Holanda x Brasil -Copa do Mundo 2010

Matheus Medeiros
O Futebol
Published in
7 min readApr 5, 2017

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02 de Julho de 2010, quartas de final da Copa do Mundo da África do Sul.

Contrariando a opinião da maioria dos torcedores brasileiros que já conversei, ainda confirmo que eu colocava muita fé naquela seleção de 2010, pra mim era não só um dos dois melhores times da Copa, garanto que era melhor até que a seleção de estrelas de 2006, quando tínhamos no ataque um quadrado de craques que juntos não tinham nada de mágico… e deixando o saudosismo de lado, vamos parar para refletir: sempre tivemos grandes problemas defensivos na história da amarelinha.

Em grande parte das nossas eliminações tivemos falhas de zagueiros e “carrascos”. Nunca vi um time para ter mais “carrascos” que esse nosso Brasil. E a grande coisa não é perceber que esses atacantes estrangeiros existiram na nossa frente, é perceber o tanto que nossas defesas se abriram pra eles de forma que nem conseguiam prever seus movimentos, e isso já desconfigura a postura de “time de gênios” que os mais velhos ainda tentam empurrar na nossa garganta.

Encerrando esta rápida reflexão, já concluo que a minha intenção aqui não é defender os mais novos e condenar os mais velhos (vejo acontecer o contrário constantemente em transmissões esportivas), pois faço essa introdução apenas para falarmos de uma partida inesquecível, um jogo que por consequência de toda essa minha confiança acabou sendo trágico. E não acho aquele time nada genial, sem dúvidas era mais fraco que todas as seleções vencedoras que tivemos, mas naquela Copa do Mundo tinha chances claras, com um futebol mais verdadeiro do que aquele estilo de jogo chato apresentado pela Espanha, que foi à final e sagrou-se campeã pela primeira vez.

A seleção brasileira entrou no campo do estádio Nelson Mandela Bay demonstrando muita confiança, mantinham a recente tradição do uniforme azul em quartas de finais, e neste dia tinha uma novidade: o retorno do atual Pit Bull, Felipe Melo, que não jogou nas oitavas contra o Chile por conta de uma contusão ocasionada na primeira fase. Muitos torcedores devem lembrar dele como o protagonista dessa partida.

O Brasil começou muito bem, dominando todos os lados do campo não dava um espaço para os holandeses, e naquele primeiro tempo o time brasileiro demonstrou ser forte e consistente, tinha clara noção do que acontecia em todos os setores. Não demorou muito para uma bela troca de passes ser arquitetada resultando em um gol de Robinho, que por toda aquela engenharia futebolística aparecia em boas condições na grande área… mas levantaram a bandeira, o gol estava impedido, de qualquer forma, o ofensivo Brasil mostrava sua cara.

Aos 10 minutos de jogo Felipe Melo demonstrou uma bela visão de jogo, digna de receber elogios de qualquer um dos melhores volantes da história. O camisa 5 articula uma enfiada do meio campo para a grande área, colocando Robinho na cara do gol… o camisa 11 pegou de primeira e marcou. Brasil 1 a 0.

O Brasil continuou firme dentro de campo, a marcação holandesa era constante, mas os brasileiros estavam leves, oferecendo perigo a todo momento, resumindo: o zagueiro Juan recebeu um cruzando do lateral Daniel Alves na entrada da pequena área e jogou por cima do gol; Kaká, por duas vezes chutou colocado de fora da área, na primeira uma ótima defesa do goleiro holandês, na segunda (no segundo tempo), pra fora. Narrando esta história, neste momento eu lembro o quão trágico foi para o jovem torcedor aqui.

Não posso deixar de falar de uma jogada. Quando uma troca de passes articulada na lateral esquerda ofensiva resultou em um passe limpo para Daniel Alves no meio do campo, próximo da grande área, de frente para o gol; ele simplesmente girou o quadril e deu um passe rasteiro para a ponta direita, onde surgiria Maicon, pronto para bater forte para o gol. Visualizando o lance é impossível não lembrar do passe de Pelé para Carlos Alberto na Copa de 70, o antigo lateral direito apareceu no canto da tela chutando um foguete para dentro do gol; mas Maicon não teve a mesma habilidade, ou sorte… o chute foi para fora. Os planetas não se alinharam novamente para que aquela genialidade voltasse a acontecer, Daniel Alves foi derrubado antes mesmo de Maicon deformar a bola com sua pancada de direita, e isso pode ter desconfigurado a sequência planejada pelo universo.

A primeira etapa foi encerrada, tecnicamente parecia que a seleção brasileira passaria de fase sem grandes problemas, era só acertar alguns detalhes e voltar do vestiário pronto para decretar a vitória, mas parece que a conversa no vestiário laranja foi mais eficiente. Júlio César disse após o jogo que existiu a básica conversa sobre “conter os 15 primeiros minutos”, mas a Holanda empatou aos 8, Sneijder cruzou e Felipe Melo novamente apareceu em um lance crucial. Júlio César saiu para socar a bola e acabou trombando no camisa 5, uma jogada que até hoje gera discussões a respeito de “quem falhou” no primeiro gol da Holanda, agora 1 a 1.

O segundo gol holandês sairia aos 23 minutos, em uma cobrança de escanteio que nem mesmo escanteio deveria ter sido, pois foi originado de um lance que poderia tranquilamente ser colocado para a lateral, estabelecendo uma grande falha coletiva. Na cobrança do escanteio Luís Fabiano não acompanhou Kuyt, que teve tranquilidade e desviou a bola no primeiro pau, a partir daí ninguém mais acompanhou a marcação e novamente Sneijder, mal marcado por Felipe Melo, cabeceou no canto esquerdo.

Neste lance ninguém se moveu, era óbvio que a seleção brasileira tinha se abalado após o primeiro gol, e os jogadores absorviam cada vez mais o aspecto de “torcedores”, estavam sentindo a dor da derrota, da eliminação. E o mesmo sobrava para o técnico Dunga, que dava orientações muito básicas, aparentemente tomado pelo desespero de um torcedor, muito ao contrário da postura de um time pronto para situações adversas, com tranquilidade para contornar as dificuldades (talvez um requisito básico para uma Copa do Mundo).

Me lembro muito bem das expressões de ansiedade misturada com aquele desespero silencioso nos rostos dos jogadores, Júlio César fechava os olhos e respirava profundamente tentando controlar seus próprios batimentos cardíacos, sabendo que muita coisa estava fora do lugar. Mas o tempo passou muito rápido, nos poucos minutos que restavam o velho problema do “banco de Dunga” falou alto como nunca, pois não tínhamos opções que mudariam a história do jogo, e o treinador não tinha repertório suficiente para orientar os jogadores para além do incentivo moral.

A partir daí a seleção brasileira não criou praticamente nada, em meio a todas as dificuldades o jogo era constantemente interrompido porque juiz não tirava o apito da boca, para o desespero da torcida e de Felipe Melo, que pisou em Robben e foi expulso aos 27. Pareciam todos paralisados, e a mudança de postura da arbitragem (apitando todo e qualquer contato, o árbitro construiu um segundo tempo picado) prejudicava qualquer tentativa de redenção brasileira, que até ofereceu perigo em algumas jogadas, mas faltava a consistência do primeiro tempo.

Me lembro bem da raça ser o único impulso nos minutos finais, havia brio e Robinho direcionava todos os palavrões que aprendeu em sua vida ao jogador holandês que se sentava no campo tentando enrolar a partida. Uma sequência de escanteios dava esperanças ao Brasil, no último Maicon olhou para a grande área e cerrou os punhos, sacudiu os braços enviando forças para os companheiros que iriam cabecear aquela bola, tomou muito cuidado e cruzou bem, mas a finalização terminou nas mãos do goleiro adversário. Mais uma vez estávamos eliminados nas quartas, Holanda 2 a 1. Talvez eu tenha este episódio na memória como um fator trágico por ver os jogadores sentindo o mesmo que os torcedores mais apaixonados sentiam, e apesar de parecer bonito, sabemos que no futebol não deve ser assim.

Aqueles dias em que torcemos para lembrarmos para sempre de cada detalhe, não apenas do jogo, mas de todas as especificidades que levaram nossas vidas àquele momento.

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Autor: Matheus Medeiros, um roteirista e diretor de cinema que demorou 24 anos para perceber que seu amor pelo futebol não era comum, mas um fascínio não compartilhado por grande maioria dos torcedores ao seu redor. Escreve nesta coluna nas quartas-feiras.

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