A falsa grandeza do “Império” do Brasil

albion
22 min readSep 25, 2021

Tendo se aproximado as festividades do 132° aniversário da Proclamação da República, me vi na obrigação de redigir este artigo, a fim de desbancar os retratos idílicos que certas pessoas disseminam sobre o Antigo Regime, soterrado por uma incursão militar a 15 de novembro de 1889. O Antigo Regime é geralmente prestigiado e engrandecido por uma minoria em redes sociais, visão sustentada por uma falsa grandeza atribuída ao mesmo, em detrimento da centenária República, que é vista como ditatorial, perversa, turbulenta e nociva — visão a qual tratarei de desmentir em um artigo a ser lançado em 15 de novembro. Mas, afinal, essa visão e os argumentos a favor do Antigo Regime são verídicos? Bem, não. No artigo presente, tratarei de destronar essas falácias dos grupos monarquistas, que geralmente envolvem o caráter econômico, bélico e social do “Império”. Vamos lá:

Afinal, o Brasil Monárquico era a 4a maior economia do Mundo, ou mesmo uma economia forte?

A resposta básica é: não. Uma economia eminentemente agrária, com baixo grau de desenvolvimento financeiro, instabilidade nas contas públicas e baixíssimo crescimento simplesmente não poderia o ser. As estimativas de produção e renda demonstram a tibieza econômica do “Império”. Um dos critérios para mensurar o desenvolvimento econômico é o crescimento a longo prazo da renda per capita, associado ao aumento da produtividade. Diversos estudos a respeito do crescimento da renda nos tempos do Império, como os de Furtado (1959), Coatswoarth (1978), Engerman e Sokoloff (1997), Maddison (2003), Goldsmith (1986) e Contador e Haddad (1978) contrastam fortemente sobre o tema, mas expõem com louvor o baixíssimo crescimento da renda per capita no período imperial, mesmo com dados de produto tão escassos. Os estudos de Furtado, — os quais foram mais uma conjectura do que uma estimativa –, utilizando dados do comércio internacional, por sua vez, indicam um crescimento de 1,5% na renda per capita brasileira entre 1850 e 1910, saltando de míseros 50 dólares para 106 dólares; esse crescimento foi por ele atribuído ao lento crescimento da população brasileira — Se o crescimento da população exceder o crescimento do PIB real, o PIB real per capita cai – e ao crescimento nas exportações de produtos primários e pecuários, como café, erva-mate, couro e carnes. No entanto, essa conjectura de Furtado é extremamente contestada e considerada otimista. Honestamente, vejo os estudos de Furtado como uma suposição totalmente auspiciosa e irreal para uma economia agrária, além de não considerar outros estudos e dados estatísticos vitais, como estimativas sobre o produto interno — algo comum entre os estudos acerca das características cíclicas do Período Imperial que atestam-lhe uma possível “prosperidade", estimando inadequadamente o crescimento do PIB real, o índice de preços e a balança comercial. Já os estudos de Coatswoarth (1976) estimam um crescimento trivial de 0,36% anual na renda per capita entre 1800 e 1860, e 0,40% entre 1860 e 1910 (contra 2% do México, por exemplo). Segundo ele, a renda per capita do México na época da independência era 20% maior do que a do Brasil, e no final do século, 40% maior. Já os estudos de Angus Maddison (2003) estimam um crescimento pífio da renda per capita de 0,30% anual (para fins de comparação, os mesmos estudos estimam que crescimento da renda per capita durante a República Oligárquica foi de 0,92% anual, enquanto o da Era Desenvolvimentista, 3,03% anual). O PIB per capita, em 1820, era de $646; ao final do Império e no primeiro ano da República, 1890, era de apenas $794, contra US$759 para o México e US$1.257 para os Estados Unidos e a média de US$1.245 para 12 países desenvolvidos da Europa Ocidental, demonstrando o baixíssimo crescimento da renda per capita. Goldsmith, em seus bem-feitos estudos, utilizando de média de salários pagos, exportações mais importações, gastos públicos e moeda M2, atestou um crescimento de 0,34% no PIB real per capita entre 1850 e 1889. Em seus estudos, também atesta sucessivas quedas na renda per capita entre 1870 e 1889, como uma de 4,8% em 1862 e de 7,3 em 1870. A renda per capita teria iniciado o Segundo Reinado em $204, e terminou o Período Imperial em meros $233. Por fim, Contador e Haddad, utilizando de preços correntes deflacionados pelo comércio exterior e gastos governamentais, estimam um crescimento de 0,86% no produto interno real per capita entre 1862 e 1889. Alguns desses estudos são questionáveis e outros menos, mas abrem uma boa via para um debate sobre o produto da época.

E o PIB?

Os mesmos estudos citados acima também estimaram os possíveis crescimentos do Produto Interno Bruto — soma de todos os bens e serviços produzidos em uma economia durante um determinado período de tempo. Utilizarei o de Goldsmith, mais bem elaborado, que aponta um crescimento do produto de 2,04% entre 1850 e 1889. Seus estudos sugerem que o Segundo Reinado teria começado com um PIB de $1,472 milhão em produto agregado, e encerrado o período em $3,239 milhão (medido em preços de 1910), transitando entre períodos de recessão e depressão sucessivos. Já os crescimentos anuais são piores, geralmente pífios e abaixo de 5%. Mesmo nos seus “anos dourados”, o Império cresceu pouco: 2,4% em 1855 e 0,6% em 1859. Um crescimento alto era extremamente raro, proporcionado por aumentos nos preços das matérias-primas no mercado internacional e, em parte, pelo PIB nominal, medido pelo nível de preços. Já em 1889, último ano de vida da monarquia, o produto cresceu meros 2,8%, após duas quedas de 1,6% e 2%, em 1887 e 1888. Mas, o que explica esse crescimento irrisório? Simples: a diversificação econômica quase nula do Brasil. Ao final do Período Imperial, haviam apenas cerca de 600 estabelecimentos industriais, constituídos por fábricas parcas, pequenas e até artesanais, cuja produção baseava-se em alimentos e produtos têxteis. Não houve esboço industrial significativo durante a Monarquia — a única chance de política industrialista foi desperdiçada em subsídios imensos aos ex-proprietários de escravos e incentivos para as atividades de cunho extrativo, os famosos “Auxílios à Lavoura", que seriam dobrados pelos bancos e distribuídos aos fazendeiros com 6% de juros, causando uma especulação sem precedentes que afetaria a economia republicana. O único surto industrialista viria com o advento da República e a mudança brusca na política monetária. Nesse período, os estabelecimentos industriais chegaram a 3 mil. A economia imperial era estritamente dependente do trabalho escravo — o que, por si, acabava por limitar o mercado interno – e da venda de matérias-primas primárias, como borracha, algodão, açúcar e café. Cerca de 80% da nossa produção agrícola era voltada às exportações. Mesmo com ascensão do café como força econômica do Brasil nos anos 1850 e 1870 — nesse período, o produto representava 50% de nossas exportações, o açúcar, 12%, e o algodão, 16% – , o país não se destacava em termos de exportação per capita: tinha apenas $9,6 por habitante, contra $32,4 da Argentina, $20 do Chile e $55,7 de Cuba. Além disso, mantinha um crescimento ordinário, como o apontado por Maddison, 1,95% a.a, e muitas vezes negativo, caindo 1,1% em 1852, 4,9% em 1853 e 1,7% em 1854. De acordo com ele, o PIB em 1870 era de cerca de $6,985 milhões, representando apenas 0,6% do PIB mundial, e perdendo para países como Áustria, Bélgica e Império Russo. Estimativas sugerem que o “crescimento" no PIB brasileiro no Império teria sido meramente nominal, ou seja, calculado de acordo com os preços crescentes dos produtos, e não por volume de produção. O PIB nominal do “Império” foi calculado a preços correntes — que à época, variavam de 50%, 60% a 70%. O breve período de “milagre" ao longo dos anos 1850 teria sido um golpe de sorte, com o fim do tráfico negreiro, sob pressões inglesas, eliminado parte do peso sobre as finanças nacionais e sobre a balança comercial, tendo o capital sido invertido nos bancos — privados, jamais públicos –, gerando, em decorrência do baixo desenvolvimento do sistema financeiro, uma bolha creditícia que desembocaria nas crises financeiras de 1857 e 1864, no que ficou conhecido como “pequeno encilhamento".

E a inflação, era baixa?

Um dos argumentos mais usados em favor do Antigo Regime é a farsa de que a inflação — Percentual medido por um índice que denota aumentos nos preços de bens e serviços, corroendo o poder de compra da moeda — era baixa durante todos os anos do Império, cerca de 1,91%. Bem, isso é falso. Um índice de preços da época estima um crescimento acumulado de 176% nos produtos nacionais e 178,7% nos produtos importados, isso apenas no período de 1850-1870. Mircea Buescu, economista conhecido por seus estudos sobre a economia imperial, estima uma inflação total de 41,2% no período 1850-1856. Já alguns escritores da época apresentam seus testemunhos sobre o crescimento dos preços. Um deles, Sebastião Ferreira Soares, descreve a variação de 11 produtos (6 nacionais e 5 importados) para os períodos de 1850 até 1859. Para a primeira metade da década, 1851-1855, é apresentado um índice de preços de 158,6, representando um aumento de 58,6%; para a segunda metade, são mostrados índices de 197 em 1856/57 e 226,4 em 1858/59, o que representa variações de 24,8% e 14,4%, respectivamente. Como apontam registros do período:

“A provisão fresca é exorbitantemente cara”

- 1824 — Maria Graham: Diário de uma viagem

“Isso absolutamente não deve admirar, pois os preços são altos”

- Roberto Avé-Lallemant: Viagem pelo sul do Brasil, 1858

Durante muito tempo a meia quarta de farinha de milho custava

240 réis, e o alqueire, por conseguinte 1$920. Mais tarde em janeiro de 1857, o preço subiu ao dôbro. O açúcar custou durante longo tempo, na fazenda Ibicaba, noventa réis; mais tarde subiu a cento e vinte e mesmo cento e sessenta réis. O sal (saco) era vendido de início a 4$000 depois a 7$000 A princípio, (agosto de 1855) adquiriu o arroz de um colono português a 1$600 o alqueire. Um pouco mais tarde o preço era 3$200. De um modo geral a vida na Brasil é bastante dispendiosa" .

- 1855-1866: Kidder & Fletcher — O Brasil e os brasileiros

"A mais estreita e mesqinha vidraça custa caro (Rio de Janeiro). A pequena burguesia pode apenas viver. O alto preço dos víveres e dos aluguéis a esmagam. Funcionário, lojista ou lavrador não saberia distrair alguns mil réis sem passar fome.”

- 1860: Charles Ribeyralles — Brasil pitoresco

"O porte de cartas é ainda muita elevado . A carestia geral torna extraordinàriamente cara a manutenção dum lar no Brasil. As cantas são em geral tão elevadas que pelo mesmo dinheiro se poderia demorar e viver confortàvelmente cinco vêzes mais dias num dos primeiros hotéis da Europa". (Rio de Janeiro) .

Muitos economistas sugerem que o contínuo rombo nas contas públicas — o famoso déficit orçamentário, cujo conceito é o maior dispêndio em comparação com a arrecadação – do Império, que saltou de 88 milhões de Réis em 1823 para 871 milhões em 1889, tenha pressionado os índices inflacionários. O subperíodo 1856 e 1862 apresenta uma desaceleração dos nível dos preços, embora se mantivessem em alta considerável de 14,4%; o que colaborou com isso foi uma redução nos impostos alfandegários, o que baixou os preços das matérias-primas de importação e aliviou um pouco o nível inflacionário, embora o desequilíbrio externo, causado pela desvalorização do café para 1,57 libras tenha impedido mais baixas. Outro fator que corroborou para a alta nos preços era a inelasticidade na oferta da agricultura, que não crescia de acordo com a demanda, conforme aponta Ferreira Soares. Para o período correspondente à Guerra do Paraguai, 1864 a 1870, há uma alta de 25,8%, com um índice de preços de cerca de 180,1, e um câmbio em recuperação parcial. De 1870 a 1889, ano da Proclamação da República, não existem dados concretos sobre variações nos preços, mas, de acordo com Oliver Ónody (1958), houve uma tendência de aceleração no custo de vida no Brasil, que saltou de um índice de 177 em 1874 para assustadores 231 em 1887, um acréscimo estimado em 30% em 13 anos.

O câmbio tinha uma boa paridade?

Essa é uma falácia mais isolada, e raramente usada. A resposta é: não, e nunca foi. A realidade é que o câmbio sempre sofreu estrangulamentos fortíssimos durante o período imperial, fosse por flutuações nos preços do café, fosse por redução no estoque monetário, ajudando na queda da arrecadação com divisas. O que manteve fez com que a balança comercial ficasse estável foi a volta da saca de café a 2,70 libras, freando 5 anos de saldo externo negativo e garantindo um superávit modesto de 2,711 milhões de libras. Durante o Primeiro e o Segundo Imperado, o câmbio flutuou e se depreciou constantemente, caindo de 43,7 libras em 1833 para 8,35 em 1851, recuperando-se gradualmente ao alcançar 10,88 libras em 1870, mas ainda mantendo-se baixo. Um momento efêmero de desvalorização do dólar, em virtude da Guerra Civil, possibilitou ao mil-réis ultrapassá-lo, mas isso não nos convém aqui. Mas, mesmo com um boom de exportações de algodão para os Estados Unidos na primeira metade da década de 1870, o câmbio não se apreciou, e passou o decênio seguinte flutuando entre 9, 10 e 11 libras, até que terminou o período imperial em uma paridade de 9,08 libras, datada de 1889.

E a nossa Marinha, era forte?

Esse é um dos argumentos mais usados em defesa da Monarquia. O típico argumento da "2a maior marinha do Mundo" nos tempos do Império. Mas será mesmo? Não. A Armada Imperial sequer acompanhou os avanços tecnológicos navais do século 19. A Marinha Brasileira, mesmo após o triunfo e as aquisições na Guerra do Paraguai, manteve-se fortemente retardatária. Uma majoritária quantia dos navios eram totalmente inadequados para operar no mar, utilizando rodas no lugar de hélices, apesar de contar com propulsão a vapor; geralmente eram feitos madeira, com poucos levando couraça; sua artilharia era obsoleta, formada por canhões de ferro montados sobre carretas, atirando, através de aberturas no casco, projéteis sólidos não-explosivos. Já a indústria naval era fortemente atrasada, faltando-lhe recursos, mão-de-obra capacitada e, principalmente, insumos necessários para a fabricação de navios. A indústria tentava minguar seu atraso avassalador importando navios e técnicos do estrangeiro. O máximo que a indústria naval do “Império” conseguiu fabricar foram 6 navios, utilizados na Passagem da Fortaleza do Humaitá, no Paraguai. Mesmo as mais construtivas iniciativas de modernização da Armada Imperial — todas, por sua vez, isoladas e sem respaldo da Corte —, como a Esquadra de Evoluções, composta pelos famosos Encouraçados RiachueloSete de SetembroSolimõesJavary, e pelos Cruzadores GuanabaraAlmirante BarrosoTrajano e Primeiro de Março, foram descartadas pelos gabinetes, e, em virtude do descalabro financeiro, foram atrasadas e deformadas. Temos o exemplo do Cruzador Tamandaré, o maior navio de guerra do Brasil para a época, cujo lançamento ao mar só se deu em 1890, e o término, em 1893, no governo do marechal Floriano Peixoto — este que também tentou modernizar a marinha por mínimas ações, como a aquisição de dois navios americanos poderosíssimos e a contratação de marinheiros treinados. No entanto, em virtude dos persistentes problemas econômicos, uma genuína tentativa de modernizar a Armada Brasileira só ocorreria em 1903, no governo do presidente Rodrigues Alves.

E o Brasil, era respeitado nessa época?

Constantemente vejo monarquistas difundirem o mito de que “O Império era respeitado". Bem, isso é evidentemente uma falácia. O Império foi, desde os seus primórdios, contestado, e sua soberania, desrespeitada. Episódios como a Questão do Pirara (que iniciou-se em 1829), a Questão da Ilha de Trindade, a Questão do Amapá e a Questão Christie evidenciam isso. Mas antes de discorrer sobre os eventos citados acima, falemos primeiramente sobre outro: a questão do Tratado Comercial de 1827. Com sua assinatura, Dom Pedro I vendeu a soberania do Brasil em troca do reconhecimento da independência pela Inglaterra. Segundo os termos do tratado, por 15 anos haveriam vantagens na importação de mercadorias inglesas, com fomentos e taxas alfandegárias reduzidas. O pior do tratado foram os direitos a pagar pela importação de produtos ingleses, firmados em 15%, o que perturbou as finanças nacionais. Outro ponto nocivo deste tratado foi a limitação de nossas exportações, sufocando o mercado de consumo e beneficiando apenas as colônias britânicas. A Questão do Rio Pirara foi um impasse na região entre o Brasil e a Guiana Inglesa entre o governo brasileiro e o governo britânico. O motivo disso era simples: os índios da região do Rio Pirara, os quais os britânicos queriam proteger. Um acordo provisório deu limite ao conflito, mediante a retirada de qualquer destacamento brasileiro da região e neutralidade do território, para uma posterior demarcação. Uma série de acordos tentaram ser firmados para garantir uma paz na região, por meio de uma definitiva demarcação dos limites fronteiriços — alguns dos quais beneficiavam a Guiana Inglesa. Esse impasse só seria solucionado em 1904, por meio da mediação do rei Vitor Emanuel II da Itália, que resolveu dividir a região. A Questão da Ilha de Trindade foi outro incidente diplomático no qual os ingleses se apropriaram de um território brasileiro, a Ilha de Trindade e Martim Vaz. A região era reclamada pela Inglaterra desde o período colonial, mas apenas no século 19 viria a ser efetuada a ocupação. Mesmo tendo plena noção dela, o governo imperial hesitou em expulsá-los, alegando que “o território nacional já havia sido totalmente demarcado”. A questão só viria a ser resolvida no período republicano. A Questão do Amapá foi uma disputa de fronteira entre o Brasil e a França. Os franceses, almejando resolver uma pendência na Amazônia, estabeleceu um forte militar na margem oeste do Rio Oiapoque. Reagindo, os brasileiros estabeleceram uma colônia militar no Araguari. Um confronto foi evitado por intermediação dos britânicos, cuja mediação estabeleceu uma demarcação de fronteira a ser feita, o que nunca aconteceu. Em uma medida drástica, o Visconde do Uruguai ofereceu, em um encontro em Paris no ano de 1855, o rio Calçoene como fronteira. Não aceitando a oferta, os franceses tentaram estabelecer uma nação independente sob tutela francesa na região, em 1885, a famosa República de Cunani. A questão pendente e de ameaça à soberania nacional só viria a ser resolvida na República, com a expulsão das tropas francesas após uma invasão em 1894. Já a Questão Christie foi um dos incidentes diplomáticos mais duradouros do Brasil, durando de 1861 a 1865. O primeiro cerne do impasse foi o naufrágio e a pilhagem e assassinato dos tripulantes do navio britânico Prince of Wales, no arroio Chuí, ao sul do Brasil. O embaixador britânico no Brasil, William Christie — cuja missão aqui era de reforçar as pressões inglesas acerca da escravidão e do estabelecimento de um tratado comercial — solicita uma investigação policial sobre o caso, mas é aquietado pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Marquês de Abrantes. Não obstante, Christie ainda solicita a Abrantes uma indenização pela carga roubada. Abrantes retorque, alegando, inclusive, que a transferência dos funcionários envolvidos no incidente do naufrágio se deveu não pelo envolvimento direto, mas pela demora em reportar às autoridades o afundamento do navio. Independentemente, as autoridades britânicas eram convictas da tese de que a tripulação foi assassinada, com base, também, em informações do Almirante Warren sobre caixas quebradas e bíblias em inglês encontradas na residência do juiz de paz responsável pelo caso. Mas o que realmente aprofundou o impasse foi a prisão de 3 marinheiros britânicos bêbados na Tijuca, que supostamente ofenderam os policiais locais. A partir daí, as pressões de Christie aumentaram, com ele exigindo um pedido de desculpas formal, além da demissão dos guardas envolvidos e a repreensão do delegado de polícia. Para Abrantes, a indenização não era justa pelo fato de o governo brasileiro não ter envolvimento na questão. Para Christie, o Brasil estava cometendo uma injustiça, e, conversando com o primeiro-ministro britânico, Lord Russell, priorizou uma intervenção militar e fechamento dos portos do Rio de Janeiro. Com a situação piorando, Abrantes, em 3 de janeiro de 1863, aceitou os pedidos de indenização, aceitando uma arbitragem internacional. Christie, vendo o prazo expirar em 20 de dezembro do ano anterior, envia navios britânicos para bloquear a Baía da Guanabara por uma semana, o que irritou a população carioca e atrapalhou as exportações, com 5 navios de exportação brasileiros tendo sido interceptados. Enfim, aceitando a oferta de Abrantes, Christie aceitou o arbitramento do rei Leopoldo I da Bélgica na questão dos marinheiros, e deixou o Brasil pagar uma indenização humilhante de 3,200 milhões de libras. O embaixador brasileiro em Londres, Carvalho Moreira, em carta enviada a Russell, pediu um pedido cordial de desculpas ao Reino Unido, com o último, porém, mantendo seu silêncio e servindo para agravar a situação. O silêncio mantido era justificado pelas questões pendentes do tráfico de escravos e emancipação de cativos. Tendo o rei Leopoldo decidido em favor do Brasil, o Conde de Lavradio, precedendo negociações, enviou um memorando de Lord Russell lamentando as represálias. Um pedido de desculpas, sim, mas não feito por uma demonstração de força ou reação por parte do “Império”. Apesar disso, a posição pessoal de Russell acerca do Brasil continuou a mesma. Por fim, foi estabelecido um novo tratado de livre-comércio aos moldes de 1827 e o pagamento de uma indenização humilhante, o que atordoou as casas bancárias em 1864, inclusive contribuindo para a falência do Barão de Mauá.

E o índice de analfabetismo, era baixo?

Muitos monarquistas costumam supor que houve algum avanço educacional no Brasil durante o período imperial. Argumentam que o “índice de analfabetismo caiu de 90% para 56% no reinado de Dom Pedro II". Bem, não foi assim. O que havia, na verdade, era um índice altíssimo de analfabetismo, 82,3% em 1872, ano do primeiro recenseamento geral do Brasil, e 82,6% em 1890 (ou 85% em mesmo período, de acordo com outros estudos), segundo estudos de Alceu Ferraro. O analfabetismo só foi chegar a 56% no ano de 1940, conforme mostra o recenseamento geral desse ano. Mas o que explica esses índices tão baixos? Simples: uma educação extremamente elitista. Na formação da educação nacional, muita coisa havia para se fazer. A primeira, era a formação de um estado nacional. Produziram, então, um estado liberal-parlamentar, importando os modelos ingleses e franceses. A partir de então, a primeira tarefa foi então o ordenamento jurídico da educação no país. A premência da situação educacional influenciou as primeiras medidas tomadas em relação à educação.Ainda em 1º de Março de 1823, foi criada no Rio de Janeiro uma “escola de primeiras letras” baseada no método de ensino mútuo, o chamado método lancasteriano. No decreto elogiou-se o método “pela facilidade e precisão com que desenvolve o espírito, e o prepara para acquisição de nova e mais transcendentes idéias”. Criaram-se algumas faculdades de direito e medicina. No entanto, a regulamentação da lei só veio com a Lei de 15 de Outubro de 1827. Essa foi a primeira e única lei geral relativa ao ensino primário durante o Império. Em seu Art. 4º, a lei de 1827 determinava: “As escolas serão de ensino mútuo nas capitaes das províncias; e o serão também nas cidades, villas e logares populosos dellas, em que fôr possível estabelecerem-se”. Para completar, com o ato adicional de 1834, foram tomadas medidas que dificultaram ainda mais o desenvolvimento da “instrução pública”. Segundo Sérgio Buarque, esta determinação legal “consumou o desastre para nosso sistema educacional, atribuindo competência às assembléias provinciais para legislar sobre o ensino elementar e médio. Apenas o ensino superior em geral e o elementar e médio do Município Neutro permaneceram a cargo do governo central”. Isso significou uma descentralização precoce das políticas e do controle educacional, impedindo a unificação dos sistemas educacionais e criando uma dualidade de sistemas. Porém, apesar do desinteresse do governo

central para com a educação primária e secundária, em várias províncias do Império formaram-se redes de escolas públicas e privadas. Sem contar com a educação doméstica que continuou como desde o período colonial. Segundo Faria Filho, o número de escolas domésticas era elevado e “atendia a um número de pessoas bem superior ao da rede pública estatal”. Tudo isso resultou na formação de sistemas educacionais

provinciais com diferenças acentuadas entre si. Segundo José Ricardo Pires de Almeida, em 1832 havia, em todo o Império, 162 escolas para meninos e 18 escolas para meninas, distribuídas pelo Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí, Mato Grosso, Goiás e Rio Grande do Sul. Além do número mínimo de escolas para as meninas, o autor ressaltou a dificuldade de encontrar professoras capazes de lecionar porque “a instrução das mulheres era nula ou quase nula e, doutra feita, os hábitos e costumes quase não permitiam à mulher exercer uma função pública.” Segundo alguns levantamentos, em 1828, estudavam em Sergipe 1.386 alunos distribuídos entre 24 escolas públicas e 31 particulares. Outros estudos informa. que a Província de Sergipe, em 1838, em termos de escolas públicas, contava com seis cadeiras de Latim e trinta e seis escolas primárias. Não se podendo dizer que todas estavam em funcionamento devido à falta de professores. O encantamento das autoridades imperiais com o método Lancaster decorria da fama que o mesmo havia adquirido de ser um método capaz de atingir as massas com o ensino primário em pouco tempo. Porém, já no início da década de 1830, as autoridades do Império reconheciam o fracasso do método, devido à ausência de pessoal qualificado e de instalações adequadas. Quanto à educação secundária, o quadro parece ser mais dinâmico. De um modo geral, o ensino secundário durante o império estava predominantemente nas mãos de particulares. Porém, o governo central se esforçou para manter o padrão do ensino a partir da criação, em 1837, do Colégio Pedro II, modelo a ser seguido em todo o país. Quem concluía o curso no Colégio D. Pedro II recebia o título de “Bacharel em Letras” e era dispensado dos exames para o ingresso no ensino superior em qualquer Faculdade do Império. O Colégio Pedro II se caracterizou por adotar o modelo dos famosos

Liceus da França, seu currículo possuía uma forte ênfase humanista, introduziu o estudo de línguas modernas como o inglês e o francês, sendo o curso seriado com sete anos de duração. Nessa instituição, procurou-se implementar a modernidade educacional importando o modelo de funcionamento e plano de estudos da Europa e dos Estados Unidos. Em 1854, existiam dezesseis liceus nas Províncias e em 1872 esse número subiu para vinte. Todos esses se miravam no currículo e funcionamento do Colégio D. Pedro II. Os próprios livros didáticos adotados nos liceus provinciais tendiam a ser os mesmos utilizados no Pedro II, tendo em vista que os chamados “exames preparatórios”, que davam acesso ao ensino superior, eram realizados seguindo o programa e os livros didáticos do Colégio Pedro II. Na realidade, o ensino secundário durante o período imperial foi um privilégio da elite. Os liceus e ateneus provinciais atraíam a “nata” da sociedade de cada província. Assim, o ensino secundário oficial por meio de seus liceus, em número limitado e reunindo os melhores professores, gozava de prestígio. Por outro lado, essa demanda por formação secundária, por ser a preparação necessária para o acesso à educação superior, determinou a concentração das iniciativas educacionais privadas nesse nível educacional. Nesse período, escolas para o povo eram muito limitadas, e muitas eram feitas em iniciativas isoladas, devido ao “dualismo educacional" que a lei de 1834 criou. Além de serem praticamente inacessíveis, também eram extremamente escassas, com apenas 19 universidades/cursos de educação superior existentes no Brasil em 1889, com apenas 12 inauguradas no período imperial — as 7 restantes foram inauguradas no período de estada da Família Real Portuguesa no Brasil — a maioria privadas, de acordo com a Reforma Educacional Leôncio de Carvalho, de 1879, que desobrigava o estado a prover ensino, representando as poucas ou nulas iniciativas do governo Imperial no campo do ensino, em especial no ensino superior. Você pode imaginar as dificuldades e os preconceitos que sofriam os trabalhadores em uma sociedade fundamentada no trabalho escravo, em que as tarefas que requeriam esforço físico eram exercidas por escravos. Por outro lado, os mestres artesãos que se dedicavam a atividades como a de ferreiros, mecânicos, pedreiros, carpinteiros, marceneiros, alfaiates ou funileiros geralmente eram europeus. Os poucos alunos que frequentavam o ensino profissional eram oriundos das camadas pobres e na sua maioria eram mestiços. Por essa razão, o ensino profissional foi bastante marginalizado durante o século XIX no Brasil. Apenas algumas escolas possuíam materiais didáticos e objetos como mesas, bancos, modelo de cabeça, retratos, e et cetera. Um verdadeiro avanço na educação só viria a acontecer com Benjamin Constant na pasta da Instrução Pública da recém-criada República, com reformas que envolviam desde a profissionalização de docentes a aumento no número de escolas e disciplinas.

O Brasil, nessa época, era um país livre de corrupção?

Outra vez, não. É uma falácia supor que um país controlado por elites agrárias oportunistas era livre de corrupção. A corrupção nos tempos do “Império” era, geralmente, feita por meio de fraude eleitoral e ilegalidade nas obras públicas. A última estava ligada a contratos ilícitos junto ao governo na realização das obras públicas. Um exemplo disso aconteceu durante a construção de um cabo submarino pelo Barão de Mauá, o qual transferiu a licença de exploração para uma companhia inglesa da qual se tornou diretor. Uma prática semelhante foi efetuada por outro empresário brasileiro na concessão da iluminação a gás no Rio de Janeiro, a qual transferiu para uma empresa inglesa, em uma operação que lhe garantiu 120 mil libras. Outra prática de corrupção era a eleitoral, feita pelos grupos oligárquicos dominantes. Era comum supor que “a corrupção no parlamento refletia no sistema eleitoral”. Bem, é verdade, tendo em vista que estes grupos procuraram minar a participação popular aplicando exigências como renda mínima e alfabetização. Outro caso notório de corrupção foi o furto das jóias da coroa, na residência imperial do palácio São Cristóvão. As jóias eram consideradas bens públicos, e seu roubo fez declinar a imagem do imperador. Mas o mais importante neste exemplo não é o roubo em si, mas sim as revelações que trouxe: improbidade administrativa, favorecimentos, proteções políticas e subornos generalizados. Os dois policiais que recuperaram as jóias foram “agraciados" por Pedro II com uma recompensa, o que foi atribuído como um suborno para calar a boca dos agentes. A polícia, por si, respondia às acusações com argumentos pouco convincentes. “O Brasil é uma folia organizada!”, alardeava a Gazeta de Notícias.

Tínhamos uma boa infraestrutura?

Outra questão fácil de responder: não. A infraestrutura nos tempos da monarquia sempre foi precária e tinha poucos avanços. Para se ter uma idéia de sua precariedade: havia uma difícil comunicação entre os estados. As notícias chegavam com meses de atraso para outras regiões. Assim, acontecimentos importantes como a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República só chegaram a regiões isoladas meses depois, devido à escassez de telégrafos, que só viriam a ser implementados em 1892, já na república. Além disso, também havia forte precariedade nos meios de transporte. Uma viagem do Rio de Janeiro a Cuiabá, por exemplo, envolvia uma passagem por Uruguai, Argentina e Paraguai. Uma infraestrutura incipiente e cambaleante surgia pela iniciativa isolada do capital internacional, em especial o britânico, de levar meios de transporte e comunicação ao Mundo, como telégrafos, cabos submarinos, ferrovias, e serviços públicos, como energia elétrica, telefonia, gás e et cetera; outro colaborador foram os grandes capitalistas cafeicultores, cujo capital era invertido em algumas infraestruturas exportativas, como as ferrovias Sorocabana, Mogiana e Ituana. Também houve um modesto investimento do governo imperial, embora parco, de 9,7 milhões de Libras, na criação da Central do Brasil. Apesar das raras iniciativas dos governos imperiais, as obras eram medíocres. Muitas delas, em especial as efetuadas pelo capital estrangeiro, nunca chegaram a funcionar, além de serem deficitárias e retardatárias. Sem falar que essas mesmas iniciativas estimulavam a negociata das oligarquias regionais nas obras ferroviárias, com juros baixos e garantias, além de contribuírem para a má execução das construções e dos serviços. Só eram construídas ferrovias de acordo com os interesses do governo e, ao mesmo tempo, de acordo com a atratividade lucrativa do negócio. Quanto mais extensas fossem as obras, mais lucrativas. Em 1889, as ferrovias atingiram 9 mil quilômetros, no entanto, com apenas 1.000 km rodando efetivamente; mas este não foi o seu apogeu, estava longe de ser. Um massivo planejamento e investimento público em infraestrutura só ocorreria efetivamente na República, com a liberação de créditos no Encilhamento.

Conclusões:

Vimos aqui a excessiva exiguidade, o assustador atraso e a avassaladora estagnação que acompanharam os 67 anos de duração do “Império” do Brasil. Espero profundamente que este artigo tenha sido útil para desmentir as falácias monarquistas. E viva a República!

FONTES:

  1. Celso Furtado, 1959 — Formação Econômica do Brasil;
  2. John H. Coatsworth, 1978 — El impacto económico de los ferrocarriles en el porfiriato: crecimiento contra desarrollo;
  3. Angus Maddison, 2003 ‐ The World Economy: Historical Statistics;
  4. Goldsmith, 1986 — Brasil: Desenvolvimento econômico sob um século de inflação;
  5. Contador e Haddad, 1978 — Crescimento econômico e combate à inflação;
  6. Marcelo de Paiva Abreu, 2011 — Ordem do Progresso: Dois Séculos de Política Econômica no Brasil;
  7. Oliver Onody, 1958 ‐ A Inflação Brasileira, 1820-1958;
  8. Mircea Buescu ‐ A Inflação Brasileira de 1850 a 1870;
  9. ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL ‐ EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NO SETOR NAVAL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA A Marinha do brasil;
  10. João Pandiá Calógeras — Política exterior do Império;
  11. TÂNIA MARIA PECHIR — Opinião pública e política

    externa do Brasil do Império a

    João Goulart: um balanço

    historiográfico;
  12. Dissertação: As relações Brasil-Reino Unido (1861-1889);
  13. A CORRUPÇÃO POLÍTICA E O SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE POLÍTICA BRASILEIRA;
  14. Disputas Oligárquicas: as práticas políticas das elites mato-grossenses 1892-1906;

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