Cultura

O brasileiro Ennio Torresan, que trabalha na DreamWorks, é homenageado no Anima Mundi

Gerente de storyboard da produtora, com filmes da Disney e episódios de ‘Bob Esponja’ no currículo, o carioca há 20 anos radicado nos EUA, abre uma ponte com o Brasil

O animador carioca Ennio Torresan
Foto: Divulgação
O animador carioca Ennio Torresan Foto: Divulgação

Morador de Burbank, na Califórnia, o carioca Ennio Torresan, que trabalha nos EUA há 20 anos, foi cúmplice na fuga de quatro animais (um leão, uma girafa, um hipopótamo e uma zebra) de um zoológico de Nova York em 2005. Tem ainda em sua ficha ligações com um esquema ilegal de lutas chefiado por um feneco e conexões com um ET cabeçudo, que tentou dominar o mundo em 2010. Em sua vizinhança, quando ele passeia com os filhos Enzo, de 4 anos, e Mila, de 3, ninguém desconfia que aquele brasileiro bonzinho, quase cinquentão, seja responsável por parte das loucuras que o setor de animação da DreamWorks leva às telas. A mais recente é a ideia de botar um caracol para disputar a Fórmula Indy em “Turbo”, sucesso de bilheteria no Brasil, onde estreou há uma semana — com cerca de 300 mil espectadores em três dias —, e cujos storyboards foram desenhados por Torresan.

— Aos 7 anos, eu já copiava quadros de Monet e Manet que via em reproduções lá em casa, sem saber da importância daqueles artistas. Eu era um verdadeiro falsário, que, ainda menino, copiava o que via. Bem garoto, pedi à minha mãe para fazer aula de pintura e fiz. Aquela criança ainda está por aí, aqui, dentro de mim — diz o diretor, escolhido para ser o homenageado brasileiro do 21º Anima Mundi, que começa na próxima sexta-feira, dia 2, na Fundição Progresso.

Versatilidade de gêneros

A vinda de Torresan ao Brasil vai se estender também ao Rio Grande do Sul, no 41º Festival de Gramado (de 9 a 17 de agosto), onde ele vai “perder a virgindade” na direção de longas nacionais. Torresan já tem duas décadas de carreira como animador e passagens por estúdios como a Disney (onde fez “Teatcher’s pet”, em 2000) e a Nickelodeon (onde animou 15 episódios de “Bob Esponja” em 1998). Mas é a primeira vez que disputa o Kikito de melhor filme em Gramado, com “Até que a Sbórnia nos separe”, codirigido por Otto Guerra.

— Desenhava as cenas do filme aqui nos EUA e as enviava via iPhone para o Otto — diz Torresan, hoje com 49 anos.

Em solo americano, a jornada de trabalho de Torresan para Hollywood é árdua, como explica David Soren, diretor de “Turbo”, por-email.

— O head of story, gerente do setor de storyboard, posto de Ennio, é uma das posições mais cobradas de um longa animado, pois exige entendimento de dramaturgia, câmera, iluminação e efeitos especiais. E ali as ideias são trocadas em forma de desenho. Como chefe, ele precisou supervisionar uma equipe de artistas ao longo de quase três anos. Mas ele é uma lenda no setor, por dominar várias áreas. É versátil na comédia, na ação e no drama — diz Soren.

Ao largo de seus compromissos com as franquias “Madagascar” (daqueles bichos animados que ajudou a fugir) e “Kung Fu Panda” (de onde veio o citado o feneco brigão, Shi-Fu), além do longa “Megamente”, Torresan investiu cinco anos de trabalho em “Até que a Sbórnia nos separe”. O projeto é baseado na peça de teatro gaúcha “Tangos & tragédias”.

— Quando viu um trecho da nossa “Sbórnia”, numa visita ao Brasil, em 2007, Ennio se dispôs a ajudar — conta Otto Guerra. — Em poucos dias, ele enviou um trechinho que animou. Raras vezes eu choro vendo filmes. Mas ao ver o que Ennio havia feito para nós, chorei de emoção. Nosso filme daria um passo de gigante com ele.

Antes de Gramado, no dia 6, Torresan conversa com o público do Anima Mundi, às 20h, na Fundição, onde vai relembrar sua experiência no exterior. Ela começou com o sucesso mundial de um curta, “El macho”, lançado por ele no primeiro Anima Mundi, em 1993.

— Por mais de uma década, “El macho” ostentou a fama de ser o melhor filme de animação do Brasil e serviu como referência de qualidade a gerações de diretores — diz o animador Marão, homenageado do festival em 2012 e diretor de “Eu queria ser um monstro” (2010). — Ali você vê a base das caretas que Ennio usa em seus trabalhos americanos.

Formado em Pintura na Escola de Belas Artes da UFRJ, Torresan fez um curso de animação na Casa de Cultura Laura Alvim em 1986, onde dirigiu um curta, “A porta”. Um ano após o curso, “El macho” começou a ser feito, aos poucos.

— Quando o filme terminou, mandei-o para um estúdio na Inglaterra, o Amblimation, que me chamou para trabalhar. Fui, ganhei grana e voltei, mas aí pintou um convite para animar nos EUA, e aqui estou — diz o diretor, que trabalhou com um papa da animação dos país, Ralph Bakshi, de “Fritz the cat” (1972).

Antes de ser animador, Torresan trabalhou com gibis, em revistas como “Mad” e “Quadra da praia”.

— Ennio desenhava em revistas dos anos 1980. Fez uma capa para mim na “Medo”, em 1985. Tinha uma marca forte para a sátira — diz o quadrinista Ofeliano de Almeida, criador da HQ “Leão Negro”.

Buscando uma ponte entre o Brasil e os EUA, Torresan diz que a fluidez do mercado de animação é seu maior desafio:

— O que é popular um ano no próximo provavelmente será velho — diz. — Adaptabilidade sem perder o estilo é algo difícil, mas essencial.