Recusa na doação de órgãos atrasa pesquisas científicas

Em 2022, quase metade das famílias de pessoas que poderiam ser doadoras recusou a ação, o que prejudica o avanço da pesquisa e da medicina no Brasil

 22/03/2023 - Publicado há 1 ano
Pesquisa científica sente impacto na queda de doação de órgãos para estudos – Imagens: Freepik – Fotomontagem: Jornal da USP

 

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A doação de órgãos ainda é um assunto polêmico e um desafio para a área da saúde no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 59 mil pessoas estão na fila de espera para o transplante de órgãos. No ano passado, cerca de 45% das famílias de pessoas que poderiam se tornar doadoras não concordaram com o ato. Além dos que esperam um órgão para transplante, a falta de doadores também atrasa o desenvolvimento de pesquisas científicas.

Christiane Becari – Foto: Arquivo Pessoal

“As pessoas costumam ser conscientizadas sobre a importância da doação de órgãos para transplante, mas não sabem sobre o impacto dessa doação para o desenvolvimento da pesquisa científica”, analisa Christiane Becari, professora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

A professora conta que a doação voltada para pesquisa científica pode ser feita no momento da autorização após o falecimento, por meio de um questionário, e que, muitas vezes, mesmo com o falecido tendo autorizado, a família recusa e o material não pode ser utilizado.

A pandemia da covid-19, de acordo com Christiane, “deu visibilidade à importância do trabalho da pesquisa científica, com o desenvolvimento de vacinas”, e essa valorização precisa se expandir para o nível de conscientização sobre a importância da doação de órgãos para pesquisas.

“Quando o órgão é utilizado para transplante, um grupo pequeno de pessoas será beneficiado, enquanto que a doação de órgãos para pesquisa beneficia milhares de pessoas, por meio do desenvolvimento de novas soluções para problemas de saúde”, explica a professora.

Números de doações no Brasil

Segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto), em 2021 o Brasil registrou cerca de 15 doadores por milhão de pessoas, um número 4,5% menor em relação ao ano anterior. Em números absolutos, foram 123 doadores a menos, de um ano para o outro. Atualmente, o País conta com 1.664 equipes de transplante habilitadas.

Além dos casos de morte, em que a família autoriza ou não a doação, pessoas vivas também podem ser doadoras, desde que a doação não prejudique a saúde do interessado. O doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Segundo a lei, parentes de no máximo quatro graus e cônjuges podem ser doadores. Para não parentes, apenas com autorização judicial. 

Alternativas para estudo

Os dados apresentados acima indicam um gráfico de decadência, as doações de órgãos estão diminuindo ao longo dos anos. Essa tendência é preocupante, pois ela aponta para uma ausência de conscientização sobre a doação de órgãos.

O uso de animais em pesquisas médicas é visto como uma alternativa para estudar condições e tratamentos médicos, uma vez que a doação de órgãos para estudos é escassa. No entanto, Christiane Becari afirma que, ao contrário das crenças populares, o estudo em animais não substitui o estudo em pessoas, mas sim o complementa  “As duas têm funções importantes, onde muitas vezes a gente precisa primeiro entender como as técnicas, drogas e experimentos medicinais funcionam em animais para depois entender no paciente.” 

A professora assimila esse modelo de conhecimento muitas vezes à medicina translacional, um campo da ciência medicinal que se concentra em traduzir descobertas da pesquisa em saúde e biologia básica em tratamentos e terapias para pacientes. A professora menciona que a medicina translacional envolve modelos animais e amostras humanas, e que estuda desde a célula até o paciente. Ela sugere que o que é observado em animais e células pode ser aplicado ao paciente, ou seja, a medicina translacional busca utilizar conhecimentos obtidos em diferentes contextos para desenvolver tratamentos e terapias mais eficazes.

Ela dá um exemplo observado no seu laboratório: “Quando se tem uma droga nova, não se testa diretamente no paciente. A princípio, o foco vai recair sobre as células animais, depois a experimentação vai para um estudo clínico em pacientes saudáveis, e só assim para a população doente, são estágios que precisam ser checados”.

Doação de órgãos – Ilustração: Macrovector – Freepik – Fotomontagem: Jornal da USP

 

A professora é cética em relação aos benefícios da inteligência artificial na área da saúde. Ela reconhece que a tecnologia tem sido revolucionária em diversos campos do conhecimento, mas acredita que a ciência do entendimento geral ainda é mais abrangente. A professora argumenta que há muitas patologias, tratamentos e prevenções que só podem ser descobertas e aprimoradas por especialistas e cientistas por meio de métodos convencionais. Ela defende que simuladores não são capazes de produzir amostras tão funcionais quanto aquelas que advêm dos humanos ou dos animais. Embora a inteligência artificial tenha sua utilidade e eficiência, a professora acredita que a expertise humana é essencial na busca por soluções mais precisas e completas para as questões de saúde.

A doação de órgãos é um assunto extremamente importante na área da saúde e mesmo assim muitas pessoas ainda têm dúvidas ou desconhecem esse processo e sua devida importância, o que pode levar a uma falta de doadores disponíveis. Assim, é primordial um maior esclarecimento da população. “É preciso enfatizar a importância da conscientização, reforçar a relevância do tema, destacar que a informação é uma das medidas mais eficazes para sensibilizar as pessoas. A conscientização é uma ferramenta crucial para a promoção da doação de órgãos tanto para transplantes quanto para pesquisas”, conclui Christiane.

Texto: Vinícius Botelho e Júlia Valeri


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