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Grande Esfinge de Gizé é restaurada e Egito tenta recuperar turistas com preços atraentes

Setor sofre queda desde o início da Primavera Árabe e Cairo oferece pacotes tentadores 30% mais baratos
A Esfinge renovada e emoldurada pelas pirâmides de Miquerinos e Quéfren Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuters
A Esfinge renovada e emoldurada pelas pirâmides de Miquerinos e Quéfren Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuters

CAIRO — A turbulência política dos últimos tempos no Egito teve um impacto cruel no turismo: somente em 2013, a receita despencou 41%. Uma tragédia se levarmos em conta que a indústria turística no país emprega milhões de pessoas e responde por cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) egípcio. Cidades históricas como Luxor e Aswan — respectivamente, os pontos de partida e chegada de boa parte das embarcações que navegam pelo Rio Nilo — chegaram a registrar movimento perto de zero nos momentos mais conturbados que assombraram o Egito desde que movimentos populares derrubaram o ditador Hosni Mubarak, na chamada Primavera Árabe, em 2011. Hoje quem se aventura pelo Egito encontra preços atraentes: os pacotes estão cerca de 30% mais baratos (mas viagens para o Sinai ainda são desaconselhadas pelos escritórios de turismo). Prepare-se para encontrar um país que recebe bem seus turistas e que atualmente sofre com a falta deles.

Muitos turistas optam por se hospedar em Gizé, nos arredores do Cairo. É ali que está o mais famoso sítio arqueológico do país, formado pelas três pirâmides (Quéfren, Quéops e Miquerinos) e a Grande Esfinge. Desgastada pela poluição do ar e fechada desde 2010 para obras, a Esfinge teve sua restauração concluída no início do mês. Mas a reabertura do pátio para que os turistas possam caminhar ao seu redor ainda não tem data marcada.

A poucos quilômetros de Gizé, no Centro do Cairo, fica o Museu Egípcio. E, ao lado dele, a famosa Praça Tahrir, palco das manifestações que botaram o país novamente nos livros de História. Pelas intrigantes e barulhentas ruas do Cairo, megalópole de 18 milhões de habitantes, o que se escuta hoje são burburinhos que remetem a um desejo de estabilidade. Se ela virá, só o tempo dirá.

Viajar ao Egito é conferir alguns dos mais impressionantes monumentos da História, erguidos por um povo obcecado pela imortalidade. Um dos símbolos do Cairo, a bela e imponente Mesquita de Alabastro está na Cidadela de Saladino, uma espécie de fortificação islâmica construída para proteger a cidade das investidas estrangeiras lá pelos idos do século XII. E é dela que se tem uma vista espetacular do Cairo. Com sorte, é possível contemplar ao longe as pirâmides.

Mesquita de Alabastro, no topo do Cairo Foto: Flávia Monteiro / Divulgação
Mesquita de Alabastro, no topo do Cairo Foto: Flávia Monteiro / Divulgação

A mesquita, cujo revestimento interno e externo é todo de alabastro, se destaca na paisagem graças a sua cúpula a 52 metros de altura e a seus dois minaretes, de 84 metros cada. Seu nome de batismo, Muhammad Ali, é uma homenagem a seu construtor, um grego de origem albanesa que serviu na tropa enviada para libertar o Egito da ocupação de Napoleão. À frente do projeto arquitetônico está outro grego, radicado na Turquia, Youssef Bochna. O que explica a enorme semelhança com a Basílica de Santa Sofia, em Istambul. Assim como ela, o interior da mesquita do Cairo é iluminado por numerosos candeeiros de vidro e por lustres de cristal pendurados com correntes. Para entrar, é preciso tirar os sapatos e as mulheres devem cobrir a cabeça.

De uma forma geral, os egípcios são educados, e até formais no contato com as mulheres. Isso sem falar que estão acostumados a lidar com turistas. Mas, acredite, a experiência de atrair olhares curiosos e a angústia de não entender os comentários em árabe não é das mais agradáveis. Sendo assim, mulheres devem evitar roupas muito curtas, justas e de alças, e levar sempre um lenço que possa ser usado para cobrir a cabeça e os ombros. Agora é outono no Cairo, e as temperaturas ficam em torno dos 30°C. Mas mesmo no verão, quando os termômetros passam facilmente dos 40°C, o clima seco joga a favor para quem está habituado ao calor úmido dos trópicos.

BUSCA DA IMORTALIDADE EM GIZÉ E SAQQARA

No ponto turístico mais famoso do Egito, as Pirâmides de Gizé, nos arredores do Cairo, a estratégia dos vendedores ambulantes é vencer pelo cansaço. Por isso, jamais prometa nada. Um simples “depois” é interpretado como um “sim” e, acredite, aquele vendedor voltará após duas horas para cobrar sua “promessa”. Ultrapassada a barreira, as pirâmides despontam na paisagem como que saídas de um filme e, nos dias claros de verão, emolduradas por um fundo azul.

Apesar da proximidade com a cidade, dá para se imaginar no meio do deserto. Considerada uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, a grande pirâmide de Quéops é a maior delas, com 160 metros de altura. Reza a lenda que para erguê-la foram usados cerca de 2,5 milhões de blocos de pedra calcária. No entanto, a história por trás de sua construção ainda é um enigma que dá margem a discussões. É possível descer até o seu interior por uma passagem íngreme e estreita — experiência não recomendada para claustrofóbicos.

Menores mas não menos imponentes, as pirâmides de Quéfren e Miquerinos compõem o cartão-postal. Para encerrar o passeio em grande estilo, a tradicional foto do turista “beijando” a Grande Esfinge já é tão clichê, que até mesmo crianças se oferecem para tirá-la ao custo de US$ 1. Vale correr o risco de virar alvo de piada dos amigos. A estátua, com corpo de leão e cabeça humana, é a maior peça do mundo esculpida em uma única pedra.

Quéops, a maior pirâmide de Gizé Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuters
Quéops, a maior pirâmide de Gizé Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuters

De Gizé, é possível esticar o passeio até Saqqara, a necrópole de Memphis onde está a pirâmide do faraó Djoser, a mais antiga do mundo. Djoser foi o primeiro soberano egípcio a contratar um arquiteto para construir uma pirâmide funerária. A missão coube à Imhotep, mais tarde considerado um semideus.

A região abriga outros túmulos de nobres egípcios antigos, chamados mastabas. Em geral, eles têm uma câmara mortuária no fundo de um poço profundo e compartimentos decorados com painéis que ilustram o cotidiano dos antigos egípcios.

A CIDADE QUE NUNCA DORME

A chegada ao Cairo é uma experiência única. Não há sinais de trânsito, tampouco faixas de pedestres. É caos generalizado no qual carros e vans (o principal meio de transporte público) travam duelos por cada centímetro de asfalto. O som das buzinas é ensurdecedor. Atravessar uma via movimentada é experiência arriscada.

Nos bairros residenciais que crescem rapidamente nos arredores do aeroporto internacional, construções luxuosas despontam como oásis numa paisagem dominada por uma arquitetura monocromática de prédios em sua maioria sem acabamento exterior e com vigas aparentes. Em geral, são habitados por uma mesma família e, conforme seus membros vão se casando, um novo andar é construído. É uma espécie de puxadinho vertical. A sensação que se tem é de que a cidade inteira ainda está em construção.

Boa parte da população vive de forma precária. Falta saneamento e há lixo espalhado pelas ruas. Mas o Cairo não para. A vida noturna é de dar inveja a muita metrópole. A madrugada avança e as ruas permanecem lotadas, inclusive de mulheres e crianças. O comércio fervilha. Tudo flui como ao meio-dia.

MÚMIAS NO MUSEU E BARGANHAS NO MERCADO

Em plena Praça Tahrir, o Museu Egípcio abriga 120 mil peças espalhadas por mais de cem salas distribuídas em dois andares. O acervo, um dos mais valiosos do mundo, é vasto e obriga o visitante a priorizar os carros-chefes. Um dos principais é o tesouro encontrado na tumba do faraó mais famoso do Egito, Tutankhamon: são joias, carruagens, o trono e a famosa máscara mortuária do jovem que assumiu o poder aos 9 anos e foi assassinado aos 18. Sua múmia, no entanto, não está ali. Foi transferida para o Vale dos Reis. Mas o museu dispõe de uma sala, com ingresso pago à parte, que reúne múmias da realeza do antigo Egito, como a do faraó Ramsés II, uma das mais importantes da histórica local.

As instalações do museu costumam ser alvo de críticas por não fazerem jus à importância do acervo. Mas está em andamento a construção de um novo museu, num terreno de 48 hectares próximo à região das pirâmides. O projeto, orçado em US$ 800 milhões, tem inauguração prevista para 2015 quando a múmia de Tutankhamon deve retornar ao museu.

Para chegar ao Museu Egípcio é preciso atravessar uma rua com cercas de arame farpado, que serve de estacionamento para veículos militares. Há alguns tanques e até uma versão do nosso “caveirão”, com dezenas de homens uniformizados. O museu chegou a ser fechado durante as manifestações de 2011. Na ocasião, houve saques e peças foram danificadas — o episódio gerou uma comoção nacional. Vizinho a ele, uma construção chama a atenção. Trata-se do prédio da antiga sede do Partido Nacional Democrata, do ex-ditador Hosni Mubarak, que foi incendiado em 2011.

Agora, imagine uma espécie de Saara (o comércio de rua popular do Rio) de dimensões quase incalculáveis. É o mercado Khan El Khalili, formado por ruas que se entrelaçam, onde é impossível não se perder. São centenas de lojinhas que vendem especiarias, essências, lembrancinhas, roupas. Há muita coisa made in China e de qualidade duvidosa, e é possível encontrar os mesmos produtos em praticamente todo o mercado.

Lembrancinhas no mercado Khan El Khalili Foto: Flávia Monteiro / Divulgação
Lembrancinhas no mercado Khan El Khalili Foto: Flávia Monteiro / Divulgação

O mais difícil é resistir à investida dos vendedores. Muitos se aventuram inclusive no português. Para eles, idioma, seja ele qual for, não é obstáculo. Em geral, compra-se um produto por cerca de 20% do preço inicial. Não raro paga-se apenas 10% por réplicas de pirâmides, bustos de faraós, papiros. Embora o dólar seja aceito em todo o mercado, troque pela moeda local antes de ir às compras. O poder de barganha é maior em libras egípcias.

À noite, o programa mais turístico é fazer um passeio de barco pelo Rio Nilo. As embarcações oferecem jantares com música ao vivo e shows de dança do ventre. Nas margens, as fachadas dos hotéis cinco estrelas chamam a atenção. Iluminada e com uma brisa fresca, o Cairo se revela uma outra cidade depois do pôr do sol.

TEMPO QUENTE, TEMPLOS E TUMBAS

A 50 minutos de avião do Cairo está Luxor, cidade construída ao sul da antiga capital faraônica Tebas, que abriga alguns dos templos mais impressionantes do Egito antigo. Na margem leste do Rio Nilo, duas estátuas de Ramsés II dão as boas-vindas aos visitantes que chegam ao templo que dá nome à cidade. Os obeliscos e os enormes muros que guardam a entrada do Templo de Luxor anunciam salões de pedra nos quais é possível perceber a influência de diversas épocas. O grande pátio de Amenhotep III, em cujo reinado se iniciou a construção do templo, se destaca por um pátio pontilhado de maciças e majestosas colunas. Por todo o templo há salões e obeliscos menores.

O maior templo do Egito é também um cartão-postal obrigatório para os turistas. Não à toa, Karnak é considerado um monumento tão importante quanto as Pirâmides de Gizé. Trata-se de um complexo de templos, cuja construção se arrastou por cerca de 1.500 anos, ao longo dos quais cada faraó deixou a sua marca, seja louvando a deuses ou a si mesmo. A grandiosidade de obeliscos e pátios é atordoante, bem como a das paredes cuidadosamente decoradas com hieróglifos. A entrada é ladeada por duas fileiras de esfinges que escoltam o visitante até o templo de Amón, um dos mais preservados.

Com 260 mil metros quadrados de área, Karnak é um desses lugares no qual é possível passar um dia inteiro admirando a riqueza de detalhes. De tirar o fôlego, a Grande Sala Hipóstila é considerada uma maravilha arquitetônica de dimensões colossais: são nada menos que 134 colunas de arenito dispostas em 16 fileiras e adornadas com cenas que exaltam guerras vitoriosas, oferendas e rituais.

Após a visita aos templos de Luxor e Karnak, vale fazer um passeio de charrete pela cidade de cerca de 500 mil habitantes. O tour percorre vielas e atravessa o mercado local, passando por estreitas passagens entre lojinhas e barraquinhas que vendem, basicamente, os mesmos produtos encontrados no Cairo. Luxor tem boa infraestrutura turística, com hotéis estrelados e também mais simples.

A oeste do Rio Nilo, escondido em um terreno desértico e muito quente, está o Vale dos Reis. Na necrópole foram encontradas 64 tumbas de faraós e rainhas do antigo Egito. As tumbas subterrâneas foram construídas como labirintos para dificultar a ação de saqueadores, o que não impediu que algumas fossem adulteradas. Mas os belos desenhos que cobrem suas pareces permanecem intactos e contam, em detalhes, o dia a dia daquela época. O que mais chama a atenção é a vivacidade das cores, que dá um frescor às imagens. Nem todas as tumbas estão abertas aos turistas, e não é possível fotografá-las.

Do outro lado das suntuosas montanhas que abrigam o Vale dos Reis está o templo daquela que foi a rainha mais poderosa do Antigo Egito: Hatshepsut. Sua história é peculiar. Roubou o trono de seu enteado vestida como homem e se autointitulou faraó. Colecionou inimigos e, após sua morte, teve seu nome apagado dos registros da época. Monumentos em sua homenagem foram derrubados e até seu corpo desapareceu. No entanto, seu templo continua de pé, com espaçosos terraços sustentados por colunas que prezam pela simplicidade. Em seu exterior, desenhos em alto relevo descrevem expedições e rituais de oferenda.

Ainda em Luxor, os Colossos de Memnon valem uma visita. Trata-se de duas estátuas com 11 metros de altura cada e cerca de 250 toneladas remanescentes do templo de Amenhotep III. As estátuas representam o faraó sentado no trono com as mãos sobre os joelhos, um símbolo da eternidade. Dizem que, no passado, os colossos produziam um som semelhante a um assobio quando ventava. Segundo os guias, eles “emudeceram” após terem sido restaurados.