A tendência do reader revenue se acentua mundo afora, com a crescente adoção de paywalls por veículos digitais. O Digital News Report deste ano, do Reuters Institute, mostrou que a resposta da população também é crescente na hora de pagar por notícias, embora ainda muito tímida. O relatório comemorou o aumento na quantidade de pessoas que assinaram veículos online no último ano. O índice, no entanto, é de 13% na média entre nove países, fortemente içada pelos 20% da população norte-americana que já é assinante. Vale ressaltar que nenhum desses nove países é latino-americano e todos pertencem ao chamado “primeiro mundo”. O Brasil, curiosamente, aparece com 27% da população pagando por notícias e faz com que, pela primeira vez, um dado deste relatório seja questionável. Haveria mais brasileiros do que norte-americanos pagando por notícias. Enfim…

Será que o consumidor tem a mesma percepção de valor sobre ‘o acesso irrestrito a todo o conteúdo do veículo’ do que as empresas de mídia?

Mesmo encarando o cenário econômico pós-pandemia com certo otimismo, as baixas sofridas por empresários e trabalhadores abriram as portas para a incerteza. Operações mais enxutas, salários cortados, as dívidas correm e o custo de vida sobe. Ninguém quer saber desse tal “novo normal”, enquanto as restrições de consumo impostas por ele se mantiverem tão forçadas como agora. Entenda-se “restrições”, aqui, como “a obrigação de priorizar gastos” e, preferencialmente, “evitar novas dívidas de longo prazo”. [UPDATED: Pesquisa Serasa aponta que 89% dos brasileiros tiveram redução na renda familiar, 91% afirmam que terão de tomar empréstimo pessoal e já estão priorizando as despesas)

Carpe diem forçado

No final do governo de Cristina Kirchner, em 2014, a Argentina já vivia este “corto-placismo” tão típico de economias debilitadas. As relações comerciais tinham de ser exploradas naquele instante e não importa que o consumidor saia insatisfeito. Quem disse que a satisfação o trará de volta ao estabelecimento? Ora, não é ele, mas o Estado e uma economia turbulenta que decidem o comportamento de consumo de cada indivíduo. 

No limite da sobrevivência, o carpe diem assume ares nada afeitos ao discurso de autoajuda. É preciso viver o dia de hoje porque é só ele mesmo que cabe em nossos bolsos e não porque não queremos nos preocupar com o amanhã. Hoje eu compro um jornal, mas amanhã não sei se amanhã terei dinheiro. A sensação de perda do controle sobre as despesas e hábitos de vida pode ser desesperadora e não é nova. Os donos de celulares pré-pagos que o digam! Eles preferem pagar mais caro pelo minuto ou pelo plano de dados. Mas pagam para ter controle dos gastos, ao contrário da incerteza de quem recebe a conta no fim do mês.

No âmbito das assinaturas de veículos online, o valor pode ser o mesmo todos os meses e pode até ser baixo. O problema é que este valor, provavelmente, não será a única mensalidade a ser debitada no cartão de crédito do usuário. Ou será provável que ele renuncie a Netflix, Spotify, HBO, TV a cabo etc para priorizar a assinatura de um veículo jornalístico? Ainda que renuncie, qualquer assinatura é um compromisso de longo prazo. Lembre-se que vivemos em tempos de carpe diem forçado e diminuição no poder de escolha.

O contra-argumento ideal para este caso é: você pode cancelar a assinatura a qualquer momento, sem multa! – mas cá entre nós, sabemos que não é assim que a coisa acontece! A dificuldade em cancelar assinaturas corresponde à maior parte das reclamações registradas contra veículos no Reclame Aqui. Além disso, uma parte do sucesso do modelo de negócio de assinatura está justamente na invisibilidade do pagamento: ao assinar, o consumidor toma a decisão uma só vez, e o faturamento se repete mensalmente sem que haja novo esforço para conversão. Este é um dos aspectos que diferenciam a assinatura da compra avulsa.

Compra avulsa de conteúdo faz sentido?

Falar em compra avulsa para veículos jornalísticos online não parece algo tão tangível, certo? Errado! O modelo de micropagamentos vem sendo discutido e experimentado – timidamente – há muitos anos na indústria editorial e, neste cenário de crise, volta à pauta dos comitês. 

Quando a cauda longa mostra que o meio digital funciona à la carte, os veículos generalistas sofrem. Por essa razão, vender pacotes de conteúdo já não tem mais o mesmo sentido de antes.

A Columbia Journalism Review publicou um artigo no dia 15 de junho intitulado Why micropayments will never be a thing in journalism, onde o autor James Ball lista uma série de justificativas para o modelo fracassar. Cada argumento, no entanto, é facilmente rebatível. Veja só:

1) Muitas publicações são concebidas sob o modelo de “pacote” de conteúdo. O baixo custo de algumas matérias cobre as altas despesas de outras. 

A interpretação faz sentido, só que não pode ser aplicada ao meio digital. Um artigo histórico publicado pelo NiemanLab em maio de 2018 explicava que a “era de ouro” dos jornais foi marcada pela ideia do “pacote” de conteúdo, quando muitos leitores compravam o diário apenas para ler a seção de esportes, mas acabavam financiando as matérias de economia e política. Quando a cauda longa mostra que o meio digital funciona à la carte, os veículos generalistas sofrem. Por essa razão, vender pacotes de conteúdo já não tem mais o mesmo sentido de antes. Nem mesmo a compra de uma edição inteira de uma revista, por exemplo, se justifica quando o leitor se interessa apenas pela reportagem de capa.

A indústria fonográfica entendeu isso bem antes de nós, mesmo que não tenha sido a tempo suficiente para evitar o colapso das gravadoras. Mas foi graças à venda de faixas por um valor irrisório que a Apple convenceu milhares de usuários a pagarem por música. Afinal, quem gostava de pagar o preço de um CD inteiro por conta de um ou dois hits?

2) A CJR compara a assinatura de jornais com planos de academia de ginástica e enfatiza que nenhuma academia funciona com micropagamentos. Se o faturamento vem só quando o cliente tem vontade de malhar, como alcançar a estabilidade dos negócios?

No item anterior você deve ter pensado: ok, mas jornalismo não é música, portanto, não segue a mesma lógica. É verdade. E empresas jornalísticas também não são academias, onde os interesses que movem e fidelizam os clientes são absolutamente de outra ordem. Neste caso, o jornalismo fica até mais próximo da indústria fonográfica, embora a compra de faixas tenha cedido lugar à venda de assinaturas(!) de pacotes(!) aparentemente infinitos de conteúdo no Spotify, Deezer etc.

A única forma de descobrirmos se uma reportagem realmente vale aquilo que pagamos por ela é… lendo! O instante da valorização de um conteúdo é, precisamente, o mesmo da perda do seu valor de mercado.

Ainda assim, o jornalismo guarda peculiaridades que o tornam incomparáveis a qualquer outra indústria, mesmo dentro da seara da informação. O artigo da CJR menciona o mercado de games e o sucesso que dos micropagamentos registram através da venda de vidas, boosters, avatares, etc pelo sistema in-app purchase. Tal como na indústria da música, todos os itens à venda nos jogos são previamente conhecidos. Portanto, o usuário paga por algo sobre o que ele já tem a percepção de valor. A única forma de descobrirmos se uma reportagem realmente vale aquilo que pagamos por ela é… lendo!

Ou seja, o instante da valorização de um conteúdo é, precisamente, o mesmo da perda do seu valor de mercado. Por essa razão é que veículos vendem sua credibilidade, a notoriedade de seus colunistas, a tradição da marca, o retrospecto. Quem faz assinatura, compra uma promessa olhando pro retrovisor. É um voto de fé na qualidade do que virá. E o que virá é tão incerto quanto a conta do telefone pós-pago no fim do mês.

3) Micropagamentos são “o caminho do meio” para os leitores. Atualmente, apenas uma parte das pessoas que se chocam com um paywall, de fato, se torna assinante. A outra parte vai embora. O micropagamento atrairia uma parcela de cada um destes dois grupos. No fim do dia, isso significaria perder assinantes.

Acrescento: também significaria gerar receita por quem jamais assinaria aquela publicação!

É inútil comparar o ticket médio do assinante de suportes offline (impressos e TV a cabo) com o valor das assinaturas digitais. Assim como a mensalidade da Netflix é irrisória perto de um pacote de canais, o preço das assinaturas de veículos online chega a corresponder a módicos 20% do que valia no meio analógico. É assim que empresas jornalísticas do mundo todo registram aumento na venda de assinaturas sem que isso se reflita, necessariamente, em alta no faturamento.

Ou seja, a assinatura segue a lógica da massa. Só faz sentido para a empresa jornalística se for vendida em quantidade, coisa que está longe de ocorrer, sobretudo no Brasil, ainda mais neste momento e nos próximos meses.

Notícia incidental e laços “líquidos”

Há outro elemento mais nesta equação: a infidelidade do usuário. Quando cerca da metade dos brasileiros afirma usar as redes sociais para chegar às notícias, é pouco provável que estes usuários consumam conteúdo sempre dos mesmos sites. Existe uma bolha, mas o algoritmo não deixa de apresentar notícias nos feeds de forma que o consumo seja absolutamente incidental. Convenhamos: quem entra, ativamente, no perfil de algum veículo para ler notícias ali? O comportamento padrão é que os conteúdos sejam lidos (clicados?) quando apareçam fortuitamente no newsfeed de cada indivíduo, em meio a toda sorte de fotos, vídeos e memes.

Faz sentido gastar 10 reais todos os meses para acessar as centenas de matérias de um site que visito esporadicamente? Ou será melhor pagar 5 reais por uma só reportagem que vai ser extremamente útil para mim?

No contexto em que a fidelidade no consumo de informações não ultrapassa os aplicativos de redes sociais, será que o consumidor tem a mesma percepção de valor sobre “o acesso irrestrito a todo o conteúdo do veículo” do que as empresas de mídia? 

Faz sentido gastar 10 reais todos os meses para acessar as centenas de matérias de um site que visito esporadicamente? Ou será melhor pagar 5 reais por uma só reportagem que vai ser extremamente útil para mim? Aceito me tornar refém de uma só fonte de conteúdos ou prefiro ter a liberdade de selecionar aquilo que tem mais impacto sobre o meu momento, a minha rotina, os meus interesses, independentemente de onde esteja publicado?

É claro que a liberdade tem um preço – como os minutos mais caros dos celulares pré-pagos – e é provável que, no fim do mês, eu tenha gasto mais dinheiro comprando conteúdos avulsos do que pagando por uma assinatura. Mas este é o comportamento de transição, de alguém que nunca pagou por conteúdo até que a assinatura de um só veículo lhe faça sentido. É o comportamento esperado, também, de um cenário instável economicamente, recém saído de uma depressão histórica, avesso ao estabelecimento de novos compromissos em tempos tão imediatistas.

Passado, Presente…

O ano de 2015 foi próspero para o micropagamento no jornalismo. A holandesa Blendle se firmou como o “iTunes de notícias”, implementando a tecnologia em grandes players mundiais, como New York Times, The Economist, Wall Street Journal, Washington Post, Axel Springer, Mother Jones, Nikkei e outras publicações digitais. Quatro anos mais tarde e ainda sem gerar lucro, a plataforma decide mudar de atuação. Os micropagamentos são descontinuados e dão lugar a sistemas de assinatura premium, conteúdo em áudio e outros serviços para empresas de comunicação.

Em paralelo, o MIT constrói o Tipsy, um sistema de micropagamento que funciona como um taxímetro, com um valor atribuído pelo próprio usuário e distribuído de acordo com o tempo de permanência em cada site. O valor seria compartilhado entre os publishers associados à plataforma. O formato de extensão do Google Chrome facilitava a vida do usuário, mas o backstage do negócio fez da ferramenta algo mais apropriado a publicações sem fins lucrativos do que a empresas comerciais.

Independentemente do gateway de pagamento, a criação do hábito de pagar por conteúdo depende de que boa parte dos players adotem este modelo de negócio. A editora britânica Axate vem apostando no micropagamento em várias de suas publicações, entre elas Popbitch, ExaminerLive e uma série de veículos locais.

Atualmente, Axate usa uma solução própria de “carteira online” que funciona através de todas as publicações cadastradas no sistema. Eles acreditam que os micropagamentos criam a oportunidade de leitores “se apaixonarem” pelos produtos, levando a um estágio de comprometimento maior, que é a assinatura.

O argumento é bastante lógico: na impossibilidade de assinar vários veículos simultaneamente, o usuário vai estabelecer seus “principais”. Para a Axate, todas as empresas de mídia querem ser “as principais”, mas nem todos poderão sê-lo. É como se quiséssemos colocar toda a extensão da cauda (longa) em seu começo. Há um limite natural de hits. Do contrário, todos seríamos The New York Times.

No final do ano passado a Fundação Mozilla, em colaboração com Creative Commons, ofereceu incentivo a startups dedicadas ao desenvolvimento de plataformas de micropagamento. O assunto virou uma “causa digital”, uma vez que as instituições apoiadoras não confiam em sites que sobrevivem da coleta de dados dos usuários nem em anunciantes. Como estas instituições estão ligadas à cultura do software livre, elas defendem a livre circulação da informação, sem se opor à sustentabilidade comercial dos negócios digitais.

Entre as soluções disponíveis no mercado estão a Transact, que funciona como um cartão de débito para publishers. Outro modelo é apresentado pela Scroll, cujos investidores incluem gigantes como Gannett, News Corp, New York Times e Axel Springer. Por este sistema, o micropagamento é fixo e distribuído pelos vários players que vendem acesso pela plataforma. A divisão dos valores é guiada por métricas como taxa de retorno e tempo de permanência do usuário.


Você já fez algum experimento com micropagamento em seu veículo? Conhece outros casos e tecnologias ligados a este modelo de negócio? Conte pra nós!

Ana Brambilla
Autor

Jornalista, Doutora em Comunicação Social. Editora Orbis Media Review. Professora e Pesquisadora do Master Negócios de Mídia.

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