Jornal da ABI 371

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LUIZ LOBO Roberto Marinho saiu de casa para editar cinco páginas sobre o fim do Capitão Lamarca PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22 E 23

CARLOS ESTEVÃO Os 90 anos do humorista que retratou o brasileiro com ironia PÁGINAS 30, 31, 32, 33, 34 E 35

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

371 O UTUBRO 2011

Ele foi vítima de um erro clamoroso da Comissão de Anistia e dos Ministros Luiz Eduardo Barreto e José Eduardo Cardozo. Há muitos outros requerimentos sem solução na Comissão de Anistia, que está trabalhando em ritmo muito lento. PÁGINA 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2: A ANISTIA EM MARCHA A RÉ.

UCHA

LYGIA FAGUNDES TELLES E SUAS LEMBRANÇAS DE CLARICE

SENADORES QUEREM FIRMEZA

A MÍDIA ABANDONOU

NA LUTA ANTICORRUPÇÃO

A DANÇA CLÁSSICA

COMISSÃO DA VERDADE: NOSSA PRIMEIRA VITÓRIA

E M ENCONTRO COM LEITORES , A ROMANCISTA FALA DO LADO IGNORADO DOS AMIGOS . PÁGINAS 14, 15 E 16

E M REUNIÃO NA ABI, P EDRO S IMON E R ANDOLFE RECLAMAM AÇÕES CONCRETAS . PÁGINAS 8 E 9

O DESABAFO SERENO DE D ALAL A CHCAR , A MAIOR COREÓGRAFA DO B RASIL . P ÁGINAS 10 E 11

A PROVADO NO SENADO , O P ROJETO N º 7.376/10 AGORA DEPENDE DA C ÂMARA . P ÁGINA 29


Editorial

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03 Diploma - Ter ou não ter, eis a questão ○

A ANISTIA EM MARCHA A RÉ UMA DAS NECESSIDADES AGUDAS da vida nacional nos dias presentes é a instituição da Comissão Nacional da Verdade, para que se possa passar o Brasil a limpo, como reclamava o Professor Darci Ribeiro, e proceder à identificação e responsabilização daqueles que, utilizando de forma covarde e criminosa o poder do Estado, torturaram, mataram e liquidaram, dando sumiço a seus corpos, centenas de brasileiros que não aceitavam viver sob o regime tirano imposto a ponta de baioneta ao País pelo golpe militar de 1º de abril de 1964. Sem isso, ao contrário do que sustentam velhos e novos cúmplices do regime ditatorial, será impossível virar a página, como muitos apregoam, e abrir um novo momento da nossa História. TÃO NECESSÁRIA QUANTO A INSTITUIÇÃO da Comissão Nacional da Verdade é a conclusão dos processos de anistia de milhares de brasileiros que padeceram horrores sob a ditadura, os quais aguardam o exame das razões e dos documentos que apresentaram e a decisão sobre fatos que em inúmeros casos já se arrastam por quase meio século, desde que os golpistas instituíram seu sistema de terror. Muitos dos autores desses pedidos de reparação, que é tanto moral quanto pecuniária, já foram colhidos pela indesejada das gentes de que falava o poeta Manuel Bandeira; se se procrastina a decisão, outros tantos não verão a justiça que reclamam há décadas. É NECESSÁRIO ASSINALAR QUE A CONDUÇÃO da anistia não vive um bom momento, em razão de motivos dentre os quais não parece menor o da mudança de Governo, que mergulhou os assuntos da Comissão de Anistia do Ministério

Jornal da ABI Número 371 - Outubro de 2011

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha presidencia@abi.org.br / franciscoucha@gmail.com

Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André Gil, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS Diretor: José Eustáquio de Oliveira Impressão: Gráfica Lance! Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ

da Justiça numa espécie de afasia, em contraste com o impulso que tão relevante assunto mereceu no Governo Fernando Henrique, o qual promoveu entre outras iniciativas a instituição da Lei nº 10.559/2000, pela qual a anistia deixou de ser platônica delaração constitucional e se tornou matéria passível de procedimentos administrativos concretos. ESSES PROGRESSOS FORAM MAGNIFICADOS no Governo Lula pela gestão do então Ministro da Justiça Tarso Genro, que designou para a presidência da Comissão um profissional da maior qualificação jurídica e política, o professor de Direito Paulo Abrão Pires Júnior, e dotou o órgão de conselheiros que se dedicaram com o maior espírito público, sem perceber qualquer remuneração, à análise de milhares de processos que pendiam do pronunciamento oficial acerca de sua procedência ou não. Paralelamente, determinou o Ministro Tarso Genro que fossem proporcionados à Comissão de Anistia os meios materiais necessários ao eficaz desempenho de seus encargos. Com isso pôde a Comissão multiplicar por três o número de processos examinados e decididos. SOB O NOVO GOVERNO A COMISSÃO de Anistia sofreu um retrocesso, perdeu o ímpeto que lhe dera o Ministro Tarso Genro. Se o Presidente da Comissão foi mantido e se foi igualmente mantido o conjunto de conselheiros, esse passo atrás deve ser explicado pelo novo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que tem a responsabilidade de gerir um passivo político e jurídico que em breve completará 48 anos. Os que dependem de sua diligência e de sua atuação não podem mais esperar.

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda Conselheiros Efetivos 2011-2014 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros Efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,

Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

12 Prêmio - Cobertura do Alemão deu ao Jornal Nacional o Oscar da televisão ○

14 Homenagem - À mestra, com carinho ○

16 Arte - Paul Gauguin, o selvagem, Por Paulo Ramos Derengoski ○

17 Depoimento - Luiz Lobo ○

30 Memória - Carlos Estevão, 90 anos ○

36 Aniversário - A Rádio Nacional celebra seus 75 anos, após muitos dramas ○

38 Fotografia - Mostra traz a estética do limite ○

40 Projeto - O futuro Mis, ousado e futurista ○

42 Livros - A redescoberta de Robert E. Howard, bárbaro e multimídia ○

44 Livros - Lembranças de uma geração marcada pela contestação ○

SEÇÕES 0 A CONTECEU NA ABI 08 Ação contra a corrupção deve incluir seis metas iniciais ○

10 A mídia abandonou a dança ○

26 L IBERDADE DE I MPRENSA José Dirceu acusa Veja de agredir a ética ○

D IREITOS H UMANOS 27 Jornalista Antônio Idaló morre sem a anistia requerida há dez anos ○

28 As imagens dos Direitos Humanos no Brasil ganham exposição ○

29 O Brasil a um passo da Comissão da Verdade ○

V IDAS 45 Um repórter sem medo: Sílvio Paixão ○

46 Meirelles Passos, universal, sem perder a brasilidade ○

47 Benoni Alencar, Edison Cattete e Marcos Santarrita

Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros Suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS José Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),Carla Kreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares.

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO A CORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O DECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

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07 Memória - Marcão, um escultor de textos, por Rodolfo Konder


DIPLOMA

Ter ou não ter, eis a questão F

oi no dia 17 de junho de 2009. O golpe baixo veio de cima. Naquela data, o Supremo Tribunal Federal, na figura do Ministro Gilmar Mendes, cassou a exigência de formação de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. A repercussão foi imediata. Enquanto órgãos de classe alertavam para a ameaça que a decisão representava para o exercício de um jornalismo ético, qualificado e responsável, grandes grupos de comunicação pareceram não se ocupar muito da pauta. Talvez preocupados mais com seu negócio do que com os interesses de seus leitores, ouvintes e telespectadores. No meio disso tudo, a controvertida decisão do Supremo Tribunal colocou em xeque o papel dos cursos superiores de Jornalismo. Teriam eles perdido o sentido? Estariam fadados à extinção? Passados quase dois anos e meio da derrubada do diploma, parece que não. Os cursos de graduação em Jornalismo seguem abertos e, especialmente nas universidades públicas, continuam a constar da lista dos mais procurados. Houve, sim, casos de fechamento de alguns cursos em universidades menores. E, possivelmente, até mesmo o cancelamento da abertura de novos cursos programados. Seriam efeitos diretos da decisão do Supremo? Talvez, sim. Certamente apenas em parte, e não exatamente como um todo. Por trás dessa diminuição na oferta de cursos também estão questões particulares, como a dura realidade de mercados locais e a questionável qualidade acadêmica do ensino oferecido por algumas instituições. Enfim, problemas que afligem cursos de todas as áreas de conhecimento, e não só os de Comunicação.

Pouco mais de dois anos após a derrubada da exigência do diploma, o Jornal da ABI sai a campo para verificar, nas instituições de ensino, as conseqüências dessa desastrada decisão do Supremo Tribunal Federal. Elas foram muito menores do que se poderia imaginar. De modo geral, estudantes, professores e mercado de trabalho sabem que apostar na formação acadêmica criteriosa ainda é o melhor caminho para o exercício de um jornalismo competente, ético e responsável. POR PAULO CHICO Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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DIPLOMA TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO

Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

MESMO CENÁRIO NUMA TRADICIONAL INSTITUIÇÃO PRIVADA Na linha de Ivana Bentes, Leonel Aguiar, Coordenador do curso de Jornalismo da Puc-Rio, alerta que esse debate já ultrapassou a questão do diploma. “Há uma discussão no Mec, no Conselho Nacional de Educação, que prevê a volta dos cursos de Jornalismo. É uma proposta de diretrizes curriculares nacionais. Hoje, nos formamos em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo ou Publicidade. O Ministério tem uma proposta, que vem sendo amadurecida há anos, de ter bacharelado em Jornalismo, Publicidade. A Comunicação deixaria de ser curso para se tornar área, como deve ser do ponto de vista acadêmico. Ela é a única faculdade em que o estudante se forma em habilitações. A proposta está nos últimos trâmites no CNE. Essa divisão teve a ver com uma manobra na época da ditadura, na década de 1960, para esvaziar o potencial crítico dos jornalistas, formados em cursos mais genéricos”, lembra. DIVULGAÇÃO

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mercado exige qualidade. Nunca a formação foi tão importante quanto agora que o diploma caiu, pois é ela que difere o profissional”. Assim sendo, diz ela, os bons cursos não correm risco de extinção. “Mas eles precisam se atualizar, principalmente no que tange ao novo perfil do jornalista multimídia. Nós, jornalistas, comunicólogos, temos de estar à altura das mudanças. A atualização do currículo era necessária com ou sem o fim do diploma. A discussão das novas mídias, internet, redes sociais, a idéia de uma formação do que chamam o webjornalismo, a incorporação pelo jornalismo de linguagens provenientes de outros campos, do cinema, dos quadrinhos, que aparentemente não têm nada a ver com o Jornalismo... Essas exigências independem da questão do diploma. Resumindo, essa é uma questão de reserva de mercado e de cartório. O sindicato tem de estar à altura das mudanças, não dá para ficar na retaguarda. Não pode ficar apenas com um discurso reativo”.

Leonel Aguiar, da Puc-Rio: Uma coisa é regulamentação da profissão, e outra é a liberdade de expressão, de pensamento.

formação social, como instrumento de melhoria das condições de vida da população, de uma maneira geral. Essa utopia dos nossos jovens se reflete logo quando ingressam. Isso ainda é uma marca dessa vocação profissional, da cidadania. É uma particularidade muito grande dos alunos de Jornalismo. Essa perspectiva vocacional que nossos estudantes têm pode ser considerada utópica, mas eles acreditam que o Jornalismo é um poderoso instrumento de transformação social”. O coordenador do curso da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro não vê diferença no momento de conclusão da graduação, isto é, quando do ingresso dos recém-formados no mercado de trabalho. “Nossos alunos continuam estagiando e depois trabalhando nas grandes emIvana Bentes, da UFRJ: Crítica aos sindicatos dos jornalistas presas aqui do Rio de Janeiro. que não cuidam dos profissionais autônomos e dos Assim como as agências de freelances, que mais precisam de uma associação. publicidade, que sempre procuraram seus profissionais nas Na Puc-Rio, garante Leonel, a decisão escolas de Publicidade. As empresas jordo Supremo também não trouxe alteranalísticas não começaram a contratar ções. “Continuamos com muitos alunos. profissionais de outras áreas. Elas contiO curso de Jornalismo continua com 800 nuam procurando estagiários e formados estudantes. Aqui também temos Publicinos cursos de Jornalismo.” dade e Cinema, cursos nos quais nunca A polêmica em torno do fim da obrigahouve obrigatoriedade do diploma para o toriedade do diploma tem sua origem, em exercício profissional. Eles também não grande parte, no efeito ausado pela decisofreram redução do número de alunos. são do STF. Ela pegou as entidades sindiMas não saberia dizer o que houve em cais de surpresa, por mais que a discussão outras universidades, principalmente as tenha se arrastado desde 2001. O mesmo menores”, afirma o Coordenador, que faz ocorreu com as universidades e os próprios questão de frisar:”Aqui estamos na vanestudantes. Os alunos, de maneira geral, guarda dessa luta pela defesa do diploma. estão divididos, dizem os coordenadores. Acreditamos que isso é bom para a sociAlguns são a favor, outros contra a derruedade. É bom para a categoria. Estamos bada do diploma. A bem da verdade – alô, brigando com o lado patronal”. alô, faculdades de Comunicação! –, nunSegundo os coordenadores de cursos de ca se fez uma pesquisa sobre o tema. Jornalismo ouvidos pelo Jornal da ABI para “O estudante de Radialismo, provaesta reportagem, a exigência do diploma velmente, será contra a exigência do dipoderia interferir, quando muito, somente ploma, pois pode pintar uma oportunidana formação de quadros das grandes emde para ele em jornalismo. O de Relações presas jornalísticas do País, que têm um Públicas também. Mas discordo desse lucro fabuloso. Não teria impacto na ação tipo de pensamento, de um estudante de organizações não-governamentais, ingressar em Radialismo, Relações Públirádios e jornais comunitários ou mesmo cas em uma universidade, por ser menos blogs. Essa é outra falácia utilizada para concorrido, e tentar mudar depois para justificar a derrubada do diploma: afirmar Jornalismo. É uma falha ética estar com que a sua obrigatoriedade acabaria com as o diploma de uma dessas áreas e dar ‘um iniciativas de comunicação comunitária. jeitinho’ para tentar uma vaga que seria “Isso é conversa fiada! Assim como as destinada a profissionais de Jornalismo. novas tecnologias não o fizeram. Uma coiO aluno tem que fazer o vestibular para sa é regulamentação da profissão, e outra Jornalismo, mesmo sendo este mais coné a liberdade de expressão, de pensamencorrido. Caso contrário, já vai ter um desto. Estamos falando dos jornalistas que atuvio ético na sua formação profissional. O am nas empresas jornalísticas. Isso trata da Vestibular e o Enem são formas democráexigência do diploma para o exercício da ticas de ingresso no ensino superior. Coprofissão apenas nas empresas formais”, municação não é tudo igual! Os cursos são acredita Leonel. separados exatamente por haver diferenO curso de Jornalismo da Puc-Rio comça entre eles”, esclarece Leonel. pleta 60 anos em 2011. É muito tradicioESTABILIDADE NA PROCURA nal, ao ponto de manter estável o grau de PELO CURSO NAS procura dos estudantes, bem como o perUNIVERSIDADES PÚBLICAS fil dos futuros jornalistas que nele ingressam. “Não vi mudança no padrão de quem O curso de Jornalismo continua a ser procura o curso de Jornalismo. Continuum dos mais procurados nas universidades am sendo aquelas pessoas que acreditam públicas do País, assim como nas particuque a profissão tem capacidade de translares de prestígio, como a Puc-Rio. O vesGIANNE CARVALHO/FLAT

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a UFRJ, a nossa percepção é de que não mudou nada. Não houve desvalorização do curso. Ao contrário, a boa formação continua sendo exigida no mercado de trabalho. A grande mídia continua dando preferência aos alunos que tenham graduação. O que fica muito claro é que aquele discurso passa muito mais pela questão cartorial e corporativa da exigência do diploma do que da formação do profissional. O que importa é a possibilidade de ter uma formação diferenciada, como o nosso curso e outros que trabalham com a Comunicação de maneira mais ampliada, e não só com o Jornalismo, têm proposto”, defende Ivana Bentes, Diretora da Escola de Comunicação-Eco da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A professora Ivana acredita que o foco das discussões deveria ser outro. “Claro que a formação faz diferença, ela é sempre valorizada. É necessário até ampliá-la, inclusive pela educação não-formal. Os sindicatos deveriam estar mais preocupados em formar bons jornalistas dentro e fora da universidade. Aqui na UFRJ, temos convênio com a Central Única das Favelas na produção audiovisual, e com a Escola de Comunicação Crítica da Maré. Estamos preocupados em qualificar as pessoas que vão trabalhar no campo da mídia, com ou sem diploma. Essa é a preocupação. A minha crítica é que os sindicatos dos jornalistas não cuidam do contingente de pessoas que mais precisam de uma associação. Falo do autônomo, do freelancer. São essas pessoas que precisam de formação, direitos, apoio. Quem entra no mercado formal já vai usufruir das conquistas históricas obtidas”, aponta. Na avaliação de Ivana Bentes, a decisão do STF enfraqueceu os cursos de Jornalismo que viviam da venda de diploma. E que só sobreviviam no mercado exatamente devido à existência da exigência do ‘canudo’. “Esses, sim, desapareceram, quando caiu essa exigência do diploma, que era artificial. Se tem que haver diploma para jornalista, tem de haver para todas as outras áreas. Não há campanha para exigir diploma dos publicitários, embora a Publicidade influencie a opinião e lide com questões éticas tão importantes quanto o Jornalismo. Por isso, nunca entendi o motivo de regular o Jornalismo, e não a Publicidade. Ela mata criancinhas vendendo gordura trans. Cria uma sociedade de consumo totalmente distorcida”, dispara. Ivana conta que na época da decisão do STF houve discussões, debates internos na escola. Havia opiniões contrárias dentro da Eco. Alguns professores defendiam, outros criticavam o fim da obrigatoriedade do diploma. Entre os alunos, também havia certa ansiedade e medo, pois eles estavam vivenciando incertezas. Na prática, contudo, a decisão não reconfigurou o mercado, nem mesmo a forma de ensino. As empresas continuaram dando privilégio a quem tem formação: “Não conheço nenhuma empresa de grande mídia que tenha passado a contratar não formados, com salários mais baratos. Isso seria ruim para os negócios. Que empresa vai contratar alguém sem formação, sem cultura geral? O


tibular deste ano da Universidade Federal Fluminense-Uff comprova essa tese com números. Na liderança absoluta do ranking dos cursos mais procurados na Uff, Medicina reúne 10.420 inscritos para as 144 vagas em oferta, com uma assombrosa relação de 72,36 candidatos/vaga. Jornalismo ocupa um honroso quarto lugar nessa lista, com relação de 22,78 candidatos/vaga – atrás apenas de outra habilitação de Comunicação, Publicidade e Propaganda (com 30,8) e Engenharia Civil (com 27,12). Na Usp, o quadro se repete. Depois de quedas consecutivas no número de inscritos, a Universidade de São Paulo registrou um pequeno crescimento na procura pelo curso de Jornalismo para o vestibular deste ano. A relação candidatos/vaga na universidade para 2011 é de 34,62, contra 32,30 em 2010. Contudo, vale lembrar que, no início da década passada a graduação em Jornalismo da Usp chegava a atrair mais de 50 estudantes por vaga. “Aqui na escola, até o ano passado, a relação candidato/ vaga no vestibular teve pouca alteração. A redução (cerca de 10%) acompanhou a tendência geral do vestibular da Fuvest, onde a procura diminuiu pouco mais de 8% em relação ao ano anterior. Isso significa que, para os ingressantes da Eca, a visão do mercado profissional, mesmo com a não obrigatoriedade do diploma, ficou quase inalterada. Entretanto, não se pode negar que houve uma perda muito grande da qualidade do jornalismo. Estamos voltando ao que era antes da regulamentação profissional quando o jornalismo era um ‘bico’ e uma profissão que tinha uma casta muito bem preparada e um contingente enorme de ‘profissionais’ que cumpriam a pauta sem criatividade. Eram burocratas da informação”, critica José Coelho Sobrinho, Chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Eca. Para o professor José Coelho, é possível observar no mercado especialistas que mal sabem articular o pensamento dando opiniões e fazendo entrevistas sobre temas sérios, num profundo desrespeito ao interesse público e aos direitos básicos do cidadão. Eles não agregam nenhum valor à informação para que ela seja considerada efetivamente uma notícia. “Não vejo o mercado orientando a profissão de jornalista. Entendo o jornalismo como uma atividade necessária à sociedade. Perceboo como um direito do cidadão de ser bem informado. E como instrumento que tem no campo ético o dever de disseminar a opinião das pessoas”, disse José Coelho. “Entendo que é necessária a volta da obrigatoriedade do diploma. Contrariamente ao que pregam alguns juristas, políticos e mesmo alguns colegas, foi a regulamentação da profissão que impediu que a ditadura invadisse com seus simpatizantes grande parte das escolas de Jornalismo, algumas Redações e mesmo os Gabinetes do Planalto. Aqui na Eca, por conta da necessidade do diploma para ministrar aulas de Jornalismo, impediu-se que o corpo docente fosse infestado de jornalistas atrelados ao poder, no lugar dos colegas cassados”, destaca ele.

Nos últimos anos foram feitas algumas transformações curriculares no curso de Jornalismo da Eca. José Coelho Sobrinho, porém, não vincula essas ações à extinção da exigência do diploma. Assim, também do ponto de vista acadêmico, minimiza os efeitos da decisão do STF. “As adaptações feitas anualmente são pontuais, sem modificação do projeto político-pedagógico. Está sendo planejada uma mudança para 2013 que trabalha com o conceito de Jornalismo estruturado sobre Ética, Direitos Fundamentais do Cidadão e Interesse Público. O corpo docente do Departamento não considera o Jornalismo uma profissão técnica, estruturada unicamente sobre conhecimentos de regras de redação jornalística, operação de programas de edição e editoração eletrônica, além de saberes enciclopédicos. A diferença entre mídia e Jornalismo é bastante clara para que a profissão não se resuma a isso. Portanto, as mudanças não ocorreram e não ocorrerão por conta da supressão do diploma ou de exigências imediatas do mercado de trabalho. Elas são movidas pelo reconhecimento de que o jornalismo tem um papel importante na formação da cidadania, do progresso social e na defesa dos direitos de informação e opinião.” Para Coelho, cabe às escolas sérias a tarefa de formar profissionais de jornalismo conscientes de seu papel. “Serão eles a oferecer aos leitores informações agregadas de valores socialmente importantes para o aprimoramento das relações humanas. E para que tenham capacidade para fazer esse agendamento e abordem com propriedade os temas eleitos como pauta, é inegável a necessidade de uma formação específica, como acontece com médicos, advogados e engenheiros. E vou além: como queria Freitas Nobre, deveríamos ter uma ordem ou um conselho para a profissão. O direito à liberdade de expressão não passa pela falta de normas. São elas que vão garantir que os cidadãos se expressem por meio de jornalistas comprometidos com a Ética.”

NO SETOR DAS FACULDADES PARTICULARES, UM CENÁRIO DE CRISE Se a procura pelos cursos de Jornalismo nas universidades públicas se mantém estável, a realidade do setor privado é diferente. Com exceção de instituições reconhecidas pela excelência, como a Puc-Rio, é possível perceber redução na oferta de vagas na graduação desta habilitação da Comunicação Social. Em 2009, a Universidade de Uberaba-Uniube e a Universidade Mogi das Cruzes-UMC suspenderam a turma de Jornalismo de um semestre. Já a Faculdade de Campinas-Facamp foi mais radical: decidiu extinguir o curso. Em março de 2010, o Centro Universitário Senac anunciou o fechamento de sua graduação em Jornalismo, menos de nove meses depois de o STF ter derrubado a obrigatoriedade do diploma. De acordo com a instituição, em comunicado divulgado na imprensa na época, o término da graduação se justificou pela desistência de alunos do curso, criado um ano antes, no primeiro semestre de 2009. Os cerca de dez matriculados no Senac, cujo curso tinha mensalidades de R$ 790, foram transferidos para outras instituições. Houve, no mesmo setor privado, quem caminhasse no sentido contrário. Em meio à crise da profissão, desprestigiada com a derrubada do diploma, a Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo lançou sua graduação em Jornalismo, em setembro de 2010. O momento de aparente adversidade, repleto de apreensões, foi visto como uma oportunidade. Uma aposta de que caberá ao mercado a tarefa de reconhecer a qualidade dos cursos e mantê-los – ou não – funcionando. Eugênio Bucci é um dos mais experientes jornalistas brasileiros, dentre os que atuam em veículos de imprensa e no meio acadêmico. No primeiro grupo, soma passagens pela Veja, Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, Superinteressante, Playboy, Quatro Rodas e Radiobrás. Como formador de novas gerações de profissionais, passou pela Usp e pela Cásper Líbe-

ro. Atualmente, coordena um curso de pósgraduação em Jornalismo na ESPM. Com tamanha estrada, é impossível deixar de consultá-lo numa questão delicada. Como explicar a sensação de que os jovens que chegam ao mercado, tendo sido formal e recentemente formados, apresentem, em geral, tantas deficiências? “A explicação é muito simples: há muita escola ruim entre nós. Há, também, disciplinas mais fracas em faculdades com boa reputação. A vida é dura. Uma das medidas mais urgentes para que melhoremos a imprensa no Brasil está justamente nas escolas: é preciso melhorá-las. Eu, pessoalmente, tenho uma proposta para a mudança dos cursos de Jornalismo no Brasil. Eu a publiquei no Observatório da Imprensa há cerca de dois anos (ver boxe na página 6). É muita coisa para mudarmos. Não caberia numa resposta desta entrevista”, avalia. Bucci afirma não ter verificado alterações expressivas nos cursos, ao menos nas escolas com as quais tem contato. “Há oscilações, sim, mas não diria que sejam expressivas. Agora, é bastante natural que as escolas que sobreviviam porque as pessoas precisavam de diploma para exercer a profissão tenham enfrentado mais turbulências. As boas escolas são procuradas porque os alunos sabem que lá aprenderão, se aprofundarão em conhecimentos essenciais para quem quer dedicar a vida à imprensa. Aí, é possível que o nível até melhore”. De qualquer forma, explica Eugênio Bucci, polêmicas à parte, essa não é uma questão central para a sociedade brasileira. “Cada professor tende a ver refletidas nos olhos dos alunos as suas próprias miragens. Como, nesse caso, a minha miragem é uma certa irrelevância da questão – não me parece que a exigência ou não do diploma seja o alicerce da qualidade do nosso ensino e da nossa imprensa – não vejo maiores preocupações quanto a isso entre os meus alunos. Não falamos disso em sala, salvo ocasionalmente. Não formo alunos para serem diplomados, mas para serem bons jornalistas, dotados de boas capacidades intelectuais, mentes autônomas, com gosto pela leitura, pela pesquisa, pelas liberdades democráticas e pela vida em geral.”

MERCADO FICOU MAIS ESTREITO. E AINDA MAIS DIFÍCIL Há, contudo, quem identifique, sim, algumas alterações no mercado de trabalho após a derrubada da exigência do diploma de Jornalismo. “As empresas jornalísticas, evidentemente, se fortaleceram, na medida em que têm à sua disposição um contingente maior de possíveis contratados. O mercado, que já era estreito, se tornou um pouco menor. Mas, o mais importante, na minha opinião, é o impacto psicológico da decisão do STF, atestando a fraqueza dos sindicatos de jornalistas, da Fenaj e da categoria como um todo”, dispara Igor Fuser, Coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e com passagens por veículos como Veja e Época. Ele destaca que os cursos da área, na sua maioria, procuram combinar a formação Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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DIPLOMA TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO

UM NEGATIVO IMPACTO REAL NO IMAGINÁRIO COLETIVO Sobretudo no meio acadêmico, que parece ter sobrevivido à decisão da derrubada da exigência do diploma, prevalece a visão de que o STF agiu como porta-voz dos interesses dos proprietários da mídia, ao confundir a liberdade da imprensa com a liberdade das empresas de comunicação. Afinal, é sabido que a liberdade de expressão, em toda e qualquer sociedade, não se limita à atividade jornalística livre. Depende dela, certamente. Mas vai muito além dos muros das Redações. Em tempos de revolução digital, a informação cada vez mais está ao alcance de todos. E é produzida por todos. Infelizmente, a sentença de 17 de junho de 2009 parece ter surpreendido políticos, jornalistas, professores, entidades de classe e ministros do Governo Federal, além dos próprios órgãos de imprensa e instituições de ensino. Embora houvesse um debate estabelecido sobre o tema, ninguém acreditava na suposta aprovação da derrubada do diploma pelo STF. 6

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DIVULGAÇÃO

específica (em Jornalismo, Publicidade...) com conteúdos ligados à chamada cultura geral e um pouco de teoria das comunicações. “É essa a orientação do Mec e me parece perfeitamente razoável que seja assim. O problema dos cursos de Comunicação passa longe do currículo. Suas deficiências têm a ver, principalmente, com problemas estruturais, ligados à crise da educação no País e ao caráter elitista, conservador e alienante dos meios empresariais de comunicação, onde os formandos, na sua maioria, irão trabalhar, caso consigam emprego.” Igor Fuser lembra que a formação deficiente é um problema que afeta todas as profissões. “Essa deficiência, fortemente sentida no Brasil, se deve sobretudo à baixa qualidade do ensino básico e do ensino médio e à formação cultural precária da ampla maioria da população, inclusive das classes mais privilegiadas economicamente. O Brasil é um país onde se lê muito pouco e onde a atuação dos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, com seu conteúdo alienante e imbecilizante, exerce um efeito altamente nefasto para a formação intelectual e o nível de consciência político-social da quase totalidade da população.” Na sua esmagadora maioria, os alunos da Cásper, mais uma instituição que não registrou queda na procura pelo curso de Jornalismo, são a favor da obrigatoriedade do diploma. E acham um absurdo que ‘qualquer um’ agora possa exercer a profissão. Mas, revela Igor, esse assunto tem permanecido muito distante das discussões nas salas de aula e dos eventos que ocorrem na Faculdade. De modo geral, estudantes e professores consideram a queda do diploma como um fato consumado. “Acho que de modo algum os bons cursos de Jornalismo correm risco de extinção. Para quem pretende se tornar um jornalista, o melhor caminho ainda é o de cursar a graduação em Jornalismo. Essa é uma verdade que independe da obrigatoriedade do diploma. Há um amplo consenso em torno dessa idéia.”

Eugênio Bucci, que coordena o recémcriado curso de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing: Não formo alunos para serem diplomados, mas para serem bons jornalistas.

Diretrizes curriculares: sete fundamentos No artigo “As faculdades de jornalismo e seu conteúdo”, publicado no Observatório da Imprensa em 26 de maio de 2009, Eugênio Bucci discorre sobre as dificuldades de rever as diretrizes curriculares dos cursos de jornalismo. Segundo ele, a imprensa cumpre uma função indispensável à democracia. “Nesse sentido, a formação dos jornalistas deve se organizar em torno do projeto de formar profissionais capazes de entender, criticar e exercer a fiscalização do poder, de modo independente, comprometida com a verdade dos fatos e com o livre trânsito das idéias e opiniões as mais diversas”. A partir dessa perspectiva, Bucci afirma que os conteúdos oferecidos pelos cursos de Jornalismo devem “se articular em torno de sete eixos”, que o Jornal da ABI reproduz a seguir. Para ler o artigo completo digite o endereço goo.gl/Ld2pe em seu navegador da internet e veja a página correspondente no site do Observatório da Imprensa.

1. LINGUAGENS No eixo das Linguagens, proponho o estudo do estilo, da retórica e da lógica no texto, tanto em ficção como em não-ficção. Aí, também, incluo as linguagens audiovisuais e as técnicas da era digital, que o estudante deve conhecer, compreender e dominar na prática. Já não há sentido na divisão esquemática, hoje ainda em voga nas faculdades, que põe de um lado a disciplina de "Jornalismo impresso" e, de outro, o "Jornalismo online". Ainda nesse mesmo eixo deveriam comparecer a estatística e a matemática elementar. Em apoio a esse primeiro eixo, teríamos oficinas práticas de gramática e de línguas estrangeiras.

2. DEMOCRACIA E LIBERDADE Em Democracia e Liberdade, a partir de matérias vindas do Direito e da Ciência Política, o aluno conheceria os fundamentos da democracia, o funcionamento dos poderes e a administração pública. Direitos Humanos, cultura da paz, políticas públicas, transparência e terceiro setor ocupariam lugar

de destaque no programa. Legislações de imprensa e História da Imprensa seriam estudadas também aqui.

3. ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO Penso que os Estudos da Comunicação, que vários especialistas consideram um campo estranho ao jornalismo, não podem faltar na formação de bons profissionais. Embora possam ser vistos também no eixo das Linguagens, os temas deste terceiro eixo merecem atenção à parte. Não há muito como escapar: a reflexão sobre os processos comunicacionais mora no âmago da consciência profissional.

4. HUMANIDADES Todos afirmam, com razão, que o bom jornalista vem de uma boa formação humanística. A questão é como sistematizar e modelar essa formação. Assim, as Humanidades, no currículo das faculdades de Jornalismo, deveriam produzir uma primeira síntese a partir do qual o estudante fosse capaz de mapear esse conhecimento e prosseguir seu aprendizado mais adiante. História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia (e a Ética), Psicologia e outras entrariam aqui.

5. REPORTAGEM Nesse eixo essencialmente prático, e de longa extensão durante o curso, o aluno se iniciaria em técnicas de apuração, contato qualificado com as fontes, investigação de contas públicas e da conduta de autoridades etc.

6. CULTURA E CRÍTICA Em Cultura e Crítica seriam vistos, em destaque, as artes, as práticas culturais e sua compreensão crítica. Naturalmente, haveria um forte entrelaçamento entre este e os eixos 1, 3 e 4.

7. GESTÃO E NEGÓCIO Por fim, e aqui contrariando Pulitzer, penso que o jornalista precisa ter noções sobre governança, planejamento e liderança de equipe logo em sua primeira formação. Isso o ajudará, mais tarde, a empreender novas idéias.

Num primeiro momento – há vários relatos de professores neste sentido – os alunos dos cursos de Jornalismo ficaram bastante aturdidos. Felizmente, muitos sabem da importância dos estudos científicos acerca da Comunicação Social e o papel da mídia. A maioria permaneceu nos cursos. Não todos. “Penso que o processo de extinção da exigência do diploma desestabilizou os cursos, no sentido de que a procura por eles, principalmente nas universidades privadas, passou a ser medida pela relação custo-benefício. Não alterou o interesse, mas prejudicou no sentido de que as famílias passaram a resistir à idéia de pagar por algo que não teria mais valor, teoricamente, no mercado. A decisão do STF atingiu, sim, o imaginário das pessoas”, lamenta Rosana Cabral Zucolo, formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde também fez o mestrado, e aluna de doutorado da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), na também cidade gaúcha de São Leopoldo. Rosana é professora no curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano, na mesma Santa Maria, curso por ela projetado, no ano de 2001. Foi responsável, ainda, pelo projeto do curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia, em Salvador, no ano 2000. Tamanha bagagem acadêmica lhe permite discordar dos demais entrevistados desta reportagem em, pelo menos, um ponto. “As faculdades não foram pegas de surpresa, não. Penso que ninguém foi. A questão estava sendo anunciada. O que faltou foi articulação entre jornalistas e instituições de ensino superior, que poderiam ter desenhado a defesa dos seus cursos em instâncias maiores.” Na opinião de Rosana, os jornalistas continuam encontrando um mercado inchado e com aproveitamento dos profissionais formados, preferencialmente. Ao menos no âmbito das cidades de médio e grande porte. “Na realidade, o jornalismo está mudando e as causas não remetem ao fim do diploma. É preciso ter uma visão histórica desses processos em que ele está imerso. Não acredito que muitos cursos serão extintos. Acredito que deverão se adaptar, não ao fim do diploma, mas às novas realidades que se impõem. A sociedade muda rapidamente, são mudanças tecnológicas. E elas acarretam alterações profundas no modo de ser e fazer jornalismo. É preciso estar atento a isso e buscar alternativas, tanto na formação da graduação, quanto na pós-graduação.” Alternativas que, por vezes, esbarram nas características intrínsecas às novas gerações de crianças e adolescentes: “A dificuldade do meio acadêmico é também sobre ‘como’ ensinar. Penso que temos aí uma questão geracional. As novas gerações – no mundo todo, e não apenas no Brasil – têm apresentado outras formas de aprender. Vive-se o tensionamento entre um modo mais clássico de estudar e uma realidade onde a leitura, a paciência e a capacidade de escuta têm sido secundarizadas, sobretudo ao se priorizar o imediatismo, a velocidade, a liquidez. Achar a via possível entre esses dois pólos é o nosso desafio.” Colaborou Mário Boechat.


REPRODUÇÃO

MEMÓRIA

Marcão, um escultor de textos O estilo irretocável da seleção de reportagens do fundador do jornal alternativo Versus, morto em 1999, com apenas 46 anos. POR RODOLFO KONDER

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arcos Faerman, o amigo Marcão, esculpia suas histórias com precisão meticulosa. Era um escultor de textos. Um repórter atento, competente e dominado por saudáveis inquietações. Em seus trabalhos havia sempre espaço generoso para a presença subjetiva do homem, do observador inconformado que, a golpes de um cinzel implacável, fazia emergir a dura realidade dos oprimidos, dos marginalizados, dos perseguidos. Mas Marcão não os via de longe, como alguém na platéia fria, diante de personagens que desfilam na penumbra do palco. Não. O repórter também tinha a sua história de homem perseguido, como judeu e como militante político. Por isso mesmo esculpia com carinho, escolhia as palavras, selecionava adjetivos, montava frases. Gostava de afagar os tipos que povoavam suas reportagens. Fazia um jornalismo denso, capaz de revelar realidades extremamente complexas, obrigando os leitores a inquirir, a questionar o mundo que nos cerca. O painel fantástico que ergueu com o seu empenho nos faz lembrar um Rulfo, um Arreola, um Fuentes, naquilo que a literatura latino-americana tem de mais contundente – o seu compromisso com o ser humano, com a liberdade, com a vida.

Entre os livros que ele nos deixou está uma coletânea de belas reportagens: Com as Mãos Sujas de Sangue. Marcão nos conta como o corpo de uma moça despencou do sexto andar de um prédio na Baixada do Glicério. Ele acompanha a Polícia até o quarto da moça, onde “vêem uma boneca de pano na parede, violão na cama, uma tv, máquina de tricô, laranjas e peras numa cesta de vime, poltronas vinho de curvin, dois pares de chinelos”. Depois, Marcão descreve como o vigia de um banco matou com um tiro no peito um jovem assaltante que “ficou caído no meio de vidros sujos de sangue, a cabeça voltada para o chão, a barriga aparecendo entre a camisa azul e a calça bege amarrotada”. Um detalhe: os cordões dos sapatos do morto estavam amarrados nos calcanhares para que pudesse fugir mais depressa depois do planejado assalto ao banco. O repórter tira o sono da gente contando como a Polícia fuzi-

A capa do número 1 do jornal Versus, ilustrada por Luiz Gê.

lou, de maneira impiedosa, um rapaz que gritava “eu não sou marginal, não me matem”. Os policiais atiraram. O corpo de Jaime Nunes ficou caído no meio da rua, esguichando sangue. Ele morava num quartinho da Vila Miriam e tinha acabado de dar baixa no Exército. As reportagens são de autor. Matérias de interesse humano, como dizemos em jargão jornalístico. Em todas elas, porém, há mais do que fatos. Há sofrimento, há solidariedade. Há espaço para o subjetivismo honesto do autor. Há palavras selecionadas com carinho, adjetivos escolhidos com a meticulosidade de um ourives. “Estamos diante de uma obra que, ao apontar para a fragilidade da fronteira entre o fato e a ficção, entre o imaginário e o real, abre-se para vários níveis de leitura”, diz o poeta Cláudio Willer no prefácio. Com as Mãos Sujas de Sangue é um canto de amor aos perseguidos. Marcão – vítima, ele também, de lamentáveis perseguições, conhecedor atávico do drama de todos os perseguidos, de todos os desalojados, de todos os errantes e de todos os explorados – coloca-se por inteiro ao lado dos oprimidos, com sua força de repórter e escritor. E, ao fazer isso, caminha com a História. RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.


Aconteceu na ABI

Ação contra a corrupção deve incluir seis metas iniciais Reunidos com diretores e conselheiros da Casa, os Senadores Pedro Simon e Randolfe Rodrigues expõem propostas para tornar mais eficaz a mobilização nacional contra a corrupção e a impunidade. FOTOS AVANIR NIKO

“Estamos vivendo uma crise muito grande na política. Os grandes jornais, como O Globo, já não vendem. O problema imediato é a violência que tomou conta do Brasil. Tenho medo de sair na rua. Nada impede que alguém apareça e, por uma carteira, me mate. O problema do Brasil é a violência. Não tenho nenhuma confiança no Congresso, que não é representativo e só faz oposição ao que é Governo. O Diretor Cultural Jesus Chediak também sublinhou o viés político da corrupção: “Tudo isto acontece porque o neoliberalismo assumiu o controle do poder político de tal forma que o cidadão, o leitor, que tem história, identidade, responsabilidade, se transformou em consumidor. E essa é a questão central. O poder econômico desmoralizou sistematicamente o poder político.”

POR CLÁUDIA SOUZA Diretores e Conselheiros da ABI reuniram-se no dia 6 de setembro com os Senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues(Psol-AP) para discutir as principais ações do Movimento contra a Corrupção e a Impunidade. Entre os objetivos principais, ganharam destaque as propostas de (1) declaração do crime de corrupção como hediondo; (2) aumento da pena inicial para o crime de corrupção, atualmente de dois anos; (3) aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2012; (4) celeridade no julgamento de casos envolvendo crimes de corrupção; (5) fim do voto secreto legislativo em todas instâncias; (6) fim das emendas parlamentares individuais. A frente de “Ações contra a Corrupção e Impunidade no País”, que defende a “limpeza da Administração Pública”, foi lançada no dia 23 de agosto em audiência pública no Senado, convocada a partir de requerimento proposto pelo Senador Pedro Simon e por seus colegas Paulo Paim (PT-RS), Cristovam Buarque (PDT-DF), Luiz Henrique (PMDB-SC), Ana Amélia (PP-RS), Eduardo Suplicy (PT-SP), Mozarildo Cavalcânti (PTB-RR), Randolfe Rodrigues, Pedro Taques (PDT-MT), Marcelo Crivella (PRB-RJ) e Casildo Maldaner (PMDB-SC). Diversas entidades participam da mobilização, entre as quais a ABI, a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, e a Universidade de Brasília-UNB, que apoiaram a Marcha Contra a Corrupção realizada no dia 7, quando se comemorava o Dia da Independência do Brasil, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A Marcha foi organizada pela sociedade civil através das redes sociais e incluiu manifestações em vários Estados. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, recebeu os Senadores Pedro Simon e Randolfe Rodrigues na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício sede da ABI, onde foi realizada a reunião de definição da agenda política da frente de “Ações contra a Corrupção e Impunidade no País”. Entre os representantes da ABI estiveram presentes o Vice-Presidente, Tarcísio Holanda, o Presidente do Conselho Deliberativo, Pery Cotta, o Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak, o Diretor Econômico-Financeiro, Domingos Meirelles, a Diretora de Assistência Social, Ilma Martins da Silva, o Primeiro e Segundo Secretários do Conselho Deliberativo, Sérgio Caldieri e Marcus Miranda, o Coordenador de Publicidade e Marketing, Francisco Paula Freitas, e o Conselheiro Villas-Bôas 8

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Sempre contundente em sua condenação à corrupção, o Senador Pedro Simon defende uma mudança radical de costumes: Vamos acabar com essa história de o Brasil ser o país do jeitinho.

Corrêa, decano do jornalismo político brasileiro. O debate contou com a participação expressiva dos Conselheiros Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Bernardo Cabral, Nacif Elias Hidd Sobrinho, José Pereira Filho, Lêda Acquarone, Maria Inês Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Miro Lopes, Moacyr Lacerda, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) e Pinheiro Júnior. O Presidente da ABI deu início à atividade saudando os presentes: “Para nós é um motivo de grande alegria tê-lo aqui, Senador Pedro Simon, cuja trajetória de militância e de luta acompa-

Maurício Azêdo: Pesquisa recente mostra que 96% dos casos de violência não são apurados nem esclarecidos.

nhamos há algumas décadas, e também o Senador Randolfe Rodrigues, o advogado Marcelo Cerqueira, companheiro de Vossa Excelência em muitas lutas, além de militante nas causas nas quais os jornalistas se empenharam ao longo das quatro últimas décadas.”

SIMON: “O BRASIL CHEGOU AO FUNDO DO POÇO” Pedro Simon destacou a importância de iniciar na ABI as ações do movimento contra a corrupção: “Gostaria de agradecer o carinho de Maurício Azêdo e dizer que admiro a sua biografia, a sua história e a sua luta. Fizemos questão absoluta de fazer esta reunião na ABI. Desejamos que esta caminhada se transforme em uma discussão muito grande. O Brasil, em termos da ética e moral, chegou ao fundo do poço. Esse movimento de renovação nasceu com a Presidente Dilma, pois Lula fez um grande Governo no campo da ética, mas no campo do combate à corrupção deixou muito a desejar. Criamos uma CPI, mas o Governo não agiu. Vejo com muita alegria o que está acontecendo hoje nas redes sociais, na internet, a começar pelo mundo árabe. E vale lembrar que as redes sociais estão mobilizando a população também no Brasil. Amanhã teremos a Marcha Contra a Corrupção. Se nós caminharmos juntos, vamos fazer um grande Governo, e a ABI terá importante participação. Vamos terminar com esta história de o Brasil ser o país do jeitinho.” O jornalista Villas-Bôas Corrêa expressou preocupação com o enfraquecimento da política e o aumento dos casos de violência no País:

“O FUNDAMENTAL É A MOBILIZAÇÃO” O Senador Randolfe Rodrigues grifou a pauta da luta contra a corrupção e a impunidade para o resgate da confiança na política e salientou o papel da ABI na condução do processo: “As principais mobilizações da sociedade brasileira dos últimos 30 anos, como o fim da ditadura, a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, as Diretas Já, o impeachment do Presidente Collor, e, recentemente, as duas concretas reformas política, são exemplos a serem seguidos. A nossa expectativa é em torno desta mobilização, sob a liderança do Senador Pedro Simon no Senado. Os jornais estão noticiando o combate à corrupção, que está unindo políticos de governo e de oposição. Precisamos lutar porque com apenas uma dúzia de Senadores comprometidos com essa causa não teremos nada. Por isso, Villas-Bôas Corrêa, concordamos com o senhor e podemos dizer que iniciamos um movimento que não é governo nem oposição, é de combate à corrupção. Temos uma CPI circulando, mas o fundamental não é ter a CPI, e sim uma mobilização contra a corrupção, com o apoio da OAB, CNBB, ABI, onde estamos hoje. O fato de a primeira reunião ser na ABI já é um bom sinal, pois o movimento das Diretas Já começou aqui, assim como a luta contra o regime militar em 1964, com Barbosa Lima Sobrinho. Daqui da ABI saíram os principais movimentos pela cidadania do Brasil nos últimos anos.” Em seguida, o Senador listou os pontos principais do movimento: “Na reunião de ontem com representantes da CNBB, OAB e ABI surgiram alguns temas fundamentais, como o crime de corrupção ser declarado crime hediondo; a lei para garantir que órgãos


FOTOS AVANIR NIKO

Villas-Bôas Corrêa (primeiro à esquerda) confessou que se sente inseguro ao andar pelas ruas do Rio. O Senador Randolfe Rodrigues, os jornalistas Pery Cotta e Jesus Chediak e o advogado Marcelo Cerqueira consideram que a impunidade alimenta a violência.

públicos tenham transparência nas suas contas públicas; a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que está sob risco. Agora em outubro, o Supremo Tribunal Federal vai julgar a constitucionalidade para 2012. Isso é importante porque é uma conquista da sociedade. Temos que ampliar a Ficha Limpa para cargo eletivo e cargo em comissão. O crime de corrupção também precisa ter prioridade no julgamento.” A absolvição da Deputada Jaqueline Roriz(PMN-DF), que aparece em um vídeo recebendo dinheiro do delator do escândalo do Mensalão do Dem, Durval Barbosa, foi um exemplo de corrupção citado pelo Senador: “Na semana passada, a Câmara dos Deputados protagonizou um escândalo inocentando uma deputada. Todos viram que havia dinheiro público envolvido. Na hora do julgamento, cinco deputados falaram sobre a cassação do mandato e apenas um fez a defesa. Mas, no resultado final, 266 deputados votaram contra a cassação e 160 votaram a favor. Na hora do voto, que é secreto, triunfou a impunidade. Então, o voto secreto no Legislativo tem que acabar. O parlamentar deve prestar conta dos seus atos.”

AS EMENDAS, FORMA DE ENRIQUECER O aspecto econômico na origem da corrupção política foi destacado também por Tarcísio de Holanda, Vice-Presidente da ABI: “A emenda parlamentar foi a forma encontrada pelos parlamentares para retribuir favores, a verba que um grupo econômico deu para a campanha eleitoral. Não são poucos os que enriquecem dessa forma. São emendas para a construção de estradas, grandes hidrovias, portos, aeroportos. Essa campanha contra a corrupção é elogiável, mas pode se perder se não tiver objetivos concretos, se não partir para soluções que representem o combate à corrupção, que no Brasil está em um nível muito acima do tolerável. O que vemos é um desvio descarado de recursos públicos, enquanto a maioria da população vive miseravelmente, sem acesso à educação, à saúde. Todo mundo sabe como se processa essa relação promíscua.” A participação da imprensa no combate à corrupção e à impunidade será essencial, na opinião de Pery Cotta: “Essa bandeira que o Senador Pedro Simon está empunhando, essa caminhada que os senhores Senadores estão iniciando, tem todo o apoio da ABI, porque é fundamental para o desenvolvimento do País.

Portanto, podemos iniciar esse movimento colaborando com ele, a despeito de partidarismos ou tendências. Esses ideais representam os valores humanos, eu diria até espirituais. Não podemos deixar de dar o total apoio da ABI e, como alguns colegas sugeriram, tentar definir tópicos para desdobrarmos essa campanha.”

CORRUPÇÃO, UM MEIO DE DOMINAR O Diretor Domingos Meirelles assinalou o avanço da corrupção no Brasil no contexto da disputa de classes: “A corrupção não é só uma questão que deve ser condenável do ponto de vista ético ou moral, pois é, na verdade, um instrumento político de dominação de uma classe sobre as demais, que são as elites que utilizam a corrupção como instrumento de consolidação do poder sobre as outras clas-

ses sociais. E isso acaba se espalhando por todo o tecido social. Na última segundafeira, assisti a um documentário que foi exibido na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, extraído de fragmentos de matérias exibidas na televisão nos últimos 15 anos sobre a chacina de Vigário Geral. Havia uma fala de um ex-policial militar preso pelo envolvimento no caso. Ele foi ouvido pelos juízes e depois levado para a cela, onde fez um pronunciamento brilhante sobre a sociedade e a corrupção; um desabafo que me impressionou. Este material foi comprado por uma emissora de tv. O crime é uma atividade ilegal que tem o objetivo de gerar lucro. É preciso ter um olhar diferenciado sobre essas questões e não ficar repetindo a crítica com viés de natureza moral e ética. É preciso entender essas questões à luz da própria sociedade.”

Ação anticorrupção exige atos concretos A eficiência no combate à corrupção exige “modificações reais, concretas” no âmbito dos Três Poderes da República, reclama a declaração firmada nesta terçafeira, 7 de setembro, pela Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB e a ABI, após reunião realizada na véspera em Brasília, como parte das articulações da luta pela ética na administração pública intitulada “O Brasil em movimento contra a corrupção”, diz a declaração: “A corrupção, que em nosso País se alastra como uma pandemia e ameaça a credibilidade das instituições e do próprio sistema democrático, impõe à sociedade civil organizada uma reação que não pode se esgotar em discursos ou manifestações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) trazem seu apoio à MARCHA CONTRA A CORRUPÇÃO para cobrar modificações reais, concretas, nas esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário capazes de eliminar toda e qualquer forma de prática nociva ao interesse público, de romper vícios perniciosos em nosso sistema eleitoral e de assegurar que a máquina governamental funcione com transparência. Para tornar vívido o sentimento de

independência em cada brasileiro, devem os poderes eleger PRIORIDADES que reflitam a vontade da população, destacando-se, no Executivo, a necessidade de maior transparência nas despesas, a efetiva aplicação da lei que versa sobre esse tema, bem como a aplicação da “Lei da Ficha Limpa” aos candidatos a cargos comissionados, que também deveriam ser reduzidos. No Legislativo, a extinção das emendas individuais ao Orçamento, a redução do número de cargos em comissão, o fim do voto secreto em todas as matérias e uma reforma política profunda, extirpando velhas práticas danosas ao aperfeiçoamento democrático. No âmbito do Judiciário e do Ministério Público, agilidade nos julgamentos de processos e nos inquéritos relativos a crimes de corrupção e improbidade por constituírem sólida barreira à impunidade, bem como o imediato julgamento da ADC sobre a Lei Complementar n° 135/2010 (Ficha Limpa). Acima de ideologias e de partidos, o enfrentamento da corrupção no Brasil exige coragem, determinação e comprometimento ético, sem os quais não construiremos uma verdadeira democracia. Brasília, 7 de setembro de 2011 Ordem dos Advogados do Brasil Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Associação Brasileira de Imprensa.”

“VAMOS VENCER A IMPUNIDADE” Maurício Azêdo advertiu para a crescente relação impunidade-violência no País: “Esta questão da violência assinalada por Villas-Bôas Corrêa, que encontra correspondência no noticiário recente da imprensa, é também uma discussão sobre a impunidade. Os jornais do Rio de Janeiro desta semana apontam que 96% dos casos de violência e de crimes não são apurados nem esclarecidos pelas autoridades de segurança, segundo levantamento feito pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado. E Vossa Excelência, Senador Pedro Simon, tinha abordado no início da discussão a questão da impunidade, que é a matriz de todo esse assalto ao qual nós assistimos em relação ao dinheiro público. Ficou claro na audiência pública que Vossa Excelência comandou na Comissão de Direitos Humanos que temos pelo menos 40 ou 50 pontos que mereceriam o nosso exame, o nosso interesse, a nossa aplicação e também a nossa intervenção e a nossa divulgação em relação à eficácia dessa campanha de combate à corrupção. Eu pergunto, então, a Vossa Excelência: se estivesse em uma Redação, nesse momento, inclusive em decorrência desta concorrida reunião, qual Vossa Excelência acha que deveria ser o centro imediato da nossa intervenção?” Pedro Simon defendeu a participação da sociedade e do Governo para a reconquista da moralidade: “A Presidente Dilma precisa avançar no combate e ter cobertura dos parlamentares para não atirar no vazio. Precisamos ampliar esse leque de pessoas que vão dar cobertura para o fim da impunidade. Vamos escolher os tópicos exatamente como aconteceu com a Lei da Ficha Limpa e mobilizar a sociedade inteira, não a favor de partido, nem a favor de A ou de B, mas a favor dos princípios que regem a OAB, a ABI e a CNBB. A imprensa vai publicar e dar início à mudança. Vamos recolher milhões de assinaturas, como aconteceu na Lei da Ficha Limpa, que seguirão para o Congresso, e nós votaremos. A Lei da Ficha Limpa passou porque reuniu 1 milhão e 500 mil assinaturas em um projeto de iniciativa popular, além dos 4 milhões de assinaturas em solidariedade à causa. Em outras palavras, nós, parlamentares, agimos sob a pressão social. Com o apoio de todos, vamos vencer a luta contra a corrupção e a impunidade.” Colaboração de Renan Castro, estudante de Comunicação, estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.

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Aconteceu na ABI

A MÍDIA ABANDONOU A DANÇA A ABI abre o debate sobre grave empobrecimento cultural no País: o desaparecimento da crítica de dança clássica na imprensa. Em todo o Brasil há apenas três especialistas em atividade. POR CLÁUDIA SOUZA A ABI iniciou no dia 13 de setembro o Seminário A ABI Pensa a Dança, que foi aberto por uma exposição de uma das maiores personalidades do balé clássico no País, a coreógrafa Dalal Achcar, ex-Diretora do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e especialista de renome internacional. De forma didática, Dalal Achcar expôs a situação da dança entre nós, mostrando seu abandono pela mídia. Ao contrário do que ocorria até os anos 1950-1960, em que os grandes jornais diários mantinham críticos especializados, atualmente o ofício de informar os leitores está restrito a um número muito baixo: no Rio de Janeiro, que se proclama “capital cultural do País”, há apenas um crítico de dança em atividade na imprensa. No Brasil todo são três: esse do Rio, um em São Paulo e outro em Minas Gerais. A intervenção de Dalal foi fundo no aspecto que motivou a organização do Seminário, cujo objetivo é discutir a mídia como espaço privilegiado de informação e valorização da dança. Jornalistas, pesquisadores e grandes nomes da dança participaram do debate, transmitido ao vivo pelo site idanca.net. Além de Dalal Achcar, participaram de debates a Professora da Universidade Federal Fluminense-Uff, Beatriz Cerbino e a jornalista Giselle Ruiz, pesquisadora da Escola de Belas-Artes da UFRJ, que enriqueceram o conhecimento do tema com informações sobre os estudos e pesquisas que realizaram. O jornalista Domingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro da ABI, mediou a discussão, promovida pela Diretoria de Cultura e Lazer da ABI. Na abertura do encontro, Domingos Meirelles sublinhou o compromisso histórico da ABI com os movimentos culturais: “A ABI tem uma tradição cultural ao longo de toda a sua existência. Todos os movimentos de cultura de certa forma passaram pela ABI, que sempre foi freqüentada por grandes nomes da música e da cultura. Nos anos 1940 era comum a realização de vernissages na ABI. Grandes nomes do teatro, como Mário Lago, Procópio Ferreira e Rodolfo Maia freqüentaram a Casa. O compositor e maestro Vila-Lobos era nosso vizinho da

Rua Araújo Porto Alegre e fazia parte da turma que jogava sinuca e bilhar-francês no 11º andar, onde funciona o espaço social da ABI. A renomada pianista Guiomar Novaes também tinha grande apreço pela ABI, à qual doou o seu piano quando se aposentou. O piano está no palco do Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar, onde há cerca de seis anos Arthur Moreira Lima se apresentou em um recital comemorativo ao aniversário desta Casa. Entre uma música e outra, Arthur Moreira Lima fazia comentários agradáveis, até que, muito emocionado, parou de tocar e revelou a forte emoção que sentia no palco da ABI, onde ele fez o seu primeiro recital aos oito anos de idade. Ele disse isso com os olhos banhados de emoção.” Em seguida, Domingos fez a apresentação dos participantes do debate: Dalal Achcar, bailarina e coreógrafa, foi Diretora Artística do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e ocupou por duas vezes a Presidência da Fundação Teatro Municipal. Dalal fundou a Associação de Amigos do Teatro Municipal, a primeira do gênero do País; na Presidência da Fundação Teatro Municipal, criou a série Educação com Arte, com espetáculos exclusivos de ópera e balé para a platéia de estudantes da rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Dalal criou também o primeiro curso superior de formação de professores de dança no País. Foi condecorada pela Rainha Elizabeth II com a Order of the Brittish Empire e pelo Ministério da Cultura com a Ordem do Rio Branco e a Ordem do Mérito Cultural. O Governo do Distrito Federal a agraciou com a Medalha do Mérito da Alvorada. “Nossa outra debatedora é Beatriz Cerbino, Professora da Uff, no curso de Produção Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte. Graduada em licenciatura em Dança pela UniverCidade, mestre em Comunicação e Semiótica pela Puc de São Paulo e doutora em História pela Uff. Também faz parte da mesa de debates Giselle Ruiz, formada em Jornalismo na Puc-Rio, pesquisadora do Centro de Cultura e Ação da Rede Globo. Escreveu vários artigos para jornais e revistas e especializou-se em balé clássico”, disse Domingos.

Domingos Meirelles fez a apresentação da Professora Beatriz Cerbino e da jornalista Giselle Ruiz.

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FOTOS RENAN CASTRO

Dalal Achcar: Dificuldade para doar um grande acervo reunido durante seus 40 anos de carreira.

Dalal: Somos um país sem memória. Hoje são estagiários que escrevem sobre dança Ao abrir o debate, Dalal Achcar ressaltou a importância das ações voltadas para a preservação da memória histórica e cultural no Brasil: “Um País que não tem memória não tem História. Os jovens não sabem quem foi Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck. As pessoas têm informação demais sobre o desenvolvimento tecnológico em detrimento de outros valores humanos, o que cria um problema especialmente para a juventude que vive o hoje como se não houvesse o amanhã. Neste cenário de imediatismo falta espaço para a memória. Em 40 anos de carreira consegui reunir um grande acervo e há cerca de quatro anos estou lutando para doá-lo. Doação no Brasil é muito difícil, porque para manter tem que ter dinheiro e o País não tem o hábito de manutenção. Já recebi muitos pedidos de pessoas interessadas neste volume de informação, entre as quais pesquisadores e historiadores. O acervo reúne 44 mil clippings de jornais sobre a História da Dança no Brasil, 3 mil livros, 2 mil revistas e outras publicações, músicas e partituras. Estou lutando para digitalizar o material e depois criar um centro de cultura e pesquisa da dança. É preciso cultivar a memória.” Dalal Achcar falou sobre o papel da crítica e o espaço dedicado às artes na imprensa: “No mundo inteiro o número de críticos de dança está reduzindo. Havia muitos críticos de dança quando comecei a estudar balé, assim como havia vários jornais. Atualmente, no Rio de Janeiro existe um jornal importante e os demais estão desaparecendo. No meu acervo, por exem-

plo, há material de cinco jornais: Diário de Notícias, Última Hora, Jornal do Brasil, O Globo e Correio da Manhã. Em todos eles, inclusive na Tribuna da Imprensa, havia críticos de dança, música, ópera, todos especializados. Hoje, com pequenas exceções, as pessoas que têm espaço para escrever críticas ou artigos, em geral, são jovens estagiários. Porque o jornal não quer pagar salário, e estes jovens estagiários saem da faculdade sem vivência, sem leitura. Eles não sabem sobre o que estão escrevendo, não sabem a origem do balé russo, de onde que veio. Vão lá e entrevistam como se entrevista um cantor de rock, que chegou de passagem por aqui. A dança, a música e o teatro são inerentes ao processo da nossa civilização, da nossa cultura, não são coisas passageiras. De vez em quando o jornal dá mais espaço e convida uma pessoa que sabe escrever, que entende do assunto. Outras vezes você vê observações e críticas incompreensíveis. Excetuando as grandes obras já conhecidas, clássicas ou contemporâneas, é muito difícil fazer a crítica, justamente porque estamos vivendo um período de desconstrução de tudo aquilo que a sociedade tinha estabelecido, em busca de um novo milênio, de uma nova forma.” Ainda sobre a crítica, Dalal sublinha as mudanças de paradigma no cenário global: “Tudo o que está inserido dentro da arte e da cultura dos séculos 19 e 20 está sendo desconstruído. Estamos vivendo um período muito difícil para a crítica. Criticar deve ser uma maneira para ajudar a construir caminhos. Já tivemos uma crítica que derrubava uma temporada.


Uma crítica da Broadway, por exemplo, poderia acabar com um espetáculo. Hoje em dia, as críticas podem ser muito ruins, mas a obra continua fazendo sucesso, a massa vai assistir. Isso quer dizer que o crítico é ruim? Não, quer dizer que o crítico tem que perceber que estamos vivendo outros tempos, é preciso entender como as pessoas querem ver coisas”. Dando seqüência ao debate, Domingos Meirelles chamou a atenção para os possíveis estereótipos que cercariam a dança clássica no Brasil: “Pergunto se a dança clássica seria vítima de um certo preconceito por parte do poder, sendo vista como um luxo, uma coisa da alta burguesia, de refinamento. Há algum tempo, eu estava fazendo uma reportagem sobre outro assunto quando fui levado ao Teatro Bolshoi, em Santa Catarina. Fiquei perplexo com as instalações. Eu não acreditei que estivesse no Brasil quando entrei naquele salão. A senhora acha que o Estado teria uma parcela de culpa neste quadro desalentador da dança no País?”, Dalal respondeu: “As grandes obras clássicas têm público certo, vivem lotadas. Um país do tamanho do Brasil tem que atender a várias demandas, como educação e saúde, que são básicas para que o povo possa viver e pensar. Não é só no Brasil, mas em todos os países em desenvolvimento a cultura é o último ponto a ser promovido. Acho que a nossa sociedade é muito alienada, não tem cultura suficiente, e não é apenas culpa do Governo, porque os nossos empresários pensam que é mais fácil fazer uma Lei Rouanet para quem você já sabe que vai ser sucesso do que dar oportunidade para um jovem numa companhia de dança ou de música. Você não pode arriscar, afinal os acionistas estão querendo resultados. Antigamente havia a figura dos mecenas, pessoas que tinham gosto pela música, pintura ou dança, que davam dinheiro, participavam dessa comunidade. Hoje em dia, os mecenas são os jovens que vão tomar conta das empresas e têm que apresentar resultados para os acionistas, são cobrados o tempo todo. Por isso não surgem coisas novas. Surgem apenas tecnologias novas. Nós atravessamos uma década com espetáculos nos quais os destaques eram os efeitos técnicos e visuais. Na Broadway, o espetáculo mais humano foi o Rei Leão, com um trabalho de corpo e texto maravilhoso.” Apesar dos impasses, Dalal Achcar acredita na ampliação dos projetos de incentivos à dança no Brasil e no apoio ao desenvolvimento dos artistas: “Apesar das dificuldades, estamos retornando à dramaturgia, à essência do homem. Sou muito otimista e acho que o Brasil vai ocupar na dança, ainda neste século, a projeção da Rússia nos séculos 19 e 20. Temos valores, talentos e criatividade. Precisamos de apoio e de mais informação. Com isso, o Brasil vai obter na dança o mesmo sucesso do futebol. Precisamos nos preparar para educar os jovens, abrindo os museus, por exemplo. Na última exposição de Monet, tivemos longas filas de estudantes. O Rio de Janeiro é uma cidade voltada para o turismo cultural e o lazer. Se soubermos aproveitar esta oportunidade, seremos o centro cultural mais importante da América Latina, que até o momento é Buenos Aires. Há mais de 40 anos os argentinos fazem exposições em Nova York, Paris e Londres. Os brasileiros estão aparecendo agora. Espero ver o Brasil chegando lá’.

Cerbino: Jacques Corseuil, o primeiro crítico, defendia a idéia de um balé nacional Em seguida, Beatriz Cerbino destacou a importância da imprensa como fonte de pesquisa para a História da Dança no Brasil, e também lamentou a escassez de críticos de dança no País: “É muito importante num evento como este fazermos uma reflexão sobre a questão da memória. O projeto virtual wikidança é muito interessante neste sentido, pois reúne nomes importantes da dança no Brasil. Além da falta de projetos de resgate da memória, há também escassez de críticos de dança. No meu doutorado e na minha pesquisa atual no CNPq, analiso as críticas de dança como fontes de construção dessa memória. É fundamental entender o olhar que lançamos para as críticas, para matérias e outros textos publicados nos periódicos cariocas nas décadas de 1940 e 1950. Esse é o meu recorte temporal, mas precisamos olhar para todas as décadas. É fundamental acessarmos esta parte da História para entendermos o que é a dança hoje. Na década de 1940, na cidade do Rio de Janeiro você tinha às vezes dois ou três críticos discutindo o mesmo assunto. Era maravilhoso ver o debate de idéias para entender o repertório e construir um olhar sobre a dança, estabelecendo um fator de referência”. Beatriz Cerbino também assinalou a relevância da crítica para o incentivo à pesquisa sobre a arte brasileira e resgatou

nomes que marcaram o contexto da crítica sobre a dança no Brasil: “Os jornais e as revistas são fontes fundamentais para os pesquisadores e outros profissionais que se debruçam sobre a História da Dança no Brasil. Jaques Corseuil foi o primeiro a se especializar em dança no Brasil. Ele escrevia para O Globo e outras dezenas de jornais e revistas importantes, como Cena Muda, Brasil Musical, Cinearte, Correio da Manhã, Diário Carioca, Folha Carioca. Jacques Courseil atuou em diferentes veículos e periódicos, mas sempre com uma escrita muito clara, muito importante para a construção do pensamento em dança, que naquele momento trabalhava com a idéia de um bailado nacional, além do parâmetro do balé russo, e que depois deu lugar a outros paradigmas.Trabalhei com matérias de jornais e com as críticas a partir dessas questões que ajudam a entender a identidade de um corpo nacional, de um corpo individual e do corpo coletivo para aquele momento. Identifiquei três diferentes maneiras que Jacques Courseil tinha ao escrever sobre dança: a crítica, quando ele falava sobre os espetáculos a que tinha assistido; as matérias sobre a visita de um acompanhante especial ou de determinado bailarino; e o perfil, que ele chamava de figuras do balé ou figuras da dança”.

Giselle Ruiz: O crítico tem de entender que não é juiz, é testemunha À Professora Giselle Ruiz coube comentar sobre trechos de críticas jornalísticas de dança na década de 1970, que constam na sua tese de doutorado, e compará-las com as críticas veiculadas na imprensa atualmente. “Eu me sinto de alguma forma voltando às minhas origens, porque antes de me especializar em dança eu me formei em Comunicação e cheguei a trabalhar como jornalista durante um bom tempo. Minha pesquisa atual é estabelecer relações entre as artes visuais e as artes cênicas. No meu doutorado, como disse o Domingos Meirelles, trabalhei o período dos anos 1970, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, um período de grande ebulição, um momento de ditadura, em que os artistas estavam se rebelando contra tudo. Na minha pesquisa no mestrado resgatei a memória de um grupo de dança contemporânea no Rio de Janeiro na década de 1970, que foi o Grupo Coringa, dirigido pela coreógrafa uruguaia Graciela Figueroa, de onde saíram talentos como Débora Colker e Mariana Muniz. Desviei um pouco da minha pesquisa atual e voltei para essas pesquisas anteriores para falar sobre críticas e matérias jornalísticas dos anos 1970, época em que a dança contemporânea estava engatinhando.” “O espaço que a dança contemporânea tinha na mídia era muito grande, as críti-

cas eram longas, verdadeiras críticas ensaísticas, verdadeiras resenhas. Em 1981, por exemplo, foi publicada uma reportagem enorme no Jornal do Brasil, que dedicou duas páginas a entrevistas com artistas e coreógrafos que participavam de um movimento das companhias independentes de dança no Rio de Janeiro. A revista Realidade, os jornais Última Hora, Diário de Notícias, O Globo, Tribuna da Imprensa, Opinião, entre outros veículos, noticiavam eventos relacionados à dança.” Giselle Ruiz falou também sobre as características do relacionamento entre críticos e artistas nos anos 1970: “Nesse período os críticos tinham uma cumplicidade muito grande com os artistas. Era um período de ditadura, de repressão muito forte. No Museu de Arte Moderna havia um movimento de contracultura e de conteúdo político muito forte, talvez por isso os críticos eram tão próximos dos artistas, que criavam seus trabalhos nos espaços do Museu, não apenas artistas plásticos, mas também diretores de teatro, coreógrafos, bailarinos. E os críticos circulavam por ali e acompanhavam o trabalho dos artistas muito de perto, e até protegiam os artistas quando, eventualmente, alguma exposição era alvo de alguma censura mais violenta, ou era fechada. Um maior interesse intelectual e ético da crítica no

Informou Beatriz Cerbino que Jacques Courseil utilizou a imprensa para apresentar bailarinos estrangeiros e brasileiros, entre os quais os novos valores do balé nacional, em sua maioria jovens da alta sociedade carioca. “Ele foi fundamental para o processo de formação e informação do público de que a dança era uma arte séria. Costumava dizer que não era para ficar mostrando as pernas no palco, e sim para mostrar a arte. As pessoas que escreviam sobre a dança também faziam matérias sobre ópera e teatro. Jacques era o único no Rio e no Brasil que só escrevia sobre dança, defendendo o talento dos bailarinos brasileiros frente aos estrangeiros, e questionando as autoridades políticas sobre a falta de incentivo à arte. O trabalho dele e de outros grandes jornalistas foi fundamental para o entendimento da arte brasileira. Hoje no Brasil produzindo regularmente textos sobre dança temos apenas a Silvia Soter, em O Globo, a Professora Helena Katz, no Estadão, e o Marcelo Avellar, no Estado de Minas. No passado, apenas no Rio de Janeiro atuavam mais de 20 críticos.” Domingos Meirelles também acentuou o papel de destaque da crítica de dança entre 1920 e 1940: “Nesse período, os grandes teatros, como o Fênix e o Municipal, não só para espetáculos de dança, mas também para temporadas, tinham um lugar marcado para o crítico teatral. Na almofada do encosto da poltrona lia-se “imprensa” e “crítico”. E havia uma fileira de poltronas sempre em locais privilegiados, destinados exclusivamente à crítica teatral. Eu digo isto porque gosto de História e o recorte que estudo é o da República Velha, de 1910 a 1930.”

Brasil foi representado por Mário Pedrosa, já falecido. É interessante ver o espaço que os jornais davam a essas reportagens e às críticas de arte em geral”. Giselle chamou a atenção para a ausência de políticas públicas direcionadas às artes no País e a responsabilidade da crítica no contexto social: “Dalal Achcar falou sobre o encolhimento da crítica jornalística nas últimas décadas. Será que este problema é um problema exclusivo da crítica? Que outras formas de circulação além dos jornais ganharam repercussão sobre arte? Como a escrita da crítica e a sua maneira de dialogar com os processos de criação se transformaram? O professor e crítico Luiz Camilo Osório, Curador do Mam-RJ, diz que a crise da crítica tem relação direta com a crise da política, atividades voltadas para o debate, para a pluralidade de vozes, e que toda recepção é uma forma de crítica. Se há uma crise da crítica jornalística não se pode perder de vista a necessidade do discernimento, da responsabilidade do diálogo, da negociação de sentidos associados ao senso crítico, independentemente de onde e como ele se realiza. Se a arte tem mudado radicalmente, desde pelo menos a década de 1960, é fundamental que a crítica também se ponha em questão, revendo seus métodos, interesses e formas de disseminação pública. A crítica é escrita para o público, não a serviço da arte. Há de se pensar a crítica deslocando-a da posição de juiz, que é a maneira tradicional de ver o crítico, para a de testemunha, que deve estar atenta aos fatos para trazê-los ao público”.

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PRÊMIO

Cobertura do Alemão deu ao Jornal Nacional o Oscar da televisão Após figurar durante sete anos como indicado, o principal telejornal do País recebe em Nova York o prêmio na categoria ‘Notícia’, pela cobertura da operação policial no Complexo do Alemão, em 2010.

O troféu na bancada

FOTOS TVGLOBO/LUIZCRIBEIRO

P OR P AULO CHICO Para o Jornal Nacional, um reconhecimento internacional. No dia 26 de setembro, em cerimônia realizada no Lincoln Center, em Nova York, o principal telejornal da TV Globo recebeu o prêmio international Emmy Awards 2011, na categoria ‘Notícia’. O tradicional noticiário, exibido de segunda a sábado no horário nobre, a partir das 20h30min, foi o vencedor devido à cobertura da invasão do Complexo do Alemão, ocorrida em novembro de 2010. Esta foi a maior operação das forças de segurança nacional para retomar o controle daquela localidade, então quartel-general dos traficantes de drogas na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Mais de 20 repórteres da emissora participaram diretamente da cobertura durante o cerco e a tomada da favela. A TV Globo transmitiu toda a operação ao vivo, com uma Redação inteira a postos para levar ao ar as imagens que fizeram o Brasil parar em frente aos aparelhos de tv. Fazem parte dessa cobertura as impressionantes imagens da fuga de centenas de traficantes armados feitas pelo Globocop, a descoberta de que bandidos utilizaram o esgoto para fugir e o espaço dado para que os moradores falassem da sensação de liberdade após a chegada dos policiais. Compareceram à cerimônia de premiação em Nova York o Diretor da Diretoria Geral de Jornalismo e Esporte, Carlos Henrique Schroder; William Bonner, Editor-Chefe e apresentador do JN; o repórter André Luiz Azevedo e Ana Paula Araújo, repórter do JN naquela edição e apresentadora do RJ-TV, que no dia da invasão permaneceu mais de sete horas no ar. Também viajaram para a solenidade nos Estados Unidos os Chefes de Redação Carlos Jardim e Marcio Sternick; o cinegrafista Sérgio Costa e o operador de Câmera do Globocop, Francisco de Assis, que flagrou a já antológica cena dos traficantes em fuga desesperada, sendo alvejados por policiais. Em nove anos, esta foi a sétima vez que o JN esteve entre os finalistas do prêmio na categoria ‘Notícia’ – sendo esta a quinta indicação consecutiva. Concorre12 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

de. O Emmy é o reconhecimento mundial desse esforço”, ponderou o repórter André Luiz Azevedo, que participou da cobertura da ocupação ao lado de colegas experientes, como Sandra Moreyra, Bette Lucchese, Sandra Passarinho e Lilia Teles. “Esse é o prêmio mais importante que a gente já conseguiu até hoje. E eu diria que é o reconhecimento e a confirmação do trabalho que a gente vem fazendo no Brasil e no dia-a-dia nos nossos telejornais. É o Jornal Nacional que está recebendo este prêmio, mas eu diria que todo o trabalho de jornalismo da Rede Globo está homenageado através dele”, declarou Carlos Henrique Schroder.

William Bonner segura a medalha que os indicados ao prêmio recebem e, no detalhe, Ana Paula Araújo segura o Troféu da vitória: “Ganhar o Emmy significa que estamos no caminho certo.”

ram este ano com o telejornal de maior audiência do Brasil as produções da RUV Icelandic National Broadcasting Service, da Islândia; da Sky News, do Reino Unido; e da ABS-CBN, das Filipinas. “Na última década, o JN por sete vezes esteve colocado entre os quatro melhores telejornais do mundo. Isso é uma prova da qualidade da televisão que nós fazemos no Brasil, e do telejornalismo que nós fazemos na TV Globo”, afirma William Bonner. A importância da premiação

Os jornalistas da TV Globo que compareceram à cerimônia do International Emmy Awards 2011 comemoram o prêmio inédito do Jornal Nacional. Para Ana Paula Araújo, repórter que participou ativamente daquela cobertura, trata-se

de um reconhecimento especial para o jornalismo da emissora. “O Emmy é o principal prêmio da tv mundial, o Oscar da televisão. A importância deste prêmio extrapola o JN. Ganhar o Emmy significa que estamos no caminho certo, o de fazer um jornalismo cada vez mais competente e transparente, respeitado e reconhecido no mundo todo”, comemorou. “A cobertura do Complexo do Alemão mostrou como um trabalho que une experiência, competência, equilíbrio, coragem e sofisticação tecnológica pode servir à sociedade. Todos nós, que estávamos no front, nas ruas, becos e vielas, ou pelo alto nos helicópteros, ou ainda na retaguarda tão importante da Redação, sentimos naquela cobertura que estávamos registrando e participando de um momento histórico de transformação da nossa cida-

De volta ao Brasil, William Bonner fez, diretamente da bancada do JN, na noite do dia 4 de outubro, uma homenagem ao público do telejornal. “Vamos colocar aqui, sobre a mesa, o troféu que foi conquistado pelo Jornal Nacional. Do momento em que o nome do jornal foi anunciado como vencedor, eu me lembro apenas dos gritos. Eu estava acompanhado de um grupo de colegas, que representavam as cerca de 200 pessoas que estavam envolvidas neste trabalho maravilhoso. Eles gritaram com o impacto da notícia! Eu não gritei, não... Juro que fiquei quieto! Eu tomei até um susto com a reação deles”, brincou Bonner. Tal como Ana Paula Araújo, Bonner destacou que o Emmy é o Oscar da televisão. É mesmo o principal prêmio americano, com possibilidade de reconhecimento para programas estrangeiros. “Nos últimos anos, o JN tem sido freqüentemente um dos finalistas. Finalmente, este ano, ganhamos. Eu voltei ontem, fiz o vôo de Nova York para cá o dia inteiro. E recebi cumprimentos dos passageiros dentro do avião. Quando desci no aeroporto do Rio de Janeiro, recebi novos cumprimentos, dessa vez, de todo mundo. Vieram falar comigo desde o pessoal da Polícia e da Receita Federal, até os funcionários da limpeza. Havia um orgulho de todo mundo pelo fato de que o Jornal Nacional tivesse sido premiado”, disse, para concluir em seguida. “E aí está o segredo dessa coisa toda. O JN foi premiado. O jornalismo da TV Globo foi premiado. O telejornalismo brasileiro foi premiado. E a gente faz aqui, com que essas coisas aconteçam, não por acaso. É para atender a uma demanda do público. É ele quem exige essa qualidade. Por isso resolvemos colocar esse troféu na mesa. Para dividir o prêmio com o público, com você de casa, que entrega ao Jornal Nacional sua confiança e seu carinho. Esse prêmio é seu também. É dos câmeras que estão aqui conosco, fazendo o JN do estúdio, de todo o pessoal da Redação, todos os profissionais do jornalismo da Globo, no Brasil e no exterior. Pessoas que fazem o JN e os demais telejornais da Casa que, com unidade de qualidade, podem ser merecedores de um prêmio como esse.” Três vezes laureada

A TV Globo já ganhou o Emmy International três vezes, na categoria ‘Entretenimento’. A primeira vez em 1981, com A Arca de Noé, especial dirigido por Augusto César Vanucci, voltado para as crianças,


FOTOS LUVIZZUTTO

com músicas de Vinicius de Moraes interpretadas por nomes como Toquinho, Elis Regina, Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Chico Buarque e As Frenéticas, entre outros artistas. A segunda premiação ocorreu logo no ano seguinte, em reconhecimento a Morte e Vida Severina, teleteatro dirigido por Walter Avancini, com versos de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque. No elenco da produção, destaque para os nomes de José Dumont, Elba Ramalho e Tânia Alves. Reconhecida no mercado internacional, a excelência das telenovelas da emissora foi premiada pelo Emmy em 2009, com Caminho das Índias, escrita por Glória Perez e com direção-geral de Marcos Schechtman, com elenco encabeçado por Juliana Paes, Rodrigo Lombardi e Márcio Garcia. A TV Globo também levou o prêmio especial Directorate Awards, recebido por Roberto Marinho em 1983 pelo ‘conjunto da obra’. Ela é, agora, a única emissora brasileira premiada também na área do Jornalismo. Erick Brêtas, Diretor Regional de Jornalismo TV Globo Rio, salientou a importância do prêmio recebido, este ano, neste campo. “Durante aquela semana, foi muito importante separar o que era fato do que era boato do que era especulação. E o trabalho dos nossos jornalistas foi muito importante, porque graças à apuração rigorosa, à apuração isenta das notícias, nós conseguimos transmitir para a população o que de fato estava acontecendo. Eu acho que a gente prestou um grande serviço para a população do Rio.” Esse sentimento é reforçado por Ali Kamel, Diretor da Central Globo de Jornalismo, que, ao comentar a conquista do JN, lembrou do empenho e dedicação de um profissional da casa, morto há quase uma década exatamente por traficantes daquela região. “Em 2002, o Tim Lopes, nosso colega, foi assassinado ali na Vila Cruzeiro, denunciando o tráfico. Na ocasião, a gente prometeu continuar denunciando o crime e completar a história que o Tim não pôde. Quando recebemos o Emmy, os jurados sequer imaginavam que essa premiação teria ainda mais esse simbolismo. A conclusão de uma história que Tim começou em 2002.” O Emmy é considerado uma das principais premiações destinadas a programas televisivos. A criação da Academia de Televisão, Artes & Ciência, que concede o Emmy Awards, coincide com o início da própria indústria da televisão. Syd Cassyd, fundador da Academia, quando vislumbrou a organização, a imaginou como um fórum de discussão dos principais assuntos do setor. O prêmio consagra não apenas atores e diretores, mas também profissionais envolvidos com a produção, como efeitos especiais, edição, figurino e fotografia. A primeira cerimônia de premiação do Emmy Awards foi realizada em 1949. No evento, Shirley Dinsdale, personalidade do rádio e televisão, foi a primeira homenageada. Criada por Louis McManus, a estatueta do Emmy representa uma mulher alada segurando um átomo, que simboliza a missão da Academia de Televisão em apoiar e incentivar as artes e as ciências. Um reconhecimento que agora chega ao JN, que estreou em 1º de setembro de 1969.

Petria Chaves, da CBN, entre os jurados Mônica Medina, José Roberto Whitaker Penteado, Sergio Motta Mello e Sergio Caldieri, segura o troféu pela vitória na categoria Mídia Eletrônica. Ao lado, José Raimundo e Melissa Fernandes recebem o Troféu pelo segundo lugar.

Longevidade também tem prêmio Uma nova distinção jornalística atraiu grande número de profissionais da comunicação e especialistas de diferentes áreas: os Prêmios Longevidade Bradesco Seguros de Jornalismo e de Histórias de Vidas, cuja solenidade de premiação foi realizada no dia 4 de setembro no Hotel Unique, em São Paulo, durante o VI Fórum da Longevidade. O encontro reuniu mais de 500 participantes, entre os quais especialistas de diversas áreas que debateram temas relacionados à saúde, bemestar e longevidade. O objetivo dos Prêmios Longevidade Bradesco Seguros é promover o diálogo e a troca de experiência entre gerações, narrar depoimentos de pessoas longevas, incentivar o estudo acadêmico aprofundado e a produção de matérias jornalísticas sobre longevidade, que resultem em qualidade de vida. Concorreram ao Prêmio Longevidade de Jornalismo matérias, reportagens e artigos publicados em mídia impressa (jornal e revista) e mídia eletrônica (tv, rádio e internet), entre janeiro de

Daiane Costa e a fotógrafa Rafaela Martins, do Jornal de Santa Catarina, vencedoras do prêmio jornalismo-mídia impressa.

2010 e agosto de 2011, produzidos por jornalistas com registro profissional. Foram analisados a contextualização e pluralidade dos aspectos abordados, a diversidade e qualidade das fontes, a qualidade

do texto, a utilização de terminologias e conceitos apropriados ao tema e o uso adequado na interpretação de pesquisas e materiais de referência. O Prêmio Longevidade Histórias de Vida é direcionado a participantes acima de 18 anos. O objetivo é premiar histórias bem elaboradas que valorizem o ser humano e a memória. Do total de 294 inscritos, 197 foram para o Prêmio Histórias de Vida e 97 para Jornalismo. O Júri dos Prêmios de Jornalismo e de Histórias de Vida foi formado pelos jornalistas José Roberto Whitaker Penteado, Diretor e Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing-ESPM, Sérgio Caldieri, Primeiro Secretário da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo da ABI, Théo Rochefort, Diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV-Abert, e Sérgio Mota Melo, Presidente da TV1, e ainda pelo gerontologista Alexandre Kalache, e Mônica Medina, Diretora da Ogilvy/RP-Diferencial. A veterana atriz Nicete Bruno foi a Presidente de Honra do Júri do Prêmio Histórias de Vida.

CBN, a grande vencedora Os três primeiros classificados nas categorias Mídia Eletrônica e Mídia Impressa receberam troféus assinados pelo artista plástico Toso Pimentel. A Rádio CBN foi a grande vencedora na categoria Mídia Eletrônica com a série de reportagens sobre o bem-estar após os 40 anos, de Petria Chaves. A TV Bahia conquistou o segundo lugar com Centenários, de José Raimundo, Davi Melo, Paulo Neto, Sandro Abade, Melissa Fernandes e Alanderson Santana. A terceira colocada foi a TV Tem, de São José do Rio Preto, com a reportagem Economia na Terceira Idade, de Maurílio Goeldner, Alcir Medeiros, Agnaldo Alves, Daniela Golfieri, Juliana Barriviera, Mauricio Marques e Thiago Simão. Em Mídia Impressa venceu a matéria Muitos anos de vida do Jornal de Santa Catarina, de Daiane Costa e Rafaela Martins, seguida pela revista IstoÉcom a série de reportagens Envelhecer Bem, de Débora

Rubin de Toledo e Paula Rocha. O Correio Braziliense conquistou o terceiro lugar com a reportagem Retratos de um País que não sabe envelhecer, de Renata Mariz, Ana Dolores e Marcelo Fonseca. Felipe Leal Barquete venceu o Prêmio Histórias de Vida com Delírios de um cinemaníaco sobre um homem que dedica a vida ao cinema. Larissa Tsuboi Ogusico ficou em segundo lugar com Trabalhar é a alegria de viver, sobre a saga de uma família japonesa. Regina de Castro Pompeu foi a terceira colocada com De repente, 60, sobre experiências de vida após os 60 anos. A atriz Shirley MacLaine, 77 anos, participou da solenidade e discursou sobre a importância do debate em torno do tema longevidade. Ela considera que sua carreira melhorou na fase madura e que a meditação é uma boa prática para quem quer se relacionar de forma saudável e harmoniosa com as pessoas e com o mundo.

A atriz Shirley MacLaine discursou no evento: A meditação é uma boa prática para alcançar a harmonia.

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FOTOS CAIO PALAZZO

HOMENAGEM

À mestra, com carinho A sexta edição do Encontro Interrogações, realizada pelo Itaú Cultural em São Paulo, reuniu 50 jovens escritores para falar da intranqüilidade na criação literária. Mas o grande destaque foi a homenagem feita à contista e romancista Lygia Fagundes Telles, uma das mais importantes escritoras brasileiras de todos os tempos. P OR M ARCOS S TEFANO

H

istoricamente, a intranqüilidade sempre foi uma mola propulsora para a criação literária. Seja ela causada pelo amor não correspondido, pela doença ou mesmo pela loucura. Bem, pelo menos foi assim nos séculos passados. Hoje, as perturbações de um autor têm mil outras razões, que vão das pressões do mercado editorial à falta de inspiração da vida virtual e instantânea. Para debater essas novas facetas do universo das letras, o Instituto Itaú Cultural promoveu, de 7 a 9 de setembro, em São Paulo, a sexta edição de seu Encontros de Interrogação. Apesar da presença nas mesas de discussão de mais de 50 escritores brasileiros, entre destacados ficcionistas, jornalistas, críticos, poetas e professores, grande parte, jovens talentos, o grande nome do evento é mesmo da velha guarda. No auge de seus 88 anos, Lygia Fagundes Telles foi homenageada em uma mesa especial e, com muito bom humor e uma disposição invejável, contou histórias de sua carreira e falou sobre os segredos da produção de bons livros. O atual momento da literatura nacional foi assunto para quase todos os debates do 6º Encontros de Interrogação. Uma das mais concorridas, a mesa “Escrever é apenas narrar?” reuniu João Silvério Trevisan, Joca Reiners Terron, Nélson de Oliveira, Paulo Scott, Rubens Figueiredo e Paulo Werneck para discutir se a representação do real ainda tem espaço na hora de contar histórias. Além desse, também houve debates sobre as transformações do mercado editorial em tempos de internet, a criação de novos gêneros em novas plataformas, a formação e o papel do crítico literário, o espaço de reflexão na ficção e na poesia atualmente, literatura infantil e a importância dos autores marginais para alcançar novos públicos. Com grande presença do público jovem e de estudantes nos debates, o encontro teve momentos de intensa troca de experiências. “Acho muito salutar essas trocas. Já desisti de projetos ruins, inclusive, de

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roteiros de cinema. Para facilitar o processo de escrita, antes de começar a escrever, pesquiso muito, reúno informações. Normalmente, não tenho toda a história definida. Mas se não tiver um final, não consigo continuar a desenvolvê-la”, explicou Fernando Bonassi, que participou da mesa “As intranqüilidades da primeira página: como atravessá-la sem desistir?”, ao lado de João Paulo Cuenca, Luiz Vilela, Paloma Vidal e Claudiney Ferreira. Outras mesas debateram ainda temas como os limites entre a biografia e a ficção e o que representam para o escritor aqueles momentos em que ele não escreve, em viagens, contato com outros autores e leitores, participando de palestras ou imerso em leitura. Na mesa que homenageou Lygia Fagundes Telles, no feriado de 7 de setembro, à noite, a escritora tratou, de um modo ou de outro, de vários desses assuntos. O formato escolhido foi o de uma entrevista, mediada por Flávio Carneiro e que teve como entrevistadores Fabrício Capinejar, Marcelino Freire e Maria José Silveira. Em pouco mais de uma hora, a autora de As Meninas e Ciranda de Pedra falou sobre a literatura e sobre seu processo de criação em particular. “Para mim, o leitor não é somente um parceiro, mas um cúmplice. Já fui cobrada pela morte de personagens na rua. E gostei”, confessou. De fato, Lygia mostrou por que é uma das mais importantes contistas e romancistas brasileiras de todos os tempos. Mas ainda mais fascinante que o lado profissional é o pessoal. Ela também contou vários episódios que passou ao lado de outras personalidades literárias do Brasil e do mundo. Gente como João Ubaldo Ribeiro, Clarice Lispector, Hilda Hilst e Jorge Luis Borges. Em suas palavras, mitos ganharam corpo, forma e identificação. Com a autorização do Itaú Cultural e dos curadores do encontro, Claudia Nina e Thiago Rosenberg, o Jornal da ABI também pôde homenagear Lygia Fagundes Telles, apresentando a seguir os principais trechos de sua entrevista no Encontros de Interrogação.

O alemão de João Ubaldo Ribeiro Estive certa vez em Berlim, na Alemanha, com figuras como Ignácio de Loyola Brandão, Márcio de Souza e João Ubaldo Ribeiro. Andar com essa turma é certeza de boas idéias e muitas gargalhadas. Estava andando com o Ubaldo e entramos numa farmácia. Precisava comprar creme, estava com a pele ressecada. Ele me disse para não me preocupar e falou em alemão com o atendente. Fiquei impressionada com a fluência dele. Conversava com o rapaz e mostrava entender tudo muito bem. Peguei o pacote, paguei e voltamos para o hotel. Mas como a bula era em alemão, decidi usar só em São Paulo. Sorte a minha. Já na sede da Academia Paulista de Letras, conhecia um cara que sabia bem o alemão e pedi que ele me explicasse a bula. Aí veio a surpresa. “Lygia” – disse ele – “Esse creme é para ajudar no crescimento da barba”. “Ah, fica para você. Presente do João Ubaldo Ribeiro”, brinquei.

Simplesmente Clarice A Clarice Lispector era uma pessoa extraordinária. Mas tinha um problema: nunca ria. Fomos juntas para a Colômbia, para participar de um congresso internacional de escritores. Na viagem, ela me disse com aquele sotaque meio alemão, que tem a língua meio presa e solta os erres: “Lygia, você tem um defeito: dá muita rrrisada”. Não agüentei e comecei a rir, era muito divertida. “Não pode rrrrirrr muito. Porrrque, se rrrirrrmos, ninguém nos levará a sérrrio”. As fotos dela mostravam isso. Ela nunca aparecia rindo.

Profecia Nesta mesma viagem, estávamos no avião, quando começou uma turbulência. O aparelho subia e descia, assustando todo mundo. Costumo dizer que as duas cadeiras mais confortáveis, mais higiênicas e também mais detestáveis que existem no mundo são a de um avião e a do dentista. Mas, em meio ao alvoroço, com a aeronave rangendo e tremendo, Clari-

ce veio para o meu lado: “Lygia, não tenha medo. Porrrque não vamos morrerrr. Minha carrrtomante disse que eu morrerrrei na cama”. Ah, então tá.

A melhor parte Já na Colômbia, a programação do evento indicava a próxima atividade. Clarice me puxou pelo braço: “Não vamos à sala de audiência. É muito chato. Vamos converrrsarrr e tomarrr um vinho no barrr”. Fomos para o bar. Ela pediu uísque. Eu, vinho branco. Mas o melhor eram os cigarros colombianos. Hoje, fumar pode ser politicamente incorreto, mas naquele momento eles estavam deliciosos. Começamos a falar em traição. Aí, ela perguntou: “Quem faz mais escândalo, é mais perrrigoso quando é trrraído? Homem ou mulherrr?”. Chegamos à conclusão de que era a mulher, que conta para a amiga e a amiga conta para outra amiga e assim vai. Como disse a Clarice: “Mulherrr é o diabo!”. Quando saímos do bar, estavam todos saindo da atividade na outra sala. Pegamos um chiclete para disfarçar o hálito e novamente Clarice me puxou: “Está vendo como os demais congrrressistas estão trrristes e abatidos? Já nós estamos rrradiosas”. Ganhei o dia.

Hilda Hilst A Hilda era muito divertida e brincalhona. Também fez Direito no Largo de São Francisco. Começou a aprontar lá. Fazia parte do Grupo dos Birutas, a presidente. Era da turma. Ela herdou da mãe uma fazendinha perto de Campinas, a Casa do Sol. Arrumou tudo como um mosteiro com a ajuda de Alfredo Mesquita. Era deslumbrante. Ali, criava uma matilha de cães. Acho que tinha mais de 500. Bastava encontrar um bichinho abandonado na rua para levá-lo com ela. Poeta e prosadora, vivia me dizendo: “Lyginha, temos de mudar de profissão. Escrever não dá dinheiro”. Ela sabia que era tarde para aquilo. Não que não tentasse diversificar. Certa vez, comprou um aparelho que supostamente captava vo-


zes do além, dos mortos, das almas penadas. E queria que eu ficasse ouvindo com ela. Também acreditava em discos-voadores. Mas aí eu retrucava que só ladrões estivessem neles. De que outra maneira explicar roubos e golpes tão sensacionais que ocorrem atualmente e ninguém vê?

Revolução feminina Tive um professor na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o filósofo e jurista Miguel Reale, que certa vez nos disse: “A mais importante revolução do século XX foi a das mulheres”. Uma grande verdade. Antes, a mulher não participava de nada e se limitava a viver recolhida, espiando da janela a vida passar. Na II Guerra Mundial, enquanto os homens estavam no front, elas tomaram as fábricas, escritórios e bancos universitários. Mas na minha turma, éramos seis ou sete mocinhas virgens, apavoradas com tudo. Quando nos aproximamos da formatura, um colega se virou para mim e questionou: O que vocês vieram fazer aqui? Casar?”. Respondi: “Também”. Tanto que acabei casando com um dos professores, Gofredo da Silva Telles Júnior, meu primeiro marido. Começava a nossa revolução.

Leitor e cúmplice Para mim, o leitor é mais que um parceiro. É um cúmplice. Certa vez, encontrei uma leitora na rua, que foi logo me cobrando: “Li seu livro As Meninas e gostei demais. Mas por que a Ana Clara morreu? Ela não podia morrer, era a melhor personagem”. Ela começou a tomar satisfação. Para muitos, seria um abuso. Mas eu não, gosto disso.

Ficção e realidade Quando respondi a essa leitora, disse que a Ana Clara precisava morrer, pois não apenas ela, mas o livro era o testemunho de um tempo e de uma sociedade. Na época, a droga corria solta e denunciei isso por meio da personagem, que era chamada de Ana “Turva” pelas amigas. Mas também havia a bonitinha e arrumadinha Lorena e a militante, a política Lia. “Lião”, como era mais conhecida. Sempre que me entrevistam perguntam sobre a ditadura militar, como eu me portei em relação ao clima político no Brasil. As Meninas foi lançado em 1973. No romance, Lia lê um texto que eu havia recebido em casa e era uma denúncia contra os abusos e as torturas que o regime militar estava cometendo. Eu reproduzi o panfleto no livro, para combater aquela barbárie que acontecia no Doi-Codi. Ainda hoje continua o mesmo clamor, pedindo que se investiguem tantas denúncias. Como antes, continuo apoiando. O escritor brasileiro, do Terceiro Mundo, deve contar tudo o que se passa em sua realidade. Mesmo fazendo ficção, ele é uma testemunha de seu tempo e de sua sociedade, leva ao leitor sua experiência.

Como nasce um conto Muito do que escrevo é alicerçado no que vivo. Meu último livro, Histórias de Mistério, é exemplo disso. Lá há um conto que, de certa forma, veio da realidade. A história de As Formigas começou ainda na faculdade. Eu fazia Direito, mas tinha

Mistérios de Lygia Em uma antiga pensão, duas jovens universitárias se deparam com formigas que parecem ter como missão reconstituir e dar vida aos ossos de um caixotinho. Já a bordo de uma rústica embarcação, a narradora tenta cruzar um rio à noite, na companhia de um velho bêbado adormecido e de uma mulher com um bebê nos braços. Uma situação tão inusitada quanto a da adolescente que vai ao casamento do tio e percebe que, mesmo prestes a se unir com uma moça lindíssima, ele parece paralisado pelo medo. Um pé na realidade e outro no sensacional: essa é a receita que move os seis contos de Histórias de Mistérios, de Lygia Fagundes Telles, obra publicada originalmente em 2004 e, que agora, ganha nova edição pela Companhia das Letras. Aparentemente, as histórias nada trazem de assustador no começo. Os títulos, inclusive, tratam de situações banais, relacionadas ao cotidiano: As Formigas, A Caçada, Natal na Barca, O Jardim Selvagem, Lua Crescente em Amsterdã e Onde Estiveste de Noite?. Mas é a partir delas que a escritora mergulha no desconhecido. Desconhecido que nasce de uma incompreensão, mas que, ainda mais surpreendente, a autora não busca resolver e, sim, aumentar, passando para o leitor a tarefa de resolver os enigmas, um processo que mexe e remexe com o íntimo da pessoa. O conto em que as formigas tentam reconstruir o pequeno esqueleto é exemplo dessa fórmula. Em meio à empolgação e aos desafios de morarem sozinhas pela primeira vez, novidade que qualquer um enfrenta, as jovens se deparam com os obstinados insetos. Tentam matá-los e até julgam ter conseguido. Mas descobrem que, de forma sobrenatural ou não, elas continuam empenhadas em realizar sua missão. No fim, não se trata de um incidente isolado em seu quarto. A pensão em que moram, suas próprias vidas, tudo parece impregnado pelo assombro e pela dúvida. Desde romances como As Meninas Lygia tornou-se extremamente hábil nessa arte de usar o cotidiano para mostrar algo mais para seus leitores. Elementos que estão ocultos, que misteriosamente pairam no ar buscando solução quase impossível e são capazes de dar o ar da graça à boa ficção. “O leitor não é somente meu parceiro, é meu cúmplice. Por isso, escrevo dessa maneira”, costuma dizer. Mas sua obra também é prova de que a realidade pode ser berço para as melhores histórias que a imaginação possa conceber. Voltando ao conto das formigas, a trama tem como inspiração a juventude da própria escritora e de uma amiga, que fazia Medicina. Certo dia, quando ainda cursava a faculdade do Largo de São Francisco, Lygia passou pela casa dessa amiga, que estava estudando para uma prova sobre os ossos do corpo humano com um estranho colar no pescoço. “São ossos de anão”, disse ela à escritora. Um clima de mistério tão surpreendente quanto o relatado no conto Onde Estiveste de Noite, que fecha a coletânea e no qual Lygia narra como recebeu a notícia da morte da amiga Clarice Lispector. Corria o ano de 1977 e ela estava em Marília, no interior paulista, preparando-se para um curso de literatura na universidade local. À noite, foi acordada pelo barulho de asas. Seria um morcego? Ou um pássaro? Era uma andorinha com seu exuberante azul a brilhar na noite. Mesmo quando abriu a janela, o bichinho demorou para sair. Parecia querer dizer algo. Quando se foi, a escritora deu adeus e sentenciou: “Você está livre”. No dia seguinte, ao chegar ao saguão do prédio em que ministraria seu curso, recebeu a notícia da partida de Clarice. Ao que só pôde confirmar: “Eu sabia. Eu já sabia”. (Marcos Stefano)

uma amiga que fazia Medicina, a Ondina. Um dia fui à casa dela e ela estava inquieta, mexendo num colar esquisito em seu pescoço. O colar não era formado por pedras, mas por peças que pareciam ossos. E qual não foi meu susto quando ela falou que eram ossos de um anão. Ela precisava estudar para uma prova e aquilo era a melhor maneira de decorar os nomes dos ossos do corpo humano, muitos com raízes no latim e no grego. Apenas a aconselhei a tirar aquilo à noite, quando fosse para a cama. No conto, tenho uma prima e vamos morar juntas numa pensão. Lá, encontramos uma caixa que pertencia ao antigo ocupante do quarto, um estudante de Medicina, e quando abrimos o recipiente, há ossos dentro. Ossos de um anão. À noite, as formigas sempre vêm para misteriosamente, reconstruir aquele corpo. Não quero resolver o problema, mas aumentá-lo e passar para frente, para o leitor, meu cúmplice. Forma só não basta, é preciso cativar o cúmplice. Prendê-lo quando ele tenta se afastar.

Noutra ocasião, meu segundo marido, o cineasta Paulo Emílio Salles Gomes, estava na Europa por conta das perseguições da ditadura militar brasileira. Mais exatamente, em Paris. Na ocasião, abriu o jornal e leu uma história extraordinária. Quando a II Guerra já terminava, um brasileiro, filho de alemão, foi para a Alemanha. Mais tarde, conheceu uma moça, filha de um farmacêutico, que usava perna mecânica. Esse tipo de perna era caríssima. Normalmente, só heróis de guerra conseguiam uma, pois ganhavam. Mas, na primeira noite do casal, depois que ela adormeceu, o cara roubou sua perna mecânica e fugiu. Inacreditável. Nunca mais tiveram notícia do sujeito. Quando Paulo me contou, não acreditei. Mas ele insistiu; “Cuco” – era assim que me chamava – “É verdade”. Uma dúvida meio boba surgiu na minha cabeça: era a perna direita ou a esquerda? Não dava para saber, o jornal não dizia. Então, Paulo me desafiou a responder a questão numa história. Nela, eu era o cara e, depois do roubo, fiz negócios com a perna mecânica e com penicilina, outra riqueza no peJornal da ABI 371 Outubro de 2011

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HOMENAGEM À MESTRA, COM CARINHO

ríodo, e fiquei rico. Voltei assim para o Brasil. Com muito dinheiro, mas sem paz. Nunca mais. Mesmo indo a centros, igrejas e psicanalistas. Nada adiantou. Esse conto chama-se Helga e está no livro Antes do Baile Verde. Um conto verídico. Trabalho muito assim. Sento com uma idéia e peno para desenvolvê-la. Mas é normal. Para comer o fruto é necessário tirar a casca. O sabor está lá no fundo. Parece loucura novamente? Bom, todo escritor tem um pouco dela.

Personagens e identificação Lembro-me de que terminei As Meninas na chácara de um irmão meu, em Barra de São João, um Município do Rio de Janeiro. Enquanto terminava o livro, chorava. Sempre me comovo muito com minhas personagens. A Ana Clara, essa drogada, sai às ruas e, quando percebe que está sangrando o coração de Jesus Cristo em seu peito, cobrese toda. Foi marcante. Em seguida, ela saiu daquelas páginas, sentou-se no meu colo e me questionou: “Por que você me matou? Vou voltar.” Não estou louca, a cabeça está boa ainda. Mas a sensação era essa. No fim, alguns personagens sempre acabam voltando, mas mascarados.

Poder das palavras Ser escritor é muito bom. A profissão te dá condições de oferecer consolo à nação e ao mundo. Sempre que leio os jornais, com tantas notícias horríveis, volto ao trabalho e digo a mim mesma: “É

preciso sonhar”. Então, recordo as palavras do romeno Emil Cioran, grande filófoso e escritor, que disse: “Não quero a lucidez da desilusão, mas quero a névoa da ilusão, que é o sonho”. O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe o leitor. Pode ser louco, mas ajuda o leitor a ficar lúcido. Pode ser triste e solitário, mas não deixa o leitor sozinho.

Primeiro livro Como escreveu o próprio Antonio Candido, o livro que marca minha maturidade é Ciranda de Pedra. Antes disso, esqueça. Também o considero o começo da minha carreira. Apesar de meu primeiro trabalho ter se chamado: Porão e Sobrado. Quando o escrevi, estava prestando vestibular. Imprimi em uma tipografia, economizando minha mesada. Mas descobri que era imaturo. Quando mostrei a um amigo da faculdade, o Péricles da Silva Ramos, ele foi direto: “Desista disso!”. Acumulei coragem, engoli em seco e destruí o trabalho. Foi difícil, mas a juventude não justifica um mau livro. Ainda bem que nenhum escritor nasce pronto.

Machado Machado de Assis era deslumbrante. Conseguia tirar tudo do nada. Mulato, feio, epilético e pobre. Quando tinha um ataque, a mulher, portuguesa, enfiava uma rolha em sua boca. O homem babava, mas não mordia a língua. Simplesmente, foi o nosso maior escritor. Para mim, foi um

privilégio participar da releitura de seu conto Missa do Galo. A história se passa numa pensão. Um rapaz lê um livro enquanto aguarda o amigo bater em sua janela, chamando-o para ir à igreja meianoite, na Missa do Galo. De repente, entra a dona da pensão. De dia, era uma mulher comum. Mas à noite, com os cabelos soltos, um belo chambre e negligée comprida, vira uma sedutora. Ela provoca, andando ao redor dele. E o desejo dele acende diante da bela mulher que anda pelo quarto como uma mariposa voa em torno da luz. No conto original, o clima é quebrado pelo amigo, que bate à janela. Mas na minha malícia – e releitura – antes de tudo acabar, ela ir para o quarto e ele para a igreja, sobra um antigo sofá em que as almofadas estão amassadas. Foi minha contribuição machadiana.

Velhice na metrópole Morar em uma cidade caótica como São Paulo não é fácil. Depois que quebrei o fêmur da perna direita, tenho sobrevivido graças ao carinho que as pessoas têm por mim. Aconteceu esses dias. Não tenho carro e só ando de táxi. Mas agora preciso ir com calma, na frente, sentada ao lado do motorista. Como tenho o tronco pequeno e pernas longas, preciso desse lugar mais firme para sentar. Às vezes, demoro para sair, o pessoal atrás começa a buzinar, é terrível. Nesse dia, demorei para sair, houve confusão, mas tudo bem. Quando voltei, o táxi me levou de volta

para casa e, na saída, a mesma dificuldade. Constrangida, argumentei com o chofer que havia quebrado a perna e estava me recuperando. Ele respondeu: “Por que a senhora não disse antes? Se soubesse, teria lhe carregado no colo”.

Ao poeta a poesia Adoro ler poesias e algumas crônicas. Estas na imprensa. Em 1970, participei da comissão julgadora de um prêmio interamericano de literatura, o Matarazzo Sobrinho, durante a Bienal do Livro, no Seminário de Literatura das Américas. Para mim, deveríamos escolher Manuel Bandeira ou Carlos Drummond de Andrade. Mas Francisco Matarazzo, o Ciccillo, não queria que parecesse que estávamos protegendo os brasileiros. Fez questão de que fosse escolhido naquele ano o argentino Jorge Luis Borges. Assim, o conheci e aprendi a admirá-lo. Em 1984, Borges voltou ao Brasil para ser homenageado e eu fui encarregada de ciceroneá-lo. Já estava cego e quando o encontrei, estava com uma enorme bengala. Em 1970, descobri que ele adorava gatos, dizia que eram os bichos que melhor conheciam o paraíso perdido. Uma paixão que eu e o Paulo Emílio também partilhávamos. Mas a visita dos anos 1980 soou como uma despedida. Ele me lembrou que, na vida, precisamos sonhar. E eu lhe recitei um poema: “É pelo sonho que vamos, comovidos e mudos. Chegamos, não chegamos? Haja ou não frutos, é pelo sonho que vamos”.

ARTE

Paul Gauguin, o selvagem POR P AULO R AMOS DERENGOSKI

CAVALIERS SUR LA PLAGE I, 1902. ÓLEO SOBRE TELA. 66 × 76 CM. MUSEUM FOLKWANG, ESSEN

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Em Paul Gauguin a vida e a arte se mesclaram. Nascido nos dias da Comuna de Paris em 1848, desde cedo foi um errante. Neto da legendária feminista Flora Tristan, morou no Peru durante a infância e se dizia descendente de incas. Marinheiro aos 17 anos, esteve no Brasil mais de uma vez. Mas aos 35 anos já era destacado corretor da Bolsa de Valores da França. Pintava só aos domingos e chegou a colecionar quadros de Monet, Renoir e Cézanne. Logo a paixão pelas tintas fê-lo abandonar tudo. Rejeita a família e a pintura convencional. Vai para a Bretanha e passa a usar só três cores básicas: amarelo, azul e vermelho. Não mais respeita a dimensão tripla. Entra pelo mundo dos arabescos, das curvas voluptuosas, do exotismo dos povos primitivos, então – como hoje – em moda. Em 1887 vai para o Panamá e depois para a Martinica. Volta para a França, fica amigo do holandês louco Van Gogh e se intitula um “essencialista”. Flores e curvas passam a adquirir um sentido simbólico, misterioso, surgem idéias, emoções, sentimentos, transcendências, metáforas, essências, símbolos. Volta para o Taiti, em busca do espaço natural, do incontaminado, da ecologia. Seus quadros e esculturas parecem totêmicos. Mas nada vende. Começa a ficar pobre e até miserável. Adquire doenças tropicais. Em 1901 tenta suicídio. Alguém lhe consegue um emprego colonial. É tarde. Foi vencido pela miséria. Quase louco, não mais usa telas: pinta as paredes de seu rancho miserável. Ainda faz um último quadro: Cavaleiros na Praia, um reencontro com a vida. Em março de 1903 é preso. No dia 8 de maio um índio seu amigo avisa às autoridades que Paul Gauguin morrera na triste enxovia onde estava algemado. Seus quadros hoje valem milhões, pois expressam uma visão total do mundo, integrando pensamento e sensação. Seu universo foi a um só tempo primitivo, mágico e cotidiano. Influenciou decisivamente todos os expressionistas modernos e os fauvistas (“selvagens”).


DEPOIMENTO

LUIZ LOBO

Nenhuma mídia substitui aquela que já existe Repórter que relatou acontecimentos dramáticos, como o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954, e o fim do Capitão Carlos Lamarca, nos anos 1970; membro da equipe de criação de revistas que ficaram na História (Senhor) ou que ainda circulam com êxito (Claudia); redator de jornais diários e de textos para a televisão, Luiz Jorge de Azevedo Lobo, ou simplesmente Luiz Lobo, passa em revista suas seis décadas de atividade profissional e conclui que o jornal não vai acabar, porque nenhuma forma de mídia desbanca aquela que já se encontra no mercado. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

aproximação de Luiz Lobo ao jornalismo se deu quando ainda era criança, aos nove anos de idade, quando cursava o antigo curso primário no Liceu Imaculada Conceição, em Nova Lima (MG), onde fazia um jornal chamado O Abelhudo. Em 1944, ele veio morar no Rio de Janeiro e ingressou no internato do Colégio Pedro II, que funcionava no bairro de São Cristóvão. No Pedro II, assim que chegou começou a editar um jornal manual em quatro folhas de papel almaço chamado Pedrão, que tinha um único exemplar que circulava nas salas de aula. “A minha mãe queria que eu fosse para o Itamaraty, mas eu queria fazer jornalismo”, disse Luiz Lobo ao Jornal da ABI. Nesta entrevista, Luiz Lobo fala sobre os seus 60 anos de carreira, iniciada como estagiário na Tribuna da Imprensa. Ele narra a sua convivência com Carlos Lacerda, as coberturas do Palácio do Catete, a morte de Getúlio e sobre o tempo em que trabalhou no JB, em O Globo e nas revistas Senhor e Claudia, e conta a história dos prêmios conquistados quando trabalhava na Rede Globo de Televisão.

REINALDO MARQUES

A

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DEPOIMENTO LUIZ LOBO

mativamente e ele retrucou: “Como, se eu nunca fui apresentado a você?” Eu disse a ele que o Ministro Lourival Fontes não me deixava chegar perto dele.

JORNAL DA ABI – QUANDO O SENHOR DECIDIU QUE DEVERIA EXERCER A PROFISSÃO DE JORNALISTA?

Luiz Lobo – A minha mãe queria que eu fosse para o Itamaraty, mas eu queria fazer jornalismo. Eu fiz exame vestibular para Jornalismo, Direito e também prova para o Itamaraty. Para o meu azar passei nos três. E aí fiquei na dúvida porque não queria contrariar a minha mãe, nem contrariar a mim mesmo.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A REAÇÃO DO GETÚLIO?

Luiz Lobo – Ele mandou chamar a Ivete (Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio) e pediu a ela que confirmasse se eu era mesmo um jornalista credenciado no Palácio. Como ela confirmou, o Getúlio olhando para mim disse: “De hoje em diante ele está autorizado pessoalmente por mim a entrar no Catete para apurar notícias. Informe isso ao Lourival”.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR RESOLVEU ESSA QUESTÃO?

Luiz Lobo – Na época, verificamos que o enxoval para o Itamaraty era muito caro e não dava para a gente arcar com as despesas. Então eu fui cursar Direito e Jornalismo ao mesmo tempo, que nessa época era uma cadeira na Faculdade Nacional de Filosofia, na antiga Universidade do Brasil. Mas fui obrigado a optar, porque cursar as duas faculdades era ilegal. Eu então optei pelo Jornalismo.

Ao lado, a carteira do Colégio Pedro II, de 1947. Acima, a primeira Carteira de identidade, tirada em 1951, ano em que Luiz Lobo começou a trabalhar na Tribuna da Imprensa.

que cobriam aquela área tinham o trabalho na imprensa como um bico. O jornalismo não era a atividade principal. JORNAL DA ABI – OS SALÁRIOS ERAM MUITO BAIXOS?

JORNAL DA ABI – O SENHOR ACHA QUE FEZ A OPÇÃO CERTA?

Luiz Lobo – Não sei, mas era o que eu queria e isso foi o que mais me interessou naquele momento. Eu tinha um professor que se ofereceu para me dar uma carta de recomendação para o jornal em que eu quisesse fazer estágio, que naquela época não era remunerado. Ele me deu duas cartas: uma para o Diário Carioca e outra para a Tribuna da Imprensa. JORNAL DA ABI – MAIS UMA VEZ O SENHOR SE VIA DIANTE DE UMA SITUAÇÃO EM QUE TERIA QUE OPTAR ENTRE UMA COISA E OUTRA. QUAL FOI A SUA DECISÃO?

Luiz Lobo – Eu fui aos dois jornais. No Diário eu fui recebido pelo Luiz Paulistano, e na Tribuna por um cidadão, que eu pensei que fosse o porteiro, despenteado, desdentado, gravata no meio do peito, malvestido, que me perguntou o que eu queria. Eu disse a ele que tinha uma carta para entregar ao Carlos Lacerda. Ele me perguntou onde eu morava e eu falei que era na Tijuca. Ele então me mandou fazer uma matéria sobre os problemas do meu bairro. Depois eu descobri que aquele era o Hilcar Leite, que foi muito importante na minha vida e me ajudou muito.

Luiz Lobo – O jornalismo pagava muito mal naquela época. Eu me lembro que cheguei lá com mais dois repórteres, que estrearam no Fórum naquele mesmo dia. Um deles chamava-se Armando Nogueira, que também estava começando no Diário Carioca. Nós nos recusamos a participar da sala de imprensa.

Luiz Lobo – Por causa do horário eu preferi a Tribuna e acho que fiz uma opção muito certa, porque ela e o Diário eram os únicos jornais da época que usavam as técnicas de redação corretamente, como o lide. JORNAL DA ABI – QUEM FOI O SEU PRIMEIRO ORIENTADOR NA TRIBUNA DA IMPRENSA?

Luiz Lobo – Eu caí na mão do Nilson Viana, que depois foi meu padrinho de casamento, que era uma doce figura, sabia tudo de Redação e me ensinou o básico. Eu comecei a trabalhar, sem remuneração alguma, e fui mandado para a editoria que cobria o Fórum. JORNAL DA ABI – FOI CUMPRIR A ANTIGA FUNÇÃO DE REPÓRTER SETORISTA.

Luiz Lobo – Lá eu verifiquei que existia uma sala de imprensa, onde os repórteres se reuniam no final da tarde para trocar informações, e com isso todos acabavam dando as mesmas notícias. Logo depois, descobri que quase todos os jornalistas

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Luiz Lobo – Colunista, mas sem opinar, eu apenas produzia as notícias. Mas descobri que, por preconceito, todos os chefes de reportagem jogavam fora o envelope que vinha da Agência Nacional sem sequer abri-lo. Eles faziam isso porque consideravam aquele noticiário como “chapa branca”. Eu então comecei a verificar o conteúdo dos envelopes e tirar as notícias que diziam respeito à Presidência da República. JORNAL DA ABI – ESSE PASSOU A SER O DIFERENCIAL DA SUA COLUNA?

Luiz Lobo – Nós fomos conversar com gente com experiência no Fórum e percebemos que era praticamente impossível fazer a cobertura das varas criminais, cíveis, de família e do trabalho juntas. Não dava para percorrê-las todas em um único dia.

Luiz Lobo – A coluna era bem informada porque ninguém dava aquele tipo de notícia. E isso me abriu portas. O Presidente era o Getúlio, cujo Chefe da Casa Civil era o Lourival Fontes; e a Sala de Imprensa ficava fora do Palácio, do outro lado da Rua Silveira Martins (Zona Sul do Rio).

JORNAL DA ABI – DE QUE MANEIRA O SENHOR CONTORNOU ESSE PROBLEMA?

JORNAL DA ABI – ISSO DIFICULTAVA MUITO O TRABALHO DOS REPÓRTERES?

Luiz Lobo – Ensinaram-me a ler o Diário de Justiça. Eu passava de manhã bem cedo, por volta das 6h, na Imprensa Oficial, comprava o jornal e começava a procurar nomes conhecidos que fossem notícia. Depois percorria algumas varas estabelecendo amizade com os escrivães, batia um papo mesmo quando não rendia nada. Acabou que essa iniciativa um dia começou a gerar frutos.

Luiz Lobo – Era muito difícil fazer qualquer coisa. Um dia a porta principal do Palácio se abriu para a entrada de integrantes do Sindicato dos Portuários, que era fortíssimo na época. Eu então me misturei ao grupo e entrei junto com eles no Salão Nobre. O Getúlio veio cumprimentando um a um. Quando chegou a minha vez, ele falou comigo, olhou a minha mão, esfregou e disse: “Você não é portuário”. Eu disse a ele que era jornalista. Ele então me perguntou: “Mas não é credenciado?” Eu respondi afir-

JORNAL DA ABI – POR QUÊ?

JORNAL DA ABI — COMO ASSIM? JORNAL DA ABI – E POR QUE O SENHOR ESCOLHEU A TRIBUNA DA IMPRENSA?

JORNAL DA ABI – ENTÃO O SENHOR JÁ COMEÇOU A SUA CARREIRA PROFISSIONAL COMO COLUNISTA?

Luiz Lobo – Eu ia muito a um bar que ficava em frente ao Palácio da Justiça, chamado Bar do Aranha, onde os advogados se reuniam e aconteceu um caso que acabou me rendendo um processo. JORNAL DA ABI – POR QUÊ?

Luiz Lobo – Eu vi um advogado receber o pagamento dos honorários de um cliente todo em moeda. Investiguei o caso que ele tinha defendido e descobri que a pessoa tinha sido acusada de roubar cofres de igreja, mas acabou sendo inocentada. Eu noticiei o caso sem nenhuma insinuação, mas o advogado me processou por difamação porque se sentiu ofendido. JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO O SENHOR PASSOU COBRINDO O JUDICIÁRIO?

Luiz Lobo – Eu fiquei um pouco mais de um ano trabalhando no Fórum, sem nenhuma remuneração. Um dia eu fui chamado pelo Nilson, que me ofereceu passar para a editoria de Política, na qual a função era remunerada. Eu fui fazer a cobertura do Palácio do Catete, e passei a escrever para a coluna As Águias do Catete.

Na charge de Hilde, Getúlio Vargas lê um jornal censurado por Lourival Fontes.

JORNAL DA ABI – COMO A ORDEM PARTIU DO PRÓPRIO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, O SENHOR GANHOU UMA CREDENCIAL DE TRÂNSITO LIVRE.

Luiz Lobo – Não adiantou muita coisa não, mas pelo menos eu pude passar a entrar no Palácio do Catete e observar a figura do Getúlio mais de perto. JORNAL DA ABI – MAS O FATO DE PODER APURAR A NOTÍCIAS DENTRO DO PALÁCIO DEVE TER FACILITADO MUITO O SEU TRABALHO.

Luiz Lobo – Nessa época a Tribuna tinha uma chargista de origem alemã chamada Hilde Weber, que fazia umas charges do Getúlio que eu achava absolutamente injustas. Ele aparecia sempre com o cabelo despenteado, a gravata com nó frouxo posicionada na altura do peito. Essa era uma imagem que eu nunca tinha visto do Presidente. JORNAL DA ABI – POR QUE VOCÊ ACHAVA QUE A HILDE ERA INJUSTA COM O GETÚLIO?

Luiz Lobo – Ele estava sempre bem-vestido e com o cabelo arrumado. Principalmente, porque, se isso eventualmente acontecesse, o Gregório Fortunato, o Anjo Negro, penteava o cabelo dele e não o deixaria aparecer em público daquele jeito. Mas aconteceu um fato curioso. No dia da última reunião do Ministério, debaixo da pressão para que Getúlio se afastasse do Governo, eu fui cercar a saída dele e não a dos Ministros. E quando ele saiu, estava despenteado, com a gravata frouxa, a sua figura parecia com a charge da Hilde. JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA PRIMEIRA REAÇÃO QUANDO VIU A CENA?


ceu na Tribuna. Havia uma moça da altasociedade que estagiava no jornal, falava inglês e francês e um dia escreveu uma matéria sobre a Semana Santa. A reportagem dizia: “Não faltará peixe na Semana Santa, declarou fulano de tal. Segundo o presidente daquele órgão...”. O Carlos Lacerda virou-se para ela e disse: “Minha filha, aquele órgão é o caralho”. Ele não gostava desse tipo de texto jornalístico daquela época. E foi muito importante ensinando toda uma geração, com Nilson Viana e o Hilcar Leite.

Luiz Lobo – Aquilo primeiro me chocou e depois me emocionou. Eu cheguei na Redação da Tribuna, contei isso para a Hilde e pro Nilson Viana e a coluna começou assim: “Getúlio hoje parecia a charge da Hilde”. JORNAL DA ABI – ESSA VISÃO DO GETÚLIO DESALINHADO NÃO LHE AGUÇOU

ARQUIVO ABI

O FARO JORNALÍSTICO DE QUE ALGO DE MUITO RUIM ESTAVA PARA ACONTECER?

Luiz Lobo – O Nilson Viana me perguntou se eu achava que o Presidente tinha renunciado. E me mandou voltar ao Palácio do Catete para apurar se havia mais alguma coisa. Eu estava indo para casa, mas voltei. Quando eu estava entrando veio a notícia do suicídio do Getúlio. Houve aquela correria e o Major Dickson, da Casa Militar, desceu e disse que o Getúlio havia se matado. Eu liguei para o jornal e dei a notícia.

JORNAL DA ABI – A LÉM DOS PROFISSIONAIS JÁ CITADOS PELO SENHOR, QUE OUTROS JORNALISTAS FORAM IMPORTANTES PARA A REFORMA DA IMPRENSA CARIOCA DOS ANOS 1950 E 1960?

JORNAL DA ABI – O SENHOR FOI UM DOS PRIMEIROS REPÓRTERES A SABER DA MORTE DO GETÚLIO?

Luiz Lobo – Para começar não tinha jornalista no Palácio naquele momento. Depois é que começou a juntar gente na porta, porque ouviu falar pela Rádio Continental, que foi a primeira emissora a noticiar a morte do Getúlio Vargas. JORNAL DA ABI – QUAL ERA A REAÇÃO DAS PESSOAS QUE CHEGAVAM AO PALÁCIO DO CATETE?

Luiz Lobo – O Palácio foi logo cercado por agentes das Forças Armadas. Havia um grupo que vaiava e outro que aplaudia os militares. Mas quando foi confirmada a notícia da morte as mesmas pessoas passaram a vaiar. JORNAL DA ABI – E QUAIS FORAM OS SEUS PASSOS A PARTIR DAÍ?

Luiz Lobo – Eu fui para a Tribuna. Tentaram invadir o jornal e eu tive que sair pelo muro que dava para o Correio da Manhã, que, aliás, era um procedimento normal entre os jornalistas que trabalhavam lá naquela época. E com isso encerrou-se a minha carreira no Palácio do Catete, porque logo depois com o Café Filho não tinha notícias e o Carlos Lacerda me chamou para acompanhá-lo na Caravana da liberdade, que era uma coisa chatíssima, chapa branca. JORNAL DA ABI – HOUVE ALGUMA INFLUÊNCIA DO LACERDA E DA TRIBUNA DA IMPRENSA NO DESFECHO DA MORTE DO

GETÚLIO VARGAS?

Luiz Lobo – Eu tenho a impressão de que o Getúlio se matou por medo de que o mandante do crime (a morte do Major Rubens Vaz, durante um atentado contra Carlos Lacerda) fosse o irmão dele e que isso viesse a ser descoberto. Ele tinha séria desconfiança em relação ao Benjamim Vargas. Sobre o “mar de lama”, levantado pelo Lacerda, importava pouco como até hoje importa. Eu acho que foi o medo de que o irmão tivesse envolvido na história que o levou ao suicídio. É evidente que a pressão da Tribuna da Imprensa era terrível, mas foram publicadas muitas coisas erradas e bobagens. Mas a briga do Carlos Lacerda não era com o Getúlio.

“Carlos Lacerda era um ótimo chefe, porque dava aulas de redação. Chamava a turma e mostrava o que estava errado. Ele tinha uma cartilha onde figuravam as palavras proibidas de serem usadas nas matérias. Lacerda foi, juntamente com o Luiz Paulistano, o primeiro jornalista a se preocupar com a maneira de se escrever na imprensa. Usava-se um linguajar que não combinava com os termos falados no dia-a-dia pelas pessoas.”

Luiz Lobo – O Newton Carlos, que fazia a cobertura de sindicatos e o noticiário trabalhista e que também escrevia muito bem. Walter Cortes, que cuidou do Segundo Caderno durante um bom tempo e fez também um suplemento muito bom, com o qual eu colaborei, que falava sobre as histórias da cidade. A cada edição contávamos a história de um bairro do Rio, relatando curiosidades e destacando as personalidades locais. O caderno chamava-se “Nossa cidade”. Havia também o Quintino Carvalho, que era um brilhantíssimo redator do copidesque. Do departamento de pesquisa vieram José-Itamar de Freitas e Zuenir Ventura. Este então me deu uma grande oportunidade. JORNAL DA ABI – QUAL FOI?

Luiz Lobo – Com ele eu tive a oportunidade de criar aquele que eu considero até hoje o meu melhor título. Ele enviou uma reportagem da Argélia contanto as besteiras que a CIA tinha feito tentando apoiar os militares franceses no país, ou seja, optando pelo lado errado. A matéria era excepcionalmente boa, e nós a publicamos na última página com o título que eu sugeri: “Inteligência americana faz burrice na Argélia”. Havia ainda outros bons profissionais como Jaime Negreiros, Adirson de Barros.

JORNAL DA ABI – QUAL É A SUA OPINIÃO SOBRE CARLOS LACERDA?

JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO DUROU A SUA TEMPORADA NA TRIBUNA DA IMPRENSA?

Luiz Lobo – Carlos Lacerda era um ótimo chefe, porque dava aulas de redação. Chamava a turma e mostrava o que estava errado. Ele tinha uma cartilha onde figuravam as palavras proibidas de serem usadas nas matérias. Por exemplo: nosocômio era uma delas. Um dia ele segurou um repórter pela roupa e perguntou a ele: “O que é isso?” E o cara respondeu que era a sua blusa. O Lacerda então continuou: “Mas não é a sua roupa?” Como o jornalista respondeu que sim, o Lacerda foi falando: “Então por que quando alguém bota fogo na roupa você escreve que atirou fogo às vestes?” O Carlos Lacerda foi, juntamente com o Luiz Paulistano, o primeiro jornalista a se preocupar com a maneira de se escrever na imprensa naquela época, que era muito antiquada. Usava-se um linguajar que não combinava com os termos falados no dia-a-dia pelas pessoas.

Luiz Lobo – Eu fiquei lá até ser convidado pelo Odylo Costa, filho para participar da reforma do Jornal do Brasil, que na época era uma porcaria, basicamente de classificados. Eu tinha proximidade com o Odylo porque ele tinha sido o homem de imprensa do Café Filho no Palácio do Catete. Nós fizemos amizade, que nasceu da minha curiosidade intelectual por ele. Quando eu fui chamado não sabia nada sobre o projeto, o salário era um pouco melhor e eu fui trabalhar no JB, cuja sede funcionava na Avenida Rio Branco.

O

JORNAL DA ABI – O QUE O SENHOR PODERIA NOS FALAR SOBRE ESSA EXPERIÊNCIA?

Luiz Lobo – Foi muito boa. Eu acabei sendo um dos Secretários da primeira página e tive a oportunidade de fazer alguns títulos que provocaram escândalo. JORNAL DA ABI – DÁ PARA CITAR UM DELES?

JORNAL DA ABI – COM QUEM ERA ENTÃO?

Luiz Lobo – Era do Lacerda com o Samuel Wainer por conta dos favorecimentos do Getúlio ao jornal Última Hora.

JORNAL DA ABI – ESSE PROCEDIMENTO DO LACERDA ERA RECORRENTE?

Luiz Lobo – Essa história me fez lembrar de outro episódio engraçado que aconte-

Luiz Lobo – Houve uma matéria sobre um verme descoberto no oceano, sobre o qual os cientistas diziam que era cego e representava o começo da passagem dos

seres da água para os seres da Terra, portanto estava na raiz do homem. Eu então fiz o seguinte título: “Minhocão sem olho pode ser o pai do homem”. Isso provocou a ira de um ministro, que pediu a minha demissão. O outro foi sobre o primeiro cidadão latino-americano canonizado e elevado à condição de santo, que era São Martinho de Porres. O título que eu dei a essa matéria foi “Santo de Porres elevado ao altar”. Houve muito protesto da Igreja. JORNAL DA ABI – PARA O SENHOR O QUE HOUVE DE MAIS MARCANTE NA REFORMA DO JORNAL DO B RASIL ?

Luiz Lobo – Eu acho que ela foi fundamental até para o restante da imprensa brasileira; e o Odylo até hoje é muito injustiçado. JORNAL DA ABI – POR QUÊ?

Luiz Lobo – Porque quando se fala da reforma só é citado o que se passou na segunda fase, e não na primeira. E o Odylo, entre outras coisas, ao chamar o Amílcar de Castro para ser o diagramador do jornal praticamente reinventou a imprensa no Rio. Digo isso porque o Amílcar era um esteta, que destacava uma fotografia pelo seu valor pictográfico e não apenas pelo significado direto da foto. JORNAL DA ABI – ESSA FOI UMA DAS INOVAÇÕES DO JB?

Luiz Lobo – Na área de esportes, por exemplo, naquele tempo só valia foto de gol, mas o jornal passou a destacar lances isolados da partida que tinham também um grande significado para o conjunto do tema. Eram fotos belíssimas e os fotógrafos começaram a se aprimorar, no sentido de procurar a beleza da fotografia. Isso foi muito importante. JORNAL DA ABI – NESSE CASO SERIA LEGÍTIMO AFIRMAR QUE O JB INICIOU UM PERÍODO FÉRTIL DO FOTOJORNALISMO BRASILEIRO?

Luiz Lobo – Saíram algumas besteiras também. O Foster Dulles (John Foster Dulles) era o Secretário de Estado norte-americano (de 1953 a 1959), veio ao Brasil e foi recebido pelo Juscelino. O fotógrafo Antônio Andrade chegou atrasado ao encontro e não pôde fazer as fotos protocolares. Ele foi ao Presidente e disse que perderia o emprego se voltasse para a Redação sem as imagens. O Juscelino pegou uma caderneta que estava em cima da mesa, abriu e fez pose ao lado do Foster dizendo a ele o seguinte: “Você vê o que somos obrigados a fazer para atender à imprensa?”. Andrade conseguiu a sua fotografia, mas o redator Quintino Carvalho fez uma legenda que dizia “Me dá um dinheiro aí!”, sugerindo que o Juscelino tinha pedido dinheiro ao Secretário de Estado dos Estados Unidos. JORNAL DA ABI – E QUAL FOI A REPERCUSSÃO DESSA FOTOGRAFIA?

Luiz Lobo – Teve uma repercussão enorme. Eu acho que essa fotografia e aquela do Erno Schneider em que o Presidente Jânio Quadros aparece com os pés trocados foram as que mais repercutiram na imprensa na época. JORNAL DA ABI – ALÉM DA QUESTÃO DA IMAGEM QUE OUTRAS CONTRIBUIÇÕES O JB DEU AO PADRÃO DA IMPRENSA DOS ANOS 1950 E 1960?

Luiz Lobo – O Jornal do Brasil, além de revolucionar a edição de fotografias, inovou ao criar o departamento de pesquisa, Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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DEPOIMENTO LUIZ LOBO

sob a responsabilidade do Fernando Gabeira. O jornal tinha também um copidesque bem estruturado com os melhores textos do Brasil, com Quintino Carvalho, Luiz Garcia, entre outros, que formavam uma turma poderosa. Já a pauta era uma coisa meio desorganizada. JORNAL DA ABI – AINDA NÃO EXISTIA A FIGURA DO PAUTEIRO?

Luiz Lobo – Exatamente. No Jornal do Brasil um dos jornalistas que melhor cumpriu essa função naquela época foi o Armando Nogueira. Ele iniciava sempre as pautas com uma frase: “Não vive a vida na flauta quem vive de fazer pauta”. Eram pautas ótimas, porque ele não só pedia o que queria, mas dava a informação a respeito do assunto e assim criou-se o hábito da pauta bem-feita. JORNAL DA ABI – FICAMOS SABENDO QUE O SENHOR DEIXOU O JB NO MESMO MOMENTO EM QUE O ODYLO COSTA, FILHO SE RETIROU DO JORNAL . P OR QUÊ?

Luiz Lobo – O Nahum Sirotsky me chamou para fazer uma revista, cujo projeto ele ainda não conhecia bem, mas que tinha suporte financeiro da editora Guanabara Koogan. Isso começou quando a editora quis imprimir no Brasil o Delta Larousse. Mas os donos da publicação ponderavam que não havia no País um local que pudesse fazer a impressão com a qualidade gráfica exigida. JORNAL DA ABI – COMO NASCEU A IDÉIA DA REVISTA?

Luiz Lobo – O Abraão Koogan e Simão Waisseman disponibilizaram o dinheiro para que se fizesse uma revista, não importava o tema, contanto que graficamente fosse muito bem-feita. O Nahum chamou a mim, o Paulo Francis e o Carlos Scliar, que naquele momento tinha interrompido a pintura para fazer uma temporada de desenho, porque dizia que a pintura no

Brasil estava vivendo um período muito estranho, recheada de modernismo, e isso o incomodava, porque ele era figurativista. Então o Scliar acabou fazendo o planejamento gráfico da revista. JORNAL DA ABI – E QUAL ERA O NOME DA REVISTA?

Luiz Lobo – Nós discutimos muito sobre que tipo de revista seria e acabamos optando por uma publicação masculina, cujo título era Senhor. Idealizamos uma publicação que pudesse ser lida também pelo público feminino e que fosse um porto para boa manifestação intelectual, principalmente para os autores de ficção brasileiros. A revista começou a comprar os originais dos melhores escritores da época, como Clarice Lispector, Jorge Amado e Guimarães Rosa. Ela foi muito bem recebida e fez sucesso, embora fosse cara.

Luiz Lobo – Nós criamos a seção A Cozinha Experimental de Claudia, que teve um resultado satisfatório e contratamos algumas figuras importantes para escrever na revista. Inclusive fizemos uma seção muito inteligente, por meio da qual pela primeira vez a imprensa brasileira abordou o homossexualismo.

JORNAL DA ABI – O QUE A REVISTA SENHOR TINHA DE MAIS INTERESSANTE?

JORNAL DA ABI – O QUE GARANTIA A SUSTENTABILIDADE DA REVISTA?

Luiz Lobo – Era um material graficamente interessante, e por incrível que pareça feita na gráfica que imprimia bilhetes da Loteria Federal, listas telefônicas e mais nada. Houve estranhamento em relação a essa escolha, mas o Scliar confiou alegando que lá existiam artistas que sabiam trabalhar, mas que não tinham oportunidade de fazer algo que prestasse. E de fato a revista era muito bonita graficamente.

Luiz Lobo – A Claudia fechou alguns contratos para fazer números especiais pelo mundo, em capitais como Paris, Londres, Nova York e Moscou, por meio de uma parceria com a Rhodia, que pagava praticamente todas as despesas e cedia os modelos que seriam fotografados. Esses números especiais foram grandes sucessos de venda.

Luiz Lobo – Conseguiram, mas o compromisso que eles tinham conosco de deixar a revista sob a nossa administração não se cumpriu. Porque eles desejavam recuperar o dinheiro que tinham investido e resolveram vender revista. Então pedi demissão, até porque o salário era muito curto.

EDITORIAL FEMININO?

JORNAL DA ABI – O SENHOR CHEGOU A PARTICIPAR DE ALGUMA DESSAS PRODUÇÕES DA REVISTA?

“Idealizamos uma publicação que fosse um porto para boa manifestação intelectual, principalmente para os autores de ficção brasileiros.”

JORNAL DA ABI – E FOI FAZER O QUÊ?

ARQUIVO PESSOAL

Luiz Lobo – Eu recebi um convite para ir para Natal trabalhar com o Aloísio Alves, que eu tinha conhecido na Tribuna da Imprensa e que havia sido eleito Governador do Rio Grande do Norte. Ele me convidou para instalar uma faculdade de Jornalismo, que viria a ser a primeira do Nordeste. Eu fui com muitos planos, mas logo em seguida veio o golpe militar de 1964. Luiz Lobo – De início, não. E foi muito curioso porque o Aloísio estava agendado para uma entrevista com um repórter do The New York Times, que a primeira coisa que fez quando chegou foi, com um sorriso irônico, fazer o seguinte comentário: “Vocês deram outro golpe de Estado, isto é uma doença brasileira”. Antes que o Aloísio respondesse, eu disse a ele: “Olha a diferença é que nós quando não estamos satisfeitos com um Governo o derrubamos, e vocês matam o Presidente, como já fizeram várias vezes”. O Aloísio reforçou essa teoria e o jornalista foi correto o bastante para publicar isso no jornal. JORNAL DA ABI – E O QUE ACONTECEU DEPOIS DESSE ENCONTRO?

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JORNAL DA ABI – A REVISTA CLAUDIA TROUXE TAMBÉM OUTRAS INOVAÇÕES PARA O CONTEXTO

JORNAL DA ABI – A PARTIR DESSA EXPERIÊNCIA O ABRAÃO KOOGAN E O SIMÃO WAISSEMAN CONSEGUIRAM EDITAR O LAROUSSE?

JORNAL DA ABI – O GOLPE ATRAPALHOU O PROJETO?

Luiz Lobo em Natal: convidado a implantar a primeira Faculdade de Jornalismo do Nordeste.

metro e começamos a testar geladeira, fogão, aspirador de pó, entre outros produtos. Isso deu um resultado extraordinário, a tal ponto que um refrigerador cuja marca era praticamente desconhecida, do dia para a noite se transformar no aparelho mais vendido do Brasil. Era a Prosdócimo, de Santa Catarina.

Luiz Lobo – Haveria uma reunião entre os Governadores do Nordeste no Recife, mas como o Aloísio não andava de avião fomos de carro juntamente com o Miguel Arraes. Na viagem eu ouvi o Arraes dizer o seguinte: “Tem aí um golpe, não sei se é de esquerda ou de direita, mas estou certo

Luiz Lobo – Eu viajei a Moscou na primavera e saí do Brasil com a informação do Consulado de que a temperatura era muito agradável nessa época. Quando eu e a equipe chegamos fazia 14 graus abaixo de zero. Mas foi uma experiência importante, porque, apesar da marcação cerrada, conseguimos burlar a vigilância e fazer matérias que não estavam na pauta deles. JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE REPORTAGENS VOCÊS

de que a primeira cabeça que vai rolar é a minha”. E de fato foi o que aconteceu. JORNAL DA ABI – COM TODO ESSE CLIMA O SENHOR PERMANECEU EM NATAL E INAUGUROU A FACULDADE?

Luiz Lobo – Nós inauguramos a Faculdade Eloy de Souza, em homenagem a um dos maiores jornalistas de Natal. Da primeira turma que se formou todos os integrantes foram exercer cargos de chefia, no próprio Estado ou em outras praças do Nordeste. Foi uma experiência bem-sucedida. Mais tarde a faculdade foi incorporada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. JORNAL DA ABI – QUAL FOI O SEU DESTINO DEPOIS QUE SAIU DE NATAL?

Luiz Lobo – Fui para São Paulo atendendo a uma oferta do Thomaz Souto Corrêa para fazer a revista Claudia. Esta foi também uma experiência muito interessante, porque a publicação tinha uma linha editorial para mulheres muito “fresquinhas” na minha definição. Eu então sugeri que se fizesse uma revista dedicada a mulheres que trabalhavam fora, inteligentes, independentes e provavelmente com mais recursos para gastar. JORNAL DA ABI – E DE QUE MANEIRA VOCÊS IMPLEMENTARAM A SUA IDÉIA?

Luiz Lobo – Com base em uma seção da Quatro Rodas, que fazia testes de automóveis, nós fizemos um contrato com o In-

CONSEGUIRAM FAZER DRIBLANDO A CENSURA DOS SOVIÉTICOS?

Luiz Lobo – Conseguimos mostrar o lado pobre de Moscou, onde, nessa época, a partir das 9 horas da noite era interrompida a circulação de transportes, não havia trens, táxis, ou outro meio de locomoção. Moscou tinha uma vida underground muito forte, e nós nos deparamos com algumas surpresas incríveis. JORNAL DA ABI – O SENHOR PODERIA CITAR UM EXEMPLO?

Luiz Lobo – Nós verificamos que depois do Rio de Janeiro o lugar onde se tocava mais bossa nova com boa qualidade era Moscou. Eles já tinham a tradição do jazz e passaram a atrair músicos e cantores talentosos, que foram para lá e gravaram coisas que não tinham sido registradas no Brasil. A Elizeth Cardoso foi uma dessas artistas que fizeram sucesso em Moscou. O Johnny Alf foi outro. Eu fiquei quatro anos na Claudia e considero este um dos melhores momentos da minha vida profissional. Além de pagar muito bem, dava liberdade de trabalho. JORNAL DA ABI – E POR QUE O SENHOR LARGOU ESSE TRABALHO QUE ERA TÃO BOM?

Luiz Lobo – Eu voltei para o JB. O editor na época era o Alberto Dines. Participei da formatação da Revista de Domingo. Eu era colunista, mas não fiz nada de mais marcante na minha carreira nesse período. JORNAL DA ABI – EM UM SEMINÁRIO REALIZADO


DIVULGAÇÃO

AQUI NA

ABI SOBRE O JB FALOU-SE SOBRE UMA

CARTILHA DOS TEMAS QUE NÃO PODIAM SER NOTICIADOS.

O SENHOR SE LEMBRA DISSO?

Luiz Lobo – No Jornal do Brasil a principal preocupação da Condessa Pereira Carneiro era com a religião. Tudo o que fosse notícia que mencionasse a religião católica tinha que passar pela mão dela, e algumas coisas não saíram. O primeiro escândalo de pedofilia é dessa época, e não foi noticiado. A outra preocupação era com o lado do Governo, havia uma certa cerimônia com algumas figuras, e isso também passava pelo editor político antes de seguir para a impressão. JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE SOBRE O PRÊMIO ESSO DE REPORTAGEM QUE CONQUISTOU.

Luiz Lobo – Foi uma campanha que nós fizemos na Tribuna da Imprensa a favor da vacinação antipólio. Naquela época isso ainda era feito no Brasil por meio de injeção. Tratava-se de uma situação gravíssima com o País sendo apontado como um dos que apresentava o maior índice de poliomielite. JORNAL DA ABI – O SENHOR SE LEMBRA O TÍTULO DA CAMPANHA?

Luiz Lobo – O mote da campanha era “Qual é o futuro que você quer para o seu filho?” Foi uma promoção muito apelativa baseada no número de pessoas que sofreram com a pólio; o resultado foi muito positivo.

Brasil na época, John Donohue, acompanhado do oficial de comunicação, Salvador Herencia. John comentou que a Rede Globo, com a força que tinha – que ele comparou à de canhão –, não fazia nada pela criança no Brasil. Eu disse a ele que o Unicef também era um canhão das Nações Unidas e poderia fazer mais pelas crianças brasileiras. E complementei dizendo que eles não eram exatamente as pessoas mais indicadas para criticar a Globo. Disse também que se eles quisessem nós poderíamos trabalhar juntos, desde que eles assumissem o fato de que o Unicef não fazia nada pelas crianças do nosso País. JORNAL DA ABI – QUAL FOI O DESDOBRAMENTO

JORNAL DA ABI – FORAM ALCANÇADOS OS RESULTADOS ESPERADOS?

Luiz Lobo – A campanha foi veiculada durante três anos e de fato nós mudamos o perfil do aleitamento materno no Brasil. E foi muito importante, porque conseguimos inclusive o apoio da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, que demorou um pouco a se engajar na campanha devido aos patrocínios que recebia para congressos. A segunda grande campanha falava sobre o soro caseiro, quando foi constatado que a maior causa da mortalidade infantil era a desidratação, que provocava infecções variadas como a diarréia. Nessa campanha nós tivemos um problema.

DESSA CONVERSA?

Luiz Lobo – O John Donohue ficou meio espantado, porque não esperava por aquela bofetada, mas disse que eu tinha razão. E perguntou se nós tínhamos uma boa pesquisa que apontasse as demandas mais críticas das crianças no Brasil. A partir dessa conversa o Unicef começou a fazer relatórios sobre os problemas das meninas e meninos brasileiros, que até então não fazia. Foi com base nesse levantamento que nós criamos o projeto Criança Esperança, que foi muito bem-sucedido. JORNAL DA ABI – A REDE GLOBO ENTÃO USOU TODO O SEU PODER DE COMUNICAÇÃO EM BENEFÍCIO DA CRIANÇA BRASILEIRA?

Luiz Lobo – O Criança Esperança foi um projeto criado pela Rede JORNAL DA ABI – COMO O Globo, em parceria com “A partir dessa SENHOR VÊ A ATUAÇÃO DA IMo Unicef, para arrecadar conversa o Unicef PRENSA HOJE NA PRESTAÇÃO recursos. Mas a emissoDESSE TIPO DE SERVIÇO? ra sempre se preocupou começou a fazer Luiz Lobo – Eu acho que em deixar claro que o seu relatórios sobre os está muito abaixo do que interesse na campanha poderia ser feito. Atribu- problemas das meninas era a comunicação sociem à mídia uma excessiva benefício da criane meninos brasileiros, alça.em responsabilidade que ela Por sugestão do Maque até então não não quer ter. A mídia não galdi, traçamos a estratéfoi criada com esse objetifaziam. Foi com base gia de abordar assuntos vo, essa não é a sua função, que pudessem ser resolvinesse levantamento dos pela própria comunimas eu acho que ela deveria atuar também nesse dade sem a intervenção que nós criamos o sentido. Só que se a gente necessária do Estado, que projeto Criança for analisar todos os últiera sempre uma questão mos grandes encontros discutível. As campanhas Esperança, que foi nas Nações Unidas para podiam depender da muito bem-sucedido.” não discutir questões de gêneAdministração pública. ro, habitação, população, criança, fome, JORNAL DA ABI – QUAL FOI O TEMA DA PRIMEIentre outros assuntos, vamos verificar que RA CAMPANHA? os documentos gerados nessas assembléias cobram uma participação mais efetiva da Luiz Lobo – A primeira campanha promomídia nesse debate. Não considero que seja via o aleitamento materno, pois observamos uma obrigação, mas acho que a mídia deveque em 50 anos a publicidade da Nestlé fez ria cumprir esse papel. que a mulher brasileira não acreditasse no valor nutriente do seu próprio leite. Por JORNAL DA ABI – OUTROS VEÍCULOS PARA OS QUAIS isso, foi uma campanha difícil criada para O SENHOR TRABALHOU PRATICARAM ESSE TIPO DE chamar a atenção das mulheres sobre a imJORNALISMO? portância do aleitamento materno. Luiz Lobo – Eu fui trabalhar em O Globo JORNAL DA ABI – A NESTLÉ GASTA MUITO DIe dava sempre um espaço grande na pauNHEIRO EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS NA TV. ta para educação, saúde e relações sociais; HOUVE ALGUM CHOQUE DE INTERESSES DURANTE às vezes até com um pouco de exagero. DeA CAMPANHA DO LEITE MATERNO DO CRIANÇA ESpois eu me transferi do jornal para a CenPERANÇA ? tral Globo de Comunicação (CGCom), na Rede Globo, e lá me dediquei extremamenLuiz Lobo – Houve sim, mas o Magalte ao social. di era uma pessoa muito forte, que absorveu bem essa questão. Ele bancou a veicuJORNAL DA ABI – EM QUE TIPO DE PROJETO O lação da campanha, principalmente em SENHOR SE ENVOLVEU NA REDE GLOBO? relação à Nestlé, que pegou pesado, mas foi Luiz Lobo – Lembro-me perfeitamente convencida pelo próprio pessoal da publida vez em que estava na sala do João Carcidade de que não anunciar seria pior, los Magaldi, que era o Diretor da Central porque a empresa passaria a levar porrada Globo de Comunicação-CGCom, quansem o respaldo da veiculação da sua pródo entrou o representante do Unicef no pria publicidade.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI?

Luiz Lobo – O soro que o Ministério da Saúde distribuía era acondicionado em litro, e a nossa proposta era de que fosse em copo. JORNAL DA ABI – POR QUÊ?

Luiz Lobo – Porque a qualidade da água brasileira era precária, o Brasil tinha muitos problemas de meio ambiente e a nossa preocupação era de que na embalagem em litro a água se contaminasse rapidamente. Por meio do copo o consumo seria imediato. Só que os laboratórios também trabalhavam com litro e resistiram violentamente à campanha. A tal ponto que um médico safado mexicano, da Organização Pan-Americana de Saúde, chegou ao Rio e declarou que o soro caseiro estava matando crianças no Nordeste. JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE PROVIDÊNCIA A REDE GLOBO TOMOU EM RELAÇÃO A ISSO?

Luiz Lobo – Nós pedimos ajuda ao setor de Jornalismo, verificamos onde o mexicano ia estar e fomos ao seu encontro. Nós então pedimos a ele que provasse a sua denúncia. Ele se defendeu dizendo que tinha ouvido rumores, e como não apresentou realmente nenhum fato concreto eu o chamei de boateiro e o pressionamos para que fizesse uma retratação pública. Exigimos que ele fosse ao jornal e desse uma declaração de que não havia verdade nas suas acusações. JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU COM ESSE MÉDICO DEPOIS DESSA HISTÓRIA?

Luiz Lobo – Ele acabou sendo demitido, e nós ganhamos vários prêmios com essas campanhas. Eu poderia ter ganhado outro prêmio de jornalismo pelo Globo não fosse a pressão que sofremos de colegas jornalistas contra a nossa candidatura. JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR NOS

“Com as informações exclusivas que levantamos, Roberto Marinho foi para a Redação do Globo e cuidou pessoalmente da edição. Ao saber que nenhuma outra equipe havia chegado a Salvador resolveu dar todo o material, que ocupou cinco páginas.” sima que o Doutor Roberto ficaria aborrecido com a demora em ser informado. J ORNAL DA ABI – ROBERTO M ARINHO LHE ATENDEU?

Luiz Lobo – Ele veio ao telefone eu então expliquei a ele que só o plantão de jornalismo estava funcionando. Que eu não tinha dinheiro suficiente para levar uma equipe a Salvador, mas que era importantíssimo que nós corrêssemos para lá, porque toda a imprensa certamente o faria. Ele pediu que aguardasse 15 minutos. E no prazo marcado chegou ao jornal com uma maleta contendo dinheiro vivo para pagar as despesas de viagem da equipe de reportagem. Roberto Marinho nos ofereceu também outra maleta que transmitia fotos por telefone, novidade absoluta na época.

CONTASSE ESSE CASO.

JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU EM SEGUIDA?

Luiz Lobo – Eu era chefe de reportagem no Globo. Um dia eu cheguei à Redação num sábado, às 6h, e o repórter de plantão estava nervosíssimo porque o pai de outro repórter havia telefonado do interior da Bahia comunicando que o Lamarca tinha sido morto pelo Exército, e que ele como prefeito havia visto o corpo que estava sendo levado para Salvador.

Luiz Lobo – Eu havia convocado para ir a Salvador repórteres que não sabiam que nós estávamos informados das suas relações (do Roberto Marinho) nos órgãos de segurança do Exército, Marinha e Aeronáutica. O Doutor Roberto comunicou-se com o Governador Antônio Carlos Magalhães, que abriu o Palácio para O Globo, para que nós pudéssemos transmitir as informações pelo telex. Na viagem levamos gravadores especiais que Roberto Marinho tinha trazido do Japão. A ordem era para gravar tudo. Fizemos a cobertura e descobrimos, por exemplo, que o Lamarca havia sido morto dormindo, pela trajetória das balas que rasgaram o seu corpo, o que foi confirmado pelo diretor do Instituto Médico Legal-IML.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA REAÇÃO IMEDIATA?

Luiz Lobo – Chovia muito e o aeroporto de Salvador estava fechado. Telefonei para a casa do Roberto Marinho e pedi para chamá-lo. O mordomo disse que não podia acordá-lo àquela hora. Mas eu disse que era notícia jornalística importantís-

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DEPOIMENTO LUIZ LOBO

JORNAL DA ABI – PELO VISTO O GLOBO TINHA EM MÃOS UMA GRANDE MATÉRIA QUE PODERIA SE TRANSFORMAR EM UM FURO DE REPORTAGEM. FOI O QUE ACONTECEU?

reunião, e nós da CGCom aproveitamos para puxar a brasa para a nossa sardinha, pedindo que a programação dedicasse um espaço para serviços. Quando o Fantástico foi ao ar, apesar de eu não fazer parte da equipe de Jornalismo, tive uma pequena participação no programa como pauteiro. Depois fui substituído pelo José-Itamar de Freitas.

Luiz Lobo – Conseguimos também o diário de Lamarca, que estava em poder de um oficial da Aeronáutica e que já tinha selecionado o que dizia ser “os melhores trechos”. O comandante do Exército estava na praia. Fizemos toda a cobertuJORNAL DA ABI – O SENHOR SE LEMBRA DE ALra sem sermos incomodados e com a coGUMA PAUTA INTERESSANTE QUE MARCOU A SUA laboração de oficiais, sargentos e praças PASSAGEM PELO FANTÁSTICO? que há meses andavam no encalço do LaLuiz Lobo – Foi uma matéria sobre dimarca, inclusive subindo e descendo o Rio abetes, que chamamos de “o assassino siSão Francisco como se fossem pescadores. lencioso”. Causou um certo escândalo na Com todas essas informações, Roberto época, mas depois toda a mídia foi atrás Marinho foi para a Redação do Globo e do assunto e durante um bom tempo cuidou pessoalmente da edição. Ao saber debateu-se sobre a doença, que conforme que nenhuma outra equipe havia chegaum levantamento que do a Salvador resolveu dar todo o material, que ocu“Faço parte de uma fizemos atingia cerca de pou cinco páginas, em geração de jornalistas 6% da população. lugar das duas anteriorque cuidou muito da JORNAL DA ABI – O QUE O mente abertas para notiACHA DO F ANTÁSTIciar o assunto. Mas foi aí língua, nós tínhamos SENHOR CO ATUALMENTE? que começaram os nossos competição entre os Luiz Lobo – Eu sinto problemas. uma saudade enorme do jornais pela qualidade JORNAL DA ABI – QUE TIPO programa original. Prido texto da notícia. DE PROBLEMAS? meiro, porque a Casa tiLuiz Lobo – Quando E hoje, aqueles que nha as suas próprias orchegamos ao Rio estávaquestras sinfônica e poeu chamo de filhos mos todos presos e fomos pular, que foram extintas. levados para o antigo MiTinha um balé, que tamda Puc, não têm nistério da Guerra e interacabou. Os números esse cuidado com a bém rogados por um coronel do musicais e de balé do FanExército, que nos acusava língua portuguesa.” tástico inicial eram extrade sermos comunistas a ordinários, do nível dos da serviço da contra-revolução. O Roberto Broadway. Eu me lembro de um programa Marinho foi lá e disse que se alguém deque mostrou um solo de sapateado que veria estar preso era ele, porque havia rodou o mundo inteiro. Mesmo no cammandado fazer a cobertura e editado o po do jornalismo eu acho que se fazia material. Que não havia qualquer partimatéria um pouco mais aprofundada. cipação dos repórteres na versão publicaJORNAL DA ABI – E QUAL FOI O MOTIVO DA SUA da a não ser recolher os depoimentos, e SAÍDA DA REDE GLOBO? que ele podia provar isso com a gravação Luiz Lobo – O meu vínculo com a Glode tudo, oferecendo cópia ao coronel. Ele bo durou até o dia em que uma senhora, revelou também que todos os repórteres que havia falido com a Mesbla, foi para a trabalharam como informantes do Exéremissora e decretou down sizing. No final, cito, Marinha e Aeronáutica. Fomos todos eu fui demitido porque era velho demais. dispensados. Então quando eu achava que estava no JORNAL DA ABI – ENTÃO HOUVE UM FINAL FEauge da minha capacidade de produção LIZ? E POR QUE A REPORTAGEM NÃO PÔDE CONintelectual fui colocado para escanteio CORRER AO PRÊMIO ESSO DE JORNALISMO? por causa da idade. Para mim foi uma saLuiz Lobo – Inscrevemos a reportagem ída traumática. É curioso porque depois para concorrer ao Prêmio Esso de Jornafui chamado várias vezes para fazer lismo (1971) e imediatamente começou coisas que fazia antes ganhando muito a pressão para que retirássemos a nossa mais do que ganhava quando era funcicandidatura. Várias fontes diziam que os onário da Casa. militares não aceitariam o “desaforo” daJORNAL DA ABI – O SENHOR TEVE OUTRA EXPEquela cobertura. Uma dessas pessoas era o RIÊNCIA EM TELEVISÃO? coordenador do Prêmio na época, AlberLuiz Lobo – Na TV Brasil, quando esta to Dines. Ele sugeriu que apresentássemos ainda era TV Educativa. Foi um período o material no ano seguinte, o que evidenmuito curioso, porque eu enfrentei uma temente não aceitamos, porque depois a senhora que fazia censura em nome da Esso diria que o material teria sido aprepedagogia. Nessa época eu fazia o site da sentado fora do prazo. Mesmo assim a emissora e era chamado para participar cobertura foi retirada e deixamos de gadas reuniões de pauta. nhar o Prêmio, para o qual éramos favoritos absolutos. JORNAL DA ABI – NA REDE GLOBO O SENHOR TAMBÉM PARTICIPOU DA CRIAÇÃO DO FANTÁSTICO. FALE DO SEU ENVOLVIMENTO COM O PROGRAMA.

Luiz Lobo – O Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) já tinha a idéia do novo programa, que deveria ter o formato de revista, nas noites de domingo, abordando assuntos variados. A proposta era que apresentasse também atrações musicais, entre outras. Ele nos convocou para essa

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JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE CENSURA O SENHOR SOFREU NA TV EDUCATIVA?

Luiz Lobo – Para responder a esta pergunta preciso contar uma historinha. Um dia o maestro da emissora me chamou e disse que estava terminando de produzir um programa sobre a cantata cênica Carmina Burana. Eu comentei com ele que era uma peça muito bonita, mas que se não tivesse tradução para explicar o seu significado seria uma sacanagem com o públi-

co. Disse a ele que era uma obra moderna, mas que era pesada e que eu achava que nós tínhamos que dar alguma informação sobre o que ela representava. JORNAL DA ABI – O MAESTRO CONCORDOU COM O SENHOR?

Luiz Lobo – Ele disse que concordava com a minha observação. Nós então preparamos um programa em que um apresentador lia pequenos textos explicando as passagens do balé. Por sinal, uma obra belíssima. JORNAL DA ABI – O SENHOR AINDA NÃO FALOU SOBRE A CENSURA.

Luiz Lobo – Na emissora havia uma coordenadora pedagógica conhecida como Dona Adolfina, que achou o texto chocante e quis vetar o programa. Eu apelei para o então presidente da Fundação Roquette-Pinto. Ele se espantou, pediu para ver o material, aprovou e colocou o programa no ar à revelia da orientação da Dona Adolfina. Não houve protestos. JORNAL DA ABI – ALGUM TRABALHO SEU JÁ PROVOCOU ALGUM TIPO DE PROTESTO?

Luiz Lobo – Aconteceu quando eu publiquei uma charge do Jaguar na Tribuna da Imprensa. Foi uma besteira sem tamanho, porque era Semana Santa e o desenho mostrava o Cristo na cruz e Maria Madalena aos seus pés. A legenda dizia o seguinte: “Hoje não, Madalena, porque eu estou pregado”. Isso deu um bode danado.

um dos grandes erros do jornalismo contemporâneo. JORNAL DA ABI – O SENHOR CONSEGUE ENXERGAR ALGUMA JUSTIFICATIVA PARA ESSA DECISÃO?

Luiz Lobo – Acho que os donos de jornais não estavam preocupados com a qualidade. Eu sou do tempo em que havia jornais matutinos e vespertinos. Isso fazia uma grande diferença. Hoje é um bloco só. Falta respeito pela notícia. O mais importante é o jornal distribuir seus exemplares em todas as praças do País. JORNAL DA ABI – E COMO É QUE O SENHOR VÊ O FUTURO DO JORNALISMO, A PARTIR DA PREDOMINÂNCIA DA TECNOLOGIA E DA LINGUAGEM DIGITAL?

Luiz Lobo – Na minha modesta opinião nenhum canal substitui o canal anterior. Nenhuma mídia substitui a sua precedente. Sempre se disse que o rádio ia matar o jornal, que a tv faria o mesmo e nada disso aconteceu. O jornal não vai morrer. O problema é que os jornais não estão adaptando-se à evolução da comunicação. Acho que esses veículos deveriam se aprofundar mais nos assuntos. JORNAL DA ABI – ESSE COMPORTAMENTO EDITORIAL AJUDARIA A MANTER A FIDELIDADE DOS LEITORES AO JORNAL?

Luiz Lobo – Eu me lembro de que a gente esperava o Repórter Esso para ter certeza se a notícia era verdadeira ou não. Antes do lançamento desse programa jornalístico, se o assunto não saísse no jornal, não era notícia.

JORNAL DA ABI – QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA ATUAL?

JORNAL DA ABI – NA SUA OPINIÃO, OS JORNAIS

Luiz Lobo – Como eu sou basicamente um redator, a minha preocupação é com a qualidade dos textos, que eu considero péssima. O que eu ouço de bobagem na tv, leio de besteira nos jornais devido à falta de conhecimento mínimo da língua e até mesmo do valor das palavras, é algo que me deixa entristecido. Eu faço parte de uma geração de jornalistas que cuidou muito da língua, nós tínhamos competição entre os jornais pela qualidade do texto da notícia. E hoje, aqueles que eu chamo de filhos da Puc, não têm esse cuidado com a língua portuguesa.

ESTÃO ACOMPANHANDO ADEQUADAMENTE AS EXIGÊNCIAS DO NOVO MERCADO DE COMUNICAÇÃO?

Luiz Lobo – Os jornais não se deram conta das modificações aceleradíssimas que estão ocorrendo no setor de comunicação e não se prepararam para essa mudança devidamente. É por isso que estão morrendo tantos jornais em todo o mundo. Outra coisa que esses veículos perderam é o bom humor. JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR EXPLICASSE MELHOR ESSE PONTO DE VISTA.

Luiz Lobo – Quando o Times anunciou a morte do Bernard Shaw, ele escreveu um JORNAL DA ABI – O SENHOR ACHA QUE A INTERdos melhores artigos de humor que eu NET TEM ALGUMA INFLUÊNCIA NESSE PROCESSO? conheço: uma carta endereçada ao jornal Luiz Lobo – É só verificar como a garoque dizia que as notícias sobre a morte dele tada escreve pela rede. Eles não têm reseram exageradas. E pedia que fosse feita a peito nem interesse pelo idioma. Na necorreção. O editor respondeu afirmando cessidade de noticiar rapidamente, falaque o Times jamais se desmentia e que ia se e escreve-se de maneira capenga. Esse publicar na coluna de nascimentos que ele comportamento empohavia renascido (risos). “Toda forma de breceu o jornalismo. Ou seja, a relação do jornal com o leitor era bemcensura, e não JORNAL DA ABI – FOI RUIM humorada, com base nessomente na imprensa, sa troca de gentilezas. PARA OS JORNAIS, PRINCIPALMENTE, ACABAR COM A FUNÇÃO DE REVISOR?

é detestável, antidemocrática e eu acrescentaria que é anti-humana também.”

Luiz Lobo – Isso foi um absurdo. Primeiro, usar essa linguagem idiota do computador, que nos dá as sugestões mais absurdas possíveis para substituir uma palavra. Usar o corretor digital é uma bobagem que não tem tamanho. Com isso acabaram com uma das mais respeitáveis funções do jornalismo, que era a bancada de revisores, onde trabalharam pessoas de grande qualidade literária e que davam soluções em muitos textos que eram capengas. Tínhamos figuras notáveis na revisão. Acho que abolir essa função foi

JORNAL DA ABI – O QUE O SENHOR ACHA DA CRIAÇÃO DE MECANISMOS DE REGULAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.

É O MESMO QUE CENSURA?

Luiz Lobo – Desde o começo do jornalismo o jornalista é perseguido, pelo motivo mais simples: há notícias que são verdadeiras armas. É justo que as vítimas e as pessoas ofendidas tentem uma reação para tirar esse poder da imprensa. Toda forma de censura, e não somente na imprensa, é detestável, antidemocrática e eu acrescentaria que é anti-humana também. Não vai colar.


ARQUIVO PESSOAL

ou mais capacitadas do que eu. A faculdade me serviu do ponto de vista da formação intelectual e humanista e me abriu outros caminhos. Mas para o exercício da profissão não acho que o diploma seja indispensável.

JORNAL DA ABI – MAS A MÍDIA PRECISA OU NÃO DE REGULAMENTAÇÃO?

Luiz Lobo – O problema é que nós da mídia também não temos nos comportado muito bem em relação à regulamentação. A nossa auto-regulação deveria ser mais exigente. Nós temos alguns casos célebres de pessoas que foram extremamente agredidas pelos veículos de comunicação e que depois se revelaram inocentes. E a mídia não deu, como nunca dá, o mesmo valor ao desmentido que deu quando errou.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE SOBRE A SUA PRISÃO DURANTE A DITADURA MILITAR.

JORNAL DA ABI – O SENHOR GOSTARIA DE CITAR ALGUM CASO?

Luiz Lobo – O Alcenir Guerra (ex-Ministro da Saúde do Governo Collor acusado de corrupção, em 1992) é um exemplo, pois foi evidentemente injustiçado. O nome dele virou sinônimo de bandido e de corrupto. JORNAL DA ABI – É DIFÍCIL LIDAR COM A MÍDIA?

Luiz Lobo – Quando o Passarinho (Jarbas Passarinho) era Ministro reclamava muito da imprensa. Eu argumentei que ele não sabia lidar com ela, pois ao invés de responder às perguntas dos jornalistas reagia agressivamente. Eu disse a ele que era preciso andar sempre com uma balinha no bolso para distribuir para o repórter. JORNAL DA ABI – QUAL É O SIGNIFICADO DISSO?

A elegância de Luiz Lobo em foto oficial como Redator-Chefe da revista Conjuntura Social.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR AVALIA O ENSINO DE JORNALISMO ATUAL?

Luiz Lobo – Eu acho que está muito mal. Quando eu criei a faculdade de Jornalismo em Natal briguei muito com o Conselho Federal de Educação. Porque eu queria que o currículo normal tivesse disciplinas técnicas. JORNAL DA ABI – O SENHOR PODERIA NOS DAR

UM EXEMPLO? Luiz Lobo – Eu disse ao Passarinho que todas as vezes que um jornalista lhe fiLuiz Lobo – Ensinar Português e Técnica de Redação são duas coisas completazesse uma pergunta que ele não gostaria de comentar ele falasse mente diferentes. Acasobre outra coisa que fos“O Franklin Martins bar com o ensino de Técnica de Redação para fise do seu interesse, mas de bom só tem o que significasse uma boa car só com o de língua informação para o resobrenome. Porque portuguesa não é bom para a formação do jorpórter. Eu provei que ele um jornalista que ficaria mais simpático nalista. Ética é um aspara a imprensa e não sunto que se resolve em sugere censura pra meia dúzia de aulas, não seria mais “agredido”. E mim não merece o realmente depois dessa precisa de dois semesconversa o Passarinho, título de jornalista.” tres inteiros para esse tipo de matéria. de uma figura extremamente antipática, passou a colher a simJORNAL DA ABI – POR QUE O SENHOR ACHA patia dos jornalistas que o entrevistaQUE OS CURSOS DE JORNALISMO ESTÃO CHEIOS vam. Ele aprendeu a lidar com a imprenDE DISCIPLINAS QUE SERIAM DISPENSÁVEIS PARA A sa: nem sempre de maneira correta e verFORMAÇÃO PROFISSIONAL? dadeira, mas absorveu o meu conselho. Luiz Lobo – Porque quem cuida do ConJORNAL DA ABI – O QUE O SENHOR ACHOU DA selho Federal de Educação resolveu forPROPOSTA DE REGULAÇÃO DA MÍDIA APRESENTAmar comunicólogos, ao invés de jornalisDA NO GOVERNO L ULA PELO EX-M INISTRO tas. Nós não precisamos de comunicóloFRANKLIN MARTINS? gos, mas de bons jornalistas. Mas o ConLuiz Lobo – O Franklin Martins de bom selho sempre se recusou a incluir matérias técnicas, porque diz que a faculdasó tem o sobrenome. A mãe dele, Maria Martins, é uma pessoa maravilhosa, o pai de não é uma escola técnica. É por isso também, mas ele é um sujeito de baixo que não estamos formando bons jornalistas. Qualquer recém-saído das faculdaescalão. Porque um jornalista que sugere censura pra mim não merece o título de des de Jornalismo atualmente quando enjornalista. tra na Redação não funciona, porque lhe falta a formação específica.

JORNAL DA ABI – ESSE ASSUNTO FOI RETOMADO RECENTEMENTE PELO PT NA SUA REUNIÃO ANUAL.

Luiz Lobo – Eu acho que o PT tem todos os motivos para querer censura, porque é um partido que participa da corrupção com a mais descarada naturalidade. O “Mensalão” é um caso evidente de descalabro político e público e o partido assumiu uma postura que aquilo era normal. Logo o PT, que teve um início maravilhoso, com ótimas intenções. Mas como de boa intenção o inferno está cheio, assim que se viu no poder esqueceu tudo o que havia prometido antes.

Mensagens

JORNAL DA ABI – E O QUE É PRECISO PARA SE TORNAR UM BOM JORNALISTA?

Luiz Lobo – Saber escrever, usar bem os equipamentos à sua disposição e fazer anotações rápidas. A pessoa que deseja ingressar no jornalismo e não tem essas habilidades é um castrado, já começa mal. JORNAL DA ABI – O DIPLOMA FAZ A DIFERENÇA?

Luiz Lobo – Deveria fazer, mas para mim especificamente não fez. Pessoas que trabalharam junto comigo e não fizeram faculdade de Jornalismo são tão

Luiz Lobo – Eu fui preso em casa por agentes do Doi-Codi, que me conduziram para a Delegacia de Vigilância, em Pilares. Por sorte durante muito tempo eu participei de uma mesa-redonda de futebol e fui reconhecido por um dos agentes que me disse que também era Flamengo e que a minha prisão era apenas para me assustar. Mais tarde eu vi chegar na DP uma pessoa que tinha sido meu colega de turma no Colégio Pedro II.

JORNAL DA ABI – FOI A SUA SORTE?

Luiz Lobo – Eu me dirigi a ele, que me respondeu que não falava com subversivo. Aquilo me revoltou. Fiquei cinco dias em uma cela com quase um palmo de água, sem dormir ou comer. De início fiquei com muito medo, mas depois fui entrevistado por um oficial de Cavalaria que me perguntou se eu tinha ficado satisfeito com a derrota da Seleção Brasileira de Basquete para a da União Soviética. JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA RESPOSTA?

Luiz Lobo – Eu respondi que aquela era uma pergunta imbecil, e indaguei se o resultado o deixara contente. Ele respondeu que não, porque não era comunista. Eu disse que eu também não, e caso fosse também não teria gostado da derrota porque seria um comunista brasileiro. JORNAL DA ABI – O MILITAR FICOU CONVENCIDO COM A SUA EXPLICAÇÃO?

Luiz Lobo – Ele me perguntou se eu já tinha estado em Moscou? Eu disse que tinha ido lá a trabalho. Ele então me perguntou se eu sabia a letra do Hino Nacional. Eu lhe fiz uma proposta: eu cantaria um hino patriótico e ele outro, até que um de nós desistisse. Antes que ele topasse fazer a aposta eu lhe disse que tinha sido aluno do Vila-Lobos no Colégio Pedro II e que sabia inclusive o hino da corporação de que ele fazia parte, cuja origem provavelmente ele desconhecia. Ele ficou irritado e continuou me fazendo perguntas idiotas. JORNAL DA ABI – COMO FOI O DESFECHO DESSE INTERROGATÓRIO?

Luiz Lobo – A certa altura, depois de ele tanto insistir nas perguntas imbecis, inclusive sobre o que eu achava da Princesa Isabel, a Redentora, um sujeito que assistia ao interrogatório e eu não sabia, me disse que eu poderia ir embora. Eu pensei que teria que voltar à cela, mas ele me disse que eu estava sendo libertado. Depois eu soube por um amigo meu, que era o chefe do Doi-Codi, que eu tinha sido preso por ordem pessoal do irmão do Presidente Ernesto Geisel, que não gostou de um artigo que eu escrevi no Correio da Manhã intitulado O regime não presta. Os militares admitiam tudo, menos que se discutisse o Governo deles.

A IMPRENSA PERSEGUIDA Caro Ucha: Acabei de ler o conjunto especial de matérias sobre “A imprensa perseguida” e a maioria dos demais textos publicados na edição de agosto do Jornal da ABI. O conjunto da edição é um trabalho valioso, relevante no conteúdo e belo na forma. Parabéns a Maurício Azêdo, a você e a seus colaboradores. Permita-me fazer duas ressalvas a passagens de matérias do dossiê especial sobre “A imprensa perseguida”. Numa delas se afirma que o semanário Opinião foi “secretamente instruído pelo comitê central da Ação Popular ”. Esta versão, destituída de qualquer fundamento e já desmentida várias vezes, foi inventada por Bernardo Kucinski em sua história conspiratória da imprensa alternativa. Noutra matéria se afirma também que, “com exceção de A Voz Operária, do PCB, e A Classe Operária, do PCdoB, o restante [das publicações alternativas, clandestinas ou no exílio] eram títulos de que raramente saíam mais que uns poucos números”. A informação não é correta. No acervo documental que doei ao Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, transformado no “Fundo Duarte Pereira”, há uma coleção praticamente completa do jornal Libertação, da Ação Popular, que durou vários anos. Abraço amigo, Duarte Pereira Caro Duarte Pereira Grato pelas palavras de elogio e as correções pertinentes. Embora sua última observação não consista em erro da Redação do Jornal da ABI: o jornal Libertação é um dos raros casos de publicação que durou vários anos em comparação à enorme quantidade de veículos que não passaram de poucas edições. (Francisco Ucha)

ESPECIAL DE ENTREVISTAS Show de bola! O Jornal da ABI poderia e deveria circular fora dos círculos jornalísticos. É de alto nível. E graficamente superbonito. Fico honrado em estar nestas páginas... Geneton Moraes Neto ERRATA EDIÇÃO 370 - SETEMBRO DE 2011 Página 47 - Na matéria Lan – Uma paixão carioca nota intitulada Mais sobre Lan, publicada no pé da quinta coluna, penúltima linha, leia-se Zélia Duncan; Jards Macalé, por João Pimentel, e Turíbio...

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Liberdade de imprensa ELZA FIÚZA/ABR

Advocacia da União postula no Supremo fim de leis que a impedem de falar Em petição firmada também pela ABI, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil-Unafe questiona dispositivos legais que condicionam entrevistas à ordem ou autorização do chefe. Através de fundamentada petição firmada pelos advogados Maurício Verdejo e José de Castro Meira Júnior, do escritório J. Meira Advogados, sediado em Brasília, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil-Unafe e a ABI ingressaram no Supremo Tribunal Federal, no dia 3 de setembro, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de disposições da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e da Medida Provisória 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, as quais são apontadas pelas duas instituições como uma mordaça que se impõe aos advogados da União. O relator da Ação é o Ministro Joaquim Barbosa, que deverá decidir sobre o pedido de tutela antecipada formulado pelas requerentes. Os dispositivos questionados pela Unafe e pela ABI são o inciso III do artigo 28 da Lei Complementar nº 73, e o inciso IIII do parágrafo 1 do artigo 38 da MP 2.229-43. que proíbem os membros efetivos da Advocacia-Geral da União de “manifestar-se por qualquer meio de divulgação sobre assunto pertinente às suas funções, salvo se expressamente autorizados pelo Advogado-Geral da União”. Tal proibição, diz a petição, contraria os incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal, este último incisivo ao declarar que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de cen-

sura ou licença”, e o artigo 220 da Carta Magna, que estabelece: Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Parágrafo 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Parágrafo 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. No expediente em que comunicou à ABI o ajuizamento da Ação, o Presidente da Unafe, Luís Carlos Rodriguez Palacios Costa, assinalou que a Casa, ao se associar à iniciativa de questionamento dos dois textos legais, “demonstra firmeza na defesa da ordem e da legalidade, em consonância com sua tradição de vanguarda nos principais momentos da História do País, mormente na consolidação do Estado Democrático de Direito”. Diz ainda o comunicado da Unafe: “O êxito do nosso pleito junto ao STF representará a garantia de um dos principais pilares da democracia para a sociedade brasileira, principalmente no que se refere às prerrogativas para atuação dos profissionais da imprensa e dos membros da AGU”.

Pistoleiros atacam tv no Paraná Este é o segundo atentado cometido em Maringá com as mesmas características. Com armas calibre 40 e 9 milímetros, usadas geralmente por bandidos de alta periculosidade ligados ao narcotráfico, dois homens não identificados até o fim de setembro atacaram a tiros a TV Maringá, afiliada da Rede Globo nesse Município do Norte do Paraná, num atentado apontado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão-Abert como “uma evidente tentativa de intimidação ao veículo de comunicação que é reconhecido por sua linha editorial independente e o seu compromisso com os interesses da comunidade”. O atentado ocorreu na madrugada de 29 de agosto, quando dois homens atiraram de uma motocicleta contra a recepção e a cozinha da emissora. Foram disparados 15 tiros, 12 dos quais atingiram a recepção, onde um dos se-

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guranças do prédio se atirou no chão para escapar à fuzilaria. O Delegado Osnildo Lemes, da 9ª. Subdivisão Policial de Maringá, apontou o uso de armas calibre 40 e 9 milímetros como indicação de que os bandidos “não eram pessoas comuns, que quisessem fazer algum tipo de protesto”. Foi esse o segundo atentado cometido em Maringá com as mesmas características. Um mês antes, dois homens também numa motocicleta fizeram disparos com armas calibre 9 milímetros contra o mesmo prédio, onde funcionam a RPC TV Maringá e o jornal Gazeta de Maringá, que publicara reportagem com denúncia de repasses no total de R$ 12 milhões do Ministério do Turismo para a Prefeitura de Jandaia do Sul, também situada no Norte do Paraná.

Dirceu enviou mensagem à ABI questionando o comportamento do repórter Gustavo Ribeiro.

José Dirceu acusa Veja de agredir a ética Em comunicação à ABI, o ex-Chefe da Casa Civil pede a adoção dos procedimentos cabíveis para que a revista o trate com respeito às normas éticas da atividade jornalística. Considerando-se ofendido com a forma como a Veja o tratou em matéria publicada na edição 2232, ano 44, número 35, data de capa 31 de agosto de 2011, o ex-Deputado José Dirceu (PTSP) pediu à ABI que adote os procedimentos cabíveis para que a revista respeite as normas éticas da atividade jornalística, as quais, em seu entendimento, teriam sido violadas na produção da matéria a que se faz menção. Em comunicado à ABI, no princípio de setembro, o ex-Chefe da Casa Civil da Presidência da República no primeiro Governo Lula queixou-se dos métodos utilizados por Veja para produzir a matéria de capa da edição citada, que o apresenta como O Poderoso, título da reportagem, assinada pelos jornalistas Daniel Pereira e Gustavo Ribeiro, e diz que “o ex-ministro José Dirceu mantém um ‘gabinete’ num hotel em Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma”. No texto da revista, publicado nas páginas 72 a 80, a reportagem apresenta o título Ele ainda manda em ministro, senador... e publica fotografias de autoridades e personalidades que estiveram com o ex-Deputado no hotel em que ele se hospedara em Brasília, como o Ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel, os Senadores Walter Pinheiro (PT-BA), Delcídio do Amaral (PT-MS) e Lindbergh Farias (PT-RJ), os três no mesmo encontro, e Eduardo Braga (PMDBAM), os Deputados Devanir Ribeiro (PTSP), Cândido Vaccarezza (PT-SP), Eduardo Gomes (PSDB-TO) e Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO). Ilustrada com fotografias dos visitantes, a matéria informa a duração de cada encontro, do

mais demorado, o do Deputado Siqueira Campos, que durou 41 minutos, ao mais breve, o do Senador Eduardo Braga, com 24 minutos. Veja registrou também a visita do Presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que durou 24 minutos. Juntos, os três Senadores do PT estiveram 54 minutos com o ex-Deputado. José Dirceu queixou-se à ABI especialmente do comportamento do repórter Gustavo Ribeiro, que teria tentado entrar no apartamento onde o ex-Deputado se hospedara, possivelmente à procura de documentos e anotações que alimentassem a campanha que Veja promove contra ele. Disse Dirceu que o jornalista Gustavo Ribeiro chegara a alegar à camareira do andar que estava hospedado naquele apartamento, mas não obteve êxito. Dirceu comparou esse modo de buscar informações com os utilizados pelo semanário britânico News of the World, do grupo do magnata australiano Rupert Murdoch, que fechou a publicação diante da repercussão das denúncias de que suas equipes usavam métodos antiéticos e até criminosos para produzir matérias. A Diretoria da ABI decidiu encaminhar a queixa do ex-Deputado à Comissão de Ética dos Meios de Comunicação, órgão do Conselho Deliberativo a que estão afetas questões do gênero. A Comissão é raramente convocada para se manifestar sobre aspectos éticos do exercício profissional, indicação de que sob esse aspecto o comportamento de jornalistas e veículos não tem motivado queixas ou reparos. Atualmente a Comissão é integrada pelos associados Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.


Direitos humanos

Jornalista Antônio Idaló morre sem a anistia requerida há dez anos Vítima de um dos erros mais grosseiros da Comissão de Anistia e da omissão de dois Ministros da Justiça, que não reconheceram a violência de sua demissão da Puc do Rio por motivo político há mais de 30 anos, ele esperou em vão pelo deferimento do processo que lhe faria justiça. Demitido do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/Puc-Rio no segundo semestre do ano letivo de 1979 e há mais de dez anos à espera do deferimento do pedido de anistia que formulou em 2002, o jornalista e professor de Comunicação Antônio Idaló Neto morreu em 13 de setembro sem encontrar a justiça que merecia, em razão de um julgamento equivocado na Comissão de Anistia e da omissão de dois Ministros da Justiça, o atual, José Eduardo Cardozo, e seu antecessor, Luiz Eduardo Barreto, que não atenderam ao pedido de reconsideração do indeferimento na Comissão por ele apresentado. Entre um e outro acidente dessa natureza, Idaló viu-se vítima também de um erro do Tribunal Federal da 1ª Região, sediado em Brasília, num processo que lá ajuizara, no qual um desembargador se referiu ao seu caso como ocorrido na Universidade de Brasília, e não na Puc-Rio, numa indicação de que esse magistrado não leu ou fez uma leitura incorreta dos autos. Estes dez anos foram de desesperança e acabrunhamento para Idaló, que se viu afastado do mercado de trabalho, pelo estigma que a demissão da Puc lhe impusera, e, talvez por desgosto, foi acometido por um câncer que terminou por matá-lo agora em setembro. Sua depressão só não foi maior porque ele pôde contar nestes anos todos com a solidariedade da esposa, a arquiteta Maria Elizabeth, transformada em arrimo da casa, e com o carinho do filho, de 25 anos, filho de Elizabeth e que ele criara desde os seis anos. A longa provação de Idaló começou com a sua demissão da Puc, que em 1979 decidiu fazer uma correção de rumos políticos, deixando de ser cenário de movimentos de resistência à ditadura, na qual estudantes dos seus diferentes cursos se engajavam ao lado dos de outras faculdades e entidades estudantis do Rio. Sob o comando absolutista do então Reitor, Padre João MacDowell, a Puc promoveu vasto expurgo ideológico, demitindo quatro professores do Departamento de Comunicação (Antônio Idaló Neto, Carlos Henrique Escobar, Luiz Alberto Muniz Bandeira e Maurício Azêdo) e 32 do Departamento de Sociologia, à frente uma festejada intelectual, Professora Myriam Limoeiro. Em solidariedade com os demitidos e em

defesa da liberdade de cátedra, os estudantes promoveram prolongada greve, mas o Reitor MacDowell se mostrou irredutível e recusou qualquer revisão da depuração que determinara. Em 2001, Idaló cedeu à pressão dos companheiros que o instavam a lutar por justiça e ingressou com um requerimento na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, pleiteando reparação pela punição política que lhe fora imposta pela Puc. Após 90 andamentos, com cumprimento de exigências que ele atendeu com presteza, seu processo (número 2001.02.01752) foi submetido a julgamento em 25 de setembro de 2009 numa sessão tumultuada pela intervenção da

Conselheira Suely Bellato, que divergiu da relatora, após esta manifestar-se pela concessão da anistia, e sustentou que as demissões feitas pela Puc-Rio tiveram no máximo uma motivação teológica, e não política. No clima conturbado que então se criou, um dos conselheiros pediu vista do processo. Em sessão posterior, a petição foi indeferida por seis votos a três. Como admitido pela legislação, Idaló formulou um Pedido de Reconsideração ao então Ministro da Justiça Tarso Genro, mas este não chegou a se pronunciar sobre o pedido, que chegou ao Gabinete do Ministério da Justiça no dia em que ele se afastou do cargo para concor-

rer a governador do Rio Grande do Sul, na eleição de novembro de 2010. Idaló e a ABI insistiram no Pedido de Reconsideração em expedientes ao Ministro Luiz Eduardo Barreto, sucessor de Tarso Genro, e ao Ministro José Eduardo Cardozo, este através de expedientes dirigidos ao Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, a quem o Caso Idaló foi exposto também verbalmente, como se deu na 49ª. Caravana da Anistia, realizada na ABI em 30 de abril passado. Nenhum dos expedientes de Idaló e da ABI mereceu consideração da Comissão da Anistia e dos dois Ministros da Justiça citados, que nem sequer acusaram seu recebimento.

Parecer da AGU reprova tentativa do TCU de anular as anistias concedidas A anistia não tem caráter previdenciário e não está sujeita ao crivo do Tribunal de Contas, sustenta a Advocacia-Geral da União. A Advocacia-Geral da União é contrária ao entendimento do Tribunal de Contas que pretende anular as anistias concedidas às vítimas da ditadura militar, sob fundamento de que o benefício instituído pelo artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estaria sujeito a registro e fiscalização da Corte de Contas. “A anistia é regime jurídico especial, de caráter indenizatório”, diz o parecer da AGU. A manifestação da Advocacia-Geral da União foi apontada pelo Presidente da comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Júnior, como “importante vitória jurídica para a Comissão e para os anistiados”. Em e-mail a dezenas de instituições e personalidades engajadas na luta pela anistia, diz Abrão: “Hoje tivemos conhecimento de uma importante vitória jurídica para nós da Comissão e para os anistiados. Todos se lembram da decisão do TCU expedida em agosto no ano passado querendo rever todas as indenizações já concedidas. A Comissão de Anistia e a Consultoria Jurídica do MJ interpuseram um pedido de reexame contra a decisão em setembro do ano passado (o que fez suspender os efeitos da decisão do TCU) e oficiamos para que a AGU (órgão jurídico para defesa das decisões de governo) assumis-

se a defesa das decisões da Comissão e dos Ministros das Justiça junto ao TCU. Ocorre que a Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa defendeu junto à AGU a correção da posição do TCU. Após longos debates e pareceres, a AGU elaborou seu parecer final: a) a anistia é regime jurídico especial, de caráter indenizatório; b) não cabe ao TCU equipará-las ao regime previdenciário e, portanto, este não tem competência para registro e fiscalização; c) as indenizações não são atos jurídicos complexos, ao contrário, são atos administrativos compostos, ou seja “o ato é formado pela vontade única de um órgão (no caso, o parecer favorável da Comissão de Anistia), sendo apenas ratificado por outra autoridade (a publicação da portaria pelo Ministro de Estado da Justiça)”. fls 181. O diretor do Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos (DECOR) da AGU

acolheu estes entendimentos, “pois estão em sintonia com aqueles defendidos pela CONJUR/MJ, exposto no Pedido de Reexame protocolado pelo MJ perante o TCU”. Estes pareceres foram ratificados pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams. Todos concluíram pela atuação da Advocacia-Geral da União, através do Departamento de Assuntos Extrajudiciais, junto ao TCU, no sentido de buscar provimento ao Pedido de Reexame interposto pela Comissão de Anistia e a CONJUR do Ministério da Justiça. Vamos agora aguardar a defesa da AGU junto ao TCU e verificar a decisão final daquele órgão. A vitória ainda não está dada. O desafio ainda está no TCU. Seguem em anexo os pareceres completos para conhecimento geral de todos e todas.” AGÊNCIA CÂMARA/JANINE MORAES

Paulo Abrão comemorou o parecer da AGU: Vitória jurídica para a Comissão e para os anistiados.

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Direitos humanos ICONOGRAPHIA

As imagens dos Direitos Humanos no Brasil ganham exposição POR A LFREDO STERNHEIM Lançado em 2010, Diretos Humanos Imagens do Brasil, de Gilberto Maringoni, apresenta por meio de textos e imagens a história dos direitos humanos no Brasil. Com cerca de 230 páginas, a luxuosa edição em três idiomas (português, inglês, espanhol), não esqueceu as origens dessas lutas no plano mundial. Em quase 40 páginas, oferece um resumo dessa saga de conquistas também em outros lugares do planeta. Desde o código de Hamurabi em 1700 A.C até os campos de prisioneiros surgidos entre 2003 e 2008 depois do atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York, há um resumo dos principais fatos que se deram no exterior nesse período de tempo. Só então, a partir do Brasil colônia, com a captura dos índios logo após a chegada de Pedro Álvares Cabral, começa o relato das conquistas e retrocessos nesta nação. Escritor, doutor em História pela Universidade de São Paulo, cartunista e jornalista que atualmente atua na Agência Carta Maior, e professor da Faculdade Cásper Líbero, Maringoni fez Direitos Humanos Imagens do Brasil seguindo a idéia da editora Denise Carvalho. “Ela me convidou para realizar o projeto que havia proposto ao então Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi”, explicou o autor. “Minha ligação com o tema vem especialmente de minha tese de doutorado, editada em livro (Angelo Agostini – A Imprensa Ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910). Através da trajetória desse grande artista gráfico, eu examino os anos finais da escravidão no Brasil. A iniciativa da Denise se deu por conta dos debates e das campanhas pelo direito à memória, focadas nas violações dos direitos humanos no período da ditadura. A proposta era situar a questão na História do Brasil, para que ela fosse colocada de uma maneira didática.” Vanucchi escreveu a introdução onde, entre outros aspectos, ressalta: “Imagens e textos sublinham o caráter de conquista política e de contínua transformação na visão de mundo que permeia os direitos humanos.” Mas, como disse Maringoni, não foi fácil o seu trabalho, apesar das experiên28 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Cenas de arrepiar: a apreensão de toda a edição da revista Realidade número 10, de janeiro de 1967; Comício do PCB na Praça da Sé, em São Paulo, dissolvido pela polícia em 1947, e ilustração de Angelo Agostini que denuncia a tortura aos escravos.

cias anteriores nesse campo. Como o projeto gráfico e a pesquisa iconográfica de Jornal do Século XX, que lhe valeu o prêmio Jabuti de melhor livro didático de 1999. “As maiores dificuldades estavam em classificar exatamente o que são os direitos humanos. Que métrica eu deveria usar na narrativa? O conceito de direitos individuais é relativamente recente, surge em 1789, na Revolução Francesa. Ao longo do século 19, com as lutas dos trabalhadores – especialmente os socialistas – surge o conceito de direitos sociais. Isso quer dizer que os direitos individuais têm de ser vistos sob o prisma das classes e direitos da sociedade. Os direitos humanos, que englobam as duas dimensões, são classificados a partir de 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Onu. Decidi adotar então o partido de que a luta pelos direitos humanos sempre foi a luta dos de baixo, dos pobres e oprimidos. Vendo assim, trata-se de uma história indissociável das lutas contra a opressão, pela democracia e pela transformação social em todos os tempos.” Seleção e lacunas

Maringoni deixou claro que, desde o início, os projetos do livro e da exposição foram pensados juntos. “O livro compreende dois pequenos ensaios e cerca de 200

imagens com legendas, destacando pontos essenciais da luta pelos direitos no Brasil. A exposição, já vista em algumas cidades do País, apresenta apenas sessenta. Ela é uma síntese do livro que já é uma história resumida.” Com essa redução numérica, foi necessário um exaustivo processo de seleção e cortes. Segundo o autor, na síntese de uma evolução tão complexa, a escolha acaba sendo arbitrária e as lacunas são inevitáveis. A mostra apreciada no prédio da Caixa Econômica Federal, em São Paulo, inicia-se com guaches, aquarela e gravuras dos séculos 18 e 19 reproduzindo o extermínio de inúmeros povos indígenas e várias situações ligadas aos escravos vindos da África. Depois, passa por importantes momentos da nossa História, como a Guerra do Paraguai entre 1864 e 1870, o Massacre de Canudos em 1896 e a Revolta da Chibata em 1910, chegando ao lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos-PNDH-3 pelo Presidente Lula na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009. Pouco antes desse epílogo, cerca de 15 imagens trazem o ativismo político, as conseqüências e a evolução das aspirações liber-

tárias dos que enfrentaram a ditadura militar instalada no Brasil a partir de 1964. Algumas cenas trazem censura (a apreensão da revista Realidade em 1967), humilhação e tragédia (o líder camponês Gregório Bezerra na prisão, os corpos de Lamarca fuzilado e do jornalista Wladimir Herzog enforcado no quartel). Outras têm um clima mais heróico, como as do deputado Ulysses Guimarães enfrentando a Polícia de Salvador em 1974; os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Paulo em 1977, colocando faixas que pedem liberdades democráticas, e uma imensa manifestação pelas Diretas Já, por volta de 1982. Direitos Humanos - Imagens do Brasil oferece uma evocação didática para aqueles que desconhecem uma parte importante de nossa História e acirra a conscientização de muitos sobre o tema. Por isso, Gilberto Maringoni já tem um projeto de editar um livro similar. “Será com os desenhos de Angelo Agostini sobre a vida cotidiana no Rio de Janeiro, nas últimas décadas do século 19. Não é um livro sobre direitos humanos, mas a escravidão e as respostas populares aparecerão com destaque.”


O Brasil a um passo da Comissão da Verdade O Plenário da Câmara dos Deputados aprova o projeto que pode permitir o conhecimento dos crimes cometidos durante a ditadura militar.

ra da Comissão; e a obrigatoriedade de ampla divulgação do relatório final. A única divergência declarada à Comissão foi manifestada pelo Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que a considera um instrumento criado para punir os militares. “A exemplo de Comissões criadas em outros países, essa é uma iniciativa para a reconciliação nacional”, afirmou o relator do projeto, Deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). Críticas

POR CLÁUDIA SOUZA Sem alarde e também sem discussões, numa indicação de que se firmou um consenso sobre o tema, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em 21 de setembro o Projeto de Lei nº 7.376/2010, que cria a Comissão da Verdade, a qual, pela proposta enviada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, poderá investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura. A matéria ainda depende da aprovação do Senado. A Comissão vai esclarecer casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres; identificar as estruturas, as instituições e os locais relacionados à prática de violações de direitos humanos; recomendar medidas para prevenir a violação desses direitos e para promover a reconciliação nacional; encaminhar aos órgãos competentes informação que ajude na localização e identificação de corpos. As ações e o relatório final da comissão deverão observar as leis da Anistia (6.683/ 79), de criação das Comissões sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (9.140/95) e sobre anistiados políticos (10.559/02). O trabalho será desenvolvido no âmbito da Casa Civil e se estenderá por dois anos. A Comissão, constituída por sete membros nomeados pela Presidente da República, poderá requisitar informações a órgãos públicos, convocar testemunhas, promover audiências públicas e solicitar perícias. Suas atividades serão públicas, exceto se a manutenção do sigilo for relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas. Os sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade vão receber R$ 11.179,36 mensais e contarão com a colaboração dos ocupantes de 14 cargos DAS (Direção e Assessoramento Superior) para apoiálos no trabalho. Se alguma pessoa for ameaçada por colaborar com esse trabalho, a Comissão poderá requisitar proteção aos órgãos públicos. Será obrigatória a colaboração de servidores civis e militares. O Governo e os partidos de oposição formalizaram um acordo para que o projeto fosse votado com a incorporação de emendas. A negociação, de que participou a Presidente Dilma Rousseff e ministros, e representantes da oposição, durou cerca de duas horas. Dilma chegou a telefonar de Nova York para os ministros que participaram da reunião com os parlamentares para negociar diretamente a redação. Participaram os Ministros da Secretaria Especial dos

Charge de Duayer publicada em 1981 no livro No País das Maravilhas (Codecri).

Direitos Humanos, Maria do Rosário; da Justiça, José Eduardo Cardozo; da Defesa, Celso Amorim; e o Secretário Especial do Ministério da Defesa, José Genoino. Os pontos modificados

A primeira emenda incluída no projeto de lei prevê que qualquer cidadão interessado em esclarecer situação de fato revelada ou declarada pela Comissão terá a prerrogativa de solicitar ou prestar informações para esclarecer a verdade. Seu autor é o líder do PSDB, Deputado Duarte Nogueira (SP). A segunda emenda, de autoria do líder do Dem, Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), estabelece que não poderão ser escolhidos para membros da Comissão aqueles que exerçam cargos executivos em partidos políticos, exceto se de natureza honorária; os que não tenham condições de atuar com imparcialidade; e os que estejam no exercício de cargo em comissão ou função de confiança em quaisquer esferas do Poder Público. Por um destaque do PPS, o Plenário aprovou ainda emenda do líder Rubens Bueno (PR) que determina o envio de todo o acervo apurado ao Arquivo Nacional. O Plenário rejeitou emenda do Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) que proibia a denúncia criminal ou aplicação de sanção punitiva de qualquer tipo aos militares que se recusarem a colaborar com a Comissão da Verdade. O projeto torna obrigatória a colaboração dos servidores civis e militares. Um dos dispositivos do texto especifica que as atividades da Comissão não terão caráter jurisdicional ou de perseguição. Havia temores na cúpula militar de que a Comissão sirva para condenar agentes militares e das forças de segurança por crimes contra os direitos humanos cometidos no período da ditadura (1964-1985).

Outra emenda, do Psol, inicialmente aceita pelo líder do Governo, Deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), não pôde ser incorporada ao texto porque é modificativa. O partido pretendia retirar do substitutivo a referência a leis que tratam de reparações e da anistia para definir melhor o período de apuração dos fatos. O Psol apresentou outras emendas que não foram aceitas pelo Governo, como a ampliação do número de integrantes, de sete para 14; a possibilidade de prorrogação do período de funcionamento para pelo menos quatro anos; autonomia financei-

A Comissão Nacional da Verdade foi proposta na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), instituída pelo Decreto nº 7.037/10, com o objetivo de promover o direito à memória e à verdade. O texto lista 521 iniciativas e prevê 27 projetos de lei – o que cria a Comissão é o primeiro encaminhado ao Congresso. Desde o lançamento, o Plano foi alvo de críticas e o Governo acabou alterando partes do texto, através do Decreto nº 7.177/10. Setores das Forças Armadas, por exemplo, viram nela um risco de revisão da Lei da Anistia. O Supremo Tribunal Federal-STF descartou essa hipótese em abril de 2010, ao decidir contrariamente sobre um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB para anular o perdão dado pela lei aos representantes do Estado acusados de praticar tortura durante o regime militar. Entretanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos apresentou sentença diferente, em novembro de 2010, evocando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Organizações da sociedade civil criaram cerca de duas dezenas de “Comitês da Verdade” para discutir o tema e pressionar o Congresso. Em julho passado, o Ministério da Justiça deu acesso irrestrito a todos os documentos do Arquivo Nacional para um grupo de 12 familiares de mortos e desaparecidos políticos durante o regime militar (1964-1985).

Um espaço na Alerj contra a tortura As ações contra as violências passam a contar com uma importante base física no Centro do Rio. O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, órgão operacional do Comitê Estadual de Combate à Tortura, ganhou em setembro, em caráter permanente, um espaço físico próprio na Assembléia Legislativa do Rio de JaneiroAlerj, com uma sala equipada com computadores para a realização dos seus trabalhos. A iniciativa do Presidente da Alerj, Deputado Paulo Mello (PMDB-RJ), foi saudada pela ABI, que enviou telegrama ao parlamentar felicitando-o pela decisão, que “tornará mais eficaz a atuação desse importante órgão da Alerj”. No entendimento do jornalista Germando de Oliveira Gonçalves, Conselheiro da ABI e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Casa, “o combate à tortura acaba de ganhar apoio fundamental em favor dessa causa”, com a providência adotada pela Alerj, que está sediada num dos pontos

mais centrais da capital fluminense, próxima ao Tribunal de Justiça do Estado. A missão do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura será visitar unidades de privação de liberdade, como asilos e colônias penais, para detectar situações de risco e de violação dos direitos humanos e de prática de todas as formas de tortura. O aparelhamento do órgão pelo Deputado Paulo Mello foi exaltado também pelo Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, Deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), sob o argumento de que esse “é um passo eficiente para ao sucesso da nossa luta”. O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura é composto de seis membros, representantes de entidades civis, como a Justiça Global, Projeto Legal, Grupo Tortura Nunca Mais e a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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MEMÓRIA

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MEMORIAVIVA.COM.BR

ano de 1921 viu Anatole France e Albert Einstein serem laureados com o Nobel. No Brasil, as coisas estavam calmas e sob o comando de Epitácio Pessoa, paraibano nascido na pequena Umbuzeiro, que ele ajudara a transformar em Município. Foi um ano pródigo em nascimentos de artistas: Lana Turner, Donna Reed, Jane Russell, Deborah Kerr, Yves Montand, Simone Signoret, Giulietta Masina e Cacilda Becker. No Recife, nascia um artista que iria caricaturar, sem piedade, seus contemporâneos. Carlos Estevão de Souza nasceu no dia 16 de setembro de 1921. Era o segundo de seis filhos de Estevão Pires de Souza e Maria Salomé de Souza. O pai fabricava balas, a mãe costurava. A família morou em vários lugares: na vizinha Olinda e nos bairros da Madalena, Capunga e Boa Vista. Diz a lenda que foi neste último que o menino Carlos, então com uns seis anos, fez a caricatura da avó no muro da casa onde moravam, na Rua do Rosário. Fez o curso primário com Dona Adélia Nogueira de Lima, depois passou pelo Ginásio Pernambucano e pelo Colégio Salesiano. O pai percebeu que a escola não era o melhor caminho e tratou de lhe arranjar um emprego na Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio. Fazendo o quê? Desenhando, claro. Desenho técnico, mas era desenho. A Segunda Guerra Mundial começa em setembro de 1939, mês em que ele completa dezoito anos, mas o Brasil só entraria no conflito em agosto de 1942. Certa vez, durante uma manobra na qual os soldados carregavam armas pesadas subindo um morro, percebeu que os padioleiros só levavam as camas de campanha. Fingiu de doente e subiu o morro deitado, carregado por dois deles (anos depois, a cena viraria um cartum em que o folgado acabava sendo castigado ao ser atingido por um coco). Deu baixa, como cabo, em junho de 1945. Em agosto, a um mês de completar 24 anos e a quinze dias do término da guerra, casou-se com Neusa Torres Correia de Araújo, que havia acabado de fazer 18 anos. Em junho de 1946, apenas dez meses após o casamento, nasce Carlinhos, o primeiro filho do casal. A esta altura, Carlos Estevão já havia partido para o Rio de Janeiro. A esposa e o filho, que ele ainda não conhecia, iriam depois, de navio.

Com seu traço versátil, ele desnudou como poucos o caráter do brasileiro através de charges que podiam ser politicamente corretas ou não. Afinal, naquela época não havia esse tipo de censura e o humor era muito mais refinado.

O ILUSTRADOR E O HUMORISTA No Rio de Janeiro, Estevão morou primeiro em Niterói. Depois, na Ilha do Governador. “Dali, criei coragem para enfrentar o centro da cidade”, diria ele em uma entrevista. Trabalhou em Diretrizes e no Diário da Noite, dos Diários Associados, onde é admitido em março de 1948. Neste mesmo ano,

POR SANDRO FORTUNATO

Ignorabus: os talentos de Millôr Fernandes, que assinava Vão Gôgo, e Carlos Estevão juntos numa história em quadrinhos repleta de metalinguagem.

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sua veia humorística e de quadrinista começa a ser apresentada ao público. Em parceria com Millôr Fernandes, que fazia o texto, desenha a série de tiras do personagem Ignorabus, o Contador de Histórias. Mais algum tempo e, por intermédio do amigo Augusto Rodrigues, é apresentado a Accioly Netto, Diretor de Redação da revista O Cruzeiro. De início vemos Carlos Estevão como ilustrador, mostrando imagens carregadas, sérias e dramáticas. Paisagens, figuras e objetos parecem surgir das sombras. Seus primeiros desenhos em O Cruzeiro ilustram as crônicas de Austregésilo de Athayde, que também era Diretor-Secretário da revista. Quase imediatamente, seu nome aparece na seção de humorismo. Estevão desenvolve histórias de duas páginas como De amor também se morre... (edição de 4 de novembro de 1950) e Bem-vindo ao Rio! (23 de dezembro). Nesta última, ele mostra as desventuras de Papai Noel ao tentar entregar presentes no Rio de Janeiro. O pobre velhinho é agredido por um Senador, ameaçado por um policial, assaltado, preso, torturado e passado para trás por um mecânico que cobra uma fortuna pelo conserto do seu carro, que havia quebrado no início da história. O pensamento de que o ser humano não presta e a forma ácida de denunciar isso sempre estiveram presentes no humor de Carlos Estevão. Nessa época é possível notar sua versatilidade como desenhista: as ilustrações dos textos de Austregésilo de Athayde não parecem ter sido feitas pela mesma pessoa que produz os traços caricaturais e bem-humorados das historietas. Mais à frente, essa versatilidade se mostraria incontestável. É impossível rotular Carlos Estevão apenas como chargista ou caricaturista. Não havia limites para seu potencial artístico nem para as formas em que ele expressava isso no papel. Histórias temáticas, muitas vezes com longos textos, deram o tom do humor de Estevão em seus primeiros anos de O Cruzeiro. É pouco provável que os leitores da época tenham percebido que muitos dos personagens que no futuro marcariam a galeria criada por Carlos Estevão apareceram nessas histórias. Ele mesmo só deve ter se dado conta dessa gestação quando, tempos depois, os personagens já estavam definidos e apareciam com regularidade.

UM TIME DE TALENTOS Quando Carlos Estevão chegou a O Cruzeiro, ela já era uma potência. No início dos anos 1950, além de Austregésilo de Athayde, escreviam na revista Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, José Amádio e David Nasser, dentre outros. Na área do humor, estavam presentes Millôr Fernandes (assinando como Vão Gôgo), Alceu Penna (e suas garotas) e o também pernambucano Péricles Maranhão, que ilustrava o Pif-Paf (escrito por Millôr) e desenhava o mitológico Amigo da Onça, que existia desde 1943. Era uma publicação distribuída em todo o País e que chegou a uma tiragem de 750 mil exemplares quando o Brasil tinha 50 milhões de habitantes. Isso dava uma revista para cada 66 habitantes. Se imaginarmos que cada exemplar era lido por quatro pessoas, podemos dizer que a cada grupo de 16 brasileiros um havia folheado a revista. Estar freqüentemente nas páginas de O Cruzeiro naquela época era como estar sempre no Jornal Nacional: todo mundo sabia quem você era.

Além de criar as charges, Carlos Estevão ilustrava as crônicas de Austregésilo de Athayde.

Qual era o cacife do jovem Carlos para entrar nesse jogo de pesos-pesados? Talento ele tinha. A questão era como mostrar isto e se tornar uma marca, uma grife, como alguns já eram e outros viriam a ser durante aquela década em que O Cruzeiro manteve uma tiragem média acima de 500 mil exemplares. Depois das histórias temáticas ou focadas em determinada característica humana, vieram as charges, os cartuns e as historietas mudas. Durante esse processo, alguns personagens aparecem, mas ainda não são definitivos ou constantes, assim como as séries. Algumas apareceram antes nas páginas da revista A Cigarra. É só na segunda metade da década que elas se firmam e fazem a fama de Carlos Estevão: Ser Mulher..., O Casamento Antes e Depois, As Duas Faces do Homem, Acredite Querendo, Perguntas Inocentes, Heróis da Noite, Não diga isso!, As Aparências Enganam e Palavras Que Consolam, dentre outras (veja texto na página 34). Com suas séries apontando o comportamento grotesco do homem, Carlos Estevão garantiu seu nome no panteão dos grandes humoristas da época e da História do humor no País. Era um humor popular, sim, e não havia qualquer crime nisso, como acusavam alguns críticos. Mas não grosseiro como poderia parecer à primeira vista. As aparências enganam. Cada época tem suas preferências, suas variações de humor, suas características marcantes. Mas faltava algo para Carlos Estevão. Talvez um personagem. Assim, na edição de 9 de outubro de 1954 de O Cruzeiro, ele apresentou o Doutor Macarrão, uma figura que se fazia de fina, bem relacionada e sempre tinha uma história da qual se gabar. Em 26 de novembro de 1955, a mesma figura (pelo menos com o mesmo traço e características físicas) apareceria como O Belo Brummell de Catumbi, um malandro que se aprontava desde muito cedo para parecer gente fina na gafieira. O personagem só iria se firmar – e por pouco tempo – na década seguinte com o nome de Dr. Macarra. Dr. Macarra era inspirado em um famoso vigarista do Recife (PE) que se fazia passar por engenheiro ou militar e aplicava golpes em mulheres carentes com mais de 30 anos. O personagem chegaria a ter sua própria revista, em 1962 (veja quadro na página 32).

ANOS DE MUDANÇAS A nova década começa com muitas mudanças para Carlos. Ele se separa da esposa (desquite, pois na época não havia divórcio no Brasil), assume um novo relacionamento (com Helena Couto) e se muda para Belo Horizonte. A idéia era ter uma vida nova, mais calma e distante de tudo aquilo que já não o agradava. A carreira em O Cruzeiro continuava, ele só não freqüentaria mais a Redação no Rio, mas os trabalhos continuariam sendo enviados. Uma tragédia no último dia de 1961 iria trazer mudanças futuras para Estevão: Péricles Maranhão, o autor de O Amigo da Onça, se suicida. Nas semanas seguintes, o personagem continua a ser publicado com algumas pranchas deixadas pelo seu autor. Depois, os desenhos foram mantidos e eram apresentados como “Criação imortal de Péricles – Original da equipe de O Cruzeiro”. Mas, havia uma pressão para que Carlos Estevão assumisse o personagem. Ele não se mostrava disposto a isso. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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MEMÓRIA CARLOS ESTEVÃO - 90 ANOS

O verdadeiro Dr. Macarra Sebastião Morato de Alcântara era o nome do sujeito. Nasceu no dia 11 de setembro de 1921, no Município pernambucano de Barreiros, a 102 quilômetros e cinco dias de distância do nascimento de Carlos Estevão. Para as mulheres solteiras e carentes com mais de 30, ele se apresentava como Doutor Zilá Camboim, às vezes engenheiro, outras militar, sempre elegantemente trajado, muito educado e solícito. Na verdade, tinha apenas o primário, era casado (mas vivia separado da esposa) e era velho conhecido da Polícia, que o chamava de Doutor Macarrão. Passou quase 20 anos ludibriando mulheres para lhes roubar dinheiro e jóias. Vivia disso. Este era o seu ofício. No papel o Dr. Macarra não era alguém de quem se pudesse ter raiva ou querer prender. Era um pobre coitado já tão castigado pela vida que para os leitores (ou “vedores”, como dizia Carlos Estevão), só restava rir da sua desgraça e das tentativas de se passar por um homem de respeito. A revista com seu nome durou apenas nove edições, de abril a dezembro de 1962, mas ele só aparece na capa da primeira. Além das histórias do personagem-título, há também as Novas Aventuras de Sharleck Halmes (apresentadas por Sir Charles Stevens), além de séries e charges com os temas de costume. Tudo roteirizado,

Em um momento de tantas mudanças, inclusive em seu estilo de humor e com planos de fortalecer seus personagens, assumir o Amigo da Onça, um mito que já existia há quase vinte anos, não parecia uma boa idéia. Em certa ocasião, talvez já tramando sua morte, o próprio Péricles havia feito o pedido: “Carlos, se eu morrer, você faz o Onça pra mim?” Porém, Carlos Estevão estava completamente envolvido num grande projeto pessoal: a criação da revista Dr. Macarra, totalmente escrita e desenhada por ele. Quatro meses depois da morte de Péricles, chega às bancas a sua revista com circulação nacional e periodicidade mensal. Beirou os 100 mil exemplares em seu pouco tempo de vida. Durou apenas nove edições. Na vida pessoal, outra novidade viria adoçar o ano de 1962: Stephanie, filha de Carlos e Helena, nascia. O Amigo da Onça seguia nas mãos da “equipe de O Cruzeiro”. É até possível que Estevão tenha feito alguns dos desenhos nesse período e mesmo antes da morte de Péricles, devido aos atrasos deste na entrega. Carlos era uma máquina de desenhar. Nesse período a revista O Cruzeiro tentava se modernizar para acompanhar as novidades do mercado. Ela ganha mais cores, experimenta novas formas de se apresentar, busca um jornalismo que desconhece, mas começa a perder o estreito e promíscuo contato que sempre mantivera com o poder político: a Capital é trans-

Sharleck Halmes corre para resolver mais um caso misterioso.

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desenhado e finalizado por Estevão. Dr. Macarra foi um herói da Força Expedicionária Brasileira, esteve em Cuba e na selva africana, foi astro do cinema, membro da Academia Brasileira de Letras, artista de múltiplos talentos, um grande político e circulou por Paris. Tudo em sua imaginação e nas histórias que contava para alguma figura feminina. A realidade, sempre mostrada no quadro seguinte, era bem diferente. Era um personagem mais humano e muito mais rico que o Amigo da Onça. E talvez este tenha sido também o causador de sua morte precoce. Você não conhece um Dr. Macarra? Você não já deu uma de Dr. Macarra? Abra agora o Twitter ou o Facebook e veja quanta gente inteligente, bem-sucedida, rica, freqüentadora das melhores festas, amigas de celebridades, que tem tudo que o dinheiro pode comprar e que viaja pelo mundo todo. Você acredita mesmo que todas as pessoas que conhece vivem do jeito que demonstram? Você pode até conhecer um ou dois amigos da onça, mas Dr. Macarra, garanto, você conhece um monte.

ferida para Brasília e Chateaubriand tem a trombose que o deixa bastante debilitado. E a grande concorrente, a revista Manchete, da Bloch, estava firme e prestes a completar dez anos. Entre os desenhistas, Appe, até então restrito às caricaturas e charges políticas, ganha uma página (ainda não o BlowAppe, que só apareceria na década seguinte). Uma nova leva de humoristas aparece no suplemento O Centavo: Ziraldo, Zélio, Henfil, Juarez Machado, Fortuna, Daniel Azulay. No ano de 1963 o humor em O Cruzeiro é inconstante. No primeiro semestre há páginas de Ziraldo, Zélio, Appe e Borjalo, além de O Amigo da Onça, O PifPaf e Carlos Estevão. No segundo semestre, quase todos somem, inclusive Estevão. Há edições em que aparecem apenas O Amigo da Onça e Fotofofocas (fotos com balões criando frases cômicas ou constrangedoras para a pessoa retratada).

O AMIGO DA ONÇA RENASCE Finalmente em 1965 Carlos Estevão aceita o encargo de assumir O Amigo da Onça. O primeiro desenho do personagem assinado por ele é publicado na edição de 8 de maio. É uma fase extremamente produtiva para o artista. A partir daí, há edições de O Cruzeiro nas quais ele aparece em vários espaços: com uma de suas séries, ilustrando os textos de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) e ainda publicando alguma charge, além de assinar a página de O Amigo da Onça. Desenha também para o jornal O Estado de Minas (dos Diários Associados) e para campanhas publicitárias. Só de piadas, são mais de 450 por ano. Dr. Macarra, o personagem, estava morto. O Amigo da Onça ganhava um novo pai e uma vida mais decente a partir dali. Não se pode comparar os dois. O próprio Carlos Estevão explica: “Doutor Macarra é apenas um gozador da vida. Dá os golpes para continuar vivendo. Sempre nos grandes meios. É um protótipo do nosso atual Beto Rockfeller. Já o Amigo da Onça é mau. Sá-

dico. Morre de rir da desgraça alheia. Qualquer dia, eu o mato.” Como veríamos mais adiante, não foi bem isso o que aconteceu. O interessante nessa relação de Carlos com o Amigo da Onça é que o desenhista tantas vezes acusado de ser grosseiro, demasiado ácido e totalmente descrente da humanidade se sente incomodado com a maldade do personagem e provoca nele uma transformação. Ele fica menos cruel e até mais fácil de ser assimilado pelo público, que vai encontrar mais tipos parecidos com esse novo Amigo da Onça. Um tipo que emperra a vida dos outros, cria intrigas, provoca confusões, mas não mata mais as pessoas (a não ser aquelas que o desenhavam). O Amigo da Onça pode ter sido o personagem de maior sucesso – e até hoje o mais lembrado – da História do humor brasileiro, mas Carlos Estevão é o nome mais popular do humor na história da revista O Cruzeiro. O Amigo da Onça escondia Péricles, que não tinha uma personalidade sociável e expansiva como a de Carlos. O próprio Estevão era o seu personagem principal, acima de todos os outros. E a união do personagem mais popular com o desenhista-humorista mais popular acabou se mostrando um grande sucesso. Hoje, quando se fala no nome de Carlos Estevão, geralmente alguém emenda: “aquele que desenhava o Amigo da Onça, né?” Péricles Maranhão criou e desenhou o personagem por 18 anos. Estevão o desenhou por apenas sete. Foi a junção dos dois nomes fortes que ficou no imaginário e na lembrança popular.

UMA CELEBRIDADE EM MINAS Essa personalidade tão conhecida, que vivia no Rio de Janeiro, centro cultural capital do País, se torna uma celebridade entre artistas e políticos de Minas Gerais. Em 1967, aos 45 anos, faz uma exposição em Ouro Preto na qual “apareceu de tudo, desde o simples operário ao graúdo representante do governador. Todos com uma admiração comum: Estevão”, como informou a notícia publicada em O Cruzeiro de 12 de agosto de 1967. A apresentação, no folder, foi feita por José Nava (psiquiatra, coronel-médico da Polícia Militar, irmão do escritor Pedro Nava). Tinha que ser alguém que entendesse de loucos para apresentá-lo: “O humorista sente o ridículo, apreende o grotesco e interpreta todas as extravagâncias do homem e do mundo, apontando os enganos e as falhas

de nossa fraqueza. Na nobre intenção de remediar os erros. Entretanto, sua percepção aguçada lhe mostra a desesperança deste desígnio, dada a debilidade de nossa espécie, cujo orgulho, mesclado de vaidade, impede aceitar qualquer orientação.” Síntese perfeita do humor de Carlos Estevão. Tudo parecia ir bem até que, em 1968, Estevão tem um coma diabético. Os anos de abuso de álcool e displicência com a saúde começaram a apresentar a conta. A partir daí, não beberia mais, mas continuava sendo compulsivo. Deixou o álcool, mas não os doces, que adorava. O estrago já estava feito. Os anos seguintes seriam de idas e vindas a hospitais, sem que jamais deixasse de trabalhar. Era outra compulsão. Em fevereiro de 1970, Fernando Richard faz um perfil do desenhista na seção Quem é Você em O Cruzeiro: “Carlos Estevão é um sujeito extremamente bom. Boa praça. Amigo. Humano. Querido por todos. Poderia ser reportagem de muitas páginas. Mas, mesmo assim, não se conseguiria dizer nada dele.” Carlos Estevão faleceu na noite de 14 de julho de 1972, aos 50 anos. Todos os jornais de Minas deram a notícia em primeira página. No dia seguinte, o Jornal Nacional informou ao resto do País: “Hoje, o Brasil acordou mais triste.” Tudo o que foi escrito no calor do momento demonstrava imensa admiração e profunda tristeza. Mais de 60 anos depois de ter começado a fazer humor, a obra de Carlos Estevão se mostra atual e, em uma época em que fazer graça é sinônimo de ser grosseiro, finalmente percebemos sua sensibilidade. Estevão não era agressivo em suas críticas. Ele apenas mostrava o que estava vendo. Expunha o ridículo do ser humano e a falta de esperança em sua melhora. Hoje, sabemos que ele estava com a razão. Nem é preciso sair às ruas para ver os tipos grotescos que ele desenhava. Basta ligar a tv ou conectar-se à internet. O mundo de Carlos Estevão é o nosso mundo.


Carlos, por Estevão Excertos de sua última entrevista, concedida a Procópio e Geraldo Magalhães, originalmente publicada no Diário da Tarde, jornal mineiro, em 4 de março de 1972, apenas quatro meses antes de sua morte. “PROCURO FAZER UM HUMOR RISÍVEL. Isto é importante para mim: que o humor seja risível. Não tenho pretensões intelectuais e não quero ser um Bernard Shaw brasileiro.” “NUNCA FREQÜENTEI NENHUMA PANELINHA. Mas tive que enfrentar a famo-

sa luta pela vida. Veja um exemplo: se você vai fazer uma caçada, mata uma paca, arrasta e corta, cozinha e come a paca, isto lhe dá um prazer imenso. Agora, se você vai a um concurso de caça, para ver quem consegue matar a paca maior, mesmo que seja a sua vencedora, não há prazer nenhum nisto, ou, se há, já está contaminado. Já houve competição, pressão de grupo, obrigação.”

O Amigo da Onça deve continuar? junto ao personagem. “(...) depois que Carlos Estevão substituiu Péricles, A.O. ganhou em qualidade, pois Estevão era melhor artista que Péricles. Agora, com a morte de Estevão, não julgo que o personagem deva ser perpetuado”, disse Hilde, que ilustrou sua opinião com uma mão cadavérica saindo do túmulo do Amigo da Onça e o pedido: “Parem com isso!”. Juarez Machado disse que “Carlos Estevão se apoderou dele de uma forma mais dentro do próprio papel do Amigo da Onça. O personagem passou a ser mais dele que do próprio Péricles. (...) O Carlos Estevão o pôs numa ambientação certa que um outro talvez não fizesse e se fizesse o faria mal.” Juarez também foi contra a continuação do personagem. Daniel Azulay fez elogios à obra e ao talento de Carlos para depois dizer que era a favor da continuação do Amigo da Onça: “O povo precisa dele para se ver no espelho.” Nelson Coletti reforçou o que muitos pensam a respeito do desenhista ter dado mais qualidade ao personagem: “Carlos Estevão deu ao tipo mais força e um desenho mais moderno, caracterizandoo com o humor carioca, e conseguiu manter o tipo sempre na onda.” O personagem continuou, mas não manteve a mesma força.

“NÃO CONSIGO SER AGRESSIVO PORQUE OLHO MUITO O LADO HUMANO DAS COISAS E DAS PESSOAS. Não faço crítica direcional. Posso criticar uma situação geral, sem especificar, sem citar nomes. Olha, eu quero atualmente um pouco de sossego, uma certa marginalização. Assistir de camarote os atletas se digladiando, correndo para ver quem vence na vida. Por exemplo: não gosto do tipo de humor do Pasquim. O pessoal é excelente, conhe-

“ACABO DE COMEMORAR MEU CINQÜENTENÁRIO. Nessa altura, realizando um balanço de tudo o que fiz e o que sou, tenho a sensação de que, apesar da fama, apesar de ser um nome nacional, não era bem isso o que queria. Desejava não ter me envolvido, não ter participado desta competição pela vida, dessa escravidão determinada por obrigações e impostos. Procuro uma vida livre, desvinculada de compromissos. As coisas simples, atualmente, são as que me atraem.”

“O IDEAL DA VIDA É FAZER O QUE A GENTE GOSTA. (...) Já perceberam que as crianças e os animais são felizes? E por quê? Por causa do imediatismo de suas vidas, da inconseqüência. Eles não pensam no futuro, não planejam, vivem o dia de hoje e são felizes. Sei lá... eu queria ser criança...”

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Enfim, o Amigo da Onça havia matado mais um. E, novamente, de forma trágica. A edição de 2 de agosto de 1972 de O Cruzeiro, duas semanas após a morte de Estevão, perguntava a vários desenhistas e ao público se o personagem deveria continuar existindo. Alvarus, Ziraldo, Zélio, Otelo, Nelson Coletti, Appe, Hilde, Daniel Azulay, Miguel Paiva, Lan e Juarez Machado opinaram e desenharam versões do Amigo da Onça. Os irmãos Zélio e Ziraldo concordaram com a morte do Onça para que ele não matasse mais alguém. “(...) já quando Péricles morreu, achava que com ele devia ter ido o Amigo. Já que não foi, acho de bom alvitre que não se perca a oportunidade. Afinal, o Amigo da Onça está provando que o é, pois já enterrou dois e duvido que exista alguém mais que se candidate”, disse Zélio. “Quando Péricles morreu, o Amigo da Onça deveria ter morrido com ele”, reforçou Ziraldo. “Carlos Estevão, eu me lembro, só aceitou fazer o Amigo da Onça muito tempo depois, mas, na realidade, ele – o personagem – já estava morto. Se o Amigo da Onça sobreviver ao Estevão nas páginas de O Cruzeiro, cometerá, mais uma vez, a sua maldade terrível.” Hilde, Juarez Machado, Daniel Azulay e Nelson Coletti, em seus comentários, enalteceram o trabalho de Carlos Estevão

“EU RARAMENTE SAIO DE CASA. Como não gosto de Flávio Cavalcânti e essas coisas, deixo a família vendo a televisão lá embaixo e me refugio neste cantinho. Aqui, faço de tudo. Conserto ferro elétrico, invento acendedores, gravo imitações, ouço música clássica e tango. Aqui eu conquisto um pouco daquela liberdade de fazer o que quero sem sofrer restrições.”

ço quase todos, são meus amigos. Mas eles fazem um humor muito agressivo, citam nomes, etc. Sei lá, todo mundo é humano e tem suas falhas...”

Carlos Estevão dá os últimos retoques numa caricatura da cantora Maysa, em 1955.

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MEMÓRIA CARLOS ESTEVÃO - 90 ANOS

O criador de séries Carlos Estevão foi um incansável criador de séries de humor para a revista O Cruzeiro. As séries Ser Mulher... e O Casamento Antes e Depois eram um reflexo da vida pessoal do artista. Típico macho nordestino da época, jovem e mulherengo, vivia o conflito de estar casado (e, àquela altura, com três filhos: Carlinhos, Jader e Dóris) e querer aproveitar a vida boa que o sucesso profissional e a grande exposição proporcionavam. Veja algumas de suas criações:

SER MULHER... Apresentava uma situação em que a figura feminina demonstrava vaidade ou algum tipo de afetação para, em seguida, mostrar que a mulher deveria ser submissa ao homem e sempre fazer suas vontades, por mais absurdas que fossem (como, literalmente, pentear macacos ou catar minhocas no asfalto).

AS DUAS FACES DO HOMEM Mostrava as bravatas e a coragem a respeito de uma situação hipotética para, no quadro seguinte, mostrar a covardia ou falta de caráter do personagem quando a situação se tornava real.

HERÓIS DA NOITE Tinha a mesma lógica, mas apresentava no primeiro quadrinho o pensamento decidido de um homem sobre determinado assunto; no segundo, botava isso abaixo numa situação durante o dia. O momento de revolta, coragem ou consciência só acontecia quando ele estava na cama, sem possibilidade de ser colocado à prova.

NÃO DIGA ISSO! Mostrava, geralmente, uma mãe orgulhosa de alguma característica apresentada pelo filho e a sugestão para que ela não dissesse isso, pois a realidade poderia ser bem diferente.

AS APARÊNCIAS ENGANAM Talvez seja a mais marcante e original de suas séries. No primeiro quadro, vêem-se apenas sombras e contornos acompanhados de um texto que sugere uma situação de extremo perigo. No quadro seguinte, a cena se revela e mostra um momento prosaico, desprovido de qualquer risco ou dramaticidade.

PERGUNTAS INOCENTES Charge em quadro único (ao lado), onde um personagem faz uma pergunta totalmente dispensável já que a própria situação a responde (um ladrão debaixo da cama de um casal, a mulher pergunta ao marido visivelmente apavorado “Está com medo?”).

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O CASAMENTO ANTES E DEPOIS Era uma série de dípticos que mostrava o comportamento (geralmente o do homem) durante o namoro e, em situação parecida, depois de casado. Antes, o homem faz um sabiá se calar para que o pobre pássaro não atrapalhe o canto de sua amada; depois, ele cala a boca da esposa para ouvir “uma vaquinha mugindo”.

PALAVRAS QUE CONSOLAM Também em quadro único (como a charge de baixo), mostra aquela típica situação em que alguém solta uma frase para desculpar o indesculpável ou para se mostrar agradecido por uma circunstância desagradável e da qual ele não tem como sair (diante do amigo com o rosto todo arrebentado, o outro diz: “É, pelo menos o ciúme é uma prova de amor!”)


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DEPOIMENTO

A vida e a obra de Sir Charles Stevens, por Sandro Fortunato

Era nesse ambiente caótico, o estúdio em Minas Gerais, que Estevão produzia seus desenhos.

U M LEGADO PARA A POSTERIDADE Na década de 1980, a Editora Record lançou duas coletâneas de Estevão. Dr. Macarra - Um Playboy na FEB e outras histórias (1981) e Ser Mulher (1986) foram os títulos. O mercado editorial ainda não apostava no humor para além das revistas. As coletâneas serviram mais como um mimo para colecionadores e desenhistas da geração pós-Pasquim, que tentavam descobrir um novo humor que se encaixasse naquele momento de transição da ditadura militar para a democracia. Em outubro de 2003, o humor de Carlos Estevão chegou à Internet pelo site em homenagem à revista O Cruzeiro no portal Memória Viva (memoriaviva.com.br/ocruzeiro). Quatro anos depois, ganhou site próprio (memoriaviva. com.br/carlosestevao). Neste ano, Estevão foi um dos homenageados pelo Troféu HQMix e aparece nos cards especiais lançados na cerimônia de premiação, que aconteceu em 16 de setembro, dia em que ele estaria completando 90 anos. Para 2012, ano que marca os 40 anos de sua morte, estão sendo preparados o lançamento de sua biografia e uma exposição.

Que me desculpem os artistas de televisão por usar seu clichê preferido ao falar do processo de pesquisa para a biografia de Carlos Estevão, mas “este trabalho foi um presente para mim”. A história teve início em 2006. Eu estava em Campinas (SP), na casa de João Antônio Buhrer, sebista, colecionador de periódicos e enciclopédia viva dos quadrinhos nacionais. Durante uma conversa, ele me perguntou: “Por que você não escreve a biografia do Appe?” Ótima idéia! Chargista político de O Cruzeiro, Appe andava sumido há décadas. De volta a Brasília, onde morava à época, comecei a procurálo. Meus contatos não sabiam dizer onde ele estava. Acionei Ziraldo, Antônio Accioly (filho de Accioly Netto), colegas do Jornal do Brasil, da Folha de S.Paulo, Jal (cartunista e senhor de todos os contatos dos artistas gráficos do País), Wanderley Peres (editor d’O Diário de Teresópolis, cidade onde Appe havia ido morar) e, em um ato de desespero, liguei para todas as pessoas de sobrenome Pedrosa que moravam em Teresópolis. Nada. Qualquer notícia seria bem-vinda. Menos a que Jal me deu numa noite de segunda-feira. Amilde Pedrosa, o Appe, havia morrido na sexta anterior, 4 de agosto, aos 86 anos. Estava morando em São Pedro da Aldeia, no Estado do Rio de Janeiro. Arrasado por não tê-lo encontrado a tempo, escrevi a respeito disso em meu blog. Quatro meses depois, achei estranho quando apareceu um comentário naquele texto. A pessoa se apresentava como enteada de Appe e dizia que se eu ainda quisesse escrever a biografia sua mãe estava colocando seu acervo à minha disposição. Ao final da mensagem, ela assinou: “Dóris. Ah! E eu sou filha do Carlos Estevão.” Neusa, a primeira esposa de Carlos Estevão, havia casado com Appe. Em abril de 2007, comecei a pesquisar, ao mesmo tempo, a vida de Appe e de Carlos Estevão. Lá se vão quatro anos de idas a São Pedro, Rio, Brasília e Recife. A biografia de Appe está quase finalizada. A de Carlos Estevão, desde o início, eu sabia que seria mais trabalhosa. Appe viveu 86 anos, mas teve uma vida tranquila. Carlos Estevão viveu apenas 50 anos, mas fez isso como um vulcão em eterna erupção. Contemporâneos e tendo trabalhado na mesma empresa por mais de duas décadas, é claro que tinham muitos conhecidos em comum. Nas entrevistas, falávamos sempre de um e de outro. Durante esse processo, conheci pessoas maravilhosas. Sem qualquer desmerecimento para qualquer outra, duas delas foram muito especiais e de extrema importância para a pesquisa: Antônio Estevão, irmão, e Helena Couto, segunda esposa de Carlos. Antônio foi a principal fonte sobre a infância de Carlos Estevão. Helena jogou

luz sobre os últimos doze anos, período em que ele esteve mais reservado, morando em Belo Horizonte. Antônio e Helena são especiais não apenas por terem convivido intimamente com Carlos e confiado em mim ao falar sobre suas vidas, mas também porque parecem ter esperado pacientemente que eu chegasse até eles para fazer isso. Pouco tempo depois de nossos encontros, eles também escreveram os pontos finais de suas histórias. Antônio nos deixou no final de 2008; Helena, em julho de 2009. Durante esse tempo, Carlos Estevão foi se transformando em Carlão, como passei a chamá-lo. Comecei a perceber que o endeusamento que fazem em torno de seu nome, longe de ser um elogio, é uma verdadeira ofensa. Endeusá-lo é tirar o que tinha de melhor e mais rico nele: sua alma humana, cheia de contradições, sensibilidade, qualidades e defeitos. O homem que inventava aparelhos para facilitar a vida doméstica e ouvia música clássica ou Caymmi enquanto desenhava nunca posou de santo ou fez o tipo intelectual, moralista, que quisesse criticar gratuitamente as pessoas e os costumes como se ele fosse superior. Era machista, mulherengo, beberrão, de maus modos, mas também capaz de demonstrar, como poucos, amor e carinho aos filhos e amigos. Uma merecida e justa biografia de Carlos Estevão não pode fazer dele um Dr. Macarra. Deve pôr abaixo qualquer mitificação e mostrar sua história de forma realista, desde a infância livre em Recife aos últimos traços em Belo Horizonte, onde morreu vitimado por seus excessos e total falta de preocupação com a saúde. Devem ser mostrados defeitos e virtudes que fizeram dele o mais humano dos chargistas brasileiros. Bem contada, sua história mostrará que às vezes ele parecia ser uma coisa, mas era outra. Do jeito que ele fazia com seus personagens. SANDRO FORTUNATO é editor do site memoriaviva.com.br

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ARQUIVO PAULO E NORMA TAPAJÓS

A Rádio Nacional celebra seus 75 anos, após muitos dramas

ARQUIVO PAULO E NORMA TAPAJÓS

ANIVERSÁRIO

Criada em 1936, a emissora definiu um padrão para o rádio brasileiro no campo da música popular, no radioteatro e no jornalismo. POR EDUARDO SÁ

ARQUIVO PAULO E NORMA TAPAJÓS

ACERVO RÁDIO NACIONAL

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ARQUIVO PAULO E NORMA TAPAJÓS

No mesmo dia em que se comemorava a Independência do Brasil, foram celebrados os 75 anos das duas mais antigas emissoras de rádio do País. A Rádio Mec foi a primeira delas, mas a Rádio Nacional, que também integra a Empresa Brasil de Comunicação-EBC, foi a pioneira no alcance verdadeiramente nacional. Ela foi inaugurada cinco dias depois da Rádio Mec, também em 1936. Por isso, no mesmo dia 12 de setembro, houve um evento na Praça da República, no Centro do Rio de Janeiro, com a programação das rádios ao vivo junto ao público e os artistas considerados prata da casa, segundo os organizadores. O Gerente Regional da Superintendência de Rádio da EBC no Rio de Janeiro, Cristiano Menezes, afirma que a História da Rádio Nacional é de glórias e traumas. Segundo ele, é preciso reconhecer que a emissora sempre buscou uma programação eclética, criou uma linguagem radiofônica e definiu o ritmo do rádio no País. “O evento comemorativo restabelece essa tradição de espaço de criação, e sua diversidade: música clássica, mpb, funk, instrumental, etc. Cada uma tem o seu dna. A Rádio Nacional tem uma característica mais popular e a Rádio Mec tem um viés para a música clássica”, afirma Menezes. A Rádio Nacional (1130 AM) foi criada cinco dias depois de Edgar RoquettePinto ter doado a Rádio Mec (94 FM) ao Governo Federal. Ela fica na Praça Mauá, no histórico Edifício A Noite, empresa jornalística que se endividou e teve de fazer hipotecas até que Percival Farquhar, empreendedor norte-americano ousado, comprou o espaço e implantou o projeto da Rádio Nacional, que já existia no papel. Foi em 1940 que o então Presidente Getúlio Vargas, atento à conjuntura internacional e à importância dos meios de comunicação, comprou uma série de empresas que estavam inadimplentes com a União e designou Gilberto de Andrade, homem de sua confiança e comunicador, para tocar o projeto. Com recursos disponíveis e uma equipe de qualidade, a Rádio cresceu e chegou a contar com 700 funcionários, maestros, orquestras, cantores e

Na capa da Revista da Rádio Nacional as duas grandes estrelas: Marlene e Emilinha Borba.

Astros da música, o Trio Melodia era composto por Paulo Tapajós, Nuno Roland e Albertinho Fortuna. Abaixo, o galã Álvaro Aguiar se notabilizou vivendo o herói do seriado As Aventuras do Anjo no radioteatro da Nacional. Ao lado, o locutor Heron Domingues que, a partir de 1944, passou a deixar o Brasil bem informado: “Aqui fala o Repórter Esso, testemunha ocular da História”.

Mário Lago foi um dos denunciados por César de Alencar como “elemento subversivo”.

atores e criou o hábito das radionovelas, já que ainda não existia a televisão no Brasil. A Rádio lançou artistas como Luiz Gonzaga na música popular brasileira, o programa Repórter Esso no jornalismo e o Balança Mas Não Cai no humor. Seu primeiro trauma foi o baque gerado pela morte de Vargas em 1954: quando ela ia se transformar em televisão, seria a primeira tv pública do País, os equipamentos já estavam comprados, havia euforia nos estúdios, realizavam-se testes, o então Presidente Juscelino Kubitschek foi intimidado por Assis Chateaubriand, barão das comunicações na época, sob a ameaça de que se ele desse a concessão à Rádio Nacional sua cadeia midiática iria bater no Governo até o último dia. JK abortou a criação da TV Nacional, que teria seguido o processo de desenvolvimento dos meios de comunicação através do Poder Público, como ocorreu com a BBC na Inglaterra. Elementos subversivos

Outro impacto negativo para a Rádio foi quando adveio o golpe militar de 1964, e um grande comunicador e personagem

da História da Rádio Nacional, César de Alencar, denunciou vários de seus colegas aos militares, apontando-os como “elementos subversivos”, jargão da época. Muitos foram cassados ou demitidos, como Mário Lago, João Saldanha, Oduvaldo Viana, Paulo Gracindo, Gerdal dos Santos, etc, gerando instabilidade na emissora. Depois, em 1972, com a criação da Radiobrás, transferiu-se o centro de decisões da regional para Brasília. Em 1990 foi extinta a Empresa Brasileira de NotíciasEBN, agência de notícias do Governo. Seus funcionários foram transferidos para a Radiobrás, que teve diversas das suas emissoras vendidas nesse mesmo período. “O núcleo radiofônico da empresa se diluiu e se enfraqueceu. Toda essa história como espaço de criação e programação plural foi-se deteriorando, inclusive fisicamente. No Governo FHC ela quase acabou, quase foi municipalizada. Até que no Governo Lula reinicia-se um processo de revitalização no Rio”, afirma Menezes. Em 2003 a Rádio Nacional firma um convênio com a Petrobras, o que permitiu a reconstrução do seu auditório, com 150

lugares (o auditório original chegou a ter quase 500), a compra de novo transmissor e a reforma de alguns estúdios. Lula, primeiro Presidente a visitar a sede da Rádio Nacional, inaugurou o espaço em ato com a presença de ministros, da então Governadora Benedita da Silva e diversos artistas. “A emissora retomou seus programas de auditório e o público recuperou o hábito de freqüentá-lo. A Rádio Nacional voltou a ter vida. Até que surpreendentemente a mesma gestão da Radiobrás promoveu uma centralização em Brasília. A Rádio perdeu sua identidade e a tão propalada revitalização que merecera a vinda do Presidente foi abandonada. As coisas começaram a se deteriorar novamente porque não era feita manutenção, até que foi criada a EBC. São oito emissoras, e com a superintendência, novo orçamento, nova estrutura. As Rádios ganharam força nesse contexto”, diz Cristiano Menezes. Foram criados três núcleos para esse projeto de revitalização: um de esporte, um de radiodramaturgia e outro de programas infanto-juvenis. A idéia dos diretores é devolver às emissoras a condição de espaço de criação, pois elas devem ser coerentes com as suas histórias, mas inserindo elementos da contemporaneidade. A atual programação contempla programas musicais que incluem desde o funk à música nordestina, passando pelo samba.


ACERVO RÁDIO NACIONAL

Os equívocos do comando, em Brasília

Um dos quadros de humor de maior sucesso da rádio: Paulo Gracindo e Brandão Filho faziam o Primo Rico, Primo Pobre no programa Balança, Mas Não Cai, criação de Max Nunes.

O que é público é de todos, e não do Governo A visão de Orlando Guilhon, um dos diretores da Nacional.. FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

Quando se fala em comunicação pública logo surgem duas indagações: o veículo é chapa branca, com informações que enaltecem o Governo? Seus projetos têm continuidade, ou se mudar a gestão muda tudo? O Superintendente de Rádio da EBC, Orlando Guilhon, que também preside há alguns anos a Associação das Rádios Públicas do Brasil-Arpub, diz que o conceito de comunicação pública no Brasil sempre esteve muito associado ao de estatal no imaginário da população. Para ele, do segundo mandato do Governo Lula para cá melhorou um pouco, mas esse é um processo difícil de ser alterado e requer tempo. “Os governantes precisam mudar a sua maneira de pensar, no sentido de entender que aqueles meios de comunicação que se dizem públicos não pertencem a este ou àquele Governo. É uma mudança de cultura que depende de um tripé: mudança de pensar dos governantes, da maneira de pensar dos gestores e da população. É uma mão dupla: se a população não se apropriar desse conceito, como está começando, não adianta, a democracia será sempre uma rua de mão única para quem está no controle da gestão”, defende Guilhon. Desde que a EBC foi criada, três audiências públicas foram realizadas e a quarta será agora em outubro, com a participação de cidadãos e entidades civis com propostas e críticas. O Conselho Curador da EBC tem cobrado das Diretorias um conteúdo que se aproxime mais do público, e não do Governo. Vários programas, segundo a Direção, têm surgido por meio de colóquios com parceiros e a Ouvidoria. Guilhon considera naturais as mudanças de gestão como conseqüência de eleições e diz que não se pode esquecer que o

A informação pública, na visão dos diretores do Rio, tem um importante papel de prestar um serviço alternativo à mídia comercial, que apresenta sempre um mesmo olhar sobre determinados temas por meio de um formato padronizado. O dilema, no entanto, é superar o alinhamento ao Estado, a informação chapa branca, que ainda existe no Brasil. No caso da Rádio Nacional, existe o problema da centralização das informações em Brasília, dificultando a própria pauta da produção jornalística local. Cristiano Menezes afirma que isso tem melhorado, mas durante o processo de revitalização a gestão de repente tentou fazer uma rádio eminentemente jornalística. “Recuaram um pouco porque repercutiu mal, mas o fato é que desmobilizou bastante e o jornalismo passou a ser ligado diretamente a Brasília. A pauta não era feita aqui, a Rádio ficou desconectada da pulsação cotidiana do Rio. Isso é uma coisa inadmissível”, criticou. Orlando Guilhon não condena a rádio comercial, até porque ela está prevista na complementaridade entre os sistemas público, estatal e comercial na Constituição, mas destaca que geralmente ela não cumpre os preceitos da sua concessão pública. “Faz parte da consolidação de uma nação democrática. Essas empresas esquecem que são privadas mas a concessão é pública, como os transportes, por exemplo. Então

existe ali uma tarefa pública na comunicação que dificilmente a área privada e comercial consegue cumprir, porque ela coloca o lucro na frente de qualquer interesse coletivo. E aí eu acho que a mídia pública, e quanto mais pública e menos estatal, é fundamental”, observa Guilhon. Nesse aspecto, a chamada informação chapa branca ainda é vista como uma coisa a ser superada, pois, segundo ele, existe por parte dos Governos estadual e municipal muita intervenção. No entanto, com as iniciativas da sociedade civil, com fóruns e conferências, sinalizando caminhos para os governantes construírem o sistema público de comunicação, avanços estão ocorrendo. “Na área de informação o nosso contraponto é dar garantia de qualidade. Às vezes, muita informação é igual a nenhuma, então a qualidade é que diferencia: apurar e construir melhor essa notícia, ver os vários lados da questão, não dar só uma versão, conseguir promover o debate público sobre cada tema que realmente interessa à sociedade. A grande mídia acaba sendo contagiada pela grande indústria cultural. Aí, às vezes, você tem um baita talento na periferia que não tem espaço”, defende Guilhon. A rádio comunitária não está excluída desse debate, pois, ainda de acordo com o Superintendente, ela talvez seja a mais pública entre as rádios, quando não é dominada por grupos políticos ou religiosos. Por isso a EBC tem projetos de parceria com esse setor e aguarda as definições do marco regulatório, pois acredita que elas devem ser reconhecidas como um ator fundamental no campo público.

O esporte reencontra seu lugar Guilhon: O Governo não pode fazer intervenção branca nas mídias públicas.

modelo da EBC é estatal; quanto mais consolidado estiver um projeto político, mais difícil será um governo mudá-lo. Ele exemplificou seu raciocínio com a gestão da BBC, na Inglaterra, que já bateu de frente com o Governo britânico diversas vezes. “Ali há um sentimento cultural difundido na população britânica de que o Governo não pode fazer esse tipo de intervenção branca nas mídias públicas. Eu acredito que isso ainda não existe no Brasil. O projeto da EBC ainda é muito recente e não está totalmente consolidado. O nosso desafio é consolidar mais esse projeto, de modo que não fique à mercê das mudanças políticas. E os marcos regulatórios também são importantes. O marco da EBC talvez tenha sido o mais avançado na área de comunicação pública. Ainda tem deficiências, pode ser melhorado”, diz Guilhon.

Com a revitalização da Nacional foi criado um Núcleo de Esporte, coordenado no Rio pelo jornalista Márcio Gomes e que visa a regularizar as transmissões dos jogos de futebol, em que a Rádio Nacional foi pioneira desde a inauguração do Maracanã, em 1950, e a cobertura de diversas modalidades esportivas. É ela a única rádio pública esportiva no cenário nacional. Na visão de Cristiano Menezes, a missão da emissora pública é também cobrir esportes que estão fora da mídia comercial, pelo sentido social que a prática esportiva tem como ferramenta de sociabilidade, inclusão social e formação profissional. Ele informa que a Rádio ainda não tem condições, mas pretende incluir os esportes indígenas na programação. “A cobertura das competições paraolímpicas, estudantis, universitárias, comunitárias, faz um diferencial muito importante com relação às emissoras comerciais. Temos uma amplitude bem in-

teressante nesse sentido. E vamos à Copa do Mundo, contratamos uma equipe recém-saída das universidades que está cada vez mais amadurecendo. Eles cobriram os Jogos Mundiais Militares e vão também para as Olimpíadas”, destaca. As transmissões de futebol foram reiniciadas em 2009 e hoje a equipe é formada por quatro repórteres, um produtor, três narradores e comentaristas. Márcio Gomes explica que, além da transmissão ao vivo de jogos de futebol, vôlei e outros esportes, a programação conta com ampla cobertura jornalística. “Para você ter um exemplo, nós saímos da cobertura bem intensa que fizemos nas últimas 44 horas de programação durante os Jogos Militares. Agora estamos indo para São Paulo para cobrir o Comitê Paraolímpico brasileiro, que é a terceira olimpíada paraescolar que se realiza no Brasil. A EBC, através das suas emissoras, não se presta só a cobrir o top”, diz. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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FOTOGRAFIA

ROGÉRIO REIS, DA SÉRIE SURFISTAS DE TREM. RIO DE JANEIRO, 1980.

Mostra traz a estética do limite Com imagens assinadas por consagrados fotógrafos brasileiros e estrangeiros, a exposição Extremos vai do sublime ao horror. P OR A LFREDO S TERNHEIM Trazendo uma seleção feita a partir do acervo da Maison Européene de La Photographie-MEP, que possui mais de 25 mil fotografias originais, Extremos é uma versão reduzida da mostra acontecida em novembro de 2010 no Mois de La Photo (Mês da Foto), em Paris. Eram mais de 200 fotografias. Agora são cerca de 100. A exposição, que já passou pelo Rio de Janeiro entre junho e agosto deste ano, no momento está em São Paulo, no Instituto Moreira SalesIMS. Na curadoria estão o francês Jean-Luc Monterosso, diretor da MEP e criador em 1980 do Mois de La Photo, o brasileiro Milton Guran, coordenador do movimento FotoRio, mais a colaboração de Sergio Burgi, Coordenador de Fotografia do IMS. O evento se propõe a oferecer situações extremas da História, das sociedades e dos indivíduos ao longo dos últimos 65 anos, através de expressivos e, às vezes, incômodos registros feitos por renomados fotógrafos do planeta. Os curadores lembram que no período delimitado pelos trabalhos reunidos na mostra ocorreram mudanças radicais no âmbito da cultura e da comunicação, alterando a percepção que existe hoje do mundo e da fotografia. “É nesse contexto de permanente transformação da fotografia que a exposição deve ser apreciada tanto por aquilo que traz de icônico e emblemático, quanto, por outro lado, pelo que eventualmente revela

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como fugaz e transitório, em função da própria dinâmica da vida, dos costumes e da cultura”, afirma Sergio Burgi, do IMS. Extremos é mais uma consequência da parceria que existe entre o FotoRio e a Maison Européene de La Photographie. “Nós temos uma cooperação que, em dez anos, já possibilitou umas cinco mostras”, explicou Milton Guran. Sócio da ABI, exrepórter fotográfico que abordou questões indígenas e antropólogo com mestrado que se orgulha de ser, nessa área,o primeiro brasileiro a fazer pesquisa de campo na África, Guran atua como pesquisador associado do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense, além de coordenar o FotoRio. “Existe um sistema de trabalho com o Jean-Luc Monterosso que se mostrou muito eficiente. Ele criou a maior coleção de fotografias da Terra, com imagens fundamentais da metade do século XX para cá. E a instituição francesa tem uma comissão de compras que inclui o brasileiro Gilberto Chateaubriand.” Filho do magnata da imprensa Assis Chateaubriand, o diplomata e empresário Gilberto, atualmente com 86 anos, costuma ser apontado como o maior colecionador de arte no Brasil; seu acervo, com mais de sete mil obras, desde 1993 foi cedido em comodato ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Guran explica a sua maneira de agir junto de Jean-Luc Monterosso:

“O meu trabalho é propor idéias que se transformam em conceitos que, por sua vez, se transformam em exposições. Por exemplo: em outra ocasião, aconteceu a exposição Felicidade. Foi só com instantâneos. Porque ninguém é feliz a vida inteira, e daí a idéia de um momento, um instantâneo.” Tanto o curador brasileiro como o francês levam em conta a popularização da arte: “O que nos move é apresentar ao grande público a cultura fotográfica erudita. É como tocar Vila Lobos no Parque Ibirapuera, em São Paulo. É tornar essa arte atraente para uma massa maior de público. E como é que fazemos isso? Embalando essa cultura erudita em uma roupagem mais palatável para o grande público. Foi assim em Felicidade, que não foi apresentada em São Paulo. No Rio de Janeiro, em quarenta e cinco dias, recebeu 145 mil visitantes”. Depois dessa mostra, a dupla francobrasileira passou a tratar de Extremos. No início, trabalharam o conceito. “Acho que, na nossa cooperação, colabora muito o fato de Jean-Luc ter uma formação em filosofia, além da fotografia, naturalmente, e o fato da minha formação em antropologia, além da fotografia”, contou Guran. “Isso nos permite transitar com conforto por um campo muito mais amplo do que, especificamente, o da fotografia. Então, nós partimos do pressuposto de que os extremos são, na verdade, abrangidos por um tempo que vai da extrema beleza do

sublime ao extremo horror, sabendo que o bem é sinistro, mas o mal não é, o mal é o mal em si mesmo. Por exemplo: quando você está feliz, não pode estar mais feliz. Quando você está explodindo de felicidade, está explodindo de felicidade. Já a desgraça pode ser bem pior, sempre vai além da imaginação. Com a felicidade, não. Normalmente, quando você pensa na felicidade, consegue imaginá-la. É algo mais palpável. Então, nós construímos nosso conceito de nossa maneira e daí, fomos à coleção da MEP.” Percebendo lacunas Deu-se início então à meticulosa busca de imagens adequadas para dialogar com o conceito estabelecido por Jean-Luc e Guran. Este lembra que, com Extremos, existiu mais tempo para trabalhar na exposição. “Assim, nós percebemos muitas lacunas. É claro que nenhuma coleção pode se propor a ter tudo. Mas havia alguns aspectos que podiam ser contemplados. Vou dar dois exemplos. Um, não tinha a bomba em Hiroshima. Por quê? Porque a MEP não se propõe a colecionar documentos fotográficos. Ela se empenha em ter expressão fotográfica. Só que, em determinado momento, imagens que são verdadeiramente documentais se transformam em ícones incorporados indelevelmente à consciência crítica e à cultura visual da humanidade. É o caso da bomba de Hiroshima e também do homem na Lua.”


NEIL ARMSTRONG FOTOGRAFOU SEU COMPANHEIRO NA MISSÃO APOLLO 11, O ASTRONAUTA E DWIN “BUZZ” ALDRIN, EM 21 DE JULHO DE 1969. ALLIOTT ERWITT E O RACISMO NA CAROLINA DO NORTE, EUA, EM 1950. MARC RIBOUD E A MANIFESTAÇÃO PACIFISTA EM WASHINGTON, 1967.

Quanto a essa conquista espacial, a mostra incluiu uma fotografia do astronauta Neil Armostrong, em que ele aparece refletido no capacete do colega Edwin “Buzz” Aldwin na histórica viagem do Apolo 11, em julho de 1969. Durante a concepção e execução de Extremos, os curadores se deram conta da necessidade de incluir brasileiros. “Era preciso, para o público ter essa compreensão mágica do mundo, de nossos aspectos nesse sentido que não podem ficar de fora. Por isso, as imagens de nossos índios, como as feitas por Claudia Andujar”, frisa Guran. É da série O Invisível, de 1976, o registro que ela fez de momentos aparentemente aflitivos de um indígena. Outros flagrantes expressivos de nossa realidade estão em Surfistas de Trem, feita em 1990 pelo carioca Rogério Reis, atualmente com 57 anos, e a antológica A Bicicleta do Pelé, obtida em 3 de junho de 1965 durante a partida entre Brasil e Bélgica no Maracanã. “É algo incrível em termos de perfeição esportiva”, disse Guran. “O seu autor foi Alberto Ferreira, paraibano que desenvolveu a sua carreira no Jornal do Brasil, na

fase áurea dessa publicação carioca”. Por cerca de 25 anos, chefe da equipe de fotógrafos do JB, Ferreira morreu em 2007 na cidade fluminense de Cabo Frio, aos 75 anos de idade. Outros brasileiros estão na mostra. Como o consagrado Sebastião Salgado, que comparece com Sprays Químicos Protegendo Bombeiros, feita em 1991 em um campo petrolífero no Kuait, e Vik Muniz, paulistano que, perto dos sessenta anos, vive uma fase de grande visibilidade graças à telenovela Passione e ao documentário Lixo Extraordinário, sobre seu trabalho com catadores de lixo, premiado nos Festivais de Cinema de Berlim e de Sundance. “Esses dois, assim como Claudia Jaguaribe, Miguel Rio Branco, não estavam lá, mas ao longo dessa cooperação com o Jean-Luc ele foi aos poucos mapeando a produção brasileira. E com esse mapeamento propôs aquisições importantes. Uma das mais recentes é a de Rodrigo Braga.” Desse jovem amazonense radicado em Recife, Extremos traz a série Comunhão, feita em 2006, que mostra um homem em postura extremamente afetiva com um bode.

ALBERTO F ERREIRA, A BICICLETA DE PELÉ. ESTÁDIO DO MARACANÃ, JOGO BRASIL X BÉLGICA.

Entre os estrangeiros estão nomes de várias gerações e tendências. O mais famoso é Henri Cartier-Bresson (1908-2004), considerado por muitos como o pai do fotojornalismo e um dos fundadores da agência Magnum, em 1947. Outro francês célebre no século XX é Pierre Verger (19021996), um parisiense de família abastada que se notabilizou como fotógrafo e etnólogo. Ele morreu em Salvador, onde morava desde 1946; lá surgiu a Fundação Pierre Verger, que criou em 1988 como declarada conseqüência de “dois de seus amores: o que sinto pela Bahia e aquele que tenho pela região da África situada no golfo de Benin”. Nesse local foi feita a pose que está na exposição. Também nasceu na França o fotógrafo e cineasta Raymond Depardon. Aos 69 anos, já ganhou prêmios com alguns de seus 42 curtas e longas nas áreas do documentário e da ficção. Suas imagens em um bairro semi-destruído pela guerra civil em Beirute estão na exposição. Entre os norte-americanos, dois nomes se destacam. Um é o de Richard Avedon (1923-2004), que criou fama como fotógrafo da alta costura nas revistas Harper’s Bazaar e Vogue. Nessa condição, ele inspirou e supervisionou visualmente o filme Cinderela em Paris (Funny Face), musical dirigido por Stanley Donen em 1957, com Audrey Hepburn e Fred Astaire. Nas décadas de 1960 e 1970, fotografou os movimentos pacifistas nos Estados Unidos e a guerra do Vietnam. O segundo nome é o de Robert Mappethorpe (1926-1989), que criou polêmica com as suas imagens da

cena gay (de preferência em momento sadomasoquista) e do nu masculino. Outro destaque é o inglês Martin Parr, atualmente com 59 anos. Ele se fez notar nos anos de 1980, ao voltar suas lentes para a vida suburbana de seu país. São da série Last Resort: Photographs of New Breighton as imagens que estão na mostra. Elas oferecem uma tranqüilidade que contrastam com o clima bizarro de Sue, Debbie, Berlim, feita pela dupla Ralf Marsaut e Heino Müller, também exposta. Além dos fotógrafos citados, Extremos conta com Andrés Serrano, Ansel Adams, Bernard-Pierre Wolf, Bettina Rheims, Bill Brandt, Bruce Davidson, Claude Alexandre, Cristine Spengler, David Nebrada, Diane Arbus, Don McCullin, Duane Michals, Edward Weston, Emmet Govin, Fouad Elkhoury, Gabrielle Basilico, George Dureau, George Robert Caron, Helmut Newton, Irving Penn, Jean Depara, Jean-Philippe Charbonier, Jeanloup Sieff, Joe-Peter Witkin, Larry Clark, Manuel Álvarez Bravo, Marc Ribaud, Martian Cherrier, Oumar Ly, Pierre et Gilles, Pierre Molinier, Raphael Dallaporta, Robert Frank, Roger F. Ballen, Seymour Jacobs, Shomei Tomatsu, Tony Ray-Jones, Touhami Ennandre, Valerie Belin e Elliott Erwitt, um filho de imigrantes russos nascido na Paris de 1928. Radicado nos Estados Unidos, tornou-se documentarista cinematográfico, diretor de comerciais e fotógrafo. Dele é o registro do preconceito racial na Carolina do Norte dos anos 1950, que ilustra a capa do catálogo da exposição. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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FOTOS DIVULGAÇÃO

PROJETO

O futuro Mis, ousado e futurista Até 2013 Copacabana vai ganhar uma edificação ultramoderna que abrigará, num espaço interativo, a mais importante documentação audiovisual sobre a vida cultural brasileira no século XX. P OR A RCÍRIO G OUVÊA N ETO Concebido em 2008, o novo Museu da Imagem e do Som-Mis esperará cinco anos para nascer imponente em 2013. E não poderia surgir mais majestoso e carioca: em Copacabana, Av. Atlântica, mais precisamente onde antes havia a boate Help. O projeto do prédio, extremamente ousado e futurista, é inspirado nos desenhos famosos de pedras portuguesas do calçadão e se prolonga para cima, como se os ondulantes desenhos – cartão-postal do bairro no mundo –, em uma interação com o edifício, quisessem alcançar o céu ou uma dimensão onde estejam os gênios que constituem seus arquivos. O Museu será construído em um terreno de aproximadamente 1.600 metros quadrados, de frente para o mar, e terá área total de 6.000 metros quadrados. “O novo Mis será o museu-referência do Rio de Janeiro, reforçando a identidade cultural da cidade. Estará situado no principal cartão-postal do País, com um projeto arquitetônico que traduz o século atual e um acervo que será disponibilizado conforme as mais novas tecnologias”, diz Adriana Rattes, Secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. “É um projeto que, além de criar um ícone arquitetônico para a paisagem, estabelece uma linguagem que dialoga diretamente com a calçada. Um diálogo estético, conceitual e espacial, oferecendo uma continuação do calçadão de Copacabana dentro do Museu”, afirma Hugo Barreto, SecretárioGeral da Fundação Roberto Marinho. O projeto do novo Mis é fruto de um trabalho conjunto da Secretaria Estadual de Cultura e da Fundação Roberto Marinho e tem como um de seus objetivos dar à ci-

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dade um símbolo arquitetônico do século 21, de projeção nacional e internacional. O prédio terá vestíbulo, com espaço para a bilheteria; guarda-volumes; área para o encontro de grupos; salas de exposição fixas e temporárias; auditório; espaço para atividades didáticas; salas para consulta e pesquisa; lojas; cafeteria, restaurante panorâmico; bar/terraço, piano-bar e um mirante, além de áreas administrativas, salas especiais para guardar o acervo e 1.500 metros quadrados destinados a estacionamento, carga e descarga. O dia do julgamento A Presidente do Mis, Rosa Maria Araújo, fala com entusiasmo do projeto: “O público vai adorar o novo Mis. Ele será um convite irresistível para conhecer a História da música e da imagem desta cidade de uma forma divertida e agradável. O dia do julgamento, ou seja, da escolha do projeto, nos fez voar alto e ter um lindo sonho com o novo Museu. A idéia original consistiu em construir um novo Mis, que, além de dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos atualmente, passaria a funcionar como um museu total, abrangendo também atividades expositivas, educativas e uma vasta programação cultural. Seu acervo será exibido de forma moderna, fazendo uso de novas mídias e da mais alta tecnologia e interatividade, com a intenção de encantar seus visitantes”. “Durante o ano de 2009, algumas visitas foram realizadas a museus similares na Europa por representantes do Mis e da Secretaria Estadual de Cultura. Em agosto desse mesmo ano, realizamos o ‘Concurso Idéias’ para o projeto arquitetônico, com a participação de quatro escritórios brasileiros e três estrangeiros. E o escritório de engenharia e

O projeto vencedor destoa da paisagem: essa ousadia não irá custar caro demais para o Mis?

arquitetura norte-americano Diller Scofidio + Renfro foi o vencedor, através de parceria com seu representante brasileiro, a empresa Índio da Costa”, disse a Presidente. Rosa Maria conta que o ano passado foi de exaustivos trabalhos para adequar o futuro Museu aos padrões mais modernos do mundo em matéria de funcionalidade: “Nessas reuniões discutimos questões como estabelecimento de espaços para museografia, redimensionamento dos espaços destinados ao centro de documentação, banheiros com facilidades para deficientes, problemas relacionados à acústica, melhor solução para o teatro, fachada, materiais e sustentabilidade. A conveniência de colocação de pequenos jardins em alguns andares, além da cobertura e vários detalhes gerais com a única intenção de entregar à população um museu que esteja à altura da esplêndida e incomparável genialidade de nossa cultura popular”. Um júri da pesada O vencedor do concurso de projetos foi escolhido por uma comissão presidida pela Secretária Ana Rattes e que contou com profissionais renomados, entre eles: Bel Lobo, arquiteta; Hugo Barreto, filósofo e Secretário-Geral da Fundação Roberto Marinho; Jaime Lerner, arquiteto e urbanista; James Cathcart, arquiteto e membro da equipe de Ralph Appelbaum, um dos maiores designers de museus do mundo; Jordi Pardo, arqueólogo e consultor do Laboratório de Cultura da empresa Barcelona Media; Lucia Basto, arquiteta e gerentegeral de Patrimônio da Fundação Roberto Marinho; Magaly Cabral, museóloga e Diretora do Museu da República; Paulo Herkenhoff, ex-Diretor do Museu de Belas-Artes e crítico de arte; Rosa Maria de Araújo, Presidente do Mis, e Sérgio Dias, engenheiro civil e Secretário de Urbanismo do Município do Rio de Janeiro Os critérios utilizados para avaliar os projetos foram: inovação e originalidade tecnológica e estética, adequação física e estética ao local, atendimento aos requisitos estabelecidos no programa funcional, exeqüibilidade do projeto e atendimento aos parâmetros de sustentabilidade, tais como eficiência energética e uso de água, além de acessibilidade universal, ou seja, facilidade de acesso para todos os usuários e portadores de deficiência.

Quem concorreu Sete dos mais importantes escritórios de arquitetura do Brasil e do mundo participaram do “Concurso Idéias”, quatro brasileiros e três estrangeiros. Do Brasil participaram os escritórios Sérgio Bernardes, Isay Weinfeld, Brasil Arquitetura e Tacoa Arquitetos. Dos estrangeiros, o escritório do arquiteto Daniel Liberkind, autor da Freedom Tower, edifício projetado para o lugar do World Trade Center e do Museu do Holocausto, em Berlim; Diller Scofidio + Renfro; e o escritório do arquiteto Shigeru Ban, responsável pela filial do Museu de Arte Moderna Georges Pompidou em Metz, na França. A escolha da praia de Copacabana como novo endereço para a sede do Mis está intimamente ligada ao caráter plural do bairro, um dos cartões-postais mais conhecidos no mundo. O bairro tem fácil acesso, recebe grande contingente de turistas, em seus mais de 80 hotéis, e ainda serviu de inspiração para músicos, escritores, artistas plásticos e fotógrafos, virando referência turística no Brasil e no mundo: “Teremos ainda o Museu da Rádio Nacional e abrigaremos também o Museu Carmem Miranda. E certamente virá mais por aí. O Mis merece, pois é o único do mundo no gênero. Não existe nada igual em outro país e o brasileiro precisa ter noção dessa importância. Afinal, ele não é só do carioca, mas de todo o Brasil”, diz Rosa Maria. Perfil dos ganhadores Com sede em Nova York, o escritório vencedor do projeto do novo Mis foi fundado por Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio, sendo particularmente conhecido por sua abordagem interdisciplinar da arquitetura. Diller e Scofidio foram os primeiros arquitetos a ganhar o Prêmio MacArthur. Em 2004, Charles Renfro se juntou a eles. Elizabeth Diller permaneceu no mundo acadêmico, e atualmente leciona na Princeton University. Charles Renfro é professor da Columbia University e Rice University, enquanto Ricardo Scofidio foi recentemente nomeado professor emérito da Cooper Union. Obras importantes do trio são Blur Building – Expo Internacional 2002 (Suíça), The Brasserie (EUA), Eyebeam Institute (EUA), Institute of Contemporary Art (EUA), High Line Park (EUA) e Lincoln Center (EUA).


Falta de transparência gera um estranho no ninho Mesmo sendo um órgão público, o Museu decidiu como uma instituição privada. P OR P AULO C HICO O novo Museu da Imagem e do Som do Rio é alvo de algumas ressalvas no meio acadêmico. Menos que o projeto vencedor em si, o alvo principal das críticas é o processo de apresentação e escolha dos candidatos que fizeram parte da disputa. “O escritório Diller Scofidio + Renfro é reconhecido por alguns trabalhos de referência no panorama atual da arquitetura, como o reconhecido High Line Park, de Nova York. Portanto, tem todas as qualificações. A questão é: será que esta era mesmo a melhor proposta? Não que o resultado, do ponto de vista da qualidade arquitetônica, possa ser questionado. O problema é que não houve condições para que a crítica e o público pudessem ou tivessem a oportunidade de participar de tal discussão”, lamenta João Masao Kamita, crítico e historiador de Arquitetura. Professor do Departamento de História e do curso de Arquitetura da Puc-Rio, Kamita lembra que o Mis é um órgão público, subordinado à Secretaria Estadual de Cultura. Como tal, deveria prezar pelo compromisso com a transparência, fator essencial para o conceito de bem público do qual faz parte. “No entanto, não houve divulgação do edital do concurso, e muito menos da seleção para os convites fechados aos escritórios participantes. Apenas a divulgação do resultado final. Tampouco os critérios do júri foram explicitados. Para finalizar, os projetos concorrentes e o vencedor não foram expostos ao público. Diante dessas obscuridades, como afirmar que fora o melhor projeto o vencedor, se tudo foi tratado como um processo fechado?”, questionou o professor. Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo-Usp, Masao Kamita lembra, como contraponto, que vários projetos recentes foram objeto de concurso, graças à intervenção do Instituto de Arquitetos do Brasil, Seção Rio de Janeiro.

Para servir a quem pesquisa O Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro foi inaugurado em 5 de setembro de 1965, pelo Governo do extinto Estado da Guanabara, como parte das comemorações do IV Centenário da Cidade. Primeiro museu audiovisual do País, o Mis foi instituído a partir da aquisição pelo Banco do Estado da Guanabara de importantes coleções relacionadas à História cultural da cidade, com o objetivo de preservar e expor ao público o seu patrimônio. Para abrigar essas coleções, o Governo realizou uma ampla reforma em um majestoso prédio na Praça XV, que havia sido

“A partir dessa ação, houve casos com transparência e participação, ou seja, facultando ao público interessado a possibilidade de se posicionar e discutir que cidade quer. O Porto Maravilha e o Parque Olímpico são alguns dos exemplos de debate democrático. Como a cidade do Rio, por conta dos grandes eventos, está passando por fortes mudanças urbanas, num ritmo acelerado e abrupto, um mínimo de discussão e posicionamento crítico é o que se deveria exigir. A fatalidade histórica não pode ser álibi para se aderir irrefletidamente à oportunidade que se apresenta”, pondera. A ‘cultura oficial’ e a ‘cultura da praia’ Questionado se consegue ver no projeto vencedor as supostas referências ao Rio de Janeiro, tal como a reprodução do calçadão de Copacabana, o professor faz uma análise técnica da proposta escolhida. “Em recente palestra na Puc-Rio, um dos autores do projeto, a arquiteta Elizabeth Diller, afirmou ser este um dos aspectos considerados, falando inclusive de um desejo de que o edifício funcione como uma espécie de ponto de intercâmbio entre a ‘cultura oficial’ e a ‘cultura da praia’, ainda que não fique muito claro o que isso queira dizer. Assim, a idéia do percurso contínuo parece ser o gesto básico do projeto, algo meio recorrente nos projetos do escritório, e que revela certa visão do edifício aberto ao fluxo urbano. Daí a calçada que continua e a fachada transparente, para revelar o que acontece em seu interior.” Será que o novo prédio, a ser inaugurado em 2013 ao custo de milhões de reais aos cofres públicos, terá harmonia com o conjunto arquitetônico de Copacabana? Ou será um estranho no ninho? “Certamente, o projeto considerou a escala do entorno e as características gerais da situação. Mas, como fruto de um desenho de arquitetura contemporâneo, o projeto do novo Mis certamente se destacará das construções vizinhas. Contudo, não acho

construído por ocasião da Exposição do Centenário da Independência do Brasil, realizada em 1922, no Rio de Janeiro. No final da década de 1980, foi criado mais um espaço para o Museu, na Lapa, em um prédio projetado para ser um hotel no início do século XX, mas que serviu de tudo um pouco e que abriga hoje a administração e parte do acervo. O Mis possui duas salas de consulta, uma em cada sede. O atendimento nas duas salas é feito de segunda a sexta-feira, das 11 às 17 horas, com uma média de 1.300 visitas por ano. O atendimento ao pesquisador também é feito via telefone ou e-mail. A Presidente Rosa Maria Araújo revela que a maioria das consultas é pelas partituras: “Elas realmente, muitas por serem raras e originais, atraem a atenção dos pesquisadores de músi-

Uma das sedes do Museu da Imagem e do Som, na Praça XV, região que deveria ser revitalizada.

que seja justo cobrar dele, só porque foi feito por arquitetos estrangeiros, unidade com o contexto, se isso não conta para a cidade do Rio como um todo, cujo traçado urbano é resultado de um processo de segregação e desigualdades históricas.” Transferir ou revitalizar? É no foco de historiador de Arquitetura que Masao Kamita faz sua maior restrição ao novo Mis. Em especial, à decisão de transferi-lo para a imponente Copacabana. Em artigo escrito em 2009 e divulgado na internet, o professor chegou a defender a não transferência do Museu, propondo uma ação coordenada e coletiva para a cidade, com a recuperação de diversos prédios importantes e a revitalização da região em que ele hoje se situa, como explica ao Jornal da ABI: “Tenho estudado a área central, especialmente o trecho que restou após a demolição do Morro do Castelo. Justamente onde se encontra o atual Mis. Apesar do gesto drástico de destruição de um morro inteiro em nome do desafogo, da ventilação, da melhoria da circulação, da higiene e do progresso, surpreende que a área permaneça indefinida. Lá podem ser encontrados fragmentos de diversos períodos da cidade. O Mis é o resto da Exposição Comemorativa do Centenário da Independência, ocorrida em 1922, assim como o próprio Museu Histórico Nacional, o Centro Cultural da Saúde e a Academia Brasileira de Letras.

Como remanescentes do período colonial, temos o arranque da Ladeira da Misericórdia (que dava acesso ao topo do Morro), a Santa Casa de Misericórdia e a Igreja de Santa Luzia. Temos uma praça que ninguém vê – a Praça dos Expedicionários. Todos esses equipamentos culturais estão entremeados por vazios, jardins abandonados, áreas de estacionamento, o elevado da Perimetral e um terminal urbano. Uma confusão de fluxos, atividades informais e degradação de espaços, numa área central e cheia de vitalidade”, afirma Kamita, que segue em sua análise. “A sede atual do Mis é pequena e ilhada, nessa terra de ninguém. Logo, tem razões para querer ampliar e melhorar seus espaços. Não acho que o problema seja da instituição em si. Mas o Museu se encontra numa área que concentra outros tantos aparelhos culturais que, como tal, aspiram a um maior fluxo de público. O que procurei sugerir no artigo é que mudar de endereço é a saída mais fácil e, do ponto de vista urbano, mais custosa e injusta com uma área que tem tanta importância histórica e concentra várias instituições públicas. E que, por isso, mereceria um projeto de revitalização completo, integrando os bens culturais ali instalados à rede de transportes públicos. Mas parece-me que o problema é que o Poder Público, por aqui, não tem conceito de público. E, pior do que isso, não atua publicamente.”

ca popular. Mas o visitante que não esteja interessado em pesquisa também pode entrar e visitar o prédio, onde temos algumas peças expostas”. Desde sua fundação, o Mis vem desenvolvendo atividades de exposições, cinema, seminários, palestras, cursos, vídeo educativo, além da guarda e tratamento de um importante acervo sobre a História cultural do Rio de Janeiro, acervo esse aberto à consulta e com mais de 20 coleções privadas de personalidades vinculadas à cultura carioca. Na sede principal, na Praça XV, estão o acervo iconográfico, os vídeos da coleção Depoimentos Para a Posteridade e das

outras coleções do Mis, bem como as partituras e a hemeroteca da Coleção Almirante, que podem ser pesquisadas na sala de consulta. Na sede da Lapa três terminais de computadores estão disponíveis para os usuários acessarem as antigas bases de dados ainda em funcionamento, além do novo banco onde quase 30% do acervo já se encontram inseridos. Estão disponíveis também equipamentos que permitem o acesso aos documentos sonoros nos mais diferentes suportes (discos, lps, cds, fitas cassetes e fitas rolos). Nessa sede também é possível consultar os documentos de textos das diversas coleções do Mis. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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REPRODUÇÃO

PROJETO O FUTURO MIS, OUSADO E FUTURISTA

Os tesouros do Museu Um dos mais significativos e abrangentes acervos do museu, Depoimentos Para a Posteridade faz uma viagem por vários segmentos das culturas popular e erudita brasileiras, sendo de fundamental importância e representatividade na fixação documental do pensamento e história de destacados e relevantes nomes nas áreas da música, literatura, dança, artes plásticas, cinema e teatro. São mais de 1.000 depoimentos gravados em áudio e vídeo de figuras notáveis, como Cacá Diegues, Cartola, Chico Buarque, Jorge Amado, Nelson Rodrigues, Gilberto Braga, Dona Ivone Lara, João Ubaldo Ribeiro, Paulo Moura, Walter Firmo, Chico Anísio, João Bosco, Ana Botafogo, Luiz Fernando Veríssimo, Bárbara Heliodora, Hugo Carvana, entre outros.

O ACERVO, EM NÚMEROS D OCUMENTOS

V OLUME

DIGITALIZADOS

Texto Texto/Partituras Iconográfico* Sonoro/discos Sonoros/fitas Audiovisual (Vídeos) Audiovisual (Películas) Tridimensional Biblioteca Total

15.787 60.300 1.213 70.000 5.861 1.244 543 994 8.500 249.441

15.787 27.000 – 9.278 1.061 673 78 – – 65.844

*Partituras, cartazes, desenhos, etc

As partituras e a hemeroteca da Coleção Almirante (à esquerda), podem ser pesquisadas na sala de consulta na sede principal do Mis, na Praça XV.

As coleções do MIS encerram relíquias que hoje representam documentos imprescindíveis para compreensão e estudo da nossa cultura, entre elas: Abel Ferreira, Almirante (partituras, roteiros de programas, fotografias e recortes de jornais), Augusto Malta (uma das mais importantes, constituída de fotografias, negativos em vidro e panorâmicas, retrata o Rio, e suas transformações urbanas e sociais, de 1903 a 1936), Elizeth Cardoso, Irmãs Batista – Linda e Dircinha, Guilherme Santos (registros fotográficos utilizando a estereoscopia retratam o Rio de Janeiro e São Paulo da primeira metade do século XX), Coleção Mis (constituiída de doações nos mais diferentes segmentos da cultura).

Jacob do Bandolim (partituras, discos, livros, fotos), Jorge Murad, Jurandyr Noronha (vasta documentação sobre o cinema nacional desde a década de 1920), Nara Leão, Maurício Quadro (música de autores clássicos, além do registro de vozes de figuras de renome internacional como Rui Barbosa, Lênin, Leon Tolstoi, Charles de Gaulle, Franklin Roosevelt, Adolf Hitler, Mussolini, Churchill, entre outros personagens da História dos séculos XIX e XX), Nelson Motta, Odete Amaral, Rádio Nacional (aproximadamente um terço do arquivo do Mis), Salviano Cavalcânti de Paiva (livros, catálogos, cartazes e fotografias sobre o cinema do Brasil e do mundo), Sérgio Cabral e Zezé Gonzaga.

O Museu, como um filho querido P OR RICARDO C RAVO ALBIN ESPECIAL PARA O JORNAL DA ABI

O nosso Maurício Azêdo teve a bondade de me pedir texto sobre o Museu da Imagem e do Som. Ora, qualquer pedido para o Mis eu não nego jamais, sobretudo quando solicitado por amigo tão estimado. O Museu, sobre o qual escrevi um livro MIS – Rastros de Memória, (Sextante, 2000), é e sempre foi uma das mais apaixonadas referências de toda a minha vida. Ele se plasmaria a mim com a força de um filho. Explico: designado para ser seu Diretor Executivo por Raphael de Almeida Magalhães, em 1965, logo entreguei o cargo ao novo Governador da Guanabara, Negrão de Lima. Mas, solicitado por meus amigos jornalistas Luiz Alberto Bahia, Álvaro Americano e Humberto Braga, trio que comandava o Governo Negrão, fui instado a permanecer à testa daquele novo museu, que ninguém sabia bem o que era e para que servia. E eu – no verdor dos 25 anos – topei o desafio. Sem dinheiro, sem verba, sem nada. A saga para mantê-lo funcionando, com seus menos de 20 funcionários, foi feita com cursos os mais variados, de relações públicas, de cinema, de qualquer ramo de arte que pudesse chamar a atenção do distinto público. Até cursos de Inglês e Francês, com os quais, aliás, começamos a fazer um bom dinheirinho. Até uma revista, a Guanabara em Revista, que o Museu editou, ajudava a carrear para o Mis verbas de publicidade. Faltava, evidentemente, dizer ao Rio (e ao País) para que servia o Museu na sua essência. Criei, então, aquilo que chamei de Depoimentos Para a Posteridade. Foi a chave que consagrou o Museu, até porque começamos os depoimentos com os pioneiros do samba, Donga, João da Bahiana, Heitor, Ataulpho, Pixinguinha. Ora, todos eles (em plena época dos festivais de jovens universitários, ou seja, 1966-1970), os velhos da mpb (pobres, semi analfa-

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betizados, negros), faziam uma radiosa diferença, ao se sentarem no “podium” da posteridade. A imprensa Rio–São Paulo abria primeiras páginas a quase cada semana para os testemunhos, anteparados pelos conselhos específicos que paralelamente (soprado por Ary Vasconcellos e Almirante) criei para votar os nomes que mereciam a posteridade. A febril atuação do Museu era de tal ordem, e a falta de recursos pontuais também, que aceitávamos doações de todas as origens. Uma historinha saborosa e verdadeira (que Sergio Cabral, companheiro de então, conta com muita graça): recebemos, certa feita, uma doação de cem fitas (as de rolo) da Aliança para o Progresso, com discursos de Senadores no Congresso Americano. Pois bem: como precisava gravar a nossa atualidade urgentemente, apaguei os desconhecidos congressistas e registrei na mesma fita nossa vida pulsante. Ao primeiro Conselho, o da MPB, seguiram-se os de Literatura, Cinema, Teatro, Artes Plásticas, Esportes e Música Erudita. Com cerca de 200 intelectuais reunidos no Museu, tive a idéia de sugerir ao Embaixador Negrão de Lima que eles (os seis Conselhos) também votassem nas premiações de final de ano para cada uma das vertentes dos depoimentos. O sucesso dos prêmios Golfinho de Ouro (para criador) e troféus Estácio de Sá (para mecenato) chegaram a consagrar mais de trezentos brasileiros, de primeiríssima linha, desde 1967 até 2006. E até hoje estão nas estantes dos melhores talentos que este País já produziu. Portanto, qualquer palavra que seja para apoiar o Mis, em qualquer sentido, em qualquer mudança, ou sobretudo em qualquer crise, contem sempre comigo. Tal como um pai cuida dos caminhos a serem percorridos por um filho. Criador do Museu da Imagem e do Som, RICARDO CRAVO ALBIN é Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin.

D

epois de quase um século, finalmente as editoras brasileiras parecem ter descoberto os atrativos da weird fiction, estilo narrativo desenvolvido em revistas pulp como a Weird Tales, editada em 1923 por J.C. Henneberger, em Chicago, Estados Unidos. Há poucas semanas chegou às livrarias brasileiras, pela Editora Évora, a coletânea Conan, O Bárbaro, de Robert E. Howard, a reboque do lançamento da produção cinematográfica homônima, dirigida pelo alemão Marcus Nispel, remake do grande sucesso de 1982, estrelado pelo gigante Arnold Schwarzenegger. O livro publica alguns textos inéditos no Brasil deste personagem que é uma bem-sucedida franquia internacional e se espalha por diversas mídias como o cinema, os quadrinhos, a televisão e os videogames. A Weird Tales apoiou-se inicialmente na republicação dos contos de Edgar Alan Poe, cujo duplo centenário foi bastante comemorado em 2009. Logo, a revista abriu espaço para autores criativos como H. P. Lovecraft e Clark Ashton Smith. Oferecia textos elaborados com uma técnica naturalista eficiente que, anos depois, daria origem aos gêneros da fantasia, horror e ficção científica como são hoje identificados. A partir do estilo estranho de Poe, os autores da Weird Tales foram além e construíram universos assustadores e bizarros, contudo convincentes. Entre seus novos talentos, despontou rapidamente o nome do então jovem Robert Ervin Howard, cuja estréia aconteceu em 1925. Howard desenvolveu ali um trabalho original, com uma série de narrativas aventurescas que se tornaram muito populares durante a Grande Depressão, período de dificuldades sociais e econômicas advindas da quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O autor e sua obra Howard nasceu em dezembro de 1906, em Peaster, Texas, e nos breves 30 anos em que viveu construiu uma saborosa mitologia ancestral, amálgama de histórias de guerras medievais com fantasias das Mil e Uma Noites, que hoje é conhecido como o gênero Sword and Sorcery (Espada e Magia). Nessa versão delirante do passado da humanidade trafega Conan, guerreiro das montanhas geladas de algum lugar que parece ser o Norte da Europa que, no mundo criado por Howard, chama-se Ciméria. Aliás, Howard redesenhou o mapa do mundo, definindo um continente estranho, no qual se pode identificar versões de diversas culturas recentes, como os turcos, os árabes, os


LIVROS

REPRODUÇÃO

A revista Weird Tales publicou as primeiras histórias de Robert E. Howard (à esquerda, a foto mais conhecida do escritor, feita em um estúdio em 1934) e de Conan, cujas capas eram desenhadas por Margaret Brundage. Mas, na década de 1960, a arte fantástica de Frank Frazetta deu forma final ao bárbaro (direita).

egípcios e até os romanos. A arquitetura descrita também se apóia nas desses povos, com uma boa dose de medievalismo europeu. Depois de bem cosida, Howard fixou essa mixórdia cultural numa época 12 mil anos atrás, 4 mil anos depois do desaparecimento da lendária Atlântida, a qual ele chamou de Era Hiboriana. O ambiente é tão rico que permitiu a criação de outros personagens, como o Rei Kull, que governou a Atlântida em seus últimos dias. Por conta disso, muita gente acredita que o mérito do escritor apóia-se apenas na saga Hiboriana, mas Howard realizou outras séries interessantes, como as do selvagem celta Bram Mak Morn ou a do puritano caçador de bruxas Salomon Kane, que têm backgrounds mais realistas, mas ainda bastante fantasiosos. Mesmo Red Sonja – versão feminina de Conan – só recentemente foi incorporada ao universo hiboriano; originalmente tinha suas histórias situadas no século XVI. Howard também escreveu histórias de faroeste, terror, aventuras policiais e de ficção científica, peças e poesias. Quase todas as histórias de Conan foram escritas entre 1926 e 1930 e publicadas principalmente na Weird Tales. A primeira história impressa foi chamada The Phoenix on the Sword, publicada em 1932. A série original completa conta com apenas 21 textos, três dos quais publicados postumamente. Na década de 1950, o material foi republicado nos Estados Unidos em forma de livro pela Gnome Press e reeditado em 1966 com belíssimas capas ilustradas pelo antológico Frank Frazetta, que lhe renderam o sucesso atual. Autores como L. Sprague de Camp e Lin Carter deram seqüência às aventuras de Conan, algumas a partir de manuscritos incompletos posteriormente descobertos. Em 1970, começou a ser publicada a revista em quadrinhos Conan, the Barbarian, pela editora norte-americana Marvel Comics, com roteiros de Roy Thomas e os desenhos exóticos de Barry Windsor Smith. Essas revistas foram um enorme sucesso de vendas e hoje são muito valorizadas pelos colecionadores. Tiveram várias reedições, algumas de alto luxo, e o design de Barry Smith tornou-se determi-

A redescoberta de Robert E. Howard, bárbaro e multimídia P OR C ESAR S ILVA nante na construção visual da Era Hiboriana. Mas o ilustrador que mais produziu aventuras para Conan foi John Buscema, um dos principais estilistas do Marvel Way nos anos 1970 e 1980. Roy Thomas foi o principal roteirista e criou muitas aventuras inéditas para o guerreiro e outros personagens de Howard, inclusive os roteiros dos dois primeiros filmes realizados para o cinema, Conan, O Bárbaro (John Millius, 1982) e Conan, O Destruidor (Richard Fleischer, 1984). Red Sonja ganhou um longa-metragem homônimo em 1985, também dirigido por Fleischer: Salomon Kane: O Caçador de Demônios foi filmado em 2009 por Michael J. Bassett. As adaptações em quadrinhos foram traduzidas primeiramente pelas editoras Gorryon e Gep, nos anos 1970, e depois pela Bloch. A Editora Abril manteve por muitos anos vários títulos simultâneos com os quadrinhos de Conan. O principal deles, A Espada Selvagem de Conan, também apresentou histórias de Red Sonja, King Kull, Bran Mak Morn e Salomon Kane. Mais recentemente, os quadrinhos de Conan foram publicados pela Editora Mythos. No Brasil, os textos de Howard foram pouco publicados. A primeira tradução de que se tem notícia foi a do conto A Fênix

e a Espada (The Phoenix on the Sword), visto em 1973 no número 7 da revista Planeta (Editora Três), então editada pelo jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão. Outro texto de Howard só iria aparecer em 1990: O Povo do Círculo Negro (The People of the Black Circle), publicado na antologia Isaac Asimov Apresenta: Magos, Os Mundos Mágicos da Fantasia (Editora Melhoramentos). Em 1995, a editora Mercúrio, pelo selo Unicórnio Azul, distribuiu nas bancas três volumes do periódico Conan: Espada e Magia, com uma seleção de histórias do bárbaro escritas por Howard e seus seguidores. No ano seguinte, a editora Newton Compton Brasil distribuiu, do mesmo modo, um volume com a novela Pregos Vermelhos (Red Nails), um dos maiores clássicos do personagem. Em 2006, a Editora Conrad publicou dois volumes somente com contos de Conan escritos por Howard, na sua seqüência original. Howard passou quase toda a sua vida no vilarejo de Cross Plains, no Texas, de onde nunca chegou a sair. Manteve far-

ta correspondência com outros autores contemporâneos, especialmente com H.P. Lovecraft, com o qual seu trabalho dialogava muito proximamente. Sua obra também influenciou outros grandes autores, como Edgar Rice Burrougs, J.R.R. Tolkien, C. S. Lewis, Michael Moorcock e George R. R. Martin. Curiosamente, Howard guardou sua última grande história para si mesmo. Profundamente deprimido com o coma irreversível de sua mãe, no dia 11 de junho de 1936 às oito horas da manhã, sentado no banco de seu automóvel, Howard disparou um tiro contra a cabeça, e morreu oito horas depois. A mãe morreu em seguida. Ambos compartilharam o mesmo funeral e estão sepultados no cemitério Greenleaf, em Brownwood. Domínio público Recentemente fundada, a editora paulistana Évora tem um catálogo diversificado e decidiu investir também na literatura fantástica com a coletânea Conan o Bárbaro, de Robert E. Howard, apresentada através do selo Generale. Além do apelo da estréia do filme no cinema, a editora se beneficiou do fato de o material do autor estar em domínio público desde 2006. Trata-se da tradução da antologia Conan, The Conqueror, que apresenta quatro textos: o já anteriormente visto Os Profetas do Círculo Negro, mais os inéditos Além do Rio Negro (Beyond the Black River), As Negras Noites de Zamboula (Shadows in Zamboula) e o romance A Hora do Dragão (The Hour of the Dragon), o único escrito por Howard com seu personagem mais famoso. Os textos têm tradução de Alexandre Callari, um autor da casa pela qual teve recentemente publicado o romance Apocalipse Zumbi. Callari assina também o texto de apresentação da coletânea, que ainda tem prefácio do roteirista norte americano Roy Thomas, comentando a sua adaptação para os quadrinhos, o que soa um pouco deslocado no contexto de um volume literário, especialmente para aqueles leitores que não acompanham Conan nos quadrinhos. O livro tem 362 páginas, mais 22 páginas numeradas em algarismos romanos, e um caderno de oito páginas em papel couchê com fotos em cores do remake cinematográfico. A capa reproduz o cartaz de divulgação do filme e o resultado é um volume bem produzido, no estado da arte dos livros do mercado moderno. O grande risco de se associar a publicação de um texto clássico como este a uma adaptação cinematográfica é a enorme possibilidade de que o filme seja mal recebido pela crítica e pelo público. Pois, quando o filme não vai bem, seus subprodutos tendem a seguir-lhe a trajetória, o que seria uma pena no caso deste livro, que tem qualidades suficientes para sustentar-se. Afinal, se há um subproduto aqui, ele é o filme. O momento atual, em que títulos como O Senhor dos Anéis, Crônicas de Nárnia e A Guerra dos Tronos estão entre os mais vendidos nas livrarias, é uma ótima oportunidade para dar uma chance a Howard, que foi aquele que deu forma original ao gênero. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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LIVROS

Lembranças de uma geração marcada pela contestação Por meio dos relatos de ativistas políticos de 1968, livro resgata a história de brasileiros que se empenharam na luta contra o regime militar, em defesa do restabelecimento da democracia no País.

Nada melhor para entender determinado período histórico do que ouvir os relatos dos personagens nele diretamente envolvidos. Por isso mesmo, o lançamento do livro 68, A Geração Que Queria Mudar o Mundo - Relatos tem sido motivo de celebrações em diversas capitais do País. Foi assim também no Rio de Janeiro, na noite do dia 15 de setembro, em solenidade que reuniu mais de 400 pessoas no Plenário Barbosa Lima Sobrinho, na Assembléia Legislativa do Estado. A obra é composta por relatos de uma centena de ex-militantes políticos, organizados e sistematizados por Eliete Ferrer, do grupo Os Amigos de 68. Trata-se de uma peça vital para a difusão da memória daqueles que combateram o regime militar, pois descreve as percepções e concepções de vida que eles sustentaram, o modo como lutaram e os percalços enfrentados. “Nosso público-alvo são os jovens. Nosso objetivo é fazer chegar às novas gerações a nossa versão dos fatos. Queremos que os jovens conheçam a nossa alma, os sentimentos dos que lutaram contra a ditadura. Que saibam que somos uma geração generosa, que queria um mundo melhor para todos. Assim, o livro reúne histórias reais ocorridas desde 1964 até a abertura política – nas reuniões, na militância, nas manifestações, nas discussões, na prisão, nas ações armadas ou não, nos treinamentos, na clandestinidade, no Brasil ou no exterior, no exílio. O diferencial do nosso livro caracteriza-se pela revelação do lado humano e afetivo daqueles que não aceitaram a prepotência do golpe de 1964, concebido e engendrado nos Estados Unidos”, conta Eliete Ferrer, ativista política nos anos 1960, professora e responsável pela seleção, organização e revisão dos textos. Diz Eliete que a obra contém relatos sérios, engraçados, trágicos, pitorescos, dramáticos e emocionantes. Cada página é um testemunho vivo de eventos autênticos, pequenos detalhes, retratos instantâneos de um período que marcou toda uma geração, indignada com as arbitrariedades estabelecidas pelos golpistas. Os depoimentos certamente despertarão o interesse de historiadores, roteiristas, cineastas, teatrólogos e jovens de todo o gênero e escolas, interessados em compreender o mundo de pessoas iguais a eles, que viveram, morreram ou escaparam por um triz, em situação-limite. Nos relatos, sempre escritos em primeira pessoa, são expostas as experiências da vida clandestina, de ações revolucionárias e de assaltos a bancos. Dentre os 100 colaboradores do livro estão nomes como Leoncio de Queiroz, Ivan Cavalcan44 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

DIVULGAÇÃO

P OR P AULO CHICO

Eliete Ferrer: o objetivo é fazer chegar aos jovens a versão dos fatos dos oprimidos.

ti Proença, Milton Coelho da Graça, Arthur Poerner, Paulo de Tarso Carvalho, Emilio Mira y López, Marilia Guimarães, Maria Lúcia Dahl, Silvio Tendler, Norma Bengell e José Pereira da Silva. Elmar, a inspiração

A idéia do livro surgiu no fim de 2006, quando integrantes do grupo Os Amigos

de 68 homenagearam o colega Elmar de Oliveira, então recentemente falecido, na Taberninha da Glória. O encontro foi muito afetivo, alguns discursaram e muito se falou de Elmar, das lutas contra a ditadura, do companheirismo, das reuniões, da militância e dos exílios. “Concluímos, naquele dia, mais uma vez, que tínhamos que dar início a um livro de memórias, que deveria estar pronto até meados do ano seguinte para ser editado e lançado no início de 2008, quando o ápice do nosso movimento completasse 40 anos. A maneira como devemos passar nossas vivências para os nossos filhos e netos sempre foi motivo de preocupação para nós, atentos ao que é ensinado nas escolas, inquietos com a desinformação geral dos jovens. Somente com o conhecimento de sua própria História o povo brasileiro poderá trilhar o caminho em busca da plenitude da cidadania”, aposta Eliete Ferrer. A partir daí, formou-se um grupo interessado nos cuidados com a publicação, que participaria da seleção dos trabalhos, que depois de revisados entrariam na com-

posição do livro. E ele acabou por ser editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que desde 2007, por incumbência constitucional, passou a empreender diversas ações inovadoras com fundamento no conceito global de ‘reparação’ aos perseguidos. “A publicação dessa obra é um ato de reparação moral, pois contribui para a conexão da geração de 1968 com a História do País, permitindo que suas lutas e memórias constituam efetivamente parte da identidade nacional brasileira. O livro que agora editamos não tem o objetivo de constituir-se em ‘a verdade oficial’ sobre qualquer fato, mas quer apenas viabilizar às novas gerações e aos estudiosos do período a leitura de depoimentos pessoais sobre uma série de fatos por demais narrados tanto na História dos ‘arquivos oficiais’, quanto em outros relatos indiretos, para que estes possam ser avaliados e compreendidos hoje, dentro de um novo contexto social e político”, afirma Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Abrão acredita que ao divulgar os relatos dos perseguidos a Comissão contribui para pluralizar as fontes de pesquisa sobre a ditadura no Brasil. “Trata-se de dar repercussão às vozes caladas no passado. O Ministério da Justiça cumpre sua função legal de divulgar a memória do período que se estende entre 1946 e 1988. E fortalece valores necessários à democracia. Nosso compromisso é com a verdade das vítimas. Significativa parte do conteúdo deste livro está presente nos processos administrativos de anistia, constituindo-se em fatos já reconhecidos pelo

Aqueles dias tormentosos “Como se vê, a rebelião da juventude em 1968, que afetou países tão pouco semelhantes como o México e a Tchecoslováquia socialista, não era só política e ideológica, contra estruturas arcaicas de governo e administração ou pela concretização de direitos humanos àquelas alturas já consagrados em tantos documentos universais. Era, também, contra o reacionarismo e a caretice que, mesmo em países do chamado primeiro mundo, como a França, ainda pretendiam ditar as normas de relacionamento entre os sexos. No Brasil, esse movimento democrático e progressista que arejava o mundo foi brutalmente interrompido pelo Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro. Enquanto Alberto Cury lia os drásticos dispositivos em cadeia nacional, forças policialmilitares invadiam o Correio da Manhã. Na Redação, no 3º andar, fomos avisados, eu e os editorialistas Franklin de Oliveira e Edmundo Moniz, de que deveríamos tentar sair pela janela, do velho prédio da Gomes Freire para um edifício vizinho da Lavradio. Quando entrei, graças a uma prancha improvisada, pela janela do apartamento de um casal desconhecido, não poderia imaginar que aquela noite de derrota ante a força das armas poderia ser vista, 40 anos depois, como prenúncio da vitória de uma boa U R P OER N ER THU OERN parte das nossas idéias.” A R TH

“A tortura foi institucionalizada. Os centros de tortura consolidaram-se como um fato real e horripilante. A tortura não quer ‘fazer’ falar, ela pretende calar e é justamente esta a terrível situação: por meio da dor, da humilhação e da degradação tentam transformar-nos em coisa, em objeto. Resistir a tal violência revela-se como enorme e gigantesco esforço para não perder a lucidez, para não permitir que o torturador penetre em nossa alma, em nosso espírito, em nosso pensamento. Em especial, a tortura perpetrada à mulher mostra-se brutalmente machista. Inicialmente, os xingamentos, as palavras ofensivas e de baixo calão ditas agressiva e ferozmente caracterizamse como forma de anular a pessoa, o ser humano, a mulher, a companheira e a mãe. É difícil calcular o número daqueles que se opuseram à ditadura após o golpe de 1964, em nosso País. Mais difícil ainda apontar quantas mulheres participaram desse processo. No Projeto Brasil Nunca Mais, consta que 884 mulheres foram presas e denunciadas à Justiça Militar à época. Entretanto, acredito que esse número seja bem maior, tendo em vista que muitas presas – como foi o meu caso – não foram levadas à Justiça Militar e muitas que militaram no período não chegaram a ser MBRA OIM presas.” C E CÍLIA COI

“Assim que o meu companheiro Luiz Carlos foi solto, ingressei com pedido de passaporte como qualquer pessoa. Quando ele saiu do Dops, entramos os dois na clandestinidade e decidimos deixar o País. Tínhamos pressa, pois o Luiz Carlos poderia ser preso, outra vez, a qualquer momento. Não havia tempo para esperar e não sabíamos se o documento iria ser concedido. Tínhamos muita pressa de abandonar o País. Iríamos para o Chile. Estávamos vivos. Depois de passar pela fase do pau-de-arara, da tortura, no Doi-Codi do Rio e na Oban de São Paulo, ele foi transferido para o Dops, onde o vi pela primeira vez desde aquela manhã de abril do dia em que a PE o seqüestrou na porta do Correio da Manhã. Ainda estava muito machucado, com marcas de hematomas e feridas dos choques elétricos. Magro e abatido. Menciono as marcas físicas. Quase milagre o fato de ele estar vivo. Temos ciência de que os governos militares que tomaram o poder em 1º de abril de 1964, orquestrados pelo governo estadunidense, cometiam todos os tipos de ilegalidade e atrocidades com supostos opositores do regime: seqüestravam, mantinham presos, torturavam, assassinavam e executavam pessoas e, ainda, desapareciam com seus ETE FER R ER LIE ERR corpos.” E LI


Vidas Estado brasileiro. Assim sendo, o objetivo de publicar a obra não é gerar consensos, justo o oposto! Pretende-se ampliar possibilidades de leitura e permitir a mais atores sociais que falem livremente sobre aquilo que viveram e sobre o que pensam dessas experiências”, escreveu Paulo Abrão na apresentação da obra.

Um repórter sem medo: Sílvio Paixão Formado na Última Hora de Samuel Wainer, na qual ingressou em 1960, Paixão levou essa marca para toda a sua vida profissional: como aprendera em UH, denunciou os policiais que adotavam no Esquadrão da Morte a máscara de justiceiros que jamais foram.

Momento de rever a História

POR PINHEIRO J ÚNIOR Há anos em luta contra a ameaça insidiosa e mortal que se instalou em seu corpo, mas deixou-lhe a alma intacta para curtir até o final atividades como a de Conselheiro da ABI, o jornalista Sílvio Paixão morreu aos 81 anos no dia 2 de setembro, vencido na batalha diária contra a morte, seu principal impulso para viver. Afeiçoado ao perigo como repórter e com a emoção sempre a segui-lo de perto, presentes em sua carreira desde muito jovem, ele foi um intimorato jornalista, que, nos anos 1960, ao emigrar da bucólica Itaperuna de sua infância no Noroeste fluminense, buscou o jornalismo profissional para se realizar. Ele gostava de dizer que Itaperuna foi sua “segunda cidade natal”, desde que, aos dois anos, sua família deixou Caratinga, MG, onde ele nasceu a 27 de março de 1930. Foi nesses anos 1960 que ele ingressou na Última Hora do Rio de Janeiro e o fez – contavam colegas de Redação –“a sangue frio, no peito e na raça”, todos espantados com seu repentino ingresso em UH ao se apresentar anonimamente – “como um simples jornalista diletante” – ao editor Flávio Brito e ser aceito como repórter de assuntos policiais. Ingressava, assim, na mais aguerrida das editorias especializadas não só de UH, como também da imprensa do Rio de Janeiro. Nessa seção de Polícia com fama de “nunca ser furada” e, muito ao contrário, de “sempre dar furos”, o repórter Sílvio Paixão se formou e mergulhou fundo na apuração de crimes, alguns graves delitos oficiais/oficiosos, como foram os casos dos Esquadrões da Morte, que nele tiveram um vigilante autor de reportagens-denúncias. Suas investigações chegaram a livrar da execução pelo menos um condenado, não tivesse sido ele – o condenado – localizado por Sílvio Paixão em um dos “xadrezes da morte” que funcionava na Baixada Fluminense. E o fez conseguindo que um advogado de confiança visitasse o preso em encontro fotografado e publicado em UH “antes que fosse tarde demais”. Fechada a Última Hora pelos golpes da ditadura militar, Sílvio Paixão já fizera fama como repórter de cidade. Foi trabalhar em O Globo, após passagem pelos Diários Associados, Jornal do Brasil e O Fluminense, onde exerceu a chefia de Reportagem por longos anos. Depois de O Globo, foi Subeditor da revista Brasil Mais, publicada pela Editora Europa do Rio. Militante sindical desde o ingresso na atividade profissional, em 1999 ele se elegeu Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro. Sua plataforma foi a recuperação da en-

ARQUIVO FAMILIAR

Por coincidência, na semana seguinte ao lançamento de 68, A Geração Que Queria Mudar o Mundo – Relatos no Rio, a imprensa de todo o País anunciava a aprovação do Projeto de Lei nº 7.376/10 na Câmara dos Deputados, ocorrida em 21 de setembro, criando a Comissão Nacional da Verdade. “Nossa publicação saiu do forno no momento de grande discussão a respeito da nossa luta pela abertura dos arquivos, pelo cumprimento da decisão da OEA (Organização dos Estados Americanos). Esperamos que o conhecimento proporcionado pela publicação desta obra, junto com a abertura dos arquivos secretos da ditadura, contribua para que esses fatos nunca possam ocorrer novamente”, torce Eliete Ferrer. A organizadora do livro faz ainda, a pedido do Jornal da ABI, um balanço dos relatos por ela recolhidos. “Certamente, todas essas pessoas vivenciaram o período de autoritarismo, com a crença de que poderiam alterar a história do Brasil. Alteramos. Conseguimos muito. Continuamos querendo mudar o mundo. Marcas? Ficaram muitas, de todo tipo. Fomos muito corajosos, mas somos humanos, não somos suicidas. O medo também esteve presente. Para você ter uma idéia, depois da minha experiência de prisão no Chile, fiquei anos sem poder ver filmes de guerra. Muita gente tem sérias seqüelas físicas provenientes da tortura sofrida. Sem falar nas psicológicas”, conta Eliete, que aponta valores como generosidade, inteligência, otimismo e coragem como marcas principais dos depoimentos. Com mais de 600 páginas, o livro editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça evidencia o quanto era especial a geração de 1968. “Como características, tínhamos generosidade e espírito de luta. Foi uma geração questionadora e transgressora. Como bem descreve Leoncio de Queiroz em nosso livro, essa geração cuja adolescência e juventude coincidiram com esse período, vivenciou um estímulo intelectual, uma colocação de novas idéias e uma sociedade em transformação rápida e positiva como nenhuma outra. Coube a ela questionar tabus arraigados, preconceitos cristalizados e realizar uma revolução nos costumes e na mentalidade então predominantes. Esta foi a geração do feminismo, do amor livre e do anti-racismo”, cita Eliete. O livro foi editado com a tiragem inicial de três mil exemplares e não será vendido, apenas distribuído. Todas as bibliotecas brasileiras receberão um exemplar. Os interessados podem solicitá-lo à Comissão de Anistia. A obra também está disponível, na íntegra, no site do Ministério da Justiça. Basta acessar portal.mj.gov.br, e clicar nos links Cidadania, Publicações, Categoria Livros, nesta ordem.

Silvio Paixão: um jornalista obstinado e autor de diversas reportagens-denúncias.

tidade, dando continuidade à missão iniciada por seus antecessores na Presidência – Gilson Monteiro e Gentil da Costa Lima. Paixão morreu no Hospital de Clínicas de Niterói assistido pela esposa Maria Helena e os filhos Sávio, Saulo e Sabrina. Foi sepultado na tarde de 3 de setembro na Charitas, um bucólico campo-santo que lembra os cemitérios de sua Itaperuna. Os companheiros que foram ao adeus lembraram o metafísico poeta John Donne, um inglês do século XVII, que pregava o coletivismo até no ato final da vida: “Ninguém morre sozinho, a morte de um é parte da morte de todos”. Com a partida do companheiro Paixão vai muito de todos os jornalistas e amigos que o admirávamos/amávamos/ respeitávamos. Pinheiro Júnior, membro do Conselho Deliberativo da ABI, trabalhou com Sílvio Paixão por quase 30 anos em vários jornais do Rio de Janeiro e Niterói.

Uma notícia de gelar o sangue POR PEREIRA DA SILVA (P EREIRINHA ) Sábado, 3 de setembro. 12h10min. O telefone toca. Quem atende é o jornalista José Carlos Rocha, produtor do programa Sua Cidade e Seus Valores, apresentado pelo comunicador Nélson Carneiro na Rádio Fluminense AM. Do outro lado da linha, o jornalista Mário Dias. Choque. Incredulidade. No hall do prédio do Grupo O Fluminense, o comunicador Nélson Carneiro, José Carlos Rocha, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/ Subseção de São Gonçalo, José Luiz Muniz e o professor Gabriel Loureiro não acreditam no que ouvem. Morrera na véspera o jornalista Sílvio Martins Paixão, que dentro de duas horas seria sepultado no Cemitério das Charitas, em Niterói. A trágica notícia gelou o sangue. A jovem Betânia, minha filha, sentiu que o pai ficou quase paralisado. Nélson Carneiro, ao lado do amigo José Luiz Muniz, perguntou o que houve. Respondi emocionado: “Morreu um irmão, um amigo querido”. Eu ia pra casa, mas mudei de rota e fui à despedida.

Sílvio Paixão foi um bravo companheiro, que brigava pela notícia. Brigava pela verdade. Como chefe, sempre valorizou o profissional da imprensa, da comunicação. Foi um amante e defensor das liberdades de pensamento e de expressão. No Cemitério das Charitas, encontrei a viúva, Maria Helena, e os filhos, Sávio, Saulo e Sabrina. Lá estavam também os jornalistas Pinheiro Júnior, Continentino Porto, Gilson Monteiro, Ernesto Viana, Inaldo Batista e Sérgio Caldieri, o ex-deputado e advogado sindicalista Sílvio Lessa e seu filho Bruno, além de muitos amigos. Pinheiro Júnior, que foi chefe de Reportagem da Última Hora de Samuel Wainer, escreveu uma coisa bonita: Sílvio Paixão, o repórter sem medo. Paixão ingressou na UH de Samuel em 1960. E o fez no peito e na raça, conta Pinheiro. Que Deus o tenha ao seu lado. À sua família e aos seus amigos, o conforto da nossa solidariedade. Pereira da Silva é membro do Conselho Deliberativo e Presidente da Comissão de Sindicância da ABI.

Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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Vidas FOTOS: ARQUIVO ABI

Duas credenciais: uma de correspondente estrangeiro no Chile, em 1984, para a revista Veja, e outra para trabalhar em Moscou para O Globo na época da eleição de Putin, em 2000.

Meirelles Passos, universal, sem perder a brasilidade POR C ELSO S ABADIN Foram 62 anos de vida, 40 deles dedicados ao Jornalismo. No último dia 31 de agosto, José Meirelles Passos perdeu a luta contra o câncer, que travava desde o ano anterior. Apaixonado pelo Jornalismo desde muito jovem, “estava ainda no ginásio”, segundo declarou em entrevista, Meirelles formou-se na cidade paulista de Santos, onde iniciou sua carreira no hoje extinto jornal Cidade de Santos, pertencente ao Grupo Folha. Transferiu-se depois para a sucursal santista de O Estado de S.Paulo, ao mesmo tempo em que começou a colaborar para o jornal Movimento e para a revista IstoÉ, ainda sob o comando de Mino Carta. Quando Mino fundou o Jornal da República, convidou Meirelles para trabalhar na capital, mas o jornal durou apenas poucos meses. Meirelles acabou ficando na IstoÉ, onde foi repórter de várias editorias. Foi lá que iniciou sua atuação como correspondente internacional, viajando por toda a América Latina. Um de seus primeiros trabalhos nesta área foi cobrir o golpe de estado na Bolívia, em julho de 1980. Logo no ano seguinte, com o “knowhow adquirido”, Meirelles tornou-se o único jornalista estrangeiro a cobrir um novo golpe de Estado no mesmo país, em 1981. Como ficou sabendo do golpe um dia antes que acontecesse, ele teve uma visão privilegiada dos fatos que culminaram com a queda do então Presidente Garcia Meza. 46 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Durante a cobertura da segunda guerra no Iraque para O Globo, Meirelles se deixou fotografar num depósito de alimentos da Onu em Bagdá, em 2003.

Nos anos de chumbo no Uruguai, na Argentina e no Chile, sofreu pressões pelo que escreveu e pelo que poderia ter escrito. Mais tarde, no Iraque e no Irã, era impedido de andar pelas ruas sem a companhia de um funcionário oficial. Em janeiro de 1984, Meirelles muda de revista, e passa a ser correspondente da Veja em Buenos Aires. Dois anos e meio depois, permanece na cidade, mas transfere-se para O Globo, jornal que muito ra-

pidamente – em apenas seis meses – percebe seu talento e o transfere para Washington, onde permanecerá por mais de 20 anos. Como correspondente de O Globo e da Rede Globo na capital dos Estados Unidos, Meirelles cobre não apenas os principais acontecimentos do país, como também realiza freqüentes viagens para as mais diversas coberturas jornalísticas. Entre elas, a Guerra das Malvinas, em

1982; a invasão do Panamá pelos Estados Unidos, em 1989; e as duas guerras no Iraque, em 1991 e 2003. Washington foi seu trampolim para realizar também reportagens em Dubai, Bangkok, Berlim, Paris, Hong Kong, Taiwan, Bagdá, Cairo, Bogotá, Caracas, Ilhas Caiman, Teerã, Moscou, Havana. Certa vez, quando perguntado sobre quantas viagens já havia feito, Meirelles respondeu: “Menos do que eu gostaria”. Sua vivência latina o levou a escrever o livro A Noite dos Generais: Os Bastidores do Terror Militar na Argentina, um minucioso relato de fôlego sobre o julgamento, em 1985, das três juntas militares que governaram a Argentina de 1976 a 1982. Versátil, entrevistou de Jorge Luis Borges a Julio Cortázar, de Gabriel García Márquez a Woody Allen. Mas tinha como método de trabalho jamais romper o cordão umbilical com as origens, nunca perder o foco do que é interessante para o leitor que o acompanhava nos veículos brasileiros. Pregava um “olhar nacional” sobre toda e qualquer notícia. Achava divertida a expressão “bater a matéria”, vinda do tempo das barulhentas máquinas de escrever. “Eu não bato, mas escrevo matérias”, dizia. Retorna ao Brasil no início de 2009 e assume a função de repórter especial de O Globo, atuando, como era de sua preferência, novamente em diversas editorias. “Prefiro não me especializar. Gosto do desafio de estar pronto para o que der e vier. Exige muito esforço, leitura, atenção. E viver intensamente”, afirmou certa vez. Assim, mesmo retornando ao Brasil, Meirelles nunca perdeu o hábito das coberturas internacionais. No ano passado, viajou à África do Sul, país que contabilizou como sendo o 41º que visitou, onde cobriu a Copa do Mundo de Futebol. De volta ao Rio, fica sabendo da doença, mas não se deixa abater e compra um tablet para acompanhar o noticiário e planejar novas reportagens que ainda desejava fazer. Para Meirelles, uma frase ouvida no metrô, um papo de botequim, tudo poderia servir de inspiração para uma grande reportagem. Dizia, brincando (mas não muito), que lia com atenção até bula de remédio. Ele deixa um invejável currículo de prêmios, incluindo o Esso (em 1989, com a matéria O Brasil na Era Nuclear, em O Globo), Vladimir Herzog, Febraban e Sociedade Interamericana de Imprensa. E deixa também duas filhas e dois netos que moram em Washington.


Benoni Alencar, um mistério

Em 1980 Meirelles teve a oportunidade de entrevistar Jorge Luís Borges para a IstoÉ.

A lembrança dos colegas Depoimentos extraídos de O Globo

ASCÂNIO SELEME “Era uma instituição dentro do jornal. Respeitadíssimo por todos os seus colegas, no jornal e fora dele. Voltou ao Brasil há dois anos. Quem imaginava que Meirelles sentaria na glória de tantos excelentes serviços prestados ao Globo enganou-se. Parecia um foca no Rio. Queria cobrir tudo, em qualquer circunstância, não havia para ele pauta ruim. E nunca voltava para a Redação de mãos vazias.”

sossegada: ‘Não te deixe devorar pelo monstro’. Corria o mês de dezembro de 2007 e lá fora o barulho da campanha eleitoral de Barack Obama, de Hillary Clinton e esse batalhão de republicanos encabeçados por John McCain e Sarah Palin se multiplicava por todo o país. Sem que eu dissesse uma só palavra, José já sabia o que me intrigava por dentro: uma onda de angústia e terror pela inexperiência como correspondente recémchegado a Washington.”

CLAUDIA SARMENTO

LUÍS F ERNANDO SILVA PINTO

DIRETOR DE REDAÇÃO E EDITOR RESPONSÁVEL DE O GLOBO

CORRESPONDENTE DE O GLOBO EM TÓQUIO

CORRESPONDENTE DA TV GLOBO

“Há pouco tempo Meirelles me disse uma coisa que eu nunca esquecerei: ‘Não vire uma japonesa, não pense demais como os japoneses. Não se acostume demais com o Japão e com nenhum outro lugar. Seja sempre estrangeira, uma repórter que está fora de seu país, mas mantém a curiosidade e percebe o que é diferente’.”

EM WASHINGTON DESDE 1986

“Ele era um leitor ávido e muito rápido. Ele ia buscar informações, ângulos, onde você tinha que suar pra pegar. Volta e meia você abria o jornal e pensava “Onde é que ele foi achar isso?”

WILLIAM WAACK EDITOR-CHEFE E APRESENTADOR DO JORNAL DA GLOBO

GILBERTO SCOFIELD REPÓRTER DA SUCURSAL DE SÃO PAULO DE O GLOBO

“Mais que um mestre jornalista excepcional, Meirelles foi um amigo querido, gentil e generoso.”

A YDANO A NDRÉ M OTTA EDITOR DA COLUNA ANCELMO

“Depois de uma estrelada carreira como correspondente, chegou ao Rio e se ofereceu para cobrir o Carnaval. Meteu-se numa van para Nilópolis, numa quinta-feira à noite, para conhecer o ensaio da Beija-Flor, visitou a Cidade do Samba e cruzou duas madrugadas no desfile na Sapucaí, sempre com aquele brilho de iniciante apaixonado no olhar. “

SILVIA PISANI CORRESPONDENTE DO LA NACIÓN EM WASHINGTON DC.

“Me lembro dele concentrado em seus pensamentos e sorrindo, sempre sorrindo. Até quando ficava bravo José mantinha o humor, o que revela muita inteligência.”

ANA BARÓN CORRESPONDENTE DO CLARÍN EM WASHINGTON DESDE 1985

“O que eu gostava do Meirelles como jornalista era que ele sempre buscava fazer coisas diferentes. Queria sempre agregar algo novo. A outra coisa linda que ele tinha é que era muito divertido, era sempre ele quem organizava os jantares depois das coberturas, era um tipo que gostava muito da vida.”

JAIME HERNÃNDEZ

“Havia duas coisas irresistíveis no Meirelles: um extraordinário senso de humor e uma imensa astúcia. O Meirelles estava sempre na frente da piada. E sempre na frente também para identificar as melhores oportunidades. Várias vezes tive a sensação de que havia me esforçado muitíssimo para conseguir alguma coisa (chegar a Bagdá, por exemplo, pouco depois da invasão do Kuwait, em 1990) e o Meirelles tinha conseguido o mesmo com muito menos esforço.”

SÉRGIO D ÁVILA EDITOR-EXECUTIVO DA FOLHA DE S.PAULO

“Não importa de que veículo, todo correspondente que chegava a Washington sabia que tinha duas tarefas no primeiro dia: deixar as malas no hotel e procurar José Meirelles Passos.”

H ÉLIO CAMPOS MELLO FOTÓGRAFO, DIRETOR DE REDAÇÃO E EDITOR DA REVISTA BRASILEIROS

“Estivemos, lado a lado, na invasão americana no Panamá, em 1989 e na Guerra do Golfo, a primeira, em 1991. Perto do final do conflito tomamos caminhos diferentes e eu e o William Waack acabamos presos no Iraque. Libertados depois de uma semana fomos levados para a fronteira com a Jordânia. Meirelles estava lá. Ele foi nos receber como amigo e fez a foto que tenho na parede. Além de ser um dos maiores repórteres que conheci, adorava fotografia e era um tremendo retratista.”

CORRESPONDENTE DO JORNAL MEXICANO

TATIANA BAUTZER

UNIVERSAL EM WASHINGTON

REPÓRTER DA REVISTA ISTOÉ DINHEIRO

“A primeira vez que me encontrei com José Meirelles, ele me pegou pelo braço e me levou até seu escritório, sempre cheio de jornais, e me disse com uma voz calma e

“Foi um dos colegas mais solidários e entusiasmados pela profissão que já conheci. ‘O que eu gosto mesmo na vida é de contar boas histórias’, dizia.”

Policiais da Delegacia de Casimiro de Abreu (121ª DP), no Norte fluminense, não conseguiram identificar a causa e as circunstâncias da morte do jornalista Benoni Alencar, 66 anos, cujo corpo foi enterrado no último dia 28 de setembro em Rio das Ostras, Região dos Lagos. Alencar foi encontrado morto na véspera, em sua residência, no Distrito de Palmital, entre Casimiro de Abreu e Rio das Ostras, com marcas no pescoço, possivelmente decorrentes de estrangulamento. A Polícia trabalhava inicialmente com a hipótese de latrocínio, já que parentes relataram o roubo de um computador, objetos pessoais e dinheiro. O velório foi realizado na sede da biblioteca comunitária em Palmital, de que ele foi um dos fundadores. Nascido no Piauí, Benoni Alencar participou de lideranças estudantis contra a ditadura militar de 1964 e chegou a ser preso na capital, Teresina. Em face da perseguição política em seu Estado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nas Redações de O Globo e Jornal do Brasil. Ao longo de sua trajetória foi defensor das causas populares e ambientais. Fundou núcleos partidários no PT, nos anos 1980, e no Psol, recentemente. Na década de 1990, Benoni criou em

Niterói o Caderno Oceânico, com a ajuda da mulher, a jornalista, poetisa e militante política Sílvia Thomé, brutalmente assassinada em 1994, numa praia em Niterói. O crime gerou comoção e protestos e foi relatado em um documentário curta-metragem. Anos depois, Benoni Alencar mudou-se para a Região dos Lagos. Lá trabalhou na função de editor durante três anos da Folha dos Municípios. Em 2001 Benoni fundou um periódico em Casimiro de Abreu, mas interrompeu a atividade em virtude de um acidente vascular cerebral, que lhe causou problemas de locomoção. Aprovado em um concurso público, trabalhou nos últimos anos no Tribunal de Justiça do Estado, com exercício em Rio das Ostras. “Ele era um jornalista muito rigoroso, exigia uma compreensão enorme da língua portuguesa. Primava pela concisão e tinha em Graciliano Ramos uma espécie de padrão. Lembro que ele tinha uma personalidade explosiva e não tinha medo de bater de frente com as pessoas”, recorda o editor da Folha dos Municípios, Aldo Gomes, que iniciou a carreira no Caderno Oceânico e foi chefiado por Benoni Alencar. Benoni Alencar deixou três filhas, uma delas repórter de O Estado de S. Paulo.

Edison Cattete, o eficiente

Santarrita, talento sergipano

Edison Cattete Reis sempre será lembrado como um exemplo de honradez e competência no exercício da profissão de jornalista em todos os veículos com os quais colaborou durante a sua trajetória na imprensa carioca. Formado em Letras NeoLatinas, foi copidesque no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro de 1957 a 1974 e escrevia crônicas para os grandes jornais do Rio de Janeiro, como O Globo e o Jornal do Brasil, nas décadas de 1940 e 1950. Cattete Reis foi também administrador do IBGE, de 1947 a 1991 e, mesmo no período da ditadura militar nunca deixou de publicar toda informação útil ao povo brasileiro. Falecido no dia 1º de junho, aos 87 anos, Edison sempre foi reconhecido como ótimo companheiro de trabalho e um chefe compreensivo e responsável, exemplo de eficiência e equilíbrio em todas as suas decisões. No IBGE, participou da organização da infra-estrutura dos Congressos Internacional e Interamericano de Estatística em 1955. Também foi Chefe de Gabinete da Presidência e Chefe de Gabinete da Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Estatística. Deixou dois livros: Entre o Que Foi e O Que Virá, que reúne crônicas, e Viva Guidoval, Imortal (2009), com histórias sobre sua cidade natal, Guidoval, no interior de Minas Gerais.

Redator de jornais e revistas, contista, romancista e tradutor, o sergipano Marcos Santarrita criou uma obra fecunda no Rio de Janeiro e na Bahia, onde se iniciou muito moço na atividade literária, como cronista e tradutor de importantes veículos, como A Tarde, o Jornal da Bahia e o Diário de Notícias. Nascido em 16 de abril de 1941 em Aracaju, Santarrita criou-se em Salvador, onde teve a audácia, junto com outros jovens escritores, de fundar o periódico literário Revista da Bahia. Em 1967, já morando no Rio de Janeiro, foi redator de O Globo, Jornal do Brasil, Última Hora e Fatos & Fotos. Nessa época também colaborou com a Folha de S. Paulo e a revista IstoÉ. Autor de mais de uma dezena de títulos, entre contos e romances, Santarrita era também tradutor dos mais respeitados, de autores e estilos diversos, como H.G.Wells, Henry James, Alexandre Dumas, Eric Hobsbawm, Dashiell Hammett. Traduziu também a autobiografia do trompetista Miles Davis. Foi duas vezes premiado pela Academia Brasileira de Letras: como ficcionista, em 2001, com Mares do Sul, que fala de duas rebeliões de escravos na Ilhéus do século XVIII, e como tradutor, pelo conjunto da obra, em 2004. Recebeu também o Prêmio Pen Clube do Brasil, como prosador. Ele morreu no dia 4 de outubro de problemas pulmonares em sua casa, em Copacabana, e foi sepultado no dia seguinte no Cemitério São João Batista, no Rio. Estava com 70 anos. Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

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