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    Sem balões, Luli Penna retrata São Paulo dos anos 1920 na HQ 'Sem Dó'

    THALES DE MENEZES
    DE SÃO PAULO

    31/10/2017 02h10

    Luli Penna/Reprodução
    Quadrinho de página inteira da novela gráfica 'Sem Dó', de Luli Penna
    Quadrinho de página inteira da novela gráfica 'Sem Dó', de Luli Penna

    A ilustradora paulistana Luli Penna escolheu personagens desconhecidos para retratar sua cidade. É a São Paulo dos anos 1920 que serve de cenário para a HQ "Sem Dó", que terá lançamento nesta terça (31), na Livraria da Vila.

    Com uma relevante produção de cartuns e ilustrações, incluindo colaborações para a Folha e a revista "Piauí", Luli apresenta sua primeira história em quadrinhos.

    A estreia exigiu muito fôlego para ser desenhada, mas é fácil e agradável de ser leitura. Sem balões de diálogos e em preto e branco, assemelha-se a um filme mudo. Alguns quadros (poucos) exibem uma fala de personagem sobre fundo preto, recurso do cinema sem som daquela década.

    "Queria a história contada à maneira da época", explica Luli à Folha. "Desde o começo do trabalho abandonei o recurso dos balões. Eu amo cinema mudo. Copiei na HQ alguns fotogramas de 'Limite', filme que o Mário Peixoto rodou em 1930, que eu amo e assisti muitas vezes."

    Luli passou sete anos se dedicando a "Sem Dó", no tempo que sobrava entre os trabalhos de ilustração. "Meu filho cresceu, eu me separei, deprimi, então, me apaixonei. Enfim, sete anos se passaram desde então. Mas a ideia de uma HQ veio até antes."

    A autora credita sua maior inspiração à leitura de "Persépolis" (2000), premiadíssima HQ da iraniana Marjane Satrapi sobre o antes e o depois da revolução de 1979 no Irã.

    "Quando terminei de ler, quis fazer uma história grande também, sabendo que jamais chegaria aos pés da dela. Marjane, além do talento, estava numa esquina do mundo. Bisneta do imperador e filha de marxistas, numa Teerã industrializada e islâmica, e contou tudo do ponto de vista de uma criança. Incrível!"

    Ela pensou em desenhar a história de seu avô e um tio-avô, arquitetos de renome nos anos 1950. Já tinha desenhado uma parte, mostrando a vinda da família da Espanha para o Brasil, cruzando o Atlântico, mas o roteiro ainda não estava fechado.

    TIAS-AVÓS

    Luli estudava a política do século passado –o avô era um anarquista radical– e passou a entrevistar pessoas, principalmente da família, para conhecer a vida no bairro do Brás. Foi quando uma prima contou a história de duas de suas tias-avós.

    O avô arquiteto saiu do projeto e Luli mudou o roteiro para mostrar duas mulheres quase anônimas vivendo numa sociedade repressora. "Sem Dó" se transformou numa história de amor e perda, de personagens buscando fugir de sua resignação.

    Na intenção de escrever sobre "mulheres que resistissem a tudo", a autora acrescentou na parte final do trabalho um último capítulo, passado na década de 1970. Tenta romper com a imagem idílica da São Paulo das belas praças e da imponente Estação da Luz.

    "Quando comecei, há sete anos, ainda viria o 7 a 1 da Alemanha, a depressão do golpe, esse clima pesado. Resolvi fazer um final melancólico, contrastando com aquele Brasil do café, dos anos 1920 e 1930. Uma coisa linda, mas um projeto que não deu certo."

    Um recurso charmoso de "Sem Dó" é intercalar quadrinhos de narrativa da história com muitos que reproduzem anúncios de revistas da época. Para Luli, a seleção desses anúncios, de gramofones a bombons, foi uma das partes mais gostosas do trabalho.

    Sem uma rotina exclusiva para desenhar a HQ, hoje ela lamenta ter esquecido de incluir alguns anúncios. "Fiz uma pesquisa enorme. Já tem muita coisa digitalizada, como as revistas 'Cena Muda' e 'A Cigarra', e isso facilitou. Tenho uma coleção que herdei de umas dessas tias-avós."

    Luli parece disposta a começar outra novela gráfica. "Mas eu quero ir mais para trás, para o século 19 mesmo."

    SEM DÓ
    AUTORA Luli Penna
    EDITORA Todavia
    QUANTO R$ 64,90 (192 págs.)
    LANÇAMENTO terça (31), às 19h, na Livraria da Vila, r. Fradique Coutinho, 915, tel. (11) 3814-5811

    Edição impressa

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