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Mestre dos quadrinhos brasileiros, Quintanilha lança 'caixa de tesouros'

'Todos os santos' reúne histórias raras e inéditas do premiado quadrinista
O quadrinista Marcello Quintanilha em uma calçada da Avenida Nossa Senhora de Copacabana (29/8/2018) Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo
O quadrinista Marcello Quintanilha em uma calçada da Avenida Nossa Senhora de Copacabana (29/8/2018) Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo

RIO — Em 1988, o jovem niteroiense Gaú foi pela primeira vez à sede da Bloch Editores, na Glória. Entrou com uma pasta de desenhos e saiu com uma missão: transformar o roteiro de “Mestre Kim e os dragões de Bali” em uma história em quadrinhos (sua primeira). Começava a carreira do ilustrador e quadrinista Marcelo Quintanilha, autor de obras premiadas como “Fealdade de Fabiano Gorila” (1999), “Sábado dos meus amores” (2009) e “Tungstênio” (2014) — que este ano virou filme de Heitor Dhalia — e “Talco de vidro” (2015).

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"O sagrado e o profano", história de 1990 com texto de Antonio Krisnas e arte de Marcelo Quintanilha, que na época assinava como Gaú Foto: Reprodução
"O sagrado e o profano", história de 1990 com texto de Antonio Krisnas e arte de Marcelo Quintanilha, que na época assinava como Gaú Foto: Reprodução

Vivendo em Barcelona desde 2002, Quintanilha se destaca pelos temas e personagens brasileiríssimos: suas cenas em subúrbios e botecos povoados por tipos de ocupação incerta e moral ambígua já fizeram com que Aldir Blanc o chamasse de “Rosselini tupiniquim”. Detalhe: ao longo desses 30 anos, o “cineasta” fez vários “curtas-metragens” muito comentados e pouco vistos — que agora são reunidos em um só volume. “Todos os santos”, da editora Veneta, apresenta ilustrações, tiras, colaborações para títulos estrangeiros e até trechos daquelas aventuras de artes marciais que ele fez adolescente — e das quais tem muito orgulho.

— Assim como hoje, dei o máximo que eu podia naqueles desenhos. Mesmo que os enredos não fossem meus, colocava algo de mim naquelas histórias. Eu ainda sou aquele garoto de 16 anos fã de John Buscema — diz o quadrinista, citando o lendário desenhista dos super-heróis da Marvel.

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Ilustração de Marcelo Quintanilha para "Vanguardia Dossier", 2007 Foto: Reprodução
Ilustração de Marcelo Quintanilha para "Vanguardia Dossier", 2007 Foto: Reprodução

Filho de um ex-jogador de futebol e uma professora primária, o pequeno Gaú cresceu no Barreto, em Niterói, bairro de classe média baixa que ele já conheceu decadente. Ele conta que sua infância e adolescência foi entre fábricas fechando portas, campinhos de várzea sendo loteados, vilas operárias sendo descaracterizadas ou abandonadas e eventos locais esvaziando-se ano após ano.

— Crescer nesse ambiente me incutiu desde cedo um sentimento de nostalgia. Era um mundo se desfazendo, mas que permanecia nas pessoas e coisas em minha volta, e eu sempre estive atento a essa memória — conta Quintanilha, que nas duas semanas que passou no Brasil reservou algumas tardes para flanar pelo Centro do Rio e de Niterói e garimpar sebos — “infelizmente, cada vez mais raros”, diz o quadrinista.

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"A guerra dos mundos", tira de Marcello Quintanilha publicada no "Estado de S. Paulo" em 2010 Foto: Reprodução
"A guerra dos mundos", tira de Marcello Quintanilha publicada no "Estado de S. Paulo" em 2010 Foto: Reprodução

“Não me afastei nem 10 centímetros”

Essa conexão com o passado e o cotidiano aos poucos foi surgindo nos quadrinhos de Quintanilha, como em “Acomodados!! Acomodados!!”, história em que surgem as ruas cariocas do começo do século XX. Premiada em 1991 na Bienal Internacional de Histórias em Quadrinhos do Rio de Janeiro, ela é publicada em livro pela primeira vez em “Todos os santos”. Também estão presentes as tiras que fez para o jornal “O Estado de S. Paulo” em 2010 e narrativas curtas publicadas na imprensa francesa, italiana e britânica.

Mesmo vivendo há 16 anos na Catalunha com sua esposa, Luciana, o niteroiense diz que sua conexão com o Brasil permanece intacta.

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"Pixinguinha, João da Baiana e Donga" - ilustração-conceito para o curta de animação "Samba da planície" Foto: Reprodução
"Pixinguinha, João da Baiana e Donga" - ilustração-conceito para o curta de animação "Samba da planície" Foto: Reprodução

No percurso de carro entre Copacabana, onde ontem foi feita a foto desta página, e o SESC Tijuca, onde o artista participaria de uma sessão especial de “Tungstênio”, Quintanilha foi comentando a paisagem que passava. Como um guia turístico particular, aponta a rua onde comeu “uma tapioca incrível”, um sobrado histórico em Botafogo, o local de um antigo restaurante na Praça da Bandeira e o casario desaparecido da Avenida Presidente Vargas — que ele recorda da abertura do filme “Toda nudez será castigada” (1972).

— Vivo a milhares de quilômetros, mas não me afastei nem 10 centímetros das minhas referências. Carrego o Brasil dentro de mim.

Capa de "Todos os santos", de Marcello Quintanilha Foto: Reprodução
Capa de "Todos os santos", de Marcello Quintanilha Foto: Reprodução

TODOS OS SANTOS

Autor: Marcello Quintanilha. Editora: Veneta. Páginas: 112. Preço: R$ 84,90.