Política Obituário

Morre aos 77 anos em São Paulo o publicitário Duda Mendonça

Marqueteiro da campanha de Lula em 2002 foi vítima de um câncer no cérebro
O publicitário Duda Mendonça durante depoimento na CPMI dos Correios, em 2005: peça chave no escândalo do Mensalão Foto: Ailton de Freitas-11-08-2005 / Agência O Globo
O publicitário Duda Mendonça durante depoimento na CPMI dos Correios, em 2005: peça chave no escândalo do Mensalão Foto: Ailton de Freitas-11-08-2005 / Agência O Globo

RIO E SÃO PAULO — O publicitário Duda Mendonça morreu nesta segunda-feira aos 77 anos. Ele estava  internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, há dois meses e foi vítima de um câncer no cérebro, segundo informou o colunista Lauro Jardim .

Um dos marqueteiros políticos mais importantes do país, Duda fez a campanha do ex-presidente Lula em 2002 que levaria o PT ao poder pela primeira vez. Com forte apelo emocional, o publicitário conseguiu traduzir no programa de televisão a linha "Lulinha, Paz e Amor", que marcaria vitória do petista naquele ano.

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Depois de ser corretor de imóveis, Duda Mendonça começou na publicidade em 1975, ano em que abriu a agência DM9, em Salvador. Na década de 1980, se destacou com a proganda do Gelol que tinha o slogan "Não basta ser pai, tem que participar". O filme levou o Leão de Bronze no Festival de Cannes em 1984. outra propaganda, de uma ótica de Salvador, feita por Duda havia vencido o Leão de Ouro no festival francês um ano antes. A DM9 seria vendida em 1989 para Nizan Guanaes e Guga Valente e transferida para São Paulo.

Entre os colegas publicitários, Duda era famoso por conseguir falar a linguagem do povo. "Eu comecei a minha carreira como estagiário do Duda Mendonça. E ele me ensinou a falar com o povão, o que sabia fazer como ninguém. Cunhou frases que fazem parte da cultura do Brasil e que viraram expressão popular, como: não basta ser pai, tem que participar", escreveu Nizan, no Instagram.

Antes de vender a DM9, Duda fez a sua estreia no marketing político ao trabalhar na campanha de Mario Kertez (PMDB) à prefeitura da capital baiana, em 1985. Kertez venceu a disputa batendo o candidato Edvaldo Brito, apoiado pelo então todo poderoso Antonio Carlos Magalhães.

Sete anos depois, foi o marqueteiro de Paulo Maluf na campanha para a prefeitura de São Paulo. Foi a primeira vitória de Maluf em uma disputa eleitoral majoritária. Ajudaria ainda a eleger o sucessor de Maluf, Celso Pitta, em 1996. Aquela campanha foi marcada pela apresentação do Fura-Fila, um modelo de transporte em via elevada por veículos elétricos. Ex-assessores de Pitta dizem que o nome foi criado pelo marqueteiro. O Fura-Fila nunca chegou a sair do papel como havia sido originalmente planejado e virou um dos símbolos do fracasso da gestão Pitta. Seria inaugurado uma década depois como corredor de ônibus convencionais.

Em 2002, Lula, que já havia perdido três eleições presidenciais, enfrentou a resistência de setores do PT para contratar o marqueteiro vinculado ao malufismo. Durante aquela disputa, Duda enfrentaria Nizan, responsável pelo marketing do tucano José Serra (PSDB).

A estratégia de suavizar a imagem de Lula deu certo e o petista conseguiu enfim chegar ao Palácio do Planalto. O marqueteiro viveria ali o auge da fama e também protagonizaria episódios controversos. Num jantar no Rio depois do debate do primeiro turno da TV Globo, o marqueteiro deu de presente a Lula uma garrafa do famoso vinho francês Romanée-Conti, de R$ 6.000 em valores da época (equivalente a R$ 18 mil hoje se for considerada a inflação).

Em 2004, seria preso em uma rinha de galo no Rio. O publicitário era, na época, um dos maiores criadores de galos de briga do país. Acabou solto após pagar fiança.

Mas Duda viria mesmo a causar escândalo no ano seginte, quando, em meio às investigações do mensalão, se apresentou espontaneamento à CPI dos Correios para confessar ter recebido pagamento do PT por meio de caixa dois no exterior. O marqueteiro chegou a se emocionar durante o seu depoimento de cerca de sete horas e disse que o operador Marcos Valério havia feitos pagamentos em uma conta nas Bahamas de mais de R$ 10 milhões por campanhas realizadas em 2002. Em 2012, ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Testemunha do dia em que Duda depôs à CPI, o então deputado petista Chico Alencar lembra dos efeitos daquelas palavras sobre o partido. Ele e outros colegas de legenda choraram:

— Ficou famosa nossa foto. Um grupo de deputados chocados, desarvorados e chorando. Eu me lembro quando o partido o contratou para fazer a campanha. Houve grande embate sobre financiamento empresarial de campanha, e no PT sempre apostamos nos meios mais pobres. E, aspas, o produto que ele tinha, o Lula, era muito bom. O saudoso publicitário petista Carlito Maia dizia que quando a esquerda começa a contar dinheiro deixa de ser esquerda — disse Alencar ao GLOBO.

A partir do depoimento na CPI,  chegou ao fim a sua relação profissional com o PT nacional. Já internado, segundo Lauro Jardim, Duda recebeu uma visita de Lula, que estava no Sírio para um check up. Foi a primeira vez que se viram em mais de uma década sem se falar. Em nota nesta segunda-feira, Lula lamentou a morte do publicitário:

"Duda Mendonça foi um gênio da comunicação política. O seu trabalho na campanha de 2002 já está na história como uma das campanhas mais bonitas e sensíveis da nossa história. Em um momento em que o Brasil sofria com uma crise aguda, racionamento de energia e miséria, Duda Mendonça produziu filmes e mensagens de muita sensibilidade, de que a esperança venceria o medo. Aos seus familiares e amigos, meus sentimentos".

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O então secretário de organização do PT, Duda Mendonca, segura dois lenços nas cores verde e amarelo para distribuir no dia da posse de Lula Foto: Sérgio Marques / Agência O Globo
O então secretário de organização do PT, Duda Mendonca, segura dois lenços nas cores verde e amarelo para distribuir no dia da posse de Lula Foto: Sérgio Marques / Agência O Globo

Mesmo depois do mensalão, Duda Mendonça voltou a fazer campanhas políticas.  Em 2014, trabalhou para as candidaturas a governador de Delcídio do Amaral (PT) no  Mato Grosso do Sul e de Paulo Skaf (PMDB) em São Paulo. Os dois foram derrotados.

O trabalho para Skaf colocou o marqueteiro na mira da Lava-Jato. Executivos da Odebrecht acusaram Duda de receber pagamentos do trabalho para o candidato do PMDB por meio de caixa dois. Em junho de 2018, o marqueteiro se tornou delator. O caso ainda não foi julgado e Skaf nega as acusações.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, responsável pela contratação de Duda Mendonça para a campanha de Lula em 2002, chamou o publicitário de amigo e disse que esteve sempre presente e solidário "nos momentos mais duros e difíceis que passamos juntos".

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"Um dia de tristeza e dor pela morte meu amigo Duda Mendonca sempre presente e solidário nos momentos mais duros e difíceis que passamos juntos. Publicitário genial criativo inovador um dos maiores do nosso Brasil responsável pela campanha na TV e rádio que sabia fazer como ninguém vitoriosa de Lula em 2002 mas principalmente amigo e companheiro Deixo aqui meu abraço de conforto a sua esposa Aline Lucas e demais filhos e filhas", disse Dirceu.

O marqueteiro João Santana disse, em nota, que a morte do colega é uma "perda irreparável". Ambos trabalharam juntos. Depois que Duda confessou ter recebido dinheiro não declarado do PT, foi Santana que assumiu a comunicação das campanhas presidenciais do partido.

“É uma perda irreparável. Duda foi um divisor de águas no marketing político brasileiro. Para nossa área, teve o mesmo significado de Boni para a TV brasileira: criador de estilo e renovador de linguagens. Todos nós devemos muito a ele", disse Santana.

Pelas redes, petistas lamentaram a morte de Duda. O governador da Bahia, Rui Costa, descreveu o marqueteiro como "publicitário que teve o seu talento reconhecido no Brasil e no mundo". O deputado federal Paulo Teixeira o chamou de "grande publicitário".