Michel Sampaio
6 min readMay 1, 2018

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Do impressionismo à Van Gogh, a loucura e a arte terapia.

Certa vez, ao observar o quadro “Impressão, sol nascente”, do artista francês Claude Monet, Louis Leroy, também pintor, comentou ironicamente: “Impressão, nascer do Sol — eu bem o sabia! Pensava eu, justamente, se estou impressionado é porque há lá uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha…”.

A partir desse momento, Monet se apropriou dessa crítica e a ressignificou, recriando o conceito de “impressionismo”.

Reflito sobre este conceito de impressão e me perco imaginando em como deve ter sido resistente se apropriar dessa nova ideia de uso das cores e pinceladas curtas ao ar livre em um tempo em que o realismo e academismo atuavam como a dita “arte verdadeira”.

O desejo de mudança e quebra de preconceitos alimentado por ideais de Baudelaire, influenciou grandes artistas tornando possível a experimentação de novas representações da pintura livre. A arte clássica e suas formas perfeitas baseadas na proporção áurea advinda da sequência matemática de Fibonacci (séc. XII), usada por muitos na arte (arquitetura, pintura, desenhos, ét cétera) renascentista e posteriormente, parecia estar sendo deixada para trás.

Monet, Renoir, Degas, Pisarro, Sisley, Morisot, Manet, entre outros artistas da Belle Époque se renderam a essas novas perspectivas na pintura rompendo o estilo regrado desse período.

Dentro desse contexto, com o passar dos anos, artistas principalmente franceses iniciaram um movimento inclinado não somente em reproduzir a impressão superficial de uma paisagem, mas expressar a subjetividade do sentimento humano nas obras, incluindo, principalmente, a pintura e a escultura. O movimento pós-impressionista começara sua empreitada seguindo até o começo do cubismo (1907).

Dentre grandes artistas, se destacou Vincent Willem Van Gogh, nascido na Holanda (1853), e destacando-se na pintura somente aos 27 anos (1880). Após uma tentativa frustrada de entrar para a Academia Real de Belas-Artes da Antuérpia na Bélgica, Van Gogh, filho de um grande pastor da Igreja Reformada Neerlandesa., começou a traçar sua vida artística autonomamente. Com uma vida emocionalmente e financeiramente tumultuada, Vincent recebia grande apoio de seu irmão Théo que investia parte de suas economias em materiais de pintura para o irmão.

Quero aqui adentrar no universo “Vangoguiano” e destacar alguns acontecimentos em sua trajetória como o fato de ter sido registrado com o mesmo nome de seu irmão nascido morto um ano antes de seu nascimento. Esse detalhe mexeu com Vincent durante seu crescimento, pois sua mãe Anna Cornellius ainda sofria a perda do irmão natimorto ainda grávida de Van Gogh. Quando pequeno todos os dias o pequeno Willem passava em frente ao túmulo de seu irmão para observar e isso provavelmente o influenciaria durante toda a vida.

Van Gogh foi uma criança calada, pensativa, e de personalidade forte causando vários conflitos à família, bem diferente dos seus irmãos Anna e Théo, com quem teve mais ligação.

Com sua dificuldade em socializar Van Gogh encontrava refúgio na natureza onde passava horas sozinho andando pelos campos próximos a sua casa explorando e conhecendo cada detalhe das folhas, plantas, e girassóis que posteriormente seriam retratados em seus futuros quadros.

Devido ao temperamento difícil, seu pai Theodorus Van Gogh, um ambicioso e rígido pastor, o colocou aos 11 anos em um internato onde permaneceu até seus 16 anos afastado completamente dos campos que tanto gostava.

Em 1869 foi trabalhar na galeria de artes de seu tio Cent na cidade de Haia onde teve maior contato com a artistas da moda e com arte acadêmica.

Nessa época Van Gogh manteve correspondências com seu irmão Théo detalhando seu cotidiano e seu desenvolvimento em seus quadros. Foram mais de 800 cartas trocadas, e parte delas foram publicadas em livro pela importância dos detalhes artísticos descritos pelo autor.

Em 1873, Vincent se apaixonara-se por uma moça por quem se declarou apenas no ano seguinte, mas rejeitado se fechou na religião acreditando que sua única saída seria tornar-se missionário. Se dedicou a igreja na Bélgica por um tempo até começar a adquirir comportamentos difíceis de lidar.

Com certa resistência, decidiu matricular-se na Escola de Belas Artes belga, porém com a descrença dos professores em seu crescimento tardio e divergências com o diretor por causa de seu estilo de pintura fora dos padrões da escola, acabou desistindo da Academia para estudar a pintura sozinho.

Em 1881, após vários episódios depressivos voltou para a casa de seus pais e em 1886, mudou-se para Paris onde veio a conhecer alguns dos principais artistas impressionistas, como Gaguin que se mostrou contra a sensibilidade impressionista de Van Gogh acabando sua amizade com o mesmo após uma briga em que Vincent teria cortado com uma lâmina a própria orelha. Durante esse período internou-se por conta própria em hospitais psiquiátricos, onde o principal foi Saint-Remy-provence, na França.

Em Saint-Remy pintou mais da metade dos seus quadros. Ao todo foram cerca de 800 obras em dez anos de atuação, mas sua depressão devida as perturbações o levaram a atirar contra o próprio peito em julho de 1890 quando veio a falecer 2 dias depois.

Durante sua vida foi conhecido como o louco, sujo e mau educado, mas suas pinceladas se tornaram únicas e inimitáveis sendo reconhecido e tendo sucesso décadas depois de sua morte, foi considerado um dos maiores pintores pós-impressionistas que já existiu.

Atualmente Vincent Van Gogh é eternizado como um dos maiores influenciadores artísticos da arte moderna e suas obras, principalmente “Noite estrelada” foi reproduzida por milhares de artistas no mundo.

Toda a história de Van Gogh e sua depressão nos remonta a reflexão de como a arte pode ter prolongado sua vida e que provavelmente suas perturbações mentais (possivelmente esquizofrenia) junto ao não reconhecimento de sua obra artística o levou ao suicídio aos 37 anos de idade.

Levando em conta essa perspectiva, com um olhar sensível é possível questionar-se através da possibilidade de Van Gogh ter vivido mais anos caso tivesse recebido um tratamento psiquiátrico adequado em sua época.

Essa problemática no tratamento psiquiátrico foi abordada grandemente durante o início do século XIX pelo médico alemão Johann Christian Rei que aplicava a chamada arte terapia em seus pacientes trabalhando o tratamento por meio de pinturas, desenhos e formas.

No Brasil o tratamento através da arte terapia de Jung foi desenvolvido pela psiquiatra Nise da Silveira que aplicou seu trabalho no Hospital Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Implantando ações de terapia ocupacional com ateliês de pintura e modelagem, cujo seto de arquivo foi posteriormente redimensionado como Museu de Imagens do Inconsciente que tem como objetivo a preservação dos trabalhos produzidos em ateliês para exposição permanente e um núcleo de pesquisa da esquizofrenia.

Osório César, também psiquiatra brasileiro, desenvolveu pesquisas e práticas no Hospital do Juquery, em São Paulo e em 1929 publicou o livro “A expressão artística nos alienados”, propondo uma forma de compreender as produções artísticas destas pessoas.

A Arteterapia afirma que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Através da criação da arte sua reflexão sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, as pessoas podem desenvolver seu autoconhecimento e conhecimento do outro, estimular sua auto-estima, e lidar melhor com sintomas de experiências traumáticas revitalizando o bem-estar emocional através do fazer artístico.

Atualmente são desenvolvidos os estudos da Arte terapia bem como musicoterapia em pessoas com ou sem patologias psiquiátricas. Com o desenvolvimento da ciência, o método terapêutico para pessoas com problemas mentais foi modificando-se e tornando o tratamento mais fácil e humanizado.

Van Gogh talvez estivesse vivido bem mais caso houvesse passado por um processo de terapia através da arte. Todavia a trajetória na pintura pode ter sido significativa para que tenha vivido por mais tempo. Sua resistência e crença nessa técnica particular e diferenciada no uso das cores, o fizeram lutar por sua vida durante longos anos. Talvez Vincent não tenha sido louco, apenas pouco compreendido em seu tempo, pois pensou e expressou pensamentos e sentimentos à frente dele.

  • Dicas de filmes sobre Van Gogh e arte terapia:

“Com Amor, Van Gogh”, 2017.

“Nise, O Coração da Loucura”, 2015.

Imagem do filme: “Com amor, Van Gogh” (2017).

Fontes:

www.wikipédia.com;

Livro: Van Gogh: A vida (Steven Naifeh, Gregory White Smith)

http://noticias.universia.com.br/tempo-livre/noticia/2012/08/10/957894/conheca-impresso-sol-nascente-claude-monet.html;

BUENO, Tiago Celestino; ARANA, Alba Regina Azevedo. As formas de Loucura na Arte: Um estudo sobre Vincent Van Gogh. Encontro Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 19 a 22 de outubro, 2015. Universidade do Oeste Paulista — UNOESTE, FACLEPP. Presidente Prudente, SP. E-mail: thyagobueno@live.com.

http://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-19/impressionismo/

https://www.todamateria.com.br/pos-impressionismo/

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Michel Sampaio

cearense, transmasculino, mestrando em sociologia (ufc)