Organizações como fractais

O que podemos aprender com a natureza para extrair simplicidade de uma realidade complexa.

Pedro Nascimento

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Desde o primeiro post que escrevi no Medium, uma pergunta fundamenta minhas reflexões sobre gestão organizacional: como alcançar uma alta performance somada à felicidade dos indivíduos?

As organizações que buscam alto desempenho tem, em sua maioria, um desejo enorme de causar impacto positivo. Porém, para que esse impacto cresça, a organização também precisa crescer. A questão é: do crescimento aparece a complexidade, com novas funções, novas responsabilidades, novos produtos, etc.

A relação Crescimento X Complexidade

Com a complexidade, aumentamos o número de funcionários e torna-se cada vez mais difícil garantir pessoas aptas para assumirem todas as novas responsabilidades na organização. A densidade de bons profissionais diminui e, como resposta natural aos erros causados pela informalidade, criam-se procedimentos, processos e mecanismos de controle em geral. Da complexidade nasce a burocracia.

A relação Complexidade x Burocracia

O problema é: bons profissionais não gostam de ambientes burocráticos. Segundo Dan Pink, no livro Motivação 3.0, três fatores principais influenciam na motivação das pessoas, propósito, maestria e autonomia. Com o aumento da burocracia, diminuem as oportunidades para as pessoas tomarem suas próprias decisões (ou seja, de terem autonomia), de desenvolverem novas formas de alcançarem seus objetivos e, consequentemente, desenvolverem competências (ou seja, tendo menos maestria) e a clareza em relação ao porquê de estarem fazendo o que estão fazendo (ou seja, de terem senso de propósito).

Ou seja, a burocracia também tem uma relação causal com a motivação:

A relação Burocracia x Motivação

Dessa forma, nesse post buscarei abordar como desenvolver uma relação saudável entre o crescimento e a complexidade de uma organização. O mesmo é praticamente uma continuação do post anterior, desta vez, focado em coerência estrutural.

Vivemos em um mundo de sistemas aninhados. Como não temos a capacidade de processar a totalidade da informação disponível em relação aos sistemas à nossa volta, os dividimos em partes, cada vez mais desagregando informações em relação ao nível superior, para que se tornem mais palatáveis. Como seria impossível ver o mundo como um todo e interpretá-lo, o dividimos em países, e em estados, em cidades e assim sucessivamente, como no modelo abaixo:

O mundo como sistema aninhado

Em uma organização não é diferente. De forma a conceber com mais clareza a maneira como uma organização funciona, tendemos a dividi-la em partes menores para, dessa forma, entendê-la e organizá-la. Pensando num modelo genérico de organograma, a lógica seria como a seguinte:

Uma organização como sistema aninhado

Como lidar com a complexidade emergente?

Para responder a essa pergunta, basta olhar para a maior designer de todos os tempos, a mãe natureza.

Fractais na natureza

Entre os anos de 1950 e 1970 o matemático francês Benoît Mandelbrot estudou a geometria por trás da formas da natureza que, até então, dificilmente podiam ser descritas matematicamente de maneira formal. Claro, existem formas que podem ser descritas como cilindros, elipses e discos, mas essas são excessões na natureza, Mandelbrot destaca:

A maior parte da natureza é bem, bem complicada. Como alguém poderia descrever uma nuvem? Uma nuvem não é uma esfera (…) Ela é como uma bola mas bem irregular. Uma montanha? Uma montanha não é um cone (…) Se você quer falar de nuvens, montanhas, rios e relâmpagos, a linguagem geométrica é inadequada.

Mandelbrot criou então a geometria fractal, que tinha como objetivo descrever e analisar as formas irregulares da natureza. E o mais fascinante das formas fractais é que seus padrões característicos são encontrados em escalas cada vez menores, de forma que suas partes, em qualquer escala, são similares em forma ao todo.

Esse conceito de autossimilaridade é encontrado em diversos exemplares na natureza, como pedras em montanhas, bordas de nuvens, ramificações de relâmpagos, galhos de uma árvore e vasos sanguíneos. Mesmo em escalas cada vez menores, os mesmos padrões se repetem.

Para modelar os fractais na natureza, figuras geométricas podem ser construídas para exibirem precisa autossimilaridade. E a principal técnica para construir esses modelos é a iteração, ou seja, a repeitção de uma mesma operação diversas vezes. Um bom exemplo é a curva Koch, que consiste em dividir uma linha em três partes iguais e substituir o centro por um triângulo equilátero. Repetindo essa operação, cria-se uma imagem de um floco de neve, como pode-se ver abaixo:

O floco de neve Koch

Ou seja, regras simples, repetidas diversas vezes, podem criar estruturas de beleza e complexidade incríveis, que possuem, em suas partes, as características do todo.

E o que isso tem a ver com organizações?

Para adotar uma estrutura fractal, uma organização precisaria de uma “regra simples” que seria iterada diversas vezes, ou seja, replicada em cada parte da organização, e em cada parte da parte, e assim sucessivamente, de forma a criar padrões complexos baseados na simplicidade. Ou seja, uma regra que está no todo mas, ao mesmo tempo, está em cada uma de suas partes.

Mas temos um problema: uma organização é feita de áreas diversas, com processos, pessoas e produtos diferentes. Mas existem (ou deveriam existir) dois pontos de convergência em toda essa diversidade inerente a cada um dos níveis do sistema: o propósito, que representa os fins da organização, e os valores, que representam seus meios. Assim como a organização inteira, cada divisão, departamento, time ou indivíduo está imerso nesses dois fatores, caso existam.

Propósito como direção e valores como caminho

Como promover esse alinhamento na prática?

Quanto mais uma organização está alinhada a esse modelo primordial, ou seja, quanto mais cada parte é um reflexo do todo, mais cada uma das partes pode contribuir com o todo de forma efetiva:

As partes contribuem para o todo e o todo está desdobrado nas partes

A contribuição esperada de cada nível do sistema é autoevidente, e é a própria razão de existir do departamento, divisão ou o que quer que seja. O objetivo de um gestor é, em essência, maximizar a contribuição da parte em relação ao todo, promovendo ganho mútuo. Porém, a alavanca para isso está em aumentar o alinhamento, que é um processo mais delicado e bem menos autoevidente.

Diferentemente de máquinas, onde o alinhamento das partes em um todo coerente acontece em um momento único, em um sistema humano o alinhamento é um processo constante e contínuo. Somos seres sociais com fortes tendências à coletividade e desejo de sermos aceitos. De acordo com Gharajedaghi, no livro Systems Thinking, o pertencimento em um coletivo depende de três variáveis fundamentais que, no contexto organizacional, posso considerar como a base para o alinhamento:

Pertencimento em um sistema

As implicações desse modelo para a coerência estrutural me parecem interessantes:

Papel

O papel ocupado por um membro de um sistema está no cerne de seu pertencimento. Em diferentes circunstâncias e situações sociais ocupamos papéis diferentes e temos comportamentos diferentes. Um bom amigo não necessariamente é um bom empregado. Um bom vice-presidente não necessariamente é um bom presidente.

Para ser parte de um grupo, cada membro precisa de um papel claro, uma sensação de fazer parte e um compromisso em participar do futuro do grupo. Quando um indivíduo sente que sua contribuição para o grupo é insignificante ou se sente impotente para ser efetivamente parte do desempenho do sistema, cria-se um sentimento de indiferença.

Portanto, para a efetiva contribuição de cada parte do sistema, o futuro deve ser compartilhado por todos, tendo cada um sua porção de responsabilidade, ou seja, deve ter metas ou objetivos desdobrados do propósito e da visão da organização. Além disso, devem-se criar condições para que os membros daqueles sistemas estejam aptos a cumprir sua responsabilidades, seja por meio de conhecimentos, recursos ou habilidades. A inabilidade em responder pelo papel ocupado (incompetência) resulta em ansiedade e frustração.

Troca

Uma organização é uma associação voluntária de pessoas com seus próprios objetivos e anseios. Ela deve, além de prosperar, servir aos propósitos de seus membros à medida que serve a seu próprio propósito.

Para tanto, é fundamental alinhar as necessidades básicas e de crescimento (mais sobre isso nesse post) das pessoas aos incentivos promovidos pelo sistema em que ela está, como avaliações, oportunidades e promoções. Um sistema de troca deve existir para que o esforço pessoal de cada membro para seu próprio ganho seja alavancado pelo grau de contribuição que ele ou ela tem com a satisfação das necessidades do todo e de outros membros. Ou seja, cada parte cresce com o todo e vice-versa. Precisa fazer sentido para ele participar daquele time, ou daquele comitê, ou daquele departamento, caso contrário, é apenas burocracia.

Ameaça

Por último, para que um sistema humano funcione deve existir também um sistema implícito de ameaça. Ou seja, para alguém pertencer ao grupo deve haver clareza dos comportamentos que sustentam a organização, ou seja, seus valores, e de que comportamentos não devem ser tolerados.

O sistema ideal é implícito pois, ao invés de criar um clima de medo e punições, faz mais sentido gerar entendimento compartilhado sobre o que será incentivado. Esses incentivos, já citados no item anterior, devem ter como condicionante a adesão aos valores promovidos pela organização de forma que, ao invés de punir comportamentos desalinhados (exceto em casos como ações antiéticas), incentiva-se a mudança de comportamento ou a própria mudança para outra organização.

Baseado nisso, pode-se desdobrar os valores de formas qualitativas em processos da organização. Por exemplo, um valor de respeito ao indivíduo pode ser traduzido em uma política de atendimento do setor de marketing que preza pela cordialidade e tem indicadores que mensurem isso, ou um valor como honestidade pode ser traduzido em práticas de reunião com momentos específicos para o feedback 360º, entre outras. Aqui a criatividade no design organizacional é capaz de tornar os valores cada vez mais arraigados nos membros do sistema.

Conclusão

Para que uma organização tenha autossimilaridade, pode criar regras simples de design organizacional para extrair simplicidade da complexidade. Ao desdobrar uma organização em seus departamentos, divisões e etc., vejo os seguintes pontos a serem considerados:

Papel: Determinar com clareza qual a responsabilidade daquela parte em relação ao todo em que está inserida. Como aquele departamento, equipe ou divisão contribui para o todo? O que ele faz que nenhum outro é capaz de fazer? Assim, pode-se criar certa autossimilaridade de fins.

Troca: Determinar como o desenvolvimento da área contribui com o sistema em que está inserida e vice-versa. O que aquele setor ganha com o crescimento da área onde está inserida? O que aquela área ganha com o crescimento do seu setor? Como um pode satisfazer as necessidades do outro? Assim, pode-se criar certo rigor no processo iterativo.

Ameaça: Determinar como os valores da organização são transformados em incentivos no dia a dia daquela parte da organização. Como as políticas, estruturas, procedimentos e incentivos daquela parte do sistema está relacionada com os valores da organização? Assim, pode-se criar certa autossimilaridade de meios.

Se é cada vez mais difícil entender a complexidade do mundo ao nosso redor, talvez a simplicidade seja o caminho mais prudente a seguir e, como na natureza, o mais elegante.

Até a próxima!

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Pedro Nascimento

Cofounder and Chairman @GrupoAnga, COO @Humanizadas. Exploring the frontiers of the future of management.