‘Eu vou insistir’, afirma último oleiro tradicional da Ponta de Baixo, em São José

A indústria ceramista de São José viveu muitos anos de apogeu. Os historiadores contam que houve época em que a cidade tinha 29 olarias em funcionamento

Os açorianos que se dirigiram para São José da Terra Firme se estabeleceram na enseada da baía de São José, e nos anos seguintes ergueram uma igreja, os prédios públicos, estabelecendo a sede da Freguesia. A indústria da cerâmica de barro passou a ser a principal base econômica do lugar, ao mesmo tempo em que se tornava um entreposto importante e um lugar de passagem obrigatório para quem se dirigia à Capital ou de lá se encaminhava para o interior da província.

A indústria ceramista de São José viveu muitos anos de apogeu. Os historiadores contam que houve época em que a cidade tinha 29 olarias em funcionamento, cuja produção era vendida em Florianópolis, nos municípios serranos e até mesmo levada para outros países. A popularização do uso do alumínio para a fabricação de vasilhas de utilidade doméstica, assim com o aparecimento e as inúmeras aplicações do plástico, derrubaram aquela atividade.

Moacir de Souza, o Ci, herdou a propriedade e a habilidade em trabalhar a cerâmica do pai – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o NDMoacir de Souza, o Ci, herdou a propriedade e a habilidade em trabalhar a cerâmica do pai – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o ND

As olarias e os ceramistas, em particular aqueles especializados na confecção de utilitários domésticos, foram escasseando e a profissão entrando em extinção à medida que os velhos mestres oleiros foram desaparecendo sem deixar herdeiros de suas habilidades.

Os registros históricos lembram que na Ponta de Baixo era produzida uma quantidade enorme de tipos de louça, que iam desde penicos a canos de esgoto em cerâmica. No bairro, um dos mais antigos de São José, antes funcionavam cerca de 20 olarias grandes e outras dezenas de microindústrias de fundo de quintal. Hoje, uma solitária olaria preserva as características antigas: chão batido e o tendal, onde as louças ficam expostas para que as peças sejam secas pelo vento, um velho forno a lenha e um torno elétrico, única “modernidade” que substituiu a roda de oleiro, que era tocada com os pés, mas que por motivos de saúde teve que ser abandonada.

O proprietário é o ceramista Moacir de Souza, o Ci, de 62 anos, que herdou a propriedade e a habilidade em trabalhar a cerâmica do pai dele, José de Souza, mestre Zequinha. A olaria produzia tudo, desde potes, panelas e pratos, entre outros utensílios de cozinha.

São José tem duas escolas de oleiros – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o NDSão José tem duas escolas de oleiros – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o ND

Peças foram substituídas por vidro e alumínio

Moacir conta que as encomendas de peças eram tantas que mestre Zequinha não conseguia atender todas. “O pessoal vinha aqui de carroça e levava a produção para a Serra. O que a gente mais vendia aqui era o ‘boião’ para coalhar leite”. Hoje o boião geralmente é fabricado em vidro.

Trabalhando sozinho, seu Moacir está desanimado. “Hoje deu uma parada. Deu uma parada com essa doença aí [a Covid-19] e continua assim. Eu vendia muito antes, não dava conta, mas agora está assim, tudo parado. A argila aumentou [o preço] muito e eu não tenho dinheiro para comprar”.

Apesar de não ver melhora na atividade dele no futuro, Moacir diz que não vai desistir. “Eu vou continuar, insistir, eu não posso parar, né? É o meu ganha pão, não sei até quando”.

Escolas se dedicam a manter a tradição

Para manter a tradição da cerâmica de barro, São José tem duas escolas, a municipal Escola de Oleiros Joaquim Antônio de Medeiros e a Escola Olaria Beiramar, que é particular. Ambas recebem alunos com todos os tipos de motivação.

Criada em 1982 e mantida pela prefeitura, a escola funciona onde era a antiga fábrica do mestre Joaquim Antônio de Medeiros, cujo nome é lembrado na denominação do local, que oferece cursos que incluem as práticas antigas da olaria: curso tradicional da roda de oleiros, modelagem figurativa e modelagens diversas. Por suas características, é considerada a primeira escola de oleiros da América Latina.

O professor Newton Sousa, que é um dos fundadores da Beiramar, explica que quando a pessoa chega à escola tem que aprender a valorizar a atividade e o que tinha no passado.

Comunidade precisa aprender a valorizar a atividade – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o NDComunidade precisa aprender a valorizar a atividade – Foto: Cristiano Estrela/Especial para o ND

“Já está cientificamente provado que a atividade cerâmica faz bem, como terapia para melhorar a saúde e como fonte de renda. Então as pessoas precisam valorizar e até o poder público também, incentivar as escolas a ter esta atividade, através do PAC, que é o Projeto de Arte e Cultura por toda São José. Há o problema do deslocamento, que a pessoa não pode vir até aqui, então o PAC proporciona que podemos realizar oficinas nas escolas, em todos os bairros”.

Newton diz que, como em toda a profissão, é preciso empenho e dedicação. “Eu vivo de cerâmica, mas eu não posso ficar em casa, eu participo de feiras, eu vou para o mercado, eu jogo na internet… Eu tenho que girar essa comunicação para vender. Não é fácil, mas, dizem o que é fácil não dá muito prazer. Então tem que correr atrás das coisas”.

Participe do grupo e receba as principais notícias
da Grande Florianópolis na palma da sua mão.

Entre no grupo Ao entrar você está ciente e de acordo com os
termos de uso e privacidade do WhatsApp.
+

Cultura

Loading...