A saga nordestina de Jô Oliveira

Em 1976, a Editora Codecri, da turma do Pasquim, lançava no Brasil um álbum especial que reunia três histórias em quadrinhos de um certo desenhista pernambucano que acabara de retornar ao Brasil, depois de ter trabalhos publicados em importantes revistas da Europa. Seu nome era Jô Oliveira e o álbum se chamava A Guerra do Reino Divino, história em quadrinhos clássica que hoje em dia seria chamada de “graphic novel”.

Na contra-capa da publicação, Ziraldo escreveu o seguinte editorial, apresentando o artista gráfico aos leitores:

“Conheci Jô de Oliveira em Lucca, na Itália, durante um congresso de história em quadrinho – o Lucca 9 – no ano de 1973. Estava lá aquela brasileirada toda: o Maurício de Sousa, o Márcio, Jayme Cortez, Álvaro Moya mais o Miguel Paiva e eu. De repente, pinta no grupo dois moreninhos muito tímidos e, como brasileiro no exterior – ai, meu Deus! – vira tudo irmãozinho, enturmaram logo. A certa altura, Márcio de Souza e eu falávamos sobre os dois, quando eu disse: “Aqueles dois paulistas do seu grupo…” e o Márcio discordou: “Espera aí. Eles não são nem paulistas nem do nosso grupo. São cariocas* e do grupo de vocês.” Aí ninguém entendeu mais nada. Fomos esclarecer a questão e descobrimos que eles – com aqueles casacos estranhíssimos, aqueles bigodões e barba, aquela fala mansa e tímida – tinham acabado de chegar de Budapeste, na Hungria, depois de viver cinco anos lá, sem sair, estudando artes plásticas.Naquela confusão de Lucca, estavam achando o “ocidente” um barato!

O congresso é uma agitação latina típica, parece uma festa brasileira, aquela bagunça que resulta simpática, mil transas, os dois – Jô de Oliveira e Rui de Oliveira – estavam zonzos. Já eram, naquela altura, artistas gráficos da melhor qualidade – o trabalho que estão realizando hoje no Brasil prova isso – mas, em matéria de histórias em quadrinho, os dois boiavam. Os portfólios que traziam com seus trabalhos deixava o pessoal de Lucca com água na boca. Eles já tinham plano de retornar ao Brasil, faltava um ano para terminar o curso em Budapeste.

Consultado, achei que podiam – e deviam – voltar, que tínhamos aqui um mercado de trabalho em ascensão, que o começo ia ser meio duro, mas que a qualidade do trabalho deles ia acabar se impondo. Eles voltaram de Lucca para a Hungria e nós para o Brasil. Menos de dois anos depois, olha eu abrindo a revista Alter-Linus, a mais importante publicação de história em quadrinhos da Europa, e dando de cara com dezesseis páginas do Jô, com capa dupla e tudo. Era A Guerra do Reino Divino não só publicada pelo Linus, como cantada em prosa e verso pelos “fumetólogos” italianos.

Jô e Rui – de Oliveira, sem serem irmãos – voltaram para o Brasil e já ocuparam seus lugares numa rapidez muito maior do que o melhor dos meus prognósticos.

Reunidas neste álbum estão as três primeiras histórias em quadrinhos do Jô. Elas já foram publicadas no Linus e na revista Crisis de Buenos Aires e apareceram aqui nas páginas de Versus e Balão. Mesmo não sendo inéditas, achamos da maior importância lançar este álbum, reunir esse trabalho de Jô numa só publicação, pois acreditamos que ele merece o interesse e a reflexão do leitor brasileiro: é um documento que o Pasquim, por sua Editora Codecri, apresenta com a maior satisfação.”

ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

As fotos em preto-e-branco (acima) também foram publicadas na página do editorial e foram clicadas em Lucca, durante o Congresso de 1973. Jô Oliveira aparece na foto menor. Na outra aparecem, da esquerda para a direita, Jô Oliveira, Jayme Cortez, Rui de Oliveira e Márcio de Souza (agachado).

* Diferente do que Ziraldo escreveu, Jô Oliveira não é carioca. Ele nasceu em Pernambuco, no município de Itamaracá, no dia 25 de março de 1944 e é graduado em Comunicação Social pela Escola Superior de Artes Industriais da Hungria.

A Guerra do Reino Divino, de Jô Oliveira

Conheci o trabalho magnífico de Jô Oliveira quando comprei essa edição da revista Alter-Linus citada por Ziraldo. Como mostra a imagem da capa acima, o desenho do artista tomava conta da capa em tom lilás e se estendia até a quarta capa. Quando a folheei pela primeira vez, lembro que senti orgulho de ver o trabalho de um quadrinista nacional sendo publicado com grande destaque numa importante revista italiana mas, ao mesmo tempo, fiquei triste por ver uma história em quadrinho daquele nível ser publicado primeiro na Europa sem saber quando ela seria publicada no Brasil. Além disso, era estranho ver o Lampião “falando” italiano. :>)

Felizmente, algum tempo depois a saga de A Guerra do Reino Divino chegaria às bancas no Brasil.

Leia um pouco mais sobre A Guerra do Reino Divino, neste link.

7 motivos incríveis para você ter no seu acervo o livro O Judoka, por FHAF

A obra genial de Floriano Hermeto foi restaurada num livro de luxo repleto de extras

No próximo ano será comemorado meio século de criação de um dos mais bem-sucedidos personagens dos quadrinhos brasileiros: O Judoka. Lançado pela saudosa Editora Brasil-América, carinhosamente chamada de Ebal, ele estreou em outubro de 1969, no número 7 da revista de mesmo nome, que era ocupada por Judô-Master, um personagem obscuro da editora americana Charlton Comics.

O Judoka #14O Judoka, que foi lançado com o slogan “um herói brasileiro”, conseguiu alguns feitos muito relevantes para um personagem nacional, entre eles, o de ser publicado mensalmente e sem interrupções, até julho de 1973, chegando perto de completar quatro anos de aventuras desenhadas por diversos quadrinistas.

Mas, O Judoka não fez sucesso apenas entre seus leitores. Graças a um desenhista e roteirista em especial, o personagem começou a fazer sucesso também entre a crítica especializada. Foi quando Floriano Hermeto de Almeida Filho, que assinava como FHAF, publicou sua primeira aventura com o herói brasileiro.

A partir da edição de número 14, O Judoka alcançou um patamar jamais imaginado pela Ebal e chamou a atenção de estudiosos renomados dos quadrinhos como Álvaro de Moya e Moacy Cirne. O primeiro levou os desenhos de Floriano para uma exposição internacional de quadrinhos no badalado Congresso de Lucca, na Itália.

Já Cirne elegeu a primeira aventura escrita e desenhada por FHAF – A Caçada – como a Melhor História do Ano num artigo da prestigiada Revista de Cultura Vozes, deixando para trás nomes como Mauricio de Sousa e Esteban Maroto.

O fato é que Floriano Hermeto deu maior consistência aos roteiros do Judoka e fez uma brilhante releitura da estrutura visual de seus quadrinhos. Com o seu traço arrojado e inovador que lembra o estilo moderno de desenhistas internacionais como Jim Steranko, Guido Crepax e Enric Sió, Floriano imprimiu ao personagem agilidade cinematográfica e enquadramentos inusitados dignos dos grandes mestres do desenho.

Porém, a arte de Floriano estava perdida desde os anos 70, pois as revistas do Judoka são muito raras e ele nunca mais desenhou outras histórias em quadrinhos além das cinco que fez para a Ebal. A boa notícia é que sua obra completa foi reeditada no livro O Judoka, por FHAF, que foi lançado a partir de uma campanha bem sucedida no site de financiamento público Catarse (https://www.catarse.me/judokaporfhaf)

Visite também a página de O Judoka, por FHAF no Facebook.

Mas, por que foi tão importante resgatar a obra de Floriano Hermeto no Judoka? São, pelo menos, sete motivos que devem ajudá-lo a decidir pela compra do livro no site Colecionador Vende Tudo:

1 – É o melhor desenhista e roteirista do Judoka! Sem desmerecer o trabalho dos outros ótimos desenhistas que passaram pelo personagem, FHAF realizou um trabalho inigualável na época;

2 – FHAF insere o personagem em tramas internacionais, com vilões que poderiam estar em filmes de 007, e dá ao personagem uma arqui-inimiga à altura, a inesquecível vilã Irma la Douce;

3 – “A Caçada“, primeira aventura de O Judoka, por FHAF, ganhou relevância e foi escolhida como a melhor HQ publicada em 1970. Os enquadramentos criados pelo desenhista nessa aventura são citados até hoje em livros acadêmicos sobre quadrinhos;

4 – Resgatar a obra de FHAF é manter a memória do quadrinho brasileiro. Não podemos deixar para trás a arte de nossos grandes mestres do desenho;

5 – O livro O Judoka, por FHAF tem 192 páginas com extras históricos, incluindo 14 páginas inéditas desenhadas por FHAF com três histórias inacabadas: uma do Judoka, outra do Zorro (The Lone Ranger) e mais outra com uma aventura no cangaço;

6 – Todas os desenhos que Floriano fez para O Judoka estão perdidos! Para este livro, sua arte foi minuciosamente recuperada através de um delicado trabalho de restauração, que ele mesmo supervisionou, a partir das 145 páginas impressas com sua obra magistral;

capa.pmd7 – É uma tiragem pequena com acabamento luxuoso. Poucas pessoas terão o privilégio de ter essa obra em sua estante e você pode ser uma delas!

Quem participou da campanha do livro no Catarse, pôde escolher entre diversas recompensas disponíveis e garantiu o seu exemplar antes de todos. Agora, os últimos exemplares desta obra histórica só pode ser comprado em pouquíssimos lugares. Veja a relação:
Colecionador Vende Tudo
Comix Book Shop
Amazon

Fantomas, da Editorial Novaro

Foi uma grande surpresa quando entrei numa comic-shop em Miami, a A & M Comics & Books e encontrei dezenas de revistas do Fantomas, personagem que fez muito sucesso nas décadas de 1960 e 70 no México. Isso aconteceu em 2010. Cheguei nessa loja por acaso e acabei descobrindo que ela é, segundo o dono, a segunda comic-shop mais antiga dos Estados Unidos. É muito pequena, escura e repleta de revistas, livros, estátuas, brinquedos, jogos e muita coisa que todo fã de quadrinhos adora encontrar. São coisas penduradas por todos os lados, empilhadas, uma bagunça organizada que deixa para os clientes dois estreitos corredores nos quais os clientes se apertam para garimpar preciosidades. Me senti no meio de um armazém de secos & molhados, mas só com coisas ligadas a quadrinhos, rpg, cinema, animação, tv.

E foi olhando rapidamente esse monte de novidades que encontrei uma caixa com várias revistas da década de 1970 da Editorial Novaro, uma antiga e respeitada editora mexicana especializada em publicar revistas em quadrinhos – a maioria delas traduzidas dos Estados Unidos – e livros infantis. Esse editora teve a mesma importância que a nossa Ebal teve para os leitores do Brasil. Aproveitei para comprar várias revistas, entre elas, estas duas edições de Fantomas: o número 132, de 5 de setembro de 1973, com a história O Grande Festival de Rock em Luxemburgo (capa reproduzida acima), e o número 152, de 22 de janeiro de 1974, que coloca Fantomas numa aventura com sereias em O Aquário Fantástico (ao lado). Curiosamente, esse personagem também foi publicado no Brasil pela Ebal numa revista mensal.

Você estranhou que essas revistas do Fantomas têm dia de lançamento, e não só o mês? E que, se você calculou, em pouco mais de quatro meses foram lançadas 20 edições? Pois é, o personagem, cujas aventuras eram totalmente produzidas no México, era tão popular que sua revista saia semanalmente. Num próximo texto explico melhor essa história.

Como curiosidade, veja que na página abaixo, que mostra o início da aventura do O Grande Festival de Rock em Luxemburgo (que é inédita no Brasil), Fantomas cita o revolucionário artista Andy Warholl logo no primeiro balão, fazendo uma referência aos filmes undergrounds dirigidos e produzidos pelo papa do pop.

A aventura O Aquário Fantástico apresentada na edição de 1974 também é inédita no Brasil e foi desenhada pelo extraordinário desenhista peruano Gonzalo Mayo, que deu ao personagem o seu estilo onírico. Veja abaixo, três páginas (uma dupla e uma simples) de sua autoria para essa misteriosa aventura de Fantomas. Incompreensivelmente, Mayo teve poucos trabalhos lançados no Brasil, mas leitores antigos da conceituada revista Kripta já conhecem a beleza de seus traços. É que essa revista de terror, editada entre 1976 e 1981 pela RGE (atual Editora Globo), publicou algumas histórias de terror desenhadas pelo artista.


Clique nas imagens para ampliá-las em alta resolução!

Cortez no cinema

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Capa do livro Film Posters Horror (acima), com uma seleção gráfica dos melhores cartazes de cinema do mundo. Ao lado, cartaz do clássico de horror, Maldição de Sangue de Pantera (The Curse of the Cat People), desenhado por Jayme Cortez.

Cartaz de cinema do relançamento de Maldição do Sangue de Pantera, pela Polifilmes. Criação Álvaro de Moya e desenho de Jayme Cortez.

Jayme Cortez não era apenas um genial desenhista de histórias em quadrinhos. Ele usou seu talento para militar em diversas áreas das artes gráficas, como a publicidade, capas e ilustrações de livros, animação e tinha uma paixão especial pelo cinema. Além de atuar (isso mesmo! nosso desenhista participou como ator em filmes do Zé do Caixão!), ele foi um grande designer de cartazes da sétima arte. Entre tantos trabalhos realizados, um de seus melhores é destaque no livro Film Posters Horror, da Evergreen/Taschen Gmbh, lançado em 2006 (ao lado), que faz um levantamento dos melhores cartazes de cinema do mundo. Há obras de artistas de várias nacionalidades, entre ingleses, italianos, japoneses, alemães, americanos etc. Do Brasil, o único trabalho citado é este desenhado pelo mestre Cortez. Trata-se do clássico do produtor Val Lewton, The Curse of the Cat People, realizado pela RKO, com Simone Simon e Kent Smith.

No Brasil, a produção ganhou o nome de Maldição de Sangue de Pantera. Lançado em 1944 nos Estados Unidos, ele foi relançado pela Cinematográfica Polifilmes nos anos 60 e o poster (que vemos no alto) foi criado no Brasil por nada mais, na menos que a dupla de amigos Álvaro de Moya e Jayme Cortez. Aconteceu o seguinte: Moya era associado da distribuidora e recomendou o capista da revista Terror Negro, da Editora La Selva, para fazer o novo cartaz. E assim foi feito. Moya criou o layout e o texto e Jayme Cortez realizou a belíssima arte final, que foi destaque de página inteira no livro.

A dupla também produziu outro cartaz de um clássico relançado pela Polifilmes: trata-se de Ilha dos Mortos (Isle of the Dead), de Mark Robson, com o pst-ilhadosmortos-cortez-nteterno Frankenstein, Boris Karloff, além de Ellen Drew e Alan Napier (o ator que fez o mordomo Alfred na espalhafatosa série de TV Batman, dos anos 60).

Como curiosidade, Maldição de Sangue de Pantera foi iniciado pelo excelente diretor Gunther V. Fritsch, que foi considerado pela RKO um realizador muito lento para finalizar uma produção classe B e ele foi substituido pelo montador de Cidadão Kane, Robert Wise, que mais tarde dirigiria outros grandes filmes, como West Side Story, Noviça Rebelde e… Jornada na Estrelas – O Filme.

Mais uma coisa: o livro Film Posters Horror traz, no final, um índice dos filmes e outro com todos os artistas, designers e fotógrafos que criaram os cartazes dos filmes de horror citados. Mas, infelizmente, não adianta procurar o nome de Jayme Cortez. É que os editores da publicação escreveram o nome do desenhista errado! Lá, eles grafaram como arte de Payne Gomez. Uma pena. Desculpe o trocadilho, mas esse foi um erro nada cortês…
Por Francisco Ucha (com Álvaro de Moya)

A Mafalda de Henfil


Mafalda, a garotinha que contestava, criada por Quino em 1964 na Argentina, sempre foi uma personagem que me encantou. Principalmente nos duros anos da ditadura militar quando ela podia falar muitas verdades que nós não tínhamos liberdade para dizer. Ela lavou minha alma em muitas ocasiões. Naquela época ler quadrinhos estrangeiros não era tão fácil. As publicações eram escassas e personagens que criticavam o sistema, como Mafalda, ficavam restritas a publicações independentes. Mas em 1982, já com a abertura “lenta e gradual”, a Global Editora passa a lançar nas bancas uma série de livros com as tiras de Mafalda. A tradução do material ficou a cargo de Mouzar Benedito e a edição final do texto ficou por conta de ninguém menos que… Henfil! O letrista não caprichava muito nas letras mas repare nas tiras que reproduzo abaixo que Henfil faz a opção de manter a pontuação da língua espanhola, com exclamações e interrogações também no início das frases, além de deixar algumas expressões em espanhol para não nos deixar esquecer as origens da personagem. Um trabalho muito atencioso.

Coincidentemente, algo mais aproximava Henfil e a Mafalda de Quino, além desse trabalho de edição de texto: foi também em 1964 que os Fradinhos foram publicados pela primeira vez, ainda em forma embrionária, é verdade. Mas eram eles. A mais popular criação do irmão de Betinho ganhou o mundo a partir da revista mineira Alterosa.

Abaixo, sete tiras da Mafalda publicadas nos livros da Global. Curta a personagem criada por Quino com um pouquinho de Henfil!
Mafalda e seu radinho: ela procurava ficar conectada ao mundo ;-)
Mafalda continua muito atual!

Quer saber o que há editado sobre a Mafalda no Brasil? Comece fazendo uma pesquisa em sites de comparações de preços, como o Buscapé (o meu favorito). Ou então visite o site da Martins Fontes ou da Comix e faça a pesquisa por lá mesmo.

Piteco, o protetor dos animais

Em 1965 Mauricio de Sousa lançou uma coleção de três livros infantis pela Editora FTD (como descrito aqui). Um deles foi chamado simplesmente com o nome do homem pré-histórico criado pelo Pai da Mônica: Piteco. O livro trazia uma história desse personagem e outra com o Penadinho e sua turma. A aventura do Piteco é bem interessante porque mostra a preocupação do Mauricio em passar para as crianças uma mensagem a favor de uma alimentação mais vegetariana.

Na história, os moradores da aldeia do Piteco sofrem com a escassez de carne, e ele promete caçar dinossauros para todos. Em sua busca, Piteco acaba salvando um dinossauro e os dois se tornam amigos. Sem coragem para matar o bicho, Piteco consegue incentivar, em sua aldeia, o consumo de frutos no lugar de carne. Já nos anos 60, Mauricio levantava questões que hoje em dia estão em pauta.

A aventura que encerra o livro foi chamada de Penadinho Contra o Caçador de Cabeças. Ela começa com uma apresentação da turma do além, que “mora num cemiteriozinho lá nos arredores da cidade”. Depois das apresentações, Penadinho descobre que Cranícola, que era um “crâneo” (um gênio, segundo a gíria da época), está apavorado porque chegou ao cemitério o fantasma de um caçador de cabeças. E, por motivos óbvios, Cranícola estava ‘morrendo’ de medo! Mas, na realidade, tudo não passou de um grande mal-entendido. Ops, isso foi um spoiler! :-)


De acordo com o expediente publicado na segunda página, o livro foi realizado nos estúdios de Mauricio de Sousa Produções, e informa que o copyright é de Mauricio Araujo de Sousa. O crédito para os artistas era o seguinte: Criações de Mauricio. Arte Final de Paulo Wamazaki. Cores de Joel Link e Alberto (Dudu) Djinishian. Os colaboradores foram Márcio Roberto, Sergio Cantara e José Aparecido.

Era um belo livro. Raríssimo, hoje em dia.

Acima, páginas da história do Piteco. Abaixo, frontispício do livro (clique nas imagens para ampliá-las)

Mônica cinquentona


Há cinquenta e três anos, Mônica deu a primeira coelhada em Cebolinha e conquistou o Brasil.

(Parecido com o que aconteceu em Thimble Theatre, que era uma tira de Segar desde 1919, mas no dia 17 de janeiro de 1929 surgiu um marinheiro figurante que tomou conta do recado. Transformou-se num dos maiores personagens dos Comics: Popeye!)

Na tirinha do Bidu publicada na Folha de S.Paulo, no dia histórico de 3 de março de 1963, Cebolinha trombou com  a personagem Mônica e mudou a história da história em quadrinhos no Brasil (clique na imagem grande do alto para ver essa tira histórica desenhada pelo Mauricio de Sousa).

Até então, embora sempre tivessem apoiado personagens brasileiros sem sucesso nas revistas e jornais, os editores alegavam que os leitores só aceitavam heróis estrangeiros. Mas a Folha deu apoio a um repórter policial do diário que sonhava fazer quadrinhos. E assim, apareceu em 1959, uma tirinha com o cachorrinho Bidu e seu dono, Franjinha.

Mauricio de Sousa sabia que um só verão não faz andorinha (ou uma só andorinha não faz verão?) e tratou de negociar com o jornal para ceder os caríssimos clichês de suas tiras, e viajou para as cercanias da região fornecendo tiras já em português e clichês em metal, aos jornais locais. Era um material que não necessitava de tradução, tampouco de refazer as letrinhas: já vinha pronto do forno.

monicafotontDesde sempre as suas criações eram baseadas na sua infância. O cachorrinho, o amigo que falava errado, o que não tomava banho e outros. Quando se tornou pai, precisava de mais dinheiro e criou Mônica à imagem e semelhança de sua filha. Inclusive com o coelhinho azul inseparável.

Então, tudo mudou no mundo dos quadrinhos brasileiros. Victor Civita, em 1970, acreditou e investiu num título, Mônica e sua Turma. A revista da Abril foi quase toda escrita e desenhada por Maurício, num esforço incomum. Existem reedições da sua atual Editora Panini que atestam a qualidade inicial do feito. Belo texto e traços originais e mais pessoais que os americanos.

Tanto que logo ganhou o prêmio máximo do Salão de Lucca então no auge do prestígio, o Yellow Kid e o Gran Guinigi, escolhido por um júri internacional.

A então poderosa empresa Cica divulgava o trabalho de Mauricio em desenhos animados na mídia, ao escolher o personagem Jotalhão para interpretar o elefante-símbolo do famoso molho de tomate. Isso colocou a Mônica e o Mauricio como um grande sucesso popular da televisão. Ele já tinha uma pequena infraestrutura, que criou baseada na distribuição dos comics norte-americanos do King, United, NEA e na produção dos estúdios do líder de todos: Walt Disney.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Brasil até teve alguns personagens nacionais de sucesso. Mas, hoje não há uma criança – ou adulto – que não conheça a dentucinha querida de todos. E ela cresceu e passou a viver novas aventuras na revista Turma da Mônica Jovem e até casou (no futuro?), com Cebolinha, seguindo o caminho do clássico Príncipe Valente que cresceu e teve filhos, na saga de Hal Foster.

Certa feita, Jayme Cortez, Mauricio e eu, estávamos no estúdio do maior criador dos comics no mundo, em Nova York. O nosso ídolo, o “Orson Welles dos quadrinhos”, Will Eisner. E o grande artista e empresário de sucesso declarou que Mauricio tinha sido mais esperto que ele: criara um “character” possível de virar boneca, animação, merchandising, etc. E seu “pobre” The Spirit era complicado demais para explorar o licenciamento.

Wolinski, a liberdade do humor


Não é de hoje que a censura persegue revistas que criticam o poder.  Na mesma França do ataque terrorista à Charlie Hebdo, há pouco mais de um ano, a revista La Caricature, do desenhista Charles Phillipon, foi apreendida em 1834 por ter publicado, também na capa, o rei com cabeça de pêra. Desde o Egito antigo, se faziam críticas de costume em papiros. Em Roma um desenhista fez uma caricatura dum cantor de ópera e a charge política teve seu apogeu na França. Depois, vieram os quadrinhos.

Sem fazer diferença nessa história, os assassinos de Paris, que invadiram o jornal satírico Charlie Hebdo em 7 de janeiro de 2015, ofendidos por uma caricatura de Maomé (a revista sempre criticou os ‘papas’), chamaram pelos nomes os ilustradores da revista, e os executaram. Eram Georges Wolinski, Cabu, Tignous, Honoré, Charb, que era também o editor.

Wolisnky,  o mais conhecido internacionalmente, esteve na Amazônia para ser jurado do festival local. Eu o conheci nos tempos dos Salões Internacionais de Quadrinhos de Lucca, nos anos 70, na Itália, e em Paris. No Brasil, seus quadrinhos provocantes foram publicados na revista Status e Penthouse.

Nasceu na Tunísia em 1934, de pai polonês e mãe italiana que imigraram para a França em 1952. Tinha jeito para desenho mas estudou só para não ser deportado. Em 1960 começou a carreira na revista Hara Kiri onde criou a série Eles Só Pensam Naquilo e se solidificou como erótomano. Criou também as séries Hit Parades e Não Quero Morrer Um Idiota, incursionando pelos quadrinhos. Colaborou com o jornal satírico L’Enragé e participou das manifestações de maio de 1968 na capital francesa. Aqui arrasava com o “establishment”.

Em 1970, foi um dos fundadores e primeiro editor de Charlie. Em 1977, virou chargista político do jornal comunista L’Humanité. Simultaneamente, colaborou no Libération e Paris Match. Também escreveu esquetes para TV, produziu teatro e, esporadicamente, bandes dessinées para l´Echo des Savanes e no seu derradeiro Charlie Hebdo.

Na história da humanidade, ativistas sempre foram alvo da ignorância e do atraso, sejam jornalistas, cartunistas, quadrinistas, ilustradores, artistas e sonhadores por um mundo melhor e mais engraçado.

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Um sexteto fantástico, eles são verdadeiros ícones da Marvel


Parece incrível, mas em 2011, o ano em que o Quarteto Fantástico (Fantastic Four) comemorou seus 50 anos de criação não aconteceu nenhuma grande comemoração ou homenagem. E olha que a revista desses personagens antológicos, lançada com data de capa de novembro de 1961 (ao lado), marcou o início da gloriosa “Era Marvel”, quando seus criadores, o editor Stan Lee e o desenhista Jack Jirby introduziram problemas existenciais no gênero super-heróis. Ambos escreviam as histórias do Quarteto Fantástico, que foi o primeiro grupo de heróis criado para a Marvel e se tornou um divisor de águas nos comics americanos.

Os personagens Reed, Ben, Sue e Johnny ganham poderes extraordinários quando são expostos a misteriosos raios cósmicos durante uma viagem espacial. Ao voltarem à Terra, demoram a se acostumar com seus poderes (principalmente o monstruoso “Coisa“) e enfrentam problemas de despejo, reclamações de vizinhos e diversas dificuldades comuns ao dia-a-dia das pessoas, enquanto têm que enfrentar perigosos vilões! Nem “uniformes” eles vestiam nas duas primeiras edições da revista. Algo totalmente novo e criativo para a época.


Mas, Jack Kirby e Stan Lee voltaram a revolucionar as histórias do grupo cinco anos depois, em 1966, quando seus leitores seriam apresentados a Galactus, o Devorador de Mundos (acima), e seu arauto o Surfista Prateado, este uma criação exclusiva de Kirby. Foram três histórias, conhecidas como a Trilogia de Galactus, onde o Quarteto Fantástico tem que salvar o planeta desse ser gigantesco e extremamente poderoso. Nesse meio tempo, o Surfista Prateado passa de vilão a herói, ao se voltar contra Galactus, o Devorador de Mundos, que ele servia.

Ou seja: 2016 chegou, passou e também não houve nenhuma comemoração para os 50 anos de criação destes dois personagens ícones da Marvel: o Surfista Prateado e Galactus, o Devorador de Mundos!

Como sempre acontecia, o Brasil só conheceu esses personagens muito tempo depois. O Quarteto Fantástico só foi lançado por aqui em janeiro de 1970, na revista mensal Estréia!, da Ebal. A trilogia que apresentou Galactus e o Surfista Prateado aos leitores brasileiros chegou também com muito atraso e só foi publicada em 1974, na revista do Homem Aranha (a revista com o Quarteto já havia sido cancelada e as aventuras dos quatro heróis passaram a sair na revista mensal do Cabeça de Teia).

Esse atraso causou um fato inusitado: Galactus apareceu primeiro numa história do Thor publicada em sua revista mensal Álbum Gigante lançada em maio de 1970 pela Ebal. Os leitores das revistas da Ebal conheceram primeiro Galactus e só quatro anos depois tiveram contato com o Surfista (embora ele tenha sido publicado em algumas edições da GEP-Gráfica Editora Penteado, entre 1969 e 1970).

Ao lado, a primeira aparição do Surfista Prateado. No quadro abaixo, podemos ver que a decisão de romper com Galactus para preservar a vida na Terra fez do Surfista Prateado um prisioneiro na Terra e, embora ele não tenha se arrependido, o deixou angustiado.

As imagens em preto e branco foram digitalizadas a partir das histórias que compõe a Trilogia de Galactus publicadas nas revistas da Ebal. Todas as imagens que ilustram este texto podem ser ampliadas em ótima resolução.

Para baixar dois wallpapers exclusivos do Surfista Prateado desenhado pelo genial Moebius (Jean Giraud), CLIQUE AQUI!

Antonino, homem bom

Arte original da página 25 da revista Capitão Mistério #8, com todas as manchas, marcação de lápis feita sobre o papel couchê padrão fornecido pela Bloch. Drácula em A Viagem do Demônio, de 1983. Narra o improvável encontro entre Drácula e um lutador igual ao Bruce Lee.

Não sei exatamente o dia em que Antonino Homobono Balieiro apareceu em meu estúdio para apresentar o seu portfólio. Eu e minha mulher prestávamos atendimento para diversas empresas na área de design gráfico e conteúdo jornalístico. Sorrindo, com aquele seu jeitão despretensioso, uma cabeleira que chamava atenção, Antonino se mostrou um artista admirável, talentoso e humilde. Naquela típica tarde carioca, no início da década de 80, percebi que estava diante de uma grande personalidade, de um dos maiores desenhistas deste país e com quem tive o prazer de trabalhar.

Tive a honra de vê-lo em ação, em meio a pincéis e tintas. É… naquela época desenhistas usavam pincéis, tintas, bicos-de-pena, canetas nanquim, papel schoeller. Várias vezes o vi pintando, ao mesmo tempo, cinco, dez desenhos para entregar num prazo sempre muito curto (como já contei aqui). Homobono tinha um talento excepcional. Como me disse certa vez o desenhista e jornalista Ota (criador de diversos personagens, entre eles Dom Ináfio e ex-eterno editor da revista Mad), “ele era pau para toda obra”.

Antonino era especialista em resolver rapidamente problemas nas mais diversas áreas da ilustração: desde os quadrinhos às peças publicitárias. Ota sabia disso e como editor de quadrinhos da antiga Editora Vecchi (ele lançou diversas revistas totalmente desenhadas no Brasil) precisou da arte de Antonino, ou de Homobono, ou ainda de Balieiro (sim…Antonino assinava seus desenhos com um de seus três nomes), em várias publicações, tais como as excelentes revistas de terror Spektro e Sobrenatural, e as de faroeste Chet e Chacal.

Segundo o Ota, Antonino era uma espécie de curinga, graças à sua alta produtividade e rapidez em desenhar histórias em quadrinhos com qualidade. “Se precisava de alguma história de emergência era só dar pra ele que ele fazia rápido”, lembra. Muitas vezes Antonino tinha que cobrir os furos de outros desenhistas que não entregavam as páginas no prazo.

Um mestre na arte de desenhar, Homobono também desenhou histórias do Fantasma e do Sítio do Picapau Amarelo, da RGE (atual Editora Globo), e fez uma ótima série de Drácula na revista Capitão Mistério da Editora Bloch. Aliás, esse título foi um dos pouquíssimos bons lançamentos, nessa linha, da editora da rua do Russell. As revistas em quadrinhos da Bloch, em sua maioria, tiveram tratamento de quinta categoria.

Antonino tinha uma característica interessante: ao assinar seus desenhos ele escolhia um de seus três nomes. Isso fazia com que muitos leitores pensassem que eram três desenhistas diferentes. Mas Antonino, Homobono e Balieiro eram exatemente a mesma pessoa. Alguém que estava sempre pronto a ajudar os amigos e que não recusava trabalho. Aliás, sua profissão era o que o impulsionava e o inspirava.

Ele se tornou um grande irmão e confidente. Um amigo que deixa muitas saudades.

Antonino morreu de uma grave doença no coração. Poucas pessoas sabem disso. Ele não queria preocupar os amigos e não comentava com ninguém a respeito. Preferia aguentar sozinho. Ele era um verdadeiro herói brasileiro.


As imagens que ilustram este texto foram retiradas de histórias produzidas para a revista Capitão Mistério – Drácula, da Bloch Editores. No topo desta postagem e nesta imagem de cima, o incrível encontro de Drácula contra… Bruce Ling (qualquer semelhança com Bruce Lee é totalmente proposital!) na história A Viagem do Demônio, publicada no número 8 da revista.  A imagem superior, com Drácula, é da página de abertura da história A Semente do Mal, publicada no número 28. Logo abaixo, a moça na cama foi publicada na história Traficantes do Terror, do número 24, e mais abaixo, à direita, a página foi extraída da história A Vingança de Mary, publicada em Capitão Mistério #26.

Para variar um pouco, publico abaixo outra especialidade do mestre: desenhos de histórias de faroeste. Este foi para a capa da revista Chacal #20 – Série Tony Carson, publicada em janeiro de 1982.

Todos os tons eróticos de Valentina

Valentina e Neutron
Para a mulherada que está ouriçada com esses tons de cinza cinematográficos e, pior, tons de cinza em papel, sugiro a descoberta de Valentina, uma das mais eróticas personagens dos quadrinhos, criada por Guido Crepax em 1965. Valentina Rosselli é fotógrafa e surgiu como coadjuvante das aventuras de ficção-científica de Neutron, um desinteressante investigador que tem poderes especiais e é descendente de uma civilização subterrânea vinda de um lugar chamado Komyatan (pois é…). Mas logo a moça se tornou autônoma e tomou o lugar dele na história, tamanha a força de sua presença (ainda bem que Crepax viu o óbvio a tempo!). Ou seja, ela fez o que toda mulher interessante deveria fazer quando está ao lado de um boçal: tirar o cara da jogada!
Valentina: sexo na praia.
Belíssima, Crepax a desenhou inspirado-se na musa do cinema mudo, Louise Brooks, com cabelos negros curtos e olhos azuis. Depois que saiu da sombra de Neutron, as histórias da fotógrafa passaram a ter um forte conteúdo erótico com muitos momentos alucinantes de fetichismo e sadomasoquismo, e mostram uma mulher assumidamente bissexual, descolada e desinibida, sem ser vulgar.
Valentina, publicada na revista Grilo #33
Se existisse, Valentina teria feito 72 anos no dia 25 de dezembro de 2014. Ela nasceu em Milão em 1942. Tudo isso pode ser confirmado no livro Valentina: Biografia de Uma Personagem, lançado pela L&PM. A obra traz as suas primeiras histórias, desde a sua infância até o nascimento de seu filho. São elas: Intrépida Valentina, Intrépida Valentina de Papel, A Curva de Lesmo (que é a história onde conhece Neutron) e O Bebê de Valentina. Uma boa notícia, já que os poucos livros de Valentina lançados no Brasil estavam esgotados.
Valentina
E, só para finalizar, o fato é que, provavelmente, a “escritora” Erika Leonard James jamais leu nada de Crepax, caso contrário, provavelmente não teria o atrevimento de escrever tantos tons de cinza… Para Crepax bastaram o preto e o branco. E muita ousadia gráfica em seus desenhos.

Conheça o site oficial Valentina, de Guido Crepax, aqui.

Valentina em Riflesso. Publicada na revista AlterLinus #5

Valentina em Riflesso

valentina

 

O faroeste caboclo de Antonino

Antonino Homobono Balieiro
Hoje, dia 27 de abril de 2013, o grande desenhista Antonino Homobono Balieiro faria 60 anos. Já publiquei aqui e aqui diversos textos homenageando esta grande figura humana. Para comemorar esta data, desta vez falarei um pouco de seu talento para desenhar capas de livros de bolso e histórias em quadrinhos de faroeste e cowboys.
Rota do Oeste #1
Certa vez, quando o visitei, ele estava em seu estúdio pintando ao mesmo tempo umas doze ou quinze capas para uns livrinhos de bolso. Eram histórias do faroeste que seriam lançadas em bancas de revista. A cena era inacreditável! Antonino fazia um incrível trabalho em série: primeiro pintava uma determinada cor em todos os desenhos. Depois passava para outra cor, e assim sucessivamente. Os desenhos iam ganhando cores e formas a partir do traço a lápis numa produção contínua. A tinta usada era guache, solúvel em água. Assim, os desenhos que ainda estavam úmidos de tinta, eram pendurados numa espécie de “varal” em cima de sua prancheta, para que pudessem “secar” enquanto ele avançava na pintura das cores seguintes.
Durango #10
Para se ter uma idéia do resultado final desse trabalho do Antonino, basta ver as três artes de capas acima. Os desenhos que ele pintava naquele dia, eram assim, nesse estilo. Seu cliente era uma obscura editora (se não me engano, a Nova Leitura), que publicava esses populares livrinos de bolso, tipo pulp fiction. O mercado para ilustração e histórias em quadrinhos no Brasil era muito restrito. Então, Antonino usada desses artifícios para sobreviver: produzia rapidamente e em quantidade! Bravo Antonino!
Chacal #23 - Série Tony Carson
Antonino Homobono Balieiro também fez diversos trabalhos para a Vecchi. Ele desenhou as capas de dois importantes personagens de histórias em quadrinhos dessa casa publicadora: Chacal (Tony Carson, acima) e Chet (abaixo), uma versão tupiniquim do Tex.
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Na capa acima, de Chet, se percebe claramente que Antonino faz uma homenagem ao grande Joe Kubert, utilizando referências do trabalho desse desenhista. Abaixo, outra capa realizada para a mesma revista: a edição de número 21.
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Mais abaixo, duas páginas desenhadas pelo mestre Antonino para as muitas aventuras de Chet que ele desenhou: a primeira é a página 55, da história “Dólar falsificado” (que apresenta um romance de Chet). A outra, é a nona página da história “Os Proscritos”. Repare na beleza do traço preto e branco do mestre Antonino. Inesquecível!
Chet -Dólar falsificado.
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As incríveis aventuras do Cavaleiro Negro

Cavaleiro Negro #1 - Setembro de 1952
A revista do Cavaleiro Negro, publicada a partir de setembro de 1952 pela Rio Gráfica e Editora (atual Editora Globo), foi uma das revistas de faroeste mais longevas já impressas no Brasil. Não podemos esquecer que The Lone Ranger (editado no Brasil pela Ebal com o nome de Zorro) e, claro, Tex, ultrapassaram em quantidade de edições o personagem da RGE. Mas, mesmo assim, a façanha do Cavaleiro Negro foi impressionante: sua revista chegou às bancas por mais de 20 anos e alcançou a marca de 245 números!
Cavaleiro Negro
Como as aventuras do Cavaleiro Negro eram curtas, ele dividia as páginas de sua revista com outros personagens do faroeste, como Ringo Kid, Arizona Raines, Apache Kid, Sierra Smith, Davy Crocket, Kit Carson, Daniel Boone, entre outras “histórias formidáveis de índios e de cowboys”.

Black Rider 1
Lançado em 1948, no segundo número da revista All-Western Winners, The Black Rider foi criado por Syd Shores para a Timely Comics (que, mais tarde, viria a se tornar a gigante Marvel Comics) e a partir do número 8 a revista passou a se chamar simplesmente de Black Rider. Enfim o Cavaleiro Negro ganhava seu próprio título nos Estados Unidos. Mas isso não foi o suficiente para transformá-lo num sucesso e a série de aventuras com o personagem foi cancelada no número 31, em novembro de 1955. Ele nunca conquistou os leitores americanos. Mas era um sucesso absoluto no Brasil.
Cavaleiro Negro #240 - Página 3
Com a série cancelada em seu país de origem, a RGE teve que encontrar uma solução para continuar publicando a revista, que vendia muito bem. O mais lógico seria produzir aqui as novas aventuras do herói mascarado, já que a editora contava com desenhistas do mais alto nível em seu departamento de arte.

Mas, por mais inacreditável que pareça, a “solução” dada foi a seguinte: outros personagens de faroeste passaram a ser “retocados e transformados no Cavaleiro Negro pelos desenhistas do staff interno da Rio Gráfica”. Essa revelação consta em texto não assinado – provavelmente de autoria de Otacilio D’Assunção – publicado na revista Gibi de Ouro – Os Clássicos dos Quadrinhos – Cavaleiro Negro, lançada em 1985 pela RGE. E isso quer dizer exatamente o que você, leitor, entendeu: através de retoques nos desenhos originais, o Cavaleiro Negro era colocado no lugar do herói de outras histórias de faroeste!
Cavaleiro Negro #240 - Deus do mal
Mas essa falta de respeito com os quadrinhos, os desenhistas e os leitores, durou algum tempo até que, finalmente, a direção da RGE tomou juízo e as aventuras do personagem passaram a ser produzidas no Brasil. Assim, o Cavaleiro Negro ganhou os traços de mestres como Gutemberg (a capa da edição 106, reproduzida abaixo foi desenhada por ele), Walmir, Milton Sardella, Juarez Odilon, entre outros. Mesmo assim, de vez em quando, aventuras de outros caubóis menos importantes continuavam a ser retocadas e transformadas em histórias do caubói mascarado.
Cavaleiro Negro #106 - Capa de Gutemberg
O grande desenhista Gutemberg Monteiro, que fez sua carreira nos Estados Unidos, desenhou diversas histórias do Cavaleiro Negro, como estas páginas reproduzidas abaixo e que fazem parte da história “Balas Marcadas”, publicada na revista do Cavaleiro Negro #113.
Cavaleiro Negro #113, por Gutemberg
Cavaleiro Negro #113, por Gutemberg - página 17
Cavaleiro Negro - quadrinho na página 18, por Gutember.
Muitos desenhistas de talento também produziram histórias de Black Rider nos Estados Unidos. Curiosamente, Jack Kirby foi um deles. Provavelmente a página e o quadrinho que reproduzimos abaixo são trabalhos de Kirby. Pena que a aventura “A luva negra!” não veio creditada.
Cavaleiro Negro #240 - página 20
Cavaleiro Negro #240 - p24
Finalmente, em 1972, a revista do Cavaleiro Negro também estava prestes a ser cancelada pela RGE por absoluta falta de material. Assim, o então diretor de arte, Primaggio Mantovi, decidiu transformar as histórias de Gringo – um personagem de faroeste produzido na Espanha – em aventuras do Cavaleiro Negro, voltando a usar novamente a execrável solução de retocar o personagem. A culpa obviamente não era dele, já que a direção da RGE não lhe dava condições de produção de novas histórias. Mas essa curiosa história será contada em outra postagem.

Abaixo três reproduções de capas da revista Black Rider, publicadas no início da década de 50 nos Estados Unidos.