Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

O traço de Chico Caruso na capa do jornal O Globo é inconfundível. Talento, aliás, parece correr no sangue da família: seu irmão gêmeo, Paulo Caruso, é também um cartunista conhecido. Iniciou sua carreira, antes mesmo de prestar o vestibular para Arquitetura – profissão que nunca exerceu –, no jornal Folha da Tarde, em São Paulo, em 1968. A censura dos anos de ditadura até tentou sufocar sua criatividade, mas não conseguiu. Passou a colaborar com o combativo jornal Opinião, em 1972, onde deu azo às críticas políticas carregadas de humor que o tornariam conhecido nos anos seguintes. Passou pela Isto É e pelo JB antes de entrar em O Globo, em 1984. Foi ele mesmo quem propôs aos dirigentes do jornal a publicação de charges na primeira página. Desde então, o espaço traz as cores de seus desenhos como arma para fustigar o poder, sempre de forma bem-humorada.

O humor tem uma função humana de superar os problemas. Quando ri de algo, você mais ou menos superou aquele negócio e não está levando aquilo tão a sério. Se o humor político tem uma função social, talvez seja esta: a de superar os atrasos”.
— Chico Caruso

Chico Caruso em depoimento ao Memória Globo, 2013 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

O chargista Francisco Paulo Hespanha Caruso, conhecido do público como Chico Caruso, nasceu no dia 6 de dezembro de 1949, em São Paulo. Filho do comerciante Paulo Caruso e da funcionária pública Mariana Hespanha, descendentes de espanhóis e italianos, ele foi influenciado profissionalmente não pelos pais, mas sim pelo avô materno, o desenhista e caricaturista Francisco Hespanha. Seu estímulo foi determinante tanto para Chico como para seu irmão gêmeo, o também cartunista Paulo Caruso. “Meu avô era uma pessoa sensacional, muito inteligente. Tocava violão e piano de ouvido, e fazia pinturas a óleo. Quando a gente tinha seis anos, já começou a botar telas e tintas na nossa mão – e assim pintamos os primeiros quadrinhos, tanto eu quanto meu irmão”, conta.

Início da carreira

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Chico Caruso nunca atuou como arquiteto. Começou a trabalhar como cartunista, ainda estudante, em 1968, no jornal Folha da Tarde. O início de sua trajetória foi profundamente marcado pelo arbítrio dos tempos. Com a promulgação do AI-5, teve de se limitar a ilustrar crônicas: “Eu ia uma vez por semana no jornal, pegava as crônicas todas, rasgava o papel na medida, pegava um pincel grosso e uma pena, lia os títulos das matérias e jogava a tinta. Ilustrava 15 crônicas em meia hora. Uma vez eu li o título ‘O papa sabiá’ e fiz um cara comendo um sabiá. Depois vi publicado, e era ‘O papa sabia’. Saiu assim mesmo”. Diverte-se: “comecei a prestar mais atenção ao texto”.

Chico Caruso no jornal O Globo, 2006 — Foto: Fernando Quevedo/Agência O Globo

Passou a colaborar com o jornal Opinião, a partir de 1972. Como a combativa publicação era carioca, Chico Caruso vinha para o Rio de Janeiro durante a semana e tinha que voltar depois para São Paulo, onde ainda cursava Arquitetura. Acompanhou o grupo dissidente da publicação na criação do jornal Movimento, em 1975. Passou ainda pela Gazeta Mercantil e pela IstoÉ. Nesta revista, publicou uma charge sobre o general Figueiredo que chamou a atenção do cartunista Lan e lhe rendeu um convite para trabalhar no Jornal do Brasil. Assim, em 1978, Chico Caruso começava no JB e se mudava em definitivo para o Rio. Nesse período, para driblar a censura, ele e seus colegas de profissão precisaram criar diferentes soluções para retratar um mesmo assunto. Era comum que fizessem desenhos altamente críticos apenas para que fossem cortados e, assim, oferecer, como alternativa, aqueles que queriam mesmo ver publicados.

O GLOBO

Chico Caruso ficou mais de cinco anos no JB, ao lado de profissionais que admirava, como o próprio Lan e Ziraldo, até que, em 1984, iniciou sua trajetória em O Globo, jornal que o vinha sondando havia um tempo. “O Globo tinha, nas segundas-feiras, uma página com cor onde eles publicavam geralmente uma foto de futebol, e eu sempre fiquei pensando naquele troço. Fazer uma charge colorida na primeira página seria um negócio interessante”, conta ele, que foi ao jornal fazer a proposta. Já haviam passado por O Globo grandes desenhistas, como Loredano, Raul Pederneiras e Nássara, e a ideia foi recebida pelo jornalista Roberto Marinho como forma de resgate da tradição. No começo, Chico Caruso fazia uma charge colorida na primeira página, às segundas-feiras, e no restante da semana desenhava em preto e branco nas páginas internas. Depois, passou a publicar suas charges diariamente na capa.

Para produzir um desenho representativo do tema mais importante do dia, ele buscava se alimentar de informações, lendo os principais jornais brasileiros logo de manhã cedo. “Não adianta pensar numa coisa genial se você não consegue traduzir aquilo numa imagem forte. Aí você fica rabiscando, até que vai chegando a hora do fechamento e você vê, naqueles rabiscos todos que fez, o que é mais pertinente”, explica.

Sua primeira charge de grande repercussão retratou de forma lírica a agonia do país com a doença de Tancredo Neves. Em 1985, uma semana antes da morte do político eleito presidente do país pelo Colégio Eleitoral, Chico Caruso fez o desenho de um balão escapando da mão de um garotinho, vestido de verde e amarelo. No balão, estava o rosto de Tancredo. Anos depois, outra charge de impacto mostrou a ex-primeira dama Rosane Collor vestida de presidiária. Neste último caso, uma característica marcante do trabalho do chargista chamava atenção: o humor. “O humor tem uma função humana de superar os problemas. Quando ri de algo, você mais ou menos superou aquele negócio e não está levando aquilo tão a sério. Se o humor político tem uma função social, talvez seja esta: a de superar os atrasos”, avalia.

Desde a redemocratização, todos os presidentes se tornaram personagens constantes de Chico Caruso em O Globo. Eles tiveram que lidar com críticas duras recebidas por meio dos desenhos e viram suas características físicas destacadas em caricaturas. José Sarney, por exemplo, aparecia com seu bigode e sua jaqueta de imortal da ABL, enquanto Itamar Franco e Dilma Rousseff tiveram o topete ressaltado. Fernando Henrique Cardoso e Lula, porque ficaram oito anos no poder, foram aqueles que o chargista mais retratou. Os amigos também apareciam em seus trabalhos, mas de forma carinhosa, com homenagens. Em uma dessas charges, Chico Caruso desenhou Millôr Fernandes e Chico Anysio, que já haviam morrido, em um avião, dizendo que o mundo lá embaixo tinha ficado mais sem graça.

TELEVISÃO

Antes mesmo do início em O Globo, o chargista já atuava no Grupo. De 1983 até 1988, ilustrou momentos da política nacional no Jornal da Globo. Depois de uma pausa de uma década, voltaria a produzir charges animadas para a TV, em 1998. Esse trabalho permitiu a incorporação de movimento e som ao processo de criação, o que ampliou as possibilidades de apresentação das ideias ao público. Conforme as tecnologias de arte digital avançavam, a equipe do Jornal da Globo passou a utilizar os desenhos feitos para o jornal impresso para montar a arte na TV, enquanto a Chico Caruso cabia a tarefa de escrever os textos e gravar a voz da animação.

Justiça é tema da charge de Chico Caruso

Justiça é tema da charge de Chico Caruso

MÚSICA

Em paralelo a essas atividades, o chargista desenvolvia outro talento artístico. Com o irmão, Paulo Caruso, e colegas como Luis Fernando Verissimo e Aroeira, entre outros, formou a banda Muda Brasil Tancredo Jazz Band. As composições do grupo faziam uma caricatura de fatos da política brasileira, e a banda chegou a tocar em Portugal, nos anos 1990. O trabalho com música seguiu depois com outras formações e espetáculos diferentes. A esposa de Chico Caruso, Eliana, chegou a participar de um musical no Cabaré Caruso, em 2009, interpretando Michelle Obama e dividindo o palco com quatro “Obamas”. “O humor musical tem essa vantagem de lidar com mais emoções, a música vibra mais cordas. Quando termino um show musical, é uma festa, mas o humor gráfico paga muito melhor”, brinca.

LIVROS

Ao longo de sua trajetória, Chico Caruso lançou alguns livros, como Natureza Morta e Outros Desenhos do Jornal do Brasil (1980); Pablo, Mon Amour (1986); Fora Collor, o Fenômeno em Decomposição (1992); e FH & Lula, a Caricatura da Esquerda no Poder (2010). Teve também seu trabalho destacado por colegas, em homenagens como a recebida no 15º Salão Carioca de Humor, de 2004, e fez exposições em diferentes estados, entre as quais Onde as Paralelas se Encontram, realizada durante o Salão de Humor de Piracicaba (SP), em 1997; e Paulo e Chico Caruso & Aroeira – Quadro a Quadro, de 2019, no Rio de Janeiro.

FONTES

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Chico Caruso em 28/06/2000 e 21/05/2013; CHICO Caruso. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9197/chico-caruso . Acesso em: 08 de Fev. 2021. Verbete da Enciclopédia; “No jornal desde 1984, Chico Caruso homenageia os 95 anos de O GLOBO com charge especial” in: O Globo, 29/07/2020.
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