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Opinião 94

Terra dos não-índios

Texto: Taís Wölfet
Ilustração: MARINA COSTA


O Brasil possuí mais ou menos dois mil povos indígenas, falantes de aproximadamente 170 línguas diferentes e divididos em tribos e comunidades que se espalham por todo o país. No Mato Grosso do Sul, os Terena são a etnia mais numerosa. Porém, muitos deles deixam de viver nas aldeias para vir morar nas cidades.

Essa mudança é o tema central do documentário “Do Bugre ao Terena” que apresenta várias histórias de índios que migraram da aldeia para a cidade, suas experiências e motivos para isso. Dirigido por Aline Espíndola e Cristiano Navarro, o documentário tem duração de 26 minutos e foi lançado em 2011.  

A pergunta principal do filme é: como é ser índio na cidade? Cada personagem responde de acordo com sua experiência. Um deles fala sobre conviver com duas identidades, a do índio e a do não índio. Pois o índio é o ser da mata que usa colares, pinta o corpo, dança e tem suas próprias músicas; enquanto, na cidade as coisas são diferentes: outros costumes, novos olhares em sua direção, até as vestimentas são diferentes das usadas na aldeia. E as tradições são perdidas.

Em alguns poucos casos isso pode ser positivo. A indígena, Dayane de Souza Arruda, formada em educação física e ‘personal trainer’, aborda a convivência com o machismo na aldeia ao falar que as índias podem fazer apenas serviços domésticos, como: cozinhar e lavar roupa. Enquanto o homem índio tem total liberdade de sair para trabalhar, e ao chegar em casa quer a comida pronta. Segundo Dayane na cidade isso é diferente, a mulher pode sair para trabalhar, pois tem emprego para todos.

O documentário carrega uma reflexão a respeito do preconceito e da discriminação que essas pessoas sofrem. E deixa no ar dúvidas para o espectador. Será que já fiz isso? Já ‘caçoei’ de um índio sem nem perceber? Será que os encaro como seres diferentes? Os trato de modo diferente?

  Essas são questões que buscam impregnar quem assiste. Frases como “ser um indígena é ser discriminado” permeiam todo o documentário que fala da necessidade de se adaptar a uma nova vida, a novos costumes. E talvez deixar um pouco a própria cultura de lado para ser aceito.

Esse pode ser o caso dos índios mais jovens que se mudam para a cidade. Eles passam a se preocupar mais com o modo de viver do não-índio, são influenciados por propagandas na TV, tecnologia, colegas de escola e assim vão esquecendo os próprios costumes. O que é algo que os mais velhos não gostariam que acontecesse.

Mas por que mesmo tendo de deixar de lado sua cultura eles ainda se mudam? A resposta é simples: buscam trabalho. No meio de um mundo capitalista é necessário dinheiro para se viver “Se as políticas públicas que podem chegar às aldeias para nos ajudar estão fora do plano de trabalho dos governantes, obviamente, o povo indígena ele prefere sair das aldeias para vim pra cidade, porquê? Porque ele vai ter um emprego, ele vai ter um salário” é o que fala um dos personagens do documentário.

Porém, existe uma falta de representatividade na cidade para os indígenas. Isso fez surgir a Dança da Ema. “Nós tínhamos que de uma forma ou de outra mostrar que somos um povo, nós temos nossa língua, nossos costumes, nossas tradições. Esta dança que se chama ‘dança da Ema’, foi a nossa bandeira aqui em Campo Grande, e realmente nós conseguimos quebrar as barreiras, sentimos que somos valorizados” conta Eliseu Lili, coordenador do grupo de dança “T” ao falar sobre aquela que se tornou uma espécie de bandeira para eles. 

O documentário também aborda outras barreiras como a língua e o preconceito.  Um dos personagens afirma que o não índio se acha superior por ter o domínio da língua portuguesa e que vê o indígena como um ser diferente, passando a descriminá-lo. Por isso, a necessidade do indígena ter que se mostrar firme e se provar capaz para que as pessoas não o vejam como inferior. 

Ainda assim, uma das frases que fica marcada no filme é “a cidade virou minha aldeia” dita por uma índia que trabalha na Feira Central de Campo Grande (MS). O que mostra que mesmo com o choque de cultura que a cidade provoca, ela consegue ser como uma nova aldeia para alguns.