Não há método na vida e na arte de Maureen Bisilliat. A fotógrafa (ou ex-fotógrafa) inglesa radicada no Brasil completou 89 anos em 16 de fevereiro. Seria um momento de revisar a carreira, ainda que resultasse em um balanço instável. Mas ela prefere driblar o tempo por meio do improviso — quem sabe o seu modo de ser verdadeiro.

Divulgação

“É o começo de uma nova jornada”, diz à ISTOÉ. “O trabalho me impulsiona. É ele que dá energia de viver.” Maureen acaba de abrir os trabalhos para festejar o próximo aniversário. Na semana passada, inaugurou a exposição “Agora ou nunca – Devolução”, no IMS-Paulista (em cartaz até 5/4), e lançou o documentário “Equivalências: aprender vivendo” em DVD. Diferentemente de outras mostras, esta não contém ampliações fotográficas, e sim doze vídeos, entre relatos de viagem, cenas de família e depoimentos de gente que ela entrevistou nos últimos 60 anos. No espaço expositivo, o público se vê diante de uma documentarista que abandonou a fotografia profissional em 1980 e, desde então, dedica-se a organizar seu acervo. Selecionou o material de 26 terabytes de imagens. O filme retrata as inquietações que a levaram a trocar de suporte e meios de expressão durante a vida.

Fotografia

Não deixa de ser surpreendente, pois Maureen ganhou fama pelas fotografias que tirou e revelou entre 1966 e 1985, a partir de reportagens para publicações como a revista Realidade e em expedições que resultaram em álbuns de fotografia hoje clássicos. Era um tempo, como lembra, “de enorme liberdade, pois podíamos captar realidades que ninguém conhecia”. Ela adentrava os grotões a bordo de um ônibus.

MOSAICO O painel da exposição – O telão domina o espaço expositivo de “Agora ou nunca — Devolução”, no Instituto Moreira Salles em São Paulo: ali figuram os depoimentos simultâneos de doze pessoas que Maureen entrevistou, como o antropólogo Darcy Ribeiro, o colecionador Pietro Maria Bardi e o sertanista Orlando Villas-Boas (no alto à esq.)

“O melhor dessas viagens era a dificuldade de chegar”, diz. “Eu ia de ônibus com as janelas bem abertas, para compreender melhor o que eu encontraria adiante.”

O público aprendeu a viajar com ela em suas excursões por dentro do olhar dos escritores e a admirar a antropóloga informal dos indígenas, sambistas, mães de santo e sertanejos. No entanto, são instantâneos (palavra hoje esquecida) ambíguos, pois tanto informam sobre certa realidade geográfica e cultural como traem uma faceta artística: “A fotografia documenta fatos, mas sobretudo fixa a emoção do momento”.

Como ensinam mostra e filme, Maureen é mais que fotógrafa, e pode ser descrita como uma repórter de aventura com gênio artístico. “Não sei o que eu sou”, afirma. “Nem mesmo sei qual a minha nacionalidade.” Nasceu em Englefield Green, Surrey, em 1931. A mãe, a irlandesa Sheila Brannigham, era pintora; o pai, o argentino Adolfo Scilingo, diplomata. Em 1955, em Paris, estudou pintura com André Lhote, e dois anos depois, em Nova York, fazia o curso do pintor Morris Kantor. Ambos os professores eram cubistas e rigorosos. A sombra dos dois talvez tenha feito com que ela abandonasse a pintura em 1962.

Fixou-se em São Paulo com o marido, o francês Jacques Bissilliat, em 1957. “Minha falta de raízes me fez buscar a identidade no Brasil”. Durante 30 anos, trabalhou em redações de revistas e fez grandes reportagens. “Sou um animal de redação”, afirma. “Sinto falta do trabalho em equipe”. Desistiu da fotografia na década de 1980 porque o vídeo lhe permitia falar com as pessoas e registrar momentos únicos. “Desenhar, pintar, fotografar, filmar e escrever são a mesma coisa. São maneiras de se situar e compreender o mundo em que você está”, diz.

Gosta de fotografar pelo celular, mas ainda precisa conhecer os “pormenores técnicos”. Isto é, não desistiu da fotografia nem lamenta o passado. Segundo ela, há outros tipos de aventura à espera dadas pela tecnologia, e pretende continuar a experimentá-las. “A gente não pode ficar na imitação de si mesma”, diz. “Eis aí o sentido da vida.”