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Flip 2019: Maureen Bisilliat conta como enveredou pelo grande sertão com dicas de Guimarães Rosa

Inglesa mergulhou nos 'mundos dos autores' incentivada pelo escritor em pessoa
A fotógrafa Maureen Bisilliat, convidada da Flip 2019 Foto: Leo Martins / Agência O Globo
A fotógrafa Maureen Bisilliat, convidada da Flip 2019 Foto: Leo Martins / Agência O Globo

PARATY - Só uma pessoa nesta Flip pode dizer que enveredou pelo grande sertão incentivada por Guimarães Rosa em pessoa: Maureen Bisilliat, fotógrafa que participa nesta quinta (11)  da mesa “Serra Grande”, às 19h, onde contará essa e outras histórias.

Nascida na Inglaterra, em 1931, ela rodou o mundo com o pai diplomata até se fixar em São Paulo, em 1957, e se naturalizar brasileira. Em 1962, ganhou uma edição de “Grande sertão: veredas”, obra-prima de Rosa e, após vencer a prosa sui generis , impôs-se outro desafio: queria fotografar as paisagens atravessadas por Riobaldo, Diadorim e bandos de jagunços. Decidiu consultar o próprio autor mineiro que, sim, lhe encorajou a meter o pé na estrada.

Rosa sugeriu que começasse a peregrinação por Andrequicé, onde vivia o vaqueiro que inspirou Manuelzão, de “Manuelzão e Miguilim”. A partir daí, Maureen se embrenhou em Minas Gerais e voltou com as fotos que compõem o livro “A João Guimarães Rosa” (1969). Esse foi o primeiro livro em que Maureen exercitou a “equivalência fotográfica”: substituiu as legendas das fotos por trechos de “Grande sertão”, promovendo um diálogo entre as imagens e a literatura.

Depois de “A João Guimarães Rosa” vieram outros livros que combinam fotografia e literatura: “A visita”, que empresta versos de Carlos Drummond de Andrade; “O cão sem plumas”, que junta fotos de caranguejeiras paraibanas com o poema de João de Mello Neto; “Chorinho doce”, para Adélia Prado; “Bahia Amada Amado”, com retratos baianos e excertos de Jorge Amado; e “Sertões: luz & trevas”, com trechos de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, o homenageado desta Flip.

— Trabalhar com essas grandes obras foi para mim uma introdução ao Brasil — diz Maureen, hoje com 88 anos. — Não fiz esses livros de fotos porque queria ilustrar esses clássicos, mas para entender a relação desses escritores com seus territórios, seus mundos. Como morei em muitos lugares, talvez anseie por estar com quem tem raízes profundas.

Descobrindo Brasis

Maureen descobriu o Brasil lendo e viajando pelo país como fotojornalista das revistas “Realidade” e “Quatro Rodas”, da Editora Abril, de 1964 a 1972. As fotos de “O cão sem plumas” eram, inicialmente, parte de uma reportagem da “Realidade”.

— Fotografar para revistas me possibilitou ir a lugares que eu jamais conheceria sozinha — conta. — Sempre me vi como uma fotógrafa tecnicamente pouco ousada, o que me ajudava era a cumplicidade que se formava entre mim e as pessoas. Tenho raras fotos espontâneas e nunca soube fotografar paisagem.

No começo dos anos 1980, Maureen reuniu fotos tiradas nos sertões do Ceará, Alagoas e Bahia para um livro. Pediu que Ariano Suassuna escrevesse uma introdução — e ele entregou 214 páginas datilografadas! Era texto demais, e Maureen precisou recorrer a outro autor. Pensou em Euclides, porque os sertanejos que fotografou viviam de forma semelhantes aos moradores do arraial de Canudos.

Da foto ao vídeo

Selecionou os trechos “mais exaltados” da primeira e da segunda parte de “Os sertões”, “A terra” e o “O homem”, para costurar texto e imagem em “Sertões: luz & trevas” (1982). O livro acaba de ser reeditado pelo Instituto Moreira Salles (IMS) com posfácios da crítica Walnice Nogueira Galvão, estudiosa de “Os sertões”, e do escritor Miguel Del Castillo.

Os retratos sertanejos de Maureen brincam com luzes coloridas, formas pouco nítidas e enquadramentos inesperados. Alguns deles estão expostos na Casa do IMS em Paraty. “Sertões: luz & trevas” foi publicado na Alemanha em 1984, com tradução de Berthold Zilly e posfácio de Mario Vargas Llosa, o que incentivou a aparição da primeira edição alemã de “Os sertões”, uma década depois.

Maureen, que chegou a estudar Artes Plásticas em Paris e Nova York, abandonou a fotografia nos anos 1980 e passou a fazer vídeos, pois “sentia falta do gesto e da palavra”. Ela, inclusive, confessa que gosta mais dos processos de revelação fotográfica em laboratório do que de bater retratos.

Há seis anos, com a ajuda do editor de vídeo Felipe Lafé, ela se dedica ao documentário “Equivalências: aprender vivendo”, que repassa sua trajetória fotográfica e familiar. Nas palavras dela, o filme é “a síntese de uma vida desconexa em uma hora e meia”.

Desde o início de 2019 Maureen está atrás de autorizações para o uso de músicas na trilha sonora, que vai misturar Thelonious Monk, Gustav Maher, Benito de Paula e canções bregas que ela ouvia em suas incursões pelo Brasil. Arrumar as autorizações têm dado mais trabalho do que imaginava.

Estética do frio

Maureen admitiu ao GLOBO que há um pedaço da geografia literária brasileira que ainda não conseguiu registrar em seus livros fotográficos: o Rio Grande do Sul de Erico Verissimo, autor da trilogia histórica “O tempo e o vento”.

Recentemente, ela resolveu aplicar a “mágica da arrumação” da mega-seller japonesa Marie Kondo para botar ordem na papelada acumulada em um dos cômodos de sua casa. No meio da faxina, encontrou um telegrama de Erico Verissimo que mencionava um possível livro de retratos gaúchos, mas o escritor morreu antes do início do projeto.

— Eu o visitei em Porto Alegre, nos anos 1970. — relata Maureen. — Lembro dele, no frio, sentado perto de uma lareira, apontando a biblioteca e falando dos autores que ele admirava. Era uma pessoa de uma modéstia sem igual.

A programação completa

Quarta, 10 de julho

19h - 20h: Mesa 1 I Sessão de Abertura - Canudos
Walnice Nogueira Galvão

Na “Sessão de Abertura” da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty , a crítica literária Walnice Nogueira Galvão junta seus estudos da obra de Euclides da Cunha, o autor homenageado, à sua trajetória pessoal e a história política do país.

Quinta, 11 de julho

10h30m - 11h15m | Mesa 2 | Bendegó
Aparecida Vilaça

A antropóloga, autora de 'Paletó e eu' , fala sobre seus anos de convivência com Wari’, e o que aprendeu sobre as práticas cotidianas e rituais desse indígenas.

12h - 13h15m | Mesa 3 | Uauá
Adriana Calcanhotto
Guilherme Wisnik
Nuno Grande

Nesta conversa, Adriana Calcanhotto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande cruzam arquitetura, urbanismo, literatura e música. Os três artistas — envolvidos na exposição "Infinito vão: 90 anos de arquitetura brasileira" (Casa de Arquitetura, Porto, Portugal, 2018/2019) – se reencontram e recriam as experiências vivenciadas por lá.

15h30m - 16h15m | Mesa 4 | Sincorá
José Miguel Wisnik

O ensaísta e crítico literário José Miguel Wisnik parte da atividade mineradora para interpretar a obra do poeta Carlos Drummond de Andrade — tema de seu livro mais recente, "Maquinação do mundo" . O assunto ganha ainda mais atualidade com os recentes desastres das cidades mineiras de Mariana e Brumadinho.

17h - 18h15m | Mesa 5 | Bom Conselho
Kristen Roupenian
Sheila Heti

O encontro entre a canadense Sheila Heti e a americana Kristen Roupenian questiona a maneira como as mulheres têm sido representadas na escrita. Heti conversa com o público sobre seu último livro, "Maternidade" e sobre a escolha de não ser mãe ; enquanto Roupenian passeia por "Cat person " .

19h - 19h45m | Mesa 6 | Serra Grande
Maureen Bisilliat

A fotógrafa inglesa naturalizada brasileira se debruçou sobre a imagética do sertão e dos povos do Xingu . Na mesa ela relata como se dá a união que forjou sua obra e vida: o encontro entre imagem, palavra e geografia. A mesa conta ainda com projeções do trabalho da artista.

20h30m - 21h45m | Mesa 7 | Quirinquinquá
Gaël Faye
Kalaf Epalanga

Entre música e literatura, entre dois continentes, Gaël Faye e Kalaf Epalanga transitam por universos diversos. Os romances de estreia desses autores têm inspiração autobiográfica e tocam em questões complexas como a guerra, a imigração africana para a Europa.

22h - 0h10m |  Auditório da Praça | Golpe de vista

Haverá exibição do filme "Deus e o diabo na terra do sol" (1964), de Glauber Rocha, em homenagem ao cineasta que completaria 80 anos em 2019. Haverá ainda uma apresentação performática da cantora, compositora e cineasta Ava Rocha, filha do diretor baiano.

Sexta, 12 de julho

10h - 11h15m | Mesa 8 - Mesa Zé Kleber | Cumbe
Marcela Cananéa
Marcelo D’Salete

O premiado quadrinista paulistano, autor de obras sobre história e cultura afro-brasileira , se encontra com uma paratiense militante do Fórum de Comunidades Tradicionais, que reúne lideranças de Paraty, Angra e Ubatuba.

12h - 13h15m | Mesa 9 | Angico
Ayelet Gundar-Goshen
Ayobami Adebayo

As romancistas, vindas de dois lugares bastante diferentes – Nigéria (Ayobami Adebayo) e Israel (Ayelet Gundar-Goshen ) –, encontram pontos de convergência ao conversar sobre a definição de família, a posição da mulher nas sociedades mais tradicionais e a criação de laços íntimos em meio a conflitos de ordem pública.

15h30 - 16h15m | Mesa 10 | Tróia de Taipa
José Murilo de Carvalho

O historiador brasileiro completa oitenta anos este ano e, nesta conversa, revela aspectos de sua carreira intelectual , com especial atenção à pesquisa sobre a revolta de Canudos e o exército brasileiro.

17h - 18h15m | Mesa 11 | Jeremoabo
Karina Sainz Borgo
Miguel Del Castillo

A escrita como maneira de trabalhar questões subjetivas — relações familiares, luto e perda — e também a objetividade das realidades sociais é o mote desta mesa. Nesse diálogo, reúnem-se dois estreantes no romance, a venezuelana Karina Sainz Borgo e o brasileiro Miguel Del Castillo, ambos influenciados por panoramas nacionais acirrados.

19h - 19h45m | Mesa 12 | Mata da Corda
Grada Kilomba

A artista descendente de angolanos e são-tomenses, nascida em Portugal, oferece ao público uma reflexão sobre feminismo negro , além da descolonização do pensamento praticada em suas performances, videoinstalações e leituras encenadas.

20h30m - 21h45m | Mesa 13 | Vaza-Barris [O Irapiranga dos Tapuias]
Ailton Krenak
José Celso Martinez Corrêa

O pensador indígena e o diretor de teatro, ator e dramaturgo conversam sobre liberdade, valorização da cultura e convivência com a diversidade.

22h às 0h | Auditório da Praça | Flip Slam

Uma competição de Slam, efervescente movimento de batalhas de poesia falada , com poetas internacionais no Auditório da Praça.

Sábado, 13 de julho

10h30 - 11h15m | Mesa 14| Cansanção
Marilene Felinto

A escritora e crítica brasileira fala de sua produção literária que toca em questões de gênero, raça e condição social no Brasil, além de ler trechos de suas obras.

12h - 13h15m | Mesa 15 | Monte Santo
Ismail Xavier
Miguel Gomes

Quais são as formas possíveis de representação do sertão no cinema? O grande crítico de cinema brasileiro Ismail Xavier conversa com o cineasta português Miguel Gomes, que atualmente dirige o longa-metragem "Selvajaria", uma adaptação livre de Os sertões.

15h30m - 16h15m | Mesa 16 | Poço de Cima
Grace Passô

A dramaturga, diretora e atriz premiada é a convidada deste encontro, que se divide em dois tempos: uma performance autoral da artista e um bate-papo.

17h - 18h15m | Mesa 17 | Vila Nova da Rainha
Carmen Maria Machado
Jarid Arraes

Neste encontro, reúnem-se Jarid Arraes, autora de Juazeiro do Norte, que reinventa a poesia de cordel ; e Carmen Maria Machado , autora nascida nos Estados Unidos, filha de cubanos, que mistura formas narrativas tradicionais e não tão tradicionais assim.

19h - 19h45m | Mesa 18 | Massacará
Sidarta Ribeiro

O neurocientista irá substituir o biólogo Stuart Firestein, baixa de última hora da Flip . Sidarta é fundador e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e seu último livro publicado é "O oráculo da noite", sobre como nosso cérebro processa os sonhos.

20h30 - 21h45m | Mesa 19 | Cocorobó
Cristina Serra
David Wallace-Wells

Dois jornalistas, a brasileira Cristina Serra e o americano David Wallace-Wells abordam os meandros científicos, econômicos e políticos dos impactos causados pela intervenção humana no planeta, além de nos apresentarem as possíveis – e prováveis – consequências sombrias de certas práticas para o futuro.

22h - 23h30m | Igreja da Matriz | Máquinas do mundo

Performance situada em uma zona de contágio entre as artes plásticas, a literatura e o teatro, Máquinas do mundo, do núcleo de arte da mundana companhia de teatro, explora as potencialidades estéticas contidas no contraponto entre o poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, “O delírio”, sétimo capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e um capítulo de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.

Domingo, 14 de julho

10h30 - 11h45m | Mesa 20 | Santo Antônio da Glória
Bráulio Tavares
Mariana Enriquez

Ficção científica, poesia de cordel, histórias fantásticas e de terror são alguns dos temas que pautam esta mesa, que reúne dois escritores – um brasileiro e uma argentina – que transitam por gêneros diversos, como contos, crônicas, romances e textos jornalísticos.

12h30 - 13h15m | Mesa 21 | Livro de Cabeceira
Participação especial: Amyr Klink

A tradicional mesa de despedida da Flip, em que autores leem trechos de seus livros preferidos recebe, pela primeira vez, um convidado especial: Amyr Klink .