Guilherme Smee: Os 20 melhores quadrinhos que li em 2022

“A ordem em que os títulos se apresentam está em sentido alfabético, por isso não tem um quadrinho melhor que os outros, todos são muito bons e todos são muito recomendados

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre reprodução

Olá, leitores do site Literatura RS! No ano passado, minha lista de melhores leituras do ano veio em duas postagens diferentes, uma falando das minhas leituras preferidas do ano em relação aos quadrinhos de super-heróis e outra, que falava de forma mais generalizada sobre outros quadrinhos. Desta vez será uma postagem só. Começaremos pelas melhores leituras que fiz de quadrinhos em geral no ano de 2022, isso significa que estão incluídos aí quadrinhos que li em 2022 e não necessariamente tenham sido lançados naquele ano. Contudo, tentei priorizar esse escopo. Em seguida, vocês serão levados à lista de melhores leituras do reino dos super-heróis. A ordem em que os títulos se apresentam está em sentido alfabético, por isso não tem um quadrinho melhor que os outros, todos são muito bons e todos são muito recomendados. Espero que curtam essa listagem e descubram novas leituras em quadrinhos ou que corroborem suas vontades de ler outros já bastante elogiados.

Geral

AMANTIKIR, DE LILLO PARRA E JEFFERSON COSTA
Mais um sensacional trabalho da dupla Parra e Costa, desta vez contando a lenda da Serra da Mantiqueira. Com uma menininha pequena como nossa simpática e carismática guia pelo enredo da história, ficamos sabendo dessa trama de origem. Nesta história em quadrinhos, como nas lendas indígenas, os animais e os elementos da natureza também falam. Dá pra se perceber que a dupla de quadrinistas fez um grande trabalho de pesquisa não só nas lendas e costumes indígenas, mas também no dialeto tupi-guarani usado no quadrinho. É difícil encontrar no Brasil ou fora dele obras em quadrinhos que privilegiam tanto a narrativa dos povos originários como o trabalho de Lillo Parra e Jefferson Costa faz. É um quadrinho gostoso de ler, uma trama que pode deleitar pessoas de todas as idades e também nos fazer aprender mais sobre os primeiros habitantes do nosso país. Uma obra que deveria chegar a todes.

ARLINDO, DE ILUSTRALU
Que quadrinho lindo esse Arlindo, de IlustraLu! Agora entendo todo o frisson ao redor da obra que foi um dos campeões de arrecadação no Catarse. Mesmo que eu seja contra editoras grandes como a Todavia/Companhia das Letras/Harper Collins se utilizarem do financiamento coletivo para trazerem livros à luz. Mas todo o lado bom do quadrinho reside em todo o resto. O roteiro bem desenvolvido, os desenhos cutes, a narrativa inventiva (que às vezes tem problemas de ordenamento de balões), as cores chamativas e neons, os personagens emotivos e cativantes, ótimo, ótimo, ótimo. Muita gente precisa ter acesso a esse quadrinho e devorá-lo. Queers ou não-queers. Deve agradar em cheio pessoas que tiveram adolescência nos anos 2000. Uma das críticas que ouvi sobre esse quadrinho foi que – spoiler- no final todos se descobrem queers. Não é bem assim. É como o dilema da arma de Tchecov. Se a arma aparecer em algum momento da trama, ela vai disparar no final. E vice-versa. No caso de Arlindo, todos os sinais de que isso vai acontecer em algum momento estão ali. Talvez isso seja mais fácil de identificar para quem é treinado na queerness do que para quem não é, mas não é nem de longe um demérito do quadrinho. Aliás, é um dos melhores quadrinhos que li esse ano e mereceria até uma adaptação para o audiovisual como o sucesso dos quadrinhos Heartstopper que foi parar na Netflix. Meus parabéns para a IlustraLu pelo incrível e potente trabalho que muito enche de orgulho, nós, os queers do Brasil profundo.

BERTHA LUTZ E A CARTA DA ONU, DE ANGÈLICA KALIL, MARIAMMA FONSECA E FAW CARVALHO
Não sou fã de adaptações literárias em quadrinhos, isso é fato. A razão é que nem todos os roteiristas e artistas que adaptam obras em quadrinhos sabem como fazê-lo. Por outro lado, gosto muito quando as adaptações literárias em quadrinhos fogem do comum, ou quando adaptam textos diferentes dos que sempre são adaptados, ou quando os artistas colocam novas interpretações para as obras visadas. Bertha Lutz e a Carta da ONU, desenvolvida a partir de um texto da própria Bertha e adaptada por Angélica Kalil e Amma, é um quadrinho muito bem realizado, que se aproveita bem tanto do texto original quanto da própria linguagem dos quadrinhos, ou seja, a razão para verter uma obra de uma mídia para a outra. Fiquei muito feliz em ter optado por adquirir este quadrinho em uma livraria em Florianópolis, principalmente porque a capa e o projeto gráfico de Gabriel Nascimento e Carol Rossetti me agradou muito. Bertha Lutz e a Carta da ONU não é somente um quadrinho muito lindo e belamente estruturado, mas também uma obra que se faz necessária para que novas gerações verifiquem o trabalho de feministas brasileiras no passado e continuem a se apoiar e ampliar seus feitos.

BOOK TOUR, DE ANDI WATSON
Achei interessante o tema deste quadrinho, da editora mineira estreante Moby Dick: um escritor está envolvido em um tour de lançamento de seu novo livro e, depois de passar por diversos “acidentes” e “incidentes”, acaba sendo incriminado do assassinato de uma livreira. É fácil de alguém com pretensões literárias se identificar com o périplo kafkiano do protagonista, afinal, publicar seu próprio livro ou seu próprio quadrinho não é uma tarefa fácil ou simples e, muitas vezes – na maioria delas – dá errado, muito aquém das expectativas. Book Tour é um quadrinho que fascina por enredar o leitor num novelo e o personagem num labirinto sem minotauro, em que ele vai se ferrando mais e mais. Talvez por isso li o quadrinho de cabo a rabo quase sem suspirar. A não ser pela angústia que os personagens do livro (muito parecidos com gente ignorante real) faziam o protagonista e o leitor passarem. O final do quadrinho é aberto e cabe uma segunda leitura para, talvez, identificar os reais culpados dos assassinatos. De toda forma, foi uma viagem de leitura de textos e imagens bastante especial e divertida. Adorei!

CONFINADA, DE TRISCILA OLIVEIRA E LEANDRO ASSIS
“Amor, nesse país eu tô errada só de existir! O meu cabelo é errado. O meu nariz, a minha pele. A minha música é errada. A minha religião! Pra vocês, só tem um jeito de eu não estar no erro: baixando a cabeça e servindo sem reclamar”, exclama a personagem Ju, de Confinada, um trabalho incrível de Triscila Oliveira e Leandro Assis, que traz um retrato da hipócrita sociedade brasileira durante a pandemia do Covid-19. O Brasil possui uma das sociedades mais desiguais do mundo, de um racismo e de uma aporofobia enrustidos, muito disso vindo de um autoritarismo enraizado em várias características do nosso povo, que são o patrimonialismo, o machismo, o racismo, a homofobia, o mandonismo, enfim, que persistem desde o Brasil Colônia. Contudo, diferente de outros países, no Brasil esse preconceito todo é velado, finge-se que não existe, que aqui não é como lá. Todas essas características terríveis da sociedade brasileira que afloraram e mostraram ainda mais seus podres com o advento das redes sociais, são muito bem exploradas por Triscila e Leandro neste quadrinho, seja em forma de texto, seja na narrativa ou nas expressões dos personagens. Muita gente que conheço – e que conheci e não quero conhecer mais – precisaria ler esse quadrinho para perceber como seu preconceito é algo, no mínimo, desagradável e que colabora para desestruturar o Brasil em um todo. Mesmo naquele pequeno espaço que chega até a tocar suas redomas e bolhas. Para quem curtiu Confinada, indico a tira Os Santos, também produzida pela mesma dupla premiada.

CORPO PÚBLICO, DE MATHILDE RAMADIER E CAMILLE ULRICH
Sim, temos quadrinhos sobre diversas temáticas. Então, que tal um quadrinho sobre os percalços que as mulheres passam durante a gravidez? Ou seja, um quadrinho sobre gravidez? É isso que Mathilde Ramadier e Camille Ulrich desenvolvem na graphic novel autobiográfica Corpo Público. Para quem é homem, muitos dos detalhes que são narrados neste quadrinho podem passar despercebidos quando observamos uma mulher que está grávida, mesmo para aqueles que acompanham de perto esse processo. Por isso, em Corpo Público as autoras trazem de forma dramática e humorística todas as fases da gravidez de uma mulher. Desmentem alguns mitos, reafirmam uns tantos outros. O traço mais puxado para o estilo cartunesco é de fácil identificação pelo leitor. Corpo Público, mais que trazer um retrato da gravidez, mostra como a força da mulher se faz presente durante esse momento da vida de muitas delas, desmentindo o chavão que diz que “a mulher é o sexo frágil”. Uma bela publicação trazida ao nosso país pela Leya Brasil e que pouco vejo ser comentada por aí.

FRANKENSTEIN, DE MARY SHELLEY E RALF KÖNIG
Que felicidade ter mais Ralf König no Brasil, desta vez pela Skript e no terreno da ficção científica, um gênero literário que os leitores do autor alemão não estão acostumados. König escreve irônicos álbuns falando sobre gênero e sexualidade, e que estão entre os melhores (e mais cômicos) quadrinhos que retratam a comunidade LGBTQIAPN+ que já li. Neste Frankenstein de König, o assunto queer também é abordado, ainda que de maneira mais sutil, menos escancarada que em seus álbuns tradicionais. E digo que este álbum é mais de König que de Mary Shelley, embora o nome da autora do “Prometeu Moderno” esteja nos créditos. Porque mais que adaptar o clássico, o autor alemão traz uma nova história. Na trama temos um cientista. Louco, é claro. Ele cria sua própria versão de um cadáver reanimado e em seus próprios termos e necessidades. Me furtarei de revelar quais são para prevenir os leitores desta resenha de spoilers. O texto é mais rebuscado que o que normalmente König usa e emula o texto de Shelley muito bem. Os tons de verde aplicados pelos coloristas dão essa sensação lúgubre e cadavérica relativa à criatura do doutor Frankenstein. A vontade que dá é saber mais sobre esses personagens, suas existências pregressas porque a HQ acaba rápido. Entretanto, o trabalho realizado aqui é simplesmente fantástico e fala muito para os queers. Principalmente sobre a sensação de abjeção que sentimos durante boa parte de nossas vidas. Vale também ressaltar que adorei o posfácio do amigo Mario Cesar Oliveira, que editou König na Via Lettera. O texto de Mario é bem superior ao posfácio original da edição alemã. Parabéns a Skript por suas decisões editoriais e por trazer König novamente ao Brasil. Que venham mais álbuns!

O RUMOR DA GEADA, DE JORGE ZENTNER E LORENZO MATTOTTI
Lorenzo Mattotti é sempre sinônimo de um quadrinho sensacional. Conheci o trabalho do artista italiano através da edição de Estigmas, publicada no início deste século pela Editora Conrad, que me deixou bastante empolgado com as possibilidades criativas que Mattotti lançou. Agora, com a Editora Figura trazendo O Rumor da Geada, também pude usufruir de um incrível trabalho do artista aliado ao ótimo texto de Jorge Zentner. Enquanto o texto de Zentner é denso, confessional, descritivo, as imagens que Mattotti usa são sugestivas, surreais, abertas. É o casamento dessas duas tendências de contar uma história que se abre um terceiro significado que só é possível através da justaposição entre texto e imagem. Acredito que no caso de O Rumor da Geada a história contada seja apenas uma consequência disso tudo e que o importante mesmo que esse álbum nos proporciona é a experiência. Uma ótima experiência de viagem pelo texto e pelas imagens que, sim, pode nos tocar através do conteúdo da história porque esses sentidos acabam sendo propulsionados por todo o caminho da leitura.

O TIME DO VÍRUS, DE AMANDA RIBEIRO E LUIZ FERNANDO MENEZES
O Time do Vírus é, como diz seu subtítulo, “um quadrinho sobre como a disputa política invadiu o enfrentamento da pandemia no Brasil”. Seus autores, os jornalistas Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes do veículo de checagens de notícias Aos Fatos, traçam uma narrativa sobre o jogo político por trás das ações de negação e rechaço à vacina por conta do governo de Jair Bolsonaro. Por ser um jogo, muitas vezes encarado com uma disputa “nós” contra “eles”, uma das analogias óbvias era uma partida de futebol. Assim, nessa disputa entram em campo um time do capitão Bolsonaro e seus asseclas e outro, o da ciência. Neste último time, os autores colheram depoimentos de respeitados cientistas como Natália Pasternak, Átila Iamarino, Carlos Orsi, David Nemer, entre outros, contras as declarações nem sempre oficiais do outro time, o governo brasileiro à época da pandemia da COVID-19. Mas qual desses dois seria o Time do Vírus? Este trabalho, financiado através de crowdfunding no Catarse, é uma narrativa em quadrinhos necessária para a conscientização da importância do cuidado contra a COVID-19 e da necessidade da vacinação. Um uso incrível da mídia quadrinhos para criar consciência crítica e social no povo brasileiro que carece tanto de esclarecimento. Parabéns aos autores e aos cientistas pela coragem de estarem todos os dias em campo contra o negacionismo, a ignorância, a violência que geram tantas mortes de pessoas queridas no Brasil e no mundo atual.

O ÚNICO E ETERNO, VOL 1: O REI NÃO ESTÁ MORTO, KIERON GILLEN, DAN MORA E TAMRA BONVILLAIN
O título O Único e Eterno deste quadrinho faz referência ao livro original The Once and Future King, de T. H. White que retoma as lendas arturianas da Távola Redonda em uma trilogia de publicações. A história em quadrinhos dá conta do retorno do grandioso Rei Arthur para salvar uma Bretanha que está em perigo. Os personagens principais desta trama são Bridgette McGuire e seu neto Duncan, que precisam evitar a ascensão de um desmorto Rei Arthur e dos poderes sobrenaturais que estão envolvidos, tudo isso nos dias atuais. Para quem gosta das lendas que envolvem Excalibur e seu universo, O Único e Eterno é um prato cheio, com diálogos espertos, personagens bem desenvolvidos e reviravoltas embasbacantes. Além, é claro, da deslumbrante arte do desenhista em ascensão costarriquenho, Dan Mora, que tem um estilo de fácil encantamento apoiado pelas belas cores de Tamara Bonvillain. O Único e Eterno é mais um quadrinho que merece nota máxima, que faz parte do catálogo da Hyperion Comics e que nos deixa animados e curiosos pelo próximo volume.

Super-Heróis

BATMAN: O DETETIVE, DE TOM TAYLOR E ANDY KUBERT
Quem acha que Tom Taylor não é sinônimo de boas histórias não entendeu as histórias que ele faz. Ele consegue deixar as histórias de qualquer personagem interessantes e carismáticas, até mesmo as do carrancudo Batman. Ao lado do veteraníssimo das histórias em quadrinhos de super-heróis, Andy Kubert, Taylor desenvolve uma narrativa que explora uma organização de “batmen brancos” que assassina pessoas salvas pelo Batman. Para debelar essa ameaça, Bruce Wayne vai contar com a ajuda de uma nova Escudeira, parceira de Beryl, a nova Cavaleira da Corporação Batman na Inglaterra. Na França, o vigarista Henri Ducard, um dos treinadores do Batman, também se envolve na trama, e tudo se complexifica, com várias reviravoltas. Temos em Batman: O Detetive uma história que se passa em diversos lugares da Europa, trazendo novas dimensões para o que Batman costuma fazer e como as suas ações acabam afetando a vida das pessoas ao seu redor. Gostei bastante, principalmente por não gostar do Batman.

ETERNOS, VOL. 2: SALVE, THANOS!, DE KIERON GILLEN, ESAD RIBIC E GUIU VILANOVA
Não é por acaso que hoje em dia, talvez Kieron Gillen seja um dos principais roteiristas da Casa das Ideias. Além de ter a verve inglesa dos quadrinhos, ele também consegue pegar alguns personagem que a maioria das pessoas desconhece ou não dá importância e, assim, insufla neles características e vontades únicas. É o que ele faz aqui nesta série dos Eternos. Neste segundo volume, ao lado de Esad Ribic e outros artistas, Gillen acrescenta um elemento que desanda ainda mais a receita: Thanos. Isso leva os Eternos a entrarem em uma rota de colisão com os Vingadores, cujo Quartel-General se encontra na carcaça de um Celestial, criaturas que os Eternos consideram como deuses, responsáveis por sua criação e propósito. Nesta série, os Eternos estão seguindo a máxima dos plots alanmoorianos de que tudo que os personagens sabiam sobre si mesmos era uma mentira. E isso é ótimo. Os Eternos, ao lado dos Vingadores e dos X-Men, estarão no centro da próxima megassaga da Marvel, O Juízo Final, em que a máxima alanmooriana será evidenciada ainda mais ao colocar as três equipes em contato.

INJUSTIÇA: ANO ZERO, DE TOM TAYLOR, ROGÊ ANTONIO, CIAN TORMEY
O quadrinho de Injustiça, na sua primeira versão, foi uma ótima surpresa quando era escrito por Tom Taylor. Depois, quando passou a ser conduzido por Brian Buccellato, o nível caiu absurdamente. Assim, Tom retornou para o Volume 2 de Injustiça, que não acompanhei. Resolvi pegar este Ano Zero porque além de envolver a Sociedade da Justiça na trama, também mostrava o estopim da trama que levou o Coringa a assassinar Lois Lane e tornar Superman em um tirano. Na história de Ano Zero para variar, como é típico de Tom Taylor, os personagens são extremamente bem caracterizados e bem desenvolvidos. Os desenhos do gaúcho Rogê Antonio e de Cian Tormey parecem estar em sua melhor fase, conferindo à história em quadrinhos um visual incrível. O enredo, apesar de um tanto clichê, é bem desenvolvido e respeita mais a mitologia dos personagens da DC do que algumas histórias desses heróis que se passam em sua realidade tradicional e cânone, seja ela qual seja agora. Um quadrinho descompromissado e divertido que vale a sua leitura.

KANG, O CONQUISTADOR: SÓ SOBROU A MIM A CONQUISTAR, DE COLLIN KELLY, JACKSON LANZING E CARLOS MAGNO
Depois de Thanos, Kang é o novo grande supervilão da Marvel que vai dar as caras nos filmes dos Vingadores no MCU. Era óbvio que a editora iria fornecer mais espaço para que o personagem fosse desenvolvido nas páginas dos seus quadrinhos. Mas histórias com viagens no tempo sempre geram muita confusão nos leitores, prova disso é o próprio Kang que possui diversas facetas de si mesmo agindo contra os heróis da Marvel. Além dele, existem o Faraó Rama-Tut, o Centurião Escarlate, o Rapaz de Ferro e Immortus. Contudo, nessa minissérie encadernada, escrita por Kelly e Lanzing e com a arte ultradetalhada de Carlos Magno serve para fazer uma costura entre a maioria destas identidades e esclarecer para o leitor como é que existem tantas contrapartes de um mesmo personagem no Universo Marvel e nenhuma delas ser uma variante, mas o próprio Nathaniel Richards, o Kang. Kelly e Lanzing montaram esse quebra-cabeça de forma extraordinária, em que ficamos vidrados na história para saber como as coisas que sabemos pregressamente se encaixam. Quando acaba a história ficamos pedindo por mais Kang. Que seja assim no MCU também!

MONSTRO DO PÂNTANO, VOL. 1, DE RAM V, JOHN MCCREA, MIKE PERKINS E MIKE SPICER
Esqueça tudo que você sabe sobre o Monstro do Pântano e conheça ele de novo. Da mesma forma que o mote que Alan Moore usou para estabelecer sua fase no Monstro do Pântano, agora Ram V também desenvolve uma nova origem para a criatura das charnecas, uma nova base de tramas. Desta vez o Monstro do Pântano ganha um novo hospedeiro. Um homem indiano que possui uma conexão um tanto diferente com a floresta onde foi criado, na Índia. As primeiras histórias não são tão boas, mas à medida que nos aproximamos do final do encadernado, tudo vai ganhando maior corpo e significado. Temos um encontro deste novo Monstro com John Constantine, em uma história especialmente desenhada por John McCrea, uma das melhores partes do encadernado. Depois, seguimos para um crossover entre o Monstro do Pântano com o Esquadrão Suicida de Amanda Waller, liderado pelo Pacificador, com impactos importantes tanto para a equipe de supervilões como para este novo Monstro do Pântano em formação. Quando chegamos no final deste encadernado ficamos com vontade de ler mais, mais e mais!

O CORINGA, VOL. 1, DE JAMES TYNION IV, MATTHEW ROSENBERG, FRANCESCO FRANCAVILLA E GUILLEM MARCH
A nova série em quadrinhos do Coringa não é como você pensa. E isso é muito legal. Pra começar, o Coringa não é o protagonista e sim o Comissário Gordon. Tynion IV usa o recurso da narração em off, tão comum nos quadrinhos e filmes noir para ressaltar esse fator. Quase tudo é contado a partir do ponto de vista de James Gordon. O Comissário é contratado para caçar e matar o Coringa em qualquer lugar no mundo onde esteja. Tudo isso através de um beneficiário oculto. Na trama, os personagens e o próprio Gordon questionam o tempo todo: “Você sabe o que é o mal? Você sabe identificar o mal?”. O mal seria o Coringa? Ou ele só atrai o mal para si? O Coringa paira sobre a história como esse mal intangível, inescrutável, inesperado, que todos querem lutar contra. O Coringa atrai muitos inimigos. Mas ele é inevitável, imparável, é algo muito superior aos seus antagonistas do “bem” e/ou do “mal”. Daí a comparação do Coringa com a força do caos. A narrativa é envolvente e até mesmo a arte de Guillem March, acostumado com mulheres longilíneas e curvilíneas melhorou bastante com uma roupagem de terror e pulp. Eu realmente adorei esse novo título por essa abordagem de não colocar o Coringa como protagonista, mas sim, também colocar ele como protagonista!

SUPERGIRL: MULHER DO AMANHÃ, DE TOM KING, BILQUIS EVELY E MAT LOPES
Fazia tempo que eu não imergia em um quadrinho como esse. Todos os dias, depois de muito trabalho enquanto o Sol estava no céu, de noite eu me refugiava nas páginas desse gibi, para viajar para mundos alienígenas na companhia da Supergirl e sua protegida, Ruth, em busca da vingança do pai da menina. Poucos quadrinhos têm esse dom de nos fazer entrar tão dentro de suas palavras, imagens e universo. Tom King se superou, na minha opinião, já que eu andava meio cabreiro com seus trabalhos ultimamente. Os brasileiros Bilquis Evely e Mat Lopes, então, nos proporcionam uma construção de personagens e de mundos que poucos artífices das artes visuais conseguem, sempre numa virtuose de detalhes gráficos. A cada noite eu era levado a um mundo diferente na companhia de Ruthye e Supergirl, em cada edição da minissérie, seus autores vislumbravam uma nova realidade e uma nova trama sob as quais me entretinha. Poderia continuar lendo essas aventuras por 1001 noites, contudo a forma como King encerra a minissérie também é muito boa e condizente com o tom empolado com que Ruthye narra a história em quadrinhos de sua aventura com a Supergirl. Adorei muito muito mesmo! Não é à toa que ganhou o prêmio Eisner. Cinco estrelas douradas e a vontade de dar mais chances para outros trabalhos de King.

A ASCENSÃO DE ULTRAMAN, DE MAT GROOM, KYLE HIGGINS, FRANCESCO MANNA E ESPEN GRUNDETJERN
Nunca fui fã ou soube do que se tratavam os seriados de Ultraman. O mais perto que cheguei dos tokusatsus foram os Power Rangers, de quem era fã durante a pré-adolescência e depois deixei de acompanhar. Talvez por sentir essa lacuna no meu conhecimento pop e por este quadrinho ser uma versão “ocidental” de um personagem “oriental”, retrabalhado para os dias atuais pela Marvel, resolvi dar uma chance ao título. O veredito não podia ser mais positivo. Gostei muito da forma como Kyle Higgins e Matt Groom desenvolvem a história de Ultraman e a arte de Francesco Manna não fica atrás. Fiquei realmente empolgado para saber mais desse universo de polícias secretas, cadetes em treinamento, alienígenas redentores, troca de corpos e, claro, dos monstros gigantes kaiju. A trama desenvolvida aqui tem muito potencial para mais histórias, os personagens são cativantes e no final do volume ficamos sabendo que haverá uma continuação pela Marvel Comics. Espero que seja publicada também no Brasil porque gostei mesmo de experimentar esse novo universo de histórias e possibilidades.

VENOM, VOL. 1, DE AL EWING, RAM V, BRYAN HITCH, PHILIP KENNEDY JOHNSON, EDGAR SALAZAR, SALVADOR LARROCA E OUTROS
Aparentemente a Panini Comics Brasil não deixou claro, mas a nova revista do Venom faz parte de sua linha de publicações regulares e ainda por cima, é uma publicação mix. Além das aventuras do Venom, acompanhamos também a mensal do Carnificina. Essa publicação mix está sensacional, principalmente por conter trabalhos de roteiristas do calibre de Al Ewing, Ram V e Phillip Kennedy Johnson, que trazem tramas de terror e ação, misturadas com space opera. Isso porque a narrativa de Venom se dá em duas subtramas: a de Eddie Brock, perdido no espaço-tempo, e a de seu filho, Dylan Brock, ao lado do simbionte original, na Terra. Ewing e V souberam aproveitar diversos elementos da mitologia dos simbiontes criada com sucesso por Donny Cates e ao mesmo tempo lançar esses personagens em novas possibilidades. Além disso, temos a arte de Bryan Hitch que combina muito com o tema sombrio de Venom. Já a edição especial do Carnificina, que abre a nova série do outro simbionte, é de terror puro, com uma menininha assumindo o controle do alienígena. Ou seria o contrário? Fiquei bastante empolgado com esse título!

VOZES DA MARVEL: ORGULHO, DE VÁRIXS AUTORXS
Neste encadernado está presente a história gay da Marvel mais importante de todos os tempos, na minha humilde opinião. Mas demorou mais de 30 anos para ser publicada no Brasil. É a edição da Tropa Alfa em que Estrela Polar se assume gay. Assim, falando da edição em geral, gostei bastante do conteúdo, que traz também a primeira história solo de America Chavez e o casamento do Estrela Polar, além da apresentação do Capitão América gay. Também vem na íntegra a edição 2021 de Marvel ‘s Voices: Pride, trazendo pequenas histórias representativas dos personagens LGBTQIAPN+ da Casa das Ideias. Achei as histórias da Marvel bem melhor elaboradas e interessantes que a da publicação semelhante da DC Comics. A edição também apresenta duas formas de contar a cronologia das pessoas queer da Marvel: uma relatada por Prodígio, herói mutante e bissexual e outra, de capas de edições simbólicas para esse tema. Também acabei sabendo através da apresentação deste especial em capa dura que Marco Lupoi, o chefão da Panini Italiana é gay. E isso me surpreende porque a política de publicação da Panini no Brasil sempre foi bastante avessa aos temas queer. Enfim, espero que isso mude a partir das publicações que a editora italiana colocou neste mês do orgulho de 2022, publicações estas que foram muito festejadas pelo público nerd e queer.

É isso! E você, leitor, o que achou desta lista? Concorda? Tem alguma indicação? Não deixe de comentar!

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando é roteirista, quadrinista, publicitário e designer gráfico. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, Especialista em Imagem Publicitária e Especializando em Histórias em Quadrinhos. É autor dos livros ‘Loja de Conveniências’ e ‘Vemos as Coisas Como Somos’. Também é autor dos quadrinhos ‘Desastres Ambulantes’, ‘Sigrid’, ‘Bem na Fita’ e ‘Só os Inteligentes Podem Ver’.
Foto: Iris Borges

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