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Exposição ‘Múltiplo Leminski’, sobre a vida e a obra do poeta, chega ao Rio

Mostra, na Caixa Cultural, apresenta faces menos conhecidas do artista curitibano
A exposição sobre o multiartista Paulo Leminski chega ao Rio depois de passar por sete cidades e ser vista por 350 mil pessoas Foto: Dico Kremer/Divulgação
A exposição sobre o multiartista Paulo Leminski chega ao Rio depois de passar por sete cidades e ser vista por 350 mil pessoas Foto: Dico Kremer/Divulgação

RIO - Paulo Leminski era poeta e professor de judô. Era publicitário e roteirista de quadrinhos eróticos. Era ensaísta e compositor. Era jornalista e artista gráfico. Paulo Leminski não era um, era muitos. E a exposição “Múltiplo Leminski”, que será aberta amanhã na Caixa Cultural depois de passar por sete cidades e ser vista por cerca de 350 mil pessoas, apresenta um panorama da vida e da obra do poeta, morto precocemente em 1989, aos 45 anos. Ao todo, mais de mil objetos do acervo pessoal de Leminski desembarcam na cidade e ficam expostos até o dia 6 de março. A curadoria da exposição é da viúva, Alice Ruiz, e das filhas, Estrela Ruiz Leminski e Áurea Ruiz Leminski. A ambientação e a cenografia são do cenógrafo argentino Miguel Paladino.

Hoje e amanhã haverá também a exibição de curtas e longas-metragens documentais sobre o artista, com exibições às 14h30m, 16h30m e 18h (hoje) e 18h30m (amanhã). A entrada é franca, com distribuição de senhas meia hora antes do início das sessões. Na edição carioca da mostra, foi incluída pela primeira vez a escrivaninha onde Leminski trabalhava. Áurea destaca ainda documentos manuscritos e datilografados, cadernos e até guardanapos do acervo pessoal do pai. A máquina de escrever do artista também está presente.

— Apesar de ter sido mais conhecido pela obra poética, em todas as áreas em que atuou as multilinguagens estão presentes. Cada faceta desperta o interesse do público em mergulhar mais na diversidade da produção de Leminski. Das faces menos conhecidas, que despertam surpresa em quem vê a exposição, eu diria que é a de roteirista de histórias em quadrinhos eróticas e a produção literária e musical para o público infantojuvenil — aponta Áurea, lembrando dos livros “Guerra dentro da gente” e “A lua no cinema”, além do disco “Pirlimpimpim”, de Guilherme Arantes (as canções têm melodia de Arantes e letras do poeta).

A mostra é dividida em espaços de acordo com as diferentes facetas do artista. Na abertura, um pôster de Leminski e Alice, de braços abertos, recebe os visitantes ao lado dos versos “nunca quis ser/ freguês distinto/ pedindo isso e aquilo/ vinho tinto/ obrigado/ hasta la vista”. Na área dedicada a “Catatau”, imaginária e alucinógena viagem de René Descartes ao Recife junto às tropas de Maurício de Nassau descrita em prosa experimental, é possível encontrar os esboços e a reprodução do caderno do poeta.

Os quadrinhos eróticos também ganharam um espaço próprio. Um deles tem o sugestivo título “O anãozinho do bordel”. Em uma das paredes, há um enorme grafite colorido do rosto de Leminski. Estrela conta que a primeira vez em que pegou numa lata de spray na vida foi com seus pais, quando tinha quatro anos. Os dois saíam pelas ruas de Curitiba para grafitar versos nos muros.

— A ideia da poesia marginal era a do “faça você mesmo” e da ocupação da poesia nos espaços, de outdoors a camisetas. Ele amava a linguagem contemporânea urbana, a vanguarda paulista e o punk rock. Essas manifestações contextualizam a sua produção, inclusive. Ele curtia quadrinhos também, mas passou a escrever os roteiros a convite da minha mãe, que era editora de uma revista. Esses quadrinhos de ambos saíram no final do ano passado no livro “Afrodite: quadrinhos eróticos” (Editora Veneta) — conta Estrela.

Espaço dedicado à poesia de Leminski explora todas as etapas do seu processo criativo Foto: Divulgação
Espaço dedicado à poesia de Leminski explora todas as etapas do seu processo criativo Foto: Divulgação

Conectado aos movimentos de vanguarda do seu tempo, da geração mimeógrafo aos concretistas paulistas, o “Rimbaud curitibano com físico de judoca” — como o descreveu Haroldo de Campos na primeira edição de “Caprichos & relaxos”, de 1983 — construiu um estilo sintético e de alto poder de comunicação. Na definição da crítica Leyla Perrone-Moisés, ele “simplesmente não deixa por mais quando pode acertar no menos, nem se contenta com o mais ou menos”. Nada disso isso impediu sua apreciação por um público amplo. Lançada em 2013, a antologia “Toda poesia” — reunindo “Quarenta clics em Curitiba”, “Caprichos & relaxos”, “Distraídos venceremos” e “La vie en close” — entrou na lista dos best-sellers e vendeu mais de 120 mil exemplares. Para Áurea, isso ocorre porque seu pai foi precursor num estilo de linguagem muito corrente hoje, com uma comunicação objetiva e concisa.

— Leminski tinha senso de humor, era capaz de falar sobre as coisas mais complexas e profundas usando uma linguagem simples e direta. Somado à sua figura transgressora e polêmica, fez uma legião de fãs jovens, e deve continuar fazendo — afirma ela.

A primeira montagem da exposição foi aberta em outubro de 2012, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, cidade natal do artista, a convite da direção da instituição. Alice então passou a se debruçar sobre o enorme acervo do marido para criar uma unidade que permitisse ao público compreender todo o seu processo criativo. A família já vinha trabalhando na digitalização e catalogação do acervo desde 2008. O objetivo era salvar todo o conteúdo que estava se degradando e, posteriormente, colocá-lo na internet, boa parte já disponível em pauloleminski.com.br.

Desse baú vieram as fotografias da exposição que lembram o fascínio do poeta pelo judô, esporte no qual era faixa- preta, e pelo caratê. Leminski e Alice eram amantes da cultura japonesa, estudaram a língua para compreender a estrutura dos haicais.

— A cultura do Japão é bélica, e ele tinha isso em casa, era filho e neto de militares. Ao mesmo tempo, era apaixonado pela poesia concreta, que também se interessou pela escrita japonesa, altamente simbólica e visual. Ele e minha mãe já lutavam judô quando se conheceram, e todos os filhos praticaram na infância também — diz Estrela.