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Cândido de Faria: de Sergipe para o mundo


Cândido de Faria foi um caricaturista e ilustrador que, em seus desenhos, retratava o Brasil Imperial de modo crítico e criativo, inovando o campo do design gráfico no país. Ademais, ele passou a ter destaque internacional pelas suas contribuições em revistas de Paris e Buenos Aires. Com isso, é necessário que tal figura não caia na falta de reconhecimento por parte do povo sergipano. Nesse artigo, serão discutidas as inovações que Cândido trouxe às artes aplicadas e sua história.


Cândido Aragonez de Faria nasceu no dia 12 de agosto de 1849 no município sergipano de Laranjeiras, que era conhecido pela sua grande quantidade de engenhos de açúcar e pelo comércio e compra de produtos portugueses. O pai de Cândido, José Cândido de Faria, era baiano e estudou na Escola de Medicina de Montpellier, na França, e fundou em Laranjeiras o Hospital Senhor do Bonfim. Já a mãe de Cândido, Josefa Maria Aragonez, era filha de espanhóis imigrantes e casou-se com José com 18 anos, enquanto ele tinha 45. Eles tiveram quatro filhos: o primogênito Cândido, Júlio, Adolfo e Henrique.


As pesquisas de Felipe Faria, descendente direto de Cândido, apesar de não muito precisas, indicam que as crianças da família Faria foram batizadas em Laranjeiras, o que mostra uma clara influência católica sob a infância de Cândido. A família vivia em um ambiente relativamente rico, com uma grande quantidade de escravos, como amas de leite e cozinheiras, o que propiciava a criação de vínculos afetivos entre as crianças e os trabalhadores. Entretanto, a característica mais marcante da infância de Cândido foi a diversidade cultural que o rodeava. De um lado, ele tinha constante contato com seus avós maternos, que o ensinavam sobre a língua espanhola e valores europeus. Em contrapartida, seu pai estabelecia um ambiente que, inspirado pelos preceitos franceses, era considerado refinado e culto. Outrossim, havia também a vivência no interior de Sergipe, que por si só já é repleto de cultura própria. Com isso, Cândido cresceu com consciência de divergências culturais e sociais e com um forte senso crítico sobre assuntos diversos, o que é evidente em suas ilustrações.


Quando Cândido tinha 6 anos, o pai dele faleceu lutando contra a cólera. Três anos depois, a família Faria deixa Sergipe e se muda para o Rio de Janeiro. O Imperador D. Pedro II concede à viúva uma pensão anual de 600 mil réis que acaba ficando com seus filhos, pois ela morre no final daquele mesmo ano. Em meio a esse sofrimento, Cândido, como seu irmão Adolfo, começa a encontrar uma forma de expressão nas artes visuais.


Não se sabe ao certo, pela falta de registros históricos, quando exatamente Cândido estudou na Academia Imperial das Belas-Artes (AIBA), mas se acredita que foi entre 1862 e 1866. Já que ele não teve influências especificamente artísticas até então, é provável que a AIBA tenha sido sua principal fonte de inspiração e instrução sobre o desenho. Lá, Cândido começou seu estudo através da cópia de obras clássicas, o que o estimulou a fazer arte à moda europeia. Outrossim, ele incluía em suas obras o senso crítico com que cresceu e que, no futuro, o tornaria famoso internacionalmente. Desse modo, Cândido se tornou um artista autêntico e com alta disciplina acadêmica.


O que Cândido passou a fazer com maestria depois da Academia foi, com certeza, a caricatura. Ele, com suas análises profundas, humoradas e divertidas, conseguia representar figuras políticas, como por muitas vezes D. Pedro II, e cotidianas, deixando em evidência o caráter tanto físico quanto moral delas em diversos canais de comunicação em massa, seja em um jornal, uma revista ou um cartaz de cinema. Ao contrário da maioria dos alunos da Academia, ele era um artista contracorrente, que ia contra a hierarquização da arte e colocava a caricatura como uma forma de expressão tão digna quanto a pintura. A seguir estão expostas algumas das charges e caricaturas de Faria durante seu tempo no Brasil Imperial :




Após desenhar para o jornal "A Pacotilha" e a revista "A Vida Fluminense", Cândido funda e assume o comando do semanário "O Mosquito", em 19 de setembro de 1869, com o término de sua publicação em 1877. O jornal obteve grande importância em sua época, com ilustrações do próprio Cândido, Ângelo Agostini e Rafael Bordallo Pinheiro, e era considerado caricato e crítico. Nesse tempo, o traço de Cândido evolui, mas continua engraçado e pitoresco, e é altamente elogiado pelos intelectuais da época. Em 1875, Faria funda outro jornal, o "Mefistófeles", que é ilustrado exclusivamente por ele e logo se incorpora a "O Mosquito".



Cândido trabalhou em diversos outros jornais no Rio de Janeiro após o fim do semanário que fundou até se mudar para o Rio Grande do Sul em 1878, o que é bem analisado pelo escritor Athos Damasceno; "como se vê, quando em princípio de 1878 Cândido de Faria desembarca de Porto Alegre, já é um artista consumado. E traz na bagagem, além dos meios obtidos em doze anos de fecunda experiência do métier, os títulos de um profissional que não se escorava nos aplausos de favor, mas que conquistara seu lugar ao sol com um talento justamente reconhecido e louvado".


Em Porto Alegre, Cândido entrou no auge de sua carreira trabalhando para a revista renomada "O Fígaro" e sendo o único ilustrador da publicação. Segundo os críticos da época, Cândido tinha tanto talento quanto Ângelo Agostini, o mais famoso ilustrador e caricaturista do Brasil Imperial. Em 1879, Cândido se muda para a capital da Argentina em busca de um aprimoramento profissional e trabalha em periódicos independentes e cômicos, como o usual. Entretanto, não satisfeito com Buenos Aires, Cândido decide se mudar para Paris, onde reside até sua morte em 1911 e tem um impacto enorme, porém não reconhecido devidamente,na história do design gráfico e do cartaz francês.



A arte francesa passava por um período de diversidade de técnicas e estilos e da valorização da individualidade de cada artista, mas ainda tinha como propósito principal ir ao encontro do gosto do público consumidor, que, nesse período, já era constituído por várias camadas sociais. Simultaneamente, ocorria a Belle Époque, uma época conhecida por valorizar a cultura cosmopolita e efervescente europeia. Nesse contexto, surgiu o "pai do cartaz publicitário", Jules Chéret, que conseguia capturar o otimismo da época perfeitamente em seus designs. Inspirado por Chéret, Cândido de Faria começou a produzir cartazes do mesmo gênero, mas sem deixar de lado o aspecto cômico que sempre incluiu em seus desenhos. Ele abriu um atelier de produção de cartazes em Montmartre, região que era habitada por intelectuais que analisavam a cultura da época.


Adepto ao estilo Art Noveau, que influenciava o consumo da comunicação de massa, Cândido trabalhou aperfeiçoando peças publicitárias. Ao mesmo tempo, ele também ilustra partituras musicais, obras literárias e periódicos franceses e trabalha na publicidade de filmes da produtora Pathé, a primeira produtora de cinema da história. A seguir estão alguns cartazes cinematográficos produzidos por Cândido:








Depois da morte de Faria em 1911, o Ateliê Faria continuou produzindo cartazes para a Pathé até 1915. Cândido foi uma figura ambiciosa; não satisfeito com o sucesso no Brasil e na Argentina, ele foi para a França, o centro de produção de arte da época, não só para uma maior estabilidade financeira, como também para evoluir como artista, ser a melhor versão de si mesmo sem deixar de fazer sua arte com comicidade e humor num espaço onde o que fazia não era considerado digno de reconhecimento. Ele é um exemplo para o povo sergipano por mostrar que, não importa aonde formos, precisamos lembrar da nossa essência ( no caso de Cândido, o que ele aprendeu com sua família em Laranjeiras sobre cultura e senso crítico) para que realmente fiquemos satisfeitos com nosso sucesso.


Por Ana Ferreira da Motta Costa

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