Saúde

Novas técnicas renovam transplante capilar, com resultado mais natural

Evolução da cirurgia trouxe recuperação rápida e preenchimento sem aspecto de 'cabelo de boneca'
O youtuber Flavio Giusti depois da cirurgia Foto: Divulgação
O youtuber Flavio Giusti depois da cirurgia Foto: Divulgação

RIO — Foi depois do fim de um casamento que o youtuber Flavio Giusti, de 44 anos, resolveu se livrar dos dreadlocks que cultivava há duas décadas. Passou a tesoura nas mechas de 70 cm, tingidas de verde-amarelado nas pontas, para só então constatar outra questão: clareiras abertas nas laterais e no topo da cabeça. Era sua retumbante estreia como calvo.

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Conhecido pelos seguidores da plataforma por estampar a cara — e os dreads — há quase dez anos em um canal de receitas, Giusti não conseguiu ficar em paz com o espelho depois da descoberta. Começou a usar boné para disfarçar as falhas, mas ficou com medo de abafar demais o couro cabeludo e agravar o problema. Enfim, procurou uma clínica especializada para ver o que havia de salvação. E encontrou mais do que esperava.

— Antigamente o sujeito fazia o implante e ganhava uma espécie de milharal na cabeça. A coisa evoluiu muito — comemora ele, que optou pela solução cirúrgica há cerca de três semanas e já gravou um vídeo para dividir com o público a satisfação do replantio. — É como ralar o joelho, não precisei nem tomar sedação. Acordei no dia seguinte com umas casquinhas e nada mais.

Metamorfose

De fato, o transplante capilar — expressão hoje considerada mais adequada que “implante” — passou por uma metamorfose expressiva desde sua consolidação, há pouco mais de 20 anos, quando o microscópico foi incorporado ao procedimento. As técnicas atuais deixam cicatrizes quase imperceptíveis e um resultado mais natural, mesmo na linha da testa, onde no passado era fácil detectar o “cabelo de boneca” dos recém-transplantados.

O método mais recente é descrito por uma sigla em inglês, FUE (na tradução, “extração da unidade folicular”). A inovação principal está no rastro deixado na área doadora, que geralmente fica perto da nuca, onde os fios costumam ser à prova de queda. Ali, tradicionalmente se retira uma tira de couro cabeludo, deixando uma cicatriz linear. Hoje são mais comuns as microperfurações esparsas, com um instrumento em forma de cânula chamado punch. Essas marcas desaparecem entre os fios remanescentes, mesmo com o cabelo em corte mais curto.

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— É como se a região doadora fosse a Amazônia e a calva, a caatinga. Onde tem floresta o dano é mínimo, enquanto o ganho para a área transplantada é enorme — explica o cirurgião plástico Mauro Speranzini, que comanda uma clínica especializada em São Paulo.

O transplante capilar é indicado para casos de calvície chamada androgenética, ou seja, com origem nos genes e relacionada aos hormônios masculinos. Esse tipo de perda de cabelo hereditária costuma se manifestar já na casa dos 20 anos e se agravar com o tempo. É mais comum que o problema passe a incomodar depois dos 40. Fatores como estresse, alimentação e até a tração — penteados em coques apertados, como era o caso de Giusti — podem agravar a queda.

— É um processo lento e progressivo que conta com tratamentos clínicos, medicamentosos, como o minoxidil, dependendo do estágio e do incômodo estético do paciente — afirma o cirurgião plástico Fernando Basto, ressaltando que o caminho cirúrgico nem sempre interrompe a progressão. — Há casos de pessoas que dez anos depois nos procuram para fazer uma segunda intervenção porque surgiram novos pontos de calvície.

Dedicado à restauração capilar há 30 anos, Basto acompanhou de perto os avanços. Desde o diâmetro do punch, que costumava ser de 1,5mm e hoje chega a 0,6mm, até a chegada recente dos micromotores manuais. Atualmente, o instrumento giratório poupa uma parte do esforço de remover os folículos. Trata-se de um alívio considerável para o profissional, considerando que uma cirurgia costuma envolver a retirada de 2 a 3 mil unidades foliculares (a porção de tecido com um a quatro fios e suas raízes) e durar em média sete horas.

Anestesia local

Com preços entre os R$ 10 mil e os R$ 36 mil, a FUE é realizada com anestesia local, geralmente acompanhada de uma leve sedação. Depois de retirados, os folículos são cuidadosamente separados e deixados em uma solução nutritiva antes de ganharem novo lar. O paciente deixa o hospital no mesmo dia e tem recuperação rápida e indolor. Os primeiros fios transplantados caem e o cabelo volta a crescer a partir de três meses.

Nessas décadas de experiência, os cirurgiões ampliaram o arsenal de truques na manga, como reservar os folículos com uma só raiz para a linha de frente do rosto. Com fios menos agrupados, o efeito “boneco” é amenizado. Outro esforço é o de garantir que o trauma da retirada seja mínimo para não se perder a vascularização que alimenta essas raízes.

— Consideramos sucesso um transplante em que 95% ou mais unidades foliculares vingam na nova área. Em cirurgias mais grosseiras, temos incisões também grosseiras e uma taxa de êxito menor — diz Speranzini, que neste ano publicou um protocolo com 40 passos para um procedimento bem-sucedido na Revista Forum Internacional, da International Society of Hair Restoration Surgery (ISHRS), principal publicação do segmento do mundo.

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Com o aperfeiçoamento dos procedimentos, caiu o tabu da vergonha que antes cercava a cirurgia. O ator Paulinho Vilhena chegou a postar no Instagram, depois de preencher as entradas já pronunciadas: “Bora bater cabelooooo”. O cantor Lucas Lucco, dono de um famoso topete, também tornou público seu transplante. Como bom influencer, o músico baiano Leo Santana publicou orgulhoso o resultado do seu, com direto a arroba do profissional.

O crescimento de demanda criou até rotas de turismo capilar. Na Turquia, onde a forte concorrência entre clínicas especializadas criou preços atrativos, mais de 60 mil turistas do mundo todo desembarcam anualmente em busca do procedimento. Mas especialistas alertam que muitos desses centros carecem de higiene adequada e profissionais com a exigida formação.

Segundo dados da ISHRS, homens compõem a grande maioria (84,2%) dos pacientes de transplante capilar no mundo. Foram mais de 6 mil procedimentos do tipo no país em 2018, de acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. E se engana quem pensa que a antiga técnica de faixa, a FUT (de “transplante de unidade folicular”), foi completamente abandonada pelos cirurgiões. Por ser mais abrangente, é ainda indicada para áreas de calvície maiores, às vezes associada com o refinamento da FUE.

— Minha filosofia é sempre informar ao paciente das vantagens e desvantagens de cada técnica para ele tomar uma decisão embasada — diz o cirurgião plástico Luiz Paulo Barbosa, com mais de 3 mil transplantes capilares no currículo.