O trabalho de formiguinha de uma nova editora no mercado – entrevista com Rodrigo Rosa

Em um ano cheio de ótimos lançamentos em quadrinhos, um se mostra especial: Sharaz-De – Contos de As Mil e Uma Noites, do italiano Sergio Toppi, publicado pela novata editora Figura. Toppi é daqueles grandes mestres cujo trabalho pouco se conhece no Brasil – nessa lista, dá pra incluir outros gigantes, como Carlos Sampayo, José Muñoz ou Alberto Breccia.

Por que, então, uma editora recém-criada iria se aventurar a lançar um material obscuro até mesmo para parte de seu público-alvo? Quando se conhece o homem forte por trás da empreitada, entende-se a escolha. O gaúcho Rodrigo Rosa, fundador da Figura, tem experiência de sobra no mercado: trabalha como ilustrador e cartunista há décadas. Recentemente, adaptou para o formato quadrinho, ao lado de Eloar Guazzelli, o inadaptável romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

Conversei por e-mail com Rodrigo para entender qual será o caminho a ser seguido pela Figura no mundo editorial. O bate-papo segue abaixo.

capa_sharazde_FINAL_frenteALTA
Capa da edição nacional de Sharaz-De lançada pela editora Figura. Obra é do final da década de 1970, tendo sido publicada originalmente em capítulos na revista Alter Alter

Rodrigo, é válido dizer que vivemos um momento de ouro no mercado de quadrinhos brasileiro: nem o mal momento econômico impede as livrarias de estarem lotadas de lançamentos – sejam de editoras grandes (Panini) ou independentes (Mino, Veneta). Você acha que é possível manter esse fôlego por bastante tempo?

Rodrigo Rosa: Realmente, os quadrinhos têm surpreendido, pois a crise já chegou com tudo no mercado editorial, com queda nas vendas. Creio que há um clima de euforia no meio, mas é difícil saber o quanto isso consolida um mercado. Acho que precisamos de mais tempo para saber se realmente temos um público amplo e fiel.

O que as editoras devem fazer para esse grande número de livros nas prateleiras efetivamente encontrar um número cada vez maior de leitores?

É um trabalho duro, de formiguinha. Principalmente pra quem não tem uma super estrutura de divulgação e marketing (coisa que aqui só se aplica para os super-heróis, mangás e Turma da Mônica). Mas acredito que o número cada vez maior de eventos que se multiplicam no Brasil e o amadurecimento da produção interna devem colaborar para a consolidação de um mercado digno.

sharazde_mioloVALENDOfinal3-11
Em Sharaz-De, Toppi ilustra dez contos de As Mil e Uma Noites, lendária coleção de histórias originadas no Oriente Médio

Sobre a Figura: quem faz parte dessa iniciativa?

O projeto é meu, mas conto com o auxílio de minha esposa, Ivette Giraldo, uma experiente editora.

Os preparativos começaram há quase dois anos, logo depois que terminei o mestrado em edição literária, em Barcelona, na Espanha. Eu tinha uma grana guardada e queria tentar editar algo, ganhar essa experiência. Pensei num título que fosse muito bacana e também tivesse perfil para ser acolhido por um plano como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Governo Federal.

Pouco tempo após comprar os direitos de Sharaz-De, o PNBE foi cancelado – e logo depois a crise entrou com tudo. Então, o certo é que nós começamos num ano muito complicado, no meio da tormenta. É um batismo de fogo.

Eu diria que o próprio título escolhido por vocês para iniciar esse empreendimento também é uma aventura por si só: uma HQ de um artista praticamente desconhecido no Brasil. Se pararmos pra analisar, Sergio Toppi tinha pouquíssimos trabalhos lançados por aqui até então. Quais os motivos para escolher esse livro?

Eu havia lido Sharaz-De há pouco tempo e, quando pensei numa editora em que as publicações tivessem como carro-chefe a imagem, pensei que começar com essa obra seria perfeito. Poucos artistas tem um trabalho artístico tão impactante, de encher os olhos. Ao mesmo tempo, a obra de Toppi tem esse estilo que é um híbrido de quadrinhos com ilustração, duas coisas que queremos explorar. Sharaz-De é uma perfeita carta de intenções para nosso perfil editorial.

Ainda é cedo para eu te perguntar se a Figura terá uma linha editorial definida?

Sim. Mas queremos seguir lançando títulos com pouca chance de serem editados por aqui. Algo com essa pegada clássica e vanguardista, como é a obra de Toppi. Estamos abertos a qualquer possibilidade de lançar belas edições ilustradas, incluindo autores nacionais.

sharazde_mioloVALENDOfinal3-66
O traço de Toppi não é naturalista, pelo contrário: suas formas (sejam pessoas ou cenários) são sempre disformes, no limite entre o real e o imaginário. Dá pra perceber até mesmo a influência de grandes pintores como Gustav Klimt em suas composições, principalmente nas figuras humanas

O acabamento gráfico de Sharaz-De é primoroso: capa dura, tamanho álbum europeu. Como se dá a definição do tratamento que determinado livro vai receber? Os europeus exigem publicações com formatos específicos na hora da negociação dos direitos, assim como fazem os japoneses?

O acabamento de Sharaz-De tinha que estar à altura da obra de Toppi, por isso quisemos o melhor, ainda que isso influencie no preço da edição. Mas foi uma decisão nossa, não houve nenhum tipo de imposição do agente.

Por falar nisso, como ocorreu a aquisição dos direitos de publicação?

De forma muito simples. Entrei em contato com o editor/agente do Toppi na França e lhe paguei os 10% de direitos autorais sobre o preço de capa do livro. Assinamos o contrato e o material já foi enviado pra mim.

Vocês têm em mente quais títulos gostariam de publicar no futuro?

Nós estamos trabalhando em alguns projetos e há outros que sonhamos fazer, mas está tudo ainda numa fase bastante inicial. Melhor ficar quietinho…

sharazde_mioloVALENDOfinal3-41 sharazde_mioloVALENDOfinal3-137

Publicado por

Deixe um comentário