A polêmica da savanização da Amazônia

A polêmica da savanização da Amazônia


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Ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe e principal representante técnico brasileiro nas discussões internacionais sobre preservação da Amazônia e mudanças do clima, o Prof. Carlos Nobre desenvolveu estudo cuja tese é o processo de morte definitiva de uma floresta tropical desmatada (die-off). Trata-se das áreas degradadas onde árvores grandes não crescem de novo. Segundo o estudo, a savanização poderá ocorrer abrangendo pelo menos quarenta porcento da floresta Amazônica em 2050, em decorrência do aumento de temperatura da atmosfera (efeito estufa ou aquecimento global), somado ao intenso desmatamento ilegal.

Esse aumento de temperatura provocaria estações secas, sem o mínimo suficiente de água para fazer crescer árvores plantadas a partir de mudas de espécies nativas de programas de reflorestamento que visassem à reversão da degradação. A tese parece ser sólida, o estudo idôneo (como toda a atividade do professor e do Inpe), e o fenômeno do die-off observado em duas áreas específicas da Amazônia (sul e leste), onde áreas foram desmatadas, convergem com esse estudo. Essas duas áreas específicas ficaram mais secas e houve mudança no histórico do regime de chuvas por ali; afirma-se que isso aconteceu em decorrência do aumento da temperatura média da terra (efeito estufa).

A partir de sofisticados modelos meteorológicos, o estudo prevê que, se o desmatamento ilegal ocorrer num ritmo agressivo - como por exemplo ocorreu no ano de 2019 - haverá daqui a algumas décadas muito mais áreas peladas em consequência da seca e falta d`água. O desmate e o efeito estufa, provavelmente agravado nas próximas décadas - antes de um eventual recuo do fenômeno dada a possível redução mundial das emissões de carbono - são, portanto parâmetros centrais do estudo. Assim, árvores grandes, como as espécies nativas, não poderiam mais crescer - o que o estudo chama de die-off ou savanização da floresta.

Observa-se, porem, que para materialização desse cenário de destruição - invocado até mesmo pela cineasta ficcionista Petra Costa - seria necessário acontecer tudo de ruim ao mesmo tempo: (1) inexistência nas próximas décadas de programas eficientes disseminados de incentivo à economia local, baseados na exploração econômica da floresta em pé; (2) descontrole ao longo de várias gestões de governo, do desmatamento ilegal em áreas sagradas protegidas pela Lei e pela opinião pública nacional e internacional; (3) aumento das temperaturas da atmosfera, que segundo a ciência climática pode de fato ocorrer por mais algum tempo, ainda que as medidas de mitigação das emissões mundiais de gases do efeito estufa (GEE) apresentem recuo nas próximas décadas. Portanto, essa catástrofe climática ocorreria a partir de três desastres persistentes e simultâneos, dois dos quais, são passíveis de controle por gestões responsáveis do meio ambiente amazônico.

Essa é uma visão extremamente pessimista. Os países já estão reduzindo - ou se ajustando para reduzir - suas emissões, para daqui a algumas décadas zerá-las. Aqui e ali começam a surgir cidades e países como a Costa Rica e a Nova Zelândia, anunciando emissões líquidas zero de GEE. O Brasil, com toda essa implacável pressão internacional, certamente não deixará a Amazônia ser devastada por madeireiros, grileiros, agricultores e pecuaristas ilegais. Além disso, as iniciativas de exploração econômica da floresta em pé, ainda incipientes, podem expandir naturalmente e ainda, receber incentivos de políticas públicas adequadas.

Além disso, as teses da savanização precisam parar em pé ao longo do tempo. A ciência é feita a partir de diversos estudos multifacetados, convergentes e contraditórios. Já existe contestação do die-off, e surgirão mais estudos fundamentados com cenários diversos, contestando ou eventualmente convergindo totalmente ou em alguma medida com o estudo do competente Prof. Carlos Nobre.

Diante desse mosaico de cenários futuros pleno de possibilidades sustentáveis de manejo da floresta, para a cineasta militante do Partido dos Trabalhadores dizer que o atual governo brasileiro está rumando a passos largos no sentido da savanização da Amazônia, é preciso praticar obsessivamente a futurologia do caos.

Em suma, não tem sentido sair em via sacra pelo mundo fazendo propaganda anti-producente, temerária e enganosa, acusando o governo brasileiro de promotor da savanização da Amazônia. Trata-se de terrorismo político-ambientalista de baixo nível ético. A denúncia histérica da cineasta é prematura e politicamente enviesada.

Está claro que o ambientalismo não erra ao usar estudos dessa natureza considerando os cenários mais pessimistas para pressionar pela proteção da floresta e implementação de políticas públicas adequadas com vistas a garantir um futuro sustentável para a Amazônia; mas, existem caminhos mais competentes, menos prejudiciais e mais dignos de trabalhar nesse sentido.

Em suma, para que ocorra o die-off da floresta, é preciso que a tese da savanização de grande parte da Amazônia em 2050 pare em pé ao longo do tempo, que a fiscalização do desmatamento ilegal e a gestão da floresta ao longo de décadas sejam continuamente catastróficas, e - para além de 2050 - apostar no fracasso dos países signatários dos acordos internacionais no combate ao aquecimento global. Um futuro ruim de se comprar.

Depois de a Operação Lava-Jato ter se tornado uma realidade antes inimaginável, é agora permitido aos brasileiros de boa fé, acreditarem num controle de longo prazo da ação ilegal de desmate em curso na Amazônia, e num futuro mais saudável, com a floresta úmida, em pé.


Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L'Avis Eco-Service, especializado no Japão e Suécia em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - SOBRATT e da International Work Transformation Academy - ITA; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental - PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transporte Limpo e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; assessor técnico das entidades ambientalistas na Comissão de Acompanhamento do Proconve - CAP; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute - WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition - CCAC e do International Council on Clean Transportation - ICCT, do qual participou de sua fundação nos anos dois mil; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; participa da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

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