Na cultura japonesa existe um costume arraigado, cultivado através do tempo – trocar presentes sempre que há um encontro marcado ou uma visita cordial. Junto com esse hábito nasceu o mercado de todo tipo de produtos decorativos, lembrancinhas, bugigangas e ainda o de personagens. E foi dessa ideia que surgiu, há 40 anos, o desenho de uma gatinha de rosto redondo, cabeça grande, traços simples e sem boca. Nascia a primeira Hello Kitty, que apareceu estampada em uma pequena bolsinha de moedas, e que logo se tornaria um dos personagens japoneses mais famosos em todo o mundo.

Atualmente, a imagem da gatinha pode ser encontrada de cartão de crédito a vestuário e embalagens de sorvete, passando por brinquedos, acessórios e joias, entre outros, movimentando US$ 7 bilhões em vendas de produtos licenciados. A Hello Kitty é uma criação da companhia japonesa de licenciamento Sanrio, que espera fechar o balanço de 2013 com US$ 755 milhões faturados em licenças para uso da marca da gata branca. Só no Brasil, as vendas da empresa cresceram 52,3% de abril a dezembro do ano passado. No entanto, nem sempre a vida da personagem foi um mar de rosas.

Depois de atingir seu auge no mercado japonês, na década de 1990, o ícone do kawaii – ou das coisas fofas, em português – foi superado em vendas de licenciados por outros personagens de desenhos animados e jogos de video­game. Agora, a Sanrio quer resgatar os bons tempos da personagem e, para isso, está buscando deixar a fofura da Hello Kitty mais moderna e conquistar cada vez mais o ocidente. Uma das estratégias para elevar as vendas no mercado americano, por exemplo, foi se associar à banda de rock Kiss, criando uma coleção da gatinha com visual de roqueira da cara pintada, em 2012. Neste ano, a nova aposta é trazer a personagem para o mundo dos Simpsons, da série americana de desenho animado para adultos.

A música, por sinal, tem sido uma das áreas de grande investimento de parcerias da Sanrio. Enquanto cantoras como as americanas Lady Gaga e Mariah Carey usam a gata branca para se promover no Japão, a Sanrio aproveita para chamar a atenção dos consumidores de todo o mundo. “É uma marca que está em constante reinvenção, por isso tem se perpetuado entre várias gerações”, afirma Ricardo Klein, sócio da consultoria de branding Topbrands. Aqui no Brasil, a ordem também é “regionalizar” o ícone japonês, que completa 15 anos de presença no País. Já há desenhos da Hello Kitty vestida de baiana e usando trajes do Boi Bumbá, por exemplo.

De acordo com o CEO da Sanrio para a América Latina, Chris Daniels, a companhia está atrás de novos parceiros comerciais. “Ainda temos muito espaço no Brasil para explorar a Hello Kitty”, diz. “Ela é muito versátil e pode estar em qualquer produto.” O principal mercado da personagem no País é o de calçados, em que os produtos licenciados são produzidos pela Grendene. “É um verdadeiro case para a Sanrio, pois até os fundadores estiveram aqui há dois anos para entender por que se vende tanto chinelo da Hello Kitty”, afirma Daniels. A marca da Hello Kitty também pode ser vista em cosméticos, material escolar, doces e vestuário.

No País, a Sanrio tem café da Hello Kitty em São Paulo, um modelo que atua em outros países como forma de conversar diretamente com os consumidores. Mas a aposta também está no setor de moda. A catarinense Malharia Cristina, de Blumenau, já abriu sete lojas exclusivas da personagem no sul do País e cogita a expansão para outras regiões. “Ainda não sabemos se esse modelo seguirá para outras regiões, mas é um projeto que estamos acompanhando bem de perto”, afirma Daniels. A loja vende não só os produtos da fabricante catarinense, mas de todos os licenciados da marca.

Contudo, para os analistas do mercado internacional, a despeito do sucesso até aqui, a Sanrio, que detém em seu portfólio mais de 400 personagens, deveria reduzir sua dependência da Hello Kitty, que responde por 90% de suas vendas no Brasil, e investir em outras figuras (os 10% restantes vêm do licenciamento de outros personsagens, como o sapo Keroppi e a coelha My Melody). O presidente e fundador da Sanrio, Shintaro Tsuji, sempre temeu um esgotamento da personagem e a estratégia de diversificar começou há alguns anos. Em 2011, pela primeira vez, a Sanrio resolveu comprar marcas e personagens em outros países. O primeiro foi o Mr. Men e sua turma, do Reino Unido, um negócio de US$ 377 milhões.

Outros personagens foram lançados, mas nenhum com potencial para ofuscar o brilho da gata branca. No entanto, novos projetos, por enquanto, estão em suspenso. Em novembro do ano passado, o herdeiro e vice-presidente da companhia, Kunihiko Tsuji, morreu, aos 61 anos. Ele era cotado para substituir seu Shintaro – que está próximo de completar 87 anos – no comando da empresa. “Foi um choque para a família e para a companhia”, diz Daniels. A notícia fez as ações da companhia fecharem 2013 com queda de 48%. Mas, se depender da Hello Kitty e de sua legião de fãs, esse é só mais um período difícil que a Sanrio deve superar.