Cultura Artes visuais

Exposição no MAM promove associações visuais entre 300 peças do acervo

Mostra remonta instalações emblemáticas da arte contemporânea brasileira em 2.500m²
'Ping-ping, a construção do abismo no piscar dos cegos' (1980), de Waltercio Caldas, uma das instalações em exibição no MAM Foto: Leo Martins / Agência O Globo
'Ping-ping, a construção do abismo no piscar dos cegos' (1980), de Waltercio Caldas, uma das instalações em exibição no MAM Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Um trabalho de Tunga (1952-2016) da série “Desenhos em polvorosa” (1996) com corpos nus, entrelaçados uns nos outros, inspirou o nome da mostra que será inaugurada hoje, às 15h, no Museu de Arte Moderna do Rio: “Em polvorosa — Um panorama das coleções do MAM Rio de Janeiro”. Não se trata apenas de uma homenagem ao artista morto em junho. Os curadores Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes vislumbraram no contágio de corpos criado por Tunga uma tradução visual da contaminação que acontece entre as obras das três coleções que compõem o acervo do museu ao serem exibidas lado a lado.

São mais de 16 mil itens, se somadas as três coleções: a do MAM, com 7.606; a de Gilberto Chateaubriand, com 6.630; e a de Joaquim Paiva, só de fotografias, com mais de 1.900. De tudo isso, os curadores selecionaram por volta de 300, de cerca de cem artistas. Ao lado de destaques internacionais — entre eles, uma escultura de Alberto Giacometti, uma pequena e rara pintura de Jackson Pollock, um trabalho de Keith Haring produzido no Rio em 1984 e uma cabeça de Rodin —, foram remontadas instalações que há muito não eram vistas.

DIVERTIMENTO

Uma delas é “Marulho”, de Cildo Meireles, criada em 1991 para a Bienal de Johannesburgo e adquirida pelo museu em 2001. A obra, um deque de madeira sobre uma superfície marinha formada por 5 mil impressões fotográficas de diferentes matizes de azul, foi exibida no museu uma única vez, em 2002. Também há outras instalações emblemáticas da arte contemporânea, como “Ping-ping, a construção do abismo no piscar dos cegos” (1980), de Waltercio Caldas, “Fantasma” (1994), de Antonio Manuel, e “Poeta/Pornógrafo” (1973), de Antonio Dias.

— Quisemos pôr a arte brasileira numa conversa com a arte estrangeira, criando associações entre elas. Aqui tem uma série de licenças, misturas. Isso é montado para o prazer do olho, não é uma aula de história da arte — diz Cocchiarale.

Bronze de Brancus exposta no MAM Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Bronze de Brancus exposta no MAM Foto: Leo Martins / Agência O Globo

É uma semântica que dispensa discursos, em que o visitante é livre para se divertir, como assumem ter feito os próprios curadores. Mergulhados no acervo por três meses, eles estabeleceram conexões visuais entre as obras, como o conjunto que une algumas com referências a grades, ou outro que retrata o próprio museu.

Uma obra modernista de Brancusi em bronze (“Mlle Pogany II”, 1952), por exemplo, está ao lado de uma fotografia do nigeriano J.D. Okhai Ojeikere, sem título, pela aproximação dos relevos da cabeça. “Komposition N. 168” (1948), tela do alemão Friedrich Vordemberge-Gildewart (1899-1962), citado no Manifesto Neoconcreto, é seguida de duas pinturas do concretista brasileiro Wyllis de Castro (1926-1988), “Planos interpostos” e “Campos interpostos”, ambas de 1959.

Ao lado de preciosidades do acervo — como “Alegria” (1999), um spotlight de Adriana Varejão, a instalação “Motim II” (1998), de José Damasceno, um aparelho cinecromático de Abraham Palatnik, dos anos 1950, ou uma pequena colagem sobre papel de Calder, de 1959 — chama a atenção a decisão dos curadores de remover os painéis que há muito compunham sua arquitetura, dividindo o segundo andar do museu em espaços compartimentados. Com isso, o salão monumental alongou-se em toda a extensão da fachada, de 130 metros. São mais de 2.500 m² recheados com a nata das coleções. Como um retrato de D. Pedro II em seu leito de morte, de 1891, de Félix Nadar (1820-1910).

CANIBALISMO E DENTES

Um dos longos corredores criados pela retirada dos painéis começa com a abstração informal (“N. 16”, um Pollock de 1950, está aí), passa pela geométrica — como “Forma em evolução”, 1952, de Ivan Serpa (1923-1973) —, e vai acabar na Nova Figuração, a linguagem pop onde se destacam trabalhos de, entre outros, Antonio Dias, Rubens Gerchman e Ana Maria Maiolino (dela, “Glu, glu, glu”, de 1966).

— Aqui, por um acaso, foi a sucessão histórica mesmo. Mas no segmento do modernismo, vamos ter a Geração 80 no final — diz Cocchiarale, exemplificando a livre associação que norteia a mostra. — Nosso principal objetivo foi desvelar a potência da combinação dessas peças. Ao mesmo tempo, quisemos dar destaque a obras pouco conhecidas do acervo, como desenhos a carvão de Anita Malfatti.

Outro segmento reúne referências a índios. Há um painel com oito grandes fotos de Carlos Vergara da série “Cacique de Ramos”, duas imagens de Claudia Andujar dos ianomâmis. Ali, os trabalhos sobre canibalismo de Luiz Pizarro, como “Work me over, sir” (1997), em parafina, estão ao lado de uma obra em cera e dentes de Angelo Venosa.

Há ainda uma sucessão de autorretratos, de Luiz Zerbini a Flavio Shiró. Pontuando tudo, vitrines com fotografias documentais, que funcionam como o texto da mostra, ao proporcionar um contexto histórico de cada segmento.

“Em polvorosa — Um panorama das coleções do MAM”

Onde: Museu de Arte Moderna do Rio — Avenida Infante Dom Henrique 85, Parque do Flamengo (3883-5600).

Quando: Abertura hoje, às 15h. Ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., dom. e fer., das 11h às 18h.

Quanto: R$ 14.

Classificação: Livre.