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Exposição 'Águas de Março' reflete sobre a força da vida na pandemia
Vida & Arte

Exposição 'Águas de Março' reflete sobre a força da vida na pandemia

Exposição "Águas de Março", do cearense Sérgio Helle, está aberta para visitações no Espaço Cultural da Unifor. As séries "Resurgentis" e "Paradisus" compõem a mostra
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Sérgio Helle na exposição 'Águas de Março' no Espaço Cultural Unifor (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Sérgio Helle na exposição 'Águas de Março' no Espaço Cultural Unifor

O artista Sérgio Helle saía pouco de seu apartamento após o isolamento social rígido começar no Ceará. Como muitos dos cearenses, sua rotina mudou de repente, e um dos únicos momentos em que aproveitava o quintal do prédio era para passear com sua cadela. Ele descia pela escada, por medo de ser contaminado no elevador pequeno, e caminhava com seu animal de estimação. Em um desses períodos, viu que uma planta brotava entre as rachaduras do cimento. Percebeu que era a vida que resistia em um lugar inóspito. Representava, em certos aspectos, as milhões de pessoas que enfrentavam a pandemia do coronavírus. Assim surgiu a ideia da série "Resurgentis", que é apresentada ao lado de "Paradisus" na exposição "Águas de Março".

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Com curadoria da jornalista e produtora cultural Izabel Gurgel, mais de 50 obras estão em exibição. A mostra tinha sido aberta em março de 2021, mas, com o aumento dos casos de coronavírus, a visita havia se tornado virtual, por meio de um vídeo no canal do Youtube da Universidade de Fortaleza (Unifor). Agora que o Espaço Cultural da Unifor reabriu, o ambiente recebe visitantes presencialmente durante todos os dias da semana, exceto às segundas-feiras.

A exposição 'Águas de Março', de Sérgio Helle, promove interação com os visitantes (Thais Mesquita/OPOVO)(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A exposição 'Águas de Março', de Sérgio Helle, promove interação com os visitantes (Thais Mesquita/OPOVO)

O processo para a construção de "Resurgentis", porém, começou quase um ano antes. Depois do primeiro pensamento que teve sobre a natureza que surge no cimento, passou a fotografar. "Comecei a fotografar aquilo, porque isso tem muito a ver com o momento que a gente está vivendo. É a vida que resiste. Comecei a colecionar e fotografar tudo que eu via nascendo do cimento. Aquilo não saía da minha cabeça. Era sempre uma imagem de uma terra devastada, mas que resistia", comenta.

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Algumas de suas produções também já existiam em arquivos que detinha há anos. Quando foi para Amazônia, por exemplo, tirou fotos de vários aspectos da natureza que faziam referência ao renascimento. "Uma imagem que ficou muito forte na minha cabeça foram essas regiões de destruição da Amazônia. Fiquei dez dias na floresta e vi árvores caídas, naquele espaço de morte. Mas, em pouco tempo, você via cogumelos enormes nascendo. Era a vida nascendo de novo. De certa forma, a pandemia me trouxe essas imagens da força da vida, da resistência", afirma.

Já a série "Paradisus", que também compõe a exposição, iniciou há aproximadamente meia década. Neste ambiente, um dos principais objetivos é dialogar com a própria Unifor. Existe, por exemplo, relações das obras com livros que estão disponíveis no acervo da biblioteca da universidade. A artista botânica Margaret Mee, que se especializou nas plantas da floresta amazônica, é uma dessas referências. "Tivemos a ideia de criar elementos da exposição com os acervos da Unifor. Um desses acervos são os livros raros. A gente pegou livros que tinham a ver com a exposição", comenta.

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Para ele, era importante trazer um pouco de didatismo para a mostra com o objetivo de facilitar a compreensão de todos os visitantes. "Às vezes, as exposições, quando são muito didáticas, criam uma aproximação com as pessoas. É muito difícil para alguém que não tem o hábito de ir em exposições, ir em uma muito conceitual e radical. Isso, de uma certa forma, afasta as pessoas desses espaços, porque algumas saem sem ter entendido nada", explicita.

Sérgio Helle utiliza as técnicas da infogravura da exposição 'Águas de Março' (Thais Mesquita/O POVO)(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Sérgio Helle utiliza as técnicas da infogravura da exposição 'Águas de Março' (Thais Mesquita/O POVO)

Suas obras dialogam, principalmente, com a técnica da infogravura, em que pinta primeiro no computador para depois imprimir nas telas. "Eu gosto justamente desse jogo de você pintar no computador e depois ter uma pintura tradicional, com pincel e tinta. Mescla o antigo com o novo, a tecnologia com o tradicional", indica. O artista avalia, entretanto, que alguns processos foram dificultados por causa da pandemia, como o funcionamento das gráficas e o contato com outras empresas de fora do Ceará.

Entre dezenas de obras, um dos destaques é "Tatuagem", que foi feito sob um tronco de árvore. Revela um período brasileiro em que a política mostra um descaso com a Amazônia e a natureza do País, em geral. Com uma forte crítica política, coloca, na madeira, figuras que simbolizam a morte. Ainda há a "Serrapilheira", uma instalação em que os visitantes podem andar por cima das plantas mortas e entre insetos de plástico colorido.

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De acordo com a curadora Izabel Gurgel, o nome da exposição foi decidido de forma espontânea. A composição "Águas de Março", do cantor e compositor Tom Jobim, já indica: "São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração". A letra traz uma peculiaridade brasileira e, mais especificamente, Nordestina: aqui, a chuva não significa um período de melancolia e de frio; pelo contrário, simboliza a renovação e a garantia de que será um período fértil.

"Quando o Sérgio foi para a primeira conversa na Unifor e disse que a exposição daria certo, ele me perguntou: 'e o nome?'. E eu respondi: 'Águas de Março'", afirma a jornalista. "Eu estava pensando na referência do 'bonito pra chover', que a gente diz no Ceará. Em qualquer lugar do mundo, se olharem o tempo e estiver cinza, as pessoas dizem que está feio. Nós dizemos que 'está bonito pra chover', porque associamos à fartura, à abundância, à renovação da vida".

Águas de Março

Quando: de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 19 horas; e aos sábados e domingos, das 10h às 18 horas

Onde: Espaço Cultural Unifor (avenida Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz)

Mais informações: (85) 3477 3319

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