Os contactos sexuais entre animais do mesmo sexo são conhecidos no reino animal, mas a frequência desses comportamentos e as vantagens ou desvantagens que podem ter para cada espécie ainda estão largamente por explicar. Foi com esse objetivo que os investigadores do Imperial College de Londres estudaram um grupo de macacos rhesus semi-selvagens e concluíram que os comportamentos sócio-sexuais entre machos podem até representar uma vantagem reprodutiva para os envolvidos. Os resultados foram publicados esta segunda-feira na revista científica Nature Ecology & Evolution.

Uma das notas que os investigadores deixam no artigo é que o estudo incide sobre primatas não humanos e, como tal, não pretende tirar qualquer conclusão sobre comportamentos homossexuais ou bissexuais em humanos, nem servir como argumento discriminatório. “Primeiro, os nossos resultados não apoiam nenhuma forma de discriminação baseada na preferência ou identidade sexual”, escrevem.

Depois, reforçam que “a obrigação da sociedade perante a inclusão sexual não se deve basear na observação dos comportamentos no mundo natural”. Os resultados desta investigação vêm contrariar a ideia de que os comportamentos sexuais entre animais do mesmo sexo (SSB, na sigla em inglês) são raros ou motivados por situações extremas, mas para os investigadores as orientações sexuais devem ser respeitadas independentemente dos resultados da investigação.

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Para tornar ainda mais claro o objetivo da investigação, foram consideradas as interações sexuais entre dois indivíduos em que um se coloca por trás do outro (como acontece durante o comportamento reprodutivo da maioria das espécies de mamíferos) sem fazer qualquer juízo de valor sobre as preferências sexuais — daí que também não usem conceitos como “comportamento homossexual”. “De forma simples, SSB é a ação, não a orientação comportamental, do indivíduo.”

No âmbito deste trabalho, os investigadores verificaram que as interações sexuais entre machos aconteciam em contexto de agressividade e cooperação: o confronto do par com terceiros podia acontecer antes, durante e depois do comportamento sexual. Este é um comportamento social diferente do que é observado, por exemplo, entre as fêmeas de bonobo (ou chimpanzé-pigmeu, Pan paniscus) em que a interação sexual serve para resolver conflitos entre as fêmeas.

“Verificámos que os machos que montavam um no outro também eram mais propensos a apoiar um ao outro em conflitos – talvez esse possa ser um dos muitos benefícios sociais da atividade sexual entre animais do mesmo sexo”, disse Jackson Clive, investigador do Georgina Mace Centre for the Living Planet e Imperial College de Londres, citado em comunicado de imprensa da instituição.

Os autores referem que este comportamento de coligação nos macacos rhesus pode ser particular desta espécie e do sexo dos indivíduos, por isso não tiram conclusões sobre outras espécies (muito menos sobre humanos, cujos comportamentos são influenciados por fatores sociais complexos). Adicionalmente, o comportamento sócio-sexual entre os machos estudados também foi verificado durante outras atividades, como limpeza do pelo, brincadeiras, descanso ou até alimentação.

Os investigadores observaram que estes comportamentos eram mais frequentes entre os machos que passavam mais tempo com outros machos do que entre aqueles que passavam mais tempo com grupos de fêmeas. “Os machos praticam SSB para fortalecer a coligação, eles apoiam-se nas lutas contra outros membros do grupo”, reforça o líder da investigação Vincent Savolainen em resposta ao Observador.

No artigo, os investigadores rejeitam ainda que o SSB se trate de uma questão de disponibilidade de fêmeas para acasalamento. Uma das observações foi que o número de crias geradas não era menor só porque os machos tinham mais comportamentos sexuais entre si, pelo contrário, os machos que se coligavam pareciam ter mais sucesso reprodutivo.

“A nossa missão é promover a compreensão científica do comportamento entre indivíduos do mesmo sexo, incluindo explorando os benefícios que isso traz para a natureza e dentro das sociedades animais. Entre os macacos que examinamos neste estudo, mais de dois terços apresentavam comportamento entre indivíduos do mesmo sexo e esse comportamento fortaleceu os laços dentro da comunidade”, disse Vincent Savolainen, diretor do Georgina Mace Centre for the Living Planet, em comunicado de imprensa.

A equipa de Vincent Savolainen reconhece que uma das limitações do estudo é ter incidido apenas sobre o comportamento dos machos (quer com outros machos ou com as fêmeas) por serem mais frequentes do que as interações sexuais entre fêmeas. Uma investigação centrada no comportamento das fêmeas poderia trazer uma nova luz aos resultados agora apresentados.

Outra limitação poderia ser o foco nesta população particular em regime semi-selvagem longe do local de origem (Índia). Mas Vincent Savolainen assegurou ao Observador que o SSB também tinha sido observado em macacos selvagens na Tailândia — sendo assim um comportamento da espécie e não apenas da população.

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Para este trabalho foram estudados 236 machos de uma população de 1.700 macacos rhesus (Macaca mulatta) que vive na ilha de Cayo Santiago, em Porto Rico, e sobre a qual são registados dados desde os anos 1950. “Um censos diário de todos os animais é feito desde 1956, e todas as crias são capturadas anualmente e genotipadas [identificar a constituição genética] para determinar a maternidade e paternidade” desde 1992, referem os autores do artigo científico. O levantamento atual foi feito em vários momentos de três anos distintos.

A quantidade de dados disponível sobre a árvore genealógica dos animais (pedigree) permitiu associar os comportamentos sócio-sexuais entre indivíduos do mesmo sexo a fatores hereditários. O próximo passo, disse Savolainen ao Observador, é estudar o genoma dos indivíduos para os quais foi estudado o comportamento para se poderem identificar os genes.

Os fatores associados ao SSB em nada ajudam a prever os comportamentos sexuais entre sexo diferentes, notam os autores no artigo. Ou seja, os dois tipos de comportamentos não parecem estar relacionados, pelo menos no que à hereditariedade diz respeito. Assim, estas interações em indivíduos do mesmo sexo são mais comparáveis a outros comportamentos em que existe interação social, como a limpeza do pelo.