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Cultura

Casa Roberto Marinho propõe diálogo entre fotografias e pinturas em nova mostra

Além de ‘Duplo olhar’, exposição ‘O jardim’, com múltiplos criados por 11 artistas contemporâneos, também abre para o público nesta sexta-feira
Abertura da exposição 'O jardim' na Fundação Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Abertura da exposição 'O jardim' na Fundação Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO — O diálogo, algo cada vez mais raro em tempos de polarização e aversão ao contraditório, está no centro das duas exposições que a Casa Roberto Marinho inaugura nesta quinta-feira para convidados, e para o público em geral na sexta. Na coletiva “Duplo olhar”, os curadores Paulo Venancio Filho e Marcia Mello propõem encontros entre pinturas do acervo e imagens de 39 fotógrafos de diferentes gerações, como Marcel Gautherot, Pierre Verger, Fernando Lemos e Miguel Rio Branco.

Já em “O jardim”, 11 artistas contemporâneos foram convidados pelo diretor executivo da instituição, Lauro Cavalcanti , para criar múltiplos inspirados pelo tema que dá título à mostra, podendo ter relação ou não com a área externa da Casa, um projeto de Roberto Burle Marx (1909 – 1994). Em diferentes suportes, como gravura, xilografia, desenho, serigrafia e escultura, as obras são assinadas por nomes como Iole de Freitas, Beatriz Milhazes, Angelo Venosa, Carlito Carvalhosa e Suzana Queiroga.

“Duplo olhar” parte de um mergulho na Coleção Roberto Marinho realizado por Venancio, em interlocução com imagens selecionadas por Marcia Mello em 15 instituições e acervos privados, resultando em um conjunto de cerca de 54 pinturas, 155 fotografias e uma escultura, de Frans Krajcberg. Agrupadas por temas, afinidades estéticas ou por associações menos imediatas, as obras demonstram como os caminhos da pintura e da fotografia modernas ora convergem e ora se distanciam.

— É interessante notar como os gêneros clássicos da pintura, como o retrato, a paisagem ou a natureza morta, também se difundiram na fotografia, e como aos poucos estas fronteiras foram se tornando mais flexíveis — comenta Venancio. — Nomes como Geraldo de Barros e José Oiticica Filho já exploravam as duas expressões nos anos 1940. Também tentamos seguir este caminho na curadoria, sem promover nenhuma hierarquização entre pintura e fotografia.

Múltiplos encontros

A dupla separou os conjuntos em sete núcleos, a partir de uma abordagem livre da divisão da arte visual em gêneros, do autorretrato à abstração. Assim, obras de Tarsila do Amaral, Portinari, Di Cavalcanti, Guignard, Volpi, Pancetti e Ismael Nery ganham novas possibilidades de troca com imagens que vão dos anos 1920 aos 1980, a partir da pesquisa em coleções do Instituto Moreira Salles (IMS), Museu de Arte Moderna (MAM) e de fotoclubes e sociedades de fotografia, populares no país na primeira metade do século XX.

— Trabalhei com acervos dos fotoclubes Brasileiro e Bandeirante, que não existem mais, e da Sociedade Fluminense de Fotografia, que ainda está em atividade. Muitos dos seus membros tinham a foto como hobby e se mantiveram amadores. Outros se profissionalizaram, como o German Lorca, que foi inicialmente para a publicidade, ou o José Oiticica Filho, pai do Hélio, que desenvolveu um trabalho artístico — destaca Marcia.

Para a curadora, a exposição permite uma revisão do entendimento de que, a partir da invenção da fotografia, a pintura pôde deixar de lado o realismo, abrindo campo para novas investigações estéticas, sem que estas linguagens viessem a compartilhar os mesmos questionamentos e interesses desde o primeiro momento.

 Foto de Geraldo de Barros (esq.) e tela de Pancetti, na mostra “Duplo olhar”: relação entre linguagens Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Foto de Geraldo de Barros (esq.) e tela de Pancetti, na mostra “Duplo olhar”: relação entre linguagens Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

— O modernismo no Brasil incorporou menos a fotografia e o cinema do que outras vanguardas europeias. O modernismo na fotografia foi mais tardio aqui. Mas no fim dos anos 1930 já era possível ver vários destes cruzamentos, muitos destes diálogos estavam no inconsciente de artistas e fotógrafos — observa Marcia.

Outro diálogo que se desenrola, no térreo, é entre a arte contemporânea e a própria Casa Roberto Marinho, cuja coleção é centrada no modernismo e na abstração informal. A área externa do imóvel já mantém obras de nomes como Raul Mourão, Carlos Vergara e Ascânio MMM. A mostra “O jardim” amplia o encontro, ao convidar artistas contemporâneos para produzir 40 múltiplos cada. O projeto promove trocas inspiradas no tripé que caracteriza o espaço: no ano passado, foi realizada a exposição de múltiplos “A casa”, seguida este ano por “O jardim” e, em 2020, será a vez de “A coleção”.

Marcia Mello e Paulo Venancio Filho, curadores da coletiva 'Duplo olhar' Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Marcia Mello e Paulo Venancio Filho, curadores da coletiva 'Duplo olhar' Foto: Ana Branco / Agência O Globo

— Cada artista trouxe sua própria concepção de jardim. A Regina Silveira fez uma serigrafia com imagens de vários insetos, esses habitantes menos lembrados daqueles espaços. Já Paulo Climachauska vê o jardim como uma criação humana, por isso sua obra traz as digitais dele e de suas assistentes em cada um dos múltiplos — explica Lauro Cavalcanti.

“O jardim” destaca ainda o processo por trás da confecção das obras, com um registro em vídeo do trabalho dos artistas e as matrizes usadas para fazer os múltiplos.

— Também destacamos a figura do impressor, com os profissionais entrando nos créditos de cada trabalho. Não é algo muito comum, mas é importante jogar luz nestes profissionais fundamentais na construção dos trabalhos — reforça Cavalcanti. — É interessante poder compartilhar com o público não só o resultado, mas todo o processo que envolve a produção artística.

Serviço

“Duplo olhar” e “O jardim”

Onde: Casa Roberto Marinho — Rua Cosme Velho, 1105. Quando: Ter. a dom., das 12h às 18h. Até 26/4/2020. Abertura nesta sexta-feira. Quanto: R$ 10. Classificação: Livre.