, avisa sérgio vaz. e por que a literatura? “os poetas da Cooperifa escreviam letras de raps. tínhamos espaço no movimento hip hop, nas rádios comunitárias, piratas. mas a política de perseguição da polícia federal a essas rádios foi tão intensa, que perdemos espaço na música e migramos para a literatura”. o poeta e letrista de rap, renato vital freqüenta a Cooperifa há um ano. “eu escrevia letras para raps, mas não deu muito certo. freqüento a Cooperifa, todas às quartas-feiras, não falto a nenhum dos encontros e quero voltar a compor para rap”, explica Renato . a exemplo dos artistas assentados do mst, os artistas da periferia estão cheios de idéias, algumas boas, outras nem tanto, mas quando seus trabalhos artísticos conseguem ser expostos conquistam o seu público. são os periféricos unidos no centro das coisas.


manifesto Da antropofaGia perifÉriCa a periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. a favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.a favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. diversidade. agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha. a arte que liberta não pode vir da mão que escraviza. a favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar. Do teatro que não vem do "ter ou não ter...". Do cinema real que transmite ilusão. Das artes plásticas, que, de concreto, quer substituir os barracos de madeiras. Da Dança que desafoga no lago dos cisnes. Da música que não embala os adormecidos. Da Literatura das ruas despertando nas calçadas. a periferia UniDa, no Centro De toDas as Coisas Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala. Contra o artista surdomudo e a letra que não fala. É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que armado da verdade, por si só exercita a revolução. Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado. Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. miami pra eles? "me ame pra nós!". Contra os carrascos e as vítimas do sistema. Contra os covardes e eruditos de aquário. Contra o artista serviçal escravo da vaidade. Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada. a arte que liberta não pode vir da mão que escraviza. por uma periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor. É tUDo nosso!

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FOTO: gringo cardia

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O CALEIDOSCÓPIO DA CULTURA POPULAR POR LÍGIA HIPÓLITO E NATHALYA BURACOFF

artistas e LÍDeres ComUnitÁrios Definem as manifestações Urbanas e provinCianas Com Diferentes pontos De vista “Aconteceu numa cidade muito longe, muito longe daqui. Que tem favelas que parecem as favelas daqui. E tem problemas que parecem os problemas daqui...". Na voz do sambista Arlindo Cruz e do rapper Rapin Hood, os versos da canção "Polícia e Bandido" encabeçaram a proposta da segunda edição do Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito, realizado em São Paulo, de 14 a 26 de setembro, pelo Itaú Cultural em parceria com o Grupo Cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro. Dando a palavra a pessoas tão diferentes quanto Regina Casé (atriz e apresentadora), Gabriela Leite (Daspu) e José Júnior (Afroreggae) e através de debates e espetáculos de teatro e música, o evento elucidou a importância de iniciativas culturais como ferramentas de transformação em áreas de problemáticas sociais, étnicas e religiosas. O sincretismo foi além fronteira, congregando gente de territórios distantes como o músico César Lopez. Natural da

Colômbia, ele surpreende por sua atitude inusitada quando pisa os palcos munido de sua "escopetarra": um misto de fuzil AK-47 com guitarra elétrica, a transformação de um atrativo da violência em arte. “É uma espécie de metralhadora da paz. Ao invés de munição, disparo notas musicais e celebro a vida com uma arma que um dia sentenciou a morte", diz ele. Ao som de batuques africanos e arranjos inteligentes, parafraseados por protestos contra a guerra e marginalização dos povos, os jovens de Vigário Geral, integrantes do grupo Afroreggae, deram o seu recado em um show rico em elementos culturais, com releituras de clássicos de Gilberto Gil, Tim Maia e Bob Marley. Somando-se a isso, a receita se completou com o tempero baiano do Olodum, o swing soul de Paula Lima e a levada ímpar da Banda 190, da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Nesse efervescente caldeirão cultural, paladares diversos foram aguçados para uma semana de discussões. RAIZ 39


. atos PÚLPITO DEMOCRÁTICO: DISCUSSÕES PAUTADAS De um lado uma figura carismática, cheia de ginga, conhecida por dar voz a tantas periferias, dentro e fora da programação televisiva. na outra face, mas não em contrapeso, uma líder popular e ousada que deu o seu grito de liberdade ao lançar no mercado a Daspu – primeira grife administrada por um grupo de profissionais do sexo. as apresentadas são, respectivamente, regina Casé e Gabriela Leite. Compondo a mesa de debate, pontuada pelo tema – o preconceito da Cultura Leva ao Conflito – elas se comungam por levantar bandeiras parecidas em contextos que, apesar de diferentes, se encontram no conjunto final da sociedade. enquanto regina diz brigar pelo fortalecimento do termo favela, no sentido mais intenso da palavra – considerando seus valores poéticos e semânticos – Gabriela clama por respeito ao pedir que o vocativo "puta" (como ela mesma faz questão de dizer) não tenha incidência pejorativa. para contrabalançar as discussões, o sociólogo colombiano Hugo acero, fala sobre a crise de bogotá – que não sucumbiu diante dos problemas enfrentados pela resistência popular. De acordo com acero, o nosso grande desafio é aumentar o cumprimento das normas de convivência e o respeito entre os indivíduos, resolvendo conflitos de forma pacífica, com esporte, arte e cultura como ferramentas de comunicação dos indivíduos. Durante os debates também foi elucidada a importância da tolerância no convívio social através de ações culturais desenvolvidas nas comunidades excluídas. a socióloga bárbara santos trouxe o assunto à baila através do trabalho desenvolvido em vários presídios do país com o teatro do oprimido – de augusto boal. para ela o diálogo é o antídoto para alimentar a tolerância e promover mudanças na realidade. “É preciso estimular a troca de pontos de vista ao invés de impor verdades absolutas”, diz.

CULTURA POPULAR: CONCEITO OU PRÉ-CONCEITO? a midiática regina Casé vai mais a fundo, quando o assunto é definição da cultura popular. Como personagem ativa dessa história, a heroína dos guetos se coloca com propriedade de causa. ao falar sobre o programa “minha periferia", ela se autodefine como um “moleque de recados", que leva a mensagem de um determinado nicho marginalizado ao conhecimento de todos. “Com essa atitude eu mostro os meus anseios e desejo de mudar as coisas. É a oportunidade que tenho de humanizar questões que sempre são tratadas como indiferentes. a partir do momento que você dá visibilidade para essa parcela da sociedade, vão surgindo algumas exclamações do tipo: 'Como a vala é negra. Como o menino é negro!'. e, realmente, é preciso que as pessoas enxerguem o que acontece. não podemos ignorar a existência de um movimento como o funk, por exemplo. isso é anterior à visão, é retrocesso! não podemos considerar a periferia com algo restrito à sociedade", alerta. Questionada sobre a ação social nas comunidades, a apresentadora reconhece a importância das atividades culturais: “se você não tem grana, você não tem nada, tudo o que tem é a sua 40 RAIZ

identidade com as pessoas que lhe conhecem desde pequeno naquele território livre. a favela é onde as pessoas se mostram em sua totalidade. o caminho é entrar com cultura nas periferias e não retirando as pessoas. vai tirar dali pra botar aonde?". antenada com a atualidade, ela traz à tona a discussão sobre a repercussão de produções do tipo "Cidade de Deus" e "Tropa de elite", obras que se baseiam na violência, ganhando cada vez mais audiência e adeptos; gênero que ela chama de "narcocultura". inspirada nesse conceito, regina dispara um argumento contra rótulos taxativos: "o que é cultura popular? bandeira de são João? bonecos de barro? e o artesanato feito com garrafas pet na favela? isso não é cultura popular? se formos colocar o termo cultura popular ao pé da letra, não podemos nos restringir a um determinado segmento, deixando de lado todos os outros. isso nada mais é do que uma forma de preconceito. prefiro definir tudo num termo mais genérico: cultura brasileira". Contribuindo com essa linha de raciocínio, a palestrante Dagmar Garroux, presidente da associação educacional e assistencial Casa do Zezinho, traz a ação concreta da questão, em seu trabalho diário de enfrentamento e superação dos obstáculos impostos pela miséria geradora de conflitos. Dagmar, também conhecida como tia Dag, explica que essa cultura cheia de vigor tem muitos nomes: cultura de resistência, cultura dos oprimidos, dos excluídos e daí por diante. “os rótulos ficam por conta do mercado monetário. o importante é que na favela os conceitos estão sempre sendo reinventados. o favelado luta ferozmente para legitimar sua cultura. Luta contra a cultura da opressão que desvaloriza e mata o seu saber enquanto homem; destrói sua auto-estima e, como resultado, faz sua coisificação e/ou despersonalização.", analisa.

EU, TU, ELES = NÓS. “neném” é um dos jovens soldados na luta pela afirmação da cultura e identidade da periferia. Aluno relapso e ausente das aulas foi expulso das atividades escolares e assistido na Casa do Zezinho. Hoje, dá aulas de literatura e língua portuguesa na mesma escola, da qual, anos atrás, foi excluído. Convidado à mesa de discussão do itaú Cultural, resumiu sua história com as palavras de João Cabral de melo neto: “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos... para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos”. a mentora de neném, tia Dag, ao ser questionada sobre um possível plano de ação para efetivar mudanças contra a desvalorização da cultura na periferia, explica que a raiZ do problema está justamente na falta de engajamento da sociedade. “temos que agir, buscar informações, visitar as periferias, quebrar as barreiras do nosso preconceito e perder a idéia de provincianismo”, conclui. Discriminação, favela, marginalização, conflitos, diálogo, cultura, transformações. em meio aos polêmicos assuntos retratados durante os debates, vozes polifônicas conjugaram diferentes idéias, estratégias e vivências, resultando na fórmula de um híbrido antídoto: a interação que, tal qual a cultura popular, nos unifica e identifica.


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O DESIGNER DA PERIFERIA URBANA bertos nos centros urbanos. a imagem dos potes, dos velhinhos e da zona rural, como espaço único de produção de arte popular, foi desaparecendo, se confundindo com os artistas populares que gravam CDs, grafitam paredes e criam moda. para Gringo Cardia, “a exposição deu tão certo no rio, que montamos uma versão em recife, e em 2009 vamos para são paulo com a terceira estética da periferia nacional, com todas as periferias representadas em uma mesma exposição.” antes o designer pretende montar uma mostra homenageando “a palavra da periferia englobando toda a produção escrita e falada”. o designer concedeu uma entrevista à jornalista thereza Dantas, falando sobre sua visão de periferia, cultura popular e design.

foto: GrinGo CarDia

em junho de 2005, quando a periferia ainda parecia ser uma zona desconhecida e mal falada, ele inaugurou uma exposição sobre a visualidade e a linguagem cultural dos cantões do rio de Janeiro no Centro Cultura Correios. ali Gringo Cárdia retratava sua maneira própria de ver aquele mundo ainda pouco explorado pelos olhos da mídia e da moda. o designer Gringo Cardia e as historiadoras Heloísa buarque de Hollanda e eva Doris rosental produziram então o encontro do periférico com o “central”, do informal com o acadêmico. além de uma novidade na mídia (regina Casé e Hermano vianna na Central da periferia ) os cantos esquecidos do rio entravam no espaço museológico com o aval acadêmico. Com a estética da periferia, artistas populares foram desco-

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Quais as características mais fortes de uma cultura popular urbana? são as características de subversão dos valores da cultura estabelecida. temos muitas características como a reconstrução do mundo a partir da sua realidade e a transformação de valores inatingíveis em valores atingíveis. a criatividade como idéia e engenhosidade de pensar algo a partir do pouco que se tem. acho que o que é mais incrível na cultura popular urbana é o humor, a cor e a falta de compromisso com qualquer movimento. o artista popular urbano é dono do seu pedaço, já que para a sociedade estabelecida ele é invisível. É um exemplo de liberdade de expressão total. design e arte urbana tem algo em comum? Claro que sim. a arte popular urbana tem um design que é inerente a ela. ele pode ser refinado e, se tratado com o devido respeito, for recolocado em um outro local, fora do meio poluído visualmente em que ele em geral está inserido. falta para a arte urbana essa respiração para que seja sentida como design.

você poderia nos contar o processo da produção de um evento como estética da Periferia que aconteceu em recife? esse evento, estética da periferia, foi uma idéia nossa. Das historiadoras Heloisa buarque de Hollanda, eva Doris e eu. nossa idéia foi trazer para o museu as várias estéticas que estão aí pelas ruas, pelas favelas e que representam o povo brasileiro. Chamamos a exposição de mostra, pois existem muitos mais exemplos que não aparecem na exposição. Chamamos estudantes universitários locais – de design, arquitetura, moda e design gráfico, junto com artistas visuais da periferia e lideranças culturais da periferia também. a partir daí, sob minha orientação, eles fizeram uma pesquisa de campo, e trouxeram as peças mais interessantes. selecionamos e montamos a mostra. acredito que, dessa forma de trabalho, não éramos mais estrangeiros. achamos o que era melhor, mas tratamos as peças como curadores que finalizam o que é eleito como arte pelas próprias pessoas da cidade. nossas áreas de atuação são as do campo da estética visual – arquitetura, moda e Comportamento, Design e artes visuais. isso foi levado em conta na escolha das peças. design no brasil já tem cara própria? Quais os exemplos? para mim o verdadeiro design é aquele que vem da periferia ou inspirado nela. pois ela é a grande mola criativa brasileira, que pega tudo o que lhe é imposto como estética e mistura as suas raízes populares rurais e folclóricas.

fotos: GrinGo CarDia

cultura Popular é urbana ou rural? Cultura popular é o urbano misturado com nossas raízes rurais. acho que é uma releitura e uma recriação de tudo o que o mundo moderno e midiático impõe as pessoas misturadas com aquela arte que vem do coração e da essência de cada um, de seus antepassados – que é a arte popular, folclórica, religiosa, kitsch e todas as expressões mais simples, mas ricas de cada um.

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POR DIMITRI GANZELEVITCH INTERVENÇÕES E FOTOS DE WILLYAMS MARTINS

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GRAFITAR PODE? GRAFITAR SOBRE O GRAFITE Nテグ PODE? RAIZ 45


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eXistem Limites para a transGressão na pareDe aLHeia?

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nada como uma boa e sadia polêmica para sacudir a letargia do cotidiano cultural tupiniquim. a classe encontra, enfim, motivo para largar todos os rancores, cobras, traumas e lagartos. então, os grafiteiros baianos, unidos em noturno/soturno anonimato, estão levantando o estandarte burguês da propriedade autoral de seus trabalhos, condenando ao ostracismo o artista Willyams martins (nascido no piauí) pela recuperação parcial de paredes pichadas, manchadas ou grafitadas? transgredir pode, mas transgredir a transgressão não pode? oi, pessoal! De que lado estão os princípios anárquicos que norteiam estas rebeldias? Dos artistas de rua que se apropriam da parede alheia, a revelia do proprietário, para extravasar suas necessidades de expressão, nem sempre com total domínio da técnica? ou de outro artista que, deslocando a proposta, recorta signos incompletos, texturas imprevistas, nódoas de umidade, saliências e poeiras, criando assim nova peneira para uma arte do acaso? Quem observa com atenção o fundo da foto do Willyams publicada no jornal a tarde, pode definir claramente não se tratar de obra especifica, mas de retalho de várias incidências murais. É mais um conjunto de feridas urbanas que roubo conceitual e determinado. Quem seria o autor, senão o único Willyams martins? não devemos esquecer famosos precedentes. andy Warhol, com suas reproduções hiper-realistas das latas Campbell soups, franz Krajcberg e suas monotipias feitas a partir de relevos dei-


xados na areia pela maré, marcel Duchamp, sempre ele, invertendo um urinol em metamorfose artística, o genial basquiat até que pescou descaradamente no universo dos pichadores novaiorquinos... será que algum deles foi processado ou execrado pelas recuperações? a partir do momento que o grafiteiro abandonou seu trabalho na rua, ela tem vida própria, geralmente curta. não lhe pertence mais. ou será que existe alguma forma de reserva de mercado em espaço público sem determinação das autoridades? afinal o que faz o Willyams senão considerar seu olhar como fazedor de arte? e mais: não é magnífico transportar a rua para dentro de casa? Dar perenidade ao efêmero? Quem dos grafiteiros teria sonhado tão alto vôo? até hoje me lembro de um grafiteiro (genial) que atuava pelos lados de itapuã nos anos 80: miguel Cordeiro, pai do famoso faustino. Quem nos dera algum Willyams ter conservado a memória deste precursor! mas nem ele conseguiu forçar as portas das galerias, a não ser a minha. por algum tempo. acabou desistindo. olhar burguês é dose. Deveriam agradecer, sim, em vez de choramingar! Durante quatro anos andei fotografando grafite e pichações em vários paises: brasil, frança, espanha, portugal, marrocos, itália e Jordânia. penso publicar um livro com as melhores fotos. Quem é o artista? o pichador político anônimo da medina de marrakesh, o grafiteiro virtuoso de Granada, a criança de

Cahors, ou quem encontrou e documentou formas efêmeras em espaços públicos, talvez hoje já desaparecidas? se gente como Willyams, eu ou mil outros artistas e fotógrafos não intervirmos, onde estarão estas obras que o tempo, os demolidores, as construtoras ou simplesmente o inconformado e legítimo dono da casa, se apressaram em destruir? a partir do momento que a obra está na rua, não é de mais ninguém. será o que Deus – ou os homens – quiserem. Uma das obras em litígio comporta partes de um retrato de bruce Lee. ora, ora, onde o grafiteiro foi buscar este retrato? em alguma fotografia de alguma revista, claro! Quando se apropriou da imagem, pediu licença a quem? a quem pagou direitos autorais? então, como pode este rapaz se afirmar dono da imagem? mais uma perguntinha boba: estes rapazes nunca compraram CDs e DvDs piratas? É outro departamento? ah! É? pois eu não acho. É muito pior, porque é toda uma indústria envolvendo milhares de empregos legais que está em jogo. a sociedade inteira está prejudicada. e se a idéia é tão boa e lucrativa, porque nenhum grafiteiro tomou a iniciativa? Um estudante da escola de belas-artes de salvador reclama o direito de ver sua obra pendurada em galeria. nada mais justo. Chegou a hora da nobre instituição disponibilizar as paredes da Cañisales para os grafiteiros. mas aqui entram outros senões: qualidade técnica, desenho, sentido do espaço, conceito, dinâmica, impacto da proposta, leitura...não é tão fácil assim, cara! RAIZ 47


. sons ensaios

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MANTRA DE MATRACAS E PANDEIRÕES

POR LIVIA DEODATO

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vésPera de são João do ano da graça de 2007. dia de batizar todos os gruPos de bumba-meuboi Que têm Por sotaQue a matraca, instrumento Que une Povos de todas as cores e classes. dia de comemorar os 110 anos da maioba, um dos bois mais tradicionais de todo o maranhão SENTIR AS PENAS e as fitas coloridas dos caboclos tocarem a face. Ouvir o som mântrico de mais de mil matracas e pandeirões. Libertar a voz surda e presa dentro da alma quando ouvir os refrões das toadas que embalam cerca de 12 horas de festa, madrugada adentro. Eu disse 12 horas? Pois multiplique por 30, pois esse é o número aproximado de dias, entre junho e julho, que os mais de 300 grupos de bumba-meu-boi do Maranhão ganham as ruas de São Luís e arredores para enobrecer da forma mais intensa a sua maior manifestação cultural. Isso significa 360 horas do ano de plena dedicação ao boi, sem ganhar um tostão em troca. "Ah, é muito amor...", justifica Telma Regina Saraiva Dura de Souza, de 28 anos, uma das caboclas de fita do boi da Maioba, um dos mais tradicionais de todo o Maranhão. Este ano, a Maioba comemora 110 anos de existência. O nome do boi vem do bairro onde ele nasceu, localizado no município de São José do Ribamar, cidade vizinha a São Luís. Maioba é o nome da planta nativa encontrada em abundância na comunidade. Ao longo das décadas, o boi da Maioba conquistou diferentes gerações e, por isso mesmo, nem precisaria pensar numa festa que fosse realmente especial para tal data. Afinal quem a torna grandiosa são as milhares de pessoas que acompanham o boi durante a noite, a madrugada e o dia seguinte, sem descanso, com sua matraca ou seu pandeirão na mão. Calcula-se que na véspera do dia de São João deste ano, dia 23 de junho, aproximadamente 5 mil pessoas tenham feito parte do cortejo do boi da Maioba, durante toda a "via sacra" realizada pela zona rural e cidadezinhas próximas a São Luís. Essa estimativa é de José Inaldo Ferreira, presidente do boi da Maioba. "Reservamos 63 ônibus, mais seis caminhões para levar todo mundo a todos os lugares que formos brincar", contabiliza.

Faltando duas horas para comemorar o dia do santo festeiro, véspera de São João, a quadra da Maioba, uma enorme arena a céu aberto, já estava apinhada de gente. Essa é a data marcada para o batismo de todos os bois de matraca, com direito a padre católico de batina branca. Ele realiza uma rápida, porém solene missa, e abençoa com água benta não somente o boi como também os brincantes presentes. Um imenso bolo de aniversário é cortado por José Inaldo e distribuído para apenas algumas pessoas que estão ali por perto. O tempo voa e uma longa noite os espera. "Ê RAPAZIADA, VAMU GUARNICÊ!", gritava um e outro. "Guarnecer", além de significar fortalecimento (perfeitamente cabível nesse contexto), equivale à concentração de uma escola de samba. Para quem experimenta acompanhar pela primeira vez um bumba-meu-boi daquele porte, com aquele tanto de gente, não acredita que será possível reverter tamanha dispersão. Mas acredite: é só o cantador pegar o microfone e começar a entoar a música-emblema da Maioba para que todos sintonizem a mesma vibração. E será assim até o amanhecer…

"Se não existisse o sol Como seria pra Terra se aquecer E se não existisse o mar Como seria pra natureza sobreviver Se não existisse o luar O homem viveria na escuridão Mas como existe tudo isso, meu povo Eu vou guarnecer o meu batalhão de novo Ê boi!"

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. sons apesar Da oriGem DifUsa, os bois sao enCenaDos QUase QUe Da mesma maneira em Diversas reGiões Logo após a música ser entoada duas vezes, entram os pandeirões, que formam a base percussiva. na seqüência são tocadas as matracas, formadas por dois pedaços de madeira, de diferentes tamanhos, que devem ser batidos um contra o outro de acordo com o ritmo da toada. nos mais de 30 arraiás montados por toda a capital ludovicense e região, você pode adquirir uma matraca por módicos r$ 3 e fazer parte do cortejo. Uma festa popular onde ainda se preserva a democracia. procure por um lugar entre os pandeirões, sempre tocados acima das cabeças, engrosse o coro das matracas e entre na cadência dos tambores-onça, tipo de instrumento muito parecido com a cuíca, mas que produz um som muito mais grave. feche os olhos e sinta aquela mistura de sons. o que no início pode parecer repetitivo acaba por se tornar uma experiência transcendental.

O SEU CANTADOR francisco de sousa Correia, mais conhecido como Chagas, é o autor da música-emblema se não existisse o sol e cantador oficial do boi da maioba desde 1989. ele é o responsável pelo maracá, espécie de chocalho que dá o tom de cada toada. Com suas letras cativantes, voz forte e jeito simples, Chagas conquistou toda a comunidade que, no início, estava resistente à sua entrada na maioba. eles tinham adoração por outro cantador, João Chiador, considerado um dos maiores compositores de toadas para bumba-meu-boi de todo o maranhão. "Chegaram a debochar de mim muitas vezes, apontando o dedo no meu nariz", lembra Chagas. aos poucos foi mostrando o seu valor, que nunca se restringiu apenas à sua voz marcante. suas composições pegaram de jeito até o mais cético dos brincantes. Chagas diz ter aprendido muito com Chiador, com quem conviveu durante quatro anos. mas viu que precisava impor de vez o seu respeito quando Chiador decidiu deixar a maioba para cantar no boi concorrente, de são José do ribamar. Hoje, sem dúvida, ele é a grande estrela do bumba-meu-boi da maioba. até a cantora mais popular do maranhão, alcione, se rendeu ao encanto de Chagas: a primeira música gravada em seu DvD mais recente é justamente se não Existisse o Sol. pois é chegada a hora de Chagas dar o comando ao seu batalhão para iniciar a via sacra do boi da maioba por diversas regiões periféricas da capital maranhense. Um longo apito indica que é hora de sentar praça em um novo arraial. os caboclos de pena, os de fita, as índias, o boi e os brincantes se dirigem, então, aos ônibus e caminhões que os conduzirão às mais diversas localidades: de grandes arraiás, como o de são José do ribamar, localizado à beira da praia e sob o imenso monumento do santo que dá nome ao município (e que, por sinal, lembra demais a 50 RAIZ

estátua dedicada ao cearense padinho Ciço), a humildes terrenos, como um pequeno pátio de uma igreja simples de são José dos Índios. É o amor à maioba que os conduz e faz com que não percam o fôlego, nem desanimem com o cair da noite e nascer do dia. Lanchinhos feitos em pães de forma, embrulhados em papel alumínio, e sucos de frutas em caixinhas são distribuídos lá pelas duas da madrugada dentro dos ônibus. mas não é só isso que os fazem agüentar a maratona diária de folia ao lado do boi: um conhaque que atende pelo nome de são João da barra está ali à mão para aliviar qualquer sinal de dor ou cansaço. nem por isso se notará durante toda a noite um olhar mais enviesado ou um trocar de farpas. na véspera de são João, a paz e a alegria reinaram soberanas ao lado do boi da maioba.

O CUSTO "a gente emagrece bastante dançando a noite inteira. além de ter de agüentar o peso da fantasia", diz Giovanny ribeiro de araújo, de 18 anos, que há seis anos está na maioba, sendo quatro deles como caboclo de pena. não é para qualquer um agüentar o peso da indumentária de um caboclo de pena durante a noite e a madrugada inteira até o raiar do dia: em média, ela pesa aproximadamente 15 quilos, sendo 5 quilos somente do imenso chapéu redondo, feito com penas de ema. "Dependendo da qualidade da pena, um quilo custa entre r$ 350 e r$ 400", revela José inaldo, presidente da maioba. roseana sarney, atual senadora pelo pmDb, é maiobense de coração e já foi madrinha por diversos anos seguidos do bumba-meu-boi, o que significa arcar com algumas das despesas que alcançam até r$ 16 mil só para a confecção da indumentária. no entanto, esse valor não chega a ser gasto anualmente, uma vez que todas as fantasias são devolvidas ao fim dos festejos juninos e reparadas uma a uma para o uso no próximo ano. somente o bordado do couro do boi é que muda anualmente: ele vai retratar o tema que o bumba-meu-boi estará defendendo naquele ano. a maioba prestou homenagem neste ano aos seus fundadores: João de Chica, mãe rita e José raimundo, mais conhecido como Calça Curta, pai de José inaldo. "só a mão-deobra para bordar o couro do boi custa entre r$ 3500 a r$ 4 mil", diz. o trabalho minucioso de compor belíssimos desenhos na carcaça do animal, centro de todas as atenções durante as festividades, tem sido feito, há pelo menos 20 anos, por um artista plástico conhecido por Junior. Dois a três meses é o tempo que leva a confecção do bordado no couro do boi, que será "morto" ao fim dos festejos. esse ritual é exercido entre os meses de julho e dezembro na sede de cada grupo. o boi é destruído e distribuise a cada um dos integrantes uma parte da carcaça feita em madeira. vinho é também oferecido, símbolo do sangue do boi.


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. sons muitos se emocionam. encerra-se ali mais um ciclo do boi que só voltará a viver no próximo ano, assim que ouvir as palavras mágicas do pajé: "bumba, meu boi!". Cada fantasia de caboclo de fita, também chamado de rajado, custa cerca de r$ 800. para ter um efeito bonito são necessárias em média 200 fitas coloridas presas em cada chapéu. ao som das toadas de fortes batuques produzidos pelas matracas, pandeirões, maracá e tambores-onça, os caboclos de fitas dançam em roda, como se estivessem trotando, e girando sobre os seus próprios eixos. eventualmente, puxam algum sortudo espectador para se enroscar entre as fitas e dançar junto a eles. na entrada do pátio da igrejinha modesta de são José dos Índios, enquanto a dança e a batucada corriam soltas, um senhor de aproximadamente 60 anos descascava "tanjas" para vender por 25 centavos cada. era como carinhosamente apelidou as tangerinas (ou mexericas). "se levar duas faço por 50 centavos", dizia. Deliciar-se com aquelas tanjas, que mais pareciam ter sido adoçadas com mel, e assistir a um espetáculo tão sublime num cantinho escondido do brasil devem, definitivamente, entrar na sua lista de promessas para o ano novo.

A HISTÓRIA Diz o auto que um fazendeiro possuía um boi dançarino e muito bonito. pai francisco, funcionário da fazenda, mata o animal para satisfazer o desejo da esposa, Catirina, de comer a língua do bovino. amo, o fazendeiro, manda prender pai francisco. Graças ao pajé, o boi é curado, Pai Francisco é perdoado e tudo acaba em uma grande festa. são raros os lugares onde a história do boi é encenada – e, conseqüentemente, são poucas as pessoas que a conhecem. tereza Jesus buna, que completou 80 anos no último dia 23 de outubro, paga promessa (mas não revela qual) com o boi da maioba há pelo menos 50 anos. ela vive em Cururuca, comunidade de passo do Lumiar, município colado à são Luís. no fim da "via sacra" do boi, lá pelas 7 horas da manhã os ônibus e os caminhões vão levantando poeira na estrada que leva à casa de D. tereza. "tô esperando por eles desde as 5 horas da manhã, o horário que estava marcado para chegarem, a princípio", desabafa, mas sem disfarçar a alegria em ver a maioba chegar. ela se orgulha em poder mostrar que, em frente à sua casa, os brincantes sabem que têm o dever de encenar o auto do boi. "eles só fazem isso aqui." e, eis, que de repente, o boi some do centro da festa e se esconde no fundo do quintal de D. tereza. "foi tu que roubastes o boi, foi?", pergunta o amo a pai francisco. "eu não roubei o boi, não. foi o boi que me acompanhou até aqui!", responde o funcionário do fazendeiro. o dia raia quente e nem por isso a marcação esmorece - pelo contrário, o fervor com que cantam e dançam é até superior do que aquele do início do cortejo.soa o apito de Chagas, que entoa o primeiro verso de uma mágica canção a capela. Ecoam os pandeirões. Colidem as matracas. Lágrimas de emoção encharcam o pano do tambor-onça. Clara Nunes certamente afirmaria que ali vai o meu bloco alegria e pé no chão. 52 RAIZ


OS BOIS DO BRASIL a origem do bumba-meu-boi no brasil é difusa. alguns registros afirmam que o folguedo popular tem origem no século 18 no litoral do nordeste, onde proliferava a mão-deobra escrava para criação de gado. os cativos teriam misturado suas tradições africanas (como a do boi geroa) a outras européias dos colonizadores (como a tourada espanhola, o boeuf francês, o boi de canastra e as tourinhas de portugal) a fim de representar a relação de poder existente na época. Com certo apelo religioso, chegou a ser alvo de forte repressão. outros registros dizem que a manifestação também teve grande influência indígena, que emprestou sua maneira de dançar e diversos elementos rítmicos. o auto, que mistura teatro, dança e música, e tem início com o batizado e fim com a morte e ressurreição do boi, é hoje manifestado de norte a sul do país, recebendo diversos nomes como boizinho no rio Grande do sul, boi-de-mamão em santa Catarina e boi-bumbá no amazonas. no entanto, a história encenada é invariavelmente a mesma: o fazendeiro amo tinha um boi dançarino e muito bonito. pai francisco, funcionário da fazenda, mata o animal para satisfazer o desejo da esposa, Catirina, de comer a língua do bovino. amo manda prender pai francisco. Graças aos pajés, o boi é curado, Pai Francisco é perdoado e tudo acaba em uma grande festa.pelo menos cinco sotaques (características próprias que se manifestam nas roupas, na escolha dos instrumentos, no tipo de cadência da música e nas coreografias) são conhecidos no maranhão: boi Da baiXaDa oU pinDarÉ Criado na baixada maranhense, caracteriza-se pela presença do pandeirão. seus componentes têm chapéu em forma de meia-lua e há a presença do Cazumbá, uma mistura de homem e bicho que se veste com uma bata comprida, máscara de madeira e chocalho. segundo os participantes do auto, os Cazumbás trazem sorte e espantam maus espíritos dos locais das apresentações.

boi De orQUestra esse é o mais recente entre os sotaques dos bois do maranhão, resultado da necessidade de recriação do povo. assim, tem ritmo com influência da música urbana que inclui instrumentos de sopro (saxofone, clarinete, flauta) e banjo.Coletes e saiotes de veludo enfeitados com miçangas e canutilhos fazem parte das roupas dos componentes desse grupo. Costa De mão Como o próprio nome diz, os pandeiros que regem esse sotaque são batidos com as costas das mãos. foi criado no interior do maranhão, na cidade de Cururupu, a 451 quilômetros da capital, são Luís. além de roupa de veludo bordado, as pessoas que participam desse grupo usam também chapéus em forma de cogumelo, enfeitados com muitas fitas coloridas e grinaldas de flores. boi De ZabUmba surgiu no município de Guimarães. esse sotaque marca a forte influência africana na festa: caracteriza-se pela presença de tambores, pandeirinhos, maracás e tantãs, além, é claro, das zabumbas. boi De matraCa também conhecido como sotaque da ilha, pois é típico da capital maranhense, são Luís. o instrumento que dá nome ao sotaque é composto por dois pequenos pedaços de madeira, motivando os fãs a engrossarem a massa sonora de cada "batalhão". além das matracas, são usados também pandeiros e tambores-onça (espécie de cuíca com som mais grave). na frente do grupo fica o cordão de rajados, com caboclos de pena. tem influência indígena, notada na organização em círculo para dançar e nas penas que compõem os figurinos dos brincantes.

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minas

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DAS MONTANHAS DESPONTA UM VALE por Ant么nia Cristina De Filippo

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É o lendário Vale do Jequitinhonha , Norte de Minas, que vai abrigar um programa de musealização, fruto da parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa – FUNDEP e as prefeituras municipais das cidades envolvidas. O objetivo é preservar e difundir o patrimônio cultural daquela região e colaborar com o seu desenvolvimento socioeconômico, turístico e cultural. este programa subdivide-se em dois projetos: o museu de percursos do vale do Jequitinhonha, que contará com três municípios sedes localizados no alto, médio e baixo vale do Jequitinhonha e unidades museológicas avançadas em outras áreas do percurso, que abrange 54 municípios. isso sem falar no museu da Cachaça, em salinas – município do norte de minas conhecido pela cachaça de boa qualidade. a idéia de fazer os museus surgiu a partir da constatação da ausência de equipamento cultural na região, como atestou a secretária de estado de Cultura de minas Gerais, eleonora santa rosa. “o museu de percursos terá na diversidade cultural do vale o ponto de integração entre o meio ambiente e o homem, partindo de uma premissa inovadora, no âmbito da ação museológica do estado”, diz ela. nesse contexto o rio Jequitinhonha deverá assumir papel preponderante na concepção do museu, “por ser o caminho de água que orientou a ocupação do interior mineiro, o que o torna indissociável da idéia do sertão de minas” como crê a secretária. no vale do Jequitinhonha, os habitantes e o quadro natural, constituído por ecossistemas diversificados referendados pelo rio que se arrasta em curvas sinuosas por mais de mil quilômetros, são agentes de um percurso, que configura uma das mais ricas e reconhecidas expressões da cultura brasileira.para os técnicos e experts envolvidos nesta bela missão, a região, a comunidade e o patrimônio cultural do Jequitinhonha são pilares constitutivos de um ecomuseu, cujo formato dará origem ao futuro museu. trata-se de uma proposta museológica que introduziu a idéia de museu integral, de caráter interdisciplinar, de atuação regional, destinado a oferecer às comunidades uma visão do conjunto do seu meio natural e cultural. esses projetos têm nas prefeituras locais parceiros fundamentais. trata-se de um longo processo de articulação do estado com municípios e comunidades. a secretária adianta que são estimados investimentos superiores a r$ 9 milhões, em quase três anos de ações, que vão do inventário dos bens culturais dos municípios a serem focados, às intervenções arquitetônicas necessárias para sua efetivação. para manter os espaços, estão sendo articuladas formas híbridas de investimentos, que vão da elaboração de projetos junto ao fundo estadual de Cultura, à parceria com empresas privadas e aos recursos advindos de ingressos e venda de produtos. eleonora santa rosa destaca o que chama de vasto mundo singular do Jequitinhonha, a riqueza, a inventividade, a genialidade, a dicção única e com apelo e identidade regionais. “Há dicções extremamente diferentes entre os artesãos. a arte de cada um é própria, particular. eu pontuo a arte feita pelo Ulisses pereira e pela Dona isabel como geniais. RAIZ 57


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‘a marvaDa Da pinGa JÁ não atrapÁia’ a cachaça integra a história social, política, econômica e cultural do brasil, desde o início da colonização. no passado, serviu tanto como moeda no tráfico negreiro quanto um meio de amortecer as tensões ou instigar os conflitos. Fez parte da dieta dos escravos, ora para suportar as agruras do regime escravista, ora para motivar os revoltosos nas senzalas. foi consumida também por grupos de negros fugidos em seus quilombos, pelos soldados brasileiros na Guerra do paraguai e pelos líderes revolucionários na Confederação do equador em 1824 – reação contrária ao absolutismo de D. pedro i. Chegou a substituir o vinho em algumas missas durante a revolução pernambucana de 1817, como forma de protesto e de afirmação em prol da república. tornou-se símbolo dos ideais de liberdade, de resistência ao domínio português. sua entrada em minas Gerais, segundo estudiosos, deu-se no período em que o eixo da economia colonial se deslocou do nordeste para o centro aurífero mineiro. na ocasião, os negros trouxeram o hábito e a tecnologia da produção da aguardente, dando início ao que hoje é considerada uma das marcas deste estado: a produção da cachaça. “salinas fica numa região consagrada nacionalmente por produzir cachaça de qualidade, como ocorre com outros produtos no mundo, que possuem certificação de qualidade exatamente pela denominação de origem controlada – exemplo de azeites, vinhos e queijos em países como espanha e frança”, explica a secretária de estado de Cultura de minas Gerais, eleonora santa rosa. “assim, a cachaça é um dos pilares da economia regional, sendo um produto fundamental na geração de emprego e renda e também na divulgação dos valores, tradições e ofícios mineiros”, conta. pinga, aguardente, água que passarinho não bebe, birita, branquinha, cana, elixir, imaculada, lisa, perigosa, remédio, 58 RAIZ

pura. Com lista extensa e rica, a cachaça recebe mais de 500 designações. estima-se que, atualmente, existam de 40 mil a 50 mil produtores no brasil, sem contar os alambiques artesanais não cadastrados ou abrangidos pelas pesquisas oficiais. recentemente, a cachaça foi instituída, por meio de um decreto presidencial de 2001, como bebida nacional. pela sua exemplaridade, o instituto estadual do patrimônio Histórico e artístico de minas Gerais – iepHa/mG também está em processo de registro da bebida como patrimônio imaterial do estado. a motivação para erguer o museu da Cachaça, idealizado pela secretaria de estado de Cultura de minas Gerais, por meio das superintendências de museus e de interiorização, em parceria com a prefeitura municipal de salinas, vem do fato de salinas, localizada na região norte de minas Gerais, ser um pólo na fabricação da cachaça, um dos bens culturais mais fortes do estado e que se projeta para além das fronteiras de minas Gerais, atingindo o brasil e ganhando mercados no mundo. “a idéia é ter um museu como instituição viva, dinâmica, como um equipamento urbano, social e econômico capaz de valorizar a produção local e de atrair pessoas e investimentos para a região, desenvolvendo a cadeia produtiva da região”, adianta a secretária. previsto para ser implantado em três etapas, entre 2007 e 2009, o museu da Cachaça deverá absorver um investimento da ordem de r$ 4 milhões. a prefeitura de salinas já destinou um terreno de 6 mil metros quadrados para a construção do museu com proposta para praça, espaço para convivência e mesmo um núcleo para roda de negócios, a fim de incrementar a cadeia produtiva. Como o projeto está na fase de concepção, o uso deste espaço está sendo estudado de forma a fazer um modelo moderno e atrativo. a área construída deve ocupar cerca de 50% do terreno. a área é central, privilegiada, onde ficava o antigo aeroporto de Salinas.


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ESTRADA COLONIAL NO PLANALTO CENTRAL Em 1736, por ordem do rei de Portugal, foi oficializada a mais extensa estrada da história do Brasil Colônia, com mais de 3000 km, que veio a ligar Salvador ao extremo oeste do Mato Grosso, divisa com a Bolívia. Era a Estrada Real, ou Estrada Geral do Sertão, também chamada de Estrada dos Currais, Estrada do Sal, Picada da Bahia. O nome variava de acordo com a época e função que adquiriu ao longo do tempo. Cruzava a região norte do Distrito Federal e os municípios do entorno, constituindo-se numa importante estrada mercantil do país. O projeto Estrada Colonial no Planalto Central resgata um trecho dessa estrada e está baseado em pesquisas feitas pelo historiador Paulo Bertran, particularmente o relato de viagem “A Jornada a Goiás de Luís da Cunha Menezes, desde Salvador, em 1778”, e tem como objetivo desenvolver o turismo regional. Formosa/GO (antiga Arraial dos Couros), Planaltina/DF (antes Mestre d'Armas), Corumbá de Goiás, Pirenópolis (antes arraial de Meia Ponte), Jaraguá e a Cidade de Goiás (originalmente Vila Boa) foram os primeiros povoados a surgirem ao longo dessa estrada, que cruzava também a região de mineração da atual APA de Cafuringa e diversas sesmarias coloniais 60 RAIZ

onde hoje está assentada Brazlândia e o atual município de Cocalzinho, por onde passa, também, a linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas. O projeto teve abrangência inicial de um trecho de 300 km, de Formosa/GO a Corumbá de Goiás, realizado com recursos provenientes de Emenda Parlamentar e repassados pelo Ministério do Turismo para o Instituto Paidéia, organização não-governamental que trabalha com projetos culturais e de desenvolvimento sustentável, responsável pela sua execução. A pesquisa de campo apresentou evidências surpreendentes: sítios arqueológicos que nos remetem há mais de 6.000 anos; referenciais históricos como antigas fazendas, muros de pedra divisores de sesmarias, mourões de aroeira carcomidos pelo tempo, trechos de estradas e caminhos que mantêm as características originais; a arquitetura dos séculos XVIII e XIX presente em edificações urbanas e rurais; e inúmeras comunidades tradicionais que vivem distantes da modernidade que as cidades oferecem. Produtores rurais, artesãos, raizeiras, cozinheiras e outros protagonistas dos fazeres do Planalto Central são facilmente encontrados por esse Goiás afora, e as belezas natu-


fotos de rui faquini

Projeto resgata trecho da mais extensa estrada colonial brasileira rais são infinitas quando se viaja por este mar de montanhas que muito bem caracterizam o Planalto Central brasileiro. O resgate da Estrada Colonial passou a integrar o imaginário da população residente, o que levou à proposta de implementar um programa de dinamização da região, catalisador de auto-estima e desenvolvimento econômico-social, baseado na história e na cultura regionais, através de um Roteiro Turístico Integrado, afinado com o Projeto Roteiros do Brasil do Ministério do Turismo. Com nova abrangência, este roteiro tem como limites o Parque Nacional Grande Sertão Veredas e a Cidade de Goiás, numa extensão de aproximadamente 800 km. No final de 2006 firmou-se uma parceria entre o Instituto Paidéia e a Brasil Telecom, resultando daí a publicação do livro Estrada Colonial no Planalto Central – uma viagem em baixa velocidade, com fotos de Rui Faquini, texto do historiador Victor Leonardi e pesquisa de Bismarque Villa Real, coordenador do projeto.O livro mostra, através do olhar clínico de Rui Faquini, as belezas de nossas paisagens, as manifestações religiosas, a arquitetura colonial, a expressão sertaneja, o cer-

rado na sua essência. É um convite para uma viagem em baixa velocidade. Como diz Victor Leonardi: “Esse enorme caminho colonial, de 3 mil quilômetros de extensão, tem uma história que precisa ser conhecida e valorizada. Ela faz parte da história do comércio e da mineração, no século XVIII, quando Goiás e Mato Grosso ainda eram grandes produtores de ouro, mas não apenas isso: por aquela Estrada Real, ou Estrada Geral do Sertão, iam e vinham cartas, notícias, idéias, projetos de vida, sonhos, ilusões. Uma estrada serve para a circulação de mercadorias e, também, de utopias e de aventuras. No século XIX, até mesmo a pesquisa científica esteve associada à história dessa estrada, pois por ela viajaram, no trecho goiano ou mato-grossense, ilustres naturalistas europeus – Saint-Hilaire, Natterer, Pohl – , cujos trabalhos são pioneiros na botânica, zoologia e mineralogia do Centro-Oeste brasileiro. Uma estrada como essa era mais do que uma infra-estrutura de transporte à disposição de tropeiros e boiadeiros. Ela era entidade constitutiva de uma singular forma de vida. Vida no sertão”. RAIZ 61


. viagem anDar peLa estraDa CoLoniaL e merGULHar nos Desv茫os Do tempo, Hist贸ria e mem贸ria

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bismarQUe viLLa reaL engenheiro civil e urbanista, gaúcho, morador de brasília desde 1981, desenvolve projetos nas áreas de cultura, meio ambiente e turismo. Desde que chegou à cidade explora a região em expedições, percorrendo rotas bandeirantes em permanente busca de referenciais históricos, culturais e paisagísticos. em 1987 fundou instituto paidéia, do qual é diretor executivo, onG cultural através da qual realiza o projeto estrada Colonial no planalto Central. publicou, em 2000, o guia turístico por onde andar – nordeste Goiano e foi o pesquisador do livro estrada Colonial do planalto Central. abaixo trechos da entrevista que concedeu à repórter tHereZa Dantas. dos 3 mil km da estrada colonial do Planalto central, quantos kilômetros os srs. percorreram? o estudo inicial foi num trecho de 300 km, de formosa – Go a Corumbá de Goiás, passando pelo norte do Distrito federal, nas regiões administrativas de planaltina, sobradinho e brazlândia. o rui te dará um mapa com este percurso. o próximo passo é estender por mais 200 km, até a Cidade de Goiás, passando por Pirenópolis. A estrada tem uma vocação mercantil. Que tipo de cidades se formou ao longo dela? a região onde a estrada está inserida tem um grande apelo para o desenvolvimento de um roteiro turístico. encontram-se nesse percurso três destinos turísticos eleitos pelo ministério do turismo: brasília (patrimônio Cultural da Humanidade – UnesCo), pirenópolis (Centro Histórico tombado pelo ipHan como patrimônio) e Cidade de Goiás (patrimônio Histórico da Humanidade – UnesCo). tem vários municípios e regiões administrativas por onde passa o roteiro: formosa/Go – tão antiga quanto a estrada Colonial, abriga inúmeros sítios arqueológicos, nascentes das três principais bacias hidrográficas do país, as melhores correntes térmicas para a prática do vôo livre, a cachoeira do itiquira e outras mais, além de colinas e grutas. A cidade realiza festas tradicionais, entre elas da agropecuária, do divino, da moagem e farinha, além de apresentar um rico artesanato local. É o portal da reserva da biosfera Goyaz. pLanaLtina/Df e pLanaLtina/Go – abriga a estação ecológica de Águas emendadas onde nascem num mesmo ponto afluentes das bacias amazônica e platina, inúmeras lagoas, o vale do amanhecer, o espetáculo da paixão de Cristo, o morro da Capelinha, a pedra fundamental, uma surpreendente vitalidade cultural e inúmeros locais para a prática de esportes de aventura. sobraDinHo/Df – abriga fazendas históricas, o pólo de Cinema, a histórica rua do mato, um bom movimento cultural e as paisagens da Chapada da Contagem, onde se localizava um importante posto de arrecadação de impostos no período imperial. braZLânDia/Df – estupendo conjunto de serras que abriga diversas nascentes do rio maranhão, desde os altos do rodeador – ponto mais alto do Distrito federal, com inúmeras cachoeiras, cerrado preservado e muitos vestígios do garimpo de ouro do século Xviii. seu território está totalmente dentro da apa de Cafuringa e faz limite, ao sul, com o parque nacional de brasília; CoCaLZinHo/Go e CorUmbÁ/Go – Corumbá de Goiás, recentemente transformada em patrimônio Histórico nacional, conserva

um interessante centro histórico sertanejo e diversas tradições populares, entre elas a festa do Divino e as Cavalhadas. região com muitas opções de lazer, esportes de aventura e cavalgadas por antigas estradas bandeirantes. pirenópoLis – cidade histórica mais bem equipada de Goiás. Conta com mais de uma centena de pousadas e um número semelhante de restaurantes, bons atrativos naturais e um importante centro de produção artesanal. na serra dos pireneus está localizado o parque estadual do pireneus, cuja altitude chega a 1.375 metros em seu pico. sua população é de aproximadamente 21.000 pessoas. JaraGUÁ – é quase tão antiga quanto pirenópolis, mantém suas tradições, porém não teve a mesma desenvoltura turística. Dedicase à produção agropecuária e tem um dos mais produtivos parques industriais da região e um comércio atuante. sua população é de aproximadamente 31.000 habitantes. itaberaí – na língua indígena significa “rio das pedras brilhantes” – originou-se em meados do século Xviii, foi rota de viajantes e mercadores e por mais de um século foi designada como Curralinho. por suas terras férteis, sua economia está baseada nas culturas de milho, soja, arroz e feijão, sendo forte também a pecuária leiteira e de corte. sua população é de aproximadamente 28.000 habitantes. CiDaDe De GoiÁs – originalmente chamada vila boa, a cidade conserva sua arquitetura barroco-colonial original constituindo-se num importante patrimônio arquitetônico do século Xviii. Conta com uma significativa arte sacra nas seculares igrejas e nos museus. É o berço da cultura goiana, onde pode se apreciar uma culinária típica e um rico artesanato. sua população é de aproximadamente 28.000 habitantes. e que tipo de aventura famosa da estrada colonial o sr. poderia nos contar ? a lenda mais antiga que se tem sobre a região está relacionada à descoberta de uma mina de ouro, nas imediações de sobradinho, pelo guia bandeirante Urbano do Couto menezes, por volta de 1749. Urbano foi guia do anhanguera em 1722 e viveu na região até sua morte, em 1772. esta descoberta está relatada numa carta enviada à rainha regente da época, transcrita e comentada pelo historiador paulo bertran em seu livro História da terra e do Homem no Planalto Central. e que impressão os srs. levam da estrada? de decadência ou de renascimento? a estrada é um belo motivo para o resgate da história regional. tem potencial para a implementação de um programa de desenvolvimento sustentável através de um roteiro turístico. essa estrada foi, desde o século Xviii até os anos 1960, a via de acesso do Centrooeste para a bahia, e com a transferência da Capital para cá, com a implantação da via de integração nacional, ficaram de lado inúmeras cidades e povoados por onde passava a antiga estrada. serviço: livro"estrada colonial no Planalto central – uma viagem em baixa velocidade" – 80 reais - nas lojas da livraria cultura ou pelo site www.livrariacultura.com.br mais informações sobre a viagem, (trajeto, hotéis, pousadas e restaurantes) – www.estradacolonial.com.br RAIZ 63


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DO BARRO VIEMOS Texto e fotos de Rosangela Cordaro

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Barro é matéria mítica, ligada à origem de todas as coisas. A Bíblia conta que Deus fez o homem do barro e lhe concedeu vida através de seu sopro. Na mitologia japonesa, os deuses, curiosos, revolveram o fundo dos oceanos e encontraram o barro, que formou a primeira ilha do Japão. Na mitologia dos Orixás africanos, Oxalá recebeu o encargo de criar o mundo e modelar o ser humano. Depois de tentativas infrutíferas com ar, pedra e pau, água e fogo, Nanã Burucu veio em seu socorro. E lá, do fundo do lago, de sua morada, retirou o barro e deu a Oxalá para modelar o homem, que adquiriu vida com seu sopro. O homem foi moldado no barro para viver, o homem molda o barro para sobreviver. Cada povo usou a argila para dela fazer seus utensílios e sua arte. Os utilitários sempre contaram a história dos primórdios e dos povos que os utilizavam, tal como registros inscritos no tempo. No Brasil, ainda são encontrados pólos tradicionais, onde o artesanato de cerâmica faz parte integrante do cotidiano. Podem ser potes para o armazenamento de água em regiões onde não existe rede de distribuição. Potes que funcionam como cisternas, ancorados nas portas das casas, nas cozinhas, nos banheiros, para o uso diário. Ou então podem ser panelas a curtir lentamente os sabores das cozinhas regionais, antes da chegada do alumínio. Utilitários – panelas e potes – cujo fazer se transformou em conhecimento passado de geração em geração, são na realidade fonte de sustento das famílias. Sustento suado e difícil, pois as peças de barro, ainda que de consumo constante por conta de sua fragilidade, são vendidas a preço muito baixo. Com o advento do alumínio, parte deste ganho deixou de existir, comprometendo o orçamento familiar, que dependia do trabalho feminino com a cerâmica. Isto gerou a necessidade de produzir novas peças, já com preocupação decorativa e artística. Começou então a confecção de bonecas, incipientes, onde as primeiras formas guardavam no corpo a forte herança dos potes e panelas, com braços finos e cabeças adaptadas. As bonecas marcaram o processo de transição do utilitário à arte. Na Paraíba, encontramos várias comunidades de loiceiras, mulheres que trabalham o barro, a louça, e que conservaram este nome como influência portuguesa. Fazer cerâmica “é coisa de mulher” de acordo com a voz corrente. Ofício suado e difícil, que vai desde a extração e transporte do barro, ao preparo para torná-lo moldável, às longas horas sentadas ao chão, gestando e alisando no colo os filhos de barro para o sustento, até a escolha da madeira e queima final nos fornos artesanais, onde a possibilidade de perda da peça é uma constante. RAIZ 65


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o barro QUe brota Dos QUintais transforma-se em imaGens QUe perCorrem o mUnDo

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O milagre da transformação do barro

Dona Chica do Barro – Baía da Traição

AS LOICEIRAS DA PARAÍBA ROSANGELA CORDARO, presidente do Instituto Cultural afro-brasileiro, vem desenvolvendo o projeto “buscando arte pelo brasil”, dedicado à divulgação da arte popular. a convite da primeira-dama da paraíba, D. sílvia Cunha Lima, fez palestras no sebrae de Campina Grande sobre arte popular na integração do homem.. Como conhece os vários projetos desenvolvidos na paraíba com modelo de gestão compartilhada, como paraíba em suas mãos, projeto para um novo Cariri, rosangela percorreu as comunidades de loiceiras em várias regiões paraibanas, numa viagem transformadora, uma peregrinação em busca da manifestação artística da alma destas mulheres brasileiras que dizem que consideram “um privilégio ser brasileira, nordestina, paraibana, mas sobretudo ser mulher do Cariri”. na jornada pelo sertão da paraíba o que chamava atenção antes de tudo era a paisagem, uma vegetação retorcida e espinhosa a brotar de um solo árido. Lembrava o cenário quase surrealista descrito por ariano suassuna. nas casas, simples, o barro transbordava do quintal e adentrava pela sala, cobrindo o chão e subindo pelas paredes, colorindo objetos e braços. sentadas no chão, as loiceiras, no início tímidas – elas e rosangela – começavam a desfiar suas histórias, no tom cantado e sossegado do falar nordestino, enquanto as mãos, em outro ritmo, pegavam o barro, amassando, juntando e alisando. relatos e desabafos iam conduzindo o fio da meada ao âmago do universo feminino, onde habitam valentia e fragilidade, onde a alegria estala na gargalhada aberta e os olhos têm uma intensidade indizível. Custava, e era mesmo impossível, não mergulhar na emoção profunda de estar partilhando de uma simplicidade que continha em si a essência da arte, de seu início. algo como a contemplação de uma grande cascata após conhecer a pequena nascente de onde brotou cada gota de água, que depois se juntou até formar torrentes cada vez mais fortes. ficava a pergunta do que teriam a ensinar, estas mulheres, sobre o fazer do barro, sobre a técnica de trabalhá-lo e trans-

formá-lo, se no mundo de hoje, os estudos da cerâmica estão altamente especializados, com acesso a todos os tipos de materiais, a técnicas de queima, fornos, massas cerâmicas, esmaltes. o olhar que percorria as casas encontrava os sinais da fé nos pequenos altares e relicários. a paraíba é terra que acolhe romeiros, que pedem pela cura física e pela cura da alma, ali na Cruz da menina, santuário pleno de ex-votos, manifestação religiosa de arte popular. fé, que na cultura local se transforma em cores de bandeirinhas e em ritmo de música nas festividades religiosas e folclóricas, como as festas juninas e julinas. apoiadas nas paredes e pelos cantos estavam empilhadas as peças que esperavam a próxima feira. Dia de feira é dia especial. ali, o sustento se materializa – vender para comprar, se tiver sorte de vender. acordar cedo, embalar as peças em palhas e seguir na carroça puxada por burro, sua ou dos vizinhos, até o grande encontro – a feira, retrato do brasil. nas feiras, as loiceiras ficam mais ou menos longe do burburinho, esperando os clientes que querem cozinhar seu feijão em panela de barro, manter sua água fresca dentro de uma moringa, ou ainda aqueles que enxergam a arte naquelas peças de artesanato fadadas a desaparecer. Essas peças, hoje, são ainda encontradas em alguns lugares onde a resistência se preserva, mas que um dia, infelizmente, existirão apenas nos acervos de museus sobre nossa arte popular. a idéia de rosangela de trazer para um livro – ainda sem editora definida – os depoimentos das loiceiras nasceu do desejo de recontar as histórias das mulheres guerreiras, que existem por todo o brasil, que conhecem a dureza da escassez e que exercitam diariamente um penoso trabalho de transformação, mas que transitam com simplicidade e alegria no mundo mítico dos quatro elementos que são a origem de tudo: água, terra, ar e fogo. nas suas histórias, revela-se o segredo e a evolução da cerâmica na arte popular. (redação RAIZ.)

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Tesouro Escondido A volta da pintura popular à Bienal Muitos são os motivos que afastaram a cultura e sobretudo a pintura popular dos chamados “salões nobres” de nossas artes visuais. Intelectuais, artistas, curadores e especialistas debatem o assunto. Por Roberto Rugiero fotos dmitri rugiero "Vilarejo" de Alina Lins

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. mercado "M茫e" de Vit贸ria Basaia

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A última Bienal de SP recolocou em pauta a contemporaneidade da expressão popular, ao apresentar a obra do desenhista acreano Helio Melo, ex-seringueiro, escolhido pela curadora Lisete Lagnado para rediscutir o conceito de centro e periferia. O que era periférico foi transferido, com muita propriedade, para o centro do debate. Nem todos perceberam a sutileza da proposta, mas foi um chute na canela dos que não dão um único passo sem consultar a meteorologia de Nova York. Ainda outro dia encontrei o presidente do conselho da Bienal, o empresário Julio Landmann e o cumprimentei pela ousadia da proposta, ouvindo dele a surpreendente sentença: “era a melhor coisa da Bienal”.

“A atitude de ignorar a pintura revela sobretudo um enorme equívoco quanto à compreensão do que sejam os objetivos de uma mostra de largo alcance”. Ugo Giorgetti “Os primeiros meios de comunicação do Norte e Nordeste foram as xilogravuras. A manifestação mais pura, política, religiosa e literária do nosso povo”. Paulo Vasconcellos “Privilegiar uma forma de expressão é diminuir a pequena visibilidade que a arte popular vem conquistando com sua bem-humorada coragem e alegre criatividade”. Sérgio Vidal “os museus e galerias só exibem o que é apontado pelos curadores, que parecem desconhecer ou não se importarem muito com a pintura de artistas populares”. Isabela Cribari “a segregação de uma parte do todo representado pela arte popular brasileira é um desserviço à nossa cultura”. Antonio Fernando de Franceschi

veja a s opiniões completas no portal raiz www.revistaraiz.com.br RAIZ 71


. mercado Desde os anos 80 a arte popular havia desaparecido desse histórico evento de nosso calendário cultural. Com exceção do Museu Afrobrasil, cujo acervo inclui inúmeros artistas do povo, praticamente nenhuma entidade cultural tem dado atenção a essa que é, com toda a probabilidade, a arte que mais se produz no Brasil, a que é compreendida tout court pelo público, e a que tem “a cara do país”. Dentre os poucos curadores interessados, destaca-se a arquiteta pernambucana Janete Costa, responsável por recentes exposições sobre a produção popular, onde faz também a cenografia e montagem. Seus projetos de arquitetura de interiores são uma exceção no âmbito geral da atividade, pois ela pratica um estilo que mistura, com inteligência e bom gosto, épocas e tendências – enquanto a maioria trabalha com a idéia da redundância. Janete também é conhecida por assessorar diversas entidades de apoio ao artesanato, como o Sebrae e a Comunidade Solidária e tem prestado relevantes serviços na divulgação de artistas e artesãos populares e na abertura de mercado para eles. Entretanto, as curadorias de Janete trazem à tona uma grave questão: só mostram a tridimensionalidade. Seja qual for o motivo da proscrição, nem pintura, nem desenho e só muito raramente a xilogravura, tomam parte nas celebradas exposições que ela tem montado. Na mostra “SOMOS a criação popular brasileira”, feita para comemorar os 5 anos de existência do Santander Cultural, que propunha “um olhar de reflexão na expressão do imaginário do povo como código e matriz da visualidade presente nas mais diversas linguagens estéticas do país”, nas palavras da superintendente Liliana Magalhães, não havia nenhum quadro, nenhum desenho, nenhuma xilogravura, dentre as mais de 500 obras expostas. Na mostra realizada no Grand Palais em Paris, para o Ano Brasil/ França, a xilogravura de J. Borges foi uma exceção, ao figurar em meio a esculturas. E só. Em outras duas montagens e curadorias da arquiteta, a Bienal de Valência e a mostra recente exibida pelo SESC Paulista, a ausência repetiu-se. Este artigo tem como objetivo indagar sobre o papel de um curador e sobre as conseqüências da proscrição das linguagens bidimensionais no mercado cultural. Foram convidados a opinar pessoas relacionadas com arte popular: colecionadores, críticos, promotores culturais, artistas. Muitos não se manifestaram. Mas os que o fizeram forneceram bons argumentos para um debate sobre a questão, nosso objetivo. ARTE POPULAR NÃO É FEITA SÓ DE BARRO Para a Diretora de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco, Isabela Cribari, o fato de “alguns curadores decidirem dar as costas para esses artistas tem repercussões imensas. A primeira delas é o compromisso com a verdade e a história. Esconder um manancial maravilhoso de obras bidimensionais faz as pessoas acreditarem que arte popular é apenas a feita com barro, madeira e outros materiais afins”, opinião coincidente com a do marchand Max Perlingeiro, que considera a ausência dos artistas bidimensionais “um erro histórico das curadorias”. Para o Superintendente do Instituto Moreira Salles, Antonio Franceschi, “a segregação de uma parte do todo representado pela arte popular brasileira é um desserviço à nossa cultura, ao estabelecer uma hierarquia sem fundamento entre as diferentes manifes72 RAIZ

tações artísticas. Sem o desenho, que está na base da pintura e da xilogravura, sequer poderia haver escultura e cerâmica”. O arquiteto Marcelo Rosenbaum, outro raro apreciador da produção popular entre os profissionais dessa área, opina que “não se pode eleger uma técnica para representar a arte de um país, pois o importante na arte é a expressão do artista, o pensamento, não o suporte”, opinião semelhante à do crítico Oscar d’Ambrosio que assegura que “desde que seja autêntica, a pintura, a xilogravura e o desenho de matriz popular expressam livremente uma visão de mundo marcada pela sabedoria do povo, um dos mais criativos do planeta, no sentido de estabelecer as mais variadas soluções em termos de respostas visuais surpreendentes e de qualidade plástica”. O resultado é que a escultura e a cerâmica dos grandes mestres do povo estão se tornando fetiches, valorizando-se constantemente e insuflando o mercado, enquanto as outras linguagens permanecem no limbo. Trabalhos de Agnaldo, Artur Pereira, GTO, Conceição dos Bugres e outros começam a chegar perto dos escultores contemporâneos, em matéria de preços, o que, diga-se, não é nenhuma má notícia. O ruim é o efeito colateral. Mesmo um pintor genial, como José Antonio da Silva, até pouco tempo apontado como “o novo Volpi”, dificilmente alcança os preços de antes. Ao contrário, seus valores caem constantemente, ou se mantêm estáveis, assim como os de todos os demais pintores populares importantes. Isabela Cribari novamente aponta as razões: “os museus e galerias só exibem o que é apontado pelos curadores, que parecem desconhecer ou não se importarem muito com a pintura de artistas populares, não os indicando para esses espaços. O que não é exposto não sai nos jornais, as pessoas não vêem, e em conseqüência não passam a desejar possuir estas obras. Com isso seu “valor de mercado”, seu “preço”, despenca. Sob esse viés, além de uma grande injustiça histórica, não expor as pinturas de artistas populares é uma dupla perversidade: com o público e com os artistas”. O colecionador João Mauricio de Araújo Pinho, que por muitas décadas não adquiriu nenhum quadro, mas passou a fazê-lo recentemente, confirma o papel dos museus no apontamento dos rumos de uma coleção, citando “o Museu do Pontal, uma casa de cultura voltada essencialmente à escultura, como o marco referencial de muitos acervos particulares no Rio de Janeiro”. A crítica e historiadora de arte Lelia Coelho Frota, nossa mais importante estudiosa do assunto, autora de artigos e livros sobre arte popular, entre eles o recente “Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro”, sucesso editorial e bússola para quem quer iniciar-se no conhecimento dessa vertente e, lembra a presença de artistas de todas as linguagens em seus livros e também nas curadorias sob sua responsabilidade. Poderíamos também lembrar o acerto e o espírito democrático do Módulo de Arte Popular da Mostra do Redescobrimento, em 2001, onde Emanoel Araújo montou aquela que é considerada a mais emblemática mostra do gênero já realizada no Brasil, um verdadeiro divisor de águas, que repôs o conceito de arte popular e o trouxe para o centro do debate. Mas as linguagens proscritas falam por si mesmas. Não precisam mais do que ser ouvidas. Ou melhor, vistas. Nas páginas seguintes algumas imagens comunicam com muita clareza a força de sua narrativa. E reivindicam com veemência seu lugar na cena.


"Mãe Solteira" de Sérgio Vidal e "Gato Bebendo no Tanque" de Ranchinho

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. mercado "Algodoal" de Agostinho B. Freitas

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Detalhe de "Greve no ABC" de J. Coimbra e detalhe de "Tropeiros" de Cincinho

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"Isaura" de Mirian, "Romaria no Tiete" de Zica Bergami e "Circo" de Alcides dos Santos

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"Aรงude" de Irene Medeiros e "Casas na Montanha"

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"Galo" de Vit贸ria Basaia e "Eu e Ela" de Vicente Ferreira

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Aos Mestres com carinho

Por Thereza Dantas fotos davi pinheiro

Na forma de substantivo ou como adjetivo, a palavra mestre impõe respeito. Mestre é professor, dono de um saber ou profundo conhecedor de um ofício. Essa condição pode ser conseguida através do estudo acadêmico, freqüentando o campus, ou pode ser alcançado pelo tempo, por aprendizagem e ensinamento e por amor à função. Esse último é o caso do Mestre Getúlio Colares, sineiro da Paróquia de Canindé, cidade do sertão cearense. Começou a tocar sinos com 15 anos de idade tocando “de ouvido” a partir do som de outros sineiros. Sua primeira aparição pública foi em 1944, na procissão em homenagem ao Coração de Jesus. Hoje com 63 anos é um dos diplomados pela “Lei do Mestre”, conferido pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. A “Lei dos Mestres” é uma lei cearense de outubro de 2003 e beneficia mestres de folguedos com um salário mensal para que possam praticar sua arte sem ter que depender tanto de outros ofícios. Só em 2004 foram selecionados os 12 primeiros beneficiados e hoje, ao todo, foram diplomados 48. Mas os mestres Walderêdo (xilogravura), Panteca (Boi Bumbá), Juca do Balaio (Maracatu) e Joviano (Reisado) faleceram e atualmente são 44 mestres da cultura popular vivos e atuando em suas comunidades. RAIZ 83


. polĂ­ticas

GetĂşlio Colares, o mestre sineiro 84 RAIZ

Mestra Dona Dina, vaqueira e aboiadora


a Lei Dos mestres Do CearÁ inspiroU oUtras De mesmo formato em oUtros estaDos brasiLeiros

MESTRE DE QUE? no caso da "Lei dos mestres” do Ceará os conhecimentos analisados são a tradição popular e a transmissão de seu saber para a comunidade. nessa catalogação estão sineiros, jangadeiros, artesãos de madeira, couro ou cerâmica, rabequeiros, músicos e vários brincantes de reisados, maracatus, coco e são Gonçalo. alguns nunca passaram do ensino fundamental, mas conhecem a tradição de um aboio. a mestra Dona Dina, 53 anos, é vaqueira e aboiadora desde os 14. fundou a associação dos vaqueiros e aboiadores do sertão Central, em Canindé, e é considerada a “rainha dos vaqueiros”. para quem não sabe, aboios são cantos (sem letras) de tocar gado. no caso da mestra Dona Dina, esses cantos de “tocar gado” têm letras e caráter religioso, seus aboios sempre clamam pela ajuda de Jesus Cristo. mas o que tem em comum mestre Getúlio com a mestra Dona Dina? o que os faz diferentes de outros sineiros e outros aboiadores? segundo o antropólogo oswald barroso o conceito que norteia a escolha dos mestres é o de renovação de uma tradição. “o mestre é alguém que renova uma tradição, ou cria uma tradição. alguém que detém um saber, de certa forma, coletivo, mas único. Que forma a escola e que já faz o seu saber algo coletivo, que repassa.”, diz. exemplo disso é mestre Getúlio Colares que mostra os repiques que aprendeu e o que criou para o político tancredo neves ao homenageá-lo na sua morte no ano de 1985. os toques longos e breves mostram o domínio de seu ofício.

O ANTES E O DEPOIS

para oswald barroso, após a diplomação os mestres “passam a melhor zelar por eles mesmos. têm uma noção mais precisa de sua importância para a cultura e para sua comunidade. alguns chegam mesmo a ficar cheios de orgulho. na verdade, mudam de vida. os que bebiam passam a beber menos ou a deixar de beber. ficam cientes de que ainda têm uma missão a cumprir e que a que já cumpriram, foi válida. ficam satisfeitos com o que fizeram. Ganham uma injeção de sangue para o que ainda têm a fazer. muitos remoçam e passam a trabalhar mais intensamente. aperfeiçoam seus trabalhos. Contam com orgulho o sucesso de suas apresentações. ficam vaidosos por serem recebidos e ouvidos pelas “autoridades”. Um dos problemas da Lei dos mestres e que está em discussão na seCULt do Ceará é um critério que exige a declaração de pobreza do mestre para que ele possa participar da seleção. “na lei cearense este é um dos critérios que entra na seleção, porém, está em discussão outra solução, onde os mestres possam transmitir seus saberes, serem remunerados, e não necessariamente pobres.”, explica a antropóloga e funcionária da seCULt, fátima

façanha. outro problema burocrático que a seCULt diz enfrentar é o da transmissão desse conhecimento. “Como está previsto na lei a questão do repasse ou da transmissão para os mais jovens, o governo do estado já elaborou projeto para implantar uma universidade da Cultura popular, que trabalhará com a transmissão dos saberes dos nossos mestres diplomados”, diz a antropóloga. Já oswald barroso discorda desse projeto. “a seCULt faz um acompanhamento, mas é desnecessário porque os mestres aprofundam ainda mais o sentido de responsabilidade. sentem-se na obrigação de ser chamados e ir às escolas, para dar aula aos alunos. muitos renovam ou criam grupos de aprendizes. engajam suas famílias no aprendizado.” Com problemas ou não, a Lei dos mestres está dando frutos. além de aproximar e criar uma relação de orgulho da comunidade com seus mestres no Ceará, outros estados estão adotando a lei que protege esses patrimônios vivos do saber tradicional. Hoje a paraíba, maranhão, bahia e pernambuco também têm leis que asseguram aos mestres e mestras um auxílio financeiro e cobram o repasse de seus conhecimentos para gerações futuras. todos os citados são estados da região nordestina do país, o único exemplo que foge desse padrão é ponte nova, cidade mineira da zona da mata, que criou a lei municipal “mestres dos saberes e fazeres” , aliás a única iniciativa da região sudeste. no maranhão, a versão da Lei dos mestres inclui uma programação com homenagens, pesquisas, organização de um banco de dados sobre a produção cultural popular do estado, seminários, palestras, exposições, apresentações culturais e artísticas, concurso de redação, registros audiovisuais e sonoros, entre outras atividades. na única cidade que se preocupou com seu patrimônio imaterial fora da região nordeste, a secretária de Cultura adair Liberato Delfino aposta no registro de seus mestres. a cidade de ponte nova, na região da Zona da mata mineira, criou a Lei registro dos mestres dos saberes e fazeres em março desse ano. para adair “essa lei é um importante passo para a preservação do Congado”. a Dona Quininha, congadeira com quase 80 anos, é a primeira mestra da cidade e, a partir de 2008, receberá um salário mínimo para manter o Congado na cidade. a versão mineira da Lei dos mestres de ponte nova pretende registrar também as festas tradicionais. a idéia é “preservar a nossa cultura que está se perdendo. se continuarmos sem proteção, vamos perder nossas referências”, diz adair. benzedeiras, congadeiros, coquistas, cordelistas, aboiadores ou sineiros, são nomes estranhos para alguns brasileiros, mas representam os costumes, a cultura de várias regiões do país. esses nomes têm um ofício e, se desaparecerem, levarão um bom pedaço de nossas histórias. RAIZ 85


. políticas os mestres em pernambUCo pernambuco também aderiu à lei que beneficia com pensões vitalícias artistas ou entidades culturais. o estado já tem 15 patrimônios vivos e, este ano, esse número deve subir para 18. em entrevista à nice Lima, a Coordenadora de Cultura popular e pesquisa da fundarpe (fundação do patrimônio Histórico e artístico de pernambuco), maria acselrad, dá mais detalhes sobre o Concurso do registro do patrimônio vivo de pernambuco este ano. há quanto tempo o estado aderiu a esse projeto de lei? a Lei 12.196 é de 2 de maio de 2002, mas só entrou em vigência em 2004, a partir do decreto 27.503, que estabelece a sistemática de execução da Lei, trazendo definições de cultura popular e tradicional, além de toda regulamentação do processo de inscrição, análise e seleção dos patrimônios vivos. atualmente quantos Patrimônios vivos Pernambuco têm? atualmente, são 15. ana das Carrancas, Camarão, Índia morena, banda musical Curica, nuca, J.borges, Dila, José Costa Leite. Lia de itamaracá, bloco Homem da meia noite, maracatu Leão Coroado, salustiano, Zé do Carmo, Canhoto da paraíba, manuel Eudócio. Quais os benefícios de uma entidade ou artista ser Patrimônio vivo do estado? e quais os deveres? o reconhecimento e a valorização, através do título de patrimônio vivo do pernambuco. o apoio à realização de suas atividades e a transmissão de seu conhecimento às futuras gerações, através da remuneração mensal. a prioridade na análise de projetos apresentados ao funcultura, fundo de incentivo à cultura do Estado. A contrapartida é a disponibilidade para participar de programas de ensino-aprendizagem realizados pelo estado, que tenham como foco a cultura popular. em caso de morte do artista patrimônio vivo, a remuneração vitalícia fica para algum herdeiro direto ou parente? não. este direito é intransferível. mas no caso do patrimônio vivo ser um grupo, enquanto ele estiver em atividade mesmo que seus integrantes se renovem, o apoio permanece. existem diferenças em relação à lei do Patrimônio vivo em Pernambuco e nos outros estados? Quais? a Lei dos mestres, do Ceará, elege anualmente 12 nomes, que recebem a remuneração mensal equivalente a um salário mínimo. a Lei do patrimônio vivo, de pernambuco, elege 3, mas em compensação a remuneração é de 750,00 reais no caso de ser um mestre e 1.500,00 reais no caso de ser um grupo. a Lei do Ceará apóia, além de pessoas e grupos, também comunidades. isso faz toda a diferença em contextos culturais onde não existe uma delimitação muito nítida que distinga os detentores de conhecimentos e práticas tradicionais dos demais integrantes daquela comunidade, é o caso de povos indígenas e quilombolas. no caso da Lei de pernambuco, é necessário que uma 86 RAIZ

entidade sem fins lucrativos apresente a candidatura de um possível patrimônio vivo. no Ceará, não há esta exigência. isso pode facilitar ou dificultar o acesso à Lei. as Leis da paraíba e de alagoas são inspiradas na Lei de pernambuco. raiz - como se dá a divulgação desse concurso no interior do estado, onde, sabemos, há tantos personagens, que, facilmente poderiam concorrer ao registro de Patrimônio vivo? entramos em contato com todas as secretarias de Cultura do estado de pernambuco, através de telefone, e-mail e correio. enviamos para todas elas o material de divulgação sobre o edital, folders, cartazes, etc. Divulgamos na rede de transporte público urbano, em rádios e programas de tv. pontos de Cultura,onGs e associações que trabalham com este segmento também foram informadas. e como percebemos, com base nas inscrições dos últimos anos, que havia uma grande concentração de inscrições e patrimônios vivos eleitos na região metropolitana do recife, resolvemos investir no interior. Uma grande inovação foi a realização do i seminário do patrimônio vivo, nos sertões do moxotó, pajeú e itaparica, regiões com um potencial cultural muito expressivo, mas ainda com pouco acesso à informação deste tipo de instrumento. a quantidade de grupos, mestres, comunidades e gestores locais presentes e interessados foi surpreendente. as discussões foram muito enriquecedoras para o processo de reformulação da Lei. Quais são os requisitos para se concorrer a esse concurso do registro do Patrimônio vivo? estar vivo, evidentemente. ter mais de vinte anos de comprovada atividade cultural e estar em condições de transmitir seus conhecimentos a outras gerações. Que critérios são levados em consideração para se escolher esse patrimônio vivo e quem são as pessoas responsáveis por essa escolha? Uma comissão é formada por especialistas na área de cultura popular. são pesquisadores, estudiosos, professores, gestores indicados pelo secretário de educação. os critérios de análise levam em conta a contribuição à cultura pernambucana, a idade do candidato e a carência social e econômica em que ele se encontra. este ano, provavelmente, haverá um reflexo da diretriz do Governo do estado, que tem investido na interiorização e na regionalização das ações, assim como da Convenção da Unesco sobre a proteção e promoção da Diversidade das expressões Culturais. Que contribuições o registro do Patrimônio vivo traz para a cultura de Pernambuco e para as novas gerações? a tradição é aquilo que permanece. aquilo que insiste em fazer sentido, em se atualizar, em estar vivo. reconhecer e valorizar estas expressões é tornar possível a perpetuação de visões de mundo que só enriquecem nossa cultura.


O SAMBA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL “Há muito mais, contido nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nas festas e em diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. a essa porção intangível da herança cultural dos povos, dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial”. essa é a definição que a organização nações Unidas para a educação, a Ciência e a Cultura, UnesCo, dá em seu site oficial sobre patrimônio Cultural imaterial. a cultura de uma comunidade não é formada apenas por prédios antigos e nem por objetos de arte. as pessoas, que integram uma determinada comunidade, cidade, estado ou país, transmitem seus conhecimentos e assim caracterizam sua cultura. a recomendação sobre a salvaguarda da Cultura tradicional e popular, criada pela UnesCo em 1989, é uma iniciativa de proteção, com especial atenção às minorias étnicas e aos povos indígenas, do patrimônio imaterial. a filosofia, os valores e formas de pensar refletidos nas línguas, tradições orais e diversas manifestações culturais constituem o fundamento da vida comunitária. por isso a importância de leis como a Lei dos mestres que surge no Ceará em 2003, e hoje está se tornando política cultural de vários governos estaduais. no brasil, o instituto do patrimônio Histórico e artístico nacional é a instituição responsável pela identificação e documentação dos saberes e modos de fazer, das formas de expressão, das celebrações e os lugares que constituem patrimônio cultural brasileiro. Já estão registrados como patrimônio imaterial os seguintes bens brasileiros: arte Kusiwa dos Índios Wajãpi; ofício das paneleiras de Goiabeiras; samba de roda no recôncavo baiano; Círio de nossa senhora de nazaré; ofício das baianas de acarajé; viola-de-cocho, o Jongo e no dia 9 de outubro, foi tombado o samba do rio de Janeiro. RAIZ 87


agĂŞncia rbs: marcos porto

frutos

. tainha

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GASTRONOMIA TRADICIONAL DA ILHA DE SANTA CATARINA POR SILVANA MULLER

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. frutos os Gostos QUe vieram Dos açores enContraram aQUi novos temperos a própria cultura açoriana vem de hábitos agropecuaristas, distintos dos hábitos pesqueiros da ilha, mas entre as semelhanças, temos a presença do peixe (abrotea ou tainha) salgado e seco ao sol como um exemplar semelhante aos processos de conservação do bacalhau, praticados pelos portugueses e açorianos. Houve a fusão do saber fazer açoriano com a matéria prima brasileira, aliás, este casamento do conhecimento oriundo de uma outra cultura, com a matéria-prima brasileira é representado em muitos outros pratos tradicionais da cozinha brasileira. o aroma e sabor do cominho, muito presentes em pratos típicos da ilha, remontam do período dos descobrimentos quando os açores faziam parte da rota das navegações e compartilhavam as suas ervas e especiarias com os povos colonizados. Do ameríndio contamos com um legado de valor inestimável. o reinado da mandioca que até hoje se faz presente, com sua farinha

aGênCia rbs: fLÁvio neves

florianópolis foi fortemente colonizada por imigrantes oriundos do arquipélago dos açores a partir de 1748. Quando chegaram, encontraram índios habitando a ilha e produzindo seus alimentos dentro das possibilidades geográficas. o índio ensinou o açoriano a caçar, pescar e a trabalhar com o aipim (mandioca mansa), dentre outras técnicas. o açoriano aprendeu e aperfeiçoou, inclusive construindo os famosos engenhos de farinha. as influências açoriana e indígena são marcantes na construção da gastronomia típica da ilha de santa Catarina, por isso é denominada como sendo uma gastronomia de “base açoriana” e não apenas açoriana pura como muitas pessoas tendem a acreditar. existiu a mescla principalmente destas duas culturas na formação de gastronomia tradicional da ilha. Hoje em dia, existem no arquipélago dos açores, muitos hábitos alimentares distintos daqueles que encontramos em florianópolis.

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fina, típica da ilha, para o preparo do pirão, iguaria que acompanha gerações e gerações nas suas mais variadas formas, aromas e sabores. a tainha cozida no feijão servida com o pirão do feijão é um prato típico do nosso litoral, bem como a tainha frita ou assada na folha da bananeira, servida com o pirão do caldo de peixe. as farinhas de trigo, centeio e cevada quase não participam das receitas tradicionais porque não havia na época da construção desta cultura gastronômica, esta matéria-prima disponível para o povo em geral. Houve a substituição, por parte do açoriano, do caldo de carne por caldo de peixe e frutos do mar. na ilha, os pratos tradicionais são quase todos com base em peixes, frutos do mar, farinha de mandioca, feijão, milho e café. os temperos usados pelo ilhéu permanecem os mesmos de seus descendentes, menos a canela e o cravo, que não são utilizados em pratos de carne e peixe como nos açores. também persiste a sopa de feijão, os cozidos de verduras e tubérculos com carnes, as açordas (sopas de caldo com ovos, chamadas de solda pelo manezinho da ilha) e os peixes escalados e secos ao sol, como pratos tradicionais no litoral catarinense. entre algumas diferenças gastronômicas podemos citar o camarão que é muito popular na ilha de santa Catarina, mas não é de uso generalizado no arquipélago dos açores. o Caldo de Camarão e a seqüência de Camarão, que são pratos tradicionais e famosos da Lagoa da Conceição em florianópolis, são desconhecidos pelo açoriano do arquipélago. existe também um prato chamado de Cozido de Lagoa das furnas, que é prato tradicional do arquipélago ( na ilha de são miguel) preparado pelo açoriano legítimo e é muito distinto daquele praticado em florianópolis. Lá, eles sofrem abalos sísmicos que produzem gases que saem da terra e cozinha-se esta mistura de carne com legumes em panelas de ferro envoltas em panos, dentro destes buracos, o que para os catarinenses é impossível. no que se refere à sobremesa do manezinho, durante muito tempo foi usado apenas o açúcar mascavo e também o melado de cana, servido em cima do aipim. Já o açoriano do arquipélago possuía um receituário invejável dos chamados doces conventuais portugueses, que foram esquecidos por seus descendentes catarinenses por não possuírem a matéria-prima necessária para a elaboração dos mesmos. a cachaça fez parte, principalmente da construção da gastronomia do sul da ilha, sendo ainda valorizada em muitos restaurantes tradicionais. a gastronomia que nasceu na ilha de santa Catarina é uma junção da gastronomia do arquipélago dos açores e dos índios Guaranis, sendo que a dos açores é uma mistura das culturas distintas das nove ilhas do arquipélago, por isso também, florianópolis foi conhecida como a décima ilha dos açores. Com o aumento da população de florianópolis e a miscigenação de outras gastronomias que envolvem as diferentes etnias existentes na ilha, está ocorrendo a descaracterização da gastronomia tradicional. existe muita confusão a respeito, que são pratos tradicionais e pratos da cozinha contemporânea e nesta situação, a ilha vem perdendo suas raízes culturais gastronômicas. a descaracterização das receitas originais, em face do processo de modernização das cozinhas, alterou sensivelmente o processo de produção dos alimentos, tradicionalmente desenvolvidos dentro de um espectro de permanência dos valores culturais e que com o passar do tempo, se os valores não forem revistos, tenderá a uma falta de identidade local.

tainHa assaDa na foLHa De bananeira 1 Tainha suja 100 gr Cebola em rodelas 200 gr tomate em fatias 1 ramo alfavaca 2 Limões amarelos nativos–galego 2 dentes alho amassado com sal 50 ml azeite doce (oliva comum) 20 gr Cebolinha picada 20 gr salsinha picada 1 folha bananeira sem o talo central Sal a gosto preparação passo a passo 1º retirar primeiro as escamas da tainha; 2º Depois as nadadeiras e a cabeça (se quiser deixar a cabeça, deve-se retirar as guelras para não amargarem o paladar); 3º abrir pelas costas e evicerá-la; 4º temperar bem o peixe com alho amassado e limão. Deixar marinando por 30 minutos; 5° enquanto isso passe rapidamente as tiras de folha de bananeira no fogo para ela suar e perder o amargor. reserve; 6º temperar o tomate, cebola e pimentões com sal, azeite e orégano. Juntar a cebolinha e a alfavaca. Fechar o peixe e enrolar na folha; 7º Colocar o peixe em uma assadeira untada ou na brasa da churrasqueira em uma grelha; 8º assar por 40 minutos; 9º tirar e servir com pirão de caldo de peixe. pirão De peiXe 500 gr Cabeça de garoupa em pedaços 2l Água 1 Cebola 30 gr Urucum 6 folhas alfavaca 20 gr salsinha 20 gr Cebolinha 2 dentes alho 200 gr farinha de mandioca Sal a gosto preparação passo a passo 1º Colocar em uma panela grande e fritar a cabeça do peixe, cebola, alho, salsinha, cebolinha, alfavaca, urucum. Depois colocar água fria; 2º Deixe ferver em fogo baixo por 30 minutos; 3º Coar e temperar; 4º em outra panela tostar a farinha, deixar esfriar e umedecê-la com água fria e os poucos colocar o caldo quente por cima; 5º voltar ao fogo para ferver. Corrigir o sal e a pimenta; 6º servir com peixe frito ou peixe assado. RAIZ 91


a grande viagem gri么


DivULGação proGrama ação Griô

A colonização de diversos países do noroeste da África foi francesa, assim griot é uma palavra francesa que denomina os contadores de histórias, genealogistas, mediadores políticos, comunicadores, cantadores e poetas populares. Os griots têm diversas formas de expressão, mas em comum são responsáveis pela biblioteca viva da tradição oral, são a corrente sanguínea por onde circulam as memórias e histórias, lutas e glórias daqueles povos. Há 7 anos escrevemos a pedagogia griô no Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô, e para escrevê-la reinventamos a palavra griot do francês para Griô em português brasileiro, tanto para o feminino quanto para o masculino. Mas os griôs tem diversos nomes em cada língua do norte e noroeste africano. Dieli, por exemplo, na língua Bamanan. Atualmente em Bamako, capital do Mali, na África, os griôs estão organizados em grandes associações de comunicadores sociais e inclusive realizam grandes eventos e campanhas em torno de questões da mulher, drogas e outras questões sociais. Existem famílias tradicionais de onde vêm a tradição griô no Mali, onde os griôs casavam entre si e em diversas aldeias ainda casam. Algumas pessoas questionam o uso de uma palavra francesa e não de uma palavra de origem africana, porém Griot é a palavra conhecida internacionalmente que se refere a diversas figuras da tradição oral do noroeste da África que têm diversos nomes e lugares sociais desde os mais sagrados aos mais brincalhões. Portanto se torna mais coerente para as diversas expressões da tradição oral brasileiras. Em 2006, o Ministério da Cultura iniciou conosco uma ação conjunta, a Ação Griô Nacional, inspirada e concebida pela criatividade e inovação metodológica de nosso Ponto de Cultura, o Grãos de Luz e Griô de Lençóis, Bahia. A missão é criar e instituir uma política nacional de educação, cultura oral e economia comunitária para o fortalecimento da identidade e ancestralidade de estudantes brasileiros, bem como a revisão dos currículos de escolas e universidades por meio do reconhecimento do lugar social, político e econômico de griôs e mestres de tradição oral no Brasil. Além disso, a Ação Griô Nacional irá formar griôs aprendizes para “encantar” redes regionais de transmissão oral através de caminhadas, vivências e encontros entre Pontos de Cultura, escolas e universidades, criando ações em todo o país voltadas às tradições orais e populares. A cena a seguir exemplifica bem esse conceito e aconteceu no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, protagonizada pelo trupe de griôs, do Ponto de Cultura Tá na Rua, RJ. Nesse caso uma escola aprende com uma poderosa linguagem também de tradição oral , o teatro de rua


nos CorreDores Do peDro ii no colégio pedro ii todos os dias os estudantes entram por um portão de grades, onde tem um porteiro responsável por trancá-lo e por revisar os uniformes. ali, logo acima, os estudantes ouvem falas dos educadores mas, de repente, além disso se ouve ao longe uma cantiga e tambores. o som aumenta e a imobilidade se rompe, todos desejam se movimentar. Quem toca a música? Quem está rompendo o silêncio dos corredores com uma cantoria ? os inspetores correm para ver o que está acontecendo e se deparam com uma trupe de griôs da comunidade invadindo ou ocupando as escadarias reservadas da escola. os inspetores tentam conter o cortejo, mas não conseguem, a trupe de griôs avança em sua ocupação dos corredores da escola. os educadores já não conseguem falar em suas aulas nem conter o movimento estudantil. Um dos integrantes da trupe é um griô aprendiz, ele sobe na grade e dá um grito de guerra já ritualizado pelo movimento estudantil. a multidão que há pouco era passiva e quieta, agora responde gritando num ritmo sincronizado. a trupe abre a roda e o griô aprendiz fica diante de diversos estudantes nas escadarias – seu imaginário viaja na ancestralidade e vê nas escadarias atrás da roda o coro daquele ritual, o coro que ecoa a voz dos gritadores da cultura oral do teatro grego ou das passeatas do movimento estudantil. o griô aprendiz diz “ vocês são o coro do teatro grego” e se apresenta : Lá nos sertões da África Entre aldeias distantes Caminham mulheres e homens Aprendendo e ensinando a sabedoria daquele povo. São griôs E quando os griôs e as griôs chegam nas aldeias As crianças, os pais, as mães, os tios, as tias, os avôs e as avós sentam na roda. e está aberto o ritual do ContaDor De Histórias. os tambores rufam e o coro repete cada verso da fala do griô para que todos ouçam.o que estava acontecendo? Qual o objetivo daquele ritual? vão falar de África ? Um educador se pergunta se agora terá que estudar macumba na escola. outros educadores participam do coro, ouvem o griô, se encantam, cantam e dançam juntos aos estudantes. e o griô pede a bênção ao diretor e conta a história de Dom obá em forma de cordel com a ajuda do coro. a roda gira cantando ciranda, batendo com o pé junto no chão no mesmo ritmo, conversando com o movimento das ondas que chegam na terra. o griô se despede com uma cantoria, o cortejo segue os corredores voltando à rua e à comunidade onde Dom obá viveu há mais de um século. Quem é Dom obá? Quem é o Griô? De onde vem esta trupe? De onde vem este poder de invadir/ocupar uma escola assim sem avisar?” 94 RAIZ

a maioria das instituições responsáveis pela educação formal nas escolas quando pensam em reintegrar cultura e educação, pensam em propor às escolas um equipamento e investimento na cultura com serviços de multimídia na escola, aulas de capoeira, aula de coco de umbigada ou dança afro. porém, a semente de algo revolucionário está acontecendo há algum tempo na educação nas escolas, e esta evolução está sendo inventada pelas comunidades apoiadas pelas instituições relacionadas com a cultura. as instituições culturais não têm que vencer a grande cadeia hierárquica dos sistemas de educação formal, elas podem conversar com o povo diretamente. Com o estudante, com o educador, com o grupo cultural ou a onG da comunidade. por que afinal crescemos vivendo a cultura cristã e consumista do papai noel e do coelho da páscoa na escola, e não podemos estudar o que é candomblé ou o que é ser um pajé de uma aldeia, ou o que é um reisado? Diversas instituições de cultura estão aprendendo a aprender diretamente com a memória e a história de cada comunidade. Há uma rede se formando como movimento de base no brasil e diversas escolas estão diretamente vinculadas a esta rede, independente das estruturas hierárquicas e projetos que vêm de tão acima para tão abaixo desta estrutura. o ministério e as secretarias de educação quase não enxergam estas redes ou tentam implantá-las. o ministério da Cultura, algumas secretarias e outras instituições de cultura podem tocar nesta rede. É neste movimento que os griôs e mestres da cultura oral brasileira sentem o desafio, o poder e responsabilidade de dialogar com a hierarquia das escolas. para isso encantam, contam histórias de resistência étnica cultural, lembram a memória do brasil e ajudam os educadores a superarem sua própria resistência de reconhecer sua ancestralidade. os griôs e mestres estão sentindo e transformando o poder de serem o que são, caminhantes livres das ruas e estradas para serem caminhantes livres que entram e surpreendem a escola com a sua maestria, pedagogia, linguagem e saberes construídos e ritualizados há séculos ou décadas nas comunidades de terreiro, nas capoeiras, nas escolas de samba, nos torés, nos teatros de rua e tantos outros espaços de educação. Que ritual de vínculo e aprendizagem um educador pode realizar com 600 estudantes de uma só vez? Que heróis e que mitos os educadores estão fortalecendo no imaginário e na vida de nossos estudantes? Que mobilidade e encanto são possíveis na educação? Como se pode aprender a construir conhecimentos sem dialogar, conviver e brincar em grupo? A seguir Alexandre Santini, do Teatro de Rua do Ponto de Cultura tá na rua, rJ, e fabíola rezende do ponto de Cultura invenção brasileira, Df contam momentos de suas caminhadas. Fabíola rezende do Ponto de cultura invenção brasileira, dF “acredito que uma das missões, enquanto griô aprendiz regional é encorajar meus companheiros de caminhada a ousarem no importante desafio de somar tradição oral ao ensino formal. Como ponto de partida, retorno as minhas origens rurais e interioranas e


me encontro com maria de barro Gritadora do tempo, uma mulher forte, conhecedora do tempo, das estações, do dia e da noite. É com ela que hei de caminhar por comunidades e escolas levando o encantamento da diversidade de uma ou várias tradições. muitas vezes ela se encontra acompanhada de Carona, uma palhaça tocadora de caixa e contadora de histórias verdadeiras ou inventadas de suas andanças. em outros momentos um mestre ou uma mestra são os companheiros do tempo. ao chegar em uma escola, uma canção de licença há de soar: "são benedito sua casa cheira cravo e canela e a flor da laranjeira". essa canção foi apreendida com Dona piedade, na serra do Cipó, mG.”

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foto: LÍDio parente

alexandre santini, do teatro de rua do Ponto de cultura tá na rua, rJ “a rocinha é a maior comunidade popular do rio de Janeiro com mais de 100 mil moradores, talvez a maior do brasil, e é cantada como “a maior favela da américa latina”. incrustrada entre bairros nobres da zona sul do rio de Janeiro (Leblon, Gávea e são Conrado), a rocinha é um símbolo das favelas, suas dimensões, localização e força simbólica a diferencia. nela coexistem várias formas de organização social: a presença do estado (escolas, posto de saúde, delegacia), um forte comércio popular (lojas, camelôs, mototáxis), diversas organizações da sociedade civil com projetos sociais e culturais, escola de samba, além da presença do narcotráfico, poder paralelo e do poder paralelo, delimitador de espaços. É neste contexto que surge o ponto de Cultura Ciespi - Centro de Cultura e educação Lúdica da rocinha que trabalha desde 1987 no desenvolvimento de atividades lúdicas direcionadas para crianças e adolescentes através da “brinquedoteca peteca”, reconhecida como ponto de cultura do brasil, participante da rede de pontos da ação Griô nacional. a equipe da ação griô no Ciesp é formada pela griô aprendiz martinha que implantou o projeto da brinquedoteca; o vô aerson, rezador e mestre nas práticas de cura e utilização de ervas ; e o Griô de tradição oral tio Lino, artista plástico, construtor de brinquedos, educador e líder comunitário. as atividades da ação griô da rocinha acontecem no ponto de cultura e no Ciep bento rubião, da rede estadual de ensino, situado dentro da comunidade da Rocinha. a caminhada dos griôs saiu do ponto de cultura em direção à escola, subindo a ladeira do Caminho do boiadeiro, na contramão do fluxo de veículos e pessoas. estandarte, bandeira, tambor, cantiga, trapos coloridos, fantasias, poetizando o movimento da manhã já movimentada da rocinha, subindo ladeira pela contramão. na hora lembrei da palavras do Che: "Quando o extraordinário se torna cotidiano, eis a revolução". líllian Pacheco, educadora biocêntrica, criadora da pedagogia griô, coordenadora do grãos de luz e griô - lençóis ba e da ação griô nacional

RAIZ 95


foto: renato soares

no Dia 18 De DeZembro, em brasÍLia, serão anUnCiaDas as 18 iniCiativas premiaDas na 2ª eDição Do prêmio CULtUra viva


a 2ª edição do prêmio Cultura viva é uma realização do minC – ministério da Cultura, com patrocínio da petrobras, apoio do Canal futura e coordenação técnica do Cenpec – Centro de estudos e pesquisas em educação, Cultura e ação Comunitária. nessa edição, o prêmio tem como objetivo dar visibilidade a práticas culturais e educativas desenvolvidas na e com a participação ativa da comunidade, valorizando o trabalho conjunto dos vários agentes sociais. foram quase 3 mil iniciativas inscritas, vindas de 874 municípios brasileiros, o que representa uma ampliação em 66,8% do número de inscrições e 72,9% dos municípios atingidos em relação à primeira edição, realizada em 2005/2006. De acordo com o secretário de programas e projetos Culturais do ministério da Cultura, Célio turino, “a mudança no quesito categoria aumentou o número de participantes porque ampliou o entendimento dos protagonistas sobre o que é o prêmio Cultura viva”. na 2ª edição foram definidas seis categorias, de acordo com a natureza do proponente: escola pública de ensino médio, fundação ou instituição empresarial, Gestor público, Grupo informal, organização da sociedade Civil e ponto de Cultura. “o mapeamento de todas essas iniciativas irá nos mostrar novas formas de avaliação. o prêmio Cultura viva está construindo uma inteligência sobre a Cultura, as práticas socioeducacionais do país”, avalia turino. mais de 300 avaliadores de todo o brasil participaram do processo de seleção, culminando com as 18 iniciativas premiadas que serão conhecidas no dia 18 de dezembro em um evento festivo na capital federal, que contará com a presença do ministro da Cultura, sr. Gilberto Gil. Cada categoria terá três iniciativas premiadas, considerando 1º, 2º e 3º lugares, que receberão aportes financeiros no valor de r$30.000,00, r$20.000,00 e r$10.000,00, respectivamente. a seguir a lista das 42 iniciativas finalistas da 2ª edição do prêmio Cultura viva:

foto: renato soares

CateGoria esCoLa pÚbLiCa De ensino mÉDio – fala poeta - pinhão, pr – por ti são sebastião, estilismo e moda - são sebastião, Df – projeto Cultura Casca-verde - teresina, pi – projeto pedagógico em escola pública - brasileirinho, os tons da aquarela Cultural de nosso país - rio de Janeiro, rJ – projeto rádio instrumental educativa Cbm - serra, es

– fUmproarte – fundo municipal de apoio à produção artística e Cultural de porto alegre - porto alegre, rs – programa de artesanato da paraíba: "a paraíba em suas mãos" - Água branca, pb – projeto arte ação ambiental - niterói, rJ – projeto talentos da Cultura - fortaleza, Ce – rede Cidadania de Londrina - Londrina, pr CateGoria GrUpo informaL – artesãos de brinquedos populares do recife - recife, pe – Grupo Cultural tCHapa Y CrUZ - Cuiabá, mt – Jornal voz teréna - veyékou emó'u têrenoe - Dois irmãos do buriti, ms – maadzero Keerada inewikite irapakape: Grupo de Dança baniwa do mestre Luiz Laureano - s. G. da Cachoeira, am – meninas de sinhá: experiência Cultural Comunitária - belo Horizonte, mG – movimento armorial Catraia do Cari - santa maria da boa vista, pe – nação periférica, música com protagonismo Juvenil alvorada, rs – projeto Cultural Caçula do pandeiro - Cuiabá, mt – rede do movimento de teatro amador da bahia alagoinhas, ba – ventilador Cultural - recife, pe CateGoria orGaniZação Da soCieDaDe CiviL – Circo de todo mundo - belo Horizonte, mG – Coleção narradores indígenas do rio negro - memória, identidade e patrimônio Cultural - s. G. da Cachoeira, am – Conhecendo um povo, valorizando uma Cultura: Índios mbyá-Guarani - porto alegre, rs – escola indígena baniwa e Coripaco pamáali - são Gabriel da Cachoeira, am – escola picolino de artes do Circo - salvador, ba – Gerando C idadania e C ultura (GCC - sol Dó Dó) São Gonçalo, RJ – no Campo da Cultura - teatro e Literatura na Cultura Camponesa - viamão, rs – orquestra sinfônica de eunápolis - eunápolis, ba – proCUro - projeto Cultural do rosário - f. de santana, ba – rabecas da amazônia: preservação e ensino - bragança, pa – rede enraizados - nova iguaçu, rJ

CateGoria fUnDação oU institUição empresariaL – ação educativa da bienal do mercosul - porto alegre, rs – Cultura & Cidadania - timóteo, mG – oficinas Comunitárias do Centro Cultural fundação Csn volta redonda, rJ – programa de educação patrimonial trem da vale subprograma vale registrar - mariana, mG – projeto História da Gente - ribeirão preto, sp

CateGoria ponto De CULtUra – Centro Cultural Kanhgág Jãre - ronda alta, rs – Cia experimental Dança vida - ribeirão preto, sp – Grãos de Luz e Griô - a tradição viva - Lençóis, ba – Humbiumbi - raízes africanas - belo Horizonte, mG – maracatu piaba de ouro - olinda, pe

CateGoria Gestor pÚbLiCo – Centro de Dança de santo andré - santo andré, sp

Para maiores informações consulte o site www.premioculturaviva.org.br


COMBATE À Pobreza E desenvolvimento humano

DivULGação

ConCeito De QUaLiDaDe De viDa não se restrinGe só ao vaLor Da renDa De Um inDivÍDUo



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