Cultura Artes visuais

Natureza viva: Casa Roberto Marinho expõe 130 obras de Burle Marx, incluindo itens inéditos

Exposição é a primeira a destacar o acervo do instituto que leva o nome do artista e paisagista, responsável pelo jardim do local, projetado em 1938
Jardim da Casa Roberto Marinho, com as instalações baseadas em desenhos de Burle Marx Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Jardim da Casa Roberto Marinho, com as instalações baseadas em desenhos de Burle Marx Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Um olho nas galerias, outro no jardim. Desde que a Casa Roberto Marinho foi inaugurada, em 2018, a atenção dos visitantes fica dividida entre as exposições em cartaz no centro cultural e sua área verde, projetada em 1938 por Roberto Burle Marx (1909-1994). Nada mais natural, então, que a próxima exposição da Casa, “O tempo completa: Burle Marx, clássicos e inéditos”, que será aberta ao público no sábado, tivesse início justamente pelo jardim assinado pelo paisagista, artista visual, arquiteto e urbanista.

Na entrada, o público se depara com uma linha do tempo, com passagens importantes da biografia de Burle Marx, como a parceria com grandes nomes da arquitetura modernista, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy. Próximo dali, foram erguidas instalações metálicas a partir de projetos de bandeiras desenhadas pelo artista para locais como a Praça Rosa Luxemburgo, em Berlim, que nunca tinham saído do papel — até então, apenas Ivoti, no interior do Rio Grande do Sul, havia concluído um projeto desta série.

No interior da Casa, os dois andares são ocupados, pela primeira vez, com uma só exposição. São cerca de 130 trabalhos, entre desenhos, projetos, croquis, maquetes, documentos e pinturas, na maioria inéditos, selecionados entre os mais de 120 mil itens do acervo do Instituto Burle Marx, que faz sua primeira exposição após ser criado, como entidade sem fins lucrativos, em 2019. Dividida entre o diretor da Casa Roberto Marinho, Lauro Cavalcanti, e a diretora do Instituto Burle Marx, Isabela Ono, a curadoria teve os trabalhos iniciados há cerca de sete meses. Na entrada da mostra, o público se depara com uma foto recente de queimada na Amazônia, junto à tela “Vista de um mato virgem que se está reduzindo a carvão” (1879), de Félix Émile Taunay, emprestada do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA).

— O público será recebido de forma lúdica no jardim e, já no primeiro andar da casa, vai se deparar com um posicionamento muito incisivo do Burle Marx contra o desmatamento. Ele foi uma das primeiras vozes a se levantar sobre este tema, que, infelizmente, é cada vez mais grave — destaca Cavalcanti, que também assinou a curadoria da retrospectiva “A permanência do instável” (2008-2009) no Paço Imperial, no centenário do paisagista. — Com a tela do Taunay, fazemos um paralelo de como esta questão já preocupava desde o século XIX.

Os curadores Lauro Cavalcanti e Isabela Ono e o designer Victor Burton Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Os curadores Lauro Cavalcanti e Isabela Ono e o designer Victor Burton Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Além da obra de Taunay e de duas pinturas sem título de Burle Marx da década de 1940, da Coleção Roberto Marinho, todos os outros itens vêm do Instituto Burle Marx. A intenção é justamente destacar ao máximo o acervo, em sua primeira exposição pública. Todos os itens ficaram sob a guarda de Haruyoshi Ono, pai de Isabela, e parceiro profissional do paisagista por mais de três décadas. Após sua morte, em 2017, veio a decisão de criar o Instituto, explica Isabela:

—Tenho contato com este material há 25 anos e até hoje me surpreendo. Tem muitas coisas que não pude perguntar para ele em vida, e que o acervo me responde.

Projeto para a Avenida Atlântica, em Copacabana Foto: Acervo Instituto Burle Marx
Projeto para a Avenida Atlântica, em Copacabana Foto: Acervo Instituto Burle Marx

Além do Escritório Burle Marx — que segue sob o comando dos sócios Gustavo Leivas e os irmãos Isabela e Julio Ono, filhos de Haruyoshi —e do Instituto, a memória do paisagista é preservada também no Sítio Roberto Burle Marx , em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, onde ele viveu até 1985, quando doou o imóvel ao Iphan, hoje responsável por sua administração. Transformado em Centro Cultural, o espaço com mais de 3,5 mil espécies de plantas tropicais foi reconhecido em julho deste ano como Patrimônio Mundial da Unesco, na categoria paisagem cultural.

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Entre os itens selecionados em seu o acervo, estão parcerias que projetaram a arquitetura e o paisagismo brasileiro como uma das grandes referências do século XX, como o Parque do Flamengo, o Palácio Capanema, o calçadão de Copacabana e o Palácio do Itamaraty. Isabela ressalta que a criação do Instituto veio da necessidade de cuidar de um conjunto tão extenso, possibilitando também parcerias com outras instituições e o acesso a pesquisadores.

— A pandemia começou logo após oficializarmos o Instituto, e agora surgiu a chance de fazer a primeira exposição. A mostra traz alguns dos pilares que são parte da filosofia do Escritório, como trabalho coletivo. Ele só poderia ser este artista múltiplo contando com uma grande equipe — observa Isabela. — Outro ponto é a visão democrática sobre o espaço público e a integração do elemento humano em cada proposta. Eram questões discutidas há seis décadas e que estão cada vez mais atuais.

Colocados junto a pinturas e desenhos assinados por Burle Marx, os projetos impressionam por sua qualidade estética, em que as curvas e cores indicando as linhas e os tipos de vegetação a serem seguidos criam abstrações de grande força pictórica.

— Burle Marx dizia que pintava com plantas, mas que o paisagismo dele não era pintura, uma vez que também dependia da integração entre as espécies — destaca Cavalcanti. — Dessa forma, os projetos também traziam questões da arte contemporânea, como a pintura que não é feita com pigmentos. Alguns trabalhos poderiam ser considerados obras de land art, há um pioneirismo dele neste campo.

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Responsável pela identidade visual da mostra, o designer Victor Burton selecionou o projeto para um jardim público em Cataguases (MG) como a obra que acompanha o título da exposição:

— É difícil imaginar ou projeto de arquiteto ou paisagista com um valor plástico tão forte como este. Logo que batemos o olho já decidimos que seria o símbolo da mostra — comenta Burton, chamando atenção também para os desenhos a desenhos de vegetação a nanquim feitos por Burle Marx. — Ele fez verdadeiras expedições pelo interior do país para conhecer a natureza verdadeira, que traria para as aclimatações criadas posteriormente. É curioso ver estes registros detalhados, semelhantes aos dos antigos artistas viajantes, e depois comparar como a trama vegetal deu início às abstrações.

O título da mostra, “O tempo completa”, vem de uma frase de Burle Marx sobre paisagismo, mas que, para o curador, também pode ser aplicado à produção artística:

— Por um período, ele teve menos reconhecimento como artista, e de uns anos para cá houve uma redescoberta da sua obra. O tempo completou neste sentido também.

Onde: Casa Roberto Marinho. Rua Cosme Velho 1.105 — 3298-9449. Quando: Ter a dom, das 12h às 18h. Abertura sábado. Visitação com agendamento e comprovante de vacinação. Até 6 de fevereiro. Quanto: R$ 10. Classificação: Livre.