Quem viveu nos anos 1970 na região de Serra Negra, no interior de São Paulo, pode muito bem ter cruzado com um senhor de cabelos brancos e bigode espesso. Dificilmente o classificaria como um homem mau: costumava sair com os amigos para jantar em churrascarias, convivia com crianças e consertava brinquedos. Suas atividades de eram típicas de um aposentado. Viajava para o litoral, onde gostava de passear de barco e visitar cachoeiras.

Tudo levava a crer que se tratava apenas de mais um imigrante europeu que viera ao Brasil para recomeçar a vida após a Segunda Guerra. No entanto, esse senhor, que usava chapéu de feltro e se apresentava como Peter Hochbichler, não era qualquer um. Tratava-se de Josef Mengele, o carrasco nazista batizado com o apelido de “anjo da morte”. Médico do campo de concentração de Auschwitz, ele realizava experimentos terríveis e doentios com seres humanos antes de enviá-los à câmara de gás.

Mengele: biografia sustenta que nazista havia sido localizado pelo Mossad
Mengele (segundo da esq. para a dir.): fuga para a Argentina e o Paraguai, antes do Brasil (Crédito:Divulgação)

Baviera Tropical, escrito por Betina Anton, conta como um dos nazistas mais procurados do mundo viveu dezoito anos no Brasil sem ser importunado. A ideia nasceu de uma coincidência sombria: professora da própria autora, em uma escola da comunidade alemã, Tante Liselotte foi uma das melhoras amigas de Mengele.

Por uma década, ela recebeu o fugitivo em sua casa no bairro paulistano do Brooklin, e viajava com ele e a família para um sítio em Itapecirica da Serra; nas férias, para a praia de Bertioga. Foi ela também quem enterrou o nazista em um cemitério no Embu, em 1979, para que ninguém descobrisse sua identidade nem mesmo depois de morto — morreu em Bertioga, afogado.

Quem atestou sua morte foi o cabo Espedito Dias Romão, um negro alto e forte — “é uma ironia do destino ter sido justamente ele a autoridade a registrar a morte de Mengele, que dizia ter pavor de negros e costumava declarar que a escravidão nunca deveria ter terminado”, diz o livro.

Mengele foi enterrado com os documentos do austríaco Wolfgang Gerhard, admirador de Adolf Hitler. Foi Gerhard quem apresentou o velho nazista a um casal de húngaros, os Bossert, que o acolheram em uma propriedade rural em Nova Europa, perto de Araraquara, no interior paulista.

Medo do Mossad

Mengele passou pela Argentina e pelo Paraguai antes de chegar ao Brasil, em outubro de 1960. Veio para o País por medo de ser descoberto pelo Mossad, o serviço secreto israelense, que havia encontrado seu companheiro nazista, Adolf Eichmann, em Buenos Aires. Eichmann foi sequestrado e levado a um julgamento histórico em Jerusalém, enforcado após ser considerado culpado.

No início, Mengele ficou hospedado na casa de Gerhard no Campo Limpo, periferia de São Paulo. Mas era uma casa muito simples, o que dificultava a sua estadia ali. Gehard, então, sugeriu que os Bossert acolhessem “um senhor suíço” que administraria o sítio em troca da hospedagem.

Mengele foi morar com eles, mas o casal logo decidiu se mudar para Serra Negra, por causa da temperatura mais agradável. Mengele temia viajar porque tinha medo que os “caçadores de nazistas” do Mossad o encontrassem. Acabou concordando e, uma vez em Serra Negra, ficou confortável. Sua única precaução foi construir uma torre para observar quem se aproximava do local.

Mengele: biografia sustenta que nazista havia sido localizado pelo Mossad
Mengele (de camisa branca) no Brasil: rotina entre amigos no interior paulista (Crédito:Robert Nickelsberg)

Betina Anton investigou o assunto durante seis anos, inclusive em Israel. Descobriu que o Mossad veio ao Brasil e encontrou Mengele. Havia um plano para sequestrá-lo e levá-lo a Israel, nos moldes do que fora feito com Eichmann, na Argentina.

Outras prioridades no Oriente Médio, porém, levaram os agentes a cancelar a operação. Mas por que eles deixaram o Brasil sem matá-lo? “Os judeus não queriam ele morto, mas vivo para enfrentar o julgamento em Israel”, explica Betina. “Era interesse dos judeus divulgarem os crimes de guerra cometidos durante o nazismo. Os julgamentos tinham uma função didática.”

Foi por isso que nem o Mossad chegou a incomodar Mengele. Apesar de todas as suas atrocidades, ele viveu uma vida pacífica no Brasil.