Pesquisadora encontra possível texto inédito de Machado de Assis sobre Dom Pedro II; Escritor nutria uma grande admiração por Dom Pedro II

Imperador Pedro II, imperatriz Teresa Cristina com membros da família imperial na Tijuca, no Rio de Janeiro, 1887.
Imperador Pedro II, imperatriz Teresa Cristina com membros da família imperial na Tijuca, no Rio de Janeiro, 1887.

Reportagem de Jan Niklas, do Jornal O Globo, revela que a edição número 10 da Revista “O Espelho”, de 6 de novembro de 1859, trazia na capa um perfil de três páginas sobre o imperador Dom Pedro II, escrito cheio de ironias e com um conceito de “história” bem peculiar para a época. Intitulado “Pedro II. Esboço bigraphico”, o texto desde então nunca teve uma autoria atribuída. Porém, novos indícios apontam que a pena por trás dessa biografia é de um nome bem conhecido: Machado de Assis.

É o que concluiu a pesquisadora Cristiane Garcia Teixeira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), num artigo publicado na revista científica “ArtCultura”. Em em sua tese de mestrado, de 2016, ela já tinha identificado aspectos como a localização da página e das colunas do texto na publicação, além referências em propagandas, que davam pistas de que o Bruxo do Cosme Velho era o autor por trás do texto.

Agora, a pesquisadora de 35 anos se debruçou sobre aspectos estilísticos e temáticos que dão indícios ainda mais fortes sobre o autor de “Pedro II. Esboço bigraphico” que está disponível na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Segundo Cristiane, já nos parágrafos de abertura é possível notar características tipicamente machadianas, como o uso da narrativa em primeira pessoa. Além disso, a famosa “pena da galhofa”, que vai driblando o leitor sobre as reais intenções do texto, dá o tom da narrativa.

— Essa estratégia de escrita do negaceio, que é a mais dele possível, é presente já de cara. Ele diz que não vai tratar de política, mas o que ele faz o tempo todo no texto é falar sobre política — diz a pesquisadora.

Além da cronologia de vida do imperador, o texto destaca revoltas ocorridas no reinado, manifestações contra o alto custo de vida, a escravidão e o autoritarismo do governo imperial. Cita ainda revoltas importantes do país, como a Revolução Farroupilha e a Sabinada. E dá-lhe ironia:

— Ele fala das viagens do imperador com dinheiro público. Diz que quando pediam dinheiro para socorrer o pobre, mas faltava dinheiro para Dom Pedro II, o imperador pelo menos “dispensava palavras doces e sinceras” — conta Cristiane.

Além disso, a partir de uma análise comparativa com o trabalho da pesquisadora Raquel Machado Campos, que estudou outros textos de Machado para “O Espelho”, Cristiane identificou uma mesma concepção de “história”, incomum para os intelectuais da época, e que atravessava o pensamento do escritor.

Segundo ela, apesar de Machado admirar os historiadores, ele ironizava a visão tradicional do processo histórico construído pelos grandes acontecimentos e grandes líderes. E provocava a própria grandeza que atribuiam ao imperador.

— Tanto em outras crônicas assinadas por ele como nesse esboço biográfico, ele apresenta essa concepção histórica que equipara os pequenos aos grandes. A ideia de história comum na época era a concebida pelo IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), baseada nos grandes fatos do passado. E ele dizia que se esperasse alguma mudança no Brasil, ela viria dos trabalhadores, dos grandes não esperava nada — conta ela.

Além dos aspectos da estratégia de escrita e temáticos destacados no novo artigo, a pesquisadora já tinha identificado em 2016 diversos indícios referentes à localização do texto no jornal que indicavam a autoria do Bruxo. A capa, por exemplo, era quase um lugar cativo de Machado na revista: das 19 edições, 12 das primeiras páginas são dele.

Cristiane também notou que, na edição número 6 da revista, há um aviso que diz: “Brevemente encetaremos a publicação de uma galeria Dramática – biografias e um retrato correspondente. O fotógrafo é o Sr. Gaspar Guimarães, e o biógrafo é o Sr. Machado de Assis”. Ao mesmo tempo, propagandas do periódico em outras revistas da época, como “A Marmota” e “O Correio da Tarde”, anunciavam a publicação futura de um texto intitulado “Pedro II : esboço biográfico”.

— E após as edições 7, 8 e 9 não trazerem nada disso, a décima edição finalmente veio com essa biografia do imperador — lembra Cristiane. — O Machado era um verdadeiro faz-tudo da revista, era o redator mais presente. Ela foi um divisor de águas na sua experiencia literária.

Segundo João Cezar de Castro Rocha, um dos mais importantes pesquisadores de Machado de Assis do país, é muito possível que o texto seja mesmo do autor de “Dom Casmurro”. Ele destaca que a metodologia usada pela pesquisadora que estudou a posição física do texto na revista e referências à autoria em outros lugares, para além dos critérios de textualiade, são “inovadoras e inteligentes”.

— Não seria surpreendente que Machado fizesse esse perfil biográfico, já que ele escreveu até mesmo poemas aos imperadores. E quando se reinsere essa publicação como sendo do maior autor brasileiro, mesmo ele ainda sendo jovem nessa época, esse texto ganha outra dimensão e importância — diz Castro.

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